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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE GOVERNO DA PROVÍNCIA DE MANICA ARPAC INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO SÓCIO CULTURAL

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REPÚBLICA DE MOÇAMBIQUE

GOVERNO DA PROVÍNCIA DE MANICA

ARPAC – INSTITUTO DE INVESTIGAÇÃO SÓCIO – CULTURAL

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Ficha Técnica

Membros da comunidade de Nhassacara envolvidos

1. Aissa Luís Jairosse

2. Albertina Maipa Niquisse 3. Alessi Sinate 4. Augusto José Baute 5. Bernardino Alficha 6. Cesário Alferes 7. Daniel Domingos 8. Ernesto Fole Lingada 9. Estivine Américo 10. Febi Jairosse 11. Fernando Timóteo 12. João Nzeru 13. João Pessane 14. Juliano Cutambula 15. Julio Simione 16. Lavumo Languitone Viagem 17. Linda Samissone 18. Maria Domingos Maitene 19. Octavio Frangue Nguiraze 20. Patrício Julai 21. Pinducai Campaunde 22. Queniasse Dique Sarcato 23. Raimundo Muandipandussa 24. Zeferino Manejo

Título: Património Cultural Imaterial do Distrito de Báruè: Caso da Localidade de Nhassacara,

Organização e orientação: Alberto Folowara e Killian Dzinduwa.

Autores: Alberto Folowara, Killian Dzinduwa, Pascoal Saraiva, Conde Saiconde, Mariano Bento e Epifánio Benesse.

Colaboração: Edmar Raene, Felizardo Jequecene, Leandro Fernando e Júlio Faindane

Direcção: João Fenhane

Ano: 2016

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SUMARIO

Lista de tabelas ……………………………………………………………………………... 4

Lista de figuras ……………………………………………………………………………… 4

Introdução ……………………………………………………………………………………. 9

Metodologia de trabalho …………………………………………………………………. 11

O Sitío Nhassacara ……………………………………………………………………….. 16

Cestaria (kumanga zvitsero ne matengu) …………………………………………….. 36

Olaria (kuumba) …………………………………………………………………………… 51

Carpintaria (kutsema) ……………………………………………………………………. 59

Cerâmica (kudinda madina) ……………………………………………………………. 65

Culinaria (kubika) ……………………………………………………………………….... 72

Ferragem (kukoma) ……………………………………………………………………….. 87

Tecelagem (kuruka) ……………………………………………………………………….. 91

Medicina tradicional (kurapa) ………………………………………………………….. 96

Mikanda …………………………………………………………………………………... 102

Música tradicional ………………………………………………………………………. 105

Dança tradicional ……………………………………………………………………..... 114

Contos (ngano) …………………………………………………………………………... 128

Ritos ………………………………………………………………………………………... 133

Rito de nascimento (kubarwa kwemwana) …………………………………………... 134

Rito de casamento (kurora) ………………………………………………………………. 141

Rito de morte (rufu) ………………………………………………………………………... 152

Rito de chuva (kuteta madzi) …………………………………………………………….. 162

Bibliografia ……………………………………………………………………………………….. 169

Lista dos entrevistados ………………………………………………………………... 170

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Lista de Tabelas

Tabela 1: Manifestações ideficadas por cada bairro que compõe a Localidade

sede de Nhassacara (Fonte: Autores)………………………………………………...…16

Tabela 2: Distribuição por sexo e idade da população da Localidade de

Nhassacara (Fonte: INE)…………………………………………………………………..27

Tabela 3: Rede escolar da Localidade de Nhassacara nos anos de 2014 e 2015

(Fonte: SDEJT de Báruè, 2015)………………………………………………………….31

Tabela 4: Taxa de desistência em % da Localidade de Nhassacara para o ano de

2014 (Fonte: SDEJT de Báruè, 2015)…………………………………………………..32

Tabela 5: Principais patologias da Localidade de Nhassacara nos anos de 2013,

2014 e 2015 (Fonte: SDSMAS de Báruè, 2015)………………………………………33

Tabela 6: Casos de desnutrição da Localidade de Nhassacara nos anos de

2013, 2014 e 2015 (Fonte: SDSMAS de Báruè, 2015)……………………………...34

Lista de Figuras

Figura 1: Primeiro contacto com a comunidade (Foto de Epifânio Caluane

Benesse)……………………………………………………………………………………….14

Figura 2: Membro da comunidade assinando o consentimento livre, prévio e

informado (Foto de Felizardo Jequecene)………………………………………………14

Figura 3: Participantes descutem o trabalho em grupo (Foto de

Killian.Dzinduwa)……………………………………………………………………………15

Figura 4: Senhor Nguirazi, membro da comunidade, desenhando o mapa da

Localidade de Nhassacara no chão (Foto de Killian Dzinduwa)…………………..15

Figura 5: Membro da comunidade apresentando resultados de trabalho feito

em grupo (Foto de Killian Dzinduwa)…………………………………………………..15

Figura 6: Mapa da Localidade de Nhassacara - Mapeamento em croqui (Foto de

Killian Dzinduwa)……………………………………………………………………………15

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Figura 7: Membros da comunidade recolhem dados do PCI nos bairros

mediante demostração do praticante (Foto de Mariano Bento)………………..…17

Figura 8: Membros da comunidade recolhem dados do PCI no bairro mediante

explicação do praticante (Foto de Leandro Fernando)………………………………17

Figura 9: Enquadramento geográfico da Localidade de Nhassacara (Fonte:

Autor)…………………………………………………………………………………………..20

Figura 10: Imagem de satélite da Localidade de Nhassacara (Fonte: Google

Earth)…………………………………………………………………………………………..22

Figura11: Pirámide etária da Localidade de Nhassacara(Fonte: Autor)……...…28

Figura 12: Tipologia de residência ao nível da Localidade de Nhassacara – casas

de construção precária (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)…………………….30

Figura 13: Tipologia de residência ao nível da Localidade de Nhassacara – casas

de construção convencional (Foto de Conde Serafim Saiconde)………………….30

Figura 14: Vista parcial da EN7 atravessando a Localidade de Nhassacara (Foto

de Conde Serafim Saiconde)………………………………………………………………36

Figura 15: Parte de tipo de veículos que circulam ao nível da Localidade de

Nhassacara (Fotos de Conde Serafim Saiconde)……………………………………..36

Figura 16: Artesão no acto de fabrico de cestos (Foto deLeandro Fernando)….42

Figura 17: Artesão demostrando o processo de fabrico de peneira (Foto de

Mariano Bento Candieiro)…………………………………………………………………44

Figura 18: Artesão no acto de fabrico de esteira feita com base no caniço

denominado “mitete” (Foto de Epifânio Caluane Benesse)………………………...48

Figura 19: Esteira no acto de fabricação, com base no caniço denominado

“nzire” (Foto de Edimar Fernando Reane)……………………………………………..49

Figura 20: Potes de barro resultantes da olaria (Foto de Edimar Fernando

Reane)………………………………………………………………………………………….52

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Figura 21: Barro misturado com água em um molde côncavo (Foto de Conde

Serafim Saiconde)…………………………………………………………………………...54

Figura 22: Panela de barro sendo moldada (Foto de Edimar Fernando

Reane)………………………………………………………………………………………….56

Figura 23: Oleira moldando uma panela de barro (Foto de Edimar Fernando

Reane)………………………………………………………………………………………….56

Figura 24: Aros para janelas (Foto de Leandro Fernando)…………………………62

Figura 25: Porta estufada em processo de fabrico e aros para janelas (Foto de

Pascoal dos Santos Saraiva)………………………………………………………………62

Figura 26: Ceramista depois de despositar no solo a massa de tijolo húmida

(Foto de Leandro Fernando)………………………………………………………………65

Figura 27: Forma dupla utilizada na fabrição de tijolos (Foto da Internet)……65

Figura 28: Ceramistas trabalhando no processo de secagem de tijolos (Foto de

Leandro Fernando)………………………………………………………………………….66

Figura 29: Demostração de arumação do forno (Foto de Leandro

Fernando).…………………………………………………………………………………….68

Figura 30: Forno depois de queimado (Foto de Leandro Fernando)……………..68

Figura 31: Prato contendo kwechete (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)…...71

Figura 32: Prato contendo quiabo de cima após sua retirada da machamba

(Foto de Conde Serafim Saiconde)……………………………………………………….73

Figura 2: Cozinheira cortando quiabo em rodelas para sua preparação (Foto de

Conde Serafim Saiconde)………………………………………………………………73

Figura 34: Momento da preparação do quiabo (Foto de Conde Serafim

Saiconde)………………………………………………………………………………………74

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Figura 35: Quiabo já preparado e servido em prato (Foto de Conde Serafim

Saiconde)………………………………………………………………………………………75

Figura 36: Pó de quiabo usado para preparação de kadududzira (Foto de

Pascoal dos Santos Saraiva)………………………………………………………………76

Figura 37: Folhas seca de feijão nhemba (nkundza) misturado com outros

ingredientes (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)………………………………….78

Figura 38: Folhas seca de feijão nhemba sem igredientes (Foto de Pascoal dos

Santos Saraiva)………………………………………………………………………………78

Figura 39: Praticante da culinária demonstrando formas de servir a refeição

(Foto de Leandro Fernando)………………………………………………………………79

Figura 40: Membros da comunidade e técnicos passando junto a refeição

depois de preparada (Foto de Leandro Fernando)……………………………………79

Figura 41: Tambor contendo kabanga durante o processo de cozedura (Foto de

Mariano Bento Candieiro)…………………………………………………………………81

Figura 42: Ferreiro demonstrando o seu ofício, a medida que exibe alguns de

seus instrumentos de trabalho (Foto de Mariano Bento Candieiro)……………..84

Figura 43: Praticante da tecelagem demostrando o processo de bordagem de

diversos artigos de vestuário (Foto de Mariano

Bento Candieiro)…………………………………………………………………………….86

Figura 44: Rolo de linha de diversas cores (Foto da Internet)…………………….86

Figura 45: Praticante da tecelagem exibindo uma calça para uso de uma

criança (Foto de Mariano Bento Candieiro﴿……………………………………………88

Figura 46: Praticante mostrando uma criança vestindo chapéu feito com

recurso a tecelagem (Foto de Mariano Bento Candieiro)………………………......89

Figura 47: Amostra de chapéu confeccionado com recurso a tecelagem (Foto da

Internet)…………………………………………………………………………………….…89

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Figura 48: Botinhas feita com recurso a tecelagemparauso de bebês (Foto de

Mariano Bento Candieiro)…………………………………………………………………89

Figura 49: Curandeira (nyahana) praticante da medicina tradicional (Foto de

Edimar Fernando Reane)………………………………………………………………….91

Figura 50: Curandeiro (nyabezi) praticante da medicina tradicional (Foto de

Leandro Fernando)………………………………………………………………………….91

Figura 51: Praticante de medicina tradicional durante o tratamento de uma criança ﴾Foto de Edimar Fernando Reane)………………………………………….…94

Figura 52: Colares feito de mikanda e suas respectivas argolas ﴾Foto de

Mariano Bento Candieiro)…………………………………………………………………96

Figura 53: Fazedora de mikanda exibindo um colar de mikanda (Foto de

Mariano Bento Candieiro)…………………………………………………………………96

Figura 54: Instrumento designado por kaembe (Foto de Conde Serafim

Saiconde)………………………………………………………………………………………99

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O Governo de Moçambique tem vindo a fazer campanhas a vários níveis de

modo a promover a preservação e valorização do património cultural nacional.

Entre 1979 e 1983, após a independência nacional, foi implementada uma

campanha que visava a colecta sistemática das manifestações culturais em

todas as províncias do país. No período posterior a Campanha Nacional de

Preservação e Valorização até aos dias actuais, o Governo continuou a se

empenhar na valorização do património cultural.

No ano 1988, Moçambique criou a Lei 10/88 de 22 de Dezembro que determina

a protecção legal dos bens materiais e imateriais do património cultural

moçambicano. Na alínea 3) do seu Artigo 4, a lei estabelece que o Estado

Moçambicano colabora com outros Estados, com organizações internacionais,

intergovernamentais e não governamentais no domínio da protecção,

conservação, valorização, estudo e divulgação do património cultural.

A nível internacional, a UNESCO tem vindo a apoiar os seus Estados Partes na

implementação de acções que visam a protecção, valorização e salvaguarda do

património cultural e, Moçambique não é excepção. Desde a sua criação, a

UNESCO legitimou várias convenções com destaque para as de Salvaguarda do

Património Cultural Intangível e da Protecção e Promoção da Diversidade da

Expressões Culturais dos anos 2003 e 2005, respectivamente.

A luz da Convenção de 2003, foi inventariado o Património Cultural Imaterial

(PCI) da Ilha de Moçambique durante o período 2009 a 2012, junto aos falantes

da língua makhuwa. Entre 2013 e 2014, foi inventariado o PCI na Localidade

de Chinyambudzi do Distrito de Manica, Província do mesmo nome.

Tendo notado a falta de visibilidade, promoção do património cultural

imaterial, desvalorização do conhecimento tradicional e as praticas culturais da

vida quotidiana no território moçambicano, o Governo de Moçambique, por

meio do Plano Estratégico da Cultura (PEC) 2012-2022, definiu que a Direcção

Nacional de Acção Artístico-Cultural e o ARPAC devem colocar no centro das

suas acções, a recuperação e valorização do PCI em todas as suas formas. Com

este propósito em mente, o PEC orienta as entidades visadas a desenvolverem e

implementarem programas de actividades que destaca o PCI.

À luz do Plano Estratégico do Governo moçambicano e, no âmbito da

implementação da Convenção da UNESCO 2003 sobre a Salvaguarda do PCI, o

ARPAC, Delegação Provincial de Manica, colocou no seu programa de

actividades para o ano 2015 o Inventário Comunitário do PCI na Localidade de

Nhassacara, Distrito de Báruè. Este inventário envolveu as comunidades no

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levantamento das manifestações culturais que constituem o seu património

cultural imaterial de modo a estimular o sentimento de pertença.

O trabalho foi realizado entre Junho e Dezembro de 2015 pelo ARPAC-

Instituto de Investigação Sócio-Cultural, Delegação Provincial de Manica, com

apoio da Direcção Provincial de Educação e Cultura de Manica, Serviço

Distrital de Educação, Juventude e Tecnologia de Báruè e membros da

comunidade de Nhassacara provenientes dos bairros Chibade, Josina Machel,

7 de Setembro, 1º de Maio, Verde e Futuro Melhor.

O envolvimento da comunidade na inventariação do PCI é uma condição

indispensável para garantir que a actividade contribua para salvaguarda do

mesmo. Na base deste pensamento, foram capacitados 24 membros da

comunidade de Nhassacara em metodologias de recolha de dados sobre o PCI.

Depois da capacitação, os membros, junto a equipa técnica, recolheram dados

sobre as manifestações culturais designadamente:danças tradicionais, contos,

provérbios, música tradicional, cestaria, olaria, carpintaria, cerâmica, medicina

tradicional, ferragem, culinária, tecelagem, missanga e ritos (nascimento,

casamento, fúnebres, chuva).

Metodologia de trabalho

O Inventário do PCI na Localidade de Nhassacara serviu para dotar os

membros da comunidade de conhecimentos básicos e habilidades para

executar o inventário comunitário em torno das suas circunstâncias

particulares. Uma das abordagens cruciais do inventário foi à ênfase dada ao

papel chave das comunidades na identificação, manutenção e transmissão do

seu PCI. Realmente a Convenção de 2003 reconhece que o PCI é parte

integrante da vida das comunidades que são portadores e praticantes do seu

própio PCI. Assim, é fundamental garantir sua participação na implementação

dos inventários e na proposição de medidas de salvaguarda de suas

manifestações culturais.

Para a materialização do Inventário do PCI na Localidade de Nhassacara, o

trabalho foi dividido em quatro etapas sendo a primeira, a selecção dos

membros representantes dos seis bairros acima mencionados; segunda etapa

foi a capacitação comunitária em matéria ligada ao PCI e as técnicas de recolha

de dados; terceira etapa consistiu na recolha das manifestações culturais que

constituem o PCI nos seis bairros e quarta foi a sistematização das informações

e produção do relatório do inventário.

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O ARPAC, em contacto prévio, coordenou com as lideranças locais para a

selecção de quatro membros em representação de cada bairro, a escolha destes

baseou-se nos conhecimentos das manifestações culturais existentes nos seus

bairros, sendo no total seleccionados vinte e quatro membros da comunidade.

No primeiro contacto entre e equipa do ARPAC e os membros da comunidade,

foi elaborado o termo de consentimento livre, prévio e informado que explicava

à comunidade os objectivos do trabalho, os procedimentos metodológicos e os

resultados esperados do inventário. Depois de ter sido esclarecido, a

comunidade acolheu a equipa técnica com muita alegria. Lido e explicado o

termo de consentimento livre, prévio e informado, a comunidade escolheu sete

representantes que livremente assinaram o documento.

Figura 3: Primeiro contacto com a comunidade (Foto

de Epifanio Benesse)

Figura 2: Membro da comunidade assinando o

consentimento livre, prévio e informado (Foto de

Felizardo Jequecene)

Capacitação dos participantes

Tendo sido identificados os membros representantes da comunidade, estes

foram capacitados pelos facilitadores do ARPAC nas matérias do PCI e na

recolha colectiva das manifestações nos seus respectivos bairros. A

capacitação, que durou dois dias, consistiu na apresentação de documentos

em PowerPoint de aspectos relacionados com inventário do PCI a luz da

Convençao da UNESCO 2003, realização de trabalhos em grupos e

mapeamento comunitário das manifestações da Localidade de Nhassacara.

Esta capacitação também serviu de base para a identificação das

manifestações inventariadas.

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Figura 3: Participantes descutem o trabalho em grupo

(Foto de Killian.Dzinduwa)

Figura 5: Membro da comunidade apresentando

resultados de trabalho feito em grupo (Foto de Killian

Dzinduwa)

Figura 4: Senhor Nguirazi, membro da comunidade,

desenhando o mapa da Localidade de Nhassacara no

chão (Foto de Killian Dzinduwa)

Figura 6: Mapa da Localidade de Nhassacara-

Mapeamento em croqui (Foto de Killian Dzinduwa)

Manifestações identificadas por bairro

Bairros Manifestações culturais

Chibade Medicina tradicional, Cestaria, Olaria,

Carpintaria, Ferragem, Culinária e Dança

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tradicional.

Josina Machel Carpintaria, Olaria, Medicina tradicional,

Cestaria, Musica tradicional e Culinária

7 de Setembro Olaria, Cestaria, Dança tradicional, Ritos

de nascimento, Ritos fúnebres, Mikanda e

Ritos de chuva.

1º de Maio Dança tradicional, Olaria, Carpintaria,

Tecelagem, Cestaria, Cerâmica, Medicina

tradicional, Culinária e Ferragem.

Verde Cestaria, Olaria, Medicina tradicional,

Dança tradicional, Contos, Ritos

fúnebres, Ritos de casamento e

Carpintaria.

Futuro Melhor Dança tradicional, Contos, Provérbios,

Cestaria, Olaria, Carpintaria, Culinária,

Mikanda, Ritos de chuva, Ritos de

casamento.

Tabela 1: Manifestações ideficadas por cada bairro que compõe a Localidade sede de Nhassacara (Fonte: Autor)

Recolha de dados nos bairros

Foram criados seis grupos constituídos por membros da comunidade e técnicos

para trabalhar nos bairros. Os grupos deslocavam-se no período de manhã

para recolher as informações inerentes ao PCI e no período de tarde

regressavam à sede da Localidade para sistematizar as suas informações. Este

trabalho de campo durou quatro dias. As técnicas usadas na recolha de dados

foram entrevistas semi-estruturadas, observação direita, registo fotográfico e

registo em vídeos.

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Figura 7: Membros da comunidade recolhem dados

do PCI nos bairros mediante demostração do

praticante (Foto de Mariano Bento)

Figura 8: Membros da comunidade recolhem dados

do PCI no bairro mediante explicação do praticante

(Foto de Leandro Fernando)

Divulgação dos resultados preliminares

Após a sistematização de fichas das manifestações do PCI, a equipa técnica

produziu o relatório preliminar do Inventario do PCI da Localidade de

Nhassacara. Depois de ter sido compilado o relatório, foram divulgados os

resultados preliminares do processo de inventariação onde igualmente foram

exibidas algumas manifestações levantadas em vídeos e fotografias.

Pesquisa complementar e compilação do relatório do inventário

Tendo regressados aos escritórios, os técnicos iniciaram por revisitar o relatório

preliminar para o seu melhoramento. Nesta revisão, foram identificados vários

aspectos em cada manifestação que precisaria de pesquisacomplementar.

Novamente a equipa técnica deslocou à Localidade de Nhassacara para

efectuar pesquisa adicional nos seis bairros anterirmente laborados. Esta

actividade culminou com a elaboração do presente relatório do inventário que

poderá ser utilizado para definir futuras acções de salvaguarda do PCI naquela

localidade.

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Denominação

Relatos orais dão conta que no período colonial algumas pessoas saiam de

Sena, na Província de Sofala, e iam trabalhar nas minas e plantações da

Rodésia do Sul (actual Zimbabwe). Findo trabalho, regressavam as suas zonas

de origem. A emigração para o país vizinho visava procurar melhores

oportunidades de emprego, visto que, os salários pagos eram mais elevados

comparados aos que ganhavam na zona de origem. Com o dinheiro ganho, para

além de comprar mantimentos, pagar impostos entre outros, servia para

compra de roupas novas.

Durante a longa caminhada de regresso, os trabalhadores descansavam e

tomavam banho ao longo de um rio e, após o banho, eles mudavam de roupa,

sendo que, as roupas antigas em mau estado de conservação ou rasgadas eram

deixadas neste local e depois, continuavam a sua caminhada com destino as

suas zonas de origem.

A terminologia Nyatsakara por aquilo que os nativos fazem saber, surgiu a

quando deste mesmo movimento migratório. Em língua local, Ci-Barke, roupa

usada e já rasgada é designada Matsakara, enquanto o prefixo “Nya”,

comummente escrito “Nha” devido a influência da língua portuguesa, parece

ser usado para caracterizar abundância. Por isso, Nyatsakara significa local de

muita roupa em mau estado ou rasgada. Em harmonia com a história oral,

terá sido a partir destes termos que as pessoas passaram a usar com grande

frequência o termo Nyatsakara para designar o rio e depois ao território onde

constantemente os trabalhadores regressados do Zimbabwe tomavam banho e

deixavam a roupa em mau estado. Devido a influência da língua portuguesa na

nomenclatura de localidades, o sítio passou a se designar Nhassacara.

Entretanto, terá sido nesta vaga migratória que se deu início o povoamento da

actual Localidade de Nhassacara.

Fundamentação do Inventário

A Constituição da República de Moçambique consagra, entre os seus princípios

fundamentais, a responsabilidade do Estado na promoção do desenvolvimento

da cultura e personalidade nacional. Essa acção preconizada pela Lei

Fundamental passa pela identificação, registo, preservação e valorização dos

bens materiais e espirituais que integram o património cultural moçambicano.

No património cultural está à memória do Povo, a sua protecção assegura a

perenidade e transmissão às gerações futuras não só do legado histórico,

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cultural e artístico dos nossos antepassados como também das conquistas,

realizações e valores contemporâneos.

A deterioração, desaparecimento ou destruição de qualquer parcela do

património cultural constitui uma perda irreparável, competindo aos diversos

organismos públicos e privados e aos cidadãos em geral, a responsabilidade de

impedir este processo de empobrecimento do nosso País, importa assim,

assegurar aos bens do património cultural a necessária protecção.1

No caso específico do PCI, a Convenção para Salvaguarda do PCI (2003), na

qual Moçambique é Estado Parte, promove, a Salvaguarda do PCI; o respeito

pelo PCI das comunidades, grupos e indivíduos envolvidos e; a conscientização

no plano local, nacional e internacional da importância do PCI e seu

reconhecimento recíproco.

É neste contexto que o Plano Estratégico da Cultura 2012-2022 contempla

como uma das acções prioritárias, promover o PCI como elemento fundamental

da identidade nacional, unidade e coesão social. A inventariação do PCI na

Localidade de Nhassacara pretende documentar e salvaguardar o PCI com

maior expressão pertencente a comunidade local, para o conhecimento da

sociedade visto que é obrigação de todos nós, preservar, transmitir e deixar

todo esse legado, às gerações vindouras. Porém, para que tais objectivos sejam

alcançados é fundamental o envolvimento da comunidade.

Território inventariado

Nhassacara localiza-se no extremo norte do Posto Administrativo de

Nhampassa, a uma distância cerca de 55 quilómetros do Município de

Catandica, concretamente na Latitude 17º36´25´´ S e Longitude 33º15´14´´E. A

Localidade limita-se a Norte pelo Distrito de Guro, através do Rio Mupha, a Sul

pela sede de Nhampassa, através do rio Kamuasanchenga, a Este pelo Distrito

de Macossa, através do Rio Phandira e a Oeste pela República do Zimbabwe,

através do Rio Kaeredzi.

1 Lei 10/88 de 22 de Dezembro (Determina a protecção legal dos bens culturais materiais e imateriais do património cultural moçambicano).

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Figura 9: Enquadramento geográfico da Localidade de Nhassacara (Fonte: Pascoal Saraiva)

Relativamente ao aspecto político administrativo, a localidade está integrada ao

território da Província de Manica, cuja autoridade máxima é o Governador

Provincial. A província está, geograficamente, dividida em 12 distritos, geridos

pelos Administradores Distritais. Estes por sua vez subdividem-se em Postos

Administrativos, geridos pelos Chefes dos Postos e, finalmente, os Postos

Administrativos parcelam-se em Localidades, chefiados pelos Chefes de

Localidades.

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Como nos referimos anteriormente, ao nível da localidade a estrutura

administrativa do topo da hierarquia é o Chefe da Localidade, apoiado pelo

Régulo (Nyakwawa), designado oficialmente de Líder tradicional do 1º Escalão,

seguido de chefes de grupo de povoações (Pfumo) designados por Líderes

tradicionais do 2º Escalão e, finalmente os chefes de povoações (Sapanda) que

desempenham papel do secretário do bairro. Os Sapandas gerem as suas áreas

dividindo-as em pequenos aglomerados populacionais.

A Localidade de Nhassacara é composto por 1 Nyakwawa, 6 Pfumo e um

número não especificado de Sapandas, visto que este varia de 5 a 10, de

acordo com a área sob sua jurisdição. Cabe a estes diversas tarefas, dentre as

quais: cuidar da harmonia da comunidade; velar pelos limites do território

linhageiro; intervir na resolução de conflitos da comunidade, quando estes não

são resolvidos no seio familiar e linhageiro; promover e orientar cerimónias de

interesse geral da comunidade; requerer a colaboração do conselho de anciões;

assegurar que a terra seja o património da comunidade e bem de todos para

uso, igualmente, de todos.

Geralmente o poder da chefia tradicional é legitimada em função da linhagem

que constitui o principal critério, para além de primazia de ocupação do espaço

geográfico e carisma.

Actualmente a localidade encontra-se sem Nyakwawa, sendo que a memória

colectiva oral fez saber que para o processo de sucessão, o espírito “Nyangulo”2

precisa encarnar e revelar-se em uma determinada pessoa, segundo eles a

escolhida para suceder o anterior no trono, dai sua legitimidade ser aceite por

todos na comunidade uma vez que a quase totalidade dos nativos da

Localidade de Nhassacara em particular e do Distrito de Báruè no geral,

acredita ter o mesmo antepassado comum (Os Makombe).

O território da Localidade de Nhassacara está integrado no regulado

Samanyanga e, em termos de ordenamento administrativo, ele está dividido em

18 povoados ou bairros, dos quais 6 na localidade sede, nomeadamente:

Futuro melhor, Verde, 7 de Setembro, 7 de Abril, Chibade e 1º de Maio.

2Devido à riqueza e complexidade do mosaico sociocultural desta região, considera-se provável que os

Nyangulo, idos de M´bire, já tivessem seus “parentes” em terras do actual território moçambicano, mesmo

antes da expedição dos Makombe e irmãos Chipapata e Samanyanga. De facto, durante as preces e rituais é

comummente invocado o Nyangulo, considerado o totem (mutupo), nome de um dos dois principais grupos

antepassados comuns (Nyangulo e Shuwambo) dos povos que faziam parte do Estado do Mwenemutapa.

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Figura 10: Imagem de satélite da Localidade de Nhassacara (Fonte: Google Earth)

A estrutura tradicional é o elo de ligação entre as autoridades governamentais

e a população e, desempenha um papel importante na resolução de conflitos no

seio da comunidade, como: intrigas entre famílias, roubos, etc. Esta também é

responsável pela atribuição de novas parcelas de terra, principalmente para

indivíduos que não pertencem ao seu regulado, uma vez que para os nativos, a

atribuição de terra é feita por herança.

Historial

A ideia defendida por alguns interlocutores é aquela que sustenta que a região

de Nhassacara serviu de corredor do movimento migratório entre Moçambique

e Zimbabwe.

As fontes orais acreditam que Samanyanga tenha sido o primeiro líder

tradicional a governar aquele território no período pré-colonial. Nota que,

alguma fonte escrita actual, apesar de alguma subjectividade, sustenta esta

versão ao falar de Samanyanga como sendo um dos contemporâneos dos

Makombe que indo de M´bire, região norte da República do Zimbabwe por ali

se instalou e reinou.

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Esta versão encontra eco com o escrito por Domingos Artur no seu livro

Subsídios a Reconstituição da Personalidade de Makombe, segundo o qual:

Makombe ido de M´bire (norte do Zimbabwe), veio na companhia do seu

irmão mais novo Samanyanga (?). Eles teriam partido de M´bire sob

impulso e condução dos espíritos mhondoro que lhes permitiram a

formação de dois grupos de guerreiros, um para cada irmão. Diz-se que o

“exército” de Makombe era o mais temido pelo facto de ser constituído por

homens de muita experiência guerreira, enquanto o do irmão Samanyanga

era composto por homens pertencentes ao mhondoro protector que não

queria guerra.(Raiva Pangaia, Báruè, 1994)

Samanyanga preferiu controlar a região de Mpataguenha, numa área

compreendida entre os rios Kaeredzi, Nyazónia e Ngoera. O seu irmão

Makombe se instalara na actual área de Báruè tendo fixado a sua base na

actual região de Macossa.

Na língua Shona, Samanyanga, quer dizer senhor do marfim. Este nome pode,

curiosamente, estar relacionado pelo facto de que a zona compreendida entre

os rios Kaeredzi, Nyazònia e Ngoera ter sido reputada de corredor de marfim,

sendo escoado depois, rio Zambeze abaixo, até o oceano Índico durante o

período em que Makombe teria aparecido por essa região.

Depois da morte de Samayanga, a qual as fontes históricas não fazem menção

e a memória colectiva nãotem registo cronológico preciso, o período colonial foi

caracterizado por contactos de culturas africana-tradicional e europeia-

ocidental, que ao longo da história podemos destacar como as principais

implicações desse contacto as alterações do modelo político tradicional

africano.

A subordinação do sistema legal costumeiro ao sistema legal europeu culminou

com a perda de soberania política dos chefes tradicionais e, também, na

restrição dos direitos executivos dessas autoridades: os chefes deixaram de

poder decidir autonomamente sobre a vida das suas populações, ficando a

mercê dos interesses da administração colonial.3

Após este período, a medida que nos aproximamos do tempo, concretamente no

pós-independência, relatos orais a qual memória colectiva tenha registo sem no

3Ao ser incorporado no sistema de administração colonial, o chefe tradicional deixou de ser uma “autoridade

indígena” e passou a ser um agente administrativo, ou Régulo (forma pejorativa para designar Rei Pequeno).

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entanto datar o período de cada reinado, falam de forma diacrónica de Zawa-

Zawa, Tenessi e Gripedi como sendo os Nyakwawas reinantes.

Perfil sociocultural e condições de vida

O grupo etnolinguístico predominante em Nhassacara é o Barke, um dos

segmentos da etnia Shona onde se encontram os Tewes, Tongas e Ndaus. Estes

grupos são patrilineares onde o marido é o chefe da família e transmissor da

herança. Neste grupo a observação da filiação é mediante a prática de dotes

como compensação aos pais pela transferência da noiva para a família do noivo

e pagamento de lobolo para a legitimação dos filhos nascidos no matrimónio.

As comunidades são constituídas por unidades domésticas dispersas uma das

outras, dentre elas algumas monogâmicas e outras poligâmicas. A poligamia é

prática comum no seio da comunidade à pretexto de que, quanto maior for o

número de mulheres maior será a mão-de-obra para desenvolver as principais

actividades e melhorar deste modo a sua condição de vida.

A terra é propriedade dos homens, por isso, os filhos de sexo masculino são os

que têm direito a herda-la. Cada unidade doméstica esta estruturada e

hierarquizada na geração e sexo, o que determina a distribuição de funções

entre os seus membros. Enquanto ao homem compete o derrube de árvores,

caça, venda e trabalho assalariado, a mulher tem a obrigação de cultivar,

cozinhar, cuidar dos filhos e higiene da casa. Estas unidades têm obrigações

recíprocas de cooperação e solidariedade.

Na Localidade de Nhassacara, exceptuando a agricultura e a criação de

animais que são actividades exercidos tanto pelos homens como pelas

mulheres, as restantes actividades são divididas por sexo. Assim sendo, as

mulheres são as responsáveis pela olaria, enquanto os homens a extracção de

ouro, artesanato, pesca e caça. Na criação de animais, as aves e porcos são da

responsabilidade das mulheres, enquanto o gado bovino e caprino são

responsabilidade dos homens.

Os hábitos alimentares baseiam-se essencialmente na xima de farinha de

milho ou mapira, acompanhada de carne, peixe e principalmente de verduras

como abóbora, feijão-nhemba, hortícolas e quiabo.

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Existem em Nhassacara, várias crenças religiosas envolvidas em actividades

sociais, dentre elas destacam-se a católica e as protestantes.

Meio-ambiente

A Localidade de Nhassacara possui um relevo plano, com solos areno-argilosos

de fraca fertilidade, permitindo o desenvolvimento de cereais em pequena

escala. Na zona de Mpataguenha e Kaeredzi, localizados nas margens do rio

Kaeredzi, que serve de fronteira natural com o Zimbabwe, o desastre natural

mais frequente é a seca.

O solo é usado pelo sector familiar e na base tradicional, obedecendo à prática

da agricultura itinerante, onde anualmente os camponeses abrem novas terras,

deixando as anteriores em pousio, recorrendo frequentemente a queimadas

para abertura dos campos agrícolas.

Posse de terra

A terra não constitui um factor conflituoso para as comunidades residentes em

Nhassacara. No caso em que indivíduos de outros regulados pretendem

explorar ou adquirir uma parcela de terra, cabe ao régulo em coordenação com

outras autoridades do poder tradicional, decidirem sobre o uso e

aproveitamento.

Rede hidrográfica

A localidade é caracterizada por possuir uma grande bacia hidrográfica onde se

destacam o rio Nhassacara, rio Nfudze, rio Mugabide, rio Kamwazanchenga, rio

Chicuio, rio Nhanthuthu e rio Kaeredzi todos de regime periódico e não

navegáveis com a excepção do rio Kaeredzi.

A pesca apesar de completar a dieta alimentar, não desempenha na

actualidade nenhum papel de relevo em termos comercias para a comunidade.

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Recursos minerais

A Localidade é potencial em recursos minerais explorados artesanalmente e

outros ainda por explorar. No entanto, verifica-se a ocorrência de ouro

aluvionar na região do rio Kaeredzi, turmalina e granada em Mpataguena e

quartzo em Kamwazanchenga. Todas são exploradas artesanalmente, pese

embora as empresas Mozaouro e Socadif tenham efectuado uma prospecção do

ouro com vista a exploração industrial. Ao nível da localidade sede, ao longo da

estrada Nº 7, verifica-se a extracção de areia e pedra para construção, também

de forma artesanal por singulares não licenciados.

Floresta e fauna

Ao nível da Localidade de Nhassacara predominam as seguintes espécies

florestais: Umbila, Mbawa, Chanati (a mais predominante), Chanfuta, Panga-

panga e Pau-ferro. Além destas existem as espécies que servem de fonte de

combustível lenhoso como a Mussassa, Muimbe e Mfuti. A exploração destas

espécies é feita por duas empresas madeireiras. O reflorestamento verificado na

localidade é devido a iniciativa, um líder, uma floresta, o que faz com que

actualmente existam 21 florestas comunitárias que ocupam uma área

equivalente a 42 hectares.

Em termos de recursos faunísticos distinguem-se a presença de elefantes,

hienas, hipopótamo, macacos, porco-espinho e crocodilos.

Na região de Nhamuzambira, existe uma área de conservação florestal e

faunística designada de Safari Machamba Nzou explorada por agentes Sul-

Africanos cujo elefante que em língua local Ci-Báruè significa “nzou” constitui a

principal atracção turística do local.

O desflorestamento, as queimadas descontroladas e a erosão dos solos são os

problemas ambientais que afligem os residentes da Localidade de Nhassacara.

No âmbito da sustentabilidade ambiental, o Serviço Distrital de Actividades

Económicas (SDAE), em estreita ligação com os líderes comunitários

prosseguem com a preservação e o uso sustentável dos recursos naturais,

através da fiscalização florestal e faunística, a sensibilização das comunidades

contra o perigo das queimadas descontroladas e promoção de produtos

florestais não madeireiros como o bambu e outros.

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População

A localidade possui uma populaçãoestimada em 16.334 habitantes, de acordo

com o censo populacional 2007. Esta população encontra-se desigualmente

distribuída pelo território, devido a factores como a seca, erosão e

empobrecimento dos solos, que contribuíram para o abandono de certas

regiões.

A população da localidade é maioritariamente jovem (menor que 15 anos), com

51,5%, e um índice de masculinidade de 53,4%. A totalidade da população é

rural e apresenta o tipo sociológico alargado, ou seja, apresentam um ou mais

parentes para além do filho.

População

Idade Total Homens Mulheres

Total 16334 7762 8572

0 851 434 417

1-4 2740 1296 1444

5-9 2724 1346 1378

10-14 2096 1071 1025

15-19 1766 860 906

20-24 1327 625 702

25-29 1185 527 658

30-34 876 416 460

35-39 665 298 367

40-44 444 197 247

45-49 437 179 258

50-54 323 109 214

55-59 228 93 135

60-64 209 81 128

65-69 161 89 72

70-74 119 50 69

75-79 81 32 49

80+ 102 59 43

Tabela 2: Distribuição por sexo e idade da população da Localidade de Nhassacara (Fonte: INE)

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Figura11: Pirámide etária da Localidade de Nhassacara (Fonte: Autor)

Meios de vida

As principais actividades de sustento praticadas pela comunidade de

Nhassacara são: agricultura, criação de animais (bois, cabritos, galinhas,

patos, perus, porcos), extracção artesanal de ouro e pedras preciosas,

artesanato (esteiras, cadeiras, peneiras), olaria (panelas de barro e potes) e

caça. Pratica-se também a pesca artesanal nos rios e lagos existentes ao nível

da localidade.

O sector formal emprega 137 pessoas na área de educação, 5 na área de saúde,

uma na área da agricultura, igual número para a polícia e 12 na secretaria da

localidade. A actividade informal, sector que emprega um número não

específico de trabalhadores é constituída por 53 bancas, 16 moagens, 2 lojas, 4

oficinas mecanicas e número não especificado de oficinas de carpintaria e

artesanato.

Agricultura

A agricultura constitui a principal actividade de sustento familiar e a

horticultura, geralmente praticada em zonas baixas considerada prática

auxiliar a agricultura.

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O tipo de agricultura praticado é de sequeiro, onde a enxada de cabo curto e a

tracção animal ocupa um papel importante na preparação da terra. O único

tractor que apoia a comunidade na abertura de campos agrícolas em

Nhassacara é da pertença de uma associação de agricultores sediada no

vizinho Distrito de Guro.

As principais culturas cultivadas são o milho, a mapira, os feijões, a batata-

reno, batata-doce e as hortícolas. No geral, o destino da produção é o consumo

e venda em caso de excedentes. Os principais produtos comercializados são,

milho, batata-doce, tomate, alho e cebola. Ao nível da localidade também são

cultivadas culturas de rendimento como o tabaco, algodão, soja e gergelim,

cujas áreas cultivadas é dominada pelo sector familiar.

A exploração agrícola é feita em regime de consociação de culturas alimentares,

nomeadamente, milho, feijão-nhemba e batata-doce.

A irregularidade da precipitação verificada na actualidade e o fraco

desenvolvimento tecnológico condicionam a produtividade agrícola da

localidade e conduzem a níveis de insegurança alimentar.

Pecuária

Aactividade pecuária na localidade é fraco, porém, dado a tradição de criação

de gado e a existência de boas áreas de pastagem, há condição para o

desenvolvimento pecuário, sendo as doenças e a falta de fundo e de serviços de

extensão rural para a plena cobertura da localidade, os principais obstáculos.

Na pecuária cria-se gado bovino, gado caprino, gado suíno, galinhas, patos,

perús para a alimentação e para a venda.

Habitação

O tipo de habitações varia em função das condiçãos económicas das famílias. A

casa do Chefe da Localidade, as residências de trabalhadores e muito poucas

residências particulares distribuídas pela localidade, foram edificadas de

material convencional, isto é, de blocos de cimento ou tijolo queimado cobertas

de chapas de zinco. As habitações predominantes são de casas de formato

circular ou rectangular, fabricadas de pau a pique e barro, cobertas de capim.

Todavia, nota-se cada vez mais a construção gradual de habitações com base

em tijolos queimados, erguidas com cimento e cobertas por chapas de zinco.

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Geralmente os grupos domiciliares são constituídos por pai, mãe, filhos e avós

paternos. Nestes grupos as mulheres depois de crescer devem casar e sair de

casa. Os homens geralmente acabam erguendo as suas casas no terreno dos

pais.

Figura 12: Tipologia de residência ao nível da

Localidade de Nhassacara – casas de construção

precária (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)

Figura 13:Tipologia de residência ao nível da

Localidade de Nhassacara – casas de construção

convencional (Foto deConde Serafim Saiconde)

Na perspectiva de alargar a área urbanizada, existe dois planos pormenores

produzidos ao nível doServiço Distrital de Planeamento e Infra-Estrutura

(SDPI). O primeiro consiste em parcelar 573 terrenos ao nível da localidade,

actividade até então realizada, o segundo, consiste em parcelar 280 terrenos

em 4 bairros localizados nos dois lados da EN7, este último em curso com a

colocação de marcos e abertura de arruamentos. Estes terrenos são para

edificação das mais variados tipos de habitações, infra-estruturas sociais,

comerciais, entre outras.

Educação

No momento em que decorreu o inventário, a Educação formal na Localidade

de Nhassacara era constituída por 11 Escolas das quais 3 EP1 e 8 EPC. De

referir que entre os anos 2014 e 2015 houve aumento em uma EP1, enquanto

3 passaram de EP1 para EPC, como demonstra a tabela abaixo.

Nº Ano 2014 Ano 2015

EP1`s EPC`s EP1`s EPC`s

01 EP1 Zamba EPC Nhassacara EP1 Kaeredzi EPC Nhassacara

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02 EP1 Nhagurungo EPC Nhantuto EP1

Machecacheca

EPC Nhantuto

03 EP1 Kaeredzi EPC Magobide EP1 Nhacufo EPC Magobide

04 EP1 Nhamuzambira EPC Chicuio EPC Zamba

05 EP1 Machecacheca EPC Mpataguenha EPC Nhagurungo

06 EPC Chicuio

07 EPC

Mpataguenha

08 EPC

Nhamuzambira

Tabela 3: Rede escolar da Localidade de Nhassacara nos anos de 2014 e 2015 (Fonte: SDEJT de Báruè, 2015)

Dados existentes no SDEJT de Báruè demonstram que o ensino primário no

seu todo contava em 2015 com 6.621 alunos dos quais 5.455 do EP1 (1ª a 5ª

classes), dentre eles 2.626 mulheres e 760 alunos do EP2 (6ª e 7ª classe), dos

quais 360 mulheres. De referir que entre os anos 2014 e 2015 houve um

crescimento em 4% no efectivo escolar. Porém, o número de mulheres que

frequentam a Escola é relativamente inferior em relação aos homens,

principalmente no EP2.

As taxas de desistências verificadas em 2014, como demonstra a tabela abaixo,

foram elevadas na EPC Nhanthuthu, EPC Magodibe, EPC Mpataguenha e EP1

Kaeredzi. Estas taxas tornam-se mais preocupantes no EP2 com maior enfoque

para as mulheres.

Escola

Taxa de Desistência 2014 (%)

EP1 EP2

M HM M HM

EPC Nhassacara 4,2 4,5 4,5 3,9

EPC Nhanthuthu 15,9 19,5 18,2 23,3

EPC Magobide 12,4 9,1 20,6 19,7

EPC Zamba 24,4 27,3

EPC Nhagurungo 9,5 9,1

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EPC Mpataguenha 13,0 15,6 15,2 25,3

EP1 Caereze 32,6 31,0

EPC Nhamuzambira 8,2 7,7

EP1 Madjecacheca 0,0 0,0

EPC Chicuio 3,6 3,3 11,8 11,1

Tabela 4:Taxa de desistência em % da Localidade de Nhassacara para o ano de 2014 (Fonte: SDEJT de Báruè,

2015)

O número de docentes que assegura o processo de ensino e aprendizagem

subiu de 120 docentes em 2014 para 133, em 2015. No que respeita ao tipo de

formação do pessoal docente, do total dos docentes em 2014, 63 tinham

formação de 10ª+1, 29 sem formação psicopedagógica, 21 com formação 10ª+2,

5 com formação 7ª+3 e 3 com outro tipo de formação. Com vista a melhorar a

qualidade de ensino, no ano de 2015 o número de docentes sem formação

psicopedagógica reduziu para 22, enquanto os de formação 10ª+1 subiu para

71, 10ª+2 subiu para 31, 7ª+3 subiu para 6, porém, os com outro tipo de

formação permaneceu constante.

No que se refere ao subsistema de Alfabetização e Educação de Adultos (AEA),

o número de centros não variou de 12, para os anos de 2014 e 2015. Quanto

ao efectivo de alfabetizandos, de 2014 para 2015 o crescimento foi

insignificante, isto é, de 430 para 451, correspondente a uma percentagem de

4%. Nos dois anos, os alfabetizandos que mais aderiram são os do sexo

feminino, sendo 314 em 2014 e 352 em 2015.

Saúde

A rede sanitária da localidade é composta por um único Centro de Saúde para

toda comunidade, com serviços de Saúde Materno Infantil (SMI), Programa

Alargado de Vacinação (PAV), Tratamento Ante Retro Viral (TARV), farmácia,

consultório e maternidade com casa de mãe espera. O seu funcionamento é

assegurado por 5 funcionários, nomeadamente, Médico (clínico geral), Técnico

de Medicina Preventiva, Enfermeira de SMI, Farmacêutica e Agente de Serviço.

Para cobrir a população em termos de cuidados médicos, existe ao nível da

localidade 6 Agentes Polivalentes Elementares (APE) que constituem brigadas

móveis e que atende doenças gerais em povoados como Kaeredzi, Zamba,

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Nhantuto e Nhagurungo. Actualmente estão em formação mais 2 agentes para

os povoados de Nhamuzambira e Magobide.

Trata-se de um Centro de Saúde que não possui meio circulante. Contudo, em

caso de necessidade, solicita-se a ambulância do Serviço Distrital de Saúde,

Mulher e Acção Social (SDSMAS). As doenças mais comuns são a malária,

doenças diarreicas, infecções respiratórias, HIV/SIDA, conjuntivite, parasitose

intestinal, tosse e pneumonia. Dentre estas, as principais patologias que

afectam a população são a malária, diarreias, HIV/SIDA e parasitose.

Patologias 2013 2014 2015

HIV/SIDA Testados 2002 2684 1534

Positivos 137 188 100

Em TARV - 146 224

Malária 0 - 4 3251 3855 3558

5 Anos + 2819 3272 3311

Total 6070 7127 6869

Parasitose 594 376 131

Tabela 5: Principais patologias da Localidade de Nhassacara nos anos de 2013, 2014 e 2015 (Fonte: SDSMAS de

Báruè, 2015)

O índice do HIV/SIDA permanece elevado uma vez tratar-se de uma localidade

atravessada pela estrada N7, onde se verifica um fluxo de camionistas.

Entretanto, é nas mulheres onde facilmente o vírus é identificado com base nos

testes pré-natais. Apesar da sensibilização contínua feita ao nível das

comunidades para adesão ao TARV, a mudança de residência por parte da

população tem sido apontado como o factor que mais contribui para o

abandono ao tratamento.

Tratando-se de uma localidade produtiva, não são frequentes os casos de

desnutrição, associado ao facto de decorrerem frequentemente, ao nível do

centro de saúde, palestras sobre educação nutricional. No entanto, sempre que

as autoridades sanitárias identificam casos crónicos de desnutrição, os

pacientes são submetidos a uma alimentação terapêutica. Todavia, verifica-se

uma tendência crescente de casos de mau crescimento. De referir que casos de

mortalidade infantil não são frequentes na localidade.

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Casos de Desnutrição 2013 2014 2015

Controlo de crescimento Mau 14 16 25

% Mau 0,2 0,3 0,7

Baixo peso à nascença Nascimentos 626 578 268

Baixo peso 56 37 11

% 8,9 6,4 4,1 Tabela 6: Casos de desnutrição da Localidade de Nhassacara nos anos de 2013, 2014 e 2015 (Fonte: SDSMAS de

Báruè, 2015)

Importante notar que, apesar da ausência de dados concretos, sabe-se que

existem na localidade, o recurso a medicina tradicional, a qual a população

recorre quando afligidas por doenças. Acredita-se que a medicina tradicional

(Un´ganga) tem a capacidade de cura dos mais diferentes tipos de

enfermidades. Os médicos tradicionais geralmente são procurados quando se

suspeita que uma doença que tenha origens sobrenaturais, como é o caso da

feitiçaria ou da possessão de espíritos.

Infra-estruturas

Em termos de infra-estruturas de relevo, a localidade conta com a secretaria da

localidade, a casa do chefe da localidade, o centro de saúde, 2 casas da saúde,

residência do técnico da agricultura, casa de mãe espera, centro aberto que

acolhe crianças órfãs e vulneráveis, 86 salas de aulas das quais 27 melhoradas

e as restantes precárias.

O consumo de água é feito apenas na base de furos de água e poços

particulares. Ao nível da localidade existem 12 furos de água, todos

operacionais, abertos com fundos do Governo. Para a gestão dos furos de água

foram criados comités de gestão constituídos por 10 membros que fazem

colecta de contribuição da população para fazer face a pequenas avarias do

sistema. Para além dos furos e poços, a população socorre-se da água dos rios

e riachos que atravessam a localidade.

A rede eléctrica usada na localidade é nacional, porém de fraca qualidade e

usada por poucas famílias na sede da localidade.

Por tratar-se de uma localidade totalmente rural, não existe um sistema de

esgoto. O saneamento do meio é feito pelas famílias mediante a abertura de

cova para a deposição do lixo.

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Transporte e comunicação

A Localidade de Nhassacara é atravessada pela EN7 que liga as Províncias de

Manica e Tete. Por esta estrada circulam diversos tipos de veiculos, desde os

mais pesados aos ligeiros e ciclistas, que permitem o deslocamento de pessoas

e bens para vários pontos do distrito, província e país. A ligação com a sede

distrital, Catandica, é feita pela mesma estrada que alcatroada apresenta-se

um estado excelente de transitabilidade.

A ligação entre povoados é feita mediante estradas de terra batida, muitas em

estado de degradação elevado (tanto no tempo seco como chuvoso). Esta

situação condiciona o escoamento de produtos agrícolas das zonas de maior

produção para os potenciais pontos de comercialização, nomeadamente, sede

da localidade, cruzamento de Macossa e Posto Administrativo de Nhampassa.

A ligação rodoviária entre povoados é limitada devido a intransitabilidade de

grande parte das vias de acesso. As ligações entre povoações são feitas

mediante camionetas alugadas para o transporte de produtos agrícolas.

Na sede da localidade é possível captar todas as redes de telefonia móvel,

nomeadamente Mcel, Vodacom e Movitel. Em termos de rádio, é possível captar

a Rádio Comunitária de Catandica e Antena Nacional. Porém, nos povoados de

Donga e Nharobato não existe cobertura de telefonia móvel. No que respeita ao

sinail de televisão, apenas capta-se sinal de televisão por via satélite (DStv,

Zap, GOTV, Startime).

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Figura 14: Vista parcial da EN7 atravessando a

Localidade de Nhassacara (Foto de Conde Serafim

Saiconde)

Figura 15: Parte de tipo de veiculos que circulam ao

nível da Localidade de Nhassacara (Fotos de Conde

Saiconde)

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Kumanga zvitsero ne matengu

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A cestaria é entendida como um conjunto de objectos ou utensílios, obtido

através de objectos trançados. Ela compreende a técnica de fabricação de

cestos e designa a arte de trabalhar fibras. No sentido mais lato, entende-se

como um conjunto de objectos ou utensílios, obtidos através de fibras de

origem vegetal. A cestaria envolve também a fabricação de esteiras assim como

objectos de revestimento ou cobertura.

Neste sentido a cestaria compreende a técnica de fabricação de cestos ou

vasilhas de dois tipos fundamentais: o tipo entrelaçado, que engloba os géneros

cruzado, encanado, enrolado e torcido, conforme a maneira de dispor as fibras,

e o tipo espiral, com ou sem armação de sustentação. Qualquer um dos tipos

obedece mais propriamente às características da fibra a utilizar, do que a um

padrão cultural ou de área geográfica. As peças conforme o uso variam em

tamanho e forma assim como a técnica de manufactura e são geralmente peças

criadas segundo a sua funcionalidade.

No sentido global, existem poucas fontes que sem avançar o período concreto

falam sobre a origem da cestaria:

1. Origem Indígena, advoga que surgiu através da fabricação de cestos para

transportar objectos ou para armazenagem de alimentos, com a

comercialização, os indígenas passaram a fabricar muito mais

instrumentos.

2. Origem Nómada afirma que a cestaria teve origem na antiguidade nos

povos nómadas na procura de soluções de armazenamento e transporte

de alimentos.

3. Origem Persa relata a origem da cestaria com base em alguns escudos

feitos e utilizados no batalhão persa dos imortais4.

Na comunidade de Nhassacara, a cestaria é uma actividade executada desde os

tempos imemoriais pelos ancestrais do grupo, e tem vindo a sofrer algumas

mudanças, essencialmente no que diz respeito a pintura dos objectos para dar

mais estética, algo que em tempos não acontecia.

Outro aspecto tem a ver com o facto de que antigamente a peneira e esteira

produzidas eram objectos preparados e utilizados especificamente em

cerimónias de casamento, ritos fúnebres e outros locais de convivência social.

Actualmente a peneira e esteira, devido ao desenvolvimento sócio-económico e

a intensificação das trocas comerciais ao nível das comunidades, vem

4Wikipédia, a enciclopédia livre.

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ganhando valor económico através da importância que se verifica devido a

exibição em exposições ao longo das vias públicas para venda com objectivo de

sustento familiar.

Ainda actualmente, nota-se ausência de consistência dos objectos da cestaria

porque as pessoas fazem com muita rapidez para o mais rápido ganhar algum

valor com a sua venda, aliado a falta de experiência de alguns artesão, acaba

ocasionando de alguma forma a fabricação de objectos sem a devida qualidade.

A confecção de objectos da cestariana comunidade de Nhassacara é uma tarefa

masculina e sua utilização, geralmente, feminina. Na sua generalidade, a

cestaria é realizada de forma individual por cada artesão e em casos

excepcionais acontece com a presença de aprendizes que procuram o artesão

para aprenderem o ofício. Importante referir que em determinados momentos

do processo de produção, as mulheres e os filhos auxiliam nas actividades

secundárias como carregamento do material, fornecimento do material no

processo de fabrico e em casos excepcionais em acabamentos de determinados

objectos.

A prática da cestaria constitui um legado cujas técnicas usadas são passadas

de geração em geração, geralmente de pai para filho, de tio para sobrinho bem

como de mestre para aprendiz, através da convivência e de práticas diárias

durante o fabrico de objectos.

Apesar de não existir um períodoespecífico para o fabrico de objectos da

cestaria, normalmente Abril a Setembro é o período que mais objectos se

produzem por causa da abundância da matéria-prima junto as margens dos

rios e, de Outubro a Maio tem sido o período considerado de crescimento do

caniço e apontado como difícil de encontrar, por isso durante este período a

pratica torna-se rara5. Note que o período de maior produção de esteiras

coincide com a época de menor actividade agrícola.

A cestaria para além de testemunhar a história de convivência do povo Tonga e

Barkeao longo da sua existência, os objectos resultantes desta prática podem

ser encontrados um pouco por todo o país tanto nas zonas rurais

comourbanas, fruto da intensificação das trocas comercias entre as

comunidades, visto que os objectos produzidos são muito importantes para o

uso quotidiano uma vez possuírem variadíssimas aplicações como utensílios de

5 Outro aspecto que tem influenciado tal caso é o facto das queimadas descontroladas que tem se verificado no inicio de cada época agrícola para limpeza dos campos, queimarem grandemente a matéria-prima usada na fabricação destes instrumentos o que depois requer tempo para regenerar e crescer.

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armazenamento e carga que vão desde cestos, objectos de mobiliário e

decoração incluindo o fabrico de esteiras.

É também uma actividade indispensável na economia da vida rural e

doméstica. Além de valorizar a nossa cultura, a cestaria ainda gera renda e

emprego a artesãos e comerciantes e diz respeito ao conhecimento tecnológico

à adaptação ecológica. O conjunto de objectos incorporados à vivência de uma

determinada sociedade expressa concretamente significados e concepções

daquela sociedade, bem como a representa e a identifica.

Especificamente para a comunidade de Nhassacara, e do ponto de vista sócio –

cultural, os objectos da cestaria estâo sempre presentes em diversas ocasiões,

a título de exemplo, as esteiras são frequentemente usadas nas cerimónias

fúnebres, nos casamentos entre outros locais de convivência social destinados

para dormir, sentar, construir barbearias, vedar quintais e aviários, enquanto

os cestos e peneiras são usados parapeneirar farinha, transportar e guardar

diversos produtos, materiais e objectos.

Apesar de grande importância que a cestaria possui para comunidade de

Nhassacara, nota-se algumas ameaças à sua continuidade. A escassez e o

desaparecimento da matéria-prima para a fabricação de objectos da cestaria

devido ao seu corte e uso desenfreado, tem tornado o recurso escasso e

insustentável fazendo com que ultimamente os artesãos percorram longas

distâncias para colecta do mesmoo que desmotiva alguns artesãos e

impossibilita outros de continuarem com actividade.

Outro factor que ameaça a continuidade da prática é o facto de actualmente

notar-se uma tendência cada vez mais reduzida na transmissão dos

conhecimentos relativos aos valores socioculturais inerentes a esta actividade o

que poderá num futuro breve, aliado ao desaparecimento da matéria-prima,

comprometer a continuidade destamanifestação. Os mais novos pouco ou nada

se interessam pela aprendizagem deste ofício uma vez optaremna prática de

outras actividades ou outros fazeres em detrimento deste. A exemplo disto é o

facto de muitos aprendizes acabarem por desistir ou abandonar o aprendizado

muito antes de terminar a produção de um único objecto, segundo

testemunharam os nossos entrevistados.

O processo da cestaria

Para chegar-se a confecção de um objecto ou utensílio da cestaria, com

particular destaque para peneiras, cestos e esteiras da qual nos dispomos aqui

em abordar mais adiante, há um caminho preparatório. As etapas necessárias

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são: extracção da matéria-prima, preparação da matéria-prima e finalmente a

fabricação do objecto, podendo ser de modelos diferentes e ter forma, tamanho

e funções que variam.

Cesto (Thengu)

Fase da preparação

A actividade inicia com a extracção do bambu6 (masengere) junto as margens

dos rios Phandira e Kanyungwe, de seguida cada um dos bambusé dividido ao

meio longitudinalmente e por sua vez cada um dos pedaços é dividido da

mesma forma fazendo 4 tiras, duas interiores e duas exteriores. Esta divisão

acontece nas margens do rio como forma de facilitar o carregamento para a

residência do artesão, sendo que, alguns artesãos preferem fazer o mesmo

trabalho nas suas residências.

Transportado a casa, as tiras interiores7, anteriormente cortadas, são divididas

transversalmente com uma catana ou machado (bemba ou mbadzo), em

pedaços de um metro, podendo uma tira sair até quatro pedaços, dependendo

do tamanho do bambu. Ao passo que as tiras exteriores8 são divididos

sagitalmente em pequenos pedaços.

Subsequentemente, os mesmos são submetidos a um processo de secagem

durante um ou dois dias de maneiras a tirar um pouco de humidade, findo os

quais, com ajuda de uma faca (mpeni) um a um os pedaços vão sendo

raspados, alisados, dando a sua forma e seu devido acabamento, num processo

designado por kupola. Note que não existe uma fórmula ou regra específica e

exacta a qual deve-se seguir para a confecção dos cestos, casos há de artesãos

que submetem as ripas ao processo de secagem antes do corte e

somenteraspam e alisam depois de mergulhado em água no dia anterior ao

fabrico do objecto.

6 Material que acredita-se ser utilizado desde tempos primitivos, originalmente oriundo de varas moles e flexíveis que em algum momento passou a designar qualquer matéria-prima de origem vegetal com tais características e que, trançado, possui diversos usos, principalmente na manufactura de cestos e peneiras. Sua composição parece delicada, mas é robusta, tornando-se numa opção de matéria-prima barata e de fácil obtenção. 7As tiras feitas da parte interiordo bambu são usadas para fazer a base e suster a borda redonda do cesto por onde depois são entrelaçados as tiras exteriores. 8As tiras feitas da parte exterior do bambu são usadas para entrecruzar tanto a base assim como aborda redonda do cesto visto que estas permitem ser manipulada com bastante facilidade sem que se quebrem.

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Enquanto o artesão vai trabalhando o bambu, ele mergulha na água uma

corda (nzoi) extraída ao mato em uma árvore denominada mfuti onde depois é

desfiada e trançada.

Fabrico

Antes de se começar a fabricar o cesto todo este material é submetido a um

mergulho em água durante um dia para torna-lo maleável de modo a facilitar o

seu manuseamento e evitar que haja perdas significativas ao longo do processo

de fabrico.

Reunida a matéria-prima, oito tiras interiores do bambu são arrumadas de

forma perpendicular cruzadas duas à duas, no chão ou numa esteira, todas

unidas em um único centro ou ponto de encontro e distribuídas

equitativamente ao longo do raio. Depois a estrutura é fixada por uma corda.

Novamente outra corda é usada para fixar uma estrutura idêntica que se

sobrepõe a primeira, desta vez, formada por quatro tiras.

De seguida, as tiras exteriores do bambu, finas, são entrecruzadas de forma

circular sobre a estrutura feita, em várias linhas concêntricas, até formar a

base tendo em conta o tamanho do cesto pretendido pelo artesão.

Caso o artesão note que na base do cesto ainda exista espaços enormes vazios,

ele pode preencher novamente na parte exterior da base com um número

variado de tiras interiores do bambú de acordo com os espaços abertos, com

tiras de 50 centímetros caso as primeiras tenham 1 metro de comprimento ou

de outra medida, desde que, após fixar-se com uma corda, tenha o mesmo

tamanho das restantes.

Ainda com ajuda de uma corda o artesão amara as pontas das tiras interiores

que sustentam a borda do cesto e depois de dar a forma curva e vertical, vai

entrecruzando (kupakasa) sobre as tiras exteriores colocando-as de forma

concêntrica horizontalmente até ao topo, formando um objecto com uma base

estreita e circular com uma borda redonda e mais aberta a medida que vai se

chagando a boca do cesto.

Terminado este processo, o artesão vira o cesto com a parte da boca sobre o

solo deixando a base por cima e com os pés pressiona-a de maneiras a criar

uma cavidade que permita a seu carregamento na cabeça a quando da sua

utilização.

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O acabamento final é feito depois da parte superior do cesto estar nivelado

mediante dois círculos feitos de bambu que são colocados sobre a estrutura

anteriormente feita, sendo um círculo por fora e outro por dentro. Depois, com

ajuda de um arame afiado (fondo) vai-se cozendo a boca do cesto com uma

corda9 (ntsissi) envolvendo os dois círculos e a estrutura já feita que fica entre

os mesmos.

O tamanho do cesto depende do tamanho do bambu usado, isto é, quanto

maior for o cesto, maior terá que ser o tamanho das tiras interiores cortadas.

Contudo, dois dias é o tempo médio para a confecção de um cesto de tamanho

médio.

Figura 16: Artesão no acto de fabrico de cestos (Foto deLeandro Fernando)

Peneira (Chisero)

Fase da preparação

O primeiro passo consiste em extrair o bambu (masengere) junto as margens

do rio, no caso concreto Kamwanza, onde com uma catana (bemba) o artesão

corta um a um até obter a quantidade por ele pretendida que vai de acordo

com o tamanho e a quantidade das peneiras a qual pretende fabricar. A

9Antes de ser usada é mergulhada na água em uma panela e põe-se a ferver durante aproximadamente 5 minutos, depois de pronto e arrefecido ela é desfiada e retira-se as partes da qual não interessa, focando a camada interior e mais resistente.

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qualidade10 do bambú é avaliada com base na leveza do mesmo, o que significa

que quanto mais leve e maleável for, de melhor qualidade se trata.

Extraído, o bambu é transportado para casa onde o artesão corta o bambu

longitudinalmente ao meio e depois as duas partes são medidas e divididas

transversalmente em pedaços de um metro11. Por sua vez, os pedaços são

divididos longitudinalmente cada um em três partes. Por fim, cada uma destas

partes é dividida sagitalmente até formar oito tiras. A quantidade das tiras

depende do diâmetro do bambu e da maneira como o artesão pretende

trabalhar a peneira, podendo ficarem mais grossas ou mais finas, para depois

submeter a um processo de raspagem e alisamento.

Para caso de objectos pintados o artesão extrai cascas da uma planta de nome

mutamba cuja seiva possui propriedades colagenas, que depois de batida e

esmagada é misturada a água onde acrescenta-se o barro de cor preto. Os

feixes depois de trabalhados são mergulhados durante um período de três dias,

depois passados em água de modo a retirar o excesso de terra onde passam a

ostentar a cor roxa escura. As decorações podem ser geométricas ou com

desenhos que lembram flores ou mesmo motivos abstractos, tudo de modo a

chamar atenção e destacar a beleza do objecto.

Note que no fabrico de peneiras, geralmente o bambu é trabalhado ainda

fresco. Porém, caso por motivos diversos o bambu seque ligeiramente, o mesmo

é colocado em água durante um dia para permitir o seu manuseamento.

Enquanto, os feixes após prontos devem ser tecidas até dois dias, caso assim

não aconteça, no dia do fabrico são colocadas em água durante um período de

aproximadamente uma hora.

Fabrico

O processo de fabricação decorre, geralmente, numa esteira, sendo que o

primeiro passo consiste em fazer o rectângulo ou quadrado designado por

“mukokoto, thete ou chipembe”que sustenta a peneira por onde são colocados os

produtos, que consiste em rasgar um bambu12 seco ao meio e colocar por

dentro as terminais dos feixes já preparadas em ordem, de forma paralela uma

10 Outro aspecto que atesta a qualidade é através da verificação do interior do bambu, isto é, caso exista um furo longitudinal no interior do bambu, de menor qualidade se trata. 11 São esses pedaços que ditam qual é o tamanho da peneira que o artesão irá fabricar. No caso concreto trata-se de uma peneira de tamanho médio, as comummente usadas pala comunidade onde foi desenvolvido o inventário. 12 Em alguns casos, o artesãos utiliza cordas para evitar que os feixes se movam.

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seguida da outra, de maneiras a mantê-las presas e facilitar o manuseamento.

A quantidade dos feixes depende do tamanho das mesmas e do tamanho da

peneira que o artesão pretende fabricar.

A seguir, começa-se a tecer os feixes entrecruzando-as com as outras de forma

perpendicular numa combinação 3-3-3, 2-2-213 até formar o rectângulo ou

quadrado com linhas de descontinuidades num processo designado de “pakasa

ou kuvika” como é demonstrado na figura abaixo.

Figura 17: Artesão demostrando o processo de fabrico de peneira (Foto deMariano Bento Candieiro)

Depois deste processo rasga-se novamente de forma longitudinal um bambu ao

meio de até dois metros e um dos pedaços é dividido em duas partes para fazer

o círculo (kowa) a qual sustentará o rectângulo ou quadrado feito

anteriormente. São feito dois círculos relativamente maiores e mais fortes que

os feixes tecidos, um de diâmetro maior feito a partir do pedaço interior ao

corte e o outro de diâmetro e espessura menor feito a partir do pedaço exterior

ao corte que depois são raspados e devidamente cortados nas laterais. Caso

estes estiverem bastante secos, são mergulhados em água durante alguns

minutos ou hora de modo que se tornem maleáveis e flexíveis.

13 Combinação padrão dos grafismos que representam três por cima, três por baixo e dois por cima dois por baixo. Geralmente quanto maior for o feixe menor tem sido o número das combinações e vice-versa, sendo que a combinação 3-3-3 tem sido a mais usada.

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Subsequentemente, ajustam-se as medidas entre o círculo de diâmetro maior e

a base rectangular ou quadrangular e com uma agulha feita na base de arame

(kadheyo) faz-se furos ao meio do bambu numa média de cinco seguidos,

separados a uma distância de 5 cm ou um palmo de mão até completar a volta

toda.

Leva-se a base rectangular ou quadrangular e coloca-se sobre o círculo maior

fazendo uma ligeira concavidade, posteriormente cortam-se as sobras das

extremidades de forma circular na metade da espessura do círculo e coloca-se

o círculo de diâmetro menor sobre a base rectangular ou quadrangular

deixando-a no meio entre os dois círculos.

Com uma corda14 e com ajuda de uma agulha de peneira (ntsulo) previamente

preparadas começa-se a costurar (kusona) a partir do ponto onde o bambu se

cruza e forma o círculo completo, envolvendo a corda sobre a metadeinferior da

espesura do círculo externo de diâmetro maior, a base quadrangular ou

rectangular e o círculo interno de diâmetro menor e espesura da metade do

círculo externo. Este processo de costurar a peneira geralmente acontece da

seguinte maneira: quando se começa a costurar em um determinado lugar, a

seguinte costura obrigatoriamente o artesão deve fazer do lado oposto a

anterior e assim sucessivamente de maneiras a permitir que ela tenha um

melhor acabamento.

As peneiras produzidaspara além do uso doméstico, são vendidas no mercado

local e regional com preços que variam de 80 a 100 meticais, podendo por

média, o artesão obter um rendimento de 2.000 meticais mensal resultante da

actividade.

As técnicas empregues na produção de cestos e peneiras podem ainda ser

usadas na confecção de utensílios domésticos tais como enfeites, arranjos,

mobiliário de decoração, acessórios de moda, adorno pessoal e objectos para a

agricultura, comércio e criação de animais.

Curioso é o facto de a Matemática estar reflectida nas formas geométricas

presentes na tradição Barke na confecção de objectos como cestos e peneiras

mesmo que os seus fabricantes não tenha noção disto.

Esteira (Mpassa)

Antes porém, importa clarificar que existem dois tipos de esteiras (mpassa)

designadamente esteira feita de mitete e esteira feita de nzire as quais iremos

14 Ver nota de rodapé 9 sobre a forma de preparo da corda.

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debruçar a seguir. A sua diferença reside no tipo de material utilizado, as

técnicas empregues e a forma de fabricação.

Esteira feita de mitete

O artesão se dirige nas primeiras horas da manhã para junto das margens do

rio, a fim de extraircaniço (mitete) segundo a quantidade por ele desejada ou

necessária. Os caniços usados apresentam tamanho e diâmetro diferentes, isto

é, quanto maior for o diâmetro do caniço melhor tem sido a sua qualidade e

menor tem sido a quantidade extraída.Chegado ao local da extracção e

identificado o caniço, com recurso a uma catana (bemba) corta-se por baixo e

por cima (na estremidade) e retira-se as cascas.

De seguida o caniço é transportado ainda fresco para a casa onde é dividido

longitudinalmente15 com uma faca (mpeni) pelo meio ou em várias partes

iguais, dependendo do seu diâmetro16 e colocado ao sol a secar durante 4 a 5

dias em medis, de acordo com a intensidade do sol. De referir que alguns

artesãos preferem secar o caniço por inteiro, simplesmente fazendo pequenos

cortes numa das extremidades.

Alguns artesãos após o corte do caniço e acumular a quantidade necessária

deixam o caniço na mata ao sol para poder secar e só depois de seco é que

transportam para casa. Geralmente isto acontece quando se trata de grandes

quantidades extraídas o que torna difícil o seu carregamento visto que, depois

de seco os mesmos tornam-se mais leve.

Após a secura do caniço, na tarde que antecede o fabricoda esteira, o artesão

retira a quantidade necessária para a fabricação de uma esteira e formando um

molho amarado por uma corda, volta a mergulhar o caniço na água

(comummente no rio) durante toda a noite enquanto prepara uma corda

(nkambala, nkossi ou chingu) feita a partir de fibras retiradas das cascas de

uma árvore denominada mfuti que será usado na produção da esteira. Este

processo de mergulhar o caniço na água serve para torna-lo maleável e facilitar

a sua perfuração ao longo da actividade e evitar perdas e danificação do

mesmo.

15 Este processo facilita segundo os entrevistados a secagem do caniço por um lado e por outro permite que o mesmo adquira logo o formato apropriado para o início do processo de fabrico. 16 Os caniços são divididos de forma par de 4, 6 até 8 pedaços o que no dizer dos nossos entrevistados tem a ver com o facto de procurar fazer com que as partes divididas sejam sempre do mesmo tamanho bem como para facilitar trabalhar o próprio caniço.

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Fabrico

No dia seguinte retira-se o caniço da água e organiza-se de forma alternada

sobre uma esteira para evitar que se suje, na quantidade suficiente para fazer

uma esteira. De seguida leva-se uma agulha de esteira (ntsingano wa mpassa,

chisongolera ou mayo) coloca-se a corda anteriormente preparada, começa-se a

tecer furando os caniços ao meio, um por um, passando a corda principal

sobre os mesmos e esticando a corda na medida que se vai tendo uma

quantidade furada de canoço sobre a linha, por formas a que os caniços fiquem

devidamente arrumados.

Depois leva-se uma faca e cortam-se os caniços nas extremidades17de modo

que tenham a mesma medida e prega-se sobre o solo dois paus ou dois ferros,

um de cada lado, por onde a corda primária ou principaldepois de esticada é

amarada e os caniços são devidamente organizados.

As cordas secundárias que procedem a corda primária são colocadas a uma

distância de variáveis um palmo da mão de forma alternada, isto é, uma do

lado direito e outra do lado esquerdo da corda primária e vice-versa até colocar

as linhas necessárias para o acabamento da esteira, com apoio das mãos e das

pernas.

O acabamento final faz-se abainhando (kuludzira) e amarando de forma segura,

com uma corda, dois a dois caniços nas extremidades laterais para evitar que a

esteira se desfaça e tenha boa estética.

Uma esteira média leva normalmente 20 caniços e são atravessados por 8 a 12

linhas, dependendo do tamanho dos caniços, o que significa que, quanto maior

for o comprimento dos caniços maior será a esteira e o número de linhas. A

produção de uma esteira média leve geralmente 6 horas, podendo o artesão

fazer até duas esteiras por dia.

17 Nem sempre os artesãos procedem deste jeito, alguns preferem fazer o corte depois da colocação de todas as linhas, outros ainda depois do acabamento final.

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Figura 18: Artesão no acto de fabrico de esteira feita com base no caniço denominado “mitete” (Foto de Epifânio

Caluane Benesse)

Esteira feita de nzire

A forma de extracção da matéria-prima nzire, não difere da anterior mitete as

diferenças está na preparação da matéria-prima e no modo de fabrico. O nzire,

matéria-prima utilizado para a fabricação da esteira não é dividido

longitudinalmente como acontece nas esteiras fabricadas de mitete, ele é usado

por inteiro e o mesmo não se deixa secar18 totalmente.

Fabrico

Antes do inicio de fabrico da esteira, o artesão coloca duas estacas de forma

vertical de até aproximadamente 2,5 metros de altura, separados e

atravessados por outra estaca acima colocada na posição horizontal a uma

distância de 1,5 metros entre elas, conforme ilustra a figura 1219. De seguida o

18 Caso por algum motivo alheio a vontade do artesão o caniço seque mais do o necessitado, nas horas que antecedem o fabrico da esteira, os caniços são molhados deitando-se pingos de água sobre os mesmos ou cobrindo-os com um saco molhado de maneiras a adquirir e manter a humidade. Em alguns casos para evitar que tal aconteça o artesão cobre os caniços com capim de modo a evitar que estes apanhem raios solares e mantenha a humidade. 19Após a sua montagem, a estrutura de estacas permanece no mesmo local e o artesão vai usando a medida em que vai fabricandoas suas esteiras.

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artesão faz pequenos cortes20, no formato da letra V, na estaca superior

horizontal, a distâncias variáveis de cerca de um palmo da mão com uma

catana. Estes cortes podem ser feitos antes ou depois de sua colocação sobre

as estacas veriticais.

Depois o artesão coloca as cordas que irá usar no fabrico das esteiras sobre os

cortes dando volta a estaca e nas duas pontas da corda, amarra uma pedra.

Posteriormente são colocados os caniços, geralmente dois de cada vez, para

tornar a esteira mais forte e resistente. A medida que os caniços são colocados,

as cordas e as pedras são atravessadas sobre os caniços, isto é, uma pedra vai

para o lado contrário a outra faz e assim sucessivamente. Este exercício

acontece com todas outras cordas até que a esteira atinja o tamanho

pretendido.

Note que no caso específico da esteira feita de nzire, não existe qualquer regra

específica na colocação das cordas, qualquer uma pode iniciar, podendo

começar de uma ponta para outra, do meio para a esquerda, do meio para a

direita, em fim, da forma em que o artesão julgue melhor desde que, em cada

caniço colocadoomovimento das pedras seja repetido por todas as cordas.

Figura 19: Esteira no acto de fabricação, com base no caniço denominado “nzire” (Foto de Edimar Fernando Reane)

20 Geralmente para este tipo de esteira nem todos os cortes feitos são utilizados pelos os artesãos, uma vez que este tipo de caniço não cresce de forma muito comprida o que por vezes faz com que ao longo da fabricação da esteira o artesão não use ou coloque cordas em alguns cortes feito, optando por aqueles que julgar necessários para determinada esteira. Importa ainda realçar que o tamanho dos caniços e o número de cortes a usar é que determinara o número de linhas que a esteira terá.

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De acordo com as nossas fontes, na Localidade de Nhassacara a esteira feita de

mitete tem sido amplamente fabricada e procurada pelos utentes por causa do

tamanho da matéria-prima usada que é maior o que acaba condicionando o

tamanho da esteira em relação ao material usado na fabricação de esteiras de

nzire, quefaz com que as esteiras também sejam de tamanho relativamente

menor.

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Kuumba

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Kuumba, nome local que significa Olaria, é a arte que consiste na elaboração

ou produção de peças utilizando o barro ou argila como matéria-prima.

O fabrico de utensílios feito de barro é uma prática cultural comum nas

comunidades tradicionais desde tempos idos. A manufactura de objectos de

barro e o surgimento de oficinas de oleiro ocorreu no período Neolítico, quando

os povos ou sociedades iniciaram a produção de instrumentos mais

sofisticados para sanar o problema do armazenamento ou do preparo dos

produtos oriundos da produção agro pastoril, principal característica da

revolução neolítica21.

Ki-Zerbo corrobora da ideia que a olaria tenha surgido no período Neolítico,

acrescentando que “a sua invenção parece inspira-se estreitamente nos

recipientes de folhas ou de fibras que são os cestos, pois a forma e a decoração

exterior destes transparecem com frequência na manufactura das vasilhas”.

(1999:65)

Entre os Bantu o trabalho com o barro é uma actividade que já se manifestava

desde o século XIX. É comum verificar o uso da argila no fabrico de potes pelas

mulheres da descendência Bantu, que eram mantidas dentro das cabanas.

Tindall (1968:73) avança que “… panelas epratosdevários tamanhos

diferentesforam fabricados para cozinhare armazenar alimentospara além de

servir no fabrico de bebidas e notransporte de águae cada um desses potestinha

a sua funçãoespecial eseu próprio nome.”

Argumenta ainda que frequentemente os potes eram decorados com vários e

diferentes desenhos que variavam de tribo para tribo. Linhas deincisãoe

padrões deviga eramfeitos geralmenteem volta dopescoço comum espinhoou

galho afiado.

Porém, notamos que Serra (2000), fala da olaria como sendo uma das

actividades económicas bastante desenvolvida a quando da expansão Bantu

pela região actual de Moçambique entre os séculos I e IV.

Contudo, em paralelo com o pensamento de Tindall, esta o facto de que no seio

dos barkes a olaria ter o fim de produção da panela (chikalango), as quais

divide-se em phitso (panela de barro de tamanho maior usada para o fabrico de

bebida tradicional); nkali (panela de barro de tamanho apropriado para o

transporte e conservação de água para uso caseiro); chiombwee kahombwe

(panelas de tamanho relativamente menores usadas para preparar refeições de

21Wikipédia, a enciclopédia livre.

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acordo com o tamanho do agregado familiar). De referir que para além dos

utensílios já mencionados produz-se também tampas (mbale), cântaros (tsuko)

e balde (nkate).

Figura 20: Potes de barro resultantes da olaria (Foto de Edimar Fernando Reane)

Entre osbarkes, a olaria para além de permitir obter utensílios necessários a

cozinha de uso diário, acredita-se que determinados alimentos como o quiabo e

outros são mais saborosos quando confeccionado em panelas de barro. Por

outro lado, admite-se que a água conservada em cântaros de barro fica mais

fresca para o consumo do que as conservadas em outros recipientes modernos.

Nestas comunidades, a olaria é uma prática meramente feminina e aponta-se a

sua origem na região de Macossa desde tempos imemoriais. Contudo ela tem

vindo a sofrer algumas alterações na maneira de fazer os objectos tal é o caso

de que, antigamente na produção de panelas havia uma tendência comum de

produzir objectos contendo na parte superior um “pescoço” antes da boca,

actualmente devido a diversidade e criatividade de expressão e o

desenvolvimento da actividade, as oleiras produzem também objectos com a

parte superior mais aberta, sem o “pescoço”, isto é, somente com o corpo e a

boca do objecto.

Outro aspecto esta relacionada com o facto de que antigamente as oleiras

fabricavam objectos com bastante decorações no seu acabamento exterior e

que actualmente fazem com poucas ou nenhuma decoração.

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Alguns rituais praticados antigamente no processo de produção dos objectos

como o muko22 não se verificam mais actualmente.

Por fim, anteriormente depois da cozedura de um cântaro com dimensões

maiores, geralmente os que são utilizados no transporte e conservação de água,

buscava-se folhas frescas de uma árvore nativa designada por mutoto, pilava-se

e esfregava-se em torno da parte exterior do objecto e de seguida colocava-se

no fogo e quando o objecto estivesse quente retirava-se. Isto servia para evitar

que o cântaro pudesse deixar escapar água durante da sua utilização.

Geralmente a olaria efectua-se em período seco (marimo) porque no tempo

chuvoso, os objectos facilmente se danificam devido a chuva aliado ao facto de

tratar-se de uma actividade secundária em relação à produção agrícola.

Esta actividade é realizada em oficinas caseiras, primitivas e rudimentares,

durante o dia e interrompendo-se ao cair da noite. Caso se trate de uma

objecto maior, parado o processo de fabricação durante o dia, retoma-se a

actividade no dia seguinte até que o mesmo esteja pronto.

Apesar da grande importância, a pratica corre o risco de desaparecer visto que

os mais novos não se identificam com a actividade, o que faz com que a mesma

seja realizada maioritariamente por pessoas da terceira idade (mais velhas) e

muitas vezes devido aos problemas de visão associado a disponibilidade da

matéria-prima, a olaria deixou de ser actividade amplamente praticada.

Por outro lado, devidoao surgimento das indústrias modernas de fabrico de

utensílios domésticos mais fortes e duráveis como panelas, baldes, bacias e

pratos feitos de metal ou plástico, contribui para o abandono da prática.

O trabalho com o barro ao nível da Localidade de Nhassacara compreende as

seguintes etapas, a saber: colecta de barro, preparação, moldagem, secagem e

queima.

Colecta de Barro

O processo de fabricação do utensílio inicia com a deslocação ao mato a

procura de colectar a matéria-prima, geralmente em terrenos argilosos. Em

22 Ritual que consistia, essencialmente, em consumir a primeira refeição(papa de farinha de milho) feita na panela, o que segundo os praticantes, servia de agradecimento aos espíritos pelo feito de terem tido mínimas perdas ao longo do fabrico do utensílio.

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Nhassacara, o barro ou argila de boa qualidade é extraída num Barreiro23 junto

às margens do rio,no caso concreto do rio Kanyungwe ou numa termiteira24.

Ocorre-nos referir que a qualidade da argila é atestada com base em

propriedades como a viscosidade, plasticidade, impermeabilidade, resistência e

endurecimento após a secagem e cozedura.

Identificado e chegado ao local batem-se palmas e pede-se aos espíritos da

zona para poder extrair o barro, este ritual é feito para que, segundo os locais,

nada de mal aconteça à pessoa aquando do processo da extracção, ritual este

nem sempre verificado, podendo variar de praticante para praticante. Algumas

oleiras quando chegam ao local da extracção simplesmente se limitam a extrair

o barro. O barro é extraído geralmente com ajuda de uma enxada (phadza) e

após a extracção transportado para a casa num balde ou bacia maior e até em

sacos.

Preparação do barro

Chegado em casa, arranja-se um local seguro, geralmente dentro de casa onde

o barro é guardado no mesmo recipiente a qual foi trazido do local da

extracção. Posteriormente humidecido com água, seja no mesmo dia ou

quando a oleira achar conveniente e pronta para exercer o oficio. O local da

mistura do barro e água acontece geralmente, num molde em formato de um

prato ou peneira fabricado na base de tronco de árvore ou de barro (phande)

numa quantidade estimada segundo o tamanho do objecto que se pretende

fabricar, conforme ilustra a figura a baixo.

Figura 21: Barro misturado com água em um molde côncavo (Foto de Conde Serafim Saiconde)

23

Local de extracção da argila, geralmente de cor cinzenta, a mais comum entre as oleiras contactadas. 24

Local onde cresce o muchém e geralmente apresentam argila de tons avermelhados.

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Depois da mistura, o barro fica guardado em um local onde não permite a

entrada de raios solares, normalmente dentro de casa. O objecto só é fabricado

no dia seguinte e, durante este período o barro é coberto por um plástico ou

capim de modo a evitar a sua mistura com outros dejectos e permitir conservar

a sua humidade. O fabrico do objecto acorre no dia seguinte porque a massa

do barro fica mais homogénea, leve, macia e propensa para o seu

manuseamento.

Moldagem do objecto

Passados vinte e quatro horas após a preparação do barro, o processo de

fabrico dos objectos começa com o amaciamento do barro para que as

diferentes partículas e a humidade se distribuam de forma homogénea e evitar

a formação de bolhas de ar. O passo seguinte consiste na moldagem manual do

objecto desejado ou programado recorrendo a diversas ferramentas como o

caroço de milho queimado (tsongondo). O tempo de fabrico depende muito do

tamanho do objecto, mais, geralmente, a primeira fase de fabrico leva em

média um dia. O uso de caroço de milho queimado ajuda a dar consistência e

alisamento ao objecto.

Em alguns casos no fabrico de panelas, o formato é obtido na base de um

molde cilíndrico (djinga) com uma abertura longitudinal ao meio de um lado ao

outro. Este molde é feito com base em tronco de madeira de uma árvore nativa

localmente designada por pukandweonde na parte exterior do molde coloca-se

o barro para fazer primeiramente o tronco da panela (a parte mais larga da

panela), e depois de dar forma o corpo da panela, com ajuda do caroço

(kwengo) de fruta de uma árvore designado ntcheutira-se o molde, colocando o

objecto em fabrico sobre um phande e começa-se a trabalhar a parte superior

da panela (parte do pescoço e da boca). Um cuidado especialé tomadoao

moldaropescoço e ao alisar a superfície ligando-a ao tronco até dar o formato

desejado.

Depois deixa-se o objecto num local fresco, geralmente dentro de casa durante

uma média de dois dias para reduzir a humidade e facilitar o seu

manuseamento em fases subsequentes sem que o objecto se deforme. Note que

até este período a parte inferior do objecto permanece aberta. Passados dois

dias tira-se o objecto para fora e com uma colher (chikwengo), uma carapaça de

caracol (nkhazi), uma casca de abóbora (tsukusa), um trapo de pano (chinguwo)

e com uma pedra lisa (kulungu) trabalha-se a parte inferior do objecto que

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permanecia aberta, mergulhando constantemente na água os diferentes

materiais e alisando-se a parte interior e exterior do objecto retirando o excesso

de barro. O uso da água durante esta etapa do processo permite que a argila

mantenha a sua plasticidade e não surjam rachas.

Terminado este processo, algumas oleiras fazem decorações/tatuagens

(nhambo) na parte exterior do objecto, geralmente riscos com diversas formas e

tipos para dar mais beleza ao objecto. Geralmente as decorações são feitas no

pescoço dos objectos com ajuda de um galho afiado ou espinha (pfena) do

porco de mato.

Figura 22: Panela de barro sendo moldada (Foto de

Edimar Fernando Reane)

Figura 23: Oleira moldando uma panela de barro

(Foto de Edimar Fernando Reane)

Secagem do objecto

Uma vez moldado, o objecto é submetido a um processo de secura, colocando-o

em um local seguro e sem penetração de raios solares, comummente dentro de

casa de modo a permitir que o mesmo seque natural e lentamente, o que de

acordo com o conhecimento local, torna o objecto mais resistente e evita o

aparecimento de rachas ou mesmo destruição pela intensidade do sol.

O tempo de espera entre a secagem do objecto e a cozedura vária consoante a

temperatura e os objectivos da oleira, uma vez que algumas alegam levar muito

tempo porque preferem queimar vários objectos de uma só vez. A secagem do

objecto leva em média dois dias e a maior dureza e tendência de mudança de

cor do objecto é que denuncia que o mesmo está pronto para a cozedura, isto é,

quando o barro está fresco permanece leve e com a cor originária a quando da

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sua extracção e a medida que vai secando tende a tornar-se mais duro e a

clarear.

Queima do objecto

Após o processo de secagem, a oleira retorna ao mato em busca de capim e de

cascas de troncos de árvores locais com destaque paramfuti oumugowe, nfuta,

mwimbe, nkunku e muthokwiro que servem para queimar os objectos e finalizar

o processo de fabrico. A queima serve para dar a devida consistência e

resistência, na medida que o objecto perde a sua humidade. Neste processo o

capim seco e as cascas das árvores são colocadas em torno do objecto,

envolvendo-o por todos os lados como que se de um forno se tratasse.

Geralmente a cozedura dos objectos acontece dentro do quintal em uma cova

rasa, local específico denominado djotcho, durante aproximadamente um dia

onde depois de arrefecido é retirado e colocado dentro de casa para a sua

utilização no dia seguinte, passando o objecto a apresentar uma cor com tons

mais avermelhados.

O objecto é testado num processo designado kuzimula, que significa “inaugurar

ou inauguração”, este processo realiza-se quando se trata de panelas para

confeccionar os alimentos e consiste em colocar no fogo a panela fabricada e

fazer uma papa densa de farinha que deve ser deixada a ferver durante algum

tempo. Depois retira-se a panela do lume, deita-se a papa e lava-se a panela,

podendo ser utilizada para cozer qualquer outro alimento. A confecção dapapa

em primeira instância, antes de usar a panela fabricada, esta associado ao

facto dos locais, acreditarem que o acto confere mais consistência à panela, na

medida em que a papa tapa possíveis poros que parecem invisíveis, caso

existam, de modo a que a panela não deixe escapar água a quando da sua

utilização.

Em caso de cântaros e demais utensílios assim que passa pelo processo de

cozedura e estiver pronto, o objecto depois de lavado e limpo pode ser utilizado

para o devido efeito.

Existe um tabú local, segundo o qual, durante o período de fabricação do

objecto desde o dia que antecede a colecta de barro até o dia do término, a

mulher não pode manter relações sexuais com um homem, sob o risco do

utensílio se danificar antes ou depois do seu acabamento.

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Kutsema

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A carpintaria ouKutsema na língua local, é uma actividade executada para

produzir os mais variados objectos na base de madeira, desde móveis,

ferramentas, artigos para construção civil, construção naval, entre outros. O

trabalho em uma carpintaria envolve frequentemente a utilização de esforço

físico e trabalhos ao ar livre.

Na carpintaria o profissional desta área deve ter noções de geometria e um

vasto conhecimento de como lidar com madeira no seu estado natural. A

especialidade abrange o feitio de escadas, assoalho, forros, portas, móveis,

entre outros25.

A comunidade de Nhassacara valoriza bastante a prática, por se tratar de uma

actividade que produz objectos que são usados no seu dia-a-dia para os mais

variados fins. Atualmente, com o desenvolvimento económico cada vez mais

acentuado e consequente construção de casas melhoradas, as pessoas

valorizem mais a prática na perspectiva de trazer até si, maior conforto e bem-

estar possível.

A carpintaria é executada desde os tempos imemoriais do grupo, notando-se

algumas transformações do ofício, dos quais tem a ver com o facto de que no

passado não se usava verniz, algo que acontece actualmente para dar maior

estética e brilho ao objecto.

Outro aspecto é que actualmente constroe-se objectos mais elaborados que vão

de acordo com o interesse e a capacidade dos usuários por isso fabricam-se

novos e modernos tipos de objectos, o que implica a utilização de novas

técnicas e novos instrumentos de fabrico que diariamente tem aparecido no

mercado. A exemplo disto, antigamente para furar madeira o carpinteiro usava

o pfondo, um ferro aquecido para fazer o furo onde era introduzido o rebite,

contrariamente as brocas usadas actualmente. O mesmo acontecia para colar a

madeira onde usava-se uma seiva denominada chamwa de uma planta nativa

contrariamente as colas de madeira modernas usadas actualmente.

Nota-se ainda uma modificação na durabilidade dos objectos e a qualidade da

madeira usada actualmente, isto é, antigamente os objectos eram mais

resistentes o que já não acontece ultimamente devido a qualidade da madeira

utilizada (eucalipto, pinho) associado a falta de experiência de alguns

carpinteiros que praticam o ofício, simplesmente para poder ganhar dinheiro,

criando objecto sem a devida qualidade.

25Wikipédia, a enciclopédia livre.

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Geralmente esta actividade é praticada de forma individual e especificamente

por homens adultos, sendo que as mulheres e filhos auxiliam nas actividades

secundárias como carregamento, transporte e fornecimento de diversos

materiais no processo de fabrico. De referir que na Localidade de Nhassacara,

existe um caso de pessoas que trabalham em associação, é o caso do Centro

Social de Nhassacara construído pela Save the Children para acolher crianças

órfãs, carentes e necessitadas que aprendem o ofício.

Os conhecimentos relativos a este ofício são transmitidos de geração em

geração, isto é, de pai para filho e de mestre para aprendiz como acontece na

associação existente no Centro Social de Nhassacara, onde o mestre ensina a

arte para crianças órfãs, carentes, necessitadas e demais interessadas

mediante observação e prática.

Constitui ameaça à actividade o desflorestamento intensivo que provoca a

escassez da matéria-prima (madeira) o que obriga os carpinteiros a comprar a

madeira muito cara ou percorrer grandes distâncias para extracção da

madeira.

Aquisição e corte da madeira

Actividade inicia com a planificação das necessidades, em função do objecto

que se pretende fabricar, por vezes fruto de encomendas feitas por pessoas

singulares ou colectivas. A seguir, o carpinteiro dirige-se ao mato no sentido de

identificar a árvore (muti) em que vai obter a madeira. Não tem sido qualquer

árvore usada, destaque vai para Tigelia Africana (Mubunguti ou Mvuti) Umbila

(Mukonambira), Chanfuta (Mugoriondo), Umbaua (Mubawa) e Pangapanga

(Mpangapanga).

Todas as espécies acima mencionadas são encontradas localmente numa

floresta designada Nyasulo. Mugoriondo é o tipo de madeira mais apreciado ao

nível da Localidade de Nhassacara pela sua qualidade e resistência,

principalmente ao ataque de insectos e humidade, fazendo com que ela dure

mais que as outras, isto porque, madeiras de diferentes tipos de árvores têm

diferentes cores e níveis de densidade, aliado ao facto de algumas espécies de

madeiras terem um crescimento mais demorado do que outras, o que faz com

que tenham qualidade e valor comercial diferenciado.

Importante realçar que nem sempre os carpinteiros vão a floresta a fim de

extrair a madeira. Neste caso, deslocam-se aos locais de venda da madeira

serrada de várias espécies florestais para comprar com indivíduos que extraem

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fora da localidade, visto que nem sempre a madeira é extraída localmente. O

custo da madeira varia consoante a qualidade da mesma, sendo que, à

exemplo segundo os nossos entrevistados, um pedaço de madeira de Chanfuta

com 3 centrimetros de espeçura, 20 centímetros de largura e 2 metros de

comprimento é comercializado a um preço de 100 meticais durante o período

em que decorreu o estudo.

Em caso de extracção da madeira no mato pelo carpinteiro, uma vez

identificada a árvore, ele leva um machado maior (mbadzo) para cortar a árvore

e uma vez caída, com ajuda de um machado menor (ntsemo) retira a casca do

tronco da árvore, os ramos e as partes que não interessa. A seguir leva-se um

fio (nkambala) mede-see marca-seo tronco longitudinalmente poronde o mesmo

será cortado e dividido em duas partes.

Para o processo de marcação, o fio é misturado com água e carvão ou em pó

extraído do interior de uma pilha usada. Para tal, dois indivíduos, um de cada

lado, pegam no fio esticam e batem ao meio do tronco pela longitudinal para

demarcar a linha de corte.

De seguida o tronco é colocado encostado a uma árvore ou qualquer outro

objecto eusando um serrote, dois indivíduos, um de cada lado, dividem-o em

duas partes seguindo o marco feito anteriormente. Este processo de corte até

chegar a carpintaria pode levar dias e até semanas, tudo dependendo do

diâmetro da árvore e da disposição dos indivíduos que extraem a madeira.

Fabrico e comercialização de objectos de carpintaria

Transportado a madeira para a carpintaria, primeiramente com um encho

tiram-se as camadas inúteis da madeira de modo a nivela-la e com ajuda de

uma fita métrica ela é medida por cima do cavalo26, marcada por um lápis e/ou

riscada por um graminho e despedaçada em componentes menores, com ajuda

de um serrote (mpeni), tudo de acordo com o que se pretende construir. A

fixação da madeira ao cavalo é efectuada por meio de um grampo que tem por

objectivo prender a madeira sobre o cavalo para que ela não se mova e facilitar

o processo de corte.

26Cavalo, refere aos dois troncos separados e colocados sobre o solo na posição vertical e atravessados por uma madeira horizontal fixada sobre os troncos na qual serve de apoio para o carpinteiro exercer a sua actividade. Geralmente numa carpintaria costuma existir dois cavalos colocados de forma paralela onde decorre a maior parte da actividade principalmente no que diz respeito ao corte, medição, alisamento e furo da madeira.

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Para fabricar qualquer objecto, o primeiro passo é formação do seu esqueleto

principal, denominado espelho, depois alisar a madeira cortada com ajuda de

um planador. De seguida com uma fita métrica, serrote, esquadro (khona) e um

furador (pua), as componentes são medidas, cortadas e furadas (kuboora) em

medidas exactas para facilitar o encaixe das peças por meio de pregos (pedego)

ou cavilhas/torno com ajuda de um martelo (sando).

As conexões são feitas em combinação de macho e fêmea (encaixes) com ajuda

de um formão. Na montagem do objecto, para além do uso de pregos e tornos,

usa-se também a cola para dar maior consistência e resistência as ligações,

contudo, os objectos podem ser simples ou complexos. Quanto mais simples é

odesign, mais fácil será o seu fabrico.

Note que, apesar de desempenharem quase que a mesma função de unir as

peças, o prego e o torno apresentam algumas diferenças na forma como são

empregues em determinados objectos segundo os nossos entrevistados, se não

vejamos:

Geralmente o torno é o mais indicado porque permite usa-lo mesmo que

a madeira esteja ainda fresca e depois de seca, não sem se racha, o que não acontece com o prego que facilmente racha a madeira;

As cadeiras fixas, geralmente as maiores, aconselha-se a usar o torno enquanto as dobráveis, geralmente as menores, o prego devido aos

movimentos que muitas vezes são submetidos e por causa da forma como as madeiras são fixadas;

Usando o torno, o objecto dificilmente se danifica ao invés do que

acontece com o prego que com o passar do tempo devido aos

movimentos, durante a utilização o objecto tende a danificar-se;

Pelo facto do torno ser feito de madeira e colocado depois de furada a

madeira e antecedido da colocação da cola ele depois é planado para que adquira o mesmo nível da madeira o que torna o objecto mais resistente e homogénio, ao passo que com a colocação do prego o objecto já não

pode ser planado sob o risco de danificar o planador. Depois de montado, o objecto é mais uma vez alisado em determinados pontos,

caso necessário, depois polido com uma lixa, posteriormente envernizado e deixado a secar durante um dia.

Constitui alguns objectos produzidos na Localidade de Nhassacara, cadeiras

fixas, cadeiras dobraveis, janelas, portas, aros, casquilhos, bases de camas,

entre outras peças.

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Esse mobiliário é vendido no mercado local a quando da realização do

Inventário a preços que variam de 150,00 meticais a 350,00 meticais para

cadeiras, 150,00 meticais a 300,00 meticais para aros de janelas, 1.800,00

meticais a 2.000,00 meticais para bases de cama, 400,00 meticais a 700,00

meticais para portas lisas e 1.000,00 meticais a 1.200,00 meticais para as

portas estufadas.

Figura 24: Aros para janelas (Foto de Leandro

Fernando) Figura 25: Porta estufada em processo de fabrico e

aros para janelas (Foto de Pascoal dos Santos

Saraiva)

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Kudinda madina

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Os vestígios mais antigos de tijolos datam de 7500 a.C. Inicialmente não eram

cozidos, apenas secos ao sol. Por volta de 3.000 a.C. começam a surgir os

tijolos cozidos, muito mais resistentes. Por volta de 1.200 a.C. a produção se

massifica, com o advento das grandes olarias, que provocam uma grande

redução dos preços27.

Em lugares como na China e no Egipto, a cerâmica tem cerca de 5.000 anos.

Tendo destaque especial na construção de túmulo de imperadores. Outras

manifestações importantes na história da cerâmica foram os Babilónicos,

Assírios bem como os Persas que utilizavam cerâmica no século VI a.C.

Com o tempo, a cerâmica foi evoluindo e ganhando os nossos dias, mas não

sem contar com os esforços dos Gregos, Romanos, Chineses, Ingleses,

Italianos, Franceses, Alemães e Norte-Americanos e com o passar dos anos, a

indústria cerâmica se desenvolveu com grande rapidez. Novas tecnologias,

matérias-primas, formatos e design foram desenvolvidos e no tocante da

tecnologia actual, o uso da cerâmica não se restringe apenas aostijolos28.

Mesmo com o advento de diversos outros materiais, o tijolo, em seus diversos

formatos e materiais, continua sendo em larga escala, o principal material

utilizado na construção civil, desde a antiguidade até aos nossos dias, e desde

muito cedo a produção cerâmica deu importância fundamental à estética, já

que seu produto, na maioria das vezes, destinava-se ao comércio. Talvez por

esta razão a maioria das culturas, acabou por desenvolver estilos próprios que

com o passar do tempo consolidavam tendências e evoluíam no aprimoramento

artístico.

Na Localidade de Nhassacara a cerâmica é executada desde os tempos

imemoriais, contudo, ao longo do tempo ela foi sofrendo algumas

transformações. Em tempos, os tijolos eram feitos em forma cilíndrica,

produzidos em latas ou copos e que, geralmente não eram cozidos, toadavia,

actualmente usa-se forma de madeira rectangular e os tijolos são queimados

em fornos rudimentares montados localmente.

A cerâmica tradicional é responsável pela fabricação de tijolos frequentemente

recorridos e usados pelas comunidades para a edificação de casas e demais

infra-estruturas não só pela resistência que estes oferecem a edificação mais

também pelo seu valor estético que muitas vezes representa sinónimo de

diferenciação social ao nível das comunidades. São essas mesmas edificações

27 Wikipédia, a enciclopédia livre . 28 Idem.

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que protegemos humanos das intempéries da natureza, em especial da chuva

ou sol, frio ou calor, vento e até mesmo de animais.

Não existe uma forma específica para a execução desta actividade, alguns

ceramistas praticam de forma individual e outros de forma colectiva,

dependendo da disposição e dos objectivos de cada um.

Os que praticam de forma colectiva geralmente os grupos variam de dois a

cinco elementos, entre familiares, amigos, vizinhos e aprendizes. Aspecto

importante é que não existe nenhuma restrição do ponto de vista do género na

execução desta manifestação, tanto os homens como mulheres geralmente

maiores de idade, praticam tal actividade.

O fabrico de tijolos ocorre geralmente no período seco, de Abril a Outubro por

tratar-se de um período de pouca ou nenhuma pluviosidade o que permite a

prática da actividade sem riscos de danificar os tijolos.

Preparo da argila

Para iniciar o fabrico do tijolo o ceramista identifica o local onde irá extrair a

argila de acordo com a sua preferência. No entanto, existem diversos tipos de

argilas que conferem propriedades diferentes aos tijolos e, geralmente qualquer

argila é usado, apesar de que têm sido preferência, as situadas nos locais

próximas as margens dos rios para facilitar o acesso a água.

Identificado o local, com ajuda de uma enxada (phaza) e uma pá (fosholo),

remove-se a argila numa área e profundidade de acordo com a disposição,

objectivos e quantidade de tijolos que o ceramista pretende fabricar, depois

com ajuda de uma botija (chigubu) rega-se a argila removida com bastante

água de modo a humidece-lá.

A argila misturada com a água é amaciada com os pés durante um período de

tempo que varia de acordo com a quantidade da argila existente, área e

profundidade do local onde se pretende extrair a argila, isto até formar uma

massa densa, homogénea sem partículas sólidas.

Em alguns casos, a rega da argila pode levar até três dias, isto acontece para

humedecer cada vez mais as partes sólidas e o terreno removido, de maneiras a

facilitar o processo de amaciamento da argila e abertura de futuras escavações,

visto que numa mesma área pode ser removida a argila quantas vezes o

ceramista julgar necessário.

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Fabrico de tijolos

Depois da massa da argila estar pronta, leva-se uma forma de tijolo

(chikomborero) feita na base de madeira, mergulha-se na água e depois põe-se a

massa da argila humida, na medida em que vai-se compactando com as mãos

e depois é depositada em filas no solo em um lugar próximo, nivelado e limpo

previamente.

A forma usada para fabricar os tijolos é feita por carpinteiros com base nas

medidas que o ceramista pede, geralmente o padrão obedece as seguintes

medidas: 25 centímetros de comprimento, 12 centímetros de largura e 9

centímetros de altura. Podendo ser única ou múltipla, de acordo com a

preferência dos ceramistas.

Figura 26: Ceramista depois de despositar no solo a

massa de tijolo húmida (Foto de Leandro Fernando)Figura 27: Forma dupla utilizada na fabrição de

tijolos (Foto da Internet)

Processo de secagem

Após o seu acabamento leva-se capim (uswa) e coloca-se por cima dos tijolos

durante 3 a 5 dias, dependendo da intensidade do sol. Isto acontece para evitar

que a intensidade dos raios solares danifique os tijolos, para além de permitir

que os mesmos sequem numa primeira fase, de forma mais lenta. Findo este

período, retira-se o capim e levantam-se os tijolos verticalmente, desta vez,

para ficarem durante uma média de três dias ao sol, sem nenhuma protecção

para a sua secura final.

Pelo facto do processo de secagem depender de factores climáticos, tanto na

primeira fase (com capim) assim como na segunda fase (sem capim) os

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ceramistas conseguem perceber o momento ideal da passagem de uma para a

outra através da tendência que geralmente os tijolos apresentam, sendo que,

quando a argila está fresca permanece leve e com a cor originária a quando da

sua fabricação e a medida que vai secando tende a tornar-se mais dura e a

clarear.

Dependendo da quantidade de tijolos fabricados, da disposição e dos objectivos

do ceramista como anteriormente nos referimos, ele pode avançar para o

processo de preparo do forno para a cozedura dos tijolos ou repetir o mesmo

processo até que tenha a quantidade de tijolos por ele pretendido para a

prossecução dos seus objectivos. Caso pretenda continuar com o fabrico de

mais tijolos o ceramista arruma em um espaço previamente preparado,

próximo dos tijolos ora fabricados para reaproveitar o mesmo espaço para

poder colocar os tijolos que pretende fabricar novamente.

Note que, nem sempre os ceramistas submetem os tijolos ao processo de

cozedura, em alguns casos após a secura os tijolos são usados pelo ceramista

para o fim pelo qual foram fabricados.

Figura 28: Ceramistas trabalhando no processo de secagem de tijolos (Foto de Leandro Fernando)

Cozedura dos tijolos

O ceramista prepara e arruma o forno de tijolos (ovone) da seguinte forma:

sobre o solo, em um espaço previamente preparado, coloca verticalmente três

tijolos de forma paralela seguido de um espaço (boca de forno) pela direita

equivalente a dois tijolos colocados na horizontal. Volta a colocar seis tijolos na

mesma posição que os três anteriores seguidos de novo de um espaço

equivalente ao anterior e por ali adiante na mesma ordem 3-6-3-6 até formar

as bocas de forno que julgar necessária a quantidade de tijolos por ele

pretendido cozer.

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Por cima da primeira fiada sobre os tijolos do solo o ceramista arruma-os na

posição contrária, isto é, horizontalmente o que faz com que as bocas de forno

vão se fechado (formando um semi-circulo) a medida que o forno vai ganhando

altura. Esta arrumação vertical - horizontal de fiadas de tijolos repete-se até

formar buracos intercalados chamadas de “boca de forno” onde posteriormente

é posta a lenha para a cozedura dos tijolos.

Depois de formadas as bocas de forno, a arrumação dos tijolos continuam na

mesma ordem e a medida que o forno atinge uma determinada altura o

ceramista diminui o número de filas formando uma estrutura com uma base

mais larga e um ápice pouco mais afunilado para permitir que o fogo abranja

todos os tijolos.

O número de bocas de forno vária consoante a quantidade de tijolos que se

pretende cozer. Quanto maior for a quantidade de tijolos maior será a

probabilidade de ter mais bocas de forno, podendo variar de 3 a 7 bocas.

O preparo e arranjo da lenha (nkuni), geralmente acontece depois dos tijolos já

terem sido arrumados, e a preferência vai para a lenha de uma árvore

designada de mfute por causa do poder de fogo (moto) e queima que o seu

tronco proporciona. A lenha é arrumada começando com as maiores por baixo,

seguidas das médias e as pequenas, ambas colocadas ainda semi-frescas e por

fim coloca-se pauzinhos secos e capim para poder ajudar o fogo a pegar e se

alastrar pela boca de forno. O uso da lenha semi-fresca acontece para dar mais

tempo de lume ao forno e de cozedura aos tijolos uma vez demorar mais tempo

a se decompor a medida que arde.

Após a colocação da lenha nas bocas de forno, o mesmo é revestido (matikado)

com a massa de argila, a mesma que se utilizada na fabricação dos tijolos

deixando as bocas de forno abertas para permitir a colocação do fogo. A parte

de cima do forno so é revestida 1 dia depois da colocação do fogo, isto para

permitir que o mesmo ganhe intensidade se alastre e não se apague por falte de

ar.

As bocas de forno são acesas, uma de cada vez seguindo a mesma direcção e

espera-se que o fogo ganhe intensidade e se alastre até a outra ponta, em

alguns casos a medida que o fogo ganha intensidade o ceramista acrescenta a

quantidade da lenha existente nas bocas de forno caso ache necessário e fecha-

as nos dois lados, usando pedaços de tijolos e massa de barro, deixando os

tijolos a cozer geralmente durante 4 dias.

Após este período abrem-se as bocas de forno e deixa-se arrefecer durante três

dias, onde de seguida os tijolos poderão ser retirados para a sua

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comercialização ou edificação de diversas infra-estruturas. Uma vez cozidos os

tijolos adquirem uma cor com tons avermelhados e tornam-se mais resistente.

Durante o período que decorreu o Inventário, cada tijolo fabricado custava 1.00

metical, sendo que mensalmente um ceramista produz em média cerca de

5.000 tijolos, porém este número pode variar de acordo com a disposição,

objectivos e o número dos fabricantes.

Figura 29: Demostração de arumação do forno (Foto

de Leandro Fernando)

Figura 30: Forno depois de queimado (Foto de

Leandro Fernando)

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Kubika

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Kubika significa a arte de cozinhar, ou seja, confeccionar alimentos. Esta arte

foi evoluindo ao longo da história e faz parte da cultura de vários povos do

mundo, da África e da etnia barke de forma particular. Comer é mais que

ingerir um alimento, implica também relações pessoais, sociais e culturais que

estão envolvidas naquele acto. A cultura alimentar está directamente ligada

com a manifestação das pessoas na sociedade.

SegundoLeonardo (1982ː26) alimento é um dos requerimentos básicos para a

existência de um povo, e a aquisição desta comida desempenha um papel

importante na formação de qualquer cultura. Os métodos de procurar e

processar estes alimentos estão intimamente ligados à expressão cultural e

social de um povo.

O continente africano constitui a segunda maior massa de terra do planeta e

berço de milhares de tribos, etnias e grupos sociais. Essa diversidade reflecte-

se na alimentação, no uso de ingredientes básicos assim como na preparação e

técnicas culinárias. Muitos colonizadores passaram pela África devido às rotas

marítimas que ligavam ao Ocidente. Sendo assim, a comida típica da África

sofreu influência de diversas partes do mundo.

A culinária actual, devido à globalização e o advento das multi-nacionais com

as grandes redes de produtos alimentícios, tem uma tendência de se

universalizar, levando o mesmo alimento para todas as partes do mundo. Já as

cozinhas regionais tentam, mesmo com a globalização, preservar o que lhes é

peculiar, pois é exactamente isso que as torna diferentes do resto do mundo.

Desta forma, cada canto do mundo tem culinária com suas peculiaridades.

A culinária está associada à cozinha ﴾nyumba yaKubikira), pois este é o local

ideal para confeccionar os alimentos. Contudo, os métodos de culinária variam

de região para região, tanto em ingredientes, técnicas e os próprios utensílios.

Portanto, esta prática é muito antiga na história da humanidade de forma geral

e dos povos africanos em particular.

Tradicionalmente, a cozinha nas comunidades da Localidade de Nhassacara

fica por lado de fora da casa principal, ou em uma construção separada dos

quartos e sala.

Em Nhassacara, os trabalhos relacionados com a culinária, são actividades das

mulheres. Nesta localidade, os vegetais ocupam um papel importante na

culinária local, sendo uma das principais fontes de alimentação a par de milho,

mandioca, inhame, feijões entre outros.

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Em geral, folhas verdes e hastes jovens são colectadas, lavadas, cortadas e

preparadas no vapor ou fervidas em combinação com ingredientes como cebola

e tomate. Pode-se encontrar variedade de pratos tais como massa de mapira

﴾nsima ramapira﴿, massa de milho﴾nkura yamagwere﴿, caril de folha de abóbora

﴾muliwo wa tikiti﴿, quiabo ﴾therere﴿, caril de folha de feijão nhemba ﴾muliwo wa

mkunza) e quiabo do chão que nasce naturalmente (tove/kwechete﴿.

O quiabo, para além de ser fonte de alimento também é considerado medicinal,

porque aconselha-se a mulheres a consumir durante o período de gestação

pois segundo os nossos entrevistados, o consumo deste nasta fase facilita o

parto devido a sua viscosidade. Para além desta convicção, ainda no dizer dos

mesmos, acredita-se que o alimento proporciona um ambiente agradável

dentro da barriga da gestante. Portanto esta convicção tende a desaparecer

com o tempo.

No passado a comida era servida no mesmo prato para todos a excepção do pai

da família e das crianças de idade menor. Actualmente verifica-se a mudança

deste hábito, o pai passa a refeição junto dos filhos mais velhos e casados, na

qual, as esposas trazem a comida para estes. Os solteiros passam a reifeição

na casa (guero) dos jovens, enquanto as noras e as filhas da casa passam junto

da sogra e da mãe, respectivamente. Em tempos, a água usada para beber

durante a refeição era servida na cabaça (senkombo ou ndiko), que devia ser

entregue ao intereçado pelo pai ou mão.

Portanto, a culinária na Localidade de Nhassacara é feita de várias maneiras

dependendo dos ingredientes e daquilo que se confecciona. Eis alguns dos

pratos mais confeccionados na localmente:

Kwechete

É um prato tradicional típico da Localidade de Nhassacara preparado na base

do quiabo de baixo, neste caso, o de folhas.

Este vegetal ocupa um papel importante na culinária e nos hábitos alimentares

das cpmunidades locais. Porém, este prato também é uma das principais

fontes de vitaminas e proteínas a semelhança do milho, feijão e outros.

O kwechete é um vegetal de folhas finas e cada 100 grama possui

aproximadamente, 32g de calórias, 0.2g de gorduras, 7mg de sódio, 299g de

potássio, 7mg de carbo hidrato, 3.2g de fibra alimentar, 1.5g de açucar e 1.9g

de proteina. ﴾EMBRAPAː2008﴿

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É um alimento de baixo nível calórico, possui uma boa quantidade de

vitaminas A e B e sais minerais, como: fósforo, ferro e cálcio.﴾SIMAː 2006﴿

Este vegetal germina e abunda no tempo chuvoso, isto é, de Dezembro a

Março. Contudo, pode ser encontrado em pequenas quantidades durante

outros meses do ano uma vez queas folhas nascem naturalmente sem

necessitar da intervenção humana.

Para colmatar a excassez do produto nos meses de menor abundância, os

aldeõessubmetem o alimento a um processo de conservação que consiste em

seca-las ao sol, por um período de aproximadamente uma semana. Depois são

trituradas no pilão até que fique em pó e, finalmente, o pó é conservado em

recipiente limpo e seco, nomeadamente tigela, bilha, panela de barro, dentre

outros. Isto faz com que algumas pessoas tirem quantidades enormes de

quiabo ainda fresco durante o período em abundância colocando-o a secar e

posterior conservação para poder consumir em período de excassez.

Os locais afirmam que o quiabo tem bastante económico por tratar-se de um

alimento que não acarreta custos de produção, bastando apenas dirigir-se ao

mato em tempo chuvoso para poder extraí-lo.

Figura 31: Prato contendo kwechete (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)

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Ingredientes

Quiabo seco em pó (kwechete),

Soda ﴾muteka/mkuma﴿,

Tomate ﴾matomate﴿,

Sal ﴾munyu﴿ e,

Água ﴾madzi﴿

Modo de preparar

Coloca-se água com soda (mkuma) na panela de barro ao fogo. Depois da água

ferver, coloca-se o tomate. A soda referida pode ser comprada nos mercados

locais ou produzida de forma caseira através da mistura em um recipiente de

cinzas de grampo de milho (massokonto) ou de lenha queimada com água e

depois filtrar. Trata se de um produto que serve para dar um sabor típico e

agradável ao caril.

Depois do tomate coser, tira-se a panela do lume e vai se colocando o pó

enquanto a medida que se mexe ﴾kupumpa therere﴿, durante alguns minutos

até que o caril esteja pronto para ser servido.

Modo de Servir

O caril é acompanhado de massa de farinha de milho, mapira ou mexoeira

(xima/nsima/sadza) e servido em utensílios como prato de madeira ﴾ndiro﴿,

prato de barro ﴾mbare﴿ou mesmo em pratos convencionais de esmalte,

porcelana, ferro e vidro.

Quiabo (Therere-la-Nyanthando)

Therere-la-Nyanthandoé um fruto fibroso e peludo de forma cônica e coloração

verde, cheia de sementes no seu interior de cor branca. É produzido por uma

quiabeira, planta tipicamente africana. Em Nhassacara a planta é semeada nas

machambas.

De modo geral, este alimento é consumido um pouco por todo o país para além

de outros países. Therere-la-Nyanthandofornece vários nutrientes importantes

à saúde, é rico em vitaminas A, C e B1 e possui ainda em sua composição

minerais como o cálcio, fibras e proteínas. Por fornecer poucas calorias

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(30kcalpor cada100g) o quiabo pode estar contido em dietas de restrições

calóricas e com a vantagem de ser um alimento de fácil digestão. ﴾Muller e

Modoloː 1980)

Além de todos estes nutrientes, é também conhecido por conter propriedades

medicinais. Ele é anti-helmíntico, antiparasitário, demulcente e indicado como

tratamento de várias enfermidades como diarreia, verrinosas, disenteria,

inflamações e irritação do estômago, rins e intestino.

Figura 32: Prato contendo quiabo de cima após sua

retirada da machamba (Foto de Conde Serafim

Saiconde)

Figura 4: Cozinheira cortando quiabo em rodelas para

sua preparação (Foto de Conde Serafim Saiconde)

Ingredientes:

Quiabo (therere-la-nyathando),

Água﴾madzi﴿,

Soda (muteka ou mkuma),

Tomate (matomate),

Sal (munyu) e

Caldo﴾caldo﴿

Modo de preparar

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Tira-se o quiabo numa quantidade, normalmente de acordo com número de

pessoas que vão consumir, e coloca-se numa bacia limpa. De seguida lava-se e

corta-se o quiabo em rodelas com uma faca (mpeni).

Prepara-se a fogueira que pode ser de lenha ou carvão, de acordo com as

possibilidades da pessoa, põe-se uma panela de barro (chikalango) ao lume

com um pouco de água e soda de acordo com a quantidade do quiabo que se

pretende cozinhar e aguarda-se a fervura. Em seguida coloca-se o quiabo na

panela, depois acrescenta-se o tomate, sal e o caldo, tudo em quantidade que

baste.

Note que o uso do coldo acontece ultimamente por causa do processo da

globalização a qual retratamos mais acima, visto que em tempos e na sua

originalidade na confecção do prato não se verifica o uso do caldo.

No entanto pode-se colocar qualquer tipo de tomate no quiabo de acordo com o

gosto do consumidor, visto que, existem duas variedades de tomate

designadamente, o de tamanho reduzido com sabor azedo e o tomate de

tamanho maior que tem sido produzido pelos produtores com as sementes de

qualidade melhorada.

Figura 34: Momento da preparação do quiabo (Foto de Conde Serafim Saiconde)

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A soda usada pode ser a convencional vendida no mercado, ou soda produzida

de forma caseira como anteriormente se fez mensão quando abordou-se o modo

de preparação do kwechete.

Colocado todos ingredientes na panela, aguarda-sea ferver durante cerca de 5

minutos até que este esteja pronto a medida em que vai mexendo o quiabo

para que haja uma mistura completa de todos os ingredientes e formação de

uma pasta com características viscosas.

Modo de servir

O modo de servir do quiabo (therere-la-nyathando) não difere com o

dokwechete, tanto no que diz respeito aos acompanhantes bem como dos

utensílios que se utiliza ao servir.

Figura 35: Quiabo já preparado e servido em prato (Foto de Conde Serafim Saiconde)

Kadududzira

É um prato tradicional preparado na base de quiabo (therere-la-nyathando),

típico da região de Nhassacara. O principal ingrediente (quiabo de cima) passa

antes por um processamento, que permite a sua conservação para ser

consumido durante um longo período de tempo.

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O processo consiste, primeiramente, em colher o quiabo ainda fresco e depois

cortá-lo em rodelas e deixá-lo secar ao sol, por um período de uma semana ou

mais, dependendo da intensidade do sol. A posterior, leva-se as rodelas já

secas e armazenam-se em recipientes limpos e secos como tigelas, bilhas ou

panelas de barro onde o quiabo é conservado. No dia que se pretende preparar

o prato, leva-seas rodelas de quiabo seco na quantidade desejada, e se submete

ao processo de trituração no pilão de maneiras a obter-se o pó.

Figura 36: Pó de quiabo usado para preparação de kadududzira (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)

Ingredientesː

Quiabo em pó (kadududzira);

Soda ﴾muteka/mkuma﴿;

Tomate ﴾matomate﴿;

Sal ﴾munyu﴿ e;

Água ﴾madzi﴿

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Modo de preparar

Coloca-se a panela no fogo, misturando água com soda. Depois da água ferver,

coloca-se o pó de quiabo e cerca de cinco minutos depois, acrescenta-se o

tomate e o sal, mexendo-o durante mais 5 a 10 monutos até que o mesmo fique

denso e cozido.

Modo de Servir

Depois de pronto, okadududzira é servido e acompanhado a semelhança dos

dois pratos anteriores, nomeadamente o kwechetee o therere-la-nyathando.

Mkundza

É um caril típico da Localidade de Nhassacara, preparado com base em folhas

secas de feijão nhemba. Este vegetal serve de caril geralmente no momento

seco, período em que é notável a escassez de vegetais frescos devido a falta de

água nas margens dos rios, ondenormalmente pratica-se a horticultura.

Colhidas as folhas de feijão nhemba e colocadas numa peneira, são

friccionadas usando as mãos com objectivos de torna-las murchas oucolocadas

numa panela com água ao lume para ferver durante uma média de 10

minutos, até atingir uma cozedura intermédia. Em ambos os casos, à posterior,

as folhas passam pelo processo de secagem ao sol, por um período médio de

cerca de uma semana.Note que omkundza passado pelo processo de fervura é

de fácil cozedura no momento de preparação, comparativamente ao submetido

apenas à secagem.

Secas as folhas, procura-se um recipiente seco, que pode ser um cântaro

﴾nkari﴿, sacos plásticos, entre outros, onde as folhas são conservadas para o

seu consumo em período de escassez de vegetais.

Há casos em que o processo de secagem acontecedepois de misturado com

alguns ingredientescomo o tomate e pedaços de abóbora, visto que também no

tempo seco esses ingredientes escasseiam e servem e geralmente são usados

no preparodesse prato.

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Figura 37: Folhas seca de feijão nhemba (nkundza)

misturado com outros ingredientes (Foto de Pascoal

dos Santos Saraiva)

Figura 38: Folhas seca de feijão nhemba sem

igredientes (Foto de Pascoal dos Santos Saraiva)

Ingredientes:

Folhas secas de feijão nhemba (mkundza);

Tomate ﴾matomate﴿;

Amendoim ﴾amendoim﴿;

Gergelim ﴾chitowe﴿;

Óleo ﴾mafuta﴿ e;

Abóbora que é opcional

Modo de preparar

Coloca-se em uma panela de barro ou metálica com água ao fogo, logo que

começa a ferver, põe-se as folhas e deixa-se durante 10 a 15 minutos, depois

acrescentam-se o sal, tomate, abóbora, gergelim ou amendoim pilado (ntwiro),

cebola e um pouco de óleo. Todos estes ingredientes entram no mesmo

instante. Depois de o amendoim estiver cozido, pode-se considerar o caril

pronto para ser servido.

Como referiu-se anteriormente, casos em que os ingredientes como o tomate e

abóbora já aparecem misturadas com as folhas no processo de secagem, estes

não são colocados novamente.

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Modo de servir

O modo de servir o mkundzanão difere dos pratos anteriores referenciados.

Figura 39: Praticante da culinária demonstrando

formas de servir a refeição (Foto de Leandro

Fernando

Figura 40: Membros da comunidade e técnicos

passando junto a refeição depois de preparada (Foto

de Leandro Fernando)

Kabanga

Bastante difusa em Moçambique, trata-se de uma bebida tradicional alcoólica

produzida, geralmente, a partir de farelo de milho. As bebidas tradicionais

abundam no país e, cada região possui sua bebida típica em função da

matéria-prima abundante como as feitas com base em caju, canhú, mandioca,

manga, coco, cana-de-açúcar, arroz, mapira e mexoeira.

As bebidas tradicionais podem ser agrupadas em duas categorias,

nomeadamente as bebidas alcoólicas suáveis assemelhadas a cerveja, que são

resultantes da fermentação de cereais e de frutos e as que prove da destilação

primária conhecidas por aguardentes, vulgarmente designadas denipa,

fabricados principalmente na base de frutos doces.

No caso das bebidas de fermentação, como é o caso da kabanga, os fabricantes

mergulham previamente grãos de mexoeira, mapira, arroz ou milho em água

durante alguns dias, deixando até a semente iniciar o processo de germinação.

Depois os grãos são retirados e expostos ao sol durante dois dias para secar e,

de seguida pila-se para obter a farinha, neste caso de sabor azedo. Esta farinha

constitui a matéria-prima durante o fabrico das bebidas alcoólicas na base de

cereais.

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Estes dizeres encontram paralelismo quando Tindall (1968:74) refere que o

fabrico de bebidas tradicionais na cultura Bantu é uma prática antiga e

feminina, onde as mulheres são envolvidas no seguinte processo: “o milho é

mergulhado em água e deixado até brotar um pouco, depois é espalhado ao sol

para secar e misturado com alguns graus não brotados, em seguida, as

mulheres, usando o pilão, vão moer para produzir farinha que por sua vez é

fervida e deixada em repouso no potenciómetro por dias e durante a noite um

pouco de farinha que tinha sido mantida é lançada sobre o líquido para excitar

fermentação”

Kabanga pela sua natureza é uma bebida de consumo caseiro, normalmente

servida em ocasiões como cerimónia de casamento, nascimento, fúnebre,

aniversário, recepção de dirigentes, entre outras.

Na Localidade de Nhassacara, esta bebida fortifica as relações sociais e cria

novos laços de solidariedade, pese embora também não faltem pequenos

conflitos derivados do consumo da mesma.

A semelhança de outras componentes da culinária em Nhassacara, o processo

de preparação do kabanga também é uma actividade exclusivamente feminina,

sendo que a transmissão dos saberes associados ao fabrico faz-se, de mãe para

filhas ou entre vizinhas.

A venda de bebidas industrializadas, aliado ao facto da preparação desta

bebida exigir um esforço adicional, constitui um risco a continuidade e a

trasmissão de conhecimento inerentes a esta práticaaos as novas gerações.

Ingredientes:

20 Kg de farelo de milho;

Água;

20 de açúcar;

5 Kg de fermento;

Porção para 200 á 300 pessoas.

Modo de preparar

Passo inicial consiste em moer o milho, depois de moido, peneire-se

devidamente o cereal de modo a separar os graus ao farelo (gotxe)retirando o

excesso de casca, sendo os graus posteriormente moídos em farinha para a

preaparação da massa﴾nsima﴿, e o farelo posto a secar ao sol durante 2 dias

para a preparação da bebida.

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Depois de seco o farelo, leva-se ao fogo um tambor (diramo) com cerca de 100

litros de água (madzi﴿, e deixe-se a ferver. Depois da água ferver por alguns

minutos, adiciona-se uma porção de farelo, numa quantidade de 20kg que,

previamente é mergulhado durante 3 á 4 dias em água num recipiente.

Deixa-se cozer completamente até formar papas (phala). Mexe-se as papas com

uma colher de pau (mutiko), e deixa-se cozer por 1 a 2 horas até que se forme

papas muito densa de cor avermelhada, facto que denuncia que as papas estão

completamente cozidas. Retira-se o tambor do fogo e acrescentam-se cerca de

50 litros de água para diluir a papa com intuito de torna-la menos densa.

Figura 41: Tambor contendo kabanga durante o processo de cozedura (Foto de Mariano Bento Candieiro)

A mistura é colocada depois em recipientes plásticos (gubu) e deixa-se pelo

menos dois dias a arrefecer num lugar em segurança. Arrefecida, o praoduto é

depositado em potes de barro ou novamente em um tambort para se açucarar,

segundo a quantidade das papas, podendo chegar até 20kg de açucar, porém,

antes de colocar o açúcar, as papa passa por um processo de filtração em cefas

para remover impurezas de tamanho maior. Após misturado com açúcar, o

produto permanece durante um dia sem ser consumida para poder fermentar,

podendo o seu consumo contecer no dia posterior.

No dizer dos consumidores locais, a qual pode-se entrevistar, o sabor da

kabanga pode ser descrito comoagradável, acrescentando que, passados 3 a 4

dias enquanto fermenta, a bebida pode servir para o fabrico de aguardente

﴾nipa), atravéz do processo de destilação. No entanto, os mesmos consideram

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boa kabanga aquela que depois da sua preparação e colocado todos os

ingredientes, começa a espumar e a transbordar do recipiente onde é

conservado, sinal este que significa bebida de boa qualidade o que não

acontece quando a bebida não é boa, visto que uma vez preparada não

apresenta tais características e o sabor tende a ser amargo.

Os consumidores da kabanga na Localidadede Nhassacara, acreditam por um

lado, que a bebida tem um efeito relaxante após o seu consumo, porque ajuda

o esquecimento desituações menos boas, razão pela qual esta quase sempre

presente nos ritos fúnebres, por outro lado, proporciona energia para execução

de algumas actividades, a exemplo de trabalhos agrícolas.

Ainda nesta localidade para além de ser consumida em cerimónias de

casamento e ritos fúnebres, a bebida também se fabrica para fins comerciais

onde os lucros variam, podendo em um tambor render um lucro equivalente de

1.000,00 meticais, quando a bebida for à considerada de boa qualidade. A

venda é feita em recipientes de tamanhos variados, dependendo do bolso do

consumidor. A finalidade da renda obtida a partir da venda da bebida, destina-

se na sua maioria o sustento familiar.

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Kukoma

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É a arte de trabalhar o ferro ou outro metal, forjando-o, ou seja, moldando-o a

quente ou a frio com a finalidade de dar-lhe uma forma. É uma actividade que

a pessoa cria objectos de ferro ou aço por forjar o metal, ou seja, através da

utilização de ferramentas como fole, bigorna, martelo, dobra e corta, e de outra

forma moldá-la na sua forma não líquida. Geralmente o metal é aquecido até

que brilhe vermelho ou laranja, como parte do processo de forjar. Ferreiros

produzem bens como, esculturas, ferramentas, utensílios de cozinha (facas﴿,

instrumentos agrícolas como a enxada, o machado e armas.

A arte de ferragem identifica bastantemente os povos africanos, razão pela qual

se considera que foi neste continente que foram descobertos os primeiros

instrumentos feitos de ferro.

Os Bantu após terem saído do nomadismo e passando para o sedentarismo,

foram grandes praticantes desta arte, o que lhes garantiu a pratica de

agricultura e da caça, produzindo instrumentos para esse efeito.

Tindall (1968 ː74﴿, alega que “…algumas tribos entre os Bantu eram destacadas

no fabrico de vários utensílios na base de ferro. Entre outras tribos o destaque

vai para os Venda e Lemba em Mashonalandia, os Lala e Soli do norte de

Zambeze e os Tumbuka e Nyanja no Malawi.”

Segundo o mesmo autor, a fundição do ferro era realizada em fornos de argila,

no qual eram colocados carvão e minério. A temperatura do forno era mantida

por sopro com pele de cabra fole até que o minério fosse suficientemente

fundido para separar as impurezas do ferro.

No caso específico da Localidade de Nhassacara, não se sabe ao certo quando é

que esta arte surgiu, mas acredita-se que seja o resultadodo próprio

desenvolvimento intelectual da humanidade que foi acompanhando a sua

evolução, para suprir as necessidades diárias do homem.

Os conhecimentos relativosa arte sempre foi transmitida de geração em

geração, garantindo desta forma que várias famílias pudessem produzir

instrumentos e utensílios comofacas, machados, enxadas, armas, flechas entre

outros para as necessidades do quotidiano como o cultivo de campos agrícolas,

caça, pesca entre outas actividades.

Actualmente esta arte ainda se faz sentir, pese embora o desenvolvimento

tecnológico e o comércio regional e internacional tenha trazido consigo

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instrumentos tecnicamente mais elaborados e acabados facilitando desta forma

os utilizadores.

Figura 42: Ferreiro demonstrando o seu ofício, a medida que exibe alguns de seus instrumentos de trabalho (Foto de

Mariano Bento Candieiro)

Fabrico de instrumentos e utensílios na base de ferro

Primeiramente, o ferreiro procura a matéria-prima, geralmente molas de carros

(bemba﴿ partidas ou gastas para o fabrico dosinstrumentos. Encontrado o

material, reúne os seguintes instrumentosː

Martelo (sando﴿;

Fogo (moto﴿;

Pele de cabrito (kanda la mbudzi﴿;

Pedras (minyara﴿,

Carvão (massimbe﴿;

1 Tronco (muti﴿e;

1 Tubo de ferro ﴾mpembe)

O processo da fusão do ferro decorre num forno fabricado de argila, no qual é

colocado carvão. O tubo de ferro (mpembe) é acoplado à pele de cabrito (kanda

la mbudzi) em um dos lados formando uma bolsa, que tem a função de

pressionar o ar “kuvukuta” para alimentar a combustão do carvão no forno. A

temperatura alta no forno é mantida pelo sopro vácuo criado com a pele de

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cabra até que o ferro seja suficientemente fundido. O lugar onde decorre este

trabalho, localmente é chamado de chipala.

Para fabricar os instrumentos, coloca-se a mola ﴾bemba﴿ no forno onde deve

permanecer tempo suficiente (média de 20 minutos) de modo a torná-lo

maleável. Depois, tira-se a mola e coloca-se por cima de um ferro que pode ser

pedaço de carril e com ajuda de um martelo, enquanto a mola estiver quente e

maleável, dá-se golpes de maneiras a dar forma o instrumento que se pretende

fabricar.

A medida que o metal vai arrefecendo, coloca-se sucessivamente no forno para

torná-lo maleável evai-se golpeando até obter o instrumento final. Note que,

sempreantes de retornar ao forno, o metal é mergulhada na água para evitar

que o instrumento final não tenha rachas comprometendo a qualidade do

mesmo.

Pelo facto do processo de fabrico de instrumentos da ferragem exigir aplique de

muita força na transformação da mola, faz com que o trabalho seja

exclusivamente executado por homens, geralmente adultos.

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Kuruka

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Kuruka refere-se de uma forma de criação de artigos de cama, mesa e vestuário

utilizando para o efeito a linha de croche e agulhas (kiroshi). Diversas fontes

referem-se que, o bordado manual é uma herança portuguesa durante o

período colonial em Moçambique, no geral e da Localidade de Nhassacara, em

particular.

Na Localidade de Nhassacara, os artasãos usam para agulhas fabricadas com

base em raios de biscicleta e rolos de linha conhecido por bobinas para fabricar

camisolas para pessoas adultas e crianças, chapéus, botinhas, calças, saias

para recém nascidos e lencinhos (doiros) para ornamentação do mobiliário da

sala de uma casa.

Na etnia Barke, esta actividade é meramente feminina e praticada em tempo

considerado livre, ou ainda em momentos de ociosidade. Herdada dos seus

antepassados, a arte vem sendo trasmitida de geração em geração de mãe para

filha, tia para sobrinha ou mesmo entre vizinhas.

Figura 43: Praticante da tecelagem demostrando o

processo de bordagem de diversos artigos de

vestuário (Foto de Mariano Bento Candieiro)

Figura 44: Rolo de linha de diversas cores (Foto da

Internet)

Procedimentos de Kuruka

Qualquer que seja o artigo a fabricar, primeiro passo consiste em organizar a

matéria-prima, constituída por linhas de diferentes cores, geralmente

comprada no mercado, seguida do fabrico da agulha que apresenta uma

cavidade em formato da letra V na parte terminal frontal.

O processo de bordagem nogeral consiste em enrolar a linha no dedo indicador

do lado esquerdo e, a agulha na mão direita. Depois puxa-se com a agulha

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através da cavidade, a linha enrolada no dedo indicador da mão esquerda,

iniciando deste jeito a trançar o artigo pretendido

As agulhas possuem diferentes diâmetros para cada tipo de linha e tamanho do

artigo pretendido. Em geral, quando a linha usada for fina, a agulha tende a

ser igualmente fina e o artigo de tamanho menor e, quando a linha for grossa

igualmente a agulha tende a ser grossa e o artigo de tamanho maior.

As cores das linhas usadas durante o processo de kuruka, são alternadas de

acordo com o gosto do fabricante ou do proprietário, variando somenteas peças

que se produzem, tanto no seu tamanho como no formato, sendo que os

procedimentos técnicos para a produção das mesmas são em regra iguais.

Bordado de calças

Inicia-se bordando a parte superior da cintura (nkundu﴿. De seguida faz-se a

base que cobre as duas nádegas ﴾matako﴿, seguido das pernas ﴾mwendo﴿. Neste

processo vai-se conjugando as diferentes cores de maneiras a dar a peça mais

beleza a quando do seu acabamento final.

Durante o processo, quando nota-se algum erro no tamanho ou no formato da

calça, no que se refere às medidas, desmancha-se a peça e corrige-se o erro

para obter as medições e o formato pretendido continuaando com o processo

até obtero produto final.

Figura 45: Praticante da tecelagem exibindo uma calça para uso de uma criança (Foto de Mariano Bento Candieiro﴿

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Bordado de camisola

Começa-se coma parte das costas, seguidada parte da frente e finalmente a dos

braços terminando o seu acabamento colocando gola e casa de botões. A

semelhança de outros artigos, na confecção da camisola, pode-se alternar as

cores das linhas de acordon com o gosto do fabricante ou proprietário.

Bordado de chapéu

Bordarchapéu de bebê pode ser moderadamente desafiador para os praticantes

de kuluka, mas com um pouco de prática e criatividade fabrica-se uma

variedade de chapéus usando apenas alguns pontos básicos.

De acordo com o modelo que se pretende fazer, geralmente, o chapéu inicia-se

com a parte superior mais afunilada em formato de um cone e, a medida que

vai-se bordando, usando técnica específica, vai-se formando a parte inferior

mais alargada, produzindo uma peça com a base larga e o ápice mais estreito.

Quando trata-se de chapéu com protetor para sol, a bordagem inicia criando o

protector para sol e conclui-sebordandoo resto da estrutura do mesmo.

Figura 46: Praticante mostrando uma criança

vestindo chapéu feito com recurso a tecelagem (Foto

de Mariano Bento Candieiro)

Figura 47: Amostra de chapéu confeccionado com

recurso a tecelagem (Foto da Internet)

Bordado de botinhas

O processo é semelhante ao do fabrico do chapéu. Começando com a bordar a

base do pé, seguido de altura da botinha. Depois de se alcançar a altura

desejada, passa-se para a fase de acabamento, fazendo uma peça bordada na

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parte exterior da altura da botinha por onde o pé é colocado de modo a evitar

que esta se desfaça com alguma facilidade.

Figura 48: Botinhas feita com recurso a tecelagemparauso de bebês (Foto de Mariano Bento Candieiro)

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Kurapa

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Kurapa é definida como sendo a combinação de conhecimentos e praticas

tradicionais usados no diagnóstico, prevenção e eliminação das doenças físicas,

mentais ou sociais e que assenta, sobretudo, em observações e experiências

passadas, transmitidas de geração em geração.

A medicina tradicional é uma prática comum na Localidadede Nhassacara,

porém, a actividade destes médicos tradicionais (curandeiros) não se restringe

apenas à sua zona de origem, ela se estende igualmente a outros locais desde

que para tal sejam solicitados.

Un’anga é a designação que se dá ao acto de curandeirismo, na Localidade de

Nhassacara, trata-se de uma parte da medicina tradicional que se baseia nos

espíritos dos antepassados para identificar as causas de doenças e a cura por

meio de raízes de várias plantas.

A prática da medicina tradicional nesta comunidade consiste em diagnosticar e

curar doenças usando espíritos dos ancestrais, ervas, raízes, plantas, água das

nascentes ou do mar, solo, gordura de animais, entre outros. Os médicos

tradicionais curam doenças, males e expulsam os espíritos maus, para além de

diagnosticarem as doenças através de sonhos e de instrumentos que podem,

igualmente revelar o tratamento e a dosagem a se cumprir.

Alguns praticantes exercem esta actividade por terem herdado o dom (chipo) de

cura dos seus antepassados ou parentes próximos, outros descobriram o dom

sem, no entanto saberem da sua proveniência. Para a transmissão do dom,

normalmente, os praticantes herdam dos seus e suas bisavós maternos, e o

espírito é que escolhe a pessoa da família para ser detentora do dom.

Relativamente ao aspecto de género, kurapaé praticado pelos curandeiros

(n’anga) do sexo masculino e (nyabezi) as de sexo feminino (nyahana). Os

curandeiros, normalmente, contam com o auxílio de ajudante (nyamakumbe),

tanto de sexo masculino como feminino.Os nyamakumbes para além de

desempenharem a função de auxiliares, intervêm em determinadas acções

específicas, como por exemplo, em casos em que um curandeiro tem um

paciente do sexo oposto, no entanto, caso este paciente padecer de uma doença

que afecta as partes íntimas e o tratamento requerer que se introduza o

medicamento no local, por questões éticas, ao invés de ser o nyabezi ou

nyahana a fazer o tratamento, o paciente deve ser medicado por uma auxiliar

"nyamakumbe" do mesmo género que o paciente.

O procedimento referido anteriormente, geralmente é frequente quando se trata

de doenças de transmissão sexual, concretamente dos órgãos genitais, visto

que do ponto de vista sociocultural existem assuntos que uma mulher não

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deve expor a um homem, e vice-versa. Estas interdições fazem parte de códigos

de condutas e de convivência socialmente estabelecidos, o que pressupõe que

certos assuntos não devem ser articulados entre indivíduos de sexos opostos

enquanto não constituírem um casal.

Aspecto importante constatado actualmente, esta relacionado ao método de

tratamento (kurapa), onde se verifica que os curandeiros têm trabalhado,

embora de forma informal, com os hospitais numa acção de inter-ajuda na

medida em que, quando estes enfrentam determinadas dificuldades no

tratamento de certas doenças, aconselham os doentes a dirigirem-se aos

Centros de Saúde. Isso também acontece com os hospitais quando sentem que

o paciente tem uma doença associado a causas espirituais ou que de alguma

forma torna imperceptível para eles, aconselham o paciente a procurar a

medicina tradicional. Essa conivência entre a medicina tradicional e a moderna

ou convencional é considerada boa por vários sectores da sociedade visto que,

o resultado final tem sido a salvação de vidas.

Figura 49: Curandeira (nyahana) praticante da

medicina tradicional (Foto de Edimar Fernando

Reane)

Figura 50: Curandeiro (nyabezi) praticante da

medicina tradicional (Foto de Leandro Fernando)

Entre os barkes, desconhece-se de concreto, quando é que a actividade teve

sua origem, porém, sabe-se que esta vem sendo exercida pela etnia já a muito

tempo, sendo mais antiga comparativamente a medicina convencional.

No passado quando alguém estivesse doente e fosse a um médico tradicional,

era tratado até curar, só depois de estar curado é que a pessoa vinha pagar

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pelo tratamento, aliás, não se falava de pagamento, mas sim de agradecimento.

No entanto, podia se trazer uma galinha, um cesto de farinha de milho ou

mapira. Mesmo no acto da consulta, caso faltasse alguma moeda para o

pagamento da análise tradicional (kupukutira), podia-se usar o capim como

símbolo em substituição ao pagamento.

Actualmente fazem-se cobranças antes e até depois, mesmo que o doente não

apresente sinais de melhoria no seu estado de saúde. No acto da consulta, o

capim já não se usa para substituir o dinheiro, muitas vezes são cobrados

valores elevados, o que representa uma viragem da medicina tradicional para

actividade comercial e lucrativa.

O curandeirismo não é uma actividade praticada somente na Localidade

deNhassacara, pelo contrário ele é praticado em quase todo o território

Moçambicano e na África em geral, embora possa ter outras designações, uma

vez que o país e o continente são compostos de uma ampla diversidade étnica.

Mas o certo é que, nesta localidade, a medicina tradicional desempenha um

papel de relevo. Primeiro porque faz parte das crenças deste povo, segundo,

porque os postos de saúde existentes, até então, encontram-se distantes de

alguns povoados, para além de carecerem de pessoal especializado e

medicamentos para o tratamento de certas doenças, permitindo, então, uma

acção massificada desta prática, o que vem a conferir uma posição de destaque

na estrutura social da comunidade.

Há que considerar em parte que, os médicos tradicionais sentem-se

reconhecidos pela medicina convencional, como um sector da sociedade capaz

de curar doenças não detectáveis pela medicina convencional, principalmente

quando estão associadas a natureza espiritual. Em decorrência disso, alguns

pacientes são encaminhados à medicina tradicional, o que tem trazido

resultados surpreendentes, fazendo com que este tipo de medicina assuma um

papel vital e indispensável nas comunidades.

Portanto, o conjunto de saberes subjacentes ao processo de cura, ao nível local,

traduz-se num valor de património cultural que foi e continua a ser

transmitido de geração em geração, com identidade própria nas formas de

tratamento das doenças.

O diagnóstico de doença

A identificação de doenças é feita através do contacto com espíritos dos

antepassados, que determinam se a doença é curável ou não. As doenças

frequentemente identificadas e curadas pelo curandeiro são as seguintes:

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Tsanganico- doença espiritual que aparece quando as pessoas não

obedecem a cerimónia de purificação depois de sepultar um membro da

família, cerimónia localmente designada de "kupita kufa";

Lukaho - doença que surge quando uma mulher é tratada pelo seu

marido para não manter relações sexuais com outros homens, excepto o

marido. Caso mantenha relações sexuais com outro homem, esse corre o

risco de perder a vida quando não for tratado;

Nsoma - tratamento de fontanela;

Mapere (Lepra);

Bilharziose;

Dores de barriga;

Esterilidade;

Impotência sexual;

Mordedura de cobras;

Usando a cauda de um animal (chiphendo), o curandeiro começa a fazer análise

ao doente para identificar a doença e se ela é curável ou não. Geralmente, usa-

se a cauda de Kudo (ngoma) designado por nchira. Depois usa-se instrumento

de consulta (nhamphembera) para saber o tipo de medicação a dar ao paciente.

Uma vez identificada à doença, segue-se ao tratamento com raízes.

O tratamento

De acordo com as nossas fontes, o tratamento é um acto que pode ou não estar

associado a crenças e envolvem espíritos, que afiguram como elementos

mediadores entre o sobrenatural e o n’anga (curandeiro). Quando for o caso, o

espírito age como elemento de ordem divina para orientar os procedimentos

que devem ser levados a cabo pelo n’anga para efectuar o tratamento. Para o

efeito, os n’angas recebem as informações concedidas pelo espírito, indicando

os medicamentos que devem ser aplicados no âmbito da cura de uma

determinada doença.

As informações que são obtidas durante o sonho, proveniente de contacto com

os espíritos, possibilita saber quais são as plantas e os locais onde se podem

encontrar os remédios. É deste modo que os curandeiros conseguem obter os

conhecimentos inerentes a medicina tradicional, para que as pessoas se

possam beneficiar da cura de diversas doenças.

Nos casos em que o curandeiro já conhece o medicamento ou já recebeu

instruções de outras formas de praticar a medicina tradicional, não passa pelo

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processo descrito. Ele, simplesmente receita imediatamente ao seu paciente o

tipo de medicamento, dando-lhe todas as instruções de aplicação.

Figura 51: Praticante de medicina tradicional durante o tratamento de uma criança ﴾Foto de Edimar Fernando Reane﴿

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Mikanda é o nome local designado ao colar fabricado na base de missangas.

Trata-se de um objecto decorativo usado para ornamentar colares, que

possuem um pequeno furo no meio por onde passa um fio ou corda.

O uso de mikanda é uma prática antiga no seio do grupo etnolinguístico Barke,

exclusivoprincipalmente em mulheres adultas e adolescentes para torna-las

lindas e atraentes. As crianças do sexo feminino também são colocadas

mikanda, neste caso, apenas como objecto de adorno.

Quando se trata de criança, a mãe é a responsável no fabrico do colar, e este,

deve ser feito com apenas um fio de missangas, enquanto nas adolescentes e

adultas, cada uma é responsável na confecção do seu próprio colar de vários

fios de missangas.

Antigamente as adolescentes consideradas prontas para o relacionamento

conjugal, deslocavam-se as lojas dos comerciantes indianos para comprar

pacotes de missangas. Nestes pacotes, podiam encontrar-se missangas

misturadas de diversas cores entre vermelho, verde, branco, azul e amarelo.

Nessa altura, caso a menina se deparasse com um conhecido ou vizinho na

loja, ela não efectuava a tal compra, até que este saísse do estabelecimento,

pois tratava-se de um tabu.

O fabrico de mikanda é uma arte secreta feminina, por isso, deve ser feita fora

do alcance dos homens e de menores de idade, razão pela qual, geralmente são

fabricadas em lugares fechados, caso contrário existe uma crença segundo o

qual não surtira os efeitos desejados.

As mulheres da Localidade de Nhassacara colocam a mikanda como forma de

valorizar o seu corpo e, sentem-se prestigiadas perante as outras mulheres que

não tenham. Além disso, localmente acredita-se que o ruído resultante do

choque entre as missangas serve de estímulo durante as relações sexuais. Este

som também é sinónimo de beleza e fonte de atracção dos homens, para o caso

de mulheres solteiras.

Actualmente, a prática caiu em desuso devido a desvalorização do costume, a

falta de missangas de grande qualidade no mercado como também devido a

evolução das pessoas que com o passar do tempo, adoptaram novas e

diferentes formas de se vestir.

Importante referir que, para os barkes existe uma diferença entre missanga e

mikanda, pese embora missanga seja uma palavra portuguesa. Para estes,

missanga são as de tamanho menor que geralmente colocam no pescoço ou

nos braços da mulher, enquanto mikanda são grossas e coloca-se na cintura.

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Em alguns casos, missangas eram também usadas pelos homens com espírito

de caça ou caçador ﴾maissiri﴿.

Figura 52: Colares feito de mikanda e suas

respectivas argolas ﴾Foto de Mariano Bento

Candieiro﴿

Figura 53: Fazedora de mikanda exibindo um colar

de mikanda (Foto deMariano Bento Candieiro)

Fabrico da Mikanda

Primeiro passo consiste em adquirir as missangas, de seguida são retiradas do

pacote e colocadas (kutunguira) num fio de sisal (gavi), ou ainda linha de saco.

Para facilitar a introdução da linha no furo das missangas, ela é colocada

numa agulha em uma das extremidades. As missangas são seleccionadas de

acordo com a cor, de modo a diversificá-las e torná-las mais decoradas, lindas

e atraentes.

Na medida que são colocadas sobre o fio, a fabricante vai experimentando para

verificar sea quantidade colocada é suficientes para dar a volta a sua cintura.

Dependendo da quantidade das missangas disponíveis, a mikanda pode

comportar entre 10 à 30 linha de missangas. Depois disso, o colar estará

pronto para ser usado na cintura (nkundu).

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No sentido amplo, música é entendida como a combinação de ritmo, harmonia

e melodia, de maneira agradável ao ouvido. É ainda a organização temporal de

sons e silêncios. No sentido restrito, é a arte de coordenar e transmitir efeitos

sonoros, harmoniosos e esteticamente válidos, podendo ser transmitida através

da voz ou de instrumentos musicais.

A música tradicional também denominada música folclórica ou étnica, é aquela

que se transmite de geração em geração por via oral e hoje em dia se transmite

também de maneira académica como uma parte más dos valores, da identidade

e da cultura de um povo. Tem uma característica étnica que normalmente a faz

fácil de compreender e que simboliza as tradições e costumes de um povo.

A música tradicional representa as crenças e as tradições de uma determinada

região e, grande parte dela possui letra de fácil memorização e está ligada às

festividades, envolvendo danças típicas de uma determinada cultura para além

de que está intimamente ligada à música popular.

Kaembe

Entre os barkes de Nhassacara é indissociável a músicado instrumento

musical, isto é, a música tradicional é acompanhada de toque de instrumentos

tradicionais, e no caso concreto, tanto a música bem como o instrumento

tradicional, são designados de Kaembe.

Importa clarificar que o nome “Kaembe” surge porque na Localidade de

Nhassacar o indivíduo por sinal a única mulher, quem toca a música e o

instrumento tradicional ser vulgarmente conhecida por Mbuya Nyakaembe, daí

as pessoas passaram a designarKaembe para se referir tanto as músicas como

o instrumento tradicional.

O Kaembe como música tradicional, pode-se equiparar a uma trova pelo facto

de normalmente não ser dançada, mas sim escutada e o conteúdo das suas

letras e canções são bastante admiradas pela comunidade, pelo facto de

retratar a realidade social e o quotidiano como teremos a oportunidade de

perceber mais adiante.

Kaembe como instrumenta tradicional musical é produzido com a finalidade de

produzir som que acompanha a música.

Ao nível da localidade, não se tem conhecimento da época a respeito da origem

do surgimento da música assim como do instrumento a ela ligado, pelo facto de

inexistência de literatura que retratam o assunto. Certo, é o facto de que no

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passado o instrumento Kaembe acompanhava outros instrumentos tradicionais

como a Valimba, e actualmenteacompanha alguns cânticos ecuménicos

entoados nas igrejas.

Contemporaneamente ao nível da Localidade de Nhassacara, nota-se uma

tendência de desaparecimento da música assim com do instrumento

tradicional, pelo que se pode constatar, somente uma pessoa é que pratica tal

manifestação, aliado a isto está o facto dos admiradores da música e do

instrumento tradicionalpreferiremapenascontemplar a praticante enquanto

canta e executa o instrumento, sem no entanto interessarem-se em aprender

tal manifestação.

O cântico e a execução do instrumento podem decorrer a qualquer altura do

dia, ano e local, sendo que a sua disseminação e divulgação é feita não só ao

nível comunitário e regional como tambémem Festivais Nacionais de Cultura. A

sua valorização pode constituir não só a preservação de traços culturais do

grupo étnico barke como também potenciar o turismo de base comunitário.

Fabrico do instrumento Kaembe

O processo de fabrico do Kaembe é bastante simples, bastando para tal, dirigir-

se ao mato para obter o caniço (nyatsingai) o qual é cortado, tanto com as

mãos ou com ajuda de uma faca (mpeni) em tamanhos e medidas iguais. Uma

vez transportados a casa, prepara-se uma corda29 de saco (ussalu wa mica)

para poder unir os pedaços de caniço, que são organizados paralelamente com

até cerca de 30 centímetros de cumprimento cada. De seguidacom a corda,

tecem-se com as mãos juntando vários caniços, de modo a não deixar

nenhuma folga entre eles, até obter uma estrutura com formato de uma

esteira, com geralmente, três linhas de cozeduram sendo duas nas

extremidades e uma ao meio.

Depois de alcançar as medidas desejadas, o instrumento é dobrado e colocado

ao meio por dentro perpendicularmente aos caniços, um pau grosso com a

medida do instrumento de maneiras a suportá-lo a quando do seu manuseio e,

nas duas extremidades perpendiculares ao apu grosso, são colocados caniços

mais resistentes. Note que, geralmente são colocados paus ou caniços mais

29Este processo consiste em juntar duas ou mais linhas e com ajuda das coxas dos pés e as mãos vai-se esfregando (trançar) suavemente começando de uma ponta até a outra, ambas de uma só vez fazendo uma única corda tornando-a mais resistente.

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fortes por onde o instrumento é dobrado e pelo meio no seu interior, para

dificultar a sua danificação.

Terminado este processo, coloca-se no interior do instrumento algumas

pedrinhas (minhala) que quando movimentado o instrumento, produz um som

caracteristico. No final, tapa-se as laterais com cola, asfalto (thala) ou cera de

abelha, e deste modo, após a secagem da cola, o instrumento está pronto para

ser utilizado.

Figura 54: Instrumento designado por kaembe (Foto de Conde Serafim Saiconde)

Forma de tocar o Kaembe

O Kaembe é tocado com as duas mãos segurando o instrumento nas duas

extremidades dobraveis. Os dedos polegares ficam por cima do instrumento,

enquanto os restantes ficam do lado de baixo. As mãos tocam o instrumento

através de movimentos em ziguezague, de cima para baixo ao nível entre o

peito e a parte abdominal, produzindo um som mediante o choque entre as

pedras e os caniços no interior deste. Toca-se normalmente sentado em uma

esteira ou cadeira.

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As letras musicais

Eis algumas músicas em língua local ci-barke (original) e sua respectiva

tradução em língua portuguesa:

Música tradicional em língua ci-barke

Ndasala nderera

Ndasala nderera ine

Ndasala nderera

Muanzanu ndasati ndalira ine

Ndasala nderera muaianu ndasati kulonga ine

Ndasala nderera mubonera ndabonera ine

Hehe i he hai

Hehe ihe mai

Hehe ihe

Ndasara murombo, ndasala nderera makole masere ndikubonera ine

Ndasala ndelela namala ndapinda tsaona ine

Ndasala nderera kugonera ku gonera rede

Ndasala nderera kufunika nkufunica moto

Ndagala nderera muanzanu ndasati ndalira

Ndasati ndalira kumberi ku ndichalira muaianu

Ndabonera ine, mai kubonera ine

Ndabonera ine kubonera chengeta nderera

Ndabonerea ine cubonera cuchengeta wapuere ine

Ndabonera ine wana wakula palibe chaona ine

Ndabonera ine ndiende kumunda chinelo zichalipo

Ndabonera ine kudanyumba foro ichainchadaiona

Tradução em língua portuguesa

Fiquei órfã

Fiquei órfã eu, fiquei órfã

Fiquei órfã eu vossa colega antes de chorar eu

Fiquei órfã eu antes de chorar

Fiquei órfã eu antes de falar, sofrer já sofri eu

Fiquei pobre e fiquei órfã, seis anos eu a sofrer e depois disso entrei em um

grande acidente

Para dormir durmo numa rede mosquiteira e cobrir cubro fogo

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Fiquei órfã eu vossa colega antes de chorar e sei que mais vou chorar lá em

frente

Sofri eu mãe e estou sofrendo e criando crianças órfãs

Sofri, as crianças cresceram e nada vi eu, sofri eu ir a machamba sem pelo

menos chinelos, sofro mais ainda porque quando entro dentro da casa ainda

vejo a foto dele.

Música tradicional em língua ci-barke

Ine mai kupalikiwa ine

Ndatine mai kupalikiwa ine

Wakalekale ndiwo ampalika

Wana wana hawachapalike

Mungada kupalikaku palika mphalidzóo

Napakufamba napakutaula

Ningalipakati pakutambudzana

Wangada kuseca secapamano

Wakalekale ndiwo anamuambóo

Wana ino hawachina mitemóo

Wakulu walikulonga walikutucatuca moio

Napafamba musolo kutendera

Chinaronga wakulu ngawataire wanawa

Akabala mwana mbodzi avindaitiwa ine waiangu

Mukhandaidzenimbo mai watingui

Wasati wakula uchali mwana ma

Kubala muama sikudakuaco tai

Udabala muanapa nimulungu adakupa

Adakupasila kukunyaladza moio wakoiu kuti bambudziko la underera limale

U ite ma nyemueniemuere mulungu muaita basa

Muakandipa changu ndinoda

Wakale wangu wakandiseka

Wakandiseka wachindisarudza, wachindivunza ndiri nderera

Ndadzaenda kiabsaga kubsaga baba wangu

Kupsika nalero mulungu ndinaie

Ndainaupenyu na hama dzangu

Kana kufeka kufeka ndembe nderera

Kana kufuca kufuka moto mulombo

Kiandipa madzi kundipa sude nderera

Kiandipa sadza kundipa bhutu mulombo

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Kiandipa nyama kundipa tsesa la muti

Kuva kuti ndinyama nkunchoncha muto okha

Lekani kupedza nyama saka nchimuti chili mumbale

Hama dzangu ndingalongeni ine nderera

Hama dzangu ninseka tani ndili mulombo

Mwaona ndakula muakundida chinchino

Ndainamui wangu na hama dzangu ziri paumbapa

Andeni pai ndiri piachema kuna mulungu

Ndakula baba ndakula baba nderera

Tradução em língua portuguesa

Ser casada numa poligamia

Mãe, estar numa poligamia...

Os antigos é que fazem a poligamia, as crianças de hoje já não conseguem fazer

a poligamia

Quando fazem a poligamia fica pregação na zona a andar falar das esposas

Parecem que estão no meio de se maltratar, quando rir só são os dentes

Os antigos é que tem educação, mas as crianças de hoje já não tem educação,

quando os mais velhos falam eles nos seus corações estão a insultar, onde você

anda a cabeça sempre a rodar o contrário

O que falam os mais velhos que estas crianças obedeçam

Quando nasce uma só criança diz que algo fui feito, mamã chama-me também

alguém para encontrarmos as causas

Antes não cresceste, ainda és criança, o nascer criança não é sinónimo de

crescer

Se nasceste esta criança é porque Deus te deu

Te deu para te acalmar o coração para o teu sofrimento de órfã acabe

Devias jingar e alegrar dizendo obrigado Deus porque me deu o que eu tanto

queria, a família me ria e se separavam de mi, dizendo que sou órfã

Fui procurar, procurar meu pai e até hoje estou com Deus

Tenho uma vida com minha família

Mesmo para vestir o órfão veste farrapos, e para cobrir cobre fogo o pobre, peço

vos água me dão água sujapor ser órfã e quando me dão comida me dão farelo,

em vez de me dar carne me dão casca de árvore órfã

Ouvir que em casa há carne somente me dão molho e carne é um grande

pedaço de pau que está no prato

Meus irmãos, o que posso dizer eu sendo uma órfã, como me posso alegrar

enquanto sou pobre

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Agora que cresci já me precisam, porque estão a ver que já tenho minha casa e

minha família

É verdade pai, eu chorei perante Deus, já cresci, já cresceu aquele órfão

Agora que cresci já me precisam, porque estão a ver que já tenho minha casa e

minha família

É verdade pai, eu chorei perante Deus, já cresci, já cresceu aquele órfão

Música tradicional em língua ci-barke

Nyakucherenga ine

Baba nyakucherenga ine (5 vezes)

Muacherenga mucherenga chua imue

Wakadzi wamazua ano kulamba amunalombo

Walikuda mantigo mantigo ndio anamale

Umgafikira panyumba yantigo kufikira ng´ombe alibe

Ati male antambira immalira aputa na mbamua

Haubziuone wekha, Haubziuone wekha

Mulikulamba alombo siwa imue

Nyacucherenga ine

Ande kucherenga nde, ande kucherenga nde

Unde kucherenga ine, ande kucherenga nde

Ona ndainanyumba ine, ona ndainawana wangu

Aziwanga kundiramba chua

Baba kucherena ine, andecherenga ine

Andecherenga ine, baba kucherena ine...

Tradução em língua portuguesa

Sofrimento

Pai quem está a sofrer sou eu, pai quem está a sofrer sou eu, pai quem está a

sofrer sou eu.

É verdade que você está a sofrer? As mulheres actuais negam homens pobres

Somente querem antigos combatentes porque tem dinheiro

Quando chegar na casa de um antigo combatente e encontrar que não tem

uma cabeça de vaca, diz-se que o dinheiro acaba com as prostitutas e bebida,

não vens também sozinho?

Estão a negar casar-se com os pobres, será verdades que estão a sofrer?

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Quando chegar na casa de um antigo combatente e ver que não tem casa

condigna, dizem que o dinheiro que recebe acaba com prostitutas e bebida, não

vens também sozinha?

Estão a negar pobres, veja que já tenho casa, já tenho crianças

Negar o pobre, negar o pobre, é verdade?

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Dança tradicional é conceituada como sendo a arte de movimentar

expressivamente o corpo seguindo movimentos ritmados, em geral ao som de

música.

Dança folclórica - trata-se de uma forma tradicional de dança recreativa do

povo e são específicas de um determinado país e cultura. As danças sempre

foram um importante componente cultural da humanidade. Muitas das danças

folclóricas tem origens anónimas e foram passadas de geração para geração

durante um longo período de tempo. O folclore da Província de Manica é rico

em danças que representam as tradições e a cultura de uma determinada

região, muitas delas ligadas aos aspectos religiosos, festas, lendas, factos

históricos, acontecimentos do quotidiano e brincadeiras.

Geralmente a arte de dançar é praticada em diferentes ocasiões como no

período de colheitas, nos rituais aos deuses, na época das caçadas e pescas,

nos casamentos, em momentos de alegria ou tristeza, ou ainda, em

homenagem à mãe natureza. É considerada a mais completa das artes, pois

envolve elementos artísticos como a música, o teatro, a pintura e a escultura,

sendo capaz de exprimir tanto as mais simples quanto as mais fortes emoções.

Na maior parte dos casos, a dança, com passos cadenciados é acompanhada ao

som e compasso de música e envolve a expressão de sentimentos potenciados

por ela.

O significado da dança vai além da expressão artística, podendo ser vista como

um meio para adquirir conhecimentos, opção de lazer, fonte de prazer,

desenvolvimento da criatividade e importante forma de comunicação. Através

da dança, uma pessoa pode expressar o seu estado de espírito. A dança pode

ser acompanhada por instrumentos de percussão ou melódicos, ou ainda pela

leitura de diferentes textos.

A dança teve forte influência nas sociedades ao longo dos tempos. Como via de

socialização e disseminação de cultura, proporcionou ao mundo o

conhecimento sobre a diversidade cultural dos diferentes povos em todo

mundo, especialmente através das danças folclóricas.

Todas as sociedades tradicionais assim como as modernas são acompanhadas

de dança e música que as tem identificado ao longo da vida. As origens da

dança perdem-se no longo percurso da sua história. Realmente, desde os

tempos já lá idos a expressão cultural lhes é reservado um papel importante na

sociedade e de acordo as especificidades de cada região, elas foram adquirindo

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diferentes significados, transmitindo por um lado, a alegria, o amor, a

fraternidade e a solidariedade e, por outro, a tristeza, o sofrimento, a nostalgia

e a dor, entre outros sentimentos humanos.

Entre os barkes na sua generalidade e na comunidade de Nhassacara

particularmente, a dança faz parte do quotidiano dos residentes em qualquer

momento das suas vidas. Ela estende-se ao domínio ambiental, social e mostra

maneiras como os adolescentes e jovens são preparados para os desafios da

vida, tanto a nível individual, como de grupo. No domínio espiritual, a dança

simboliza o elo entre os vivos e os mortos, jogando estes últimos, um papel

relevante na reprodução material dos primeiros. As canções e as letras dessas

são compostas de acordo com o tipo de situação em alusão, além de que as

letras também podem trazer alguma mensagem educativa para a comunidade.

Dança Mafuwe

É uma dança, segundo os nossos entrevistados, originária do Distrito de

Changara, Província de Tete onde actualmente é bastante praticada, e ao nível

da Província de Manica, ela é praticada na zona Norte, possivelmente pelo facto

da sua proximidade a Província de Tete.

Mafuwe é praticado por homens e mulheres das mais variadas idades30 sendo

que, antigamente, era executada somente em cerimónias fúnebres (nkawa) e de

pedido de chuva (kuteta madzi) e actualmente verifica-se igualmente nas

cerimónias de recepção de dirigentes, cerimónias públicas, dias

comemorativos, festivais de cultura e outras festividades e celebrações.

O grupo de dança é geralmente composto por 10 a 20 elementos, dos quais

quatro homens que tocam os três batuques que acompanham a dança. Um dos

homens fica de suplente para substituir a quem sentir-se cansado ou

indisponível, os restantes elementos do grupo é constituído por cantores,

dançarinos e animadores. Destes, um é o chefe do grupo que é eleito em função

30 As crianças participam na dança somente em actos festivos, o que possibilita a sua aprendizagem, sendo que estas não podem fazer parte a quando da execução em cerimónias fúnebres,pois em sociedades africanas tradicionais a morte é considerado como algo assustador principalmente para as crianças e que geralmente não estão preparadas para lidar com o fenómeno.

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da capacidade de criatividade e a confiança que os restantes elementos

depositam nele.

Para dançar mafuwe, primeiramente o grupo é informado sobre a necessidade

da dança, pelo chefe do grupo, sendo que, geralmente, a necessidade deriva do

propósito da ocasião a que a mesma é executada. Após informado o grupo

começa com os ensaios onde aprimoram entre outros aspectos, as canções de

acordo com o propósito em alusão.

A dança é executado com os dançarinos dispostos de forma circular,

caracterizada pelo uso do corpo seguindo movimentos estabelecidos

(coreografia) ou improvisados (dança livre), movimentando-se para o interior e o

exterior do círculo, e de frente para trás a medida que o círculo vai girando.

Para acompanhar a dança são usados e tocados instrumentos como o apito31,

chocalho32 (ngocho), batuques33, bem como palmas das mãos e dos pés.

Actualmente os praticantes podem executar dança usando uniforme, algo que

em tempos não acontecia. Normalmente o facto acontece quando se trata de

um grupo para se apresentar durante a recepção de dirigentes, festivais de

cultura ou em cerimónias oficiais, porém, não se restringe a execução da

mesma sem necessariamente precisar de uma indumentária específica, como

aliás acontece normalmente em cerimónias fúnebres ou recreação. O uniforme

é composto geralmente por capulana, blusa e lenço para as mulheres e calças,

camisa e chapéu para os homens, da mesma cor para ambosos sexos.

Como fizemos menção da variedade de conteúdo das canções, de acordo com a

ocasião, eis alguns exemplos:

No ritualfúnebre canta-se wassarakuronga kokoriko jongwe, a letra pede

aos presentes, principalmente aos familiares para chorarem pelo ente querido,

deixando de parte a identificação de culpados pela morte, uma característica

típica das sociedades africanas em caso de morte. Neste ritual, quando trata-

31Usado por um dos tocadores de batuques para orientar o grupo. 32Instrumento feito de cabaça ou lata que, no seu interior se introduzem pedras ou algumas sementes que, agitando, produzem um som que acompanha outros instrumentos tradicionais. 33Comummente três, sendo: kabidibidi, batuque pequeno que se toca com duas baquetas;djenje, batuque médio que se toca com duas baquetas e constitui o batuque sobre o qual se assenta a dança, porque todos os passos importantes são determinados polo som produzido por ele e mutunda, batuque maior que se toca com uma mão e uma baqueta.

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sede um defunto no qual se aguarda pela chegada dos membros da família

para o enterro, a dança pratica-se enquantose aguarda o enterro, sendo que,

depois do enterro ela não é executada. O toque do batuque kwenje é usado

para anunciar a morte (kuzimbula nkhawa) na comunidade.

No ritual de chuva, canta-se kuteta madzi (pedir água aos espíritos), trata-se

de uma canção de pedido de chuva aos espíritos, para que os filhos não

morram de fome. Neste ritual participam todos os anciãos e membros

reconhecidos da comunidade para realizar a cerimónia e, a dança acompanha

o ritual.

Em cerimónias oficiais ou públicas, dias comemorativos, festivais de cultura e

outras festividades e celebrações o conteúdo das canções enaltece os feitos dos

dirigentes nas mais variadas esferas da vida e versam a respeito da ocasião e

do dia-a-dia da sociedade.Aspecto frequente em quase todas essas ocasiões é a

evocação durante os cânticos dos espíritos nyangulo, considerado guardião da

comunidade.

Letras e canções

Apresenta-se abaixo algumas letras das canções entoadas a quando da prática

da dança mafuwe em língua local ci-barke, seguida da sua tradução em língua

portuguesa:

Wassossera kulonga

Hia há hie hie hia é, Hoie hoie Hie hie hiaenda, hoie hoie Hie hie hiaenda Wassossera kulonnga Hie hie kulonga sinakufuna ndaitaine Hoie hoie hoie Hía

Hoie hoie hóoieee Wassossera kulonga Hié kuronga sinakufuna ndaitaine Hoie hoie Ihóie enda Hoie hoie Ihóiene nda enda Wassossera kulonga Hié kuronga sinakufuna ndaitaine

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Hoie hoie Ihóie enda Hoie hoie Ihóiene nda enda Wassossera kulonga

Tradução em língua portuguesa

Provocaste barulho para discutir Provocaste barulho

Mas eu não gosto de discutir Eu não gosto não Mas criaram condições para discutir

Criaram condições para discutir

Ndadhawa

Ndadhawa ndatukanyonyo ndiaripe He hé hé Ndadhawa He hé he Ndadhawa Ndadhawa ndine Ndadhawa ndaluka dololawe ndiaripe He hé he Ndadhawa He hé he Ndadhawa Ndadhawa ndine Hia hia hiii, hie hie He hé he Hhie He hé he Hie hie Ndadhawa ndine…

Tradução em língua portuguesa

Falhei Eu falhei e deixem me pagar pelos meus erros

Falhei e reconheço que falhei Falhei e preparei mal a bebida do dono E deixe me que pague pelos meus erros

Falhei, falhei e falhei Eu que falhei e reconheço que falhei

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Dança Kunumbira

Também designada kwinimbira, é uma dança praticada na zona Norte da

Província de Manica, com enfoque para os Distritos de Báruè e Guro, desde os

tempos imemoriais e transmitido entre gerações. Trata-se de uma dança

essencialmente espiritual e devido a globalização ela vem sofrendo

trasformaçõesque faz com que, actualmente ela não seja praticada como

antigamente.Ofacto de muitas pessoas professarem o cristianismo, faz com que

elas deixem de lado determinados hábitos e costumes que entram em

contradição com o professado.

A dança é praticada a qualquer momento do dia ou do ano, desde que haja

necessidade tanto nos momentos festivos como de tristeza. Constituem

mementos festivos o convívio ao nível comunitário, comemoração de datas

festivas, festivais de cultura, recepção de um filho que estava ausente durante

muito tempo (geralmente vido do estrangeiro), o reencontro de amigos que há

bastante tempo não se viam e em tempos ela era praticada também quando na

adolescência as raparigas ainda virgens apanhavam a primeira menstruação

(chinamwali). Constituem momentos de tristeza as cerimónias fúnebres e

consulta aos espíritos para a resolução de problemas que afligem a

comunidade.

Dias antes da execução da dança, procede-se a identificação do local e faz-se a

devida preparação (ensaios). Caso motivo da execução for um falecimento, a

preparação e a organização é imediata, mediante a sensibilização da

comunidade sobre o sucedido.

Por motivos espirituais, a dança é executada quando um indivíduo encontra-se

doente e a família vai a procura de mecanismo para solucionar o problema de

saúde, acabando muitas vezes, por dirigir-se a um curandeiro como é costume

nas sociedades africanas tradicionais. Consultado o curandeiro, em muitos

casos, este informa que trata-se de uma doença cujas causas são espirituais.

Para curar a doença o curandeiro informa da necessidade de se preparar uma

bebida (doro), para oferecer o referido espírito causador da doença para que o

doente melhore. Preparada e pronta a bebida, estende-se uma esteira e por

cima desta coloca-se uma bilha (nkali) de bebida tapada com prato de madeira

(ndiro) onde coloca-se um pouco de farinha. De seguida, o pai do doente tira o

prato de madeira e leva a farinha para espalhar em redor da bilha.

Posteriormente, o pai leva uma cabaça (nkombo) e entrega ao doente em caso

deste ser homem e este por sua vez tira a bebida da bilha e vai colocando em

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pequenas cabaças (nkakasi). Se a doente for uma mulher, é o próprio pai ou

um dos irmãos da doente que se responsabilia em colocar a bebida nas

cabaças. Enquanto se coloca a bebida nas pequenas cabaças, o pai vai

proferindo algumas palavras para os espíritos dizendo: “Ona sekuru

umulekelele mwana, mbumba yako ykhale bwino”, que traduzido em língua

portuguesa significa: “veja vovó, liberte a criança da enfermidade para que a

tua família viva bem” nesse processo costumam estar presentes outras pessoas

comovizinhos (sahwiras) que não sendo da família, participam no acto para

ajudar a família. No momento em que as palavras são proferidas evocando os

espíritos dos avôs do doente, as mulheres idosas vão jubilando como forma de

enfasear as palavras.

Depois tira-se a esteira por onde estavam sentados no momento de invocar os

espíritos e tapam a bebida nas pequenas cabaças. O pai da casa tira uma bilha

de bebida para entregar os sahwiras como forma de lhes agradecer pela ajuda

prestada durante a cerimónia. Enquanto os sahwiras bebem, prepara-se uma

refeição (makumzu) para os presentes.

Consumida a refeição, segue a execução da dança que é interrompida

pararetirar-se a bebida colocada em pequenas cabaças. Em seguida vai-se

buscar uma bilha de bebida para junto das pequenas cabaças e os

participantescomeçam a cantar, segundo os nossos entrevistados, para

despertar os espíritos (kuthimulawazymu) por formas a lhes mostrar a casa e

os membros da família a serem concedidos protecção. Os sahwiras tiram a

bebida das pequenas cabaças e vão bebendo e, de forma imperativa vão

proferindo palavras aos espíritos, persuadindo-os para que não deixem a

família sem protecção, tudoacompanhando ao som de batuquese da dança.

A dança é executada por homens e mulheres de todas as idades, sendo que as

crianças não podem fazer parte em caso de cerimónias fúnebres pelos mesmos

motivos referidos no concernente a dança mafuwe.

Os dançarinos, homens que tocam os batuques34 (ngoma) e os assistentes

fazem parte do espectáculo. Os homens que tocam os batuques ficam numa

linha recta, enquanto os dançarinos e assistentes ficam frontais aos homens

que tocam batuques, formando um semicírculo.

34 Usam-se quatro batuques: kabidibidi, batuque pequeno de som agudo, é o primeiro a ser tocado depois que as mulheres começam a cantar; kalipikalipi, que segue ou responde ao kabidibidi; mpange, sequencia os dois anteriores e djenge que é o último a ser tocado e é a partir deste que os dançarinos começam a exibir as suas habilidades. Além dos batuques existem as baquetas (miumbo/miridzo), que se usam para tocar batuques, sendo que a pessoa que começa a cantar designa-se por nyemwzi, que pode ser uma mulher ou um homem e o homem que começa a tocar o batuque designa-se por santhemba.

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Os passos são executados com um ou mais elementos do grupo dirigindo-se

para o interior do palco (espaço entre os homens que tocam batuques e os

dançarinos e assistentes) onde, ao ritmo dos batuques e do batimento das

palmas das mãos, vão exibindo as suas habilidades, depois saem e entram

outros elementos do grupo e assim sucessivamente até completar todos os

elementos.

Não existe uma indumentária específica para a execução da dança, pois ela

têm variado, tanto com o tempo assim como a possibilidade e ocasião, podendo

dançar-se usando saia, blusa, pantalonas e lenço para as mulheres e calças,

camisa e chapéu para os homens. Em alguns casos acrescenta-se a estas

roupas caso houver uma saia de folhas de palma (ngwaiawaia/muchindo),

chocalhos dos pés (ntsikaw), chapéu de palha (heti ya micheu) e pele de macaco

(kanda la bongwe). Tanto nas cerimónias fúnebres como festivas, a forma de

dançar é a mesma, diferenciando somente o conteúdo das letras e canções.

Letras e canções

As letras das canções que acompanham a dança kunumbira vão de acordo com

evento em alusão. Por exemplo, a canção “dzidzi ningabvironga

atiwaipankanwa” que numa tradução simplista em língua portuguesa quer

dizer “se eu falar isso, dizem que falo demais”, é uma canção que retrata vários

erros cometidos pelas pessoas na comunidade e, quando as outras pessoas

tentam aconselhar consideram-nas de fofoqueiras.

A canção “chulenimai chidamukakale” retrata a indignação pela morte de uma

criança ao invés de uma pessoa adulta, é uma espécie de acusação a alguém

fectícia, supostamente responsável pela morte. Ela é cantada pelos sawiras,

que o fazem zombando.

“Ndekerie zadinyanya pamwi”é uma canção que faz menção a alguns chefes de

famílias que ficam todo tempo a murmurar ou resmungar a respeito das

adversidades da vida, criando condições para que algumas pessoas de má fé

como feiticeiros se aproveitem da situação para criar tragédia na família que,

depois responsabiliza o chefe da família como sendo o culpado pelo facto do

seu resmungo.

Musica Tradicional em língua ci-barke

Chuleni mai

Mbachule, é é é, mbachule

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Chidamukakale, mbachule é é é, mbachule

Chuleni kani chuleni, mbachule é é é, mbachule

Tradução em língua portuguesa

Que seja morta

Que seja morta sim, sim, que seja morta

Que seja morta embora já tenha ressuscitado, que seja morta

Há bastante tempo que comete barbaridades contra a familia

Mas que seja morta.

Musica Tradicional em língua ci-barke

Ndekerie

Ndekeri ndekeriee wekha

Ndekeire muantandaza mwana wekha

Ndekerie ndekerie wekha

Ndekerie zadinyanya pamui wekha

Ndekerie ndekerie wekha (3)

Watsikana muampereka mwanai wekha

Ndekerie ndekerie wekha

Ndekerie zadinyanya zino wekha

Tradução em língua portuguesa

Por causa de todo momento estar a resmungar

Por causa disto entregaste sozinho a criança aos praticantes do mal

Isso o que fizeste sozinho por falar demais todos os dias

Resmungar está demais aqui em casa

Senhoras, entregaram sozinhas estas crianças por falarem demais

Falar demais trás problemas em casa

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Dança Mangoni

Originária do grupo étnico dos falantes deci-barke, ela é praticada na maioria

das vezes por pessoas reencarnadas por um espírito não maligno, designado

“gamba”, levado pelo chefe da família num curandeiro para a protecção desta

contra diversos males (doença), que depois de terminar com a sua missão

precisa de ter uma família e um lar para descansar.

A dança Mangoni estabelece uma relação entre o mundo visível e invisível onde

através dela, as pessoas acreditam que os espíritos resolvem os seus

problemas, ajudando a solucionar as suas preocupações principalmente no

tratamento de doenças. Actualmente ela é igualmente praticada como uma

dança recreativa sem necessariamente estarem presente pessoas reencarnadas

de espírito, tal é o caso de festivais da cultura. Como dança espiritual, ela é

acompanhada pelo consumo de bebida tradicional.

Uma vez o espírito trazido a casa, com o passar dos anos, ele reencarna em

alguém da família (geralmente uma menina) fazendo-a adoecer, e os pais da

menina na tentativa de solucionar o problema, se dirigem a um curandeiro

para saber as razões que estão por detrás do adoecer da menina. Chegado ao

curandeiro, o espírito reencarna primeiramente no curandeiro e começa a

explicar os motivosdo adoecer da menina, a medida que pergunta aos

presentes se não o reconhecem. O espírito explica a sua origem, identifica o

membro da família que teria sido o responsável em o levar até a casa destes e

os motivos pelo qual faz adoecer a menina, referindo geralmente estar cansado

de viver no mato e ter já feito o trabalho pelo qual foi buscado e que ele precisa

ter uma esposa e uma casa naquela família.

A família procura saber o que o espírito deseja que seja feito para que a menina

melhore. O espírito recomenda-lhes que preparem uma bebida (dhoro) e lhe

toquem batuques, para nesse processo reencarnar-se na menina enferma,

passando a ser considerado genro da casa, mesmo que ela seja casada com

alguém.

Imediatamente a família começa com os preparativos do fabrico da bebida,

iniciando com o seguinte ritual: ainda em casa do curandeiro, a pessoa

possuida pelo espírito entra numa casinha onde se realizam as consultas,

acompanhada do seu esposo caso tenha ou seu pai ou um tio paterno, busca

um valor de até 10 meticais e coloca no prato tradicional feita de madeira

(ndiro), batendo as palmas, o acompanhante profere as seguintes palavras:

“tirikukudai sekulu”, que significa “estamos a lhe precisar vovó”, acrescenta

dizendo “tirikuda kuita dhoro”, que traduzido “queremos fazer bebida”.

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Oespírito responde que ouviu e, procura saber para quando está agendada a

cerimónia, o acompanhante responde consoante o planificado.

Preparada e pronta a bebida, a família da pessoa possuida tira um valor de 1 a

2 meticais e encarrega um membro da família para fazer chegar o valor em

casa de determinadas pessoas vizinhas, geralmente pessoas possuidoras de

espíritos e praticantes da dança. Como forma de as convidar, o encarregado

pelo valor chegado a casa destas e uma vez atendida, pede um prato e coloca

nele o valor, dizendo que foi enviado pela família para vir a esta casa porque

existe Mangoni dizendo o nome da família, o local, o dia e a hora em a dança

será executada.

Feito isto, o convidado compreende tratar-se da dança e, no final da tarde,

depois do jantar, prepara a sua pasta onde coloca a indumentária35 necessária

para a execução da dança e na hora combinada dirige-se para a casa da pessoa

que a convidou. Chegado, os convidados entram numa casa, sentam-se nas

cadeiras e tocando chocalhos (ngocho) esperam até ser reencarnados pelos seus

espíritos, juntamente com o espírito da casa. Depois de todos eles estarem

reencarnados, o espírito da casa pede um prato de madeira (ndiro), onde

coloca-se um valor monetário e diz as presentes: “eu é que vos chamei porque

tem bebida para divertirmos”, todo este processo acontece enquanto os

batuques (ngoma)36 e os assistentes já estão por fora, prontos para a dança.

Depois, o espírito de casa é dito pelo sogro para lhe mostrar as bilhas de

bebida, o espírito leva consigo os colegas de dança até ao local, e o sogro diz:

“genro, a bebida que te preparei é esta, se está boa ou não você é que vai dizer

quando tomar, fizemos isso para que mates a sede junto com os teus amigos”. O

genro sai e vai ao recinto da dança, junto dos colegas, sentam-se nas cadeiras

para começarem a dançar e beber. Note que o genro aqui referido, é o espírito

que se reencarna na mulher e a faz adoecer a mesma a qual o espírito a

considera de esposa.

35 Lenço vermelho (nguwo ishawa), capulana branca (nguwo ishena), cintos de pano vermelho e branco

(micheka ishawa na ishena), colocados de forma diagonal sobre os ombros. Incluindo ainda amuleto

(nkhambi), cesto tradicional onde fica todo o equipamento do reencarnado ou da reencarnada (thundu) e

bengala (ndonga).

36 Kabidibidi, batuque de tamanho menor, é o primeiro a ser tocado usando duas baquetas (timiti); djenje, de

tamanho maior, tocado a seguir o Kabidibidi usando duas baquetas e mpange, de tamanho médio, é o último a

ser tocado, e o principal visto ser a partir do seu som que se direcciona todos os passos, ele é tocado usando

uma baqueta e a mão.

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A dança pode ser executada a qualquer época do ano, por um número

indeterminado de executantes constituido por homens e mulheres adultas,

desde que haja necessidade para tal, enquanto os mais novos somente

observam.

Os homens que tocam batuques ficam numa linha recta e frontais aos

assistentes, formando um semicírculo entre eles e os reencarnados ficam do

lado esquerdo dos homens que tocam batuques, porém, separados por uma

distância de um a dois metros dos assistentes. No palco da dança, entra uma

pessoa por vez, enquanto nos arredores ficam os assistentes ou espectadores

que também podem acompanhar os dançarinos.

A dança é executada fazendo movimentos que consiste em bater os pés sobre o

solo de forma alternada (direita e esquerda e assim sucessivamente) e de trás

para frente duas vezes e, a terceira vez vai dançando alternado os passos no

mesmo lugar e, no final vai tocar o homem que toca mpange como forma de

terminar. Depois entra outro elemento do grupo e vai se repetindo até que

todos possam exibir as suas habilidades.

As canções retratam vários conteúdos da vida humana, como por exemplo, a

canção com a letra “adabala oi oi ndasirira” faz alusão aos que nasceram seus

filhos e que estão bem de saúde.

Os assistentes que acompanharem os reencarnados, no final podem deixar um

valor caso tiverem, facto que mesmo assim não os impede de dançar.

Geralmente a dança começa a ser executada ao anoitecer até ao amanhecer do

dia seguinte e por volta do meio meio-dia, o reencarnado da casa informa os

colegas para descansarem. No entanto, antes devem-se libertar do espírito do

corpo (kunyaula) para depois tomar alguma refeição (almoço) na companhia

dos assistentes. Para se libertar dos espíritos, os reencarnados entram dentro

de uma casa onde levantam os braços e gritam intensamente até que os

espíritos saiam.

Caso ainda exista bebida, depois da refeição os homens reencarnados vão para

dentro da casa para reencarnarem-se novamente e regressam ao palco para

continuarem a dançar e a beber.

No final, o mesmo espírito da casa informa aos demais espíritos que já podem

ir embora, repetindo o processo anterior e as pessoas (kunyaula) retomam ao

seu estado normal.

Já no seu estado normal, o sogro do reencarnado da casa informa aos demais

que “o espírito disse para entregar essa bebida, o que havia aqui já acabou”.

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Trata-se da bebida guardada anteriormente pelo sogro em uma bilha para este

preciso momento, esta bebida deve ser consumida pelos dançarinos que depois

devem dirigir-se para suas casas.

Observe que, quando a pessoa da família ora reencarnada falece, o mesmo

espírito procura outra pessoa da mesma família para se reencarnar, por

iniciativa da família ou do espírito tal como fez com a outra pessoa, isto é,

fazendo-a adoecer.

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Ngano

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Ngano é o termo que em ci-barke significa acto de contar estórias, cujo

objectivo é educar e recrear. A manifestação é executada nos meses de Junho a

Outubro do ano, período em que se realiza a colheita nas machambas e tido

como de pouca actividade agrícola, geralmente, nas horas nocturnas37, em

grupos a volta da fogueira, onde os idosos (avós) transmitem ensinamentos aos

mais novos (netos).

Comummente os contos possuem validade moral que são transmitidos a

sociedade. Trata-se de uma espécie de conselho disseminado pelos mais velhos

para conscientizar os mais novos sobre uma determinada conduta que fere os

princípios de convivência idealizados pela comunidade. Neste caso, os contos

baseiam-se nos provérbios comum, como a exemplo: “quem tudo quer, tudo

perde”.

Os contos podem ser apresentados de duas formas: através de narração ou

canto. Estas duas formas de apresentar os contos podem ser feitas em

simultâneo no mesmo conto. É uma manifestação de grande valor visto que

transmite conselhos e ensinamentos, tornando as crianças mais habilitadas

para a vida e distinguindo o bem do mal. Neste diapasão, os contos sempre

fizeram parte da educação tradicional e informal das sociedades com destaque

para as africanas, desde os tempos que já lá se vão.

Nos dias de hoje esta manifestação tem estado a perder o seu lugar, resultado

da globalização e aparecimento de outras formas de diversão das crianças

como, a televisão e jogos electrónicos, só para citar alguns exemplos38.

As fontes orais não têm memória de quando é que os contos começaram a ser

contados ao nível daquela localidade, sabendo apenas que estes vêm sendo

praticados desde os tempos passados, aquando do surgimento da humanidade,

com propósito de educar a sociedade sobre os hábitos e costumes aceites por

eles.

A seguir são apresentados alguns contos contados na Localidade de

Nhassacara no processo do inventário:

37 Há uma crença local segundo o qual, os contos só podiam ser partilhados durante a noite porque se o

fizessem durante o dia corria-se o risco de desaparecer.

38 Isto poderá contribuir para o seu desaparecimento ao longo do tempo e na degradação de valores morais.

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As escolhas da vida

Era uma vez, um rapaz que pretendia casar-se com uma rapariga.

Num belo dia de inverno, ele saiu de casa para ir apresentar-se aos sogros,

quando lá chegou, o sogro lhe pediu para arrancar frutas silvestres

denominadas ntancha.

Ao subir na árvore, alcançou um ramo seco, entretanto, na mesma altura o

cinto rebentou-se e as calças começaram a cair. O ramo seco também começou

a partir-se devido ao peso dele. O facto preocupou ao genro porque, por um

lado, tinha que pegar as calças para não caírem e por outro, tinha o ramo que

estava prestes a partir-se.

A sogra notando a movimentação estranha, gritou em voz alta “segure a coisa

que vai te salvar”. Com base nesta alerta, o rapaz pegou no ramo seguro mais

próximo e salvou-se da queda.

Moral da história: Durante uma aflição é necessário escolher a melhor opção

de salvação.

(Patrício Julai Omexe, entrevistado em Junho de 2015, Localidade de Nhassacara,

Distrito de Báruè)

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Um homem e a sua esposa em tempo de fome

Era uma vez, um homem e uma mulher que encontravam-se de viagem num ano de

fome. O homem levava uma casca de árvore (mbende) para colectar mel. Andando, ao

olhar para cima viu abelhas entrando e saindo da colmeia.

O homem subiu na árvore e tendo se assegurado num ramo seco, acabou caindo. Ao

cair, deparou-se com uma gazela (nhasa) que por alí passava, rapidamente procurou por

uma pedra para matar a gazela e acabou pegando em um cágado (kamba), depois de

descobrir que se tratava de um cágado, pensou rapidamente em cortar um pau para

fixar o cágado para não mover-se e fugir. Enquanto procurava o pau, descobriu um

ninho com ovos de galinha-do-mato (nkanga). Ao ver os ovos, surge-lhe uma ideia de

procurar uma corda para montar uma armadilha (kwadira) para capturar a galinha e

levar consigo os ovos para servir de alimento. Desta feita, enquanto procurava a corda se

deparou com um elefante (nzou) morto, como se tratava de um animal maior, a tradição

local exigia que antes de despedaçar o animal, devia-se informar o Régulo sobre o

sucedido. Assim, o homem dirigiu-se a casa do Régulo (Nyakwawa).

Quando chegou na casa do Régulo, encontrou este na companhia de outros membros a

tomarem uma bebida tradicional, logo que chegou, o Régulo orientou para que lhe

servissem a bebida.

Os indicados para servir a bebida, viram que no recipiente da bebida apenas existiam

sobras (massesse). Eles pediram que o homem entrasse no interior da casa para levar

um saco onde pudessem coar as sobras de modo a poder ser consumida. Quando o

homem entrou no interior da casa encontrou uma senhora que estava a cozinhar, esta

por sua vez, pediu ao visitante para esperar pelo almoço, ao que ele obedeceu. Vendo

que estava a perder muito tempo a espera da refeição, o homem saiu para fora para

receber a bebida. Ao sair, encontrou enquanto a bebida já havia acabado. O homem logo

pensou, “para não perder tempo, não aviso ao Régulo e retorno para encontrar a carne do

elefante e levar a casa”.

Quando chega ao local, encontra enquanto a carne do elefante havia apodrecido. Deste

modo, o único local próximo seria recolher os ovos da galinha-do-mato. Quando lá

chegou encontrou apenas as cascas porque os pintos já haviam sido gerados e a galinha

lhes havia levado. Voltando para levar o cágado, este já havia desaparecido, quando

tenta olhar para ver a gazela, esta também já não estava por perto. Desta feita, não

existindo o mel, decide pegar a sua mulher e voltar para casa, esta também já não

estava no local devido a longa espera a qual havia sido submetida pelo marido.

Moral da história: Quando Deus lhe dá algo, em caso de necessidade é sempre

aconselhável pegar a primeira oportunidade que lhe aparecer em frente, e nunca querer

pegar em todas, sob pena de perder tudo como reza um velho ditado que “quem tudo

quer, tudo perde”.

(Kenneth Sarukato, entrevistado em Junho de 2015, Localidade de Nhassacara, Distrito

de Báruè)

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A menina que recusava o casamento

Era uma vez, uma menina em que os pais sempre lhe aconselhavam para que

escolhesse no meio de muitos jovens, um para ser seu noivo, mas ela sempre

rejeitava. Depois de muito tempo, muitos jovens tentarem casar-se com ela e

não conseguiram. Desta feita, apareceu um macaco que quis experimentar

casar-se com a menina.

O macaco bem vestido e disfarçado chegou à casa dos pais da menina como um

jovem que pretendia casar-se com a menina, ao que lhe foi aceite pela moça.

Depois de alguns dias e numa bela tarde, a moça precisava de preparar a

refeição, entrou dentro da cozinha e o macaco ficou por fora da casa com os

cunhados. Os cunhados depois de uma atenciosa observação viram que o

cunhado deles tinha a cara muito escavada e, admirados perguntaram ao

cunhado: “cunhado, porque tens a face muito escavada?”. Em resposta ele diz:

“antigamente na guerra dos Gouveia espreitava-mos nfukadzy e depois de

acabar a guerra fiquei assim, buscar um enxó para me enxoar não é possível e

pode doer, por isso ficará assim”.

Em seguida observaram uma outra anomalia no cunhado deles e fizeram lhe

seguinte pergunta: “cunhado, porque tens tantos pelos assim?”. Ele respondeu

dizendo: “isso foi antigamente no tempo da guerra dos Gouveia em que

vestíamos as peles de animais e depois que terminou a guerra para tirarmos

ficou impossível, mesmo se querermos queimar vai doer por isso fica assim.” Não

demorou muito tempo e os cunhados viram outra anomalia e perguntaram ao

cunhado:“porque tens a nádegas avermelhadas?”. O cunhado respondeu: “isso

também foi no tempo da guerra dos Gouveia em que sentávamo-nos por cima dos

tomates, terminada a guerra as nádegas acabaram ficando desta maneira e

para raspar vai doer, por isso vai ficar assim”.

Por fim os cunhados viram que na realidade não se tratava de uma pessoa mas

sim de um macaco. O macaco depois de perceber que as perguntas dos

cunhados eram demasiadas, sentiu que o haviam descoberto que não era

humano nenhum e de imediato entrou pelo mato dentro e nunca mais voltou.

Moral da história: Nunca esperem pelo príncipe encantado do imaginário para

concretizar o seu casamento.

(Kenneth Sarukato, entrevistado em Junho de 2015, Localidade de Nhassacara, Distrito

de Báruè)

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Rito de Nascimento (Kubarwa kwemwana)

Kubarwa é um verbo que significa nascer na língua Barke. Para este grupo, o

nascimento é um evento repleto de significados, não só por ser um facto

biológico, mas também por ser uma representação da forma através da qual as

pessoas se relacionam e desenvolvem diferentes actividades sociais, ou seja,

pode ser considerado ritual de passagem. No contexto Barke, o nascimento é

uma festa por tratar-se de um acto que perpetua a espécie humana, por isso

envolve um conjunto de rituais cercados de crenças e tabus.

De acordo com Acker et al, (2006), a concepção de gravidez e o parto são

alguns dos fenómenos que ocorrem na vida da maioria das mulheres. Este

fenómeno sofre influências sócio-culturais do meio. Tais regras especificam o

local apropriado para ocorrência do parto, determina as pessoas que podem

assisti-lo, indicam o comportamento mais apropriado à mulher no processo e

até a forma de reagir ao nascimento de um bebé.

O nascimento é um evento carregado de significados e tratado

comportamentalmente variável nos diferentes grupos étnicos, raciais, religiosos

ou mesmo classes sociais, marcadas por múltiplas e diferentes culturas.

Entre os barkes, o nascimento de uma criança é um acontecimento de grande

importância. Um filho para a família significa esperança da continuidade da

vida que iniciou com os seus antepassados, por isso, o nascimento de uma

criança é sinónimo de alegria. Os filhos garantem um prestígio, isto é, quanto

mais filhos tiverem, mais aliados terá para a vida social e económica. Um

homem que tem muitos filhos não tem que contratar mão-de-obra para

realização das suas actividades, pode dispor do trabalho de muitos braços em

seu benefício. Neste contexto os chefes das unidades da família, os maridos,

controlam a sexualidade, estabelecendo as regras e formas de comportamento

sexual. Enquanto a mulher, tem a função de reprodutora.

Por este motivo, a infertilidade pode levantar problemas no relacionamento

conjugal porque uma das expectativas mais importantes do matrimónio são os

filhos. Antigamente quando um homem não conseguia fazer filhos (ngomwa),

podia se manter no matrimónio com possibilidades de contratar secretamente

um irmão para fazer os filhos em seu nome. O mesmo já não acontecia com a

mulher. Se ela é estéril, geralmente o marido casa outra mulher ou em

algumas vezes é expulsa do matrimónio. Este facto acontece porque, a forma

de descendência do povo Barke é patrilinear, isto pressupõe que a herança seja

transmitida pelo pai, isto é, a filiação é sempre consanguínea.

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O rito associado ao nascimento tem uma tendência de variar ao longo do

tempo, acompanhando o dinamismo da cultura e a difusão de várias culturas,

a luz da globalização.

Na Localidade de Nhassacara, torna muito difícil afirmar o período do

surgimento de rito de nascimento por falta de registos, mas a realidade que se

vive é de que, os procedimentos vêm sofrendo algumas mudanças na medida

que essa comunidade acomoda o desenvolvimento sócio-económico do país.

Com o desenvolvimento e expansão da medicina convencional, os partos na

sua maioria passaram a ser realizados nos Centros de Saúde sob todos os

cuidados sanitários. Devido a conscientização sobre os meios de contaminação

do HIV/SIDA, nota-se o recrudescimento do uso de lâminas para o corte do

cordão umbilical. Por outro lado, as mortes maternas infantis associadas aos

partos fora das unidades sanitárias fazem com que a aderência aos partos

institucionais aumente.

Antigamente, para a contagem do tempo de gravidez usavam-se nós em corda

ou capulana. Actualmente, a contagem é facilitada pelas consultas pré-natal

que facilmente controla o tempo de gestação.

No caso dos partos realizados fora das unidades sanitárias, os procedimentos

de nascimento são baseados nos conhecimentos tradicionais da mulher.

Apesar dos esposos terem palavra sobre a descendência dos seus filhos, todos

cuidados pré-natais e pós-natais ficam ao cargo das mulheres, geralmente

idosas com muita experiência no tratamento da gravidez e do parto.

A gravidez (Pamuwiri)

Para que uma criança nasça saudável e útil para a sociedade, ela deve passar

por muitos rituais, desde o aparecimento de sinais da sua presença no ventre

da mãe. A mulher quando desconfia que está grávida, ou seja, falha a

menstruação, ela comunica a sua a tia (irmã do pai), ao marido ou aos

parentes de sexo feminino de confiança com quem tem mais afinidade. Em

alguns casos, são as mulheres experientes que descobrem o estado de gravidez

devido as características e sintomas que ela apresenta, depois de conversar

com ela, orientam-lhe para informar o marido.

Depois da mulher ter a certeza que de facto está grávida, ela informa ao seu

marido. Em todos casos, as mulheres mais velhas e experientes chamam-na

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para procurar saber pelo tempo da gravidez, tendo em conta o mês em que a

falha da menstruação teve início. A partir desta altura, iniciava-se a contagem

dos meses por meio de nós feitos em uma corda ou pano. De seguida,

solicitam-se idosas/anciãs experientes no processo relacionado com a

maternidade para fazerem o acompanhamento em todo o período de gestação.

Daí em diante, as idosas passam a manter contactos frequentes com a futura

mãe, a quem vão dando conselhos sobre todo o processo de nascimento.

Durante este período, o casal deve observar as seguintes normas estabelecidas

pela tradição para que o parto seja fácil: as relações sexuais devem ser

mantidas até, aproximadamente dois meses antes no nascimento do bebé

(sétimo mês), caso ultrapassar este limite, acredita-se que a criança poderá

nascer com dores de cabeça (tsvoma) ou mesmo morrer; durante o período de

abstinência, os futuros pais devem continuar dormindo na mesma esteira

porque eles devem transmitir o calor paterno ao filho no ventre.

No seio dos barkes existem alguns tabus e mitos relacionados com alguns

alimentos durante a gravidez, são eles:

Carne de cágado: quando consumida, a criança demora sair do ventre

da mãe, imitando os movimentos da cabeça deste animal quando está

em movimento.

Carne de porco: quando consumida, a criança ao nascer não irá

chorar, permanecendo como morta.

Refresco de marca coca-cola: quando consumido, a criança ao nascer

terá problemas respiratórios e, ao chupar leite da mãe este sairá pelas

narinas.

Banana: mulheres grávidas não podem consumir, sob o risco de

verem o cordão umbilical demorar cair.

Naturalmente que, o tempo de gravidez é considerado uma situação de crise

que só pode ser ultrapassada com o parto. Todavia, entre os barkes de

Nhassacara, a gravidez não é considerada doença, por isso, a mulher grávida

continua exercendo as suas actividades normalmente, porém, com muitos

cuidados devido ao seu estado frágil. Durante este período, caso ela não se

sinta bem, aplicam-se medicamentos tradicionais de origem vegetal tendo em

conta os seus sintomas.

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Rituais de nascimento

Quando a mulher sente dores de parto, informa ao seu marido, e este por sua

vez dá notícia a sua mãe. A sogra ao perceber do estado da nora, procura

confirmar se de facto a nora já se encontra no tempo para o parto, podendo

conferir na base dos métodos de contagem adaptados, referidos anteriormente.

Confirmado o facto, a sogra da parturiente solicita a parteira tradicional

(Nyamwino), geralmente de idade avançada e experiente, a quem comunica

sobre o caso.

Da seguida, prepara-se uma palhota onde vai decorrer o parto e a Nyamwino

leva um almofariz (Banda) para dentro da casa para servir de suporte para a

parturiente apoiar a sua coluna durante o parto. Neste acto geralmente

participam duas parteiras, uma principal, quem recebe o bebé e corta o cordão

umbilical, e outra auxiliar, que serve para, entregar lâmina, corda, água, etc.,

durante o parto. As parteiras devem ser senhoras idosas (mbuya) na fase de

menopausa, porque, na tradição local, garantem a segurança e saúde da

criança, visto que estas senhoras já não mante relações sexuais com os

maridos “mulheres frias” como fazem mulheres na fase de procriação “mulheres

quentes”.

No parto, caso as parteiras verifiquem que a abertura do útero é insuficiente

para a saída do bebé, prepara-se um medicamento na base de raízes de

plantas, denominadas localmente por muroro, mutamba ou rekerera,

esmagadas e mergulhadas em água. A mistura serve para fazer massagem em

volta do útero com a finalidade de proporcionar uma maior abertura e

facilidade durante serviço de parto. O sinal esperado que garante que o bebé

nasceu com vida, é o seu primeiro choro.

Logo que a criança dá o primeiro grito, ao tossir, recolhe-se a saliva e esfrega-

se no útero da mãe para evitar males, como epilepsia. A Nyamwino principal

corta o cordão umbilical com casca de caniço de mexoeira (sekenenza), usando

lâmina em alguns casos. O passo subsequente consiste em dar o primeiro

banho ao recém-nascido imediatamente após o grito (rito de purificação) com

água preparada logo depois do parto. A água do banho não pode se preparar

antes do nascimento do bebé porque dá se a possibilidade do bebe morrer no

decorrer do parto.

No princípio da noite ou madrugada do dia seguinte, na perpectiva de fugir aos

olhos dos demais, leva-se a placenta (chawakulo) para enterrar profundamente

na lama das margens do rio, porque, de acordo com a tradição local, a frescura

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do local transmitirá uma tranquilidade no recém-nascido. Enquanto isso, parte

das primeiras fezes é amarrado em um nó da capulana da mãe, até o momento

da queda do resto do cordão umbilical do recém-nascido.

A seguir, a mãe do bebé deve revestir o chão da palhota onde decorreu o parto

com barro preto retirado das margens do rio. Trata-se de um ritual de

purificação que tem a função de criar no homem (pai de bebé), o desejo de

voltar a sua casa depois do parto e continue a comportar-se como homem, pois

o cheiro produzido durante o parto pode espanta-lo.

Depois, a parteira prepara um medicamento que serve para evitar a cegueira

nela, trata-se da junção de água e sangue de galinha, extraído a partir do corte

de um dos dedos da galinha para lavar cara das parteiras. Neste processo, a

galinha pode ser morta ou não.

A primeira pessoa a ser informada pela parteira tradicional sobre o nascimento

do bebé é o pai. Esta comunicação vai depender do sexo do bebé sendo que, o

nascimento de um rapaz a Nyamwino profere as palavras: “kwabarwa mupare”

que significa “nasceu um rapaz” e quando for uma menina informa-se que

“kwabarwa musikana” o que traduz-se em “nasceu uma mulher”. Tomando a

boa notícia, o pai leva a informação para os seus pais.

A comunicação sobre o nascimento do bebé aos familiares posicionados no lado

de fora é feita por meio de um acto codificado. Para tal, a responsável pelo

parto, posiciona-se na porta da palhota onde ocorreu o parto e começa a

jubilar. O jubilar é feito uma vez, caso se trate de nascimento de uma mulher

e, duas vezes, caso se trate de um homem. O jubilar uma vez, significa que

nasceu um bebé que no futuro vai sair da sua família para outra, enquanto, o

jubilar duas vezes tem o significado de ter nascido um bebé que se tornará

dono da casa e que vai garantir a continuidade da linhagem.

Terminada esta parte, os procedimentos relacionados ao parto chegam ao seu

fim, porém o bebé ainda não pode ser visto. Contudo, como sinal de

agradecimento devido ao sucesso do parto, a família oferece a parteira

principal, a galinha usada no tratamento contra a segueira e outros produtos,

dependendo das possibilidades do pai do bebé.

O bebé só pode ser visto depois da queda do umbigo, aproximadamente uma

semana depois de nascer. Nesta ocasião, os membros da família entregam

algumas ofertas, que tem o significado de parabenizar o casal por ter gerado

mais um membro para a família.

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Rituais de agregação

No período entre o nascimento e a queda do cordão umbilical, o bebé não deve

sair de dentro da palhota, enquanto isto, várias normas devem ser cumpridas

para que o bebé torne-se mais forte e saudável, são elas:

Evitar a entrada na palhota, de casais que se envolveram em relações sexuais e

as mulheres que estejam de menstruação, em ambos casos, considerados

quentes e que podem provocar infecções na criança.

A mãe do bebé não é digna de preparar refeições para o seu marido, porque

segundo a tradição, pode provocar enjoos ao marido devido ao cheiro pós parto.

Nos primeiros momentos da vida do bebé, a mãe deve tomar banho apenas

durante o dia e não deve ser vista por homens, sempre que for tomar banho, no

regresso, ao chegar na porta da casa, não pode sacudir os pés batendo-os

sobre o chão, isto para evitar que no futuro a criança não sofra de hérnia

(phudzi).

O mamilo da mãe nunca pode tocar no sexo da bebé, sob o risco de torná-lo

estéril.

A primeira vez que o pai pega no bebé, depois da queda do cordão umbilical,

deve também segurar uma flecha ou arco, caso seja um homem, sinal de que o

menor deve prosseguir com actividades do pai, enquanto se for rapariga deverá

segurar uma cabaça significando que ela deverá prosseguir com actividades da

mãe, que se resume em servir a família.

A parteira ou conhecedores da medicina tradicional (curandeiros) devem

preparar um amuleto (matubo), isto é, cordão com medicamentos para colocar

na cintura e no pulso do bebé. O amuleto serve para proteger a criança de

epilepsia ou de sustos frequentes, caso seja tocado por indivíduos quentes.

Este amuleto também serve de protecção de males no caso dos progenitores

retomarem relações sexuais. Geralmente, têm sido antecipados caso se trate de

um homem polígamo.

Caído e cicatrizado o umbigo, este deve ser enterrado em terra húmida,

geralmente nas margens do rio, porque crê-se que o ambiente fresco, contribui

para a tranquilidade do bebé.

Parte das primeiras fezes da criança, amaradas na capulana, é usado para

fabricar um outro amuleto que deve ser colocado no pescoço. Para tal, o

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curandeiro leva as fezes, junta com o cabelo da parte frontal e traseira do bebé,

e coloca no lado aberto do extremo da pega da cabeça (kombokombo) e mistura

a um medicamento tradicional. Depois fecha-se o lado aberto do kombokombo

com cera de abelha, formando um amuleto (madjango), que com apoio de uma

corda coloca-se no pescoço da criança para evitar doença de susto (chikakati).

O madjango pode servir para várias crianças até que, um dia venha a cair e

não se possa apanhar. Caso nasça outra criança, repete-se o processo.

O resto das fezes amaradas na capulana deve ser exaguadas. Para tal, coloca-

se a capulana na água, na medida em que vai-se lavando, chegará o momento

em que o nó vai desatar-se e as fezes escorrerão com a água.

A seguir, prepara-se um medicamento tradicional na base de mexoeira

humedecida e moída (mukalairo) na pedra (nkuyo) para uma espécie de

baptismo de geração. O medicamento é colocada na boca da criança por

acreditar-se que a criança tornar-se-á mais concentrada e terá o controlo das

palavras que for a proferir.

Entre os barkes de Nhassacara não existe um ritual de atribuição de nome, no

geral é o pai do bebé que dá nome depois da queda do cordão umbilical.

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Rito de Casamento (Kurora)

Kurora significa matrimónio ou casamento na língua ci-barke. No seio da

comunidade de Nhassacara, trata-se de um conjunto de rituais com a

finalidade de unir indivíduos de sexos e grupos diferentes de modo a garantir o

futuro da linhagem.

Casamento é uma instituição social que visa estabelecer vínculos de união

estáveis entre o homem e a mulher, baseados no reconhecimento do direito de

prestações recíprocas de comunhão de vida e de interesses, segundo as normas

das respectivas sociedades. Não se trata de um tipo de partilha qualquer,

deixado ao livre arbítrio e inclinações dos intervenientes, mas de uma

comunhão de interesses mútuos. (Martínez, 2009 ː121).

O casamento constitui uma etapa fundamental no ciclo da vida, visto que

envolve a mudança de residência e de família por parte de um dos cônjuges.

Estes ritos de casamento fazem parte de um processo que pode durar anos. É

algo que em simultâneo surge como um acto de ordem político, económico e

social.

Nas sociedades tradicionais, a idade adulta é caracterizada pela formação da

família, por via do casamento tradicional. Casamento tradicional refere-se ao

matrimónio celebrado entre os familiares dos noivos e consiste na observância

de regras e procedimentos tradicionais para a sua legitimação.

Segundo Rivière, (2007), esta aliança matrimonial condiciona os processos de

filiação, de residência, de apelido, de herança, de atitude e abre caminho à

procriação legítima no grupo conjugal. Por isso, entre as realizações da

sociedade tradicional em Moçambique, a mais importante de todas é o

casamento (Cipire, 1996:49). Portanto, casamento é considerado uma prática

de grande valor cultural no seio das comunidades, visto que, a existência da

espécie humana e a manutenção do seu costume está condicionado ao

nascimento de mais membros.

Na maioria das regiões do mundo, o casamento tem por base a celebração do

conceito de família através da união de duas pessoas, a junção de duas

famílias e por vezes até de tribos. Tal como no resto do mundo, o casamento

em África é um acontecimento que envolve a família e a junção de famílias.

Existem muitas tradições diferentes relativas ao casamento. Contudo, existe

algo em comum, a noiva tem sempre um papel especial, sendo sempre tratada

com respeito por ela significar uma nova possibilidade de dar continuidade a

linhagem. Uma vez realizado o casamento, forma-se uma família vivendo, cada

um cumprindo com a sua obrigação. Através do casamento, a sociedade chega

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ao futuro, perpetuando a eterna permanência dos povos por meio dos seus

costumes e tradições.

No grupo etnolinguístico Barke, o casamento é patrilinear, isto é, a herança dos

bens se transmite directamente ao filho (homem). Este sistema considera o

casamento como troca de serviços entre duas famílias pertencentes a clãs

diferentes. Um dos lados das famílias cede a capacidade procriadora de um seu

membro feminino, e como forma de compensação, a outra parte recebe valor

monetário, produtos ou animais que variam em função da capacidade da

família interessada. De referir que neste grupo, com o casamento a mulher é

retirada do seu convívio familiar para ir viver na casa da família do marido,

condição que também referencia Cipire (2007:49) ao definir o casamento

ulorilocal.

De forma geral, os procedimentos que envolvem o rito de casamento continuam

os mesmos, porém, os bens que são exigidos para compensação pela filha

deixaram de ser simbólicos, passando a satisfazer necessidades económicas da

família da rapariga e adequados a realidade presente. Por exemplo,

actualmente para o lobolo, é comum solicitar-se casacos, sapatos, vinho,

valores monetários avultados, etc., itens que em tempos não existiam.

Quanto a transmissão dos procedimentos relacionados ao matrimónio, o

principal método usado é mediante a participação na realização do ritual do

casamento. Porém, nos rapazes o conhecimento é transmitido dos mais velhos

(pais, tios, avos, anciãos), durante os ritos de iniciação masculinas, aquando

da realização das actividades masculinas e nas lareiras nocturnas. Enquanto

para as mulheres, o conhecimento é transmitido pelas tias, avós e anciãs,

durante os ritos de iniciação femininas e poucas vezes pelas mães, durante o

momento em que praticam actividades agrícolas, ao cuidar dos mais novos e

principalmente quando se dirigem ao rio para buscar água.

Rituais de casamento

Os rituais de casamento legitimam a mudança de estado dos cônjuges e cria

laços jurídicos, sociais e económicos entre os grupos de filiação do marido e da

mulher. Estes são dinâmicos tendo em conta o contexto sociocultural e

económico das famílias envolvidas. Na comunidade de Nhassacara, existem

elementos básicos para a realização do casamento. Para começar, o casamento

deve ser realizado entre indivíduos de famílias diferentes. O protagonismo das

negociações é deixado a cargo dos padrinhos e tios paternos de ambos os

noivos, sendo que os pais participam de forma indirecta. Em quase todo rito de

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casamento, a família do rapaz (mupare) é quem deve se deslocar a casa da

rapariga (musikana).

Os procedimentos referidos são uma prática antiga, sabendo-se apenas que foi

herdada dos antepassados e continuada pela comunidade ate os dias de hoje.

Todas estas etapas do rito do casamento Barke são antecedidas por pagamento

de valor monetário simbólico (bano) para início do diálogo e acompanhadas por

simbolismos de carácter compensatório aos pais da rapariga ou dote. De

acordo com Rivière (2007:72), quando uma mulher é compensada por símbolo

reconhecido ou dote (vaca, objectos, soma em dinheiro, etc.), é considerada

troca indirecta. Esta compensação é frequentemente paga em prestações,

podendo incluir os trabalhos prestados pelo noivo e tem valor de prova de

aliança.

O dote comporta duas partes, a saber: a parte paga aos pais da noiva que

constitui para eles uma indemnização pela privação dos serviços agrícolas e

caseiros que a filha desempenharia, caso ficasse com eles, é também o preço de

cedência de um poder legal e sua transferência para o marido; e a parte

entregue à esposa, que deve ser entendida como um testemunho de amor.

A escolha do cônjuge

Nas sociedades tradicionais, a escolha do cônjuge pertence aos membros mais

influentes dos grupos de parentesco respectivos, todavia, a forma como se

efectua pode variar de acordo com os interesses da família. Entre os barkes de

Nhassacara, o rapaz é o responsável na identificação da rapariga com a qual se

pretende casar. Esta escolha assenta-se na origem, nas suas qualidades e

conduta social. Para tal, a observação é feita desde cedo na medida em que vão

convivendo com ajuda directa da sua tia (irmã do pai) e indirecta dos pais.

Identificada a rapariga pretendida, de princípio, uma menina com boa conduta

social, o rapaz informa a sua tia, irmã do pai, que por sua vez passa a

informação aos pais de modo a procurar um padrinho (Samukulo), geralmente

um tio ou vizinho de confiança e de prestígio no seio da comunidade,

sobretudo, um bom negociador, para estar em frente do processo do

casamento.

Sem alongar muito tempo, num intervalo de aproximadamente uma semana, o

rapaz deve preparar e entregar algum valor monetário e capulana ao Samukulo

que deve levar a casa da rapariga, a fim de dialogar com os pais dela. O

portador do recado desloca-se primeiramente a casa da tia da rapariga para

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informar sobre a pretensão do rapaz e, que brevemente poderá visitar a casa

dos pais da rapariga a fim de negociar. Esta tia tem obrigação de informar aos

futuros sogros do rapaz, de modo que esses tenham conhecimento da vinda do

Samukulo.

Ao chegar, antes de entrar no recinto, o Samukulo deve pedir permissão para

entrar batendo palmas ritmicamente, símbolo de respeito. No recinto, porém,

antes de entrar no interior da palhota, é lhe servido uma esteira para se sentar

e cumprimentar os familiares da rapariga. Depois de cumprimentar, o enviado

pede para entrar dentro da palhota para um diálogo. Antes porém, os

familiares da rapariga colocam um prato de madeira (ndiro) para que o

padrinho pague o bano.

Nessa altura, o pai da rapariga orienta a sua esposa para que estenda uma

outra esteira no interior da casa, e depois, convida o Samukulo a entrar. Na

porta da casa, antes de entrar, o Samukulo deve repetir o batimento de palmas

enquanto um dos membros da família da rapariga coloca novamente um prato

de madeira para o Samukulo colocar o bono que vai permitir o início do diálogo.

O Samukulo informa a tia, irmã do pai (Samukazi ou yaya), sobre o rapaz que

ele representa e que pretende casar-se com a sobrinha dela. Neste primeiro

contacto com a família da rapariga, o Samukulo leva consigo uma capulana e

dinheiro entregues pelo rapaz para o ritual designado rubato. Dada a

informação, a Samukazi chama a menina para perguntar se conhece o rapaz e

se pretende casar-se com ele. Nessa altura os pais da rapariga ficam no recinto

aguardando pela novidade.

Na família da rapariga, a Samukazi, a primeira a ser informada sobre a

pretensão do rapaz por intermédio do Samukulo, a prior, é quem participa na

escolha do rapaz e opina sobre a escolha do rapaz, tendo em conta a conduta

social e condição económica do pretendente. De seguida a Samukazi convida a

sua cunhada, mãe da rapariga para se dirigir ao interior da palhota onde lhe

informa que a filha já tem um homem que pretende casá-la. Depois de ouvir a

novidade, a mãe da rapariga chama o seu marido (pai da rapariga) para dentro

da palhota, onde lhe comunica que a Samukazi diz existir um rapaz que

pretende casar a sua filha. Por sua vez, o pai questiona a filha se gosta do

rapaz. Caso goste, ela responde positivamente, batendo palmas.

A partir do momento em que a rapariga aceita o rapaz, a capulana e o dinheiro

ficam para ela como símbolo de compromisso de matrimónio. A informação

circula na comunidade e os vizinhos, sobretudo os rapazes ficam a saber deste

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estado passando a respeitá-la. É neste primeiro encontro que se estipulam as

necessidades do dote (Phaza Mpete), que é uma lista de necessidades que pode

ser em animais, dinheiro, roupa, trabalho, etc. Para a família da rapariga,

trata-se de uma compensação para os que tenham colaborado na educação da

rapariga e pela perda dos serviços do seu membro feminino, enquanto para a

família do rapaz é demonstração de amor e garantia contra o divórcio.

No regresso, o Samukulo informa ao rapaz e sua família sobre o encontro, de

modo que estes organizem o Phaza Mpete.

O dote (Phaza Mpete)

O Phaza Mpete é uma compensação matrimonial a pedido da família da noiva,

geralmente paga na totalidade ou em prestações pelo pretendente (rapaz) à

noiva e seus pais. Por um lado, tem o valor de prova da aliança, por outro, tem

o significado de indeminização aos pais da rapariga devido a privação dos

serviços agrícolas e caseiros que a rapariga desempenharia se estivesse na casa

deles.

Entre os barkes de Nhassacara o Phaza Mpete é constituído por valor

monetário, presentes (roupa, sapatos, colares, chapéu, sabão, pomada,

perfumes, brincos, anéis etc.), bebida, animais (galinhas ou gado) e pode

incluir prestação de serviço pelo noivo.

Quando o noivo estiver pronto, ou seja, tudo o que esta na lista for comprado e

organizado, programa-se a segunda visita do Samukulo à casa da noiva. O

rapaz com auxílio dos seus pais faz a entrega do Phaza Mpete ao Samukulo e

este por sua vez desloca-se novamente para a casa dos pais da noiva para

proceder a entrega. Os produtos são amarrados em uma capulana e levados a

casa da rapariga. Ao chegar, deve bater palmas pedindo permissão para entrar

no recinto e dentro da casa. O pai, a Samukazi bem como o Samukulo devem

entrar para o interior da palhota deslocando-se de cócoras, significando

respeito. No interior da palhota, o Samukulo passa a apresentar os pedidos um

por um, de acordo com a lista, e em alguns casos, revela o valor da aquisição.

Depois da família da rapariga receber o pedido, é informado ao Samukulo para

comunicar ao noivo para reunir, 2 esteiras (mpassa) uma para a mãe e outra

para a rapariga, uma galinha (nkuku) e dinheiro. A aquisição destes produtos é

que condiciona o acesso e consequente apresentação do noivo na casa dos

sogros.

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Reunidos os produtos exigidos, o Samukulo desloca-se a casa da família da

noiva para proceder a entrega e marcar a ida do noivo. Terminado a entrega

dos produtos, os sogros confirmam a recepção e dão aval para que o genro

passa frequentar a sua casa.

Ao regressar, o padrinho informa ao rapaz e sua família que foram bem

recebidos e que o noivo pode passar a frequentar a casa da noiva. Este acto

deve ser efectuado durante o período da tarde, porque no princípio da noite do

mesmo dia, o noivo deverá dirigir-se a casa dos pais da sua noiva a fim de

apresentar-se.

A apresentação do rapaz (Auya Kusonekera)

No mesmo dia que o Samukulo informa sobre a necessidade do rapaz ir

apresentar-se, o rapaz deverá deslocar-se a casa da noiva, processo localmente

designado “Auya Kusonekera” que significa “veio apresentar-se”. A deslocação é

feita sozinho ou na companhia de um amigo, caso seja conhecido

informalmente pelos pais da noiva ou com o Samukulo, no caso contrário.

Ao chegar, ele deve posicionar-se na parte exterior do recinto da casa, batendo

palmas de forma rítmica, sinal de respeito que serve para avisar sobre a

presença de alguém que pede para entrar. Nos mesmos modos, os pais da

rapariga respondem autorizando a entrada do rapaz, primeiro são palmas do

pai e a seguir da mãe. Logo depois, a rapariga junto aos seus irmãos são

orientados para entrarem dentro de casa com o noivo.

Neste acto, a noiva deve ir buscar água para servi-lo como gesto de boas vindas

e, de seguida, deve colocar uma esteira no interior de uma palhota, por onde é

convidado o noivo para entrar e se acomodar. Nessa altura, a sogra e a noiva,

passam a empenhar-se na preparação da refeição para o genro (mukwambo).

Pronta a comida, deve-se colocar no prato de madeira (ndiro) e a noiva

encarregue de levar para o interior da palhota, onde se encontra o noivo.

Diante da comida, o noivo deve bater palmas a pedir que a noiva abra as

tampas dos recipientes da comida. Aberta as tampas pela noiva, ambos

começam a comer.

Terminado de comer, o noivo deve tirar algum valor simbólico para colocar no

prato como forma de agradecer a sogra pela comida. A noiva leva o prato com

dinheiro e entrega os pais. A seguir, o noivo deve tirar um outro valor que, por

meio da noiva, deve ser entregue a tia, cujo símbolo é de pedir permissão para

que a noiva se cubra sobre o mesmo lençol com ele. Aceite o valor, a Samukazi

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autoriza, porém, condicionando que os dois não podem manter relações

sexuais durante a noite. Para tal, a noiva é obrigada a usar uma capulana

amarrada em forma de calção (timbila) para se proteger das prováveis

tentativas do noivo.

No dia seguinte, ao acordar, o noivo deve bater palmas em jeito de saudação e

agradecimento pela noite proporcionada, enquanto isso a noiva aquece água

para ele tomar banho. Tomado o banho, o noivo deve tirar um valor simbólico

para agradecer aos sogros pela água quente. De seguida o noivo se dirige a

mata para buscar lenha. Esta deve apresentar um bom acabamento estético, o

que demonstra habilidade e nível de perfeição do homem no exercício das suas

actividades. A lenha deve ser em número par, cerca de 12, trata-se de uma

prática antiga que não se conhece de concreto o seu significado, porém,

acredita-se que o número par, traduz o facto da vida ter sentido à dois,

principalmente entre os casados. Esta lenha deve ser entregue aos sogros.

Por sua vez, os sogros matam uma galinha para preparar refeição do genro.

Este acto é um simbolismo para informar ao genro que as portas da casa estão

abertas para o novo membro da família. Antes que o genro inicie a comer, deve

tirar uma perna (mwendo) e pescoço (musogorera) para o sogro, a asa para a

Samukazi, o peito (chigambekambe) para os rapazes da casa e a coluna (chitoto)

para a sogra. Trata-se de partes que tradicionalmente devem ser consumidas

por estes membros, dentro da hierarquia alimentar de uma família. Esta oferta

é símbolo de respeito à família da noiva. Todavia, todos os pedaços servidos são

devolvidos ao genro, como um símbolo de retribuição do respeito ao genro pela

família da noiva. Durante o consumo, o genro não pode partir os ossos da

galinha, uma vez ao fazer significaria desrespeito. Terminada a alimentação, as

partes da galinha que sobrarem devem ser colocadas num pau, em forma de

espetada, localmente designado por mpani.

No mesmo dia, a quando do regresso do noivo à casa da sua família, a noiva

acompanha-o e durante a despedida, entrega o mpani. O mpani deve ser levado

para ir apresentar ao Samukulo, o qual deve tirar parte desta e deixar a outra

para ser levado aos pais do noivo. Em todos estes momentos ele informa que se

trata de galinha que os sogros prepararam para ele. Este acto significa ufunde,

que refere-se a manifestação de respeito dos sogros ao genro.

Entrega da noiva (Kuperekera musikana)

Todo o ritual de casamento explicado anteriormente realiza-se na casa dos pais

da noiva. Portanto, não é nesta família onde o casal passará a viver. Em

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Nhassacara, a mulher é retirada da sua família para ir viver na casa da família

do marido.

Depois da primeira noite em que os noivos passam juntos, o noivo regressa a

casa dos seus pais onde deverá preparar e entregar ao padrinho, um valor

monetário para encaminhar aos sogros para um procedimento ritual

denominado “tinampepo” o que significa “sentimos frio”, ou seja, “preciso de

levar minha mulher à casa para me aquecer”.

Em resposta ao tinampepo, os pais da noiva condicionam a ida da sua filha à

casa do noivo mediante abertura de uma machamba (tema) ou pagamento de

valor monetário. A abertura da tema é um acto que visa não só exibir força,

mas também demonstrar que a noiva não irá sofrer de fome quando estiver no

lar, porque o marido sabe trabalhar a mata para cultivar ou produzir. Portanto,

é uma garantia dada aos sogros de que o genro será capaz de sustentar a

esposa através de actividades agrícolas. Caso não tiver tempo, o genro pode

deixar um valor monetário para a abertura tema por terceiros.

Aberta a machamba ou pago o valor solicitado, passado cerca de duas semanas

no máximo, a família da noiva prepara os utensílios usados na cozinha,

nomeadamente, um cesto com farinha (tengu reufu), um casal de galinhas

(nkuku), bandeja de madeira (phandira), vassoura (mutsvetsve ou mutsvairo),

peneira (chissero), panela de barro (chikalango ou nkali) e outros para a entrega

da noiva no seu novo lar. De referir que o galo pode ser usado para qualquer

festividade enquanto a galinha deve ser criada para mostrar a fecundidade

feminina.

Reunido o necessário, é chamado o Samukulo e alguns membros da família do

noivo, para irem buscar a noiva. O Samukulo, ao chegar à casa da noiva e

saudar, é entregue um rapaz (mpombo) e uma menina (ntena), irmãos ou

primos da noiva para acompanharem-na a casa do noivo. A ntena carrega a

nkali, o mpombo carrega phandira enquanto a Samukazi carrega tengu reufu.

Os restantes membros que forem acompanhar ajudam no que for necessário e

durante esta deslocação, a noiva é coberta por capulana enquanto os familiares

jubilam.

Ao chegar próximo da casa do noivo, a noiva é deixada e os acompanhantes vão

informar aos familiares do rapaz sobre a chegada da nora. Por sua vez, os

familiares do rapaz enviam alguns dos seus membros para irem buscar a nora.

A nora só pode ser descoberta mediante o pagamento de um valor monetário.

Na casa do noivo, a ntena e mpombo devem permanecer por um curto período

de tempo, nessa altura, os pais do noivo devem preparar farinha de mapira (ufu

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wamapira), 2 aves (galinha e galo) para que a ntena e mpombo levem para os

pais da nora, trata-se de um gesto que significa boa recepção e agradecimento

pelo novo membro da família. Esta entrega é feita durante o período da tarde.

Todas etapas do matrimónio que explicou-se até este momento, os noivos ainda

não se conhecem sexualmente, tudo isto por causa da virgindade ser uma

componente e condição primordial para casamento tradicional.

Preocupados com o sucesso da sexualidade dos recém casados, a tia do rapaz e

algumas idosas convidam a Samukazi da noiva para submeterem a rapariga a

um ritual que consiste em transmitir ensinamentos sobre a vida conjugal e o

comportamento sexual, a fim de desenvolver nela o espírito de uma pessoa

adulta e com capacidade de criar um clima saudável no seu lar.

Para tal, leva-se a noiva, independentemente do seu consentimento, mesmo

que seja forçada, para dentro de uma palhota onde permanece durante dois

dias para aprender conteúdos de como tratar o marido e os familiares dele,

ritual denominado kutimbwa.

Durante estes dois dias, sempre que a noiva pretender sair da palhota, para a

casa de banho, ou por outras necessidades, no pátio deverá deslocar-se de

cócoras enquanto bate palmas, depois de alguma distância, levanta-se e se

dirige a casa de banho, o mesmo processo deve ser repetido durante o seu

regresso. Trata-se da demonstração de submissão ao esposo e sua família.

Passados os dias do ritual com a noiva, é a vez do noivo ser submetido a um

procedimento ritual pelos mais velhos (anciãos) onde é incentivado a preparar-

se para a primeira relação sexual com a esposa. Neste processo, é instruído a

colocar um lençol branco na esteira que servirá para provar se a sua esposa

era virgem (nyamwali) ou não.

Naturalmente, depois de preparar o casal para a primeira relação sexual, estão

reunidas condições para a consumação do matrimónio ou seja, o teste de

virgindade (chinyamwali). Na noite imediatamente a seguir, é a vez do casal

implementar os conhecimentos transmitidos sobre sexualidade.

Na manhã seguinte, a rapariga acorda cedo, varre o pátio e aquece água para o

seu marido e os homens da família lavam a cara ou tomarem banho. Enquanto

isso, a tia do rapaz pede ajuda a Samukazi da rapariga para irem examinar a

virgindade da nora. O teste consiste em entrar dentro da palhota e verificar a

esteira e o lençol branco estendido durante o acto sexual. Nesta altura os

familiares mantêm-se do lado de fora a espera de notícias, visto que o respeito

dado a mulher no casamento tradicional geralmente é condicionado pela

virgindade.

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A madrinha da noiva é encarregue de levar a informação do estado de

virgindade (lenço ou esteira) aos presentes, à família e aos pais da rapariga.

Quando for virgem (lençol e/ou esteira com manchas de sangue) as famílias

começam a rejubilar cantando e batendo palmas, enquanto vão decorrendo

ofertas. No geral, as canções comportam letras de carácter educativo

relacionado com a importância da família, por exemplo, é repisado que os

recém casados não devem comer sozinhos mas sim partilhando com as

famílias.

Chegado a este momento, caso a rapariga seja encontrada virgem, a madrinha

e outros membros da família da noiva regressam para casa muito alegre, com

pedaço de galinha cozida e dão relatório aos pais da rapariga sobre toda

cerimónia da entrega da filha ao genro. A partir deste momento, o genro toma

posse da esposa e passa a controlar a vida sexual do casal. Nesta comunidade,

para dar notícia da virgindade aos pais da noiva, a Samukazi leva uma peneira

com farinha onde é colocado um ovo cheio, quando for virgem e caso contrário,

coloca-se um ovo vazio.

Tendo sido provado que a rapariga é virgem, os pais dela exigem o pagamento

de virgindade, localmente designado mabatiro. Para tal, o padrinho do rapaz

entra em contacto com a família da rapariga de modo a fornecerem a lista dos

itens necessários, geralmente composta por valor monetário (varia de família

para família), bebidas alcoólicas, animais (bois, cabrito e galinhas), roupas,

sapatos e, até colares.

Caso a noiva não seja encontrada virgem, o mabatiro não é pago, dado que,

nestas condições a noiva não têm valor sociocultural e, portanto, os seus pais

não são dignos de receber qualquer compensação por ela. No entanto, a

manutenção do laço dependerá do consenso entre o noivo e sua família.

Pagamento da virgindade (Mabatiro)

Depois de algum tempo de convivência do casal, de preferência quando a

esposa estiver grávida, deve-se formalizar o laço matrimonial por meio do

mabatiro. Como é sabido, a família tem origem no casamento e a principal

função é a procriação, o garente da continuidade da linhagem. Para tal, o casal

e a família do marido devem deslocar-se a casa dos sogros para realizar o

mabatiro. No entanto, deve reunir-se o seguinte: manta, calça, camisa, sapato,

gravata, chapéu e casaco para o sogro e pano, colar, enxada e esteira para a

sogra.

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Os recém casados também devem levar um valor monetário, 50,00Mt cada um.

A mulher deve entregar o valor a sua mãe e o homem deve entregar ao seu

sogro. Por um lado simboliza agradecimento e por outro, existe um mito

segundo o qual, caso não se entregue este valor, os sogros podem apanhar

tuberculose.

Como forma de agradecimento e tornar a cerimónia mais alegre, os pais da

esposa preparam bebida tradicional para consumir com a família que

acompanha o genro. Entre os barkes de Nhassacara, o mabatiro tem três

funções, a saber: legitimar o casamento; gesto de gratidão do marido por tudo

que os pais da esposa tenham feito para garantirem um crescimento não

correcto da rapariga e; compensação pela perda da filha, para outra família.

Este ritual dá por consumado o matrimónio, porém, a esposa é entregue

parcialmente ao esposo e família enquanto se aguarda pelo pagamento do

lobolo.

Lobolo (Chuma)

O Chuma é a última etapa do matrimónio e, tradicionalmente, reveste-se de

elevada importância económica e social. Nas comunidades tradicionais, a

mulher é considerada um valor devido ao serviço que presta na casa da sua

família. Assim sendo, quando ela se casa, abandona a sua família e

acompanha o seu marido, em seu lugar deve ficar o lobolo. O lobolo também

serve de protector da mulher e dos seus filhos em caso de uma fatalidade que a

deixe sem recursos. Uma mulher casada e com filhos, em caso da morte do seu

marido, passa a ser um encargo para a família onde vive, neste caso, ela

apenas sente-se protegida pelo facto do lobolo ter sido pago.

Na comunidade de Nhassacara, o rito de casamento só termina com o

nascimento de filhos e, dependendo do número, cobra-se lobolo por cada um

deles, no quantitativo que varia entre 1.500,00 a 2.000,00Mt. Com o lobolo, o

homem consolida todos direitos sobre a mulher e os filhos tidos por ela.

Geralmente o ritual é praticado depois de gerado o último filho do casal e

marca o fim do ritual de casamento.

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Rito de morte (Rufu)

Na comunidade de Nhassacara Rufu significa o desaparecimento físico de um

indivíduo que jamais voltará, o qual deve ser enterrado numa cova ou caverna.

Porém, considera-se um momento importante porque acredita-se que o

indivíduo transita do mundo dos vivos para o mundo espiritual ou ancestral,

que em muitos casos, torna-se protector da família ou comunidade. Neste

grupo étnico, a morte sempre foi um mistério com repercussões diferentes para

os viventes, por considerarem um fenómeno complexo e inexplicável que afecta

a vida da comunidade.

A vida de qualquer ser vivo termina com a morte. Trata-se de uma Lei da

natureza, traduzida em, “tudo que tem princípio tem fim”. Entre muitos

africanos, a morte de um membro da família, por um lado, constitui angústia,

mas por outro, crê-se que possibilita a transição para espírito. Por sua vez, o

espírito do falecido servirá de guardião da família. Por isso, a morte é

acompanhada por muitos rituais.

A morte aparece como uma porta que se abre para o triunfo da vida que

germinou no nascimento e, deve atingir a sua plenitude no estado de espírito.

Pela morte, os barkes nascem de novo. Esta morte é considerada como uma

suprema iniciação da existência espiritual.

Considera-se que a vida do além é semelhante à vida visível, existindo uma

série de relações entre os defuntos e os vivos. Entre estes dois mundos, visível

e invisível, estabelecem-se relações de interdependência, onde os vivos

precisam de dádivas, e os mortos dos sacrifícios. Ambos possuem sentimentos

e reagem perante os acontecimentos, por isso, devem ser respeitados consoante

a sua importância social e o seu procedimento moral.

Os vivos têm a obrigação de satisfazer todas as vontades dos espíritos dos seus

antepassados em troca de protecção, saúde, fertilidade dos campos e sucessos

nos seus empreendimentos. Por este motivo, a morte é um momento muito

marcante para a comunidade de Nhassacara e, é concebida como a passagem

da pessoa para outro estado de vida diferente da que o homem tinha antes da

morte. Esta transição do mundo dos vivos para o mundo dos mortos é

assinalada pelos rituais de passagem. Acredita-se que estes rituais têm o poder

de afastar os espíritos malignos na povoação. O não cumprimento, rigoroso e

criterioso, das normas estabelecidas nos rituais pode trazer implicações como

doenças, mortes, entre outras.

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Através destes rituais procura-se restabelecer uma ordem social quebrada,

obter purificação, reparação das culpas, manifestação de dor e sacrifício

mediante as orações, cânticos e representações.

Todavia, importa referenciar que os rituais fúnebres e tabus associados tem

sofrido algumas alterações consoantes as virtudes sociais da actualidade. Ora

vejamos, no passado as crianças não podiam ver e nem fazer parte das

cerimónias fúnebres, mas nos dias de hoje, verifica-se a presença de crianças

nos funerais.

Actos da herança que consistiam na viúva ser entregue para casar-se com um

dos irmãos do falecido, tende a desaparecer devido as doenças de origem

sexual. A população já tem a noção de que se a viúva estiver infectada, ou por

outra, se o irmão herdeiro estiver infectado, a doença pode alastrar-se pela

família.

A quando da abertura da cova, no final, fazia-se um túnel onde se depositava o

caixão e depois tapava-se com pedra, actualmente, apenas se abre uma cova

rectangular e simples para depositar o caixão visto que o modelo antigo

mostra-se muito trabalhoso.

Com o aparecimento de novas tecnologias que trabalham a madeira, muitas

famílias se esforçam em adquirir caixões feitos de madeira ao invés de caniço

(khangala).

O respeito dado às estruturas sociais tradicionais também se manifesta nos

procedimentos de Rufu actualmente, porém, nota-se uma ligeira variação nos

rituais de crianças, homens adultos, mulheres adultas e chefes tradicionais,

pese embora, existe alguns aspectos comuns para todas as camadas.

O período que antecede a morte de um adulto

Quando uma pessoa se encontra gravemente doente, reúnem-se os familiares

para informa-los sobre a situação. A partir deste momento os familiares

passam a visitar o doente frequentemente, enquanto os mais próximos (filhos,

irmãos, etc.) passam a dormir na casa do doente. Quando se nota que já não

existe esperança de vida, maior número dos membros da família passam a ficar

permanentemente com o doente para fazerem companhia, enquanto se

despedem dele.

Em simultâneo, os familiares vão dirigindo-se para os curandeiros e profetas

na tentativa de procurarem saber se a causa da doença é dos espíritos da

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família (wadzimu), de espírito reivindicativo pelo facto de o doente ter morto

alguém (ngozi), da feitiçaria ou ainda pode se tratar de uma morte natural que

vem de Deus (Mwari).

No momento da debilitação, o doente aproveita a presença dos familiares para

informar sobre o destino dos seus bens e da sua família. Geralmente faz a

entrega da sua família aos cuidados do irmão ou irmã da sua confiança, este

que terá que cuida-los em caso da morte.

Quando se trata de uma mulher a beira da morte, o genro deve deslocar-se à

casa dos sogros para informar sobre a situação. Para tal, deve levar um valor

simbólico (mutete) 39 que serve para dar informação da situação. Os sogros

apercebendo-se da situação, vão imediatamente com o genro ao encontro da

sua filha. Chegado a casa do genro, os sogros podem para levar a filha para

sua casa, de modo a procurarem saber as causas da doença, nos mesmos

termos realizado aos homens.

Observando-se que não há esperança de vida, estando na casa dos pais, estes

chamam o marido para acompanhar os últimos momentos da vida da mulher.

Depois da morte, caso se trate do genro que tenha pago o lobolo, pergunta-se

onde pretende deixar os filhos, seja com os sogros ou pretendem leva-los. Se

tratar-se de genro que não tenha pago lobolo, poderá faze-lo sob pena de

perder o direito sobre filhos. O processo é o mesmo, caso a mulher tenha

morrido na casa do seu marido.

Rituais de morte de um adulto

A confirmação da morte de alguem é feita mediante a colocação da mão sobre o

coração para verificar a os batimentos cardíacos. Este acto fica ao cargo de um

familiar próximo que pode ser a esposa, esposo ou um vizinho de confiança.

Identificado que já esta morta, antes do primeiro grito procura-se um indivíduo

idoso e experiente para orientar a cerimónia fúnebre, designado localmente por

Sahwira que, antes, deve fechar os olhos do cadáver. Se for uma mulher

procuram-se dois Sahwira (mulher e homem), a mulher trata dos assuntos em

casa enquanto o homem, orienta os processos no cemitério. A partir de então,

pode-se dar o primeiro grito.

39 Simbolismo para inicio de conversa com pessoas que se deve respeito.

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No quarto onde o defunto estiver, procura-se um canto onde se coloca uma

esteira e sobre ela, o cadáver é coberto por um pano preto ou branco. Trata-se

de cores que simbolizam a morte. Normalmente o preto usa-se para cobrir o

cadáver e o branco para envolver o caixão. No canto onde se coloca o corpo, a

parte frontal do corpo deve estar virada para o Oeste, por se tratar do lado

onde o sol se põe.

Conservado o cadáver, o passo subsequente constitui em enviar um

mensageiro para informar ao Régulo (Nyakwawa) mediante o simbolismo

mutete, de modo que o Régulo autorize o uso do batuque. Em simultâneo leva-

se a informação aos familiares mais próximos. Depois da chegada dos membros

da família com poder decisivo, fazem-se concertações de procedimentos e

decidem dispor informação aos restantes membros da comunidade. O aviso é

feito mediante o toque de um batuque (ngoma). Todos os membros da

comunidade que ouvirem o som do batuque, não terão dúvidas alguma que

trata-se de falecimento.

Enquanto isso, vai se esperando pela chegada dos membros da família que

vivem mais distante. Logo que chega o primeiro irmão do defunto, quando se

trata de é um homem, toca-se batuque para informar aos presentes da chegada

de um membro importante. Depois, as senhoras presentes começam a chorar

como sinal de transmissão de pêsames.

O (a)Sahwira toma decisão, junto dos familiares do defunto para o início do

banho. Para tal, ele pede apoio de alguns membros da família do (a) malogrado

(a). O banho dá-se no local da morte e acontece em dois momentos, logo depois

da morte e pouco antes de colocar-se no caixão. O banho é, basicamente,

limpar o cadáver com um pano húmido. Depois do segundo banho, reúnem-se

os famílias e o (a) Sahwira procura saber pela roupa que malogrado (a) mais

gostava ainda em vida, é esta roupa que o/a devem vestir.

Na medida em que vão chegando mais mulheres na casa onde se encontra o

cadáver, solidarizam-se com a família através do choro. Depois de algum

tempo, retiram-se e vão juntar-se às outras que estão a preparar os alimentos,

de forma a permitir que às pessoas que vão chegando tenham espaço para

prestar solidariedade a família do falecido.

A morte nesta comunidade é associada ao tabu segundo o qual, dentro da casa

onde decorre o velório não é permitido exercer qualquer actividade doméstica

com destaque a preparação de alimentos. Para tal, as mulheres responsáveis

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para preparar as refeições fazem-na no quintal de uma outra casa distante

para não interferir no velório.

No velório, fica permanentemente a viúva, no caso do falecido ser um homem.

A Sahwira e familiares femininos próximos ficam próximo do corpo e, todos

com lenços na cabeça e cobertos de capulana.

Depois de concentrar um número significativo de familiares, os membros mais

influentes (pai, tios, avó, etc.) decidem sobre a data e hora do enterro.

Geralmente, os adultos são enterrados um dia após a morte enquanto as

criaças podem ser enterradas no mesmo dia. No caso da mulher, o atraso pode

estar condicionado pela espera dos seus pais. A passagem de uma noite do

defunto, deve-se ao facto dos adultos precisarem despedir-se da sua casa.

Durante a noite as pessoas cantam e dançam mafuwe ou chiwere (danças

tradicionais) que pelas suas letras e melodias, simbolizam o choro e sentimento

por uma perda irreparável. Enquanto se dança no quintal, as pessoas vão

lançando milho e mapira. Este ritual tem o significado que o morto deixou de

comer tais produtos, no entanto, passará para o estado de espírito onde terá

outra forma de alimentar-se.

Abertura da cova

Uma equipa previamente seleccionada e encabeçada pelo Sahwira, desloca-se

ao cemitério a fim de abrir a cova da sepultura. Antes de entrar no recinto do

cemitério, o Sahwira lança uma pedra para o interior do cemitério para pedir

licença aos espíritos dizendo: viemos com um hóspede, pedimos que o cuidem.

Depois de entrar, um membro da família é encarregue de demarcar o local

onde será aberta a cova.

O Sahwira participa orientando a demarcação que deve iniciar-se do lado onde

ficara a cabeça e terminar pelo lado dos pés, na mesma ordem que se verifica

no parto. No entanto, a cova é aberta de maneira que a cabeça fica voltada

para o Oeste (onde o sol se põe) porque reza a tradição local que os

antepassados vieram deste lado, enquanto os pés ficam virados para o Este

(onde nasce o sol). A cova tem o formato de um cubo em que o comprimento

vária em função da altura do cadáver, a largura deve permitir a movimentação

enquanto se deposita o caixão e a altura gira em torno de 1 á 1,5 metros.

Enquanto abre-se a cova no cemitério, em casa trata-se de colocar o corpo no

caixão, de modo que logo que vier a informação do fim da abertura da cova, o

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corpo possa ser transportado de imediato para o cemitério. Quando as horas

para o enterro são escassas, somente vai uma pessoa para casa informar que a

cova já está pronta. Caso haja tempo suficiente para o enterro ser executado,

os que fazem a abertura da cova podem voltar a casa do falecido e, juntamente

com os demais passarem a refeição, depois disso é quando vão ao enterro.

Ida ao cemitério e sepultura

A retirada do caixão do interior da casa para o cemitério segue alguns

procedimentos, a saber: primeiro, devem ser retiradas todas as crianças para

que não vejam o caixão, de seguida, ao retirar o caixão da porta de casa, deve-

se contornar a casa com o caixão no sentido horário ou anti-horário,

dependendo do lado onde se encontra o cemitério, assegurando que depois de

dar-se a volta, o caminho a tomar deverá ser sempre para frente e nunca para

trás. Trata-se de um ritual cujo significado é, despedir-se da casa, tanto

quando se trata de um homem como para mulher.

O caixão é carregado pelo Sahwira e demais familiares e vizinhos. Durante a

ida ao cemitério, os familiares vão em frente, seja pai ou filho, que deve servir

de guia, de seguida vem a urna e no final os demais elementos da comunidade.

Durante este percurso, o Sahwira vai orientando as substituições dos que

transportam a urna.

Antes de entrar no cemitério, as pessoas param e descarregam o caixão. O

Sahwira leva uma pedra novamente e lança para o interior, cujo significado é

avisar os espíritos sobre a vinda de uma visita. Estando todas as pessoas

sentadas no chão, batem palmas ritmicamente designadas makupswi (junção

dos dedos das mãos formando uma concavidade entre as mãos e tirar um

som). Enquanto isso, o chefe da cerimónia vai fazendo pedido aos espíritos

dizendo: “tirikukumbira kupinda mukatimo” que, em português significa:

“estamos a pedir entrar lá dentro”.

Chegado no local da sepultura, o caixão é descarregado, o Sahwira com ajuda

de uma pessoa, de princípio o genro, entram na cova para receber o caixão.

Enquanto isso, os familiares vão proferindo as seguintes palavras: se a sua

morte foi por Deus, você é quem sabe, se for por uma pessoa, então terás que

ajustar a conta.

Os que estiverem fora da cova levam uma esteira e a dividem em duas partes

iguais, dando um pedaço para os que estiverem na cova para estenderem antes

de se colocar o caixão. Depois, duas ou quatro pessoas que estiverem fora da

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cova levam o caixão para entregar o Sahwira que está na cova juntamente com

um acompanhante. Ao recebem o caixão, colocam-no por cima do pedaço da

esteira e, por cima colocam o resto da roupa do falecido de forma organizada e,

voltam a cobrir o caixão com outro pedaço de esteira e saem da cova. A esteira

simboliza descanso tranquilo, enquanto a roupa enterrada serve para acabar

com vestígios do falecido.

Depois disso, o Sahwira leva uma pá e com ela uma quantidade de terra, para

os familiares colocarem a terra na cova, enquanto cada membro da família

expressa os seus sentimentos dizendo: “famba bwino, ife tichakutewera, tisiyeni

tikale bwino”, que traduzido significa: “ande bem, nós havemos de lhe seguir,

deixe-nos ficar bem”.

Nesta mesma altura, alguns familiares vão deitando areia ao interior da cova,

enquanto vão mencionando nomes dos familiares que por diversos motivos não

puderam participar no funeral, simbolismo que serve para lhes livrar de azares,

depois dos familiares, outros membros da comunidade também depositam

areia no interior da cova. Feito enterro, o Sahwira chama os sobrinhos e genros

da falecida ou do falecido para varrerem em volta da campa de modo a apagar

todas pegadas. Para tal, fazem-na de frente para trás, na medida que todos vão

se retirando.

Período após sepultura

Na saída do cemitério, todos os participantes da cerimónia do enterro devem

retornar a sentar-se no local que haviam sentado antes da entrada ao

cemitério, onde batem as palmas, enquanto o Sahwira dirige-se aos espíritos

dos antepassados dizendo “tirikuenda, khalani bwino muchiwona m’bale wasu”,

o que significa “já vamos, fiquem bem a velar pelo nosso irmão ou familiar”.

Enquanto isso, as pessoas que ficaram na casa do falecido levam água, sal e

fogo e colocam no caminho nas proximidades da casa do falecido, por onde

virão os que estão no cemitério. Ao chegar neste local, cada participante terá

que lavar as mãos com a água, saltar o fogo e levar um grão de sal tanto para

mastigar como para esfregar pelo corpo. Esse acto serve para evitar que

apanhem tuberculose (chakolo). Crê-se que comer na casa do defunto e sair

sem fazer este acto de purificação, pode trazer consequências desagradáveis.

Chegado à casa do falecido ou da falecida, encontra-se a comida já preparada e

pode-se consumir. Depois disso, o chefe da cerimónia poderá passar a noite na

casa do falecido, e no dia seguinte muito cedo, juntamente com os genros e

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sobrinhos, viúva ou viúvo, do falecido (a) vão ao cemitério para ver o estado da

campa, visto acreditar-se que o falecido (a) pode transformar-se em leão

(Mbondoro) ou hiena (Tika), ou ainda ser desenterrado pelos feiticeiros.

A transformação para estes animais, acontecia com frequência no passado,

para o caso de indivíduos que em vida praticava a feitiçaria. Os familiares

usavam esta ida para confirmarem o facto. Caso houvesse essa transformação,

o sinal era encontrar na campa, pegadas ou um gato pequeno com aspecto

debilitado. Nestes casos, quando se chegava à casa, devia-se chamar-se um

curandeiro para proceder a consulta e tratamento. Com base nessa consulta,

podia-se aferir que a pessoa tinha tendência de se tornar curandeira ou tinha

dividas não pagas.

Para identificar o tipo de animal para o qual se transformou, colocava-se um

cabrito nas proximidades do túmulo no final do dia e no dia seguinte volta-se

para ver. Caso não encontrasse o cabrito, podia-se assegurar que se tratava de

um leão. Neste caso também voltava-se ao curandeiro para aferir se o lêao

(Mbondoro) é bom (espírito protector) ou não (espírito maligno).

Nos casos em que o falecido não tenha pago o dote, a sua família é cobrada a

pagar, quer seja em dinheiro, quer seja em animais. No caso contrário, a

família do falecido apodera-se dos bens (incluindo os filhos).

No terceiro dia, muito cedo, o Sahwira acorda, varre todo o quintal e apaga o

fogo, retira as cinzas e vai deitar na lixeira. Neste momento os familiares do

falecido preparam refeição, uma galinha e actualmente acrescentam dinheiro

que varia entre 100 a 200Mt ou mais dependendo das possibilidades da

família. Depois dele comer, a galinha e o valor monetário dá-se ao Sahwira em

jeito de agradecimento pelos seus préstimos e o dizem: o trabalho que tinha

aqui já terminou. Feito isto, ele já pode ir embora e deve levar também consigo a

faca usada para matar animais consumidos durante o falecimento, porque

segundo os locais, serve para evitar que as crianças desta família adoeçam.

Ritual de esteira (Bondwe)

Tratando-se de um genro (viúvo), que tenha apresentado um bom

comportamento durante a convivência com a mulher em vida, se os sogros

terem uma filha solteira, poderá oferece-lo para substituir a irmã. Porém, todos

pagamentos relacionados ao matrimónio deverão ser feitos. Esta substituição é

designada esteira (bondwe), que tem o significado de substituição de esteira ou

cama que desapareceu fisicamente.

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Purificação (Kupitakufa)

No sétimo dia, depois da morte do homem, realiza-se um ritrual de purificação

da viúva (Kupitakufa), que consiste em manter relações sexuais com o

cunhado, irmão do falecido, a partir deste acto, ela já estará pura e apta para

retomar a actividade sexual. Actualmente com elevado índices de doenças

sexualmente transmissíveis, este ritual foi substituído pelo uso de um pilão

tratado, anteriormente por um curandeiro. No entanto, a viúva passa a noite

na cama com o pilão ao seu lado e no dia seguinte, ao acordar, deve revestir o

chão da casa com barro preto extraído nas margens do rio.

Quando for uma mulher a falecer, a cerimónia é feita com a filha de casa. Ela

deve fazer um tratamento com o marido na base de medicamento tradicional.

Morte de uma criança

Considera-se criança, neste espaço, todo o indivíduo que ainda vive sob

cuidados dos seus pais e que ainda não se casou, independentemente da sua

idade. Quando esta morre, o primeiro passo consiste em chamar os sogros

(pais da mulher), antecedido pelo pagamento do mutete.

Os procedimentos funerais das criaças não envolvem o Sahwira e nem se toca

batuque. O aviso sobre o acontecimento é feito por meio de enviados, porque

acredita-se que estes não se trasformam em espírito.

No velório, o cadáver fica sob cuidados da mãe. Em todos os casos, as figuras

principais são acompanhadas pelos membros da família mais próximos, para

cuidar e ajudar em caso de necessidade. O funeral pode ser realizado no

mesmo dia, visto que não tendo família criada e casa própria, não tem o que

despedir-se.

Morte de chefe tradicional

Quando um Régulo (Nyakwawa) fica doente, a informação é dirigida apenas

aos familiares mais próximos. Estando a doença a tornar-se grave, surge a

obrigação de informar ao espírito dos antepassados (Mbondoro), visto tratar-se

de estrutura ungida pelo mesmo Mbondoro. Para tal, é orientado um enviado

(Sanondo) a entrar em contacto com o representante espiritual, no caso

concreto de Nhassacara, o espírito Mbondoro é representando pelo

Nyamukutcho, este último, por vias mágicas comunica a situação aos espíritos

dos ancestrais.

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Os ancestrais através de Nyamukutcho vão ao encontro do Nyakwawa para

acalma-lo dizendo que, a morte que se aproxima trata-se de planos dos

antepassados, os quais têm uma missão para ele, depois de transitar para a

vida espiritual.

Durante os momentos finais de vida, ele apenas se refere sobre a divisão dos

seus bens, enquanto a questão de herança do trono, será definido pelos

espíritos. De modo a garantir o secretismo da morte do Régulo, no momento

em que encontra-se gravemente doente, ele é retirado da sua casa e levado

para um local distante designado chitsare para o esconderem da comunidade.

Este procedimento também é feito em caso de morte repentina.

Quando morre, o Sanondo dirige-se de novo ao Nyamukutcho para informar

sobre o sucedido. Tomado conhecimento, ele comunica aos espíritos e depois

dirige-se a casa do falecido a fim de orientar as cerimónias.

Nos primeiros dias, depois da morte do Régulo, não se dá a conhecer a

comunidade sobre o sucedido, só depois de aproximadamente uma semana (5

ou 6 dias) é que a comunidade passa a saber da morte. Enquanto isto, o corpo

passa por um processo de secagem por meio de fogo, preparado numa

montanha (mawiro).

O enterro do cadáver do Régulo conciste em deposita-lo na caverna de uma

montanha e depois tapá-lo com pedras. A posição do corpo é colocada de modo

que a cabeça fica voltada para o Oeste. Este enterro é apenas participado pelo

Sanondo e os Pfumos (chefes das povoações).

Depois do enterro, a comunidade passa a ter informação através do Sanondo

que toca batuque, nas primeiras horas da madrugada, 5 a 6 vezes, produzindo

um som lento que desperta comoção e sentimento para os que ouvem. Logo

depois, a comunidade reúne-se na casa do falecido para dançar mafuwe.

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Rito de chuva (Kuteta madzi)

Kuteta madzi significa pedir chuva na lígua local, pedido este dirigido aos

espíritos. Trata-se de um ritual na comunidade de Nhassacara, caracterizado

por preces aos espíritos da linhagem Chivembe do totem Nyankulo. Para o

efeito, todas as famílias devem organizar-se para dar a sua contribuição

(dinheiro, animais, cereais, etc.) para a realização do ritual. Esta cerimónia é

realizada quando se nota indícios de falta de chuva nos meses de Novembro ou

Dezembro.

A chuva é fundamental para os povos de todo mundo. Sem ela não há vida na

terra. A existência dos seres vivos como plantas, animais, ser humano

incluindo o rio e lagos é fundamentada pela existência da chuva. Quando

chove, a população fica descansada, no caso contrário constitui uma grande

preocupação.

Os pedidos de chuva aos espíritos são praticados desde a antiguidade em

muitas sociedades tradicionais do mundo, a título de exemplo, os índios,

egípcios, maias e astecas. Muitos deles usando danças especiais para pedir

chuva na época da colheita.

Em Moçambique, a agricultura é a principal actividade produtiva das

comunidades tradicionais. Desde os tempos remotos, usa-se os meios

empíricos que dependem da natureza e da mitologia. Estas sociedades

praticam diversas culturas de acordo com o clima. A produção agrícola é feita

predominantemente em condições de sequeiro, nem sempre bem sucedida,

uma vez que o risco da perda da colheita é alto devido a falta de humidade no

solo.

Na comunidade de Nhassacara quando não chove, os mais velhos ficam

preocupados porque a produção agrícola, principal fonte de sobrevivência, pode

ficar comprometida e a fome poderá assolar a comunidade. De acordo com a

crença local, antes dos efeitos das mudanças climáticas que verica-se

actualmente, basicamente a chuva não caia devido a violação de tabus,

nomeadamente, fazer relações sexuais nas matas, lavar utensílios domésticos

directamente aos rios, abate indescriminado de árvores em locais sagrados ou

então devido ao facto de não terem agradecido aos espíritos dos antepassados

pela boa colheita, aquando da queda regular de chuva na época agrícola.

No entanto, para pedir a chuva aos espíritos, deve-se realizar uma serie de

rituais de modo que a chuva caia. Esses rituais de pedido de chuva são

dirigidos pelos chefes tradicionais, por tratarem-se de guardiões das terras e

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por possuirem mecanismos de comunicação com os espíritos dos

antepassados.

Não existe registo certo de quando esse rito começou a ser praticado. No

entanto, a prática é antiga no seio dos barkes de Nhassacara, iniciado na época

dos seus antepassados, desconhecendo ao certo a verdadeira origem. Com o

tempo, as causas da falta de chuva, que antigamente apenas responsabilizava-

se a violação de tabus, são atribuidas as mudanças climáticas.

A transmissão dos procedimentos rituais é feita dos mais velhos da linhagem

dos chefes tradicionais (Mbondoro, Régulo, M`fumo, Ancião) aos mais novos,

privilegiando a família dos Régulos previamente seleccionados, que participam

em todas etapas, garantindo assim a continuidade desta prática.

Antecedentes do ritual

Quando se nota a falta de chuva, devido a intensificação das reclamações no

seio da comunidade, os Anciãos comunicam aos M`fumos (chefes tradicionais

do 2˚ Escalão, geralmente netos ou sobrinhos do Régulo), estes vão informar ao

Régulo (Nyakwawa) sobre a preocupação, que por sua vez, vai informar ao

Nyamukutcho, comummente designado por Mondoro (leão), neste caso, figura

carnal que representa o espírito de Mondoro em Nhassacara.

Ao chegar em casa de Nyamukutcho, o Nyakwawa deve bater as palmas

ritmicamente e, quando estiver diante da figura, deve bater palmas duas vezes

como saudação, proferindo os seguintes dizeres: “vovó, o meu problema é de

água, não está a chover e os seus netos vão morrer”. Este Mondoro, com dotes

espirituais para invocação, reencarna os espíritos para poder comunica-los

sobre a preocupação da comunidade e a pretensão de realizar o rito de chuva.

Os espíritos dos antepassados por via do Mondoro comunicam ao Nyakwawa

sobre as necessidades da realização de um culto, reunindo basicamente

produtos como mapira, farinha de milho, mexoeira, galinha, cabrito, boi, etc.,

para alimentação durante as cerimónias.

A partir deste momento, o Mondoro se prepara para o culto, enquanto ao

Nyakwawa, cabe organizar a comunidade e o grupo de dança mafuwe para o

ritual, pois o rito de chuva deve envolver todas as famílias da região. Para a

informação abrangir toda a comunidade, o Nyakwawa responsabiliza os seus

M`fumos para convocarem os membros da comunidade, nos seguintes termos:

Há falta de chuva por termos violados os princípios dos nossos antepassados,

por isso, temos que fazer a cerimónia de pedido de chuva. Para tal, temos que

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contribuir em produtos, tanto para preparar comida como para bebida (farinha

de milho, mapira, mexoeira, galinha, cabrito, boi, lenha, tabaco, etc.). Os

M`fumos são responsáveis em recolher os produtos e encaminhar a casa do

Nyakwawa.

Tratando-se de uma área geográfica relativamente maior, não se realiza apenas

uma única cerimónia. Ao nível de cada povoação são organizadas cerimónias

de modo a cobrir toda a região de Nhassacara. Enquanto no Nyakwawa

decorre a cerimónia principal, nas povoações, os M´fumos realizam rituais

similares. Em todos casos, há equipes seleccionadas que dirigem-se aos locais

apropriados para a realização do ritual de chuva.

Antes da data da realização do ritual, são seleccionados homens e mulheres

idosos para irem fazer limpeza nos locais designados por Towe (árvore

frondosa) onde habitualmente realiza-se o rito de chuva. Geralmente, o local é

no interior da floresta, na sombra de uma árvore de copa grande onde acredita-

se que os espíritos dos seus antepassados jazem. A limpeza consiste,

basicamente, em varrer e substituir a água contida nas três bilhas previamente

depositadas em baixo da árvore, a saber: uma que representa a terra, a

segunda os espíritos dos antepassados para onde se dirige a mensagem e a

última representa a figura tradicional suprema, o Nyakwawa. De referir que

nos Towes dos M`fumos não se depositam bilhas.

No dia das preces ninguém deve realizar outra actividade económica, sob pena

de comprometer o sucesso do pedido de chuva dirigido aos espíritos. O

cancelamento da actividade laboral é sinónimo de tristeza e preocupação, esta

forma de comportar-se também entristecem os espíritos dos antepassados

(Mondoro), de modo que façam chuver mediante o seu choro, visto que, nesta

sociedade acredita-se que os espíritos façam chuver quando estiverem

entristecidos.

Este rito é praticado em dois momentos, um dos quais, no local dos espíritos

onde se dirigem as preces, e o outro, na residência do Nyakwawa. A ida ao

local do pedido é feito por um grupo de indivíduos, parte destes permanecem

na parte exterior e uma parte restrita de indivíduos previamente seleccionados

entram ao local da cerimónia, enquanto na casa do Nyakwawa, a celebração

abrange todos os estratos.

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Preparação da bebida

A bebida usada durante a realização do ritual é fabricada na base de mapira

proveniente das contribuições da comunidade e é designada nkatu ou badwe.

Para tal, faltando cerca de uma semana da data marcada para a cerimónia, o

Nyakwawa solicita para sua casa, um número significante de mulheres

experientes no preparo da bebida tradicional de mapira para iniciarem com o

processo de fabricação.

No entanto, leva-se a mapira em recipientes abertos (cestos, peneiras) para um

local próximo da casa do Nyakwawa, onde se vai fazer pedido e entregar todo

processo de preparação de bebida aos espíritos. Ao chegar, deixam-se os

recipientes no chão e o Nyakwawa dirige as preces aos espíritos dizendo:

estamos a preparar a cerimónia de chuva, pedimos que tudo corra bem e que

caia uma chuva não destruidora.

Os recipientes com mapira são deixados no local durante a noite enquanto

espera-se que uma chuva caia para molhar e humedecer a mapira. Caso a

chuva não caia, retorna-se ao Mondoro a fim de consultar os motivos de modo

que as falhas sejam corrigidas e o processo reinicie, porém, casos destes

raramente acontecem.

Molhada a mapira, no dia seguinte é levada para conservar em um dos

alpendres da casa do Nyakwawa, onde se espera até germinar, isto é, início do

processo de fermentação. A semente germinada é triturada e moída no

almofariz ou mesmo na pedra de modo a obter a farinha, enquanto isso, o

outro grupo coloca tambores de água ao lume para aquecer. Depois mistura-se

a farinha à água quente e vai-se mexendo até obter uma mistura homogénea e

densa (papa).

Parte dos produtos recolhidos são usados para confeccionar comida das

preparadoras da bebida, visto existir um tabu local segundo o qual, as

senhoras envolvidas no preparo da bebida não podem abandonar o local de

trabalho sub risco de envolverem-se em relações sexuais com os seus maridos,

o que pode resultar na deterioração da bebida, até mesmo da cerimónia.

Depois da papa cozer, tira-se e distribui-se em recipientes de barro para

arrefecer e consolidar o fermento (mussunga), num processo que pode durar

mais de um dia. No dia seguinte, prepara-se outra papa de farinha de mapira,

desta vez, usando mapira que não tenha passado pelo processo de germinação.

É esta papa que depois de cozer, parte dela é retirada e arrefecida para

produzir o chamando pombe doce (paratsute), que é servido a crianças durante

a cerimónia.

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Parte do pombe doce deixado no tambor é colocado fermento e continua com a

fervura até a mistura completa. Depois de tirar do fogo e arrefecer e está pronta

para ser consumida.

O ritual

No dia da cerimónia, nas primeiras horas da manhã ou final da tarde, o

Mondoro, o Nyakwawa, os idosos (homens e mulheres), por sinal os indicados

para a limpeza e duas crianças (rapaz e rapariga), dirigem-se ao Towe,

acompanhados por alguns membros da comunidade.

O Mondoro, por via de reencarnação dos espíritos, garante a comunicação entre

o mundo dos vivos e dos antepassados durante o culto. É ele que leva e usa o

tabaco para se esfregar na cara de modo a acalmar os espíritos, enquanto o

Nyakwawa ou um idoso por ele indicado é encarregue de dirigir as preces.

As idosas auxiliam nas tarefas relacionadas com o ritual no Towe. São elas que

transportam o recipiente contendo a bebida para os espíritos. A bebida levada

ao Towe é numa quantidade simbólica e deve ser transportada em panela de

barro.

As crianças levadas ao Towe, são as que ainda não iniciaram com a actividade

sexual, por isso são consideradas “frias” ou dignas para participarem

activamente no ritual. A rapariga é quem transporta a cabaça (ntiko) usada

para servir a bebida aos espíritos e o rapaz deposita a farinha enquanto

dirigem-se preces aos espíritos. Esses menores devem ser transportados na

escota durante toda a caminhada ao local das preces. De referir que na

comunidade de Nhassacara, todo o pedido dirigido aos antepassados, é

antecedido por oferta de um valor monetário simbólico, denominado bano.

Antes de chegarem ao local, o grupo sentam-se no chão, em baixo de uma

pequena árvore para baterem palmas num ritmo típico que simboliza pedido de

permissão aos espíritos para acederem ao Towe. Os membros da comunidade

que acompanham a equipa seleccionada para realizar o ritual, deve

permanecer neste local, enquanto o grupo destacado continua até ao local das

preces.

Chegados ao Towe pedem novamente permissão aos espíritos com palmas, de

seguida os presentes despem o tronco, traduzido em tirar blusa e camisa. Ao

homem confiado em dirigir o ritual, colocam-lhe uma capulana branca para

cobrir o tronco que, de acordo com a crença local, trata-se da cor preferida dos

espíritos e facilita o contacto e obtenção de bênção dos mesmos. As idosas

mantém-se com o peito fora enquanto cantam e dançam escandalosamente

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com intuito de entristecerem os espíritos dos antepassados, de modo a fazerem

cair a chuva.

Depois limpa-se o chão e o orientador do ritual vai depositando o tabaco no

chão enquanto profere pedido aos espíritos nos seguintes termos: estamos com

fome; olhem para nós, os seus filhos querem água, pedimos para não trazer

chuva destruidora mas que caia bem.

As preces aos espíritos devem ser feitos enqunto decorrem oferenda aos

defuntos e aos bons espíritos. As crianças são as primeiras a depositar a

bebida seguida dos outros. Durante o ritual, para além de evocar-se o espírito

Mondoro, são também evocados outras almas de defuntos, na medida em que

vai-se depositando a bebida nas panelas de barro. Um aspecto importante é

que, enquanto se oferece a bebida aos espíritos, um dos anciões de confiança

do Nyakwawa, pode arrancar a cabaça e consomir a bebida, cujo simbólismo

consiste em enfurecer e entristecer os espíritos.

Quando a equipe volta ao local onde ficou parte do grupo inicial, canta-se e

dança-se pelo menos uma ou duas canções de mafuwe, com letras que

traduzem tristeza. Antes do regresso a casa, sentam-se no chão de novo sobre

a árvore, batem-se palmas e o responsável pelo ritual diz: já estamos a ir,

respondam-nos o pedido porque o sol está demais.

Caso as preces tenham sido aceites, a chuva cai imediatamente após o ritual

ou enquanto regressam a casa do Régulo, onde terá lugar a continuação do

rito. Entre os barkes de Nhassacara, os espíritos Mondoro fazem cair a chuva

como forma de purificar os pecados cometidos pelo seu povo.

Na casa do Régulo

Naturalmente que na casa do Régulo, parte dos membros da comunidade fica a

preparar alimentos para serem consumidos, enquanto consome-se a bebida

tradicional. Esta etapa do ritual é reservada para todos estratos da

comunidade e não tem qualquer restrição e nem regras. Vezes há em que a

chuva inicia a cair durante a confraternização na casa do Régulo. Mesmo

assim, a cerimónia continua.

Quando não cai a chuva depois do pedido, o Régulo vai ao encontro do

Mondoro, para procurar saber sobre as razões. Em função da resposta dos

espíritos, procedem-se as orientações para que possa chover.

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No entanto, a comunidade bebe, come e dança mafuwe num ritual que pode

decorrer a noite toda até o dia seguinte, numa clara manifestação de alegria

pela satisfação das suas súplicas.

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Lista de Entrevistados

Nº Nome Idade

1. Rosimer Samsone 42

2. Miricina Damião 72

3. Mide Rewane 33

4. James Lezane 48

5. Teresinha Makaza 52

6. Essita Dapissone 65

7. Elisa Andicene 54

8. Alesta Lezenesse Nhancolesse 56

9. Albertino Laete 52

10. Laurinda Beula 37

11. Maria Beula 41

12. Paissone João 84

13. Vasco Pita Jombo 62

14. Juvêncio Mafiquene 47

15. Ramiosse Posse Dias 31

16. Inácio João Quimbine 35

17. Romão Luís Jó 27

18. Luís Lossi 67

19. Augusto Matinote 43

20. Orlando Rosário 36

21. João Soromone Lupia 37

22. Manuel Correia Bobo 42

23. Luísa Pita Semeria Sem informação

24. Lassina Jó Samanhanga 81

25. Gazirina Nguiraze Samanhanga 79

26. Jessica Massimbayacowa 73

27. Joana Joanete 71

28. Lúcia Bocosse 58

29. Keneth Dique Saroncatho 91

30. Cedista Goliate 56

31. Manuel Campira Nhumba 61

32. Maurício Dausse Nhatulo 49

33. Paulina Mirione Chequete 32

34. Marora Jasse 66

35. Quedi Timozo 62

36. Armando Sacanhare 60

37. Milione Chiequete 78

38. Joana Joaquim 75

39. Manuel Jairosse Xavier 60

40. Deniasse Matimba Cassindi 76