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Índice

Fundamentos de Acupuntura Neurofuncional ................................................................................................p. 03 Introdução ..........................................................................................................................................................p. 03 Bases neurofisiológicas .....................................................................................................................................p. 04 Indicações clínicas da Acupuntura Neurofuncional ...........................................................................................p. 06 Delineando o tratamento com Acupuntura Neurofuncional ...............................................................................p. 07 Dor musculoesquelética e Acupuntura Neurofuncional .....................................................................................p. 09 Conclusão ..........................................................................................................................................................p. 11 Glossário ............................................................................................................................................................p. 12 Referências ........................................................................................................................................................p. 13 Avaliação Neurofuncional ..................................................................................................................................p. 15 Compreendendo a Sensibilização Central .........................................................................................................p. 15 Estado normal ....................................................................................................................................................p. 16 Estado suprimido ...............................................................................................................................................p. 16 Estado de sensibilidade aumentada ..................................................................................................................p. 17 Bombardeamento aferente mantido e alteração morfológica ............................................................................p. 19 Alterações no cérebro ........................................................................................................................................p. 20 Sistemas de controle descendente ....................................................................................................................p. 21 Como perceber se há sensibilizaçãoo central? .................................................................................................p. 22 Área e descrição ................................................................................................................................................p. 23 Comportamento .................................................................................................................................................p. 23 Outras características ........................................................................................................................................p. 24 Periférico ou central? .........................................................................................................................................p. 25 O sistema motor como um sistema de saída .....................................................................................................p. 26 Criando habilidade na avaliação do sistema nervoso ........................................................................................p. 27 Avaliação bio-psico-social ..................................................................................................................................p. 28 Avaliação clínica inicial ......................................................................................................................................p. 29 Falando sobre dor ..............................................................................................................................................p. 30 Áreas-chave da informação sobre dor ...............................................................................................................p. 30 Mecanismos fisiopatogênicos ............................................................................................................................p. 31 Disfunção ...........................................................................................................................................................p. 32 Avaliando a disfunção do sistema locomotor através de exame neurofuncional ..............................................p. 33 Tensegridade .....................................................................................................................................................p. 37 Avaliando a disfunção física do sistema nervoso ..............................................................................................p. 39 Palpação de nervos periféricos .........................................................................................................................p. 39 Exame físico da condução nervosa ...................................................................................................................p. 39 Testes neurodinâmicos ......................................................................................................................................p. 40 Como detectar sinais físicos de SSE (Sensibilização Segmentar Espinal) .......................................................p. 40 O uso de dermátomos na pesquisa de sensibilização segmentar espinal ........................................................p. 42 Prognóstico ........................................................................................................................................................p. 43 O sistema motor disfuncionado: uma breve revisão ..........................................................................................p. 45 Testes neurofuncionais do sistema locomotor ...................................................................................................p. 47 Teoria Neurofuncional de Adaptação à Dor Crônica Musculoesquelética .........................................................p. 51 Noções de Eletroestimulação ............................................................................................................................p. 53 Introdução ..........................................................................................................................................................p. 53 Diferentes parâmetros, diferentes respostas .....................................................................................................p. 54 Modulação Neuromuscular ................................................................................................................................p. 56 Estimulação muscular na vigência de lesão neural ...........................................................................................p. 61 Excitabilidade cortical, corticoespinal e eletroestimulação periférica ................................................................p. 62 Implicações clínicas ...........................................................................................................................................p. 64 Parâmetros para eletroestimulação ...................................................................................................................p. 64 Polaridade ..........................................................................................................................................................p. 64 Frequência .........................................................................................................................................................p. 65 Amplitude/Intensidade .......................................................................................................................................p. 65 Forma de onda ..................................................................................................................................................p. 66

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FUNDAMENTOS DE ACUPUNTURA NEUROFUNCIONAL (Capítulo 53 do livro “Manual Clínico de Acupuntura”, 2014)

Cláudio Couto MD, MCMSc

Janete S. Bandeira, MD

1. Introdução

A Acupuntura Neurofuncional é uma técnica médica de modulação do sistema nervoso

periférico que utiliza racionalidade neurocientífica para a seleção dos locais de inserção de

agulhas e para a escolha do método de estimulação (manual ou elétrica), tendo como finalidade

a modulação da atividade anormal do sistema nervoso e seus sistemas associados. As áreas do

corpo escolhidas para o estímulo com agulhas são aquelas que apresentem condução nervosa

viável, conhecidas como zonas neuroreativas. Os sistemas exócrino, endócrino e imune

também respondem em uma medida diversa e variável à estimulação da acupuntura

neurofuncional, dependendo do estado de atividade sináptica basal e da frequência e

intensidade do estímulo.

Nas abordagens neurofuncionais, quando a dor é o motivo da busca por tratamento, não

se busca uma única fonte hipotética de dor, como um diagnóstico baseado em exames de

imagem, por exemplo. É preciso investigar clinicamente os níveis mais comuns de disfunção

associados com problemas de dor, tais como fatores neurológicos, biomecânicos, musculares,

metabólicos e psicoemocionais. O objetivo é melhorar a disfunção e promover a atividade de

auto-regulação do sistema nervoso, o que leva secundariamente à melhora da dor. Desta forma,

a resposta fisiológica da inserção de agulhas de acupuntura em zonas neuroreativas

apropriadas do corpo humano, e sua subsequente estimulação (que dependendo do alvo

funcional poderá ser realizada com ou sem eletricidade), induz e desencadeia respostas

reflexas em diversos níveis do sistema nervoso tais como respostas reflexas locais, espinais e

supra-espinais, em direção à homeostase.

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A acupuntura neurofuncional compreende as áreas a serem estimuladas de maneira

diversa de outras abordagens, podendo utilizar pontos de acupuntura clássicos como janelas de

acesso ao sistema nervoso, bem como outras zonas neuroreativas não descritas em textos

clássicos para modulação. Cada sítio de inserção é uma combinação de diferentes fibras

nervosas e receptores, e os efeitos dependem principalmente do tipo de fibra que responde ao

estimulo gerado pela agulha. Conseqüentemente, a localização do sítio de inserção, sua

neuroanatomia profunda e a qualidade da execução da inserção, são fatores determinantes na

produção da resposta segmentar e regional pretendida 9.

O desenvolvimento de protocolos de atendimento, pesquisa e padronização dos

currículos para o ensino e prática da acupuntura médica com abordagens neurofuncionais vem

sendo estabelecida internacionalmente por educadores na área de modulação periférica

percutânea com orientação neurofisiológica, o que no Brasil tem sido feito pelo Grupo de

Estudos de Acupuntura Neurofuncional de Porto Alegre (GEANF). A organização didática dos

temas abordados neste texto foi parcialmente baseada em artigos disponíveis na literatura 1 .

2. Bases Neurofisiológicas

Os mecanismos neurofisiológicos envolvidos na resposta terapêutica à estimulação

produzida através de agulhas de acupuntura pertencem a categorias neurológicas funcionais

que envolvem reflexos locais, segmentares e supra-segmentares. A modulação necessária

para o tratamento de qualquer disfunção ou doença sempre envolve o processamento neural

nesses três níveis, de forma proporcional ao grau de disfunção, seja ela predominantemente

periférica ou central.

A especificidade neuromodulatória depende dos mecanismos fisiopatogênicos que geram

e que mantém a evolução natural das doenças, e de sua responsividade às intervenções

neuromodulatórias periféricas. A busca de melhores resultados clínicos pode ser embasada,

muitas vezes, na evidência disponível nos diversos campos de pesquisa com técnicas de

neuromodulação invasiva e não invasiva, como, por exemplo, implante de eletrodos,

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estimulação de corrente contínua e alternada, estimulação magnética e outros, pois

acrescentam maior compreensão aos possíveis mecanismos de ação e a capacidade de

dispersão destes tipos de correntes elétricas pelos tecidos humanos 2.

As agulhas de acupuntura são inseridas em qualquer área inervada do corpo capaz de

gerar input aferente com valor terapêutico potencial. A rica variedade de fibras aferentes

somáticas musculoesqueléticas, cutâneas e das fáscias carregam informação exteroceptiva

(dor, toque, temperatura) e proprioceptiva (situação espacial, movimento articular, comprimento

do músculo, distensão muscular, tensão do tendão, tensão ligamentar). Esta complexidade de

aferências explica por que, apesar da abundância de sítios de inserção potenciais disponíveis

para estimulação de nervos periféricos, as zonas neuroreativas mais eficazes usadas na

acupuntura neurofuncional são invariavelmente aquelas associadas a áreas do sistema

musculoesquelético onde a inervação motora e sensitiva somática é particularmente rica: ventre

muscular, fáscia, junção musculotendínea, inserção tenoperióstica, periósteo, cápsula articular,

ligamentos, feixe neurovascular, junção neuromuscular ou ponto motor.

O estímulo físico com agulhas de acupuntura produz ativação de receptores sensoriais

através de inputs ou entradas neurais. Dividimos os inputs possíveis em quatro categorias:

1) Input segmentar periférico (ou local): consiste na estimulação de troncos nervosos

periféricos e as estruturas por eles inervadas (músculo, articulação, etc.); para o propósito

terapêutico de produzir resposta neuromodulatória predominantemente local e regional.

2) Input segmentar espinal (ou axial): consiste na estimulação indireta de nervos espinais

através da musculatura paraespinhosa e/ou articulações facetárias, em dermátomos,

miótomos e esclerótomos, para o fim terapêutico de produzir resposta neuromodulatória

predominantemente segmentar. Em geral utiliza-se eletroestimulação multissegmentar de

baixa freqüência (1 a 2 Hz) para maximizar o efeito modulatório sobre o corno dorsal da

medula, induzindo o processo de redução da memória sináptica facilitada conhecido como

long-term potentiation (LTP) para uma depressão sináptica ou long-term depression (LTD)

6 nas vias de dor.

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3) Input extra-segmentar (ou regulatório sistêmico): consiste na estimulação de tecidos e

nervos periféricos ou espinais para o fim terapêutico de produzir resposta

predominantemente supra-espinal neuro-humoral, autonômica, endócrina ou imune.

4) Input de regiões específicas (auricular e escalpeana): consiste na estimulação de regiões

da orelha ou do escalpo para o fim terapêutico de produzir modulação límbica e

autonômica central, principalmente através dos nervos vago, trigêmeo e raízes cervicais

altas.

3. Indicações Clínicas da Acupuntura Neurofuncional

Em geral a acupuntura neurofuncional é integrada a outras intervenções terapêuticas e

usada tanto como primeira linha de tratamento ou apenas como tratamento adjunto,

dependendo da natureza do problema e dos mecanismos fisiológicos disponíveis em cada caso.

As principais indicações da acupuntura neurofuncional são:

a. Problemas musculoesqueléticos agudos ou crônicos com dor e disfunção, incluindo os

distúrbios cinéticos de adaptação à dor;

b. Dor aguda ou crônica de origem visceral;

c. Distúrbios funcionais reversíveis das vísceras (sensorial, motor, glandular) e da

atividade anormal do sistema nervoso autonômico, tais como alguns dos sintomas e

distúrbios fisiológicos comumente associados com problemas cardiovasculares,

gastrointestinais, respiratórios, ginecológicos, etc;

d. Problemas funcionais e/ou estruturais irreversíveis, com sintomas ou distúrbios

fisiológicos do sistema nervoso autonômico, da víscera, do sistema endócrino, e do

sistema imune, como no câncer, patologia cardiovascular crônica, estados de

imunodeficiência, etc, onde o estímulo não-específico pode otimizar a resposta

alostásica fisiológica a serviço da homeostasia.

Devido à sua capacidade de estimular receptores sensitivos e motores relevantes,

restaurando a atividade sensório-motora normal do segmento tratado 3, 4, a acupuntura com

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orientação neurofisiológica poderá desempenhar um papel fundamental, num futuro próximo, na

área de tratamento da dor musculoesquelética associada a desordens cinéticas adaptativas,

superando as dificuldades inerentes aos métodos de diagnóstico não baseados em mecanismos

de ação e de seleção de áreas de estímulo utilizadas até a presente data na pesquisa clínica,

que ainda se foca predominantemente na ativação de mecanismos opioidérgicos no tratamento

da dor 5.

4. Delineando o Tratamento com Acupuntura Neurofuncional

Em primeiro lugar, procura-se definir os problemas clínicos utilizando a racionalidade

médica que se embasa no conhecimento mais atual disponível em fisiopatogenia e nas diversas

áreas da neurociência. Segundo, selecionam-se objetivos terapêuticos gerais e específicos

baseados no pleno conhecimento da anatomia neuro-musculo-esquelética e na caracterização

fisiopatológica da função anormal e problemas estruturais encontrados durante a coleta da

história e exame físico detalhado do paciente.

a. Objetivos terapêuticos gerais: sempre de natureza funcional, como correção de

atividade anormal no sistema nervoso somático ou autonômico, evidenciados por

sintomas tais como: dor, taquicardia, disfunções viscerais e insônia, por exemplo;

b. Objetivos terapêuticos específicos: são delineados em termos de estrutura ou território

onde a atividade anormal (dor ou disfunção) se demonstre presente: uma articulação

específica, músculo, tendão, raiz espinal, nervo periférico, região anatômica ou

segmentos espinais (como as alterações funcionais vinculadas a uma

cervicobraquialgia e/ou a regulação da atividade autonômica em determinados

segmentos, por exemplo).

Adicionalmente, a utilização de técnicas terapêuticas comportamentais cognitivas e de

exercícios terapêuticos, como o Relaxamento Pós-Isométrico e as técnicas de Inibição

Recíproca são incentivadas durante o atendimento ambulatorial dos portadores de dor crônica,

pois favorecem um melhor prognóstico naqueles pacientes que exibem um status cognitivo-

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avaliativo caracterizado por comportamento mal-adaptativo, pensamento catastrófico ou por

sensibilidade à ansiedade, demonstrada através do medo de se movimentar. Medidas de

desfechos funcionais devem ser usadas individualmente para ajudar a determinar a efetividade

de cada uma e de todas as intervenções usadas, e para determinar a necessidade de mudança

ou melhoria no tratamento proposto, quando apropriado.

Embora os parâmetros para eletroestimulação intramuscular ainda sejam controversos,

na grande maioria dos casos se utiliza eletroestimulação rápida ou de demora, com baixa ou

média frequência, respeitando os parâmetros de estimulação geralmente aceitos para os

músculos esqueléticos humanos. Sabe-se que a estimulação de muito baixa freqüência (0,5-1

Hz) estimula a regeneração de tecidos locais e da junção neuromuscular; a baixa freqüência (1-

4 Hz), capaz de produzir um ritmo de contração e relaxamento considerado confortável, modula

nocicepção ao nível do sistema nervoso central e melhora o fluxo sanguíneo localmente. Já a

estimulação de média a alta freqüência (15-50 Hz) produz neuromodulação predominantemente

segmentar sensitiva e motora. A eletroestimulação dos pontos motores, que produz a melhor

resposta contrátil do músculo-alvo com a menor intensidade possível, tem valor diagnóstico e

terapêutico, sendo um procedimento potencialmente eficaz na normalização da função contrátil,

recuperação funcional global, propriocepção e consciência cinestésica. A evidente contração

muscular produzida pelo estímulo elétrico pode ser um dos melhores indicadores para um maior

efeito na redução da dor 7.

Para modular o sistema motor e as desordens do movimento, a seleção dos inputs é feita

após a identificação de quais músculos estão fracos (ou inibidos) e quais estão hipertônicos (ou

facilitados) – agonistas, antagonistas ou estabilizadores –, usando testes motores. Também são

pesquisadas as articulações afetadas e os níveis segmentares espinais relacionados à

disfunção, identificando o dermátomo, miótomo e esclerótomo envolvidos, usando a história

clinica e a avaliação motora, além do diagnóstico dos fatores centrais envolvidos na

manifestação clínica.

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A profundidade do agulhamento é determinada por uma combinação de estrutura

anatômica alvo, sensação experimentada pelo paciente e sensação experimentada pelo

profissional (relacionada aos tecidos na qual a agulha é inserida). Quando o estímulo visa

respostas motoras, a profundidade do estímulo depende da proximidade de troncos nervosos

ou da localização de pontos motores, sendo que a confirmação do melhor posicionamento da

agulha é fornecido pela apropriada contração das estruturas-alvo. Sem exceção, a inserção e a

estimulação elétrica devem ser indolores, como melhor caminho para evitar dano acidental em

qualquer tecido assim como prevenir nocicepção adicional que não é terapêutica.

O prognóstico depende basicamente dos objetivos propostos. Prognóstico para a dor e

prognóstico para a função podem ser bem diferentes. Pacientes com traços de personalidade

rígida, menos adaptáveis, menos toleráveis a mudanças comportamentais, com dificuldade para

compreender os mecanismos mantenedores ou geradores de suas disfunções, que buscam

terapias passivas (sem necessidade de esforço pessoal) são, em geral, os que ficam menos

tempo em acompanhamento. Deve-se ter em mente que o tratamento deve incluir correção de

hábitos determinantes da patologia e prescrição de exercícios modulatórios, podendo incluir

também intervenções terapêuticas farmacológicas, comportamentais, cirúrgicas, manipulação

de tecidos moles e articulações, reabilitação funcional, etc. Os objetivos terapêuticos específicos

do paciente devem ser analisados para determinar quais são melhor abordados com acupuntura

neurofuncional e quais são melhor abordados com outras intervenções, para determinar a

necessidade de mudança ou melhoria no tratamento proposto, quando apropriado.

Existem diversas maneiras de registro de dados com a finalidade de criar uma visão

global sobre o padrão de responsividade ao tratamento de cada paciente a uma técnica

neuromodulatória como a acupuntura. Uma das propostas, que consiste da elaboração de uma

pirâmide de fatores, classificados conforme o presumível grau de sensibilização central ou

periférica, onde se incluem os diagnósticos patológicos e/ou de disfunções sensoriais, perfis

cognitivos e afetivos, consta do prontuário desenvolvido e utilizado pelo GEANF.

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5. Dor Musculoesquelética e Acupuntura Neurofuncional

Quando a queixa principal de um paciente é dor musculoesquelética, devemos lembrar,

antes de tudo, que dentro do rol de possíveis fatores etiológicos o músculo pode ser: órgão

primário, secundário, área de referência de dor com um foco primário desconhecido, ou um

órgão de expressão psicossomática do sofrimento (refletindo o status motivacional-afetivo e

sensorial-discriminativo do indivíduo), além de evidenciar como ocorre a influência gravitacional

sobre as estruturas físicas. Esta complexidade justifica, como escreveu Dr. David G. Simons em

2008, ser o músculo um órgão órfão dentro da medicina, que ainda está em busca de uma

especialidade adotiva.

Entre as razões mais frequentes para o surgimento de dor musculoesquelética estão o

estresse postural, ergonomia deficiente no trabalho, mecânica corporal errada, sobrecarga de

contração sustentada, lesão do esporte, trauma e esforços repetitivos. Os fatores psicossociais,

tais como demanda excessiva e insatisfação no trabalho, medo de movimentação, sofrimento

psicológico e pensamento catastrófico são os grandes perpetuadores da condição de dor

crônica, gerando incapacidade e sofrimento.

A pesquisa tem mostrado o elevado grau de prejuízo proprioceptivo que acompanha a

disfunção musculoesquelética crônica e o seu papel na desintegração sensório-motora a nível

central8. A dor persistente geralmente inibe o movimento, e o medo da dor leva o indivíduo a

limitar movimentos para proteger a área afetada. Essa inibição pode atuar como uma espécie de

“descerebração” de forma a permitir que o sistema motor espinal desenvolva livremente

respostas protetoras para a estimulação nóxica 10.

Tem se tornado evidente o rápido efeito que a dor provoca na plasticidade cortical

motora, o que a transforma num predador silencioso do sistema nervoso 11. Há uma crescente

evidência da utilidade clínica da modulação do sistema motor no tratamento da dor crônica,

notadamente por técnicas de estimulação magnética transcraniana12,13 e através do implante de

eletrodos em córtex motor 14, sendo ainda escassos os estudos clínicos que buscam avaliar os

efeitos da modulação sensoriomotora com o uso intramuscular de agulhas 15,16.

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Em contraste com os mecanismos que causam e sustentam a disfunção motora, seja

inibição ou hiperatividade, a modulação do controle motor obtida com as abordagens

neurofuncionais promove restauração da força muscular e liberação de movimentos restritos por

hipertonicidade muscular. A propriocepção gerada da modulação de músculo e tendão, ativando

reflexos espinais fisiológicos, resulta em relaxamento do tônus muscular segmentar e mudanças

nos mecanismos reflexos, que aumentam o tônus dos músculos inibidos. Para conseguir estes

efeitos, o estímulo precisa ser baseado em uma orientação neurofisiológica que

discriminadamente elegerá, ao nível segmentar periférico, músculos, transições

tendinomusculares, ênteses, ligamentos e cápsulas articulares afetadas ou nervos periféricos, e

ao nível segmentar espinal relacionado à disfunção, a musculatura paraespinhosa profunda e

segmento autonômico correspondente. A normalização da atividade segmentar autonômica

(simpático e parassimpático) gera respostas dos componentes autonômicos regionais da dor,

restaurando a normalidade da função regional, especialmente no segmento circulatório, e na

redução de um dos principais fatores que perpetuam a dor crônica regional: a hiperatividade

simpática.

As respostas fisiológicas da intervenção da acupuntura neurofuncional incluem analgesia

segmentar e sistêmica, neuromodulação das funções sensitiva, motora, autonômica e visceral,

modulação das funções endócrina e imune, e modulação central associadas com as atividades

do sistema límbico. O sistema nervoso integra as informações de todos esses níveis para o

controle do movimento e da resposta fisiológica. Quando os tecidos afetados são estimulados

nas zonas neuroreativas adequadas, a resposta do sistema é de normalização da integração

sensório-motora no segmento afetado e nos adjacentes, com normalização do tônus vasomotor

e melhora da perfusão dos tecidos locais afetados.

5. Conclusão

A acupuntura neurofuncional é uma técnica médica de neuroestimulação periférica

através de agulhas de acupuntura, fundamentada nos conhecimentos científicos atuais, que

integram anatomia, neurofisiologia, fisiatria, ortopedia, biomecânica, cinesiologia, entre outros.

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Para integrar estes conhecimentos e utilizar a agulha de acupuntura como instrumento de

modulação é fundamental dominar as técnicas de exame clínico funcional, bem como

desenvolver a habilidade na palpação de nervos periféricos, o exame físico para verificação da

condução nervosa, testes neurodinâmicos e o reconhecimento clínico dos sinais de

sensibilização segmentar espinal e de sensibilização central. Para obter melhores resultados, o

paciente é avaliado dentro de um modelo neuro-bio-psico-social integrativo, onde a anamnese e

o exame físico incluem a compreensão do estado funcional do organismo em relação ao

ambiente, isto é, os sintomas e sinais apresentados devem ser compreendidos dentro do

contexto tridimensional no qual o paciente se insere (sua história prévia, seu trabalho, sua

postura, seu enfrentamento psico-social, etc). Todos estes dados servirão para o processo de

tomada de decisão, o que pode ser novo e desafiador para muitos médicos. Existirão casos

clínicos onde os mecanismos da dor ficam claros, como em situações de artrite reumatóide,

processos inflamatórios locais ou radiculopatias. Na maior parte dos casos, contudo, os

pacientes apresentam quadros complexos com mecanismos múltiplos de dor crônica, com

fatores contribuintes de tecidos periféricos e sinais de sensibilização central. Em qualquer

situação, a acupuntura neurofuncional procura descobrir o estado funcional do sistema nervoso,

em vez de basear o tratamento em classificações estatísticas de doenças e lesões.

A aquisição do conhecimento necessário para o desenvolvimento da habilidade clínica

na utilização da acupuntura neurofuncional passa, obrigatoriamente, pelo reconhecimento da

necessidade de atualização constante em tópicos fundamentais da prática médica

contemporânea, como a anatomia palpatória, a passagem por laboratórios de anatomia humana

e a atualização permanente nas áreas de neurofisiologia e fisiopatogenia. O médico

instrumentalizado com esta bússola neurofuncional desenvolve, com o tempo, “a liberdade dos

mares”, podendo navegar em qualquer situação clínica, em cumprimento aos fundamentos

éticos da prática medica, alicerçados na habilidade técnica e no conhecimento científico.

6. Glossário

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Atividade sináptica basal – status de normalidade, excitação ou inibição da conexão entre neurônios, dependentes da liberação excessiva de neurotransmissores, modificação no número de receptores ou a forma de resposta da célula aos referidos neurotransmissores, entre outros. Cinestesia – Qualidade proprioceptiva constituída pela percepção manifestada pelo próprio indivíduo de seu equilíbrio e posição das várias partes do corpo. Dermátomo – Territórios cutâneos de inervação radicular inervados por fibras de uma única raiz dorsal. Esclerótomo – Territórios do metâmero relacionados aos ossos, periósteo, ligamentos, cápsulas e tendões inervados por fibras de uma única raiz dorsal. Estímulo nóxico – Estímulo sensitivo que produz a percepção de dor.

Impedância elétrica tecidual – Representa a resistência elétrica dos tecidos biológicos, que inibe o fluxo da corrente elétrica nos tecidos de maior impedância. Do mais condutivo ao menos condutivo: nervo, vasos, músculo, pele, gordura e osso. Integração sensório-motora – Mecanismos neuroaxiais inerentes e que se desenvolvem por aprendizagem e memória das células neurais que controlam, regulam e desencadeiam o movimento. Long-term depression (LTD) – Indução de uma redução na transmissão sináptica normal ou despotencialização de uma sinapse previamente facilitada por um longo período de tempo. Long-term potentiation (LTP) – Aumento da transmissão sináptica normal por um longo período de tempo nas sinapses excitatórias, principalmente glutamatérgicas, que pode ser induzido em diversas áreas do cérebro e medula espinal. Miótomo – Grupo de músculos esqueléticos supridos por uma única raiz espinal.

Pensamento catastrófico – Processos mentais direcionados a uma exagerada orientação negativa com relação a um estímulo nocivo, que podem servir como preditores de incapacidade física, estresse, intensidade da dor e respostas inadequadas a tratamentos. Sensibilização central – Processamento central que exibe respostas aumentadas ou facilitadas aos estímulos nóxicos periféricos. Sensibilização segmentar espinal – Condição caracterizada por hiperatividade, facilitação e hiperexcitabilidade em um segmento espinal que ocorre em reação a um foco irritativo, demonstrada por hiperalgesia nas áreas sensitivas, motoras e esqueléticas supridas pela respectiva raiz espinal. 7. Referências

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AVALIAÇÃO NEUROFUNCIONAL

Cláudio Couto MD, MCMSc

COMPREENDENDO A SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL

O papel do Sistema Nervoso Central (SNC) varia dentro e entre todos nós. O valor do toque

de uma outra pessoa varia enormemente entre os indivíduos. Isto significa que as respostas do

SNC são dinâmicas. O conceito de sensibilização central propõe que a sensibilidade do SNC ou

limiar de ativação é diminuído, e assim estímulos que normalmente não seriam capazes de

acessar os neurônios centrais podem agora ter um efeito (Hardy et al., 1952; Woolf 1991). Isto

não é apenas uma sensibilidade ao estímulo físico, mas também uma sensibilidade aos nossos

pensamentos e sentimentos. Estas entradas psicológicas irão colidir com as entradas

fisicamente derivadas e serão submetidas a um processamento paralelo onde o limiar exercido

sobre qualquer estímulo se tornará baixo. Este processamento envolve entradas ambientais,

igualmente. Como Hinde (1998) nos lembra num belo ensaio, o ambiente não é apenas algo lá

fora, é também algo que nós criamos arbitrariamente e por estilo de enfrentamento. O ambiente

que um indivíduo com dor ocupa é diferente do ambiente que um não sofredor vive.

Os conceitos de sensibilização central não são novos. Por muitos anos tem havido

sugestões de que a dor que se cria por um estímulo inócuo ao redor de um local lesado é

gerada centralmente. Hoje há evidências suficientes que apóiam este entendimento (Doubell et

al. 1999). Alterações nas propriedades de respostas dos multi-receptivos neurônios de ampla

variação dinâmica (NAVD) no SNC são consideradas uma parte chave (willis,1993; Treede &

Magerl 1995). Há três maneiras pelas quais a sensibilização central se manifestará nos

neurônios do SNC. Primeiro, o limiar de ativação será reduzido, Segundo, haverá um aumento

na responsividade dos neurônios e , terceiro, o campo receptivo do neurônio irá aumentar

(Cook et al. 1987; Hoheisel & Mense, 1989; Woolf & King 1990; Woolf & Salter 2000).

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O processo de sensibilização se torna evidente no corno dorsal da medula, se ainda não

tiver se disseminado por estrutura mais elevadas. Essencialmente, o corno dorsal passa por

diferentes modos ou estados de operação. O estado ou modo que o corno (leia-se todo o

sistema nervoso) está determinará a percepção sensorial. Esses estados são uma maneira

particularmente útil e clinicamente relevante para os clínicos considerarem a neuroplasticidade

mesmo nas estratégias de tomada de decisão. A alteração desse modus operandi ou a

prevenção de novos modos deveria ser a base das terapias neuromodulatórias, como a

acupuntura neurofuncional. Baseando-se em Woolf (1994) e Woolf & Doubell (1999),

consideraremos quarto estados:

ESTADO NORMAL

No estado normal, qualquer entrada inócua tal como o toque leve, pressão, vibração ou

calor serão percebidos como tais. Nosso sistema nervoso pode extrair todas as características

definidoras das varias entradas. Isto se aplica também aos estímulos nóxicos. Isto é a dor

fisiológica normal que usualmente serve a um propósito útil e adaptativo. Estas respostas

envolvem a liberação de transmissores químicos, como o glutamato e a substância P. O

glutamato irá ativar receptores AMPA e a substância P vai ativar um receptor neurocinina

1(NK1).

ESTADO SUPRIMIDO

Algumas vezes, aquilo que se esperaria que machucasse, não machuca. Esta característica

é bem espetacular. Ocasionalmente os jornais saem mostrando estórias e fotos de pessoas que

vão aos hospitais com uma faca ou estaca cravada no corpo sem demonstrar nenhuma dor.

Uma pessoa pode pretender ir até o fim de um evento esportivo e uma lesão severa pode não

ser sentida. De alguma forma o sistema nervoso toma uma decisão executiva, baseado em um

processamento complexo que inclui respostas passadas e futures, de deixar a dor “em banho

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Maria”para um momento posterior. No estado suprimido estarão envolvidos tanto as entradas

periféricas quanto principalmente os efeitos mais poderosos virão de mecanismos de controle

endógeno da dor no cérebro e na medula espinal. Da observação desses eventos podemos

auferir como um estímulo modulatório condicionante na periferia, como a eletroestimulação

percutânea, poderá mudar estas entradas sensoriais. Aqui também cabe recordar o papel da

distração, pensamentos positivos, conhecimento e ambientes saudáveis na recuperação aliados

às drogas que auxiliam nesse processo. Cabe ao médico tornar o paciente consciente desse

sistema de controle endógeno da dor.

ESTADO DE SENSIBILIDADE AUMENTADA

O terceiro modo discutido por Doubell et al. (1999) é o estado de sensibilização. Um

bombardeamento de entradas oriundas de fibras C de um sítio gerador de impulsos, área de

inflamação ou tecidos acídicos causarão uma liberação de mais aminoácidos excitatórios tais

como glutamato e aspartato, e peptídios como a substância P e dinorfina no corno dorsal. O

glutamato irá ativar os receptores AMPA e vai aumentar a sensibilidade, eventualmente tanto

receptores NMDA pré quanto pós-sinápticos (Cheng & Huang 1992). O receptor NMDA tem um

papel crítico aqui. Normalmente esse receptor está tamponado com um íon de magnésio e o

glutamato não consegue ligar-se ao canal iônico. Uma vez que a membrana seja despolarizada,

os canais dos receptores NMDA são abertos, permitindo que íons, principalmente cálcio, entre

no NAVD. A abertura de receptores metabotrópicos ligados à proteína G permite o maior influxo

de cálcio para a célula, levando à ativação da proteína quinase C (PKC) causando a fosforilação

do receptor NMDA. Essa fosforilação essencialmente faz com que o receptor fique aberto por

mais tempo levando a alterações de longa duração na eficácia sináptica (Yu et al. 1997). Os

níveis alterados de Ca++ por longos períodos podem ativar fatores de transcrição que alteram a

expressão gênica e assim mais ou diferentes canais iônicos podem ser sintetizados. O receptor

NMDA tem sido o alvo de muitas drogas. A ketamina, o dextrometorfano, memantina e os

opióides tais como a metadona e o dextropropoxifeno são antagonistas dos receptores NMDA

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(Hewitt 2000). Com a membrana hiperpermeável e os químicos excitatórios na fenda sináptica,

vários outros neuromoduladores e transmissores tais como o óxido nítrico e prostaglandinas

entram em ação iniciando uma reação em cascata. O óxido nítrico, por sua vez, também pode

induzir mais liberação de transmissores que induzirão mais sensibilização (Aimar et al. 1998;

Harley 1998). O fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF) é outro modulador poderoso do

processamento sensorial no corno dorsal e no cérebro (Kerr et al. 1999; McMahon & Bennet

1999). Com os receptores de glutamato ligados à proteína G e os receptores NMDA abertos,

sistemas mensageiros são ativados levando à expressão de mais receptores excitatórios.

Receptores silentes podem abrir. Níveis elevados de CCK, um neuromodulador com efeitos anti-

opioidérgicos, vai aumentar a sopa sensitiva/ na sinapse (Baber et al. 1989).

Muitos neurônios periféricos farão sinapse com um neurônio central. Componentes

subliminares do campo receptivo podem agora ser recrutados (Woolf 1991), gerando uma

difusão da dor para outros dermátomos ou para o outro lado do corpo. Sabe-se hoje que lesões

nervosas tais como as radiculopatias e a síndrome do tunnel do carpo frequentemente tem

repercussões contralaterais.

Há também recentes evidências mostrando que algumas fibras A sofrem uma mudança

fenotípica, e começarão a expressar substância P e outros moduladores excitatórios de forma

que a estimulação de baixa intensidade irá produzir ou manter alterações neuroplásticas no

corno dorsal (Noguchi et al 1995; Neumann et al. 1996).

Em geral, no entanto, o sistema de dor agora tem um limiar de ativação mais baixo.

Entradas tais como o toque leve e movimentos suaves via ativação de aferentes de baixo limiar

como as fibras de grande calibre do tipo A podem agora desencadear dor (Cook et al 1987;

LaMotte et al 1991; Woolf 1991; Torebjork et al. 1992). Isto também significa que uma entrada

nóxica pode ser agora ampliada e se tornar mais intensa e durar mais tempo. Tudo isso é

normal e faz parte do grande design do sistema nervoso para a sobrevivência. Se esta

sensibilidade torna a pessoa mais cansada, a faz descansar, evitar certas atividades ou tomar

medicamentos úteis, isso pode ser útil para o processo de cura, pelo menos inicialmente.

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Este processo de sensibilidade deveria retornar ao normal uma vez que as entradas

aferentes e os efeitos da modulação central retornem ao normal. Presumivelmente uma história

do evento vai permanecer em alguns neurônios e em algumas vias para lembrar a pessoa de

como ele/ela lidaram com o bombardeamento sensorial para futuras comparações. Em alguns

pacientes, no entanto, a alteração na sensibilidade parece persistir. Como exemplo disto pode

ser um homem com história de um “chicote cervical” há 6 semanas, com sintomas que não se

ajustam e que começa a apresentar problemas no trabalho. Ele pode estar pensando em

procurar um advogado. Este paciente está entrando nos limites da cronicidade.

Considere alguns exemplos clínicos onde a sensibilidade às entradas tenha sua origem

no sistema nervoso central. Às vezes uma cefaléia é tão severa que apenas tocar no cabelo dói.

Tocar o cabelo significa apenas a ativação de fibras A de grande calibre, mas nessa situação é

capaz de se relacionar com o sistema de dor. Ou considere uma situação clínica como uma dor

lombar crônica, onde não importa onde você toca ou examina, tudo parece estar machucado.

Neste estado deve ser considerado o limiar de ativação que o SNC oferece para as entradas em

geral, não as entradas relativas a um tecido em especial.

BOMBARDEAMENTO AFERENTE MANTIDO E ALTERAÇÃO MORFOLÓGICA

Surge uma questão – e se o bombardeamento aferente continua, ou se o bombardeamento

ocorre na presença de uma medula já sensibilizada ou lesada, ou se os mecanismos de

enfrentamento normais da pessoa estão esgotados? Aqui, em algumas pessoas, parece que

alterações de longa duração podem ocorrer.

Para o processo de sensibilização central continuar, parece haver a necessidade de um

direcionamento constante da periferia para manter a sensibilização central desencadeada pela

lesão inicial (Coderre & Katz 1997). Isto pode ser ou alterações fenotípicas em fibras A,

descargas persistentes no gânglio da raíz dorsal, inlamação persistente, influências supra-

espinais, alteração na transcrição de genes nos neurônios do corno dorsal, ou inflamação no

corno dorsal e no GRD. Respostas comportamentais à lesão inicial tais como crenças mal-

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adaptativas, temores e atitudes inadequadas contribuem para esse processo. O brotamento de

fibras adrenérgicas no GRD e de fibras expressando peptídios algogênicos no corno dorsal da

medula também contribuirão para a persistência da sensibilização central.

O corno dorsal é altamente ordenado em lâminas. Normalmente as fibras C e A delta

terminam na primeira lâmina, segunda e quinta e as fibras A beta terminam na lâmina 3, 4 e 5.

Ocorre a morte de terminais centrais de fibras C após a lesão de um nervo (Castro-Lopes et al.

1990). O espaço aberto é tomado por terminais de fibras A beta que normalmente terinam em

lâminas mais profundas, mas agora brotam na lâmina 2 (Woolf et al 1992; Koeber et al 1995;

Mannion et al 1996; Nakamura e Myers 1999; Kohama et al. 2000). O brotamento também irá

ocorrer em resposta à lesão parcial do gânglio da raiz dorsal (Nakamura & Myers, 2000). Note

que estas são fibras A beta lesadas que estão brotando. Se o processo de estado sensibilizado

continua, agora há uma grande chance de uma entrada não nóxica estar agora sendo percebida

como dor. Este brotamento ocorre dentro de duas semanas da lesão nervosa no rato (Doubell et

al. 1999).

Há um número de processos adicionais que poderiam ocorrer e contribuir para alterações

no corno dorsal a longo prazo e talvez irreversíveis. Níveis persistentemente elevados de

aminoácidos excitatórios especialmente o glutamato, podem levar a uma excitotoxicidade e

morte celular (Ikonomidou & Turski 1995), principalmente de interneurônios inibitórios (Seltzer et

al. 1991). Estes interneurônios inibitórios normalmente contêm GABA e glicina. Poderia se

pensar nisto como uma perda do sistema de controle de dor subconsciente mais reflexo,

tornando a pessoa mais dependente do sistema de controle de dor mais voluntário por parte de

centros encefálicos.

ALTERAÇÕES NO CÉREBRO

Um grupo sensível de neurônios no corno dorsal causará alterações de sinalização no

cérebro. O processamento cerebral provavelmente ocorra ao mesmo tempo que a lesão do

nervo ou da medula (albe-Fessard et al. 1985) ou bem antes se o ambiente sugere perigo. As

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entradas originadas no corno dorsal e dirigidas para centros supra-espinais serão levadas por

neurônios no sistema anterolateral no lado oposto da medula espinal, com muitas fibras se

esparramando para diversas áreas cerebrais tais como a substância cinzenta periaquedutal ou

formação reticular. A sinalização relacionada à nocicepção de tecidos profundos pode ser

carregada pelas colunas dorsais (willis & Westlund 1997). Há outras vias tais como o trato

espinotalâmico que carregará informação nociceptiva diretamente para o sistema límbico

(Giesler et al 1994; Craig & Dostrovsky 1999).

Os mesmos processos que têm sido identificados no corno dorsal durante os processo de

sensibilização ocorrem no cérebro. Isto inclui a produção de mais receptores, alterações de

campo receptivo no córtex e excitotoxicidade. As células hipocampais são particularmente

vulneráveis aos persistentes e elevados níveis de cortisol e glutamato. Os receptores NMDA são

difusos através do SNC bem como é a proteína tirosina quinase (PTK) que regula suas funções.

Qualquer elevação na produção de receptores no corno dorsal, por exemplo, vai causar o

mesmo efeito no hipocampo (Yu & Salter 1999) e em outros centros. Uma cascata química

similar à que ocorre no corno dorsal, levando à expressão gênica e produção de novos e

diferentes canais iônicos parece ser bem provável.

SISTEMAS DE CONTROLE DESCENDENTE

Qualquer discussão sobre o papel do cérebro deve incluir os poderosos sistemas de

controle descendente. Como parte do processo que é distribuído pelo cérebro, existe uma rede

que pode exercer um papel facilitatório ou inibitório nos neurônios que transmitem dor no corno

dorsal via opióides, serotonina e noradrenalina. Enquanto muitas áreas estão envolvidas, as

vias mais estudadas são a substância cinzenta periaquedutal (PAG) e a medula ventromedial

rostral (RVM). A PAG tem muitas ligações através do cérebro e seus neurônios componentes

agem para integrar as entradas nociceptivas ascendentes com as informações oriundas do

sistema límbico. Muitas projeções para a medula espinal saem via RVM e terminam na lâmina

1,2 e 5 da medula espinal. Além disso, os neurônios moduladores da dor na PAG e NRM tem

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campos receptivos praticamente em todo o corpo (Oliveras et al 1990) e alta colateralização

com o RVM, sugerindo mais um controle global do que um controle anatomicamente discreto

sobre a transmissão da dor (Fields & Basbaum 1999) Vários estudos tem mostrado que eventos

contextuais neutros podem alterar a atividade em neurônios nociceptivos no corno dorsal na

ausência de estímulos nóxicos (Bushnell et al 1985; Duncan et al. 1987). Você, como terapeuta,

bem pode ser um evento contextual para aumentar ou diminuir o controle descendente

meramente por sua presença.

Os sistemas cerebrais de controle endógeno da dor entrarão em ação dependendo do

significado ou valorização da dor. Ameaça ou lesão normalmente irão ativar o sistema (Fields &

Basbaum 1999). Entradas cutâneas nóxicas também (Le Bars 1997), o que pode explicar o

alívio da dor obtido por fortes loções de massagem, ventosas ou terapias manuais mais

agressivas. Os sistemas de controle endógeno da dor provavelmente também são uma parte

importante da analgesia placebo.

A intensidade da dor pode ser alterada por expectativa ou aprendizagem. Como você

deve ter experimentado, a dor de seu paciente até pode sumir logo após fazer sua marcação de

consulta com você.

COMO PERCEBER SE HÁ SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL?

A seguir enumeramos um padrão baseado em biopatologia e observação clínica para

alertar ao médico que um processo mal-adaptativo de sensibilização deve estar ocorrendo.

Pode ajudar a identificar pacientes que estejam mudando de estado. Lembre-se que a

sensibilização central ocorre em todos os estados dolorosos. Em alguns, essas características

se tornam mais óbvias. É na dor crônica onde a sensibilização central se torna uma

característica clínica mais provável.

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ÁREA E DESCRIÇÃO

As seguintes áreas de dor, descrições e cenários clínicos podem se relacionar à sensibilização

central:

◊ Os sintomas frequentemente não estão dentro de limites anatômicos ou

dermatômicos.

◊ Qualquer dor original pode se tornar difusa.

◊ Em caso de sintomas em múltiplas áreas, ou as dores iniciam juntas ou o paciente

tem alternadamente dores em lugares diferentes

◊ O lado contralateral à dor inicial pode se tornar doloroso, embora raramente tão

intenso quanto ao local de origem. Poderá existir uma dor em espelho, que é difícil de explica

em termos de hiperalgesia primária.

◊ O médico pode precisar “perseguir a dor”. Isto é uma prática comum em

ambulatório de acupuntura. Por exemplo, as dores lombares podem ser reduzidas, mas então o

paciente se queixa de dores torácicas. É quase como se as redes de processamento de dor

estivessem sempre necessitando a inclusão de algum componente somático.

◊ Podem ocorrer repentinas e inesperadas dores em fincada, mesmo sem aparentes

desencadeadores.

◊ O paciente pode dizer “ela me domina”. A dor é chamada de “ela”, sugerindo que

se tenha perdido o sentido lógico de uma relação estímulo/resposta que lhe era familiar e o

paciente não reconhece mais a dor como relacionada a um local anatômico específico.

COMPORTAMENTO

O comportamento do estado de dor pode prover pistas para um mecanismo central. Por

exemplo:

◊ A percepção da dor é permanente. Se a dor persiste além do tempo considerado

habitual para uma cura e uma avaliação subjetiva completa não revela gatilhos ocupacionais,

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doença ou outra razão para a manutenção da dor, então um mecanismo central pode ser

suspeitado.

◊ Somação. Um número de atividades similares repetidas desencadeia dor, por

exemplo, usar um computador, um exercício de bike, ou um intérprete usando a linguagem dos

sinais.

◊ A relação estímulo-resposta está distorcida. O estado de dor piora ou surge em

tempos variáveis após as entrada neurais. Isto pode ocorrer após 10 segundos ou após um dia

ou mais. Muitos médicos estão familiarizados com uma frequente situação desagradável quando

examinam um paciente e a dor se torna mais intensa algum tempo após o exame.

◊ As respostas ao tratamento ou às entradas neurais são imprevisíveis. O que pode

ser uma técnica de tratamento bem sucedida em um dia pode não sê-lo no próximo dia. No

entanto há um padrão habitual inicial de resposta positiva aos procedimentos que se mostram

úteis no alívio dos sintomas por alguns dias, que retornam logo a seguir.

◊ Pode ocorrer que qualquer movimento doa, mesmo que não haja grande perda nas

amplitudes de movimento. Estes pacientes são frequentemente rotulados como irritáveis ou

instáveis. Possivelmente haja instabilidade nos sintomas, mas não instabilidade estrutural. Num

exame de rotina, como numa manobra de elevação de membro inferior, o paciente pode se

queixar de dor, mesmo que o examinador não sinta nenhuma resistência. É como se o

movimento tenha tocado uma memória ao invés de um tecido lesado.

◊ Os pacientes podem dizer “Dói quando eu penso na dor”.

OUTRAS CARACTERÍSTICAS

Há outras características que podem fazer parte de um padrão de sensibilização central:

◊ As dores podem ser cíclicas, talvez mais intensas durante o inverno, ou

relacionadas a períodos de eventos tais como aniversários, ou a rememórias de eventos

traumáticos na vida.

◊ Este estado pode estar associado com ansiedade e depressão.

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◊ “Curas milagrosas” são possíveis. Se há um alívio repentino, dramático e

aparentemente milagroso de sintomas severos e de longa duração por pequenas entradas, é

improvável que os mecanismos fisiopatológicos sejam originados em tecidos locais. Os milagres

são grandes, mas eles são melhores ainda se você puder ter uma idéia de porque eles

aconteceram. É mais provável que tenha ocorrido uma alteração central na cognição e na

emoção.

◊ A sensibilização central estará provavelmente contribuindo em situações clínicas

como a fibromialgia, síndorme miofascial, síndrome de dor complexa regional, dores musculares

multissegmentares, cefaléia tensional, migrânea, disfunção de articulação temporo-mandibular,

síndrome do intestino irritável, bexiga irritável, cistite intersticial, sensibilidade química múltipla,

síndrome das pernas inquietas e distúrbio de estresse pós-traumático. Lembre-se dela quando

você pensar: “Que diabos está acontecendo aqui?”

PERIFÉRICO OU CENTRAL?

Mecanismos periféricos e centrais dificilmente serão mutuamente exclusivos e uma

abordagem para o manejo da dor deveria considerar ambos os processos. No entanto, também

deveria se tornar evidente que uma caça implacável por, e tratamentos direcionados para

fontes de nocicepção, enquanto a apresentação do paciente é dominada por um estado de

sensibilização central, pode se tornar infrutífero e piorar uma disfunção. Isto é particularmente

real se o clínico for levado a acreditar que há ainda algo nos tecidos periféricos a ser

encontrado. Poderão ser encontrados geradores periféricos de dor por um examinador

habilitado, mas eles dificilmente serão os únicos focos de atenção. O conhecimento dos

mecanismos neurobiológicos certamente enriquece a habilidade de decidir quais os alvos

terapêuticos são mais importantes, mas acima de tudo permitem que os pacientes que sofrem

de dores crônicas sejam vistos com todos os aspectos multifatoriais e suas interações que irão

contribuir para a racionalidade clínica utilizada para o diagnóstico e o tratamento.

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O SISTEMA MOTOR COMO UM SISTEMA DE SAÍDA

Os músculos podem estar inflamados, acídicos e inibidos e assim serem potentes sítios

de muitos estímulos aferentes para o SNC. Há também efeitos secundários dos músculos

lesados, como por exemplo, instabilidade articular ou uma alteração no tecido que circunda um

nervo periférico, que podem contribuir para uma hiperalgesia primária ou secundária.

O sistema motor também pode ser conceituado como um sistema de respostas.

Respostas motoras à dor e ao estresse incluem fraqueza, espasmo, alterações nas expressões

faciais, e no tom da voz, desequilíbrios musculares, perda da qualidade e da amplitude do

movimento, perda da variedade de estratégias para seleção de movimentos, etc. Até certo ponto

estas mudanças são o produto da saúde física dos músculos, mas também são produtos do

processamento central e são essencialmente mecanismos de enfrentamento. Como o nível

elevado de cortisol no estresse agudo, algum espasmo e tensão muscular (Knost et al 1999),

mesmo uma mudança no tom da voz são úteis na dor aguda e na lesão se isso possibilita uma

melhor evolução. Se estes comportamentos persistirem, poderão se tornar mal-adaptativos e

destrutivos para a evolução.

Um sistema sensorial hiperativo terá repercussões para o sistema motor (Woolf 1984)

bem como para outros sistemas de saída, como o sistema nervoso simpático. Há também

alterações observáveis nos padrões de movimentos mais grosseiros e de posturas à medida

que os pacientes lidam com a dor. São as chamadas síndromes de desequilíbrio muscular. A

redução do repertório de movimentos disponíveis e os hábitos desenvolvidos pelo sofredor de

dor crônica podem levar ao descondicionamento.

Os músculos reagirão aos pensamentos. A atividade cortical relacionada ao pensamento

associado ao movimento virtual é similar à atividade cortical quando o movimento ocorre (Lotze

et al. 1999). Em uma situação experimental, pacientes com dor lombar crônica que discutiram

episódios de dor (Flor et al 1992) tiveram elevada atividade no EMG comparado com aqueles

expostos a estímulos neutros. Poderosas influências psicofisiológicas no comportamento motor

incluem medo do movimento, medo de nova lesão e medo da dor.

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CRIANDO HABILIDADE NA AVALIAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO

“Desfecho para quem” é uma questão chave (Grimmer et al 2000). Aqueles que se

interessam na evolução do paciente incluem o paciente, o referenciador, a empresa

empregadora, o plano de saúde, o pessoal envolvido nos procedimentos de reabilitação e o

médico assistente. Frequentemente há algum nível de desconfiança entre as partes envolvidas,

particularmente quando o paciente é segurado ou está em benefício. Por exemplo, o médico

acupuntor fica ao lado do paciente como faria um médico de família. O médico ortopedista ou o

médico do trabalho, por exemplo, pode assumir ambos os lados, mas pode ficar propenso a

apoiar a seguradora e o médico perito pode tomar o lado da instituição seguradora. Esta

certamente não é uma situação saudável para o paciente. As diferentes partes interessadas

terão, geralmente, medidas diferentes de desfecho.

O paciente é a maior parte interessada. Se você fosse o paciente, possivelmente gostaria

de saber quatro coisas (Butler e Gifford 1997):

1. O que há de errado comigo?

2. Quanto tempo levará para melhorar?

3. Em que você (o paciente) pode contribuir?

4. Em que você (o médico) pode contribuir?

Estas são poderosas questões a serem contempladas por nós. Nós deveríamos nos preparar

para respondê-las para qualquer paciente. Observe que a técnica utilizada pelo médico

intervencionista é a última questão. Geralmente ela é a questão número um aos olhos de muitos

médicos assistentes. Para responder as questões 1 e 2, algum conhecimento do processo

neurobiológico se torna essencial.

Os pagadores estão procurando desfechos quantificáveis. O retorno ao trabalho e a

produtividade no trabalho são desejados. Objetivos padrões de “diminuir a dor e aumentar o

ganho” não são mais adequados. Eles não são sempre relacionados à função e significam

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pouco para algumas das partes interessadas. Alguma documentação se torna necessária aqui

e questionários para medir a capacidade funcional deveriam ser considerados.

O médico intervencionista é frequentemente uma parte interessada que é esquecida. Há um

incentivo financeiro, mas geralmente vai mais além disso. Felicidade, sucesso e crescimento

num trabalho são importantes e nós todos queremos pacientes felizes através de uma

abordagem que apoie nosso conhecimento e treinamento. O investimento numa base

neurocientífica da prática da acupuntura nos tem mostrado claramente que a utilização de uma

bússola neurofuncional reduz os níveis de esgotamento e estimula os centros de recompensa

encefálicos do médico intervencionista.

AVALIAÇÃO BIO-PSICO-SOCIAL

Uma abordagem integrativa (Waddell 1987; Turk 1996; Waddell 1998) é atualmente vista

como a melhor maneira de conceituar clinicamente e manejar uma dor neurogênica. O termo

bio-psico-social descreve a construção pessoal de atitudes e crenças relacionadas a uma lesão

e à nocicepção e como esse construto interage com influências sociais, culturais, linguísticas e

de ambiente de trabalho. Esses três componentes são integrados, recíprocos e variáveis em

apresentações particulares. Entradas relacionadas aos três componentes são convertidas em

bilhões de potencias de ação amplamente distribuídos e inter-relacionados, com uma

dependência da arquitetura neural ou personalidade sináptica existente.

Como sugerido por Waddell, o modelo bio-psico-social (hifenizado para salientar as

partes) não determina causas, mas cria uma imagem semelhante a um corte transversal de uma

cebola, onde podemos representar a situação vivenciada pelo paciente a um determinado

tempo. Este modelo se relaciona intimamente ao comportamento de doença (Mechanic1995),

onde a doença é vista como um modo de enfrentamento. Portanto ela inclui as diferentes

maneiras pelas quais os humanos respondem às sinalizações corporais, como eles monitoram

os estados internos, definem e interpretam os sintomas, tomam ações corretivas e por fim

buscam cuidados médicos.

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A força deste modelo é que a dor e a incapacidade são interpretadas como respostas à

doença/lesão e tais respostas deveriam também ser o alvo do manejo juntamente com o

processo da doença. O modelo bio-psico-social também expõe os múltiplos determinantes da

dor. Ele é o único instrumento que permite explicar como os pacientes têm consequências tão

variavelmente diferentes a lesões similares, e por que diferentes padrões clínicos ocorrem ao

longo do tempo num único paciente. Ele também explica por que a sensibilidade e

especificidade de uma determinada manobra de exame físico aplicada a determinadas

síndromes são desapontadoras. A outra força deste modelo é que o substrato neurobiológico

para estes componentes é cada vez mais sustentado pela pesquisa científica.

AVALIAÇÃO CLÍNICA INICIAL

O médico que utiliza acupuntura neurofuncional tem um poderoso aliado – o tempo.

Comparado a outros profissionais, nós passamos mais tempo com os pacientes e

provavelmente seremos os que os veremos mais vezes. Aos olhos do paciente, nós somos os

profissionais que lidam com a dor e os problemas com os tecidos e a função. Aliado a isso, está

o engajamento profissional que envolve a discussão sobre muitos aspectos da vida, a remoção

das roupas do paciente e o toque. Nós até temos licença para provocar algum nível de dor.

Estamos, portanto, em uma posição privilegiada na qual podemos expandir as rotinas de

avaliação quando necessárias.

Há duas maneiras de proceder à avaliação. A mais comum é anamnese subjetiva

realizada face a face, se você está consciente dos vários fatores que poderiam influenciar a dor

e a incapacidade, e inquirindo sobre tais fatores no momento da entrevista. Ou você pode

aplicar um questionário orientado, no qual sejam abordados todos os itens pertinentes para a

construção de uma racionalidade clínica para cada paciente, principalmente em situações de

dor crônica. No entanto seja cuidadoso. Muitas informações não-verbais preciosas são perdidas

se nos atemos aos questionários padronizados.

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FALANDO SOBRE DOR

Quando um paciente entra para uma avaliação, eles terão selecionado um pacote de

sintomas e provavelmente movimentos e posturas que acreditam estar relacionados a seu

problema. Seu SNC conferiu um grau de importâncias a tais características e os estará

processando com a respectiva valorização.

A discussão será focada invariavelmente na dor, pelo menos inicialmente. Um uso

construtivo da dor é encorajado. Ela deve ser vista como uma aliada mais do que uma inimiga,

ou como Sicuteri et al. (1992) afirmam, veja a dor como uma defensora, não como uma

ofensora. Existem pessoas que nascem sem habilidade de perceber dor que podem morrer por

não reconhecer uma lesão ou uma doença. A resposta natural à dor é expressá-la, no entanto a

resposta social é suprimí-la. Temê-la, distanciar-se dela, nos protegermos dela dá uma noção

de mais poder à dor, talvez como um medo a tubarões. Seus pacientes precisam confrontá-la

inteligentemente, entrar num diálogo com ela, e perguntar o que ela está querendo dizer. Isto se

torna mais importante quando a dor exibida pelo paciente é tratada na terceira pessoa. Nas

dores agudas o diálogo é compreensível, mas em muitas dores crônicas a mensagem e o

propósito da dor são perdidos. Com o progresso do tratamento e com um grau maior de

compreensão dos fatores algogênicos, nas futuras intervenções o termo “dor” pode ser

progressivamente substituído, permitindo um melhor foco em objetivos direcionados para a

restauração da função.

ÁREAS-CHAVE DA INFORMAÇÃO SOBRE A DOR

◊ Os locais de dor, seus trajetos, relação com outros sintomas, progressão no

tempo, fatores agravantes e fatores benéficos (físicos e afetivos). A utilização do mapa corporal

é muito útil.

◊ Se houve lesão, os mecanismos geradores, quando e como começou, e os

sintomas gerados e relacionados pelo paciente.

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◊ A classificação de severidade feita pelo próprio paciente e qual a idéia que o

paciente construiu para explicar sua persistência. A utilização de uma escala análogo-visual

pode ser utilizada.

◊ Consequências da dor. Quais as limitações desenvolvidas, o que mudou na vida,

os efeitos no trabalho, laser e criatividade, quais as consequências antecipadas das atividades e

as expectativas com relação ao futuro.

◊ Tipos de enfrentamento criados pelo paciente. Existem instrumentos, como

questionários para pensamento catastrófico, que podem ser úteis na entrevista.

◊ Expectativas e posicionamento de terceiros, como familiares e colegas de trabalho

frente às queixas do paciente.

MECANISMOS FISIOPATOGÊNICOS

Fazer um julgamento sobre que tecidos estão manifestando a disfunção faz parte do

processo diagnóstico clínico e funcional. As manobras de exames cinestésicos, ortopédicos,

neurológicos e fisiátricos são bons para isso. Serão coletados dados e características

importantes que servirão para o processo de tomada de decisão. Lembre-se, no entanto, que os

processos fisiopatológicos relacionados ao estado dos tecidos não são necessariamente

relacionados à percepção de dor. Esta característica da tomada de decisão clínica pode ser

nova para muitos médicos. Existirão casos clínicos onde estes mecanismos ficam muito claros,

como em situações de artrite reumatóide, processos inflamatórios, neuropatias compressivas ou

radiculopatias. Se torna mais complexo e potencialmente confundidor um quadro com

mecanismos múltiplos, dor crônica com diversos fatores contribuintes de hiperalgesia primária

(de tecidos periféricos) ou hiperalgesia secundária (decorrente de sensibilização central), mas é

justamente aí que se torna útil o processo sistematizado de compreensão do quadro clínico

dentro do modelo neuro-bio-psico-social. Se o exame do paciente permitir uma correta

qualificação sensorial e uma adequada avaliação funcional mais do que uma obsessão por

“descobrir a estrutura faltosa”, você estará no caminho. Lembre-se que para a Acupuntura

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Neurofuncional, que é uma técnica de neuromodulação periférica percutânea, é mais importante

descobrir o estado funcional do sistema nervoso do que diagnósticos alopáticos.

DISFUNÇÃO

Deficiências orgânicas ou prejuízos funcionais são as consequências dos processos

fisiopatológicos. A disfunção é, portanto, uma categoria de raciocínio no qual se incluem alguns

dos efeitos biológicos, psicológicos e sociais do estado de doença.

Uma disfunção física geral pode ser avaliada através de questionários comumente

aplicados para avaliar qualidade de vida. Exemplos são o Owestry Low Back Pain Disability

(Fairbanks et al 1980; McDowell & Newell 1996), Roland & Morris (1983), SF-36 (Ware et al.

1993) ou o SF-12 (Gandek et al. 1998).

Aqui também podem ser incluídos os níveis de condicionamento, qualidade do sono e o

nível de socialização. Outros dados clínicos que se enquadram nesta categoria poderiam incluir

o equilíbrio, marcha, uso de apoios, órteses etc.

Uma boa avaliação física normalmente revela muitos achados físicos em todos os

pacientes. Exemplos de disfunções específicas incluem a perda de um reflexo, um músculo

inibido ou hipertônico, uma instabilidade articular, uma área de distrofia autonômica, uma

manobra de elevação de membro inferior limitada em 20% se comparada ao membro

contralateral, uma sensibilidade tenoperióstica num espaço interespinhoso, um ponto-gatilho

miofascial, uma retração cicatricial com aderências subcutâneas. Algumas dessas disfunções

poderão ser alvo de procedimentos, outras não. O verdadeiro lugar ocupado na escala de

prioridades no manejo global do paciente ainda terá que ser estabelecido.

Há necessidade de acessar os níveis de ansiedade ou depressão associados ou não

com interferências negativas da cognição. Poderão ser usados questionários como o IDATE

(Spielberger 1979) para traços ou estado de ansiedade, Beck Depression Inventory (Gorenstein

& Andrade 1996) para sintomas depressivos, ou outros com a mesma finalidade.

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As disfunções sempre deverão ser analisadas, por mais difícil que pareça, com a

intenção de classificá-las como adaptativas ou mal adaptativas (Gifford 1997). Também deverão

ser priorizadas as orientações ou abordagens cognitivas comportamentais adequadas para

aqueles pacientes que mostram níveis importantes de pensamentos catastróficos ou

sensibilidade à ansiedade, como ocorre nos que manifestam muito medo do movimento.

AVALIANDO A DISFUNÇÃO DO SISTEMA LOCOMOTOR ATRAVÉS DE EXAME

NEUROFUNCIONAL

É possível proceder a um exame neurofuncional em dois níveis: exame por sintomas e

sinais, e exame por estruturas.

1. Exame por sintomas e sinais: Primeiro, faz-se necessário entender que dor e nocicepção

são processos diferentes. No sistema musculoesquelético a nocicepção é um fenômeno

segmentar gerado por estímulos químicos, mecânicos e térmicos sobre receptores de

terminações nervosas livres (fibras C e A delta) localizados em estruturas dermatômicas,

miotômicas e esclerotômicas. Tais sinais são processados no corno dorsal da medula espinal e

transmitidos para o tronco cerebral e encéfalo onde serão processados para constituir ou não a

percepção de dor.

A dor é um construto multidimensional, como dizia Melzack em sua Teoria da Neuromatriz, e

que reflete processos centrais que ocorrem ao longo de toda a vida em três diferentes níveis:

sensorial-discriminativo, cognitivo-avaliativo e motivacional-afetivo. A maneira como a dor é

manifestada em cada indivíduo através destes componentes multidimensionais, com respostas

de estresse individuais e com formas de enfrentamento individuais, fazem com que a percepção

de dor seja o produto final deste processamento que ocorre em circuitos tálamo-corticais,

córtico-límbicos e córtico-corticais.

O trauma tecidual, por sua vez, inicia múltiplos processos que exercem um impacto

fisiológico não-neural extenso. Tais processos afetam a saúde em geral, a capacidade funcional

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e o senso de bem estar. A dor é entendida então, como o produto final deste impacto

multifacetado, indo muito além da ativação talâmica, do córtex somato-sensorial e de diversas

áreas límbicas. A consciência subjetiva de trauma tecidual é multimodal e envolve a

sensibilidade visual, cinestésica e entérica, além da sinalização nóxica. O trauma tecidual

ocorre, portanto, em um cenário de consciência corporal que abarca os interdependentes perfis

neurais, endócrinos e imunes. Nisso contribuem mensageiros químicos com propriedades

pleiotrópicas e uma conectividade do sistema nervoso autônomo extremamente intrigante. Hoje

nós sabemos, ou temos alta suspeição, de que o sistema nervoso autônomo seja de

fundamental importância neste supersistema, e que seu estado de atividade basal seja, ao

mesmo tempo, o facilitador para respostas sistêmicas de técnicas neuromodulatórias, bem

como seu algoz, como nós observamos experimentalmente através do uso de estimulação

magnética transcraniana. A falta de resiliência do sistema nervoso autônomo pode ser um

marcador, portanto, para pacientes pouco responsivos a terapias neuromodulatórias, bem como

o são, em mesma proporção, pacientes com lesão nervosa ou pensamento disfuncional

(pensamento catastrófico).

Do ponto de vista diagnóstico, no entanto, seria importante discernir através de um possível

diagnóstico segmentar a origem dos sinais nóxicos periféricos. Mas após o estabelecimento de

mudanças do sistema nervoso em decorrência do processo de sensibilização periférica ou

central se torna difícil descobrir de onde os sinais nóxicos realmente se originam. Quando a dor

musculoesquelética crônica está associada ao fenômeno de sensibilização neural, estará

relacionada, na maioria das vezes, ao estabelecimento de uma dor miofascial, dor neuropática

ou dor central.

No processo diagnóstico se faz necessário o entendimento da correta classificação das

manifestações sensoriais anormais que podem ser da seguinte ordem:

Alodinia: Resposta dolorosa a um estímulo que normalmente não provoca dor (passar escova

de cabelo de bebê sobre a pele, por exemplo)

Disestesia: Sensação espontaneamente desagradável ou em resposta a um estímulo sensorial

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Hiperestesia: Sensação aumentada em resposta a um estímulo da mesma categoria

Hiperalgesia: Dor aumentada em resposta a um estímulo normalmente doloroso

Hiperpatia: Percepção excessiva ou exagerada da dor provocada por estimulação mínima

Hipoalgesia: Percepção de dor diminuída em resposta a um estímulo normalmente doloroso

Analgesia: Ausência de dor em resposta a um estímulo normalmente doloroso

2. Exame por estruturas: Constituído pelo exame funcional articular, neurológico, muscular e

dos tecidos moles. O exame funcional articular deve incluir uma análise da marcha, amplitudes

de movimento (ADM) passivo e ativo, “end feel”*, exame de ligamentos e cápsulas, movimentos

acessórios e palpação de estruturas articulares acessíveis. O exame funcional neurológico

_____________________________________________________________________________

* Um dos fatores mais importantes para investigar durante os testes passivos de amplitude de movimento é o end-feel. A sensação final revela

a qualidade do movimento percebido pelo profissional no final da amplitude disponível de movimento. A sensação final pode revelar muito

sobre a natureza de diversas patologias. James Cyriax, o médico ortopedista britânico que desenvolveu um dos sistemas mais comumente

utilizados para o exame físico, especificou seis finais diferentes quando elaborou este método em seus escritos.

Duro (Osso com osso) - Esta é a sensação quando o movimento é interrompido por contato de dois ossos entre si. Um exemplo é a sensação

final à extensão do cotovelo.

Espasmo - Quando os músculos estão em espasmo, eles podem parar abruptamente o movimento antes do que deveria ser o arco de

movimento normal. É provável que a dor seja percebida no final desse movimento, porque o músculo em espasmo será esticado.

Capsular - Esta é a sensação final descrita pela amplitude de movimento limitada pela cápsula articular. A sensação descrita é frequentemente

similar àquela sentida quando se estica uma tira de couro no fim do movimento, como na rotação externa do ombro. Um end-feel

verdadeiramente originário da cápsula ocorre quando a cápsula articular é a principal limitação para a amplitude final do movimento (exemplo

típico ocorre no exame de pacientes com capsulite adesiva de ombro de grau moderado a severo). Alguns autores têm chamado este end-feel

de "estiramento tecidual" final e é aplicado também a outros tecidos, como músculos, que podem ser esticados normalmente no final de sua

amplitude de movimento. Um exemplo de estiramento tecidual com músculos seria a flexão do quadril com o joelho mantido em extensão, na

qual o movimento é interrompido pelos isquiotibiais.

Mola - Esta sensação final é a sensação de curto movimento ocorrendo antes de onde deveria parar, acompanhado por uma sensação de

borracha ou elástica no final. Ela ocorre mais frequentemente nas articulações em que ha um pedaço de cartilagem solto (como o menisco do

joelho) e que pode estar bloqueando o movimento completo e causando um ressalto do membro no fim do movimento (visto também em

quadros de severo encurtamento muscular, como ocorre com o quadríceps).

Mole - Este é o end-feel em que o movimento é interrompido por duas massas de tecido mole pressionadas uma contra a outra. Um exemplo

está na flexão do cotovelo.

Vazio - não existe limitação mecânica no final do intervalo, mas o paciente não vai deixar você ir mais longe por causa da dor excessiva. Um

exemplo seria no ombro, em que a dor do tendão supra-espinhoso sendo comprimido irá limitar o quão longe o braço pode ser mobilizado.

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Mecanicamente não há mais restrições, mas a dor vai impedir que o indivíduo permita ao profissional completar a amplitude de movimento

(outro exemplo, nem sempre acompanhado de dor, ocorre nas hipotrofias).

O end-feel em alguns casos especiais pode ser normal, mas também pode ser de natureza patológica. Por exemplo, na extensão do cotovelo, o

end-feel normal seria osso com osso como resultado do processo de contato entre olécrano e a face posterior da fossa olecraniana. Se você

estivesse realizando um teste passivo de amplitude de movimento com o seu paciente e você sentisse uma sensação final de estiramento

tecidual para completar a extensão do cotovelo, seria mais provável que esta situação indicasse alguma forma de restrição de movimento que

deveria ser tratada.

Por outro lado, se você estivesse avaliando a rotação medial do ombro, seria de esperar um end-feel em estiramento, o que seria normal para a

rotação medial. Se você executou a rotação medial e sente um end-feel osso-osso, seria anormal para essa articulação e certamente indica uma

patologia articular mais grave que necessita de avaliação mais pormenorizada (Cyriax J. Textbook of Orthopaedic Medicine, Volume One:

Diagnosis of Soft Tissue Lesions, 8th ed. London: Bailliere Tindall, 1982).

___________________________________________________________________________________________________________________

deve incluir os testes de sensibilidade, de força, de função articular integrada, e de padrões de

recrutamento e sequência. A avaliação funcional muscular determina um conhecimento

detalhado de anatomia muscular, fisiologia muscular, e de patologia, incluindo: origem, inserção,

inervação periférica, inervação segmentar, neuroanatomia funcional (agonista, sinergista,

antagonista, estabilizador, e avaliação dos padrões de recrutamento em movimentos

integrados), pontos gatilho miofasciais mais comuns e os padrões de dor referida, pontos

motores e localização das junções tendíneomusculares. No exame funcional das partes moles,

como nos tecidos do subcutâneo, será verificado o trofismo, as aderências, as linhas de tensão,

as cicatrizes cirúrgicas ou traumáticas acrescido do exame de sensibilidade.

Nas disfunções do sistema locomotor, em geral, são verificados na coleta da história os

seguintes fatores relacionados à dor percebida pelo paciente:

- local

- início

- qualidade

- irradiação

- severidade (ou grau de disfunção que produz)

- comportamento circadiano

- fatores agravantes

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- fatores de alívio

- padrão de envolvimento articular

- resposta ao tratamento

- resposta à atividade

- dor noturna (típica, por exemplo, de malignidade, causalgia, artrite inflamatória,

polimialgia reumática, desordens ósseas, como necrose avascular, pinçamento de nervos

periféricos, capsulite de ombro, osteoartrose de quadril, cisto meniscal de joelho)

TENSEGRIDADE (Integridade Tensional) Os músculos que se opõem entre si e os ossos, estabelecem um equilíbrio de forças

mecânicas, de forma a manter nosso sistema musculoesquelético num estado de tensão

isométrica, constituído de um equilíbrio entre tensões que se opõem e elementos de

compressão que se auto-estabilizam em uma estrutura de tensegridade (Ingber, 2008). Quando

movemos nossos ossos e músculos nós acrescentamos energia mecânica a este equilíbrio

mecânico previamente ajustado, criando uma difusão de forças estressoras através das

estruturas sustentadoras de carga, as quais induzem a distorção física destes tecidos vivos que

os constituem.

É preciso observar que o músculo e todos os seus componentes (fibras musculares,

endotélio, tendão, nervo, etc) são compostos de células vivas que estão ligadas umas às outras

por um esqueleto de matriz extracelular (MEC), e que as células se aderem a esta MEC

(composta de colágenos, glicoproteínas, proteoglicanas) através de receptores específicos da

superfície celular, conhecidos como "integrinas". As integrinas fazem pontes com o

citoesqueleto interno da célula, formado por uma rede de microfilamentos de actina,

microtúbulos e filamentos intermediários que dão forma à célula. Surpreendentemente, muitos

destes filamentos de actina estão associados intimamente com filamentos de miosina, que

deslizam entre sí, se encurtam, e geram tensão mecânica que se distribui a todos os elementos

da célula, bem como à MEC externa. Este mecanismo é observado no citoesqueleto de todas as

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células (células epiteliais, células nervosas, células imunes, células ósseas, fibroblastos, etc), e

não apenas nas células musculares. Os ossos de nosso esqueleto, resistentes à compressão,

são elementos menores de uma estrutura de apoio maior, o sistema musculoesquelético, que é

uma rede interconectada de ossos, músculos, cartilagem, ligamentos, tendões e fáscia, e que

suporta o peso de nossos corpos, resiste a forças externas e nos permite fazer movimentos

livres em nosso ambiente.

Quando o estresse mecânico é excessivo ou sustentado, nossos corpos se auto-

modelam através de "mecanoquímica", isto é, mudanças força-dependentes na dinâmica de

polimerização-despolimerização molecular ou alteração da bioquímica molecular. Desta forma a

tensegridade governa como as forças mecânicas influenciam a forma e a função das células

vivas que habitam nossos tecidos.

Embora um modelo de análise estrutural e de movimento humano baseado em uma

escala de macrotensegridade ainda seja controverso, é inegável a redundância clínica do fato,

por exemplo, que ocorre numa situação de hérnia de disco, onde o organismo utiliza a espinha

como uma estrutura de compressão contínua, contrariamente ao seu objetivo primordial, que

depende muito do estado de ajuste tensional entre os multifídios e eretores espinais.

Notadamente, a experiência advinda das técnicas manuais e das técnicas de neuromodulação

com agulhas tem mostrado clinicamente que a resolução de uma tensão fascial e/ou muscular,

por exemplo, pode produzir mudanças em um lugar distante da intervenção, embora o

mecanismo ainda não seja evidente. Como Ingber (1998) descreve: “um aumento na tensão em

um dos membros resulta em tensão aumentada nos membros através da estrutura, até mesmo

naqueles que estão no lado oposto". Neste modelo, muitos exemplos clínicos nos vêm à

cabeça, como os pacientes com cicatrizes cirúrgicas com elevados graus de aderência, os

pacientes submetidos a cirurgias ortopédicas para colocação de próteses, as sequelas

cirúrgicas com grandes componentes de fibrose nos tecidos profundos, etc.

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AVALIANDO A DISFUNÇÃO FÍSICA DO SISTEMA NERVOSO

A rotina de exame físico é bem estabelecida em protocolos de ortopedia, neurologia ou

fisiatria. Todos envolvem a observação, uma visão do movimento funcional, a verificação dos

movimentos que provocam dor, movimentos ativos e passivos, movimentos resistidos, palpação

e um exame neurológico. Muitas vezes exames complementares serão necessários, como por

exemplo, uma eletroneuromiografia (ENMG). Excluindo os testes eletrodiagnósticos clássicos,

lembre que durante uma avaliação inicial, a varredura de respostas motoras com aparelhos

monopolares como os que são utilizados na acupuntura pode ser útil na verificação da

integridade central no controle sensoriomotor. For a estas possibilidades existem ainda três

maneiras de verificar a disfunção física do sistema nervoso.

PALPAÇÃO DE NERVOS PERIFÉRICOS

Locais que geram impulsos anormais nos nervos periféricos serão normalmente

mecanossensitivos e a palpação de seus trajetos pode ser útil. Muitos nervos são facilmente

palpáveis, até mesmo nervos pequenos como o nervo radial sensorial ou o ramo infra-patelar do

nervo safenoso. Aonde o nervo não é diretamente palpável, como o nervo mediano no túnel do

carpo, uma pressão indireta pode ser aplicada sobre a área para provocar sintomas.

EXAME FÍSICO DA CONDUÇÃO NERVOSA

Esta avaliação envolverá uma refinada verificação da sensibilidade e da função motora.

Infelizmente muitos médicos não os fazem ou se limitam aos clássicos testes de força e reflexos

tendinosos. Não são feitos, p. ex., testes com o exame detalhado da sensibilidade ao toque leve

para verificar uma hipoestesia dermatômica. Igualmente, com um claro comprometimento da

raiz L3, testar os músculos inervados por S2 deveriam ser eliminados ou rapidamente testados.

Existem muitos textos sobre este aspecto do exame neurológico que podem ser encontrados, p.

ex., no livro da Mayo Clinic (1991) ou Nolan (1996).

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O exame sensorial e motor é um procedimento bem estabelecido. As respostas motoras

devem sempre ser verificadas se existem sintomas sensoriais. O examinador deve sempre

lembrar que o exame sensorial e motor não reflete apenas uma lesão tecidual, mas reflete

também as respostas de vias não lesadas na informação da área lesada.

Muitos testes manuais para verificar a condução nervosa serão reproduzidos ao longo do

curso e desenvolvidos nos próximos módulos. Estes testes servirão, muitas vezes, para verificar

a evolução clínica nas reavaliações subsequentes. Para que os achados destes exames sejam

registrados é fundamental que se use uma terminologia apropriada. A IASP (International

Association for the Study of Pain) catalogou uma lista de termos que são definidos

primariamente em relação à pele e exclui os sentidos especiais, mas podem ser adaptados para

outras estimulações somáticas. Muitos desses termos definidos pelo comitê de taxonomia da

IASP encontram-se em anexo.

TESTES NEURODINÂMICOS

É possível realizar movimentos que colocam ou presumivelmente colocam um nervo

periférico sob uma situação de estresse. Muitos deles são realizados classicamente, como a

manobra de elevação do membro inferior. Há muitas maneiras pormenorizadas de realizar

testes que enriquecem a informação clínica e que são desconhecidos dos médicos. Podem ser

realizadas manobras, p. ex., para estressar o nervo cutâneo femoral lateral, muito envolvido em

quadros clínicos de meralgia parestésica. Detalhes são encontrados nos livros de Shacklock

(1995) e Butler (2000).

COMO DETECTAR SINAIS FÍSICOS DE SSE (SENSIBILIZAÇÃO SEGMENTAR ESPINAL)?

A sensibilização segmentar espinal é uma condição caracterizada pela hiperatividade,

facilitação e hiperexcitabilidade de um segmento espinal que se desenvolvem em reação a um

foco irritativo, que constantemente bombardeia o gânglio sensorial por estímulos nociceptivos. O

foco irritativo geralmente consiste de uma pequena área danificada ou disfuncionada, onde a

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sensibilização periférica, ou irritação de fibras nervosas. Gera o estímulo nociceptivo contínuo

causando sensibilização do SNC. A sensibilização e a hiperexcitabilidade se difundem dos

componentes sensoriais e motores do segmento, induzindo hipertonicidade e sensibilidade

(espasmo muscular) e causam ou ativam pontos sensíveis/pontos-gatilho dentro do miótomo.

Esta sensibilização central começa com o segmento espinal. Os segmentos mais

frequentemente afetados são C5 e C6 bem como L5 e S1.

A SSE é diagnosticada por hiperalgesia e sensibilidade dolorosa à pressão que se

estendem pelas áreas motoras, sensoriais e esqueléticas supridas pelo segmento espinal

envolvido. Isto é, dermátomo, miótomo e esclerótomo.

Os testes sensoriais para o diagnóstico de SSE: Teste da arranhadura da pele com a

ponta de um clips aberto em 45°, que testa a sensibilidade dolorosa com maior precisão que o

clássico pinprick. Esse objeto agudo é lentamente arrastado através das bordas imaginárias dos

dermátomos. Os pacientes são solicitados a indicar se a sensação provocada pelo clips muda

de aguda para dolorida. O uso de faixas de testagem sensorial, como a utilização de mapas de

dermátomos, requer apenas uma fração do tempo quando comparado ao tradicional método do

pinprick.

A sensibilização do tecido subcutâneo é testada pelo método de pinçar e rolar (pinch and

roll). Este teste é realizado pelo pinçamento da pele entre os polegares e o 2º e 3º quirodáctilos

e rolado os tecidos pinçados no sentido ascendente. É o teste de maior sensibilidade para o

diagnóstico de sensibilização (Fisher et al. 2002), provavelmente porque no subcutâneo existe

muito menos sobreposição de fibras sensoriais originadas em diversos segmentos espinais

(Kandel 2003). A condutância elétrica da pele é um teste objetivo da disfunção simpática e pode

ser medida com um micro amperímetro, similar aos pointers utilizados na acupuntura.

Teste para sensibilização do miótomo: A sensibilidade dos tecidos profundos (músculos)

é avaliada por pressão e pode ser quantificada por um algômetro digital ou de pressão, para

efeitos de comparação dentro do mesmo indivíduo.

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Envolvimento esclerotômico consiste de bursite, tendinite e entesopatias. Existem tabelas

reduzidas para fins de avaliação clínica onde se enumeram os níveis medulares, os movimentos

articulares provocados, os respectivos reflexos tendinosos profundos, quando pertinentes, e as

respectivas áreas dermatômicas da pele (Fisher et al. 2002).

A presença de sinais tróficos alterados, típicos de alterações autonômicas regionais,

requer mais experiência com um exame palpatório mais sutil, onde aliam-se sinais visuais a

sinais físicos de modificação na consistência e elasticidade dos tecidos. Áreas mais úmidas, ou

resistentes a um deslocamento ou arrastamento em um sentido que acompanhe as linhas de

tensão do corpo são concomitantes, geralmente, ao achado de um movimento restringido em

determinada direção de um membro, por exemplo. Tais alterações autonômicas são muito

relacionadas com as manifestações dermatômicas ou com as alterações miotômicas e

esclerotômicas subjacentes.

O USO DE DERMÁTOMOS NA PESQUISA DE SENSIBILIZAÇÃO SEGMENTAR ESPINAL

Existem muitos mapas de dermátomos que estão disponíveis em livros de ortopedia e

neurologia. Um dermátomo é uma área da pele inervada por uma única raiz espinal. Um

miótomo é um grupo de músculos que recebem inervação em comum de uma raiz espinal e

esclerótomo uma área de inervação óssea, tendíneo-ligamentar de uma mesma raiz espinal.

Os clínicos devem ter notado que em diferentes textos os mapas de dermátomos são

ligeiramente diferentes, particularmente na região sacral, cervicotorácica e algumas vezes a

região do pé. Isto ocorreu porque os pesquisadores originais possuíam diferentes maneiras de

determinar onde um determinado dermátomo estava. Alguns dão mais valor às sobreposições,

como Foerster (1933) e outros dão ênfase ao padrão gráfico sumarizado, com Keegan e Garret

(1943). É devido às sobreposições que cada ponto da pele possui no mínimo duas raízes

espinais responsáveis pela sensibilidade. De algumas revisões recentes observou-se que o

dermátomo L4 não alcança o pé. O nervo safenoso tem campo sensorial até a área do maléolo

medial e possivelmente S2 vá até o aspecto dorsolateral do pé e aspecto posterolateral do

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tornozelo. Importante lembrar que os nervos possuem comumente variações anatômicas e que

a alteração de sensibilidade dermatômica é apenas uma parte da informação clínica.

PROGNÓSTICO

O prognóstico depende basicamente dos objetivos propostos. Prognóstico para a dor e

prognóstico para a função podem ser bem diferentes. Podemos construir duas tabelas, em

cada caso clínico, enumerando fatores a favor ou contra um melhor prognóstico. Lembre-se que

traços de personalidade rígida, menos adaptáveis, menos toleráveis a mudanças

comportamentais, não toleráveis a tentativas de esclarecimentos dos mecanismos

mantenedores ou geradores de suas disfunções, que buscam terapias passivas (sem

necessidade de esforço pessoal) são, em geral, os pacientes que ficam menos tempo em

acompanhamento. Por exemplo (referente a um paciente que apresenta uma Síndrome do

Chicote cervical há 6 semanas e que pretendia retornar ao trabalho praticamente sem dor):

MAIS POSITIVO MAIS NEGATIVO

Jovem e bem condicionado Prévio chicote cervical (há 5 anos)

Mostra bons mecanismos de enfrentamento Diabético

Entende o envolvimento central e periférico Trabalho envolve dirigir veículo

Ambiente de trabalho favorável Esposa não tolera queixas

Aceita terapêutica ativa (não passiva) Radiculopatia

Compreende que ainda poderá doer Algum grau de dor difusa (central)

Sem problemas de compensação

SSE restrita a segmento cervical

Existem diversas maneiras de registro de dados com a finalidade de criar uma visão global

sobre o padrão de responsividade clínica de cada paciente à uma técnica neuromodulatória

como a acupuntura. Uma das propostas, que consiste da elaboração de uma pirâmide de

fatores, que incluem diagnósticos patológicos, diagnósticos de níveis de sensibilização, perfis

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cognitivos e afetivos consta do prontuário desenvolvido pelo GEANF para registro de dados

prognósticos.

Os estudos que estão sendo desenvolvidos com técnicas neuromodulatórias, como a

estimulação magnética transcraniana e outras afins têm evidenciado que todos os sistemas

autorregulados, como o SNC, estão sempre em situações de dominância basal opostas, ou com

mecanismos de feedback alterados, que podem determinar como serão interpretadas as

entradas dos estímulos da acupuntura. Tais estados são dificilmente reconhecidos pelo clínico

no momento da avaliação médica, pois envolve múltiplas dimensões de controle (bioquímicas,

medulares, corticais, talâmicas, límbicas e autonômicas). Por exemplo, se os mecanismos

descendentes de controle nociceptivo estão desligados, um estímulo inicial com acupuntura

pode ser interpretado centralmente como soma de entradas nóxicas, portanto geradoras de dor.

Se mecanismos límbicos não catalogam a experiência sensorial da acupuntura como

recompensadora ou bem vinda, mas como uma carga extra de sofrimento, a expectativa se

torna negativa. Assim como os estudos experimentais sugerem procedimentos que podem

restringir mecanismos de modulação sensorial anormal ao nível medular (Sandkhueler, 2000),

medidas educativas para alterar comportamento ou cognição devem ser instrumentos

desenvolvidos pelo médico acupunturista.

Quando um paciente mostra, através dos instrumentos de avaliação clínica, uma lista de

múltiplos fatores que contribuem para uma cronificação dos sintomas sensoriais, cognitivos e

afetivos, as abordagens inespecíficas de neuromodulação periférica por agulhas contribuirão de

forma similar e em igual condição de igualdade com outras técnicas neuromodulatórias não

invasivas, como as técnicas manuais, térmicas, exercícios, terapia comportamental cognitiva e

manejo farmacológico. Tais resultados são claramente evidenciados na grande maioria de

ensaios clínicos randomizados e controlados realizados até a presente data com acupuntura.

Quando em um dado paciente são mapeados predominantemente disfunções sensoriais

restritas a determinados segmentos, sem sinais de radiculopatias ou dor neuropática, com perfis

cognitivos e afetivos favoráveis a um bom enfrentamento e respostas positivamente adaptativas,

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teremos uma situação ideal para obter resultados clínicos extremamente favoráveis à

acupuntura.

O SISTEMA MOTOR DISFUNCIONADO: UMA BREVE REVISÃO

Alterações neuroplásticas corticais têm sido associadas com comportamento e função

motora alterados, como são encontradas em situações de dor experimental ou dor crônica. Tais

alterações são frequentemente acompanhadas de comportamentos considerados como

desfavoráveis, tais como uma redução no desempenho. Desde que o desempenho motor

alterado pode ser um fator para a manutenção da dor, as abordagens para a reabilitação motora

dirigidas para o restabelecimento das estratégias motoras normais são um aspecto fundamental

do tratamento das dores musculoesqueléticas. A possibilidade de direcionar tais mudanças em

direções específicas é uma das características da abordagem neurofuncional da acupuntura.

Há provas crescentes da utilidade clínica da modulação de sistemas motores na dor.

Especificamente, TMS e ECP têm mostrado resultados promissores, demonstrando a

interdependência dos sistemas sensorial e motor, onde as conexões tálamo-corticais,

possivelmente, produziriam inibição em sistemas sensoriais.

Se a modulação periférica de pontos motores é crucial para a recuperação de uma

adequada integração sensoriomotora, possivelmente a estimulação nervosa periférica contribua

igualmente para tal (Roy & Gorassini 2008), de forma mais ou menos inespecífica, quando for

membros inferiores e de forma mais músculo-específica, quando for em membros superiores. A

estimulação nervosa periférica, ao promover facilitação aferente do córtex motor, contribui para

a reabilitação de pacientes. As entradas sensoriais normalizadas contribuem sobremaneira para

a normalização das funções motoras como ficar em pé e caminhar.

Hipótese da facilitação

É possível que sinais aferentes anormais entrem na medula espinal e causem um aumento

na atividade neural segmentar, incluindo a ativação de alfa-motoneurônios, desencadeando uma

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hipertonia muscular reflexa. As aferências sensórias dos fusos desses músculos hipertônicos,

por sua vez, exacerbam o arco de feedback (Korr). Os limiares reduzidos à dor produzida

mecanicamente por disfunção intervertebral, por exemplo, tornam os músculos paraespinhosos

dolorosos ao toque, bem como pode ser evidenciada maior sensibilidade tenoperióstica entre os

processos espinhosos.

Sensibilização central

Mas os estímulos aferentes podem ser oriundos, também, de nociceptores, gerando

aumento no tônus muscular que se mantém muito após cessar o estímulo nociceptivo. Esta

sensibilização central reduz os limiares neurais segmentares, produzindo imediata excitabilidade

e somação dos alfa-motoneurônios ao limiar.

Resposta Reflexa Nociceptiva ou Flexora à Lesão

Quando ocorre sensibilização de receptores sensoriais das cápsulas articulares é possível

que se gere uma intensa e não adaptada hipertonia muscular, para resguardar o movimento

articular. Os reflexos musculoesqueléticos engatilhados por receptores nociceptivos são

chamados reflexos nocifensivos. O típico reflexo nocifensivo é o reflexo de flexão sobre a

articulação afetada e a inibição dos músculos extensores, fato gerado por mudanças na

atividade de interneurônios das laminas 4-6 no corno dorsal da medula. Esses padrões de

resposta são mantidos por engramas cerebelares. Esse padrão não é aplicável às disfunções

lombares, onde se observa um padrão inverso.

Arco Motor Gama

A contração muscular ativa gera metabólitos da fadiga incluindo bradicinina, que estimula

quimioreceptores do tipo III e IV, ou metaboreceptores. Estes fazem sinapse com e excitam alfa-

motoneurônios, que despolarizados excitam os fusos musculares de músculos homônimos o

que causa um aumento de sinais das fibras Ia e II. A sinalização sensorial dessas fibras na

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medula aumenta a descarga de alfa-motoneurônios que em somação geram mais contração

muscular e acúmulo de metabólitos. A descarga desses aferentes secundários, do tipo II, não

está sujeita a um completo controle cortical, e assim os sinais inibitórios corticais podem não ser

capazes de quebrar este ciclo.

TESTES NEUROFUNCIONAIS DO SISTEMA LOCOMOTOR O controle motor alterado inclui a inibição motora, o tempo de início, a ativação muscular

aumentada e também a ativação alterada em conjunto, de agonistas e antagonistas. A presença

de dor pode causar inibição motora (Arvidson et al. 1986; Rutherford et al. 1986). Foi sugerido

que a inibição motora seja devido a inputs inibitórios (Shakespeare et al. 1985; Iles et al. 1990;

Snyder-Mackler et al. 1994; Suter & Herzog 2000; Torry et al 2000) ou inputs anormais (Hurley &

Newham 1993) de aferentes articulares, que reduzem os impulsos motores nos músculos que

agem sobre uma articulação. A presença de efusões pode causar inibições motoras (deAndrade

et al. 1965; Wood L et al 1988; Spencer et al 1984; Iles et al. 1990; Torry et al. 2000; Fahrer et

al. 1988). O efeito da efusão da articulação do joelho tem um marcado efeito na marcha

(Berchuck et al 1990; Torry et al 2000). Esta inibição pode ser devida a uma pressão intra-

articular aumentada causando uma maior tensão capsular que estimula mecanoreceptores

intrarticulares que levam a uma inibição de grupos de MNA (Spencer et al. 1984; Iles et al 1990;

Torry et al. 2000). A detecção clínica não instrumentalizada da inibição motora pode ser

implementada através de técnicas especiais, às quais daremos atenção especial neste livro.

É possível criar um sistema unificado para o exame neurofuncional baseado em

neuroanatomia e fisiologia e que oriente a aplicação de agulhas dentro desta racionalidade. A

base clínica para este método é o exame manual da função muscular com o objetivo de

identificar alterações no estado de integração central dos MNA (Motyka & Yanuck, 1999).

Quando se provoca um desafio sensorial mediado por mecanismos centrais e periféricos, as

vias motoras que estão configuradas em padrões de facilitação/inibição refletirão este programa

na ativação daqueles motoneurônios. Quando um músculo é submetido a esta testagem e

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mostra uma aparente força, podem ser considerados condicionalmente facilitados. Quando um

músculo falha para responder a uma demanda provocada manualmente, mostrando uma

aparente fraqueza, pode ser classificado como condicionalmente inibido. Nesta situação

acredita-se que ocorra uma somação de processos inibitórios no sistema de integração central

para as vias convergentes aos MNA que controlam o músculo testado (Leisman, 1989). No

entanto, deve ser levado em conta que as diferenças de padrões estímulo-resposta do paciente

podem refletir o histórico de lesões, a função autonômica visceral, atividade nas aferências de

nociceptores e mecanoreceptores, função neuroendócrina ou outras alterações neurofuncionais

que se refletem na plasticidade do sistema nervoso central. Embora a habilidade necessária

para refinar a utilização destas manobras com o objetivo de produzir resultados acurados possa

requerer alguns anos de prática, a concordância inter-examinadores treinados pode ser

significativamente elevada (Lawson & Calderon, 1997). É possível supor, pela experiência

clínica, que as intervenções terapêuticas como a acupuntura neurofuncional possam, ao

promover o reequilíbrio de uma função neurológica periférica, observar, em alguns casos, outros

efeitos modulatórios sistêmicos, como o restabelecimento do equilíbrio autonômico e

neuroendócrino, função neuroimune adequada, e principalmente a redução da dor, que

geralmente é o maior motivo de consulta por parte dos pacientes.

Existem diversas modalidades de testes musculares para cada tipo de contração a ser

testada (p. ex., excêntrica ou concêntrica), variações de acordo com o "timing" e a força do

examinador e do paciente, ao resistir ao movimento, entre outros. No entanto os exames

neurológicos clássicos são, em sua grande maioria, dirigidos a uma grosseira verificação do

estado de força dos músculos e não fornecem detalhes além da confirmação de presença de

evidente lesão neurológica, que não é o caso da maioria dos pacientes portadores de dor

crônica musculoesquelética. Os testes aqui sugeridos são organizados de acordo com a

informação clínica que se procura obter (Schmitt & Yanuck, 1999), mas podemos selecionar

alguns modelos específicos de testes que forneçam um maior número de informações sobre o

estado de integração sensoriomotora na região testada.

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Teste I - Examinador inicia o teste

Neste teste excêntrico de um determinado músculo não se provoca pré-carga. O

examinador posiciona o paciente para o teste muscular específico, faz contato com o paciente, e

pede para o paciente resistir sua força na direção apropriada. O examinador empurra, gentil e

progressivamente, contra a linha de tensão do músculo enquanto o paciente tenta contrair

excentricamente o músculo, resistindo à tentativa do examinador de tirar o músculo de seu

estado encurtado.

Neste caso, se ficar demonstrada uma inibição condicional deste músculo (isto é, o paciente

não consegue resitir ao movimento do examinador, demonstrando pouca resistência, ou

fasciculação ou desistência de resistir, em um determinado ponto da força imprimida pelo

examinador), é possível que o estado de integração central daqueles MNA esteja inibido, apesar

dos conscientes inputs excitatórios descendentes presentes, que são considerados uma

constante de um teste muscular para outro. Este teste causa um estiramento dos fusos

musculares que deveriam excitar os MNA tendendo a reforçar os conscientes inputs

descendentes para os MNA para aquele músculo. Se é observada uma resposta de inibição,

presume-se que os fusos musculares não dispararam adequadamente na via monossináptica

1a, para reforçar adequadamente a constante e consciente facilitação descendente dos MNA,

com o objetivo de sobrepujar a força do examinador. Isto ocorre porque o sistema local de

integração central dos motoneurônios gama (MNG) está sendo inibido por inputs de

mecanoreceptores segmentares (p. ex., fixação articular com inadequada ativação de

mecanoreceptores, pontos gatilhos moofasciais ativos, etc). Esta inibição dos MNG resulta

numa lassidão das fibras intrafusais criando uma folga no fuso muscular, e assim uma falta de

responsividade ao estiramento do músculo quando o teste é iniciado.

Teste II - Paciente inicia com contração submáxima

Neste teste se provoca uma pré-carga de contração concêntrica submáxima seguida de

um teste excêntrico. O paciente é instruído a empurrar contra a mão do examinador na direção

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da contração normal do músculo, criando um encurtamento concêntrico do músculo a ser

testado. Imediatamente ao sentir poucos graus de contração concêntrica, o examinador empurra

contra força do paciente na direção do estiramento excêntrico. O paciente resiste à tentativa do

examinador a um posterior alongamento do músculo para longe de sua posição encurtada.

Neste caso um padrão de inibição, semelhante ao descrito no teste I, está relacionado

com a presença de atividade nociceptiva, sendo possível que o paciente relate a percepção de

dor desde o movimento inicial de pré-carga. É sabido que os nociceptores afetam os MNA

através da ativação de interneurônios inibitórios diretamente, ou indiretamente através dos MNG

e do arco motor gama. A presença de focos nóxicos pode determinar protocolos de estimulação

com objetivos múltiplos e que incluam a modulação de nociceptores ligamentares ou

capsulares, por exemplo.

Todos os testes musculares, ou testes de inibição motora (TIM) precisam ser realizados

com o paciente posicionado de forma a manter uma boa fixação das regiões do corpo para

impedir a instabilidade do tronco ou o recrutamento excessivo de músculos sinergistas e com

uma angulação intermediária do músculo a ser testado, para não começar o teste numa posição

de estiramento excessivo ou de encurtamento excessivo, para permitir o recrutamento

adequado das unidades motoras e permitir a geração de força no músculo com seu melhor

desempenho. Por exemplo, para testar o supraespinhoso, mantém-se o paciente sentado em

cadeira sem apoio para antebraço, ou em pé, iniciando o teste com um ângulo máximo de 30

graus de abdução do membro superior, o que permite o teste bilateral simultaneamente; para

testar o levantador da escápula, o paciente em decúbito dorsal e fixando-se a escápula contra a

superfície da maca; para testar o quadríceps, o paciente em decúbito dorsal, com 90 graus de

flexão no quadril e joelho. Por sua vez, o examinador deve utilizar um posicionamento na altura

adequada e com a estabilidade do tronco necessárias ao bom desempenho e à prevenção de

lesões.

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TEORIA NEUROFUNCIONAL DE ADAPTAÇÃO À DOR CRÔNICA MUSCULOESQUELÉTICA

Baseando-se nos estudos mais recentes da fisiologia, fisiopatologia muscular e estudos

experimentais e clínicos realizados com pacientes portadores de dor crônica

musculoesquelética, é possível elaborar uma Teoria de Adaptação à Dor Crônica que permita

entender, de uma forma geral, mas não exclusiva, os mecanismos de geração e perpetuação da

dor crônica musculoesquelética. Nesta Teoria, consideramos o termo “Plasticidade Biológica”

adequada para incluir o processo de moldagem das estruturas de sustenção corporal, ou de

integridade tensional, quando submetidas a mudanças de posicionamento gravitacional e/ou de

função cinesiológica, como ocorre com as fáscias, por exemplo. Também adotamos o termo

“Mofo” para caracterizar a crescente sensibilização do sistema nervoso central, que se

manifesta clinicamente pela difusa e desordenada sinalização de dor.

Veja o fluxograma abaixo:

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In tegração Bio-Ter rena (Tarefa-Dependente) Ativ idade Não Ergonômica

Sobrecarga Sustentada Lesão/Trauma

Plastic idade "B iológica"

Deter io ração da Integração Sensório-Motora

In fo rmação Sensorial Inexata Contração Muscular Insatis fatór ia

Ativ idade Proprioceptiva Diminuída

Novas Lesões Erros

Impactos Não Antecipados

Est ratégias do Sistema Nervoso Centra l :

Mudanças no Recrutamento Motor

Mecanismos bem adaptativos >>> mal adaptativos

Degeneração Neuroaxonal (Tempo Dependente) Músculos Facilitados

Músculos Inibidos Co-contração

Aumentam a Dor Aumentam a Disfunção

Difusão do processo adaptativo à sinalização nóxica

“MOFO” MOVIMENTOINEFICIENTE

Sensibilização crescente do sistema nervoso

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NOÇÕES DE ELETROESTIMULAÇÃO

Cláudio Couto MD, MCMSc

Introdução

Há muitos séculos a eletricidade vem sendo utilizada para tratar diversas doenças do ser

humano. Há registros do uso terapêutico dos choques elétricos desde 2500 a.C. em tumbas

egípcias, através do peixe gato do Nilo (Malapterurus electricus), e no início de nossa era (47

d.C.), Scribonius Largus, um curador mesopotâmico que servia ao imperador romano Claudius,

descrevia o uso do peixe Torpedo e sua descarga de aproximadamente 50V para o tratamento

de pacientes com gota e cefaléia [1]. Esta abordagem para o controle da dor persistiu através da

Idade Média, sendo encontrado a menção por parte de Li Shizhen do uso terapêutico de outro

peixe elétrico (parasilurus asota) em sua obra Bencao Gangmu (1578), e também o registro do

uso de uma enguia elétrica (Electrophorus electricus) encontrada nos rios Amazonas e Orinoco,

por parte de indígenas sul-americanos no tratamento da gota.

A primeira evidência de que a eletricidade pode fazer com que os músculos se contraiam

foi provida por Galvani (1791). As ideias de Galvani sobre a "eletricidade animal" foram

exploradas durante os séculos 19 e 20 quando ficou estabelecido que a "eletricidade" é um dos

mais importantes mecanismos usados para a comunicação do sistema nervoso e muscular. A

partir daí muito se desenvolveu na construção de aparelhos que registram as alterações

elétricas em nervos e músculos ou que provocam alterações funcionais pela estimulação

elétrica destes sistemas. Foi a combinação destes métodos que permitiu o esclarecimento sobre

os princípios básicos que regem a função do sistema nervoso.

Os métodos de eletroestimulação através de agulhas de acupuntura foram extremamente

importantes no século passado e ainda continuam sendo, na elucidação dos mecanismos de

ação da acupuntura. A eletroestimulação tem-se mostrado mais eficaz, em muitas situações, do

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que a estimulação manual das agulhas, além de produzir efeitos amplificados na modulação de

áreas encefálicas. É extremamente útil quando se precisa de um estímulo mais forte e

continuado, ou permitindo resultados mais rápidos e de mais longa duração. Os efeitos da

eletroestimulação podem ter efeitos específicos sobre a dor, relaxamento, circulação e

músculos, de forma diferente da estimulação manual. Outra vantagem é o melhor controle,

padronização e mensuração do estímulo.

Diferentes parâmetros, diferentes respostas

Os estudos experimentais evidenciaram, nas últimas décadas, diversas diferenças entre

estímulos de baixa e alta frequência, quando aplicados a áreas ricas em terminações

nociceptivas: que a estimulação de baixa frequência (2 a 4 Hz) libera os neurotransmissores β-

endorfinas no hipotálamo e Met-encefalina no tronco cerebral, a estimulação de média

frequência (10a 30 Hz) causa a liberação de dinorfina B e Met-encefalina na medula espinal, e a

estimulação de alta frequência (acima de 70 Hz) libera dinorfina A na medula espinal (e outros

peptídeos no cérebro); a baixa frequência não produz espasmo muscular em alta intensidade

(nos músculos normais), enquanto a alta frequência pode desencadear uma tetania

desconfortável (mas que pode ser útil no tratamento da espasticidade); os efeitos centrais da

baixa frequência, principalmente os efeitos hipoalgésicos, têm início lento e duram mais tempo

(30 minutos geralmente são suficientes para efeitos cumulativos), enquanto a alta frequência

produz uma hipoalgesia por mecanismos espinais que inicia mais rapidamente mas dura menos

tempo; a baixa frequência pode ser usada para tratar a hiperestesia (especialmente a cutânea),

enquanto a alta frequência pode agravar a hiperestesia.

Quando utilizamos a eletroestimulação para produzir alterações neuroplásticas no corno

dorsal da medula, objetivando reduzir a facilitação sináptica (LTP - Long Term Potentiation)

segmentar, fator relacionado à sensibilização do sistema nervoso central que ocorre no

processo de manutenção da dor, Sandkhuler evidenciou que a estimulação da raiz dorsal com

frequências baixas (1-2 Hz) é capaz de reverter o processo de LTP para um estado de

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depressão sináptica (LTD - Long Term Depression), por mecanismos homossinápticos, em

fibras A delta e C, enquanto a estimulação de alta frequência de nervo periférico produz LTD por

mecanismos heterossinápticos em fibras C. Em pacientes portadores de síndromes dolorosas

crônicas se torna extremamente útil a associação de estimulação elétrica de baixa frequência

nos segmentos espinais que envolvem neurofisiologicamente as estruturas-alvo a serem

tratadas (estimulação paraespinhosa).

Quando a eletroestimulação visa a junção neuromuscular, ou a reparação da atividade

muscular, a recuperação da integração sensorial e motora, a melhora das amplitudes de

movimento (ADM), ou a melhora da circulação no músculo e nos demais tecidos que o

envolvem, os protocolos para eletroestimulação se tornam mais amplos, dependendo muito do

estado de vitalidade dos nervos periféricos e da junção neuromuscular, embora a pesquisa

científica nos forneça parâmetros que servem como base para a compreensão dos potenciais

efeitos de determinadas configurações de estímulo para obter resultados específicos sobre o

estado funcional dos músculos.

O posicionamento da agulha próximo a uma junção neuromuscular reduz a possibilidade

de uma difusão de estímulos excitatórios, isto é, a ativação de outros músculos não desejados.

No local onde se encontra o ponto motor, a amplitude de estímulo necessário para a ativação

completa do músculo é a mais baixa possível. Embora as células musculares contenham canais

iônicos ativados por voltagem, gerando a propagação de potenciais de ação, e sendo

eletricamente excitáveis, a amplitude de estímulo necessária para ativa o músculo diretamente é

muito maior do que a necessária quando se estimula o músculo indiretamente através de seu

suprimento nervoso. Quando se faz o estímulo tangencialmente a um tronco de um nervo motor

utilizando um estímulo convencional, de baixa amplitude, com comprimento de pulso entre

100µs +-50µs, a força muscular resultante vai ser dominada pelas características de força e

fadiga da população facilmente fatigável, sendo que muitas vezes será útil e desejável a

ativação preferencial de fibras de grande diâmetro. O aumento da amplitude descarregará uma

quantidade de energia suficiente para despolarizar os motoneurônios allfa que inervam

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igualmente as fibras resistentes à fadiga. Devemos lembrar que o comprimento de pulso pode

ser variado para atingir diferentes tipos de fibras-alvo. As fibras A alfa maiores respondem a 50-

100microseg, as A alfa menores a 150 microseg e as fibras C a 400 microseg.

Outra configuração que precisa ser mencionada é quando se torna necessário a

despolarização de um grande número de axônios, sendo possível a tangencialidade de agulhas

em lados opostos a um tronco nervoso, e opondo-se cátodo e ânodo a cada lado do nervo,

como pode ser necessário, por exemplo, no estímulo do nervo tibial, na fossa poplítea. As

agulhas de acupuntura, por não serem providas de isolamento, transmitem a corrente através

de toda sua lâmina, sendo que densidade de corrente em sua ponta é muito pequena, sendo

maior ao longo de sua lâmina. Normalmente é necessário mais do que 1 mA (de intensidade)

para estimular um nervo com agulhas de acupuntura. Um bom parâmetro de frequência ideal

para a busca de um nervo motor é manter o estimulador monopolar, ou o cátodo de um

estimulador bipolar ajustado para 2 até 4 Hz. A corrente negativa de um cátodo reduz a

voltagem do lado externo da membrana celular neuronal, causando despolarização e um

potencial de ação. o ânodo injeta corrente positiva externamente à membrana, levando à

hiperpolarização. A estimulação catódica preferencial utiliza uma corrente significativamente

menor (usualmente 1/3 a 1/4) do que necessária para produzir uma resposta motora. Na

utilização do aparelho monopolar o ânodo deve ficar como fio terra, e portanto encostado na

pele do paciente. Quando usando um estimulador de demora, onde o objetivo é a estimulação

de um tronco nervoso motor, é aconselhável manter o cátodo (que emite a corrente mais

perceptível) junto ao nervo e o ânodo em local indiferente (de menor importância), sendo

desprezível a valorização da distância entre ânodo e cátodo.

Modulação neuromuscular

Consideramos que a estimulação dos pontos motores através de agulhas seja o método

ideal de modulação elétrica quando existem múltiplos fatores envolvidos (dor crônica

musculoesquelética, presença de pontos-gatilho miofasciais associados ou não à degeneração

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da junção neuromuscular, restrição nas amplitudes de movimento, e presença de desequilíbrio

funcional em cadeias musculares com presença de inibição/facilitação motora), sendo de bom

senso a escolha de parâmetros que não ultrapassem a capacidade fisiológica de absorção da

eletricidade em um campo de estimulação tão restrito quanto o alcançado por uma agulha de

acupuntura.

A frequência geralmente considerada como limite para todas as aplicações práticas de

eletroestimulação intramuscular, considerando o risco de trauma tecidual, é de 50 Hz em

correntes monofásicas, embora sejam encontradas frequências mais altas em estudos de

implante de eletrôdos para uso de demora. A estimulação bifásica é considerada mais sdegura

que a corrente monofásica, sendo mais recomendada para o uso crônico. Como um estímulo de

35 Hz é considerado um valor que ultrapassa o limiar para uma contração tetânica, poderá ser

usado numa estimulação intramuscular profunda, tendo em vista que poderá aumentar a

eficiência do estímulo desde que guardada uma proporção adequada entre tempos de

contração/relaxamento. A duração e a frequência de um "trem de impulsos" tetânicos não deve

exceder a demanda por suprimento sanguíneo durante a contração ou a capacidade de suprir o

fluxo sanguíneo durante o relaxamento. A utilização de frequências baixas (1-3 Hz) em pontos

motores demostram ser frequências bem toleradas na maioria dos pacientes. Há evidências de

aumento do fluxo sanguíneo no músculo estimulado em humanos com uma frequência de 3 Hz

(estímulo transcutâneo). Em animais há diversos estudos mostrando efeitos de vasodilatação

em estudos de eletroestimulação entre 1 e 10 Hz. Neste intervalo o efeito de bombeamento

muscular é maior, e acima deste valor o possível efeito simpático vasoconstritor se torna maior.

É possível que uma estimulação intramuscular em um ponto motor possa produzir um grande

efeito vasodilatador, desde que não haja dor ou desconforto, pois nesta situação específica

poderá ocorrer estimulação simpática (vasoconstrição) similar ao que ocorre na estimulação

transcutânea.

Estudos experimentais com culturas de mioblastos mostraram que o estímulo elétrico

contínuo com frequências de 1 e 2 Hz (com uma voltagem de 5V) induz a maturação das células

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musculares, ocorrendo maior formação de miotubos com 2 Hz e com menos depósito de

colágeno.. A estimulação elétrica não apenas altera a arquitetura celular e expressão gênica

mas também influencia o transporte de nutrientes e gases nos tecidos, ao induzir as contrações.

Quando utilizam-se eletrôdos transcutâneos, que permitem uma dispersão de carga elétrica

em uma maior área, os parâmetros podem se adaptar, teoricamente, aos padrões de descarga

dos tipos de fibras musculares, sendo geralmente aceitas as frequências entre 10-25 Hz para

encorajar a atividade predominante de fibras lentas, e entre 45-75 Hz, para fibras rápidas.

Frequências entre 1-10 Hz podem servir para supressão da dor, liberação de endorfinas e

reparo tecidual. Frequências entre 75-100 para melhorar a circulação ou para alívio da dor por

mecanismo de "portão".

A despolarização de axônios motores produz contrações através de sinais que trafegam

desde o local do estímulo até o músculo (via periférica), sem envolvimento do SNC. As unidades

motoras recrutadas através desta via descarregam de forma relativamente sincrônica, e sua

descarga pode ser medida como uma onda M no registro eletromiográfico obtido em um

músculo inervado pelo nervo que foi estimulado. A concomitante despolarização de axônios

sensoriais, que compreende sinais em aferentes oriundos dos fusos musculares, órgãos

tendinosos de Golgi e receptores cutâneos envia uma grande corrente para o SNC que pode

contribuir para as contrações através de sinais que trafegam para a medula espinal (via central),

e que podem ser vantajosas quando a estimulação neuromuscular é usada para restaurar o

movimento ou para reduzir a atrofia muscular. Além disso, a corrente sensorial evocada

eletricamente aumenta a atividade nos circuitos do SNC que controlam o movimento e isto

também pode melhorar a função neuromuscular em situações que envolvem prejuízo das

funções do SNC. Esta corrente sensorial também é enviada de forma relativamente sincrônica,

comparável ao feedback sensorial gerado durante os movimentos voluntários. A confirmação de

que o recrutamento central de unidades motoras contribui para as contrações evocadas

eletricamente foi provida por experimentos nos quais a estimulação neuromuscular foi aplicada

antes e durante um bloqueio anestésico completo dos nervos periféricos entre o local da

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estimulação e a medula espinal. Assim, durante a estimulação neuromuscular o recrutamento

de unidades motoras através de vias centrais pode aumentar as contrações geradas através de

vias periféricas, levando ao desenvolvimento de um maior torque (torque extra ou central). Uma

contribuição central para as contrações evocadas eletricamente foram comprovadas

recentemente para o tríceps sural, tibial anterior, quadríceps, extensores do punho e flexor longo

do polegar. A força da contribuição central, medida como a amplitude de reflexos-H, atividade

assincrônica e torque vocado, depende do músculo que está sendo estimulado, dos parâmetros

de estimulação e do local da estimulação.

Em amplitudes altas de estimulação neuromuscular a transmissão antidrômica nos axônios

motores bloqueia os sinais transmitidos ortodromicamente, reduzindo a extensão pela qual o

recrutamento central das unidades motoras pode contribuir para as contrações evocadas

eletricamente. Assim, as contrações evocadas em amplitudes máximas, que ativam todos os

axônios motores de um dado músculo, serão produzidas exclusivamente por atividade das vias

periféricas. Para gerar contrações com uma grande contribuição central é necessário que a

estimulação seja feita com uma amplitude baixa o suficiente para minimizar este bloqueio

antidrômico.

Quando se realiza estimulação neuromuscular com eletrodos transcutâneos, curtos

comprimentos de pulso (0.05–0.4 ms) ativam preferencialmente axônios motores, enquanto o

uso de comprimentos mais longos (0.5–1 ms) recrutarão relativamente mais axônios sensoriais.

Este efeito diferencial da duração de pulso no recrutamento axonal está relacionado ao fato de

os axônios sensoriais terem uma constante força-tempo de duração mais longa e uma rheobase

mais baixa do que os axônios motores e é a razão pela qual os pulsos de duração mais longa

serem mais efetivos para evocar os reflexos-H.

A frequência na qual os pulsos individuais são emitidos num trem de estimulação

neuromuscular determina a frequência na qual os potenciais de ação são carregados pelos

axônios motores e sensoriais. Para contrações geradas através de vias periféricas, a frequência

do pulso influencia como a força gerada através de sucessivas ondas-M se somam e

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contribuem para a suavidade e força da contração evocada. Em geral, para contrações geradas

através de vias periféricas, a estimulação neuromuscular é descarregada em frequências altas o

suficiente para produzir contrações fundidas (20–40 Hz), mas não tão altas (C 60 Hz) a ponto de

rapidamente desencadear fadiga. Este declínio no torque com frequências de pulso mais

rápidas é consistente com a observação de que o torque tende a declinar quando a estimulação

neuromuscular é aplicada com 100 Hz durante o bloqueio nervoso periférico, quando apenas as

vias periféricas podem contribuir. No mesmo estudo, significativamente mais torque foi

registrado quando a mesma estimulação foi feita antes do bloqueio nervoso, quando as vias

centrais podiam contribuir.

Durante as contrações voluntárias as unidades motoras são recrutadas assincronicamente

com relação uma à outra, permitindo contrações fundidas que são alcançadas com níveis de

ativação relativamente baixas, entre 5–25 Hz. Tais níveis baixos de ativação reduzem a

demanda metabólica das unidades mtoras individuais. Em contraste, durante uma estimulação

elétrica neuromuscular, as unidades motoras descarregam com uma relativa sincronicidade

entre si, como ondas-M, restritas a cada pulso de estímulo. Assim, para desenvolver contrações

fundidas de força comparável à contração voluntária, níveis de descarga mais elevados das

unidades motoras são necessários, aumentando a demanda metabólica relativa a esta produção

de força.

Outro efeito observável durante a estimulação elétrica neuromuscular é o aumento de longo

prazo na inibição recíproca, restaurando este mecanismo que pode ter sido enfraquecido devido

ao desuso prolongado). A estimulação neuromuscular pode influenciar também os circuitos

neurais que controlam os músculos contralaterais ao estímulo. Este fenômeno de educação

cruzada é particularmente potente quando se faz o treinamento de músculos induzido por

eletroestimulação neuromuscular, comparado com o treinamento voluntário, e se acredita que

seja mediado por ativação de aferentes musculares do grupo II.

É provável que existam diferenças importantes nas respostas fisiológicas aos estímulos de

músculos dos membros superiores e inferiores. Quando a estimulação neuromuscular

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transcutânea ou percutânea é aplicada para aumentar a excitabilidade corticoespinal para os

músculos da mão, o efeito é específico para os músculos que estão sendo estimulados, mas

quando é aplicada sobre músculos da perna, os efeitos benéficos sobre circuitos do SNC podem

ocorrer para outros músculos dos MMII.

Estimulação muscular na vigência de lesão neural

Na vigência de trauma agudo e com a circulação reduzida, o auto-reparo se torna mais

difícil, assim o exercício excessivo (produzido po estímulo elétrico ou outra forma) deve ser

evitado pois aumenta a fibrose. Também pode atrasar a reconexão nervo/músculo e ativar um

feedback neuroquímico que na verdade lentifica a regeneração do nervo. Desta forma,

parâmatros de eletroestimulação com inadequada seleção pode até inibir a regeneração neural

após lesão do nervo periférico. Quando a fase aguda é superada, no entanto, a estimulação

pode beneficiar o músculo por manter a nutrição aos tecidos e auxiliando o reparo, e assim

retardando a atrofia e a fibrose mesmo se não a prevenindo completamente. Também auxilia

para um retorno ao uso voluntário normal assim que a reinervação ocorra. A estimulação

elétrica de um músculo desnervado precisa ser de muito maior intensidade para produzir

contrações, e assim a ocorrência de dor e desconforto no paciente é muito maior.

Quanto a uma possível definição de frequências mais adequadas para utilizar em

músculos paralisados, como por exemplo, na paralisia facial idiopática (Paralisia de Bell),

também não existem diretrizes que definam o melhor parâmetro, embora existam diversas

sugestões. Uma forma de estimulação muscular transcutânea chamada estimulação elétrica

trófica (TES) usa baixas frequências e amplitudes baseando-se nos padrões de ativação

característicos das próprias unidades motoras-alvo. Desta forma o estímulo é menos fatigante e

aparentemente mantém o tônus muscular mais por alterar o metabolismo do que por prover uma

forma de "exercício" induzido. No caso de uma paralisia facial, p. ex., a TES utiliza frequências

entre 5 Hz e 15 Hz. Interessantemente, frequências que se aproximem do tremor fisiológico (~

10 Hz) podem ser mais efetivas do que as que provocam uma contração rápida (twitch), que é

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obtida por frequências mais baixas, ou as tetânicas, que utilizam frequências mais elevadas,

para estimular a circulação e consequentemente favorecer a reparação tecidual. Quando um

músculo está completamente desnervado uma estimulação ao redor de 3 a 10Hz pode produzir

uma contração sustentada (tetania) do músculo.

Por outro lado, quando um músculo está sem mobilidade devido a uma situação de lesão

medular (LM), por exemplo, os músculos inervados mantém sua habilidade de responder aos

estímulos elétricos de seus nervos motores. Isto é uma grande vantagem, pois o limiar de

excitabilidade do nervo motor ao estímulo elétrico é muito menor, i. é., a corrente necessária é

menor do que aquela necessária para os músculos propriamente ditos. É muito mais difícil obter

contrações de músculos que perderam seus nervos e estão desnervados.

Excitabilidade cortical, corticoespinal e eletroestimulação periférica

Vários estudos que se utilizam de TMS mostram que a excitabilidade cortical motora é

modificada por diversas intervenções experimentais, bem como em algumas condições

patológicas. Aumentos na excitabilidade cortical também podem ser induzidos

experimentalmente pela estimulação elétrica de nervos periféricos. Dudek and Bear (1993)

mostraram em estudos com ratos que sinapses hipocampais podem ser modificadas bi-

direcionalmente e que o sinal de sua plasticidade depende da frequência do input. Os inputs de

alta frequência induzem potenciação de longa duração (LTP) e inputs de baixa frequência

induzem depressão de longa duração (LTD), com pouca ou nenhuma alteração plástica induzida

por frequências abaixo de 0,1 Hz ou ao redor de 10 Hz. Pitcher et al. (2003) utilizaram TMS para

verificar as alterações na excitabilidade em 20 indivíduos antes e depois daestimulação de um

ponto motor periférico combinada com a estimulação central, evidenciando que a estimulação

de baixa frequência (3 Hz) induziu depressão, e a alta frequência (30 Hz) induziu facilitação na

projeção corticomotora para o músculo alvo (primeiro interósseo dorsal da mão), sem

modificação do limiar motor, e sem nenhuma modificação induzida na projeção para um

músculo mais proximal (flexor ulnar do carpo). Estas mudanças são similares àquelas induzidas

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por estimulação sobre o córtex motor com trens de TMS (rTMS), que também modulam a

excitabilidade de maneira frequência-dependente. A rTMS de baixa frequência (0,1-1 Hz) induz

depressão do potencial evocado motor (MEP) enquanto rTMS de altas frequências

(aproximadamente 5-25 Hz) facilita os. Existem evidências de que esta reorganização induzida

por rTMS ocorre no córtex motor. No estudo de Pitcher ficou claro que no humano adulto as

alterações plásticas no output corticoespinal induzidas por estimulação periférica são

modificáveis bi-direcionalmente, mas de maneira frequência-dependente.

No entanto, os estudos sobre a alteração na excitabilidade cortical na presença de dor

ainda nos remetem a dados conflitantes, com evidências de aumento, diminuição ou inalteração

da excitabilidade das vias corticoespinais. Um estudo realizado por Berth et al. (2009) com

pacientes portadores de ruptura do manguito rotador evidenciou que ocorre um aumento da

excitabilidade do músculo deltóide médio apenas durante o repouso, pois quando é feito o

recrutamento ativo do músculo (contração voluntária) o comportamento é oposto, isto é,

manifesta-se uma diminuição da excitabilidade cortical, demonstrando uma facilitação bilteral

insuficiente. O desuso aparentemente desencadeia centralmente uma maior excitabilidade

corticoespinal, sendo possível que as alterações da excitabilidade cortical sejam dependentes

do tempo de desuso do membro afetado. A hiperexcitabilidade cortical em repouso talvez ocorra

por um mecanismo compensatório pelo reduzido grau de ativação das unidades motoras após a

ruptura do manguito rotador, ao passo que a redução do MEP durante a contração voluntária

pode ser atribuível aos inputs aferentes alterados da articulação glenoumeral em decorrencia de

uma reprogramação da excitabilidade cortical e representação do deltóide médio, causando

uma "desaferentação" que teoricamente tenta reduzir danos posteriores à articulação e aos

tecidos moles.

Observa-se que a resposta à TMS é afetada não apenas pela excitabilidade das células

corticais, mas também pela excitabilidade dos motoneurônios. Mais pesquisa é necessária

nesse campo, para controlar múltiplos sítios e clarificar as alterações do sistema corticoespinal

na vigência de dor.

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Outro dado importante é que a aprendizagem de habilidades motoras com a execução

repetida de movimentos idênticos aumenta o MEP produzido pela TMS. Sendo assim, é

possível que os padrões de excitabilidade corticoespinal estejam vinculados ao estado de

excitabilidade cortical, o grau de utilização do músculo-alvo, bem como a grau de

facilitação/inibição dos MNA relacionados ao músculo-alvo. Estudos realizados com pacientes

que apresentam déficits posturais mostram que ocorre reorganização cortical que modifica o

limiar motor para a ativação dos músculos do tronco.

Implicações clínicas

A estimulação primária dos sítios musculares vinculados aos músculos que apresentam

disfunção restabelece os reflexos espinais que, por sua vez, informam ao SNC o estado de

funcionalidade e o grau de atividade de cada unidade miotática. O restabelecimento funcional

dos sistemas medulares e dos inputs aferentes provenientes de fibras sensoriais dos fusos

musculares, principalmente, gera reprogramação cortical e recuperação das taxas normais de

excitabilidade corticoespinal.

Os parâmetros para eletroestimualção

Polaridade

A corrente utilizada em aparelhos de eletroacupuntura permite a seleção de uma corrente

polarizada (monofásica) ou não (bifásica), isto é, a corrente flui em uma direção e noutra, entre

as agulhas, ao invés de sempre correr entre um polo negativo e um positivo. O principal

parâmetro, no entanto, em todos os casos, será o conforto do paciente. A principal vantagem no

uso de uma corrente monofásica é a possibilidade de selecionar o polo mais forte para áreas

que precisem de maior estímulo ou que necessitem o controle predominante da intensidade

e/ou opolo mais fraco para o local mais sensível. Uma grande vantagem da corrente bifásica é a

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distribuição equilibrada da carga elétrica ou a seleção de estímulos antagônicos (músculo

agonista/antagonista, por exemplo) quando a resposta sensoriomotora é igualmente equilibrada.

Frequência

A frequência (mais acuradamente, o ritmo de repetição do número de pulsos emtidos por

segundo) é medido em unidades de Hertz (Hz). Normalmente, quando se utiliza

eletroacupuntura direcionada ao tratamento de dor, importando uma seleção de regiões ricas

em terminações nervosas livres, uma "baixa frequência" deveria ser de aproximadamente 1-4

Hz ou pulsos por segundo. Uma "alta frequência" deveria ser ao redor de 50-200 Hz. Como a

pesquisa científica tem demonstrado exaustivamente, frequências diferentes produzem efeitos

diferentes nos tecidos e no sistema nervoso em geral. Frequências intermediárias (~30 Hz),

podem se traduzir clinicamente por efeitos possivelmente similares aos extremos dos

parâmetros previamente citados, embora pareça mais importante a correta seleção de

estruturas a serem estimuladas, dependendo do objetivo funcinoal mais apropriado para cada

caso. Há mais de uma década tem-se reproduzido estudos com resultados significativos na

melhora da dor quando a seleção das áreas a serem estimuladas obedem a critérios

neurofisiológicos. As frequências utilizadas nestes estudos variam de acordo com os objetivos

terapêuticos, como por exemplo, frequência de 4 Hz contínua no tratamento de dor lombar,

frquências mistas (15-30 Hz) no tratamento da dor neuropática diabética. Ghoname et al.

fizeram um estudo comparativo de três tipos de frequência no tratamento de pacientes com dor

lombar secundária a discopatia degenerativa (4 Hz contínuo, 15 e 30 Hz, e 100 Hz), mostrando

que a estimulação com frequências mistas produz um efeito significativamente maior na

analgesia.

Amplitude/Intensidade

Com aparelhos de eletroacupuntura a amplitude máxima pode ser na ordem de 10-16 mA

(miliampéres), mas estes valores podem variar consideravelemnte dependendo do aparelho, e

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obedecerão aos critérios de segurança de cada aparelho. O grau de sensação experimentada

pelo paciente depende mais da amplitude do que da frequência. Os aparelhos modernos

possuem a opção de alterar a corrente para 30-40 mA, que pode ser útil para conectar eletrôdos

de superfície para estimulação transcutânea. Neste caso, quando o bjetivo é a modulação

neuromuscular, a configuração polarizada (cátodo e ânodo fixos) oferece o melhor resultado e o

mais confortável estímulo, com o posicionamento do cátodo sobre o ponto motor mais relevante

de um músculo-alvo. O nível de estimulação poderá ser descrito como "sensorial" (sensação),

"motor" (percepção de contração muscular) ou "nóxico" (francamente doloroso), dependendo da

intensidade, frequência, comprimento de onda utilizado, e da população predominante de

terminações nervosas no campo de estimulação.

Forma da onda

Os aparelhos de eletroacupuntura utilizam mais as ondas quadradas (ou retangulares),

embora alguns aparelhos produzam espículas ou outras formas de ondas. Os estímulos com

correntes bifásicas produzirão, portanto, ondas quadradas alternadamente nos dois polos.

˜˜˜˜˜˜˜*****˜˜˜˜˜˜

Os textos aqui apresentados fazem parte de extenso processo de revisão bibliográfica elaborado pelo Dr.

Cláudio Couto com o objetivo de prover fundamentação baseada em evidência para a prática clínica da

Eletroestimulação Periférica Percutânea Neurofuncional e para os cursos do GEANF. Havendo interesse em

referências específicas de temas contidos por esta apostila, favor entrar em contato através do email

[email protected]

Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil

2016


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