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Page 1: Hugo Cruz - Viajar, a forma perfeita de viver e ser gente

O meu passaporte

"Tu vens paÍa o Rio para te eúaresem pÍisões?", perguntaram-lheM dois anos, quando estavanumintercâmbio int€maciond noC€ntro deTeatro Oprimido do RiodeJaneiro. Foi uma das viagens maismarcantes de Hugo Cruz, quandocoúeceu o pai e fundador dametodologia do ïìeaEo do oprimidoCIO), Augusto Boâ1. Poucotempodepois, o brasileiro morreria. PaÍao psicólogo e fundador do NúcleodoTo doPorto, não obstante daformação que tivera com váriasouFas pessoas, aquelaera "aopom.rnidade de pacificartodas asdúvidas com o mestre". Passou ummês a desenvolver tecnicâs teatraisque estimulassem a discussão das

opressões diárias vividas pelosgrupos com que trabalhara masnão podiâ ignorarque estava na"cidade maravilho6a". RricordaamisEra da matâcom oÌÌrar e o"especiaÌ povo carioca". Adora "aspnias verdadeiramente fenomenaisbrasileiras".

Faz sempre ques6o deevitarhoteis, feliznente tem amigoae coúecidos espalhados pelomundoerecorre a eles para, assim,absorvera culora local, AdoÍa nãosaber onde está e úo usar napas,É desorienado em termosespaciaise gosta de "ir pelas ruas, parar,avançar." Prefere que os smtidos oguiem e de h "drcirando" o melhorcaminho, consoante o instinto etempo disponível. Adora a sensaçãode quebrar rotinas e de se'sentirnovo num sítio novo". Mapas? So s€

tiverpouco tempo. Tem preferênciapelas indicat'oes das pessoas. "Éum princípio básico quando üqio.Quem sabee coúece melhoraofera sãoas pessoas quevivemlá. Nada dg postos de turismo ouagências. As vezes essas pesso:rs

nem são de Iâ [risos]." Respeitadorda cultura local, preocupa-se

em saber estar e evitar pÍovocardeterminadassituações. No mtanto,já passou poraventuras menosfelizesquando se perdeu "asério"nacapital deCìrba (Havana) eemMarrocos (Fez), quando o tentaramassaltar.

Conf.essa-se obsesivo quandoviaja, Esrásempre a imaginardesenvoher projectos com ascomunidades dos locais que visita,masquando "é para descansar, épara descansar", graceja, Telemfuelsempre desligado e o portátil,nem pensar. "Quando deixar de ohzer, tanho depercebero que sepassa comigo." O habirual livro éa companhia que úo dispensa, "aleitura que tiver de momento". Apoucas horas de ir para o Algarve(quando aconteceu esta conversâ),para ver "Agosto Azul4 üm projectodearte comunitária com umgrupo de pescadores de Portimãodesenvolúdo pela AssociaçãoPELEàqual pextence - levavaapenas a "malinha que cabe naRyanair e o livro de momento, "EseObamafosse africano? E Outraslnterinvençõê", de Mia Couto."obviamente que os livros sãomaravilhosos e nos fazem viajarmas para absorver e coúecer asdiferentes cldturas, nada comoviajar verdadeiramente. É a melhormaneira de aprendennos a serg€lrte, de aprendex história."

Voltouao Brasil há pouco tempo,emJulho deste ano. Um enconúomundial de teatro comunitáÍioem Belém, na região amazonica,foi o motivo. "No Brasil, M urnaplataforma de Tearo do Oprimidoem cadaEsado e a partir dai,úo formando gnrpos." Nãoadrrira que o Brasil teúa umadas maiores redes mundiais deTO. Neste encontro estavamrepresentados mais de 60 países

e Hugo foi conüdado a participar.'Foi fantâstico. Discutiram-seperspectivas para o futuro sobreo papel do teatro comunitário.Percebeu-se efectivamente que asrelações de força do mundo estão amudar. A força parece ür do Brasil,

China e Taiwan. A Europa, os EUAe o Canadájá não têm nada paradizer, as fórmulas estão esgotadas.Essa discrepância foi múto notóriano encontro. O teatro orientalcenüa-se no rabalho colectivodos actores, este deve estar acimado indiüdual." Com algunasdifr culdades em separar trabalhode lazer, encontrou ainda espaçoparaconhecer a IIha doa Papagaiosde que todos lhe falavam. 'Enrarnum barco às 4hOO da manhã, veras luzes de Belémà medida quenos afastamos e quando amanhece,úegar à ilha e começar a veimilhares de papagaios e ouviraquele ruído incrÍvel é fantástico."Recorda a "forma impressionante"como aqueles animais se organizame conseguem enconbar o parceirono meio de milhares. "Delicioso e,no rnínimo, romântico".

Este ano, otabalho levou-oà Tunínia, ondejá tinha estadode Íérias e odiara. Desavez, aimpressão foi outra. Foi com aPELE, que babalha comteaúo .

comunitáÍio e "tenta mtmdero que determinada comunidadetemadizerao mundo e potenciaas forças e riquezas, porvezes,esbatidas na comunidade", Aassociação foi conüdada pelaembaixada portuguesa a participarnum festival deteafo na regiãode L€ Kef. Duranteurnasemanaestiveram "num festival nomeiodas monanhas, numa vila quetem no máximo 5O0 pessoaseque, entetanto, ganha uma üdainacreditável". A (falta de) liberdadede o<pressão foi o queo drocou

mais.'Âpesar da übeÍdade quetenos seÍmuitâsvezes fictícia, hácoisas básiias que nós nem sequerquesüonamos e noutros sítios domundo não esüio adqufuidas."Levaram um espectáculo arriscado:'Meto a Colher", sobre üolênciadoméstica. "A peúormanceescolhida foi múto simbólica,tivemos muito cuidado em nãoferira cultura local, admitindo logo queera um espectácrloportuguês efalava da realidade portuguesa. Aprópria sinopse elçlicava o ditadopopular pomrgues." O momentomais forte foi "vera reacçãodo público. As mulheÍes quâsetinham vergonha de espreitar",recorda. E deixa no ar:'Se calharnão é aconselhâvel que oteaúoseja eficaz, à semelhança doque acontece em Portugal, quenão comunica com o público."Osmomentos mais iúormais ede convÍvi-o com outrosguposlocais marcaram-no. Adjectivade impressionante a curiosidadesentida.

No mtento, para Hqgo Cruz, éo hemisfério $rl que o deslumbr4onde se faz teatrocomunitáriocomo "não é possível fazer-senaEuropa." Na AÌgentinâ, o local deeleição e de soúo parao psicólogo,rabalha-se com as.sociaçóes demoradores. "É brutal." o contodoé diferente. Quando participou comPippo Delbono numa tertúIia sobr€"TeatÍo e Comunidade", fr caram-lhe marcadas as palawas: "Umactor pam serbom actor tem de teruma ferida aberta". Talvez por isso,prefira rabalhar com deteÍminadosgrupos, como anseia fazer emBarilodrc, uma localidâde em teÌr:tspatagónicas, onde tem um gupode amigpscujogrupo de t€atrosótrabalha com doentes mentais. AArgentinaé, portanto, o próximodestino para onde Hugo Cruz levaúas malas e...oseu trabalho.

Viajan aformaperfeitade viver e sergenteEm üagem, o psicólogo e co-fundador do Núcleo do Teatro doOprimido não gosta de mapas e evita hotéis. Adora perder-se. Acabadode chegar de um encontro mundial de teatro comunitário em Belémdo Pará, vai recuperando energia para os próximos projectos. Talvez naPatagonia, revelou a Filipa Mora (texto) e Nelson Garrido (fotos)

16 . Sábado 4 Setembro 2010 . Fugas

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Asviasênsdeeleição

Rio deJaneiro'As Íestâs à noite na Lapa. Aquiloferve. Com aquela vida noctuma,é provavelrnente o sítio onde apopulação do Rio sê misturâ.O chão tÍêmê, está tudo à ÍIotda pele. Tudo pode acontecerfpara o bem e para o mal} Agâstronomia: os sumos naturais,a fruta e os salgadinhos [por issoengordei quase 10kgs nesse mês).E no Brasil, o nosso corpo ficadiferente- Fica maÈ flexíve]..."

I)lnarnarca"Tinha 15 anos efui de PortugalàDinamarca de autocaÌro. NaaltuÍa ainda não haúa euo e oscâmbios daguelas moedas todase as passagens das ftontekasfascinaÍarn-me. Foi muitoengrêçado. Foi uma üègêmorganizada pela escoLa [viva aescolapúblicalJ. Veio cáum qupode dinamarqueses e depois nósfomos lá. Aprendi mâis nessaviagem quê no ano inteiÍo na salade aula. A paÍtt dal..."

Barcelona'Náo há cidade no mundo ondeme sinta tão em caea, é comoestar no Porto. Lá náo me peÍco.Tenho de iÌ lá, no minimo, quaüo acinco vezes por ano. Por guestõesde trabaÌho e pessoairs, tenhoimensos amigos lá. E, sem dúvida,uma cidade onde fiz muitaformação teatÍaveducação e todasas conexões que daí swgiram.O Bairro de Raval é, talvez, o

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C,arirnbomaisdeeiado"Àrgentina é um plerno paÌa opróximo ano. Tem amaior redede teaúo comunitário do mundoe já Íiz formação com ÀdhemarBianchi füder" dessa rede).TamìÉm gostava de iÍ BuenosÀires. Ena Patagónia gostavadeir a Bariloche, onde há um grupode teaúo (e amigos mew) guesó trabalha com actores doentesmentais.

BllhetedeidenddadeÀ Psicologia enquanto ÍormaçãobaseeoteatroafavordaintervenÉo sócio-educativana pós-grraduação. Depois dapassãgem pela UniveÍsidadedo PoÍto, procurou aspoÌtasda Universidade de LulL emBarcelona, onde se sente emcasa e por onde ainda andou, ernvários cuÌsos, no Insütuto Gestalt.Àproxima-se assim, cada vez mais,do Teako Sociaì. Àtinge o pÍco daformação proÍissional quandoconhece o fundador do Teaüodo Oprimido, Àugrusto BoaI, numintercâmbio no Centro do TeatÌodo Oprimido do Rio de Janeü.o. Éco-fundador da Associação PELEe do Núcleo de Teatro do Oprimidodo Porto. l€cciona regularmenteem pós-graduçõ€s e mestrados edirige viá'r-ios projectos: "TextuÍas"e "Entràdo", os mais marcantes.É Consultor do ProgramaparaCrianças e Jovens em Risco naFundaçáo Calouste Gulbenkian,

meu preferido. Aí sentem-seas pessoas. E Barceloneta dospêscadoÍes é divinal, é a nossaAfuada. [risos]"

Crúa"Estive láhá oito anos, o Fidelainda estava no poder. Foimúto marcante e chocante,porque é o confronto entre autopia e Íêaüdade. Percebercomo é que aqueìes ideais sãooperacionaÌizados, como é quefuncionam em muita coisa e ocontrário."

CaboVerde?. segunda vez gue estive láÍoiagora em Julho. Quando estamosnuma i.lha e nos dizem que não háum único grupo de teatro, Íicamos,no minimo indignados. Um povodelicloso, com uma cultuÍa tâointeressante e rica e a pÌecisartanto de acreditaÌ neÌes próprios.Os povos das ilhas acabam potser, de algumaÍorma, diÍerentes.

EIes adoÌam os portugueses. Éimpressionante êntrar num caÍée estar a daÍ um jogo de Portugâle vê-los a vibrar com o jogo. Foi opals do mundo onde estive commais referências portuguesas, écomovente."

Tunlsiâ"Detêstêi a primeira vêz queesüve Ìá, há cerca dê quauoanos, de férias. E um paÍsocidentalizado à força e nãogostei, Desta últma vez que tur,por motivos profissionairs, fiqueicom outÍa seÌìsação. Lev;funos

[a PH.F] a performance "Metoa Colher" (sobre vioÌênciadoméstical e foi um autênticodesafio leváìa à ÏunÍsia. E Íoimúto interessante ver aÍeacçãods mulheÍes e dos miúdos."

professor na FPCEUP e na ESMÀE.Às suas publcações ÍemetempaÍaas potenciaÌidades do teatrofórlm e educação parental.Nasceu a 17 de Janeiro de 1979. Eviciado empessoas.

HUGô

PCÊIUçUISÁ

17.0r.1S78

M

I 6,0 ?.2007

10.O2.20\2

Fug"s. Sábado 4 Setembro 2010 . 17


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