INTERNATIONAL JOURNAL ON WORKING CONDITIONS
ISSN 2182-9535
Publicação editada pela RICOT (Rede de Investigação sobre Condições de Trabalho) Instituto de Sociologia da Universidade do Porto Publication edited by RICOT (Working Conditions Research Network) Institute of Sociology, University of Porto
http://ricot.com.pt
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A Promoção da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho nas Empresas de Construção em Cabo Verde
Paulo Palhinha
Mestre em Engenharia Civil. Engenheiro Civil Sénior. Técnico Superior de Segurança no Trabalho. Coimbra, Portugal, E.mail:. [email protected].
The Promotion of Health and Safety at Work in the Construction Companies of Cape Verde
Abstract: This paper presents part of a study conducted in Cape Verde about construction companies to improve the knowledge of the reality of safety, hygiene and health at work by contractors. The information about how the construction companies are implementing legal requirements of safety and the safety, hygiene and health indicators at work were given by the companies technicians. With the treatment of the data was possible to know information about what kind of health and safety services were adopted, the training of technicians responsible for the services, the existence of medicine at work, the contracting of compulsory insurance against accidents, the workers training, the implementation of collective and individual protective equipment and the occurrence of fatal accidents. This study includes a critical analysis on the results based on the information obtained in the available bibliography, communication with the technicians and the direct observation of the construction sites in the territory, questioning whether, in fact, the numbers are better than the working conditions or if the reality triggers divergent information. Keywords: Cape Verde, health and safety, contractor, construction site.
Resumo: Este artigo apresenta parte de um estudo efetuado nas empresas de construção de Cabo Verde para melhorar o conhecimento da realidade da promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho pelos empreiteiros. Para o estudo foram utilizados dados disponibilizados pelos técnicos das empresas relativos ao cumprimento dos principais requisitos legais e indicadores de segurança, higiene e saúde no trabalho. Com o tratamento dos dados foi possível verificar qual o tipo de serviços de higiene e segurança no trabalho adotados e qual a formação dos técnicos responsáveis pelos serviços, assim como, aferir da existência de medicina no trabalho e da contratualização dos seguros obrigatórios de acidentes de trabalho. Foram também conhecidos os números relativamente à formação ministrada, da implementação de equipamentos de proteção coletiva, da distribuição da proteção individual e da ocorrência de acidentes de trabalho mortais nos estaleiros. Apresenta-se também uma análise crítica dos resultados com base na informação obtida na recolha bibliográfica, na comunicação com os intervenientes e na observação direta dos estaleiros no território, questionando-se se, de facto, os números são representativos das condições de trabalho ou se, a realidade desencadeia dados divergentes dos verificados. Palavras-chave: Cabo Verde, higiene e segurança, empreiteiro, construção, estaleiro.
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1. Introdução A Declaração Universal dos Direitos do Homem consagra a salvaguarda da vida
como a essência da atividade humana e de todos os outros direitos fundamentais. Esta
verdade insuprível, reconhecida no artigo 3.º, constitui a primeira pedra-angular da
Declaração, proclamando o “direito à vida, liberdade e segurança pessoal”, essencial para
o estabelecimento de todos os outros direitos.
No Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais é
assinalado que todas as pessoas têm o direito a usufruir de “condições de trabalho justas
e favoráveis”.
Estes ideais comuns a todos os povos e nações – que os ratificaram ou aderiram – e
as Convenções da Organização Internacional do Trabalho constituem o âmago da defesa
da equidade dos direitos dos trabalhadores a nível global, fundamentados em valores
universalmente aceites, partilhados e regulados, promovendo o acesso a um trabalho
digno e produtivo, em condições de liberdade, igualdade e dignidade.
Cabo Verde tem assumido o compromisso de celebrar estes ideais universais (Ficha
Informativa Sobre Direitos Humanos, 2011), inclusive a Constituição da República, no que
respeita às condições laborais, consagra no seu artigo 63º que “os trabalhadores têm (…)
direito a: condições de dignidade, higiene, saúde e segurança no trabalho”.
Este pequeno arquipélago da costa oeste africana tem feito um esforço no sentido
de se desenvolver, promover a liberdade e igualdade, melhorar progressivamente a
qualidade de vida aos seus cidadãos, assim como, de dignificar as condições de trabalho.
Todavia, importa aferir se, de facto, as empresas, e designadamente as empresas de
construção, estão a cumprir os requisitos legais para que os trabalhadores usufruam das
condições laborais mais adequadas.
2. Cabo Verde: o país e a economia
Cabo Verde é um país constituído por 10 ilhas, 9 delas povoadas por cerca de 500
mil habitantes, num território de pouco mais de 4000km2, localizado na costa africana a
cerca de 450km a oeste do Senegal (Victória, 2012). O arquipélago está localizado na
zona sub-saheliana, com um clima árido ou semiárido, com uma estação húmida curta, de
apenas 3 meses (Julho a Setembro), sendo um dos países com menor precipitação a
nível global. A ocorrência de precipitação apresenta uma grande variabilidade inter-anual,
com anos com períodos de forte pluviosidade e outros de seca, sendo que as chuvadas
são frequentemente concentradas em alguns dias, muito intensas e de erosividade
elevada (Nunes, 2012). Cabo verde, sendo um país de desenvolvimento médio segundo o
Relatório do Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, apresenta uma economia
muito débil, sofrendo particularmente com a carência persistente de recursos naturais:
água, combustíveis fósseis, metais, madeira, solo para aproveitamento agrícola e a quase
totalidade de matérias-primas que poderiam ser utilizadas na indústria (Nascimento, 2008)
– inclusive na construção uma parte significativa da areia e das pedras têm que ser
importadas. Mesmo os escassos recursos disponíveis revelam-se pouco sustentáveis,
face à significativa fragilidade ecológica resultante da variabilidade da precipitação e ao
crescimento populacional que se tem registado (Banco Africano de Desenvolvimento,
2012) – tendo a população triplicado desde 1950 segundo os dados do Instituto Nacional
de Estatística de Cabo Verde. Os principais meios económicos são: a agricultura (ainda
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em fase de desenvolvimento), o aproveitamento da riqueza marinha do arquipélago (em
parte por países estrangeiros), a prestação de serviços e, mais recentemente, o turismo,
que tem ganhado crescente relevância, sendo o motor da atual economia e representando
um quarto da riqueza produzida (Nascimento, 2008).
Os fluxos gerados pela economia desde sempre foram insuficientes para financiar o
seu desenvolvimento, devido aos constrangimentos relativos à referida falta de recursos,
ao défice da balança comercial e à dimensão e fragmentação do território (Nascimento,
2008).
A pequena e aberta economia cabo-verdiana é estruturalmente vulnerável dado o
seu elevado grau de abertura e a sua dependência da ajuda financeira externa. Esta é
compensada pelas remessas dos imigrantes e pela cooperação estrangeira, destacando-
se presentemente o apoio à manutenção da paridade fixa entre o escudo cabo-verdiano e
o euro e o programa do Governo Norte-Americano que se destina a combater a pobreza
mundial – Millennium Challenge Account (Banco Africano de Desenvolvimento, 2012).
Mesmo assim, e apesar do contexto económico internacional desfavorável, a
economia cabo-verdiana desenvolveu-se significativamente, crescendo em média na
primeira década deste século cerca 6%, todavia, conhecendo um abrandamento nestes
últimos anos (Banco de Portugal, 2012). Esta transformação foi sustentada por um vasto
programa de construção de infraestruturas por parte do Governo em domínios vitais como
os transportes terrestres, marítimos e aéreos, o abastecimento de água, a drenagem e
tratamento de águas residuais, o fornecimento de energia elétrica e as telecomunicações
(Leite, 2004).
3. O Mercado da Construção de Cabo Verde
O mercado da construção conheceu um franco crescimento na década passada, até
se verificar alguma estagnação desde 2008, mas, representando ainda um valor a rondar
os 11% do produto interno bruto, cifrando-se anualmente em mais de 100 milhões de
euros (Banco Africano de Desenvolvimento, 2012).
A expetativa, face à conjuntura internacional (e consequente diminuição dos apoios e
financiamentos externos), ao endividamento registado e às dificuldades da economia
local, era que nos próximos anos se continuaria a manter este significativo abrandamento.
Alguma da exígua dinâmica existente resultava da construção de um conjunto de
empreendimentos de habitação de interesse social, denominado Programa Casa Para
Todos, financiado por Portugal e com participação maioritária na construção e fiscalização
de empresas oriundas deste país (Palhinha, 2013).
Este abrandamento teve um forte impacte nas empresas (empreiteiros, projetistas e
fiscalização) existentes no mercado, assim como, na importação de produtos sobretudo
oriundos de Portugal (principalmente, máquinas e materiais de construção que
representavam mais de 20% do total exportado deste país para Cabo Verde (Câmara de
Comércio Indústria e Turismo Portugal Cabo Verde, 2015) – sendo o maior exportador).
A reduzida dimensão do sector da construção em Cabo Verde conseguia abarcar um
número elevado de empresas, várias delas oriundas da Europa e da proveniência dos
programas de cooperação para o investimento em infraestruturas, criando grandes
dificuldades às empresas locais, devido à maior competitividade, a melhores meios e às
condições mais vantajosas na obtenção de financiamento (Palhinha, 2013).
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Na última década têm sido mediatizados problemas em algumas obras estruturantes,
que têm suscitado alguma desconfiança na opinião pública sobre a construção das
grandes empreitadas que já tinham sido terminadas e de outras que se encontravam a
decorrer. Casos paradigmáticos são: a queda da ponte na Ilha da Boa Vista pouco tempo
após o início da sua exploração; a construção do anel rodoviário da Ilha do Fogo que viu o
seu custo final ascender a um valor muito acima do adjudicado para abranger uma
extensão de rodovia que foi menos de metade do previsto; e, problemas técnicos e de
controlo dos custos em alguns projetos de construção de barragens. Mais recentemente
registou-se a suspensão dos trabalhos por parte de dezenas de empreiteiros nas obras do
Programa Casa Para Todos (Figura 1).
Figura 1: Estaleiro do Programa Casa Para Todos na Praia, Ilha de Santiago
4. A Sinistralidade laboral em Cabo Verde
Em Cabo Verde, é à Inspecção-Geral do Trabalho (IGT) que estão atribuídas as
competências para fiscalizar e assegurar a aplicação das disposições legais relativas às
condições de trabalho, a proteção dos trabalhadores no exercício da sua profissão e a
implementação das normas relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho. Segundo
a informação disponibilizada, e relativa ao ano 2012, a Inspecção-Geral do Trabalho
realizou um pouco mais de 2 mil visitas inspetivas, sendo que cerca de 60% se realizaram
nas ilhas de Santiago e S. Vicente. Nas visitas inspetivas, verificaram o incumprimento em
46,7% das empresas, constando principalmente falhas no cumprimento de normas de
segurança e higiene em instalações, na observância do horário de trabalho e do período
de férias, a não inscrição dos trabalhadores no Instituto Nacional de Previdência Social e
a inexistência de seguro obrigatório de acidentes de trabalho (Pedro, 2013).
Os números da sinistralidade disponibilizados pela entidade inspetiva (IGT, 2015)
apontaram para, nos anos de 2011 a 2013, a ocorrência de, respetivamente, 202, 288 e
194 acidentes de trabalho registados pelas companhias seguradoras (tabela 1). Nestes,
entre um terço e um quarto dos acidentes de trabalho ocorreram no setor da construção:
67, 78 e 47, respetivamente. Nos números anunciados não foi disponibilizada informação
sobre o número de fatalidades ou de feridos graves. Assinala-se também que alguns dos
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valores apresentados suscitaram certa perplexidade, destacando-se o setor de hotelaria e
restauração que não registou qualquer acidente em 2011, passando para 51 sinistros em
2012. Ou então, o aumento de 24 acidentes em 2011 para mais do dobro – 54 – no ano
seguinte em “Outros Serviços”. O aumento verificado nos sinistros registados de 2011
para 2012 resulta em grande parte das subidas nestes dois setores de atividade. Já no
ano de 2013 verifica-se um retrocesso quase generalizado em todos os setores de
atividade para números inferiores a 2012, com a única exceção a vir do “Comércio”.
Tabela 1: Acidentes de Trabalho em Cabo Verde em 2011, 2012 e 2013
Setor de Atividade 2011 2012 2013
Indústria 38 32 16
Construção 67 78 47
Metalúrgica 37 38 28
Hotelaria e Restauração 0 51 28
Comércio 31 26 27
Transportes 4 9 6
Agricultura 1 0 0
Outros Serviços 24 54 42
TOTAL 202 288 194
Fonte: IGT Cabo Verde, 2015.
No estudo de Monteiro (2011) são apresentados os números da sinistralidade de
duas seguradoras de Cabo Verde. A seguradora GARANTIA – Companhia de Seguros de
Cabo Verde – que tem cerca de metade da quota de mercado – indicou o número de
acidentes de trabalho entre os anos de 2005 e 2009, registando-se nesse período entre
31 e 41 sinistros entre os seus segurados (tabela 2). No que respeita à ocorrência de
acidentes mortais, verificou-se unicamente uma fatalidade no ano de 2005. Todavia, foi
assinalado que, nesse período, a seguradora tinha conhecimento de outros acidentes
mortais mas em empresas que não tinham contratualizado o seguro obrigatório de
acidentes de trabalho. Relativamente ao registo de invalidez permanente em resultado de
sinistros verificava-se um total de 24 trabalhadores nos 5 anos – média anual de cerca de
5 incapacitados para o trabalho. Destaca-se para a gravidade dos acidentes de trabalho
apresentados, já que a cada 7 acidentes de trabalho se verificava uma fatalidade ou a
invalidez permanente do acidentado. Esta mesma seguradora referiu que cerca de 80%
dos acidentes eram provenientes do sector da construção civil. Este número parece ser
francamente exagerado, contrariando o referido, designadamente, pela Inspecção-Geral
do Trabalho.
Tabela 2: Acidentes de Trabalho registados em Cabo Verde
pela GARANTIA entre 2005 e 2009
Ano Acidentes
de Trabalho
Número de
Mortes
Invalidez
Permanente
2005 33 1 6
2006 31 -- 3
2007 33 -- 3
2008 41 -- 10
2009 36 -- 2
Fonte: Monteiro, 2011.
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Já a outra seguradora com uma cota de mercado semelhante – IMPAR – Companhia
Caboverdiana de Seguros – também apresentou os números da sinistralidade com os
seus segurados, mas apenas para os anos de 2008 e 2009 (tabela 3). No ano de 2008, os
seus segurados registaram um total de 86 acidentes, sendo 28 na construção, e em 2009,
de um total de 46 acidentes, 13 foram na construção, mantendo a proporção de cerca de
um terço, conforme se pode verificar nos dados apresentados da Inspecção-Geral do
Trabalho.
Tabela 3: Acidentes de Trabalho em Cabo Verde registados pela IMPAR em 2008 e 2009
Ano Acidentes de Trabalho
Geral Construção
2008 86 28
2009 46 13
Fonte: Monteiro, 2011.
No documento foi ainda assinalado que as seguradoras não fizeram qualquer
tratamento estatístico das causas dos seus acidentes, nem procederam a qualquer estudo
da sua distribuição geográfica. Por outro lado, foi referido que a maior causa de acidentes
de trabalho mortais em Cabo Verde era a queda em altura.
No âmbito do presente estudo o autor procedeu ao contacto com estas seguradoras
no sentido de lhe ser facultado uma atualização dos dados da sinistralidade dos seus
segurados ou de outra informação relevante, todavia, não foram concedidos quaisquer
elementos.
Algo que era comummente referido pelas entidades era a inexistência de
contratualização ou não pagamento pelos empregadores dos seguros obrigatórios de
acidentes de trabalho – algo que é imposto no número 2 do artigo 293º do Código
Laboral: “O empregador deve transferir a responsabilidade pela reparação dos danos
emergentes de acidente de trabalho para entidades legalmente autorizadas a fazer este
seguro”. Este facto desencadeia um sentimento de fragilidade e vulnerabilidade social nos
trabalhadores; e, quando se verifica a ocorrência de um sinistro numa situação de
incumprimento acaba por se desembocar na exclusão dos mecanismos normais de
assistência à vítima e na carência extrema para o trabalhador e sua família. Neste âmbito
é conhecido pelos intervenientes algumas situações em que se verificou um
aproveitamento dos empregadores, persuadindo os trabalhadores a não o indicarem
como acidente de trabalho aquando da prestação dos cuidados de saúde ou,
posteriormente, na fase de inquérito do sinistro. Sendo que, desta forma, os números da
sinistralidade surgem mascarados, sendo previsível extrapolar para valores bem
superiores aos números aqui apresentados, mas não se conhecendo a sua verdadeira
magnitude.
5. A legislação para a Promoção da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho
Cabo Verde, no âmbito da sua política de melhoria da segurança e saúde no
trabalho, ratificou em 2000 a Convenção n.º 155 da Organização Internacional do
Trabalho, relativa à segurança, à saúde dos trabalhadores e ao ambiente de trabalho, de
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22 de Junho de 1981, visando assegurar a implementação das medidas que permitam
condições de trabalho dignas e globalmente reconhecidas.
Antes, já o Decreto-Lei n.º 55/99, de 6 de Setembro, fixava as medidas que
garantiam nos locais de trabalho a segurança e a saúde dos trabalhadores, aplicável a
todos os ramos de atividade, incluindo os trabalhadores do sector da construção
consideravam-se abrangidos por este regulamento em tudo o que lhe for aplicável,
independentemente da regulamentação específica que viria a ser adotada.
Este diploma específico foi proclamado no Decreto-Lei n.º 64/2010, de 27 de
Dezembro, estabelecendo as regras gerais de planeamento, organização e coordenação
para promover a segurança, higiene e saúde no trabalho em estaleiros de construção,
garantindo “a segurança e a protecção da saúde de todos os intervenientes”, bem como,
“ter em conta os princípios gerais de prevenção de riscos profissionais”. Com este diploma
ambicioso, foram estabelecidas as responsabilidades dos intervenientes, assegurada o
planeamento dos mecanismos de prevenção e determinados os requisitos mínimos a
serem implementados. Para garantir uma melhor gestão e prevenção, foi também adotada
a figura do coordenador em matéria de segurança e saúde “quando a elaboração ou
execução do projecto da obra esteja cometida a mais de um sujeito ou empresa”, que é
nomeado pelo dono da obra.
O Código Laboral, aprovado pelo Decreto Legislativo n.º 5/2007, de 16 de Outubro,
estabelece que o empregador deve assegurar ao trabalhador “adequadas condições de
trabalho, especialmente em matéria de higiene e segurança”, cabendo ao trabalhador
“observar as normas de higiene e segurança no trabalho”.
O Decreto-Lei n.º 45/2010, de 11 de Outubro, que estabelece o regime jurídico
aplicável ao exercício da atividade da construção, assinala no seu artigo 7º, que a
capacidade técnica de exercício da atividade da construção “é determinada em função da
avaliação dos meios humanos e técnicos da empresa empregues na produção, na gestão
da segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como da sua experiência na execução de
obras e da sua estrutura organizacional”. “A avaliação dos meios humanos tem em conta
(…) recurso a serviços por profissionais afectos à gestão da segurança, higiene e saúde
do trabalho, nos termos da legislação aplicável”. Também “a estrutura organizacional é
aferida em função (…) da apreciação do seu organograma, distinguindo as diversas
funções, nomeadamente de direcção, administrativas, de produção e de gestão de obra e
de gestão da segurança e da qualidade”.
A legislação cabo-verdiana prevê em grande medida uma parte significativa dos
requisitos e meios fundamentais para a promoção da segurança, higiene e saúde no
trabalho, designadamente: os serviços, a prevenção, a responsabilização, a garantia de
postos de trabalhos adequados, o assegurar da assistência em caso de acidente ou
doença, o inquérito e registo dos acidentes de trabalho, a existência da medicina no
trabalho, a necessidade de formação e a utilização de equipamentos de proteção (Santos,
2014).
Na análise de alguns artigos de diplomas legislativos portugueses e cabo-verdianos,
não se pode deixar de constatar alguma similitude, previsivelmente decorrente de uma
partilha sociocultural e académica dos povos, todavia, com todas as vantagens e
inconvenientes que daí advêm face às dissemelhanças presentes.
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6. Metodologia do Estudo
A população escolhida para o estudo realizado foram as empresas de construção
que se encontravam a intervir em Cabo Verde, com alvará de construção e que exerciam
principalmente funções de empreiteiro geral.
A amostra foi constituída por 13 empresas – tendo sido reunida informação sobre
estaleiros de construção em 8 das 9 ilhas habitadas de Cabo Verde, sendo possivelmente
considerada como moderadamente representativa de um país e mercado reduzido.
Assinala-se que estas empresas tinham nos quadros ou estavam ligadas contratualmente
a cerca de 8% dos quase 16 000 trabalhadores que exerciam a atividade na construção
em 2014 – segundo os dados do emprego do Instituto Nacional de Estatística (INECV,
2015). Todas empresas abrangidas eram de direito cabo-verdiano ou sucursais de
construtoras portuguesas.
O questionário às empresas decorreu durante o período de Novembro de 2014 a
Junho de 2015. A escolha da amostra foi efetuada por conveniência e a informação
recolhida dependeu da disponibilidade dos técnicos para voluntariamente procederam à
resposta do questionário apresentado, sendo efetuada via correio eletrónico ou
pessoalmente numa entrevista.
Os técnicos a quem foi solicitada a resposta ao questionário eram ou foram
colaboradores dos empreiteiros abrangidos e com formação superior em engenharia,
técnicos superiores de segurança e higiene no trabalho ou desempenhavam funções de
direção nas empresas.
A todas as empresas e técnicos inquiridos foi garantida a total confidencialidade,
sendo assegurado que apenas seria publicado o resultado do tratamento estatístico da
informação recolhida.
O questionário, além de alguma informação das empresas, abordou um conjunto de
fatores que condicionavam significativamente a promoção da higiene, segurança e saúde
no trabalho e que são descritos de seguida (tabela 4).
O cumprimento do artigo 78° do Decreto-Lei nº 55/99, de 6 de Setembro, que
estabelece que em todos os locais de trabalho, com mais de 50 trabalhadores
(abrangendo uma grande parte dos estaleiros das empresas abrangidas), deve ser
organizado um serviço de higiene e segurança sob orientação de um técnico denominado
“encarregado de segurança”. A nomeação do encarregado de segurança e demais
elementos do serviço de higiene e segurança é da exclusiva competência do empregador,
que deverá fazê-la entre as pessoas com qualificação apropriada.
No mesmo diploma, mas no artigo 75º, está estabelecida a obrigatoriedade de o
empregador promover a realização de exames médicos com a finalidade de verificar a
aptidão física e psíquica do trabalhador para o exercício da sua profissão, sendo
abarcados: exames de admissão; exames periódicos (a realizar anualmente para os
menores de 18 anos e maiores de 45 e de dois em dois anos para os restantes
trabalhadores); e, exames ocasionais sempre que haja alterações suscetíveis na saúde
do trabalhador.
Aos questionados foi também solicitada uma avaliação qualitativa da seleção e
utilização de equipamentos de proteção coletiva na sua empresa, retratando o
cumprimento da legislação em vigor, podendo optar por: “Bom” – distinguia um
cumprimento acima dos requisitos mínimos legais; “Regular” – quando existia o
cumprimento dos requisitos mínimos impostos pela lei; “Falhas” – quando existiam
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pequenas falhas em situações pontuais na implementação dos equipamentos que não
punham em risco a vida dos trabalhadores, “Falhas Graves” – se equipamentos de
proteção eram colocados de forma não adequada à situação ou colocados de forma
incorreta e pondo em causa a vida dos trabalhadores; e, “Inexistentes” – se a empresa
não dispunha de uma parte significativa dos equipamentos que deveriam ser
implementados.
Tabela 4: Tabela-resumo com fatores abordados no inquérito às empresas
Fatores Opções de Resposta Requisito legal
Serviços Higiene e
Segurança no
Trabalho
Tipo de Serviços:
Internos
Externos
Sem serviços
Técnico Responsável
TSHST
THST
Outros Profissionais
Art.º 78° do Decreto-Lei
nº 55/99
Medicina no
Trabalho
Sim
Não
Art.º 75° do Decreto-Lei
nº 55/99,
Seguro Acidentes
Trabalho
Sim
Não
Art.º 293° do Decreto-
Legislativo nº 5/2007
Registo de
Acidentes Trabalho
Sim
Não
Art.º 79° do Decreto-Lei
nº 55/99
Seleção e utilização
de equipamentos de
proteção coletiva
Bom: cumprimento acima dos requisitos mínimos legais
Regular: cumprimento dos requisitos mínimos impostos
pela lei
Falhas: pequenas falhas em situações pontuais que não
punham em risco a vida dos trabalhadores
Falhas Graves: colocação de forma não adequada e pondo
em causa a vida dos trabalhadores
Inexistente
Art.º 17º do Decreto-Lei
nº 64/2010
Seleção e
disponibilização de
equipamentos de
proteção individual
Adequados: disponibilização cumprindo os requisitos
mínimos da legislação
Para todos: distribuídos à totalidade dos trabalhadores,
mesmo que estado não fosse adequado melhor;
Insuficientes: número insuficiente a ser disponibilizado aos
trabalhadores
Não disponibilizados
Art.º 4º do Decreto-Lei
nº 55/99
Formação em SHT Sim
Não
Horas por ano
Art.º 4º do Decreto-Lei
nº 55/99
Acidentes de
trabalho mortais nos
últimos 10 anos
Empresa/Subempreiteiros:
Sim
Não
Acidentes por ano
Igualmente foi pedida a avaliação da seleção e disponibilização de equipamentos de
proteção individual que melhor retratava a realidade na empresa, sendo que: “Adequados”
– distinguia a disponibilização dos equipamentos de proteção individual cumprindo os
requisitos mínimos da legislação; “Para todos” – quando os equipamentos de proteção
individual eram distribuídos à totalidade dos trabalhadores, mesmo que o seu estado não
fosse adequado melhor; “Insuficientes” – quando era exíguo o número de equipamentos
de proteção individual a ser disponibilizado aos trabalhadores; e, “Não disponibilizados” –
quando a empresa não distribuía os equipamentos aos trabalhadores. Assinala-se que o
questionário apenas abordou a disponibilização dos equipamentos, não sendo abrangida
a sua utilização.
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Segundo o artigo 4º do Decreto-Lei nº 55/99, de 6 de Setembro, constitui obrigação
do empregador: “Informar os trabalhadores dos riscos a que podem estar sujeitos e das
precauções a tomar, dando especial atenção aos admitidos pela primeira vez ou mudados
de posto de trabalho, e promover uma formação eficaz, dos trabalhadores e seus
representantes em matéria de segurança, saúde e ambiente de trabalho”. Para aferir o
cumprimento desta obrigação legal questionou-se se era ministrada formação aos
trabalhadores em obra.
Para finalizar, foi ainda solicitado que indicassem os números dos acidentes de
trabalho mortais registados com os trabalhadores da empresa e de empresas
subcontratadas nos últimos 10 anos.
7. Resultados e Discussão
Os resultados obtidos no tratamento estatístico derivam apenas da compilação dos
valores e cálculo da sua significância perante a totalidade dos dados respetivos da
amostra.
Desta forma foi possível apurar, designadamente, o cumprimento do estabelecido no
que concerne aos serviços de higiene e segurança, verificando-se que em pouco menos
de um quarto (23%) das empresas não existiam quaisquer serviços instalados. Fazendo-
se uma análise às empresas que não dispunham destes serviços, verificou-se que eram
principalmente as de menor dimensão e que não tinham nos seus quadros mais de 50
trabalhadores. Contudo, algumas destas mesmas empresas tinham à sua
responsabilidade estaleiros, em que exerciam as funções de empreiteiro geral, e em que o
número de trabalhadores a laborar em simultâneo ultrapassava a meia centena. Todas as
restantes assinalaram que possuíam serviços de higiene e segurança e que estes eram
prestados internamente por técnicos da empresa, não se verificando a existência de
serviços externos às empresas ou serviços comuns. Em 40% dos casos os serviços eram
assumidos por técnicos superiores de higiene e segurança no trabalho, 20% por técnicos
de higiene e segurança no trabalho e os restantes 40% por profissionais com outro tipo de
formação, especialmente, engenharia civil.
No que respeita à medicina no trabalho e à realização dos exames médicos, apenas
um pouco mais de metade das empresas (54%) referiu que cumpria este requisito legal.
Nestas, estão incluídas algumas empresas de direito português e estabelecidas no
território através de sucursais, que assinalaram que os trabalhadores continuavam a
realizar os exames médicos em Portugal. Assim sendo, questiona-se: se os trabalhadores
da empresa com residência permanente em Cabo Verde, viajariam para o território
português para a realização do exame ou se o estariam a fazê-los localmente ou, se, de
facto, estaria ou não a ser cumprido na íntegra este requisito legal. Este aspeto é de
grande importância e deve ser esclarecido adequadamente em estudos futuros.
Além de apenas cerca de metade das empresas terem assinalado que cumpria o
requisito, foi patente a pouca importância que era dada pelos intervenientes ao
acompanhamento médico do estado de saúde dos trabalhadores.
À questão sobre a existência de seguro obrigatório de acidentes de trabalho, todas
as empresas responderam positivamente. Todavia, no âmbito deste estudo, não foi
possível apurar se a apólice estava válida ou se sempre esteve ao longo do tempo em
resultado do pagamento respetivo do prémio dentro do prazo estabelecido. Este facto era
tão mais sensível face à difusão frequente nos órgãos de comunicação social da
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existência de dívidas avultadas das empresas a trabalhadores, fornecedores e instituições
públicas, designadamente, as contribuições para a providência social.
De acordo com as respostas dadas, o registo dos acidentes de trabalho era
realizado por cerca de três quartos das empresas (77%), deixando as restantes os
sinistros sem qualquer informação/documentação sobre os elementos do acidentado, as
circunstâncias, as causas, as consequências e as conclusões tiradas para a
implementação de medidas corretivas ou preventivas no futuro.
Na avaliação das empresas pelos técnicos relativamente à seleção e implementação
dos equipamentos de proteção coletiva (Figura 2), pôde-se verificar que apenas uma
pequena percentagem admitiu a existência de falhas (8%), mas apenas em situações
pontuais e sem gravidade. Não existiu nenhuma empresa que considerasse as opções de
resposta “Falhas Graves” ou equipamentos de proteção coletiva “Inexistentes” como as
mais indicadas para a sua realidade. A grande maioria das empresas (85%) considerava
que apenas cumpria os requisitos mínimos regulamentares, sendo uma exceção as que
consideravam ter bons equipamentos de proteção e que faziam uma boa aplicação dos
mesmos (8%).
Figura 2: Avaliação das Empresa à Utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva
Bom 8%
Regular 84%
Falhas 8%
Falhas Graves0%
Inexistentes0%
Utilização de Equipamentos de Proteção Coletiva
Quanto à disponibilização dos equipamentos de proteção individual pelas empresas
aos seus trabalhadores (figura 3), destaca-se que a quase totalidade da resposta tendeu
para as opções: “Adequada” (62%) e “Para todos” (23%). Apenas 8% das empresas
classificaram que os equipamentos de proteção individual eram “Insuficientes” e não
existiu nenhuma empresa que assumisse que os equipamentos seriam “Não
disponibilizados” aos seus trabalhadores. Uma pequena parte (8%) das empresas optou
por não responder a esta questão por motivos que se desconheceram.
Figura 3: Avaliação das Empresa à disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual
Adequada61%
Para todos23%
Insuficientes8%
Não disponibilizados
0%
Não respondeu8%
Disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual
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Todas as empresas referiram ter distribuído a todos os seus colaboradores: as botas
de segurança, o capacete de proteção e o colete refletor (figura 4). Já no que respeita à
disponibilização das luvas de proteção aos trabalhadores foi referido que apenas
acontecia numa parte significativa das empresas (77%) e somente cerca de metade
fornecia as máscaras filtrantes aos seus colaboradores (54%). Com a análise destes
números pode-se assinalar que o enfoque das empresas passava pela disponibilização
dos equipamentos de proteção individuais de utilização permanente, sendo descurada a
proteção com recurso os equipamentos de uso temporário e também com menor
durabilidade.
Figura 4: Disponibilização de Equipamentos de Proteção Individual aos trabalhadores
100% 100% 100%
54%
77%
Botas desegurança
Coleterefletor
Capacete deproteção
Máscara filtrante Luvas deproteção
Equipamentos de Proteção Individual Disponibilizados
Embora fosse comum verificar nos estaleiros de construção a colocação de
equipamentos de proteção coletiva e a utilização de equipamentos de proteção individual
pelos trabalhadores, porém, também era visível na simples observação da realidade que a
utilização estava muito distante daquilo que seria desejável. Relativamente à proteção
coletiva, a título de exemplo, podia constatar-se que em quase todos os estaleiros
existiam andaimes para a realização de trabalhos em altura, sendo que uma parte
significativa deles não cumpria os requisitos de conceção previstos nas normas
internacionais. Conjuntamente, saltava à vista que a grande parte dos dispositivos de
proteção não eram total ou parcialmente montados, sendo muito frequente a existência de
inúmeras plataformas descontinuadas e desconexas, deixando imensas aberturas e
zonas desprotegidas (Figuras 5 e 6).
Eram igualmente comuns as falhas nos elementos estruturais e de estabilidade, bem
como, a não instalação de escadas adequadas para acesso aos diferentes níveis,
originando a utilização de acessos desajustados e desprotegidas. Já no que diz respeito
aos equipamentos de proteção individual, na maioria das obras com alguma dimensão,
era comum o seu uso, todavia, as falhas na utilização eram recorrentes, encontrando-se
muitos desses equipamentos muito deteriorados e sendo usados de forma desajustada às
funções para os quais eram concebidos. Os empregadores, por seu turno, queixavam-se
de, no mercado local, a disponibilidade de equipamentos ser muito reduzida e os preços
dos mesmos condicionarem em muito a sua aquisição e implementação.
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Figuras 5 e 6: A utilização de equipamentos de proteção coletiva e individual em estaleiro
Voltando ao questionário, considera-se que as respostas dos inquiridos comportam
sempre uma natural subjetividade. As presentes, pressupõe-se que, foram também
condicionadas pela relação laboral existente (muitas das vezes precária) e associada a
uma possível perspetiva de não comprometimento da imagem da empresa numa área tão
delicada como a higiene, segurança e saúde no trabalho – mesmo com a
confidencialidade assegurada para as empresas e os inquiridos. A título de exemplo –
considerando a avaliação dos equipamentos de proteção coletiva e individual – numa
observação expedita aos estaleiros de algumas empresas inquiridas, e mesmo de outras
não abrangidas, pôde considerar-se que os números refletiam, no mínimo, algum
otimismo ou, quiçá, um desconhecimento dos requisitos legais e/ou das boas práticas.
Outra possibilidade seria os inquiridos terem utilizado como base para a comparação a
prática corrente, algo que não se aproximava tão-pouco dos requisitos mínimos legais
para garantir a segurança dos trabalhadores.
No que respeita à formação ministrada pelos empregadores na área da higiene e
segurança no trabalho, apenas 23% das empresas assinalaram que efetivamente a
proporcionavam aos seus colaboradores. Sendo que, das empresas que ofereceram
formação aos seus trabalhadores, em nenhum dos casos o valor foi superior a 12 horas
por ano e a média foram 10 horas anuais. Com valores tão reduzidos na formação
ministrada não se vislumbravam alterações profundas na implementação de medidas de
higiene e segurança laboral, pois, era evidente que um dos principais intervenientes –
trabalhador – não se encontrava devidamente capacitado. Desta forma, os trabalhadores
muito dificilmente adquiririam os imprescindíveis conhecimentos teórico-práticos para
melhorarem a implementação de medidas preventivas no desempenho das suas funções.
Relativamente à sinistralidade laboral, e ao registo de acidentes de trabalhos mortais
com trabalhadores das empresas nos últimos 10 anos, 77% das respostas assinalavam a
sua não ocorrência. Nas restantes empresas onde, tragicamente, estes se verificaram, o
seu número variava entre uma e duas fatalidades.
Apenas uma empresa referiu a existência de uma morte de um trabalhador de um
dos seus subempreiteiros nos últimos dez anos. Todavia, regista-se que 15% das
empresas não responderam a esta questão. Esta disparidade entre os acidentes mortais
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de trabalhadores da empresa e trabalhadores de subcontratados não se ajustava à
natural proporcionalidade existente no contexto dos estaleiros em Cabo Verde, com o
recurso maciço à terciarização, ao trabalho temporário e, não poucas vezes, ao trabalho
informal. Acrescenta-se que os trabalhos com riscos especiais (por exemplo: estrutura de
betão armado, assentamento de alvenaria, revestimentos exteriores, trabalhos em
coberturas, montagem de vãos exteriores ou colocação de infraestruturas enterradas)
eram normalmente executados por empresas subcontratadas ou empresas de trabalho
temporário, expondo os trabalhadores durante longos períodos a riscos muito
significativos. Questiona-se se o registo de apenas uma fatalidade teria sido condicionado
pela dimensão da amostra ou um resultado ocultado pelas empresas que não
responderam à questão. Outra hipótese seria o desconhecimento dos inquiridos de
algumas ocorrências nos estaleiros, ou, ainda, por alguma insuficiência nos registos dos
acidentes de trabalho.
Este estudo não consistiu num levantamento exaustivo dos dados, apenas a
solicitação da resposta a um questionário que permitia um conjunto de respostas pré-
estabelecidas. Assinala-se que não foi possível apurar a veracidade das respostas e dos
factos referidos que serviram de base às mesmas.
Principalmente nas situações em que questionário foi efetuado por entrevista direta
ao inquirido, foi patente a existência de muitas insuficiências na gestão da informação e
nos registos efetuados pelas empresas, perspetivando uma dura realidade na
organização dos serviços de higiene e segurança no trabalho, salvo algumas raras
exceções.
8. Considerações Finais
Cabo Verde é um país insular onde os recursos naturais sempre foram muito
escassos, sendo necessária a importação de bens, mas também de serviços, para uma
grande parte dos sectores de atividade, inclusive para a construção.
Nos seus 40 anos de independência, este país tem traçado um caminho que
proclama o reconhecimento da dignidade humana, adotando os documentos universais
que respeitam os direitos e liberdades do homem, assim como, a promoção das
condições de trabalho dignas. Contudo, as condições de segurança que se verificaram
nos estaleiros do arquipélago preocupavam – ou pelo menos deveriam inquietar – os
intervenientes com responsabilidades no setor, face à exposição que se constatou dos
trabalhadores aos riscos e à evidente utilização indevida ou ausência de equipamentos de
proteção coletiva e individual.
Os números disponibilizados pelas instituições cabo-verdianas relativamente à
sinistralidade laboral não continham informação suficiente que permitisse retirar grandes
conclusões sobre as condições de trabalho, podendo, numa análise menos cuidada,
dissimular uma realidade preocupante.
A expressão “cultura de segurança”, muito em voga no universo da segurança
ocupacional, não tinha grande repercussão nos trabalhadores e empresas em Cabo
Verde, prevalecendo – infelizmente – as rotinas de trabalho sustentadas na destreza do
trabalhador e nas parcas medidas preventivas que eram aplicadas. A “segurança”
dificilmente poderia assumir um patamar prioritário na decisão pelos vários intervenientes,
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prevendo-se uma hegemonia do custo e prazo na ponderação da seleção dos meios para
a realização das atividades.
O mercado da construção recorria a um número significativo de mão-de-obra
subcontratada ou temporária, sendo que o questionário abordava maioritariamente
questões relacionadas com os trabalhadores de empresas com funções sobretudo de
empreiteiro geral. Se se considerar que a grande parte dos trabalhos com riscos especiais
eram realizados por empresas subcontratadas, talvez a realidade patenteada num estudo
relativo às condições de trabalho nesses empregadores fosse ainda menos favorável.
Assinala-se o esforço muitas vezes isolado e infrutífero na sensibilização e
promoção da higiene e segurança no trabalho de alguns intervenientes e entidades, ainda
que com recursos muito escassos.
Com a informação recolhida, ainda que com as reservas necessárias e atendendo à
significância da amostra num mercado tão circunscrito, considera-se que foi possível
aprofundar o conhecimento das condições de segurança e saúde no trabalho nas
empresas de construção em Cabo Verde.
9. Bibliografia
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