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CADERNOS TEMÁTICOS DE QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 6 – JULHO 2005Antimônio no tratamento de zoonoses

Introdução

Compostos de antimônio já eramusados na antiguidade comocosméticos e fármacos. Atual-

mente os medicamentos antimo-niais continuam sendo emprega-dos, essencialmente na terapêu-t ica das doenças parasi tár iasleishmaniose e esquistossomose,mas apresentam sérios efeitoscolaterais. Osgrandes laborató-rios farmacêuticosinvestem pouco nodesenvolv imentode alternativas te-rapêut icas paraessas doenças,p r i n c i p a l m e n t eporque são classi-ficadas como doenças negligen-ciadas, que dão pouco lucro.Neste artigo apresentaremos bre-vemente as doenças que sebeneficiam do tratamento comcompostos de antimônio e algunsaspectos da farmacologia dosantimoniais. Mostraremos tambémas estratégias propostas paramelhorar o tratamento com essesmedicamentos por meio de suasapresentações em novas “embala-gens”1.

Quimioterapia antimonial

Quimioterapia das leishmaniosesAs leishmanioses são doenças

parasitárias que atingem cerca de12 milhões de pessoas no mundo.São zoonoses típicas de áreasrurais de regiões tropicais e subtro-picais. No entanto, uma crescenteurbanização da doença tem sidoobservada. Provocada por para-

sitas protozoáriosdo gênero Leishma-nia, a enfermidade étransmitida ao ho-mem (ou outroshospedeiros verte-brados) pela picadade um mosquitohematófago infec-tado, denominado

flebótomo. Esses parasitas são fa-gocitados pelos macrófagos2, ondese multiplicam livremente e esca-pam aos sistemas de defesa dohospedeiro. No Brasil ocorrem cer-ca de 30 mil novos casos anuais dadoença, sendo a população debaixa renda a mais atingida.

A Leishmania corresponde a umcomplexo de várias espécies quecausam diferentes tipos de manifes-tações clínicas, incluindo as formascutânea, cutâneo-mucosa e visceral.

No continente americano, podemosdiferenciar duas formas de leishma-niose: Leishmaniose TegumentarAmericana (cutânea e cutâneo-mu-cosa) e a Leishmaniose VisceralAmericana (ou calazar). O cão apa-rece como hospedeiro e tem papelimportante como reservatório e fontede infecção da doença em áreasendêmicas.

A moléstia foi descrita pela primei-ra vez em 1903 pelo inglês WilliamLeishman. No entanto, em 1571 PedroPizarro já havia relatado que povossituados nos vales quentes do Perueram dizimados por uma doença quedesfigurava o nariz e que foi poste-riormente caracterizada como leish-maniose.

No início do século passado,Gaspar Vianna foi o primeiro a relatara eficácia do tártaro emético, antimo-nial trivalente (Esquema 1), no trata-mento da leishmaniose cutâneo-mu-cosa (Vianna, 1912). A partir dos tra-balhos desse importante médicobrasileiro, os doentes de calazar (for-ma visceral e fatal da doença) passa-ram a ter esperança de sobrevi-vência.

Entretanto, em razão de seus gra-ves efeitos colaterais, os complexosde antimônio trivalente (SbIII) foramrapidamente substituídos por comple-

Cynthia Demicheli e Frédéric Frézard

Apresentaremos neste artigo as doenças parasitárias que se beneficiam da quimioterapia antimonial,alguns aspectos da farmacologia dos medicamentos à base de antimônio, as principais limitações do trata-mento atual e novas alternativas terapêuticas.

antimônio, lipossomas, leishmaniose, esquistossomose

As leishmanioses sãodoenças parasitárias

(zoonoses) típicas de áreasrurais de regiões tropicais esubtropicais que atingemcerca de 12 milhões de

pessoas em todo o mundo

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xos de antimônio pentavalente (SbV).Foi proposto que o SbV se comporta-ria como uma pró-droga, sendo redu-zido por tióis a SbIII no organismohospedeiro. Segundo essa hipótese,SbIII seria a forma ativa e tóxica doantimônio. A biomolécula glutationa(GSH, esquema 2), que contém ogrupo sulfidrila e é o tiol predominanteno meio intracelular, seria um fortecandidato a redutor de SbV a SbIII (Fré-zard et al, 2001; Ferreira et al., 2003).A equação (1) mostra a redução deSbV a SbIII com formação de umcomplexo onde três moléculas deGSH se ligam ao SbIII.

SbO3– + 5GSH + H+ ↔

Sb(GS)3 + GSSG + 3H2O (1)

Tem sido sugerido que nos meiosbiológicos SbIII interagiria com os gru-pos sulfidrilas de certas proteínas, re-sultando na perda de sua função. Poroutro lado, foi também demonstradoque SbV forma complexos com ribo-nucleosídeos, e que essa interaçãopoderia ter implicações no mecanis-mo de ação dos antimoniais (Esque-ma 3) (Demicheli et al., 2002). NaFigura 1, mostramos um esquemados dois modelos propostos para omecanismo de ação dos antimoniaispentavalentes.

Os medicamentos utilizados co-mo primeira escolha para o tratamen-to de todas as formas de leishmanio-se no homem continuam sendo com-

postos à base de SbV. Essen-cialmente, dois derivados deantimônio pentavalente encon-tram-se em uso clínico desde1945: o antimoniato de meglu-mina (Glucantime®, Rhodia,Foto 1) e o estibogluconato desódio (Pentostam®, Welcome)(Esquema 4) (Marsden et al.,1985). No Brasil o medica-mento utilizado é antimoniatode meglumina. O composto éobtido sinteticamente a partirde SbV e N-metil-D-glucamina,mas não possui fórmula estru-tural definida. Porém, tem sidosugerido que o antimônio seliga ao N-metil-D-glucaminaatravés do oxigênio do carbo-no-3 (Esquema 4).

Esses compostos injetáveissão administrados por um pe-ríodo de 20-40 dias, o que difi-culta a adesão dos pacientes.Outro fator limitante na terapêuticadessa doença no Brasil é sua grandeocorrência em zonas rurais, com poucaassistência médica. Assim, as desis-tências do tratamento tornam-se fre-qüentes, o que tende a aumentar osreservatórios e o aparecimento de for-mas resistentes do parasita. A toxidezé um outro problema encontrado nouso dos antimoniais pentavalentes(Marsden et al., 1985; Berman et al.,1997). Os efeitos aparecem principal-mente ao final do tratamento e algunspacientes desenvolvem problemas nocoração, nos rins e no fígado.

Em caso de insucesso com essassubstâncias, seja pelo aparecimentode resistência ao tratamento ou porreação de hipersensibilidade ao anti-mônio, podem-se utilizar outros fár-macos como pentamidina, anfoteri-cina B e paramomicina (Esquema 5)(Berman et al., 1997).

Diante dessas limitações, a Orga-nização Mundial da Saúde (OMS)recomenda a pesquisa de novos fár-macos e formulações, bem como devias de administração mais simplese seguras, como as vias oral e tópica(Ridley, 2003).

Esquema 1

Esquema 2

Figura 1: Dois modelos propostos para o mecanismo de ação dos antimoniais pentava-lentes. O modelo (1) envolve a redução de SbV a SbIII pelos tióis; o modelo (2) envolve aformação de complexo SbV-ribonucleosídeo.

Esquema 3: Complexo de Sb(V) com o ribonucleo-sídeo adenosina.

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Quimioterapia da esquistossomoseA esquistossomose é uma doença

parasitária crônica, transmitida porum caramujo cujos parasitas sãoespécies do gênero Schistosoma. Astrês principais espécies que afetamo homem são S. haematobium, S.mansoni e S. japonicum. A infecção

é causada pelas cercárias3, liberadaspelo hospedeiro intermediário (molus-co) em águas limpas, que penetramatravés da pele do homem quandoeste entra em contato com a águacontaminada. Estima-se que, no Bra-sil, 8 a 10 milhões de indivíduos este-jam infectados, dos quais 1 milhão

desenvolvem quadro clínico grave,com danos irreversíveis ao fígado ebaço. As precárias condições sanitá-rias no Brasil e a ausência de umacorreta exploração de recursos hídri-cos contribuem para a prevalência dadoença (Neves et al., 1995).

O primeiro medicamento empre-gado com êxito no tratamento da es-quistossomose foi o tártaro emético(Esquema 1). Esse medicamento eraadministrado por via endovenosa emdoses múltiplas, em um período deaproximadamente um mês. Váriosefeitos colaterais, incluindo náuseas,vômitos, diarréia e alterações no ritmodo coração eram normalmente obser-vados no decorrer do tratamento. Emnumerosos casos o tratamento tinhaque ser interrompido pela falta deadesão dos pacientes (Cioli et al.,1995).

Buscando melhorar a quimiotera-pia antimonial na esquistossomose,centenas de compostos orgânicos deSbIII foram sintetizados e testados,sendo que alguns chegaram a serutilizados na clínica. Foi observadoque os compostos que se ligam aometal por meio de átomos de enxofresão menos tóxicos, mas, por outrolado, menos eficientes do que aque-les que se ligam ao metal através deátomos de oxigênio.

Depois de 50 anos de uso clínico,os antimoniais trivalentes foram final-mente substituídos por medicamen-tos menos tóxicos e ativos por via oral.Hoje em dia, os dois fármacos em usoclínico são a oxamniquina e o prazi-quantel (Esquema 6) Entretanto, osprimeiros relatos que mostram o apa-recimento de formas resistentes doparasita apontam para a necessidadede desenvolver novos medicamentos(Sturrock, 2001).

A síntese do antimoniato demeglumina (Glucantime®)

O Glucantime® (foto 1) é comer-cializado no Brasil pela Aventis. Deacordo com a patente francesa, sur-gida na década de 40, o produtopode ser preparado a partir de pen-tacloreto de antimônio (SbCl5) e de N-metil-D-glucamina, em uma misturade clorofórmio:água e base orgânicaa frio. Observa-se que a rota sintética

Esquema 4

Esquema 5

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é bastante complicada.Recentemente, pesquisadores da

UFMG obtiveram o antimoniato demeglumina através de dois processosdiferentes: a partir de SbCl5 ou a partirdo KSb(OH)6 (Demicheli et al.,1999;2003). O primeiro método, que usaSbCl5, segue as etapas: (i) hidrólisede SbCl5 em água e separação dopentóxido de antimônio hidratadoformado na reação de hidrólise; (ii)adição de uma solução aquosa de N-metil-D-glucamina ao pentóxido deantimônio na razão 1:1 e reação empH neutro a 60 °C até obtenção deuma solução límpida; (iii) precipitaçãodo antimoniato de meglumina comacetona. O segundo método, que usaKSb(OH)6 como fonte do SbV, consistedas seguintes etapas: (i) mistura ereação de KSb(OH)6 com N-metil-D-glucamina em água, em pH neutro a60 °C; (ii) precipitação do antimoniatode meglumina com acetona.

Lipossomas e aplicações naquimioterapia antimonial

A utilização da maioria dos com-postos terapêuticos tem sido limitadapela impossibilidade de aumento dasua dosagem em razão da retençãoou degradação do fármaco, de suabaixa solubilidade e dos efeitoscolaterais indesejáveis inerentes à suautilização. Esse problema despertouo interesse no desenvolvimento desistemas capazes de transportar umcomposto terapêutico até um alvoespecifico.

Em 1965, Alec Bangham e cola-

boradores publicaram umtrabalho de investigaçãosobre a difusão de íonsatravés de um sistema devesículas fosfolipídicasartificiais, ao qual seriadado o nome de liposso-mas (Bangham et al.,1965). Em 1971, GregoryGregoriadis propôs, pelaprimeira vez, a utilizaçãodos lipossomas como sis-tema transportador de fár-macos (Gregoriadis e Ry-man, 1971).

Estrutura e composiçãodos lipossomas

Os lipossomas sãovesículas esféricas, cons-tituídas de uma ou váriasbicamadas concêntricasde lipídeos, que isolam um ou maiscompartimentos aquosos internos domeio externo. Classicamente liposso-mas são preparados a partir do glice-rofosfolipídeo fosfatidilcolina (Figura2). De uma forma mais geral, lipos-somas podem ser obtidos a partir dequalquer substância anfifílica forma-dora de fase lamelar4.

Tipicamente, o diâmetro médio doslipossomas varia de 20 nm a 5000 nm.Por terem dimensões na escala “nano”,lipossomas são considerados “nano-sistemas”. Lipídeos apresentandocarga efetiva negativa ou positiva po-dem também ser incluídos na compo-sição da membrana, o que podeinfluenciar a taxa de incorporação desubstâncias, assim como o destinodos lipossomas. Substâncias farmaco-logicamente ativas podem ser incorpo-

radas, seja no compartimento aquosointerno (substâncias hidrossolúveis),seja nas membranas dos lipossomas(substâncias lipofílicas ou anfifílicas)(Frézard et al., 1999).

Métodos de preparo de liposso-mas e de encapsulação de fármacosforam relatados em inúmeros artigosincluindo algumas revisões em línguaportuguesa (Santos et al., 2002).

Destino dos lipossomasconvencionais

Os lipossomas convencionais (for-mados de fosfatidilcolina ou de surfac-tantes não-iônicos e de colesterol),quando administrados por via endove-nosa, são naturalmente capturadospelos macrófagos do sistema mono-nuclear fagocitário, principalmente dofígado, do baço e da medula óssea

Figura 2: Estrutura e composição de lipossomas unilamelares.

Esquema 6

Foto 1: Glucantime® é o medicamento comercializadopela Aventis, na forma de solução injetável, que contémo fármaco antimoniato de meglumina.

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(Frézard et al., 1999). Como ilustradona Figura 3, a administração de fárma-cos na forma encapsulada em liposso-mas resulta no aumento de sua con-centração nesses órgãos, assim comona redução da concentração em ór-gãos apresentando capilares contínu-os (rins, cérebro, coração, músculos).Depois da fagocitose, os lipossomassão degradados pelas fosfolipaseslisossomais e a substância é liberadanos fagolisossomas, podendo sedifundir para o citossol ou ser excretadapara o meio extracelular. A velocidadede liberação do princípio ativo pode sercontrolada pela manipulação tanto dacomposição da membrana (influen-ciando a velocidade de degradaçãodos lipossomas), quanto do tamanhodos lipossomas (influenciando a efi-ciência de captura pelos macrófagos).Assim, lipossomas pequenos serãocapturados com menor eficiência quelipossomas grandes, permanecerãomais tempo na circulação sanguíneae apresentarão uma liberação maisprolongada.

Destino dos lipossomas furtivosA descoberta recente de que o

destino in vivo dos lipossomas pode-ria ser controlado por meio da mani-pulação de suas características desuperfície constitui um dos principaisavanços da década de 90. Foi obser-

vado que a incorporação, na mem-brana dos lipossomas, de lipídeosacoplados a polímeros de etilenogli-col, altera sua interação com o am-biente, sendo o efeito mais importanteo impedimento dacaptura pelos ma-crófagos e a prolon-gação de sua pre-sença no organismo(Woodle e Lasic,1992). Em conse-qüência, esses tiposde lipossomas, cha-mados de “liposso-mas furtivos”, promovem uma pre-sença prolongada da substância nacirculação sanguínea e uma distribui-ção para outros órgãos além daque-les do sistema mononuclear fagoci-tário (Figura 3).

Potencial dos lipossomas notratamento da leishmaniose visceral

Em 1977-78, grupos ingleses eamericanos de pesquisa propuseramo uso de lipossomas convencionaiscontendo drogas leishmanicidascomo uma nova abordagem para otratamento da leishmaniose visceral(Black et al., 1977; Alving et al., 1978;New et al., 1978). Essa proposta foibaseada na observação de que anti-moniais pentavalentes encapsuladosem lipossomas eram de 200 a 700 ve-

zes mais eficazes do que a forma livreem modelos experimentais de leish-maniose visceral (hamsters, camun-dongos ou cães infectados por Leish-mania donovani). O aumento espe-

tacular da eficáciadessas drogas foiatribuído ao destinonatural dos liposso-mas por via endove-nosa, pois eles sãocaptados pelos mes-mos órgãos (o fíga-do, o baço e a medu-la óssea) e pelas

mesmas células (os macrófagos teci-duais) nas quais se localiza o parasita(Frézard et al., 2000, Schettini et al.,2003).

A anfotericina B também pode serincorporada em lipossomas, e estu-dos mostraram que a formulação daanfotericina em lipossomas é consi-deravelmente menos tóxica que aanfotericina livre (Davidson et al.,1996). Assim, os lipossomas conven-cionais apresentam-se como siste-mas ideais para direcionar drogasleishmanicidas para o local da infec-ção.

Potencial dos lipossomas notratamento da esquistossomose

Os primeiros estudos realizadoscom lipossomas convencionais admi-nistrados por via subcutânea eviden-ciaram a capacidade dos lipossomasde potenciar e prolongar o efeitoprofilático das drogas esquistos-somicidas oxamniquina, praziquantel,e tártaro emético (Esquemas 1 e 6).O efeito benéfico dos lipossomas foiatribuído às suas propriedades deliberação prolongada, resultando noaumento da biodisponibilidade doprincípio ativo.

Recentemente, um estudo comcamundongos, feito por pesquisa-dores da Universidade Federal deMinas Gerais (UFMG), mostrou queé possível diminuir a toxicidez dotártaro emético e aumentar suaatividade contra S. mansoni (DeMelo et al., 2003). Ao invés deaplicar o antimonial diretamente nosangue dos camundongos, foi feitoo encapsulamento do tártaroemético nos lipossomas antes da

Figura 3: Destino dos lipossomas convencionais (1) e furtivos (2), na circulaçãosanguínea.

Lipossomas pequenos sãocapturados com menor

eficiência que lipossomasgrandes, permanecem mais

tempo na circulaçãosanguínea e apresentam

uma liberação maisprolongada

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injeção nos animais. Os pesquisa-dores constataram um aumento deeficácia do antimonial somentequando usavam os lipossomasfurtivos, que permanecem maistempo na circulação. Desse modo,aumenta-se a chance de a drogaser consumida peloS. Mansoni, que sealimenta de nutrien-tes do sangue. Amaior eficácia doslipossomas furtivos,quando compa-rados aos conven-cionais, foi atribuídaà biodisponibi l i -dade mais elevadado princípio ativo.

Quando submetidos a uma altadose de antimônio (27 mg Sb/kg),todos os camundongos (12/12) quereceberam o tártaro emético naforma livre morreram, enquantoaqueles que receberam a forma en-capsulada em lipossomas sobre-viveram. Conclui-se assim que oslipossomas furtivos reduzem a to-xicidez aguda do tártaro emético edirecionam com eficácia a droga aoS. mansoni durante o curso da in-fecção. Esse estudo mostrou, pelaprimeira vez, o efeito benéfico dosvetores furtivos no tratamento daesquistossomose mansoni.

ConclusõesO planejamento, a síntese e o

desenvolvimento de novos medica-mentos são, na maioria das vezes,processos demorados e muito dis-pendiosos. Para que um princípioativo se transforme em um medica-mento, ele deve passar por avalia-ções pré-clinicas (em animais) e,em seguida, por ensaios clínicos(em humanos), que são realizadosem quatro fases sucessivas, sendoque a liberação do medicamentodeve estar de acordo com asnormas das autoridades sanitárias.Nesse contexto, a estratégia derejuvenescimento de medica-mentos já caracterizados do pontode vista farmacológico, a qualconsiste no desenvolvimento denovas formulações farmacêuticas,torna-se vantajosa porque dispensa

muitas vezes a real ização deensaios pré-clínicos e a primeirafase dos ensaios clínicos.

A quimioterapia convencionaldas leishmanioses e da esquistos-somose apresenta várias limitaçõese precisa ser melhorada para

proporcionar umamaior taxa de cura emais conforto aospacientes. Mos-tramos, neste arti-go, que estratégiasterapêuticas, ba-seadas no uso delipossomas comoveículos de fárma-cos, podem serusadas no desen-

volvimento de novos medicamentosà base de antimônio para o trata-mento da leishmaniose e esquistos-somose. Por outro lado, na escolhado nano-sistema, é fundamentallevar em consideração tanto suabiodistribuição quanto as caracte-rísticas da doença, principalmentecom respeito à localização do para-sita.

Notas1. Termo usado em sentido figu-

rado para substituir a expressãosistema transportador de fárma-cos.

2. Célula mesodérmica formadapela adaptação funcional da célulaconjuntivo-vascular ou do glóbulomononuclear linfático ou sanguí-neo. Destina-se a englobar e digeriros corpos estranhos.

3. Estágio larval de certos nema-tóides, caracterizado por um corpoalongado terminado em ponto, comcauda, e ornado de cílios para seudeslocamento à procura de hospe-deiro intermediário.

4. Tipo de organização estruturaldos lipídeos na forma de bicamada.

Frédéric Frézard ([email protected]), doutor emCiências Biofísicas pela Université Paris VI, França,é professor adjunto do Departamento de Fisiologiae Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da Uni-versidade Federal de Minas Gerais (UFMG). CynthiaPeres Demicheli (demichel@ dedalus.lcc.ufmg.br),bacharel e mestre em Química pelo Instituto de Ciên-cias Exatas da UFMG e doutora em Ciências-Quí-micas pela Université Paris XIII, França, é professoraadjunta do Departamento de Química da UFMG.

A estratégia derejuvenescimento de

medicamentos jácaracterizados do pontode vista farmacológico

torna-se vantajosa porquedispensa muitas vezes a

realização de ensaios pré-clínicos e a primeira fase

dos ensaios clínicos

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FERREIRA, C.S.; MARTINS, P.S.;DEMICHELI, C.; BROCHU, C.; OUELLE-

2005 é o Ano Mundial da FísicaA Assembléia Geral das Nações Unidas adotou, pela resolução A/58/L.62, que 2005 seria declarado o Ano Mundial

da Física. A idéia de se escolher este ano não veio ao acaso; ela está ligada a um fato de grande importância históricapara a Física Moderna: em 2005 estará sendo comemorado o centenário da publicação dos trabalhos de Einstein sobreo fóton, a relatividade especial, a relação massa-energia e o movimentobrowniano. Um dos principais objetivos do WYP2005 échamar a atenção do público em geral, mas especial-mente dos jovens, para a importância da Física nomundo contemporâneo.

A Sociedade Brasileira de Física lancou duas publi-cações dentre suas atividades para comemorar estadata: um número especial da Revista Brasileira de Ensinode Física onde estão traduzidos artigos originais deEinstein até o momento inéditos em português. Artigos derevisão sobre os temas estudados por Einstein tambémacompanham essa edição histórica da RBEF. Além disso,um número especial da revista A Física na Escola está sendopreparado. Contando com cerca de vinte artigos a respeitode Einstein, seus trabalhos e o estado da arte da Física nesteinício de século, a revista, voltada para professores do EnsinoMédio e estudantes de Licenciatura de cursos de Física eCiências, tem seu lançamento previsto para julho.

Saiba mais sobre o Ano Mundial da Física visitando o sítioda SBF no endereço

www.sbfisica.org.br/

Abstract: In this article we describe parasitic diseases which can be treated by antimony chemotherapy, along with some pharmacological aspects of antimony-based drugs. The main restrictionsof the presently used treatment and novel therapeutic alternatives are also discussed.Keywords: antimony, liposomes, leishmaniasis, schistosomiasis

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Nota


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