GUARDA RESPONSÁVEL E DIGNIDADE ANIMAL: UMA ABORDAGEM DA
SITUAÇÃO DOS CÃES NA SOCIEDADE, CONSIDERANDO A TUTELA
MINISTERIAL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS
Carlos Eduardo de Miranda Silva1
Sônia de Oliveira2
"Quando o homem aprender a respeitar até o menor ser da criação, seja animal ou vegetal, ninguém precisará ensiná-lo a amar seu semelhante." (Albert Schwweitzer - Nobel da Paz - 1952)
RESUMO
O tema do presente trabalho é a guarda responsável e a forma como é vista a dignidade dos animais de estimação – especificamente dos cães, considerando a atuação do Ministério Público, bem como as políticas públicas adotadas. O objetivo central do trabalho é focar a situação desses animais, de forma a verificar de quem é a responsabilidade pelo assunto, como o Ministério Público pode atuar eficazmente para manter a dignidade dos mesmos e de que forma os responsáveis pela atuação na área de preservação ambiental promovem e desenvolvem a consciência da proteção animal. O trabalho tem como finalidade elucidar como são tratados os assuntos referentes aos direitos dos animais, frente à questão de dignidade e guarda responsável dos cães.
Palavras-chave: Meio Ambiente. Ministério Público. Dignidade. Guarda. Cão.
1. Introdução
O tema do presente trabalho diz respeito à responsabilidade quanto à guarda
responsável de animais de estimação, bem como a dignidade desses animais,
considerando a atuação do Ministério Público, estendendo a visão até o campo dos
agentes públicos competentes.
1 Graduado em Ciências Econômicas, pela Fundação de Estudos Sociais do Paraná, pós-graduando em Direito Ambiental, pela FATEC/FACINTER2 Graduada em Direito, especialista em Direito Criminal, advogada e orientadora acadêmica do Grupo Educacional Uninter
1
A problematização consiste em responder ao questionamento: como tem sido
tratada a questão da dignidade dos animais de estimação, especificamente dos cães?
O que, uma vez respondido, poderá amparar administradores públicos com o intuito de
promover melhorias na área em questão, seja no âmbito municipal, quanto estadual e,
inclusive, federal.
O tema escolhido destina-se ao meio ambiente, o qual, por si só, já se configura
no destinatário que maior atenção merece, por ser o próprio alicerce da vida humana.
Ocorre que, torna-se evidente a carência da referida atenção com relação aos animais
de estimação, o que se evidencia em virtude da, quando não ausência, precariedade de
setores específicos, o que também é visível em todo o território nacional, tornando letra
morta o artigo 225 da Constituição Federal3, razão pela qual cabe elucidar a atuação do
Ministério Público quanto a esses direitos difusos e coletivos.
Tal trabalho tem objetivado, principalmente, ajudar os responsáveis pela atuação
na área de preservação ambiental, em especial dos animais de estimação – cães – por
meio da atuação do Ministério Público, para que seja promovida a eficaz dignidade
destes animais, bem como proposta a guarda responsável à sociedade e, inclusive,
quando da não existência de órgãos específicos para tal finalidade, o incentivo à
criação, tal como a conscientização quanto à necessidade real disso. Especificamente,
buscou-se elencar quais problemas existem com relação à guarda responsável dos
cães de estimação; avaliar de que forma são tratados os referidos animais,
considerando a dignidade dos mesmos; elucidar a atuação do Ministério Público quanto
ao tema; levantar soluções eficazes frente aos problemas, e; clarear a visão de
administradores públicos, considerando o exposto no presente trabalho, quanto à
necessidade de atuações práticas para resolução dos problemas relacionados ao tema,
qual seja a criação de canis municipais, departamentos e secretarias específicos, bem
como o devido controle de zoonose.
A disposição do trabalho, de forma organizacional, segue a estrutura padrão de
trabalhos científicos: pré-textuais, textuais e pós-textuais, sendo que, na primeira, são
apresentados os dados pertinentes à identificação do trabalho; na segunda, apresenta-
3 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
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se a finalidade e os objetivos do trabalho, de modo a se ter uma visão geral do tema
abordado, bem como a fundamentação teórica, a metodologia e os resultados obtidos,
o que culmina na conclusão do referido trabalho e; por fim, a terceira divisão estrutural,
contendo as referências bibliográficas e anexos.
1.1Sujeito e predicado
Quando se fala em crime contra a natureza, abre-se um leque com diversas
possibilidades para a discussão. Quando, nesse leque, elege-se a fauna como sujeito
passivo, ainda assim continuam incontáveis as possibilidades, principalmente em se
tratando da fauna brasileira, tão rica, tão majestosa por sua vasta gama de espécies
animais.
Aqui faz-se necessário relevar a questão da flora, a qual relaciona-se
diretamente com a fauna, seja ela silvestre ou doméstica, uma vez que, numa
sociedade onde a tutela dos animais não é devidamente praticada, anulando o previsto
no parágrafo 1º, inciso VII, do artigo 225 da Constituição Federal4, existe a grande
possibilidade dos cuidado com a flora serem, também, descartados, uma vez que as
plantas também fazem parte do meio nos quais os animais em questão estão inseridos.
Isso implica que, uma vez defendidos os direitos animais, permite-se o acesso à
preservação da flora, e do meio ambiente, como um todo, considerando que uma
sociedade consciente desses deveres não será detida com limitações, sejam quais
forem as circunstâncias, na defesa do meio ambiente.
Posto isto e, tornando possível reduzir a ótica sobre uma única espécie, resta,
tão mais importante que um olhar dentre os animais em extinção e a citada flora,
vislumbrar e atentar, dentre os animais de estimação, ou animais domésticos, a espécie
canina. O cão, Canis lupus familiaris, o melhor amigo do homem, o qual, como toda a
fauna, flora e o meio ambiente em geral, não tem sido dignamente preservado,
4 Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:(...)VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
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considerando o disposto no artigo 225, caput, da Constituição da República Federativa
do Brasil.
Determinado o sujeito, necessário se faz o predicado da situação, o qual, além
da questão já mencionada – preservação – engloba dois pontos cruciais para essa
discussão: guarda responsável e dignidade animal, e estes serão discutidos no decorrer
do presente trabalho, porém cabe, preliminarmente, elucidar o porquê do uso do termo
“guarda” e “dignidade”. Ora pela lógica do que se visualiza atualmente, uma vez que as
pessoas estão, cada vez mais, adotando animais de estimação, tratando-os como entes
familiares, conferindo a eles dignidade e tutelando-os integralmente, ora pela situação
de “coisa” à qual os animais são submetidos, estando eles também tutelados pela
legislação, podendo serem citadas a Lei nº. 6.938 de 31 de agosto de 19815, a Lei n.
9.605 de 12 de fevereiro de 19986 e a Constituição Federal. Deve-se considerar,
ainda, a explicação etimológica da palavra “posse7”, a qual resta clara e dispensa
aprofundamento. Nesses termos, é razoável deduzir que a vida, por sua própria
natureza, não pode ser sujeita a apropriação, à posse.
Guarda responsável de animais domésticos é uma questão a ser tratada com
maior ênfase no meio jurídico do Direito Ambiental, considerando a crescente demanda
na sociedade, uma vez que, com a urbanização, os indivíduos, isolados em seus lares,
têm mantido fortes laços afetivos com seus animais de estimação, no caso em tela, os
cães, os quais passam a ser vistos como entes da família, e não propriedades. Ocorre
que esse relacionamento entre pessoas e animais nem sempre é mantido de forma
correta, sendo de fácil observação, no cotidiano, arbitrariedades que as pessoas
praticam, arbitrariedades essas que aniquilam a dignidade dos seus animais, ao
promover toda a sorte de abusos, maus tratos e crueldade, chegando a casos
complexos, que ocorrem quando os donos adestram seus animais para se tornarem
5 Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências6 Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.7 Etimologicamente, segundo o Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa, a expressão “posse” significa “(Do lat. posse) 1. Domínio de fato exercido sobre uma coisa, correspondente ou não ao poder de direito ou de propriedade. – 2. Estado de quem possui uma coisa, de quem a detém como sua ou tem o gozo dela. – 3. Ação ou direito de possuir a título de propriedade. – 4. A solenidade da investidura em cargo público”. Já o termo “guarda” significa “(Do al. ant. warda, pelo lat. guarda.) 1. Ação de guardar. – 2. Vigilância que tem por finalidade defender, proteger ou conservar. – 3. Proteção, abrigo, amparo. – 4.Pessoa encarregada da guarda, vigilância de um animal, de alguma coisa, de um lugar”
4
violentos ou, mais indigno, ainda, quando os abandonam, transformando-os em vítimas
inocentes e vetores de doenças, afetando, além da dignidade do animal, a saúde
pública.
O tratamento ético-jurídico que deve ser dispensado aos cães de estimação,
abordando sob esta ótica as graves e atuais questões da superpopulação e do
abandono nas ruas das cidades, incluindo os maus tratos e a crueldade contra esses
animais, portadores de necessidades e direitos, procura demonstrar as tendências
atuais para a resolução desses problemas, propondo políticas públicas que visem
solucionar, se não, ao menos, reduzir os impactos dessa situação.
2. Guarda responsável e dignidade animal
O já citado artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), juntamente com o
art. 32 da Lei de Crimes Ambientais (9.605/1998) possibilitaram que possível seja
considerar crime submeter animais a crueldade. Dessa forma, deixar um cachorro sem
água, não alimentá-lo adequadamente, não abrigá-lo, acorrentá-lo, abandoná-lo, mutilá-
lo, obrigá-lo à reprodução contínua (principalmente para fins lucrativos), enfim, tudo o
que possa denegrir a dignidade do animal é considerado crime. A correlação da
dignidade animal com a guarda responsável é evidente, vez que, aquela só será
exercida ao se possibilitar que o animal de estimação tenha um desenvolvimento feliz e
uma vida sadia e segura, ou seja, seja responsavelmente tutelado.
Guarda responsável é um termo utilizado para definir os valores que seres
humanos devem assumir com relação aos animais, neste caso, quanto aos cachorros,
o que implica num indivíduo tomar para si o cuidado destes animais.
Há um infeliz equívoco na concepção de muitas pessoas quanto à idéia de que
os animais de estimação são suas propriedades. Essa noção de que os animais são um
bem, passível de troca, de venda, de algo que os torna tristemente descartáveis após o
uso, possibilita o abandono. O que este trabalho pretende é destacar, dentre outros
quesitos, que a evolução do Direito limita essa propriedade absoluta, instituindo como
função social a guarda e não a posse de um ser humano por um animal de estimação,
no caso em pauta, por um cão.
5
Diz o Artigo 32 da Lei Federal nº. 9.605 de 12 de fevereiro de 1998 (BRASIL,
1998):
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Considerando a letra da Lei, bem como algumas regras apresentadas pela União
Internacional Protetora dos Animais - UIPA8, pode-se dizer que posse é o termo usado
para coisas, não para animais, sendo que destes detém-se a guarda, não a posse.
Segundo a UIPA, existem regras básicas9 a serem seguidas, de forma a se garantir o
bem estar dos animais.
Ocorre que, há escassez e deficiência na legislação brasileira para regulamentar
a guarda dos animais de estimação, sendo que o uso freqüente e constante das
mesmas leis acaba por resultar no que pode-se chamar de “bater na mesma tecla”, vez
que a evolução do Direito, por mais que preveja a tutela dos animais, acaba por não
relevar a ordem jurídica entre humanos e animais com mais ênfase, a qual se faz mais
que necessária. Nesse ínterim, observam os autores Thiago Pires Oliveira e Luciano
Rocha Santana:
A importância de se mudar “posse responsável” para “guarda responsável” abrange muito mais que uma simples questão de estética. O emprego do termo “posse” apresenta uma ideologia implícita em sua semântica: o animal ainda continuaria a ser considerado um “objeto”, uma “coisa”, que teria um “possuidor” ou “proprietário”, visão que consideramos já superada, sob a ótica do direito dos animais, visto que o animal é um ser que sofre, tem necessidades e direitos; frisando-se, ainda, o fato de, tradicionalmente, ser o animal o mais marginalizado de todos os seres, ao ser “usado” e “abusado” sob todas as formas possíveis e, sem, ao menos, a possibilidade de se defender, visto sua
8 A UIPA é a mais antiga associação civil brasileira sem fins lucrativos que defende a proteção dos animais. Ela instituiu o Movimento de Proteção Animal com o objetivo de lutar contra a exploração, o abandono e a crueldade que vitimam os animais em nome da diversão humana, da ciência, dos métodos antigos de ensino e da ultrapassada política de saúde pública, que extermina cães e gatos. O trabalho da UIPA não é simplesmente reduzir a prática de maus-tratos, mas sim fazer com que os animais sejam reconhecidos como seres que possuem o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade física e mental e ao bem-estar.9 Ver Anexo I, p. 21-22.
6
notória dificuldade de se manifestar perante os “racionais” seres humanos, tal qual já ocorreu, em passado, não tão remoto, com os “surdos mudos”, “mulheres”, “loucos de todo o gênero”, “índios” e “negros” (SANTANA e OLIVEIRA, 2004)
Nesses termos, se faz mister ressaltar que os animais, seres dotados de
sentimentos dolorosos e de capacidade de demonstração de afeto, não podem, de
forma alguma, serem determinados como “coisas”, como se não possuíssem vitalidade,
cabendo ao poder público respeitá-los enquanto possuidores de vida, detentores do
direito a ela, conforme prevê o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos dos
Animais da UNESCO10, de que “todos os animais nascem iguais perante a vida e têm
os mesmos direitos à existência”11. Tal declaração prescreve, ainda, que o
conhecimento e ações do homem devem estar a serviço dos direitos animais; que os
animais não podem sofrer maus-tratos; e que animais destinados ao convívio e serviço
do homem devem receber tratamentos dignos.
Nesse contexto, no tocante à dignidade do animais, convém relacionar a referida
Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978 com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, a qual atribuiu direitos inerentes aos homens do planeta
e rompeu estigmas, como o da servidão, ou seja, elencar a necessidade dos animais
terem a sua dignidade12 reconhecida tanto quanto os humanos a tiveram.
Estando, os animais, na condição de sentirem dor, de sentirem afeto, enfim, de
serem dotados de sentimentos, não há dúvida de que estes merecem estima e honra,
vez que essa equiparação com os seres humanos os garante uma vida digna, a qual se
alcança por meio da guarda responsável, conforme já ressaltado.
Embora não existam conceitos legais construídos pelo Direito brasileiro quanto à
guarda responsável de animais de estimação a nível federal, não há como se negar a
busca por fontes que possam justificar esse conceito, seja por meio da Declaração
Universal dos Direitos dos Animais; seja pela Lei de Crimes Ambientais; seja pela
10 A Declaração Universal dos Direitos Animais é uma proposta levada por ativistas da causa pela defesa dos direitos animais à UNESCO, em 15 de Outubro de 1978, em Paris, e visando criar parâmetros jurídicos para os países membros da Organização das Nações Unidas, sobre os direitos animais. Ela foi proposta pelo cientista Georges Heuse, composta de um preâmbulo e catorze artigos, que de forma genérica estabelecendo princípios a serem obedecidos no respeito aos direitos animais.11 Ver Anexo II, P. 23-25.12 Etimologicamente, palavra dignidade vem do latim dignus – aquele que merece estima e honra, ou seja, aquele que é importante.
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Constituição Federal. O que se deve promover e, além de apenas isso, vivenciar, é a
tutela responsável e integral dos animais, confiando a todos eles a dignidade devida.
3. O Ministério Público e a proteção do meio ambiente
Segundo a Constituição Federal, o Ministério Público é a instituição responsável
pela promoção de inquérito civil, o qual pode ser definido como um procedimento
administrativo, de caráter pré-processual e inquisitorial, de âmbito interno do Ministério
Público que, presidido diretamente pelo Promotor de Justiça ou Procurador da
República, permite a coleta de provas para embasar o ajuizamento das ações cabíveis
à tutela dos bens para os quais a legislação os legitime, especialmente para a ação civil
pública13, com a finalidade de proteger o meio ambiente14. Cabe ao Ministério Público,
como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, à qual
incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis15”, não somente proteger, mas promover a prevenção e
reparação de danos causados ao meio ambiente, conforme cita a Lei nº. 8.625/93:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:(...)IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (...) (LEI ORGÂNICA NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 1993)
Nesses termos, o Ministério Público, enquanto única instituição autorizada a
promover inquérito civil para investigação de possíveis inconsistências na proteção do
meio ambiente, acaba por ocupar um posicionamento fundamental na proteção do
mesmo, como órgão do Poder Público. Enquanto tutor do ambiente, o Ministério
13 Antonio Augusto De Camargo Ferraz, no artigo Inquérito Civil: dez anos de um instrumento de cidadania, in Ação Civil Pública, Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo, 1995, ed. Revista dos Tribunais.14 Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:(...)III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (...). 15 Art. 1º da Lei Federal nº. 8.625 de 12 de fevereiro de 1993.
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Público, além da representação da coletividade por meio de procedimentos específicos,
desenvolve, ainda, atividades no âmbito administrativo e penal. Assim, fiscaliza a
administração pública e atua de forma punitiva e repressiva, por meio de Ação Penal
Pública, na defesa do meio ambiente. Para isso, o Ministério Público possui estrutura
funcional independente, Promotores de Justiça aptos a exercerem o Direito Ambiental,
bem como Centros de Apoio Operacionais, os quais, além de diversas áreas, também
se direcionam para o meio ambiente.
Uma vez sabido que compete ao Ministério Público promover ações penais
públicas: que cabe aos promotores de justiça reprimir atitudes que lesem o artigo 32 da
Lei Federal nº. 9.605/1998, caput16, vale ressaltar a legitimação do Ministério Público
para investigar de que forma os animais domésticos, em especial os cães, são tratados.
Aprofundando-se no tema, considerando o presente estudo, convém expor que
cabe ao Ministério Público, não proteger administrativamente o meio ambiente, mas
fiscalizar os órgãos públicos que desempenham essa função, o que acaba por tornar
confusa a interpretação do disposto no citado artigo num primeiro momento, porém
sendo facilmente compreensível quando da afirmativa da condição do Ministério Público
como instituição fiscalizadora e não promotora da preservação do meio ambiente.
Uma vez destacado o caráter fiscalizador do Ministério Público das questões
ambientais, necessário se faz diferenciar o termo processo do termo procedimento,
uma vez que este serve para apuração dos fatos, enquanto que aquele é instaurado
para aplicação de pena ou sanção17.
Dessa forma, ao instaurar um procedimento administrativo, ou o inquérito civil,
que seja, o Ministério Público tem o poder de efetuar requisições com a finalidade de
elucidar fatos supostamente ocorridos18. Havendo descumprimento de quaisquer destas
16 Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos17 José Emmanuel Burle Filho comenta em seu artigo Principais aspectos do Inquérito Civil, in Ação Civil Pública, dez anos, op. Cit., p. 323, que a referida norma constitucional “esclarece que”, ‘processo’ não foi empregado no texto da CF com o mesmo significado de ‘procedimento’, afirmando que a CF deve ser interpretada pelo método sistemático, uma vez que emprega a terminologia ‘processo’ para indicar todo o meio de apuração para a aplicação de uma pena ou sanção, na esfera administrativa ou judicial; e ‘procedimento’, empregado distintamente, para indicar apenas a apuração dos fatos.18 Lei nº. 7.347/85:(...) Art. 8º. (...)§1º. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo, público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.
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requisições, o Ministério Público poderá considerar a omissão, recusa, ou mesmo
retardo doloso das informações, delito, conforme previsto no art. 10, da Lei nº.
7.347/8519.
O Ministério Público pode, ainda, promover compromisso de ajustamento20, em
casos de constatação de inconsistência da defesa do meio ambiente, o que significa
reduzir a termo um contrato de adequação da conduta ilícita às exigências legais,
ficando, desta forma, um comprometimento, além da adequação à exigência legal, o
compromisso com a reparação dos danos, a recomposição do que foi lesado,
priorizando, sempre, a recuperação do dano ambiental.
Feitas todas essas considerações, destaca-se que cabe ao Ministério Público a
função tutelar do Direito Ambiental, o que não corresponde à preservação ambiental.
Não se pode esquecer que, tal competência, é comum à União, ao Distrito Federal e
aos Municípios, cada órgão dentro das possibilidades que dispõem, ou seja, deve haver
o comprometimento com a defesa do meio ambiente, independentemente da esfera,
vez que o direito à vida pertence a todos, e o dever em protegê-la, também.
4. Administração pública x sociedade, na proteção do meio ambiente
Uma vez determinada a tutela jurídica do Ministério Público sobre a preservação
ambiental, é preciso esclarecer de onde se devem partir ações que, efetivamente,
promovam a proteção do meio ambiente. Tal proteção é ampla, porém está reduzida no
presente trabalho na questão única da defesa dos animais de estimação,
especificamente dos cães.
É preciso ressaltar que esses cães em questão englobam tanto os animais que
possuem “dono”, quanto os “vadios” que estão pelas ruas à toda sorte de ocorrências,
19 Art. 10. Constitu i crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da Ação Civil, quando requisitados pelo Ministério Público. 20 Lei nº. 7.347/85:(...) Art. 5º. (...)§ 6º. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
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quais sejam, doenças infecciosas transmissíveis, como a raiva, a sarna, a
leishmaniose, a leptospirose, dentre outras.
O abandono de animais acarreta a procriação desordenada dos mesmos, o que
implica na superpopulação e, por sua vez, facilita o espalhamento de doenças, porém,
a administrações públicas, por meio de suas secretarias de saúde, na busca por
políticas de controle e erradicação desses problemas, acabam por adotar uma política
que fere amargamente o disposto na Constituição Federal, em seu art. 225, §1º, VII, ao
submeter esses animais à crueldade. Essa políticas seguem métodos cruéis e
ineficientes porque, além de contrariarem o artigo 32 da Lei n. 9.605/9821, acabam por
causar a revolta da sociedade, a qual, por mais lentos que sejam os passos com os
quais caminha em direção a uma conscientização ambiental mais íntegra, já detém
inúmeros defensores que vislumbram, em tais atitudes, um perfeito holocausto22.
As políticas públicas de extermínio adotadas já foram devidamente consideradas
ineficientes em 1992, por meio de um estudo técnico elaborado pela Organização
Mundial de Saúde, o qual analisou a aplicação de métodos de sacrifício em vários
países, concluindo:
“A pesquisa realizada pela OMS entre 1981 e 1988, como parte do projeto AGFUND/OMS no combate à raiva humana e canina nos países em desenvolvimento, revelou que: (...) - os programas de eliminação de cães, em que cães vadios são capturados e sacrificados por métodos não humanitários, são ineficazes e caros. (...) Não existe nenhuma prova de que a eliminação de cães tenha gerado um impacto significativo na densidade das populações caninas ou na propagação da raiva. A renovação das populações caninas é muito rápida e a taxa de sobrevivência delas sobrepõe facilmente à taxa de eliminação (a mais elevada registrada até hoje gira em torno de 15% da população canina)” (OMS, 1992, p.57)
Tal informe, independente da antiguidade da pesquisa, fornece uma ideia clara
de que, seja na década de 80, seja na de 90, ou mesmo atualmente, no século XXI, a
política a ser adotada é de controle, não de extermínio; as políticas públicas devem
primar pela prevenção e não optar pela precaução.
21 Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.22 A palavra Holocausto (em grego antigo: ὁλόκαυστον, ὁλον [todo] + καυστον [queimado]) tem origens remotas em sacrifícios e rituais religiosos da Antiguidade, em que plantas e animais (e até mesmo seres humanos) eram oferecidos às divindades, sendo completamente queimados durante o ritual.
11
A administração pública detém um poder para regular o comportamento humano,
restringindo direitos e disciplinando o uso de bens, de tal sorte que, ao garantir que o
direito de alguém seja resguardado, simultaneamente, o direito de todos também deve
ser considerado, evitando que o direito de um indivíduo fira o direito do outro. Inúmeros
são esses direitos, sejam eles à manutenção dos bons costumes, à segurança, à
higiene, à ordem, à tranquilidade, ao respeito; enfim, ao interesse público; interesse
coletivo. Nessas circunstâncias, ninguém possui direitos absolutos, estando todos
condicionados à coletividade, o que dá o direito ao poder público de disciplinar esses
demais direitos, com vista à satisfação de todos (IBAM, 1992). Tal poder da
administração pública é chamado de poder de polícia. O poder de polícia está contido,
legalmente definido, no art. 78 do Código Tributário Nacional (Lei nº. 5.172, de 25 de
outubro de 1966), e concede à administração pública esse poder para disciplinar os
direitos coletivos.
Esclarecida esta capacidade da administração pública, é preciso relacionar este
poder com os administradores públicos, que, por sua vez, são responsáveis pelas
políticas públicas, as quais devem considerar, quanto ao tema abordado neste trabalho,
a dignidade dos animais, considerando, ainda, que existe uma coletividade interessada
nisso.
Indivíduos unidos com motivos em comum, por maiores e mais nobres que
sejam suas causas, não possuem poder suficiente para disciplinar demais indivíduos
que não desfrutam das mesmas ideias. Agente públicos possuem esse poder. Ocorre
que, os agentes públicos acabam por não usar das políticas públicas para ajudar as
minorias que estão lutando por suas causas, muitas vezes, desconhecidas.
Infelizmente, não se faz necessário estudo aprofundado no tema, vez que basta um
olhar superficial e leve sobre as condições das políticas públicas adotadas, em todas as
áreas.
Mark Twain disse certa vez que “o homem é a única espécie que sente vergonha ou que tem razão de sentí-la”. Não há como contestar tão arguta afirmação, quando olhamos ao nosso redor e vemos que conseguimos poluir o próprio ar que respiramos com dióxido de carbono, enxofre e transmissões de microondas. Lançamos tantos elementos estranhos na atmosfera, que o clima do mundo mudou. (...) Felizmente, somos – pelo menos em parte – capazes de envergonhar-mo-nos e buscar soluções. (PESSOA, 1981)
12
O agente público deveria, antes de qualquer consideração, inclusive antes
mesmo de voltar-se para a questão da dignidade dos animais, o que deveria ser
voluntário, e não provocado, considerar a própria ética23, o que diferencia-se de
moralismo, visto que este tem fundamento na obediência a mandamentos, tabus,
normas, costumes hierárquicos, culturais ou religiosos, enquanto a ética busca
fundamentos no bom modo de viver, por meio dos pensamentos humanos, o que
resulta nas atitudes, consequentemente.
Chiappini, 1988, com relação à ética, ao direito e à política, assevera que “el
‘sistema’ es corrupto (vale decir, inmoral e inservible) em general por dos razones: la
burocracia y la carencia de un buen régimen preventivo e represivo.24” Seguindo essa
linha, pode-se afirmar que o referido “sistema” – o que inclui a administração pública
como um todo – desvia-se da ética, uma vez que a corrupção, sendo esta ocasionada
pela burocracia (o que impede a harmonização do sistema, o que emprega a lentidão
em todo e qualquer processo de mudança, de transformação, de evolução na própria
administração) e pela carência, quando não ausência, de prevenção e repressão; e,
ainda, vale citar, precaução.
Considerando a dignidade dos animais de estimação e a tutela dos mesmos,
encontra-se justamente na própria administração pública uma barreira: a do descaso. A
própria administração pública, a qual deveria adotar políticas de proteção, incluindo,
aqui, o intervencionismo com relação à natalidade e à mortalidade dos animais, detém-
se diante da adoção de medidas solucionadoras desses problemas, fugindo à própria
ética, vez que desvia-se do objetivo mor da fundamentação ética – bom modo de viver,
o que seria, em termos populares, qualidade de vida – implicando, assim, no total
esquecimento do mais considerado no presente trabalho: a dignidade animal.
É geral o descaso com a saúde, com as finanças, com a educação; é geral o
descaso com o próprio governo, o qual deveria prover e sanar os problemas evidentes
na sociedade, logo, o que se esperar dos agentes públicos com relação à defesa dos
animais? Exposto isto tudo, convém uma reflexão sobre o que tem sido feito pelos
23 Etimologicamente, a palavra "ética" é derivada do grego ἠθικός, e significa aquilo que pertence ao ἦθος, ao caráter.24 Cf. CHIAPPINI, Túlio, “Direito, Ética e Política”. In: _. A Filosofia Hoje, p. 779.
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agentes públicos para atenuar a degradação ambiental, o que configura objeto de
estudo para pesquisa posterior.
A administração pública, dotada de poder para disciplinar os indivíduos que
compõem a sociedade, tem poder suficiente para promover políticas públicas em prol
da defesa dos animais. Não somente dos animais, mas da flora e de toda a vida, num
contexto geral. Porém, toda a teoria acaba sendo esquecida no retardamento de
soluções práticas, as quais muitas vezes, sequer chegam.
No Brasil, identificamos reações contra a deterioração ambiental nas grandes cidades, certamente como resultado da maior publicidade dada ao problema e aos novos ares políticos, hoje bem mais claros. A repercussão, entretanto, é bastante limitada, não resultando em medidas práticas. Frequentemente, ainda assistimos a demonstrações de intolerância com o problema ambiental. (PESSOA, 1981)
O autor faz referência à condição vivenciada na década de 80. Um
posicionamento, já tido pela administração pública há mais de 30 anos, o qual não
sofreu mutações, considerando que é exatamente o que as grandes cidades enfrentam:
uma publicidade dos problemas ambientais que não repercutem em soluções práticas.
Políticas públicas podem e devem ser adotadas frente às necessidades
humanas, porém, a sociedade, conforme, já dito, tem seguido um ritmo moralista,
deixando de lado a ética, esquecendo do bem comum, do bom modo de viver. Os
agente públicos acabaram por condicionarem-se, e condicionarem as pessoas, à
condição retardada das soluções práticas, fadando a sociedade à espera de respostas
que não chegam e, quando ocorrem, não são suficientes para solucionar os
problemas enfrentados. O moralismo, ou falso moralismo, tem substituído a ética
por meio da ineficiência de um sistema que não prima pela necessidade dos
seus, prevalecendo a carência, quando não ausência, de repressão; de prevenção; de
precaução; de disciplinamento; enfim, de atuação e execução desse poder, à
administração concedido, em favor da sociedade.
Tudo o que temos são casos esporádicos, decididos eventualmente ao sabor das conveniências do momento. Ainda assim, é possível detectar uma atitude diferente e mais criteriosa da sociedade – mormente a urbana – e isto
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pode significar o início de uma nova época, voltada para o meio ambiente onde vivemos (PESSOA, 1981).
Assim, afirma o mesmo autor, numa visão positiva de que, por maior que seja o
descaso da administração pública, a própria sociedade está se unindo em favor das
causas ambientais. O que não é falso! O que é visível no meio social, principalmente
urbano, frente às inúmeras organizações não governamentais (ONGs), redes sociais,
webpages, grupos de discussão, enfim; a sociedade tem se mostrado carente de
políticas públicas que promovam e incentivem a defesa do meio ambiente, porém não
depara-se com a mesma carência no tocante à luta desenfreada por um meio ambiente
mais sustentável, por um planeta mais limpo, por uma fauna diversificada e protegida, e
por animais devidamente bem guardados e com sua dignidade reconhecida.
5. Conclusão
Ao ser iniciado o presente trabalho, buscou-se determinar uma região específica
para a pesquisa, bem como, num primeiro momento, procurou-se levantar dados
quantitativos a respeito do tema abordado, porém, no decorrer dos estudos, verificou-se
que a questão abordada necessita de mais do que dados numéricos, que apenas
quantificam os problemas: precisa de dados empíricos. Tal empirismo poderia ser
alcançado somente por meio da vivência em meios relativos ao tema, o que tornou-se
fácil quando da constatação de que uma grande parcela da sociedade já encontra-se
consciente de que os animais merecem ter sua dignidade reconhecida.
Antes disso, convém concluir que o Direto Ambiental deve ser respeitado e,
acima disso, reforçado, abordado e incluso no meio jurídico de maneira tão importante
quanto as demais matérias afetas ao Direito, com a finalidade de promover a ordem
jurídica no meio que mais importa à nossa sobrevivência: o Meio Ambiente.
Ressaltado isto, convém detalhar o caminho trilhado até a presente conclusão.
Como já dito, inicialmente houve uma intenção de quantificar a guarda dos cães numa
dada região, bem como numerar ações que afetassem positivamente ou negativamente
a dignidade desses animais, porém, constatou-se que estes não necessitam de estudos
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que quantifiquem suas condições, eles necessitam de ações práticas. Vale asseverar
que os animais, todos eles, necessitam de proteção e, no caso em tela, de guarda
responsável e do reconhecimento de sua dignidade, o que se alcança por meio de uma
proposta direta, objetiva, que incentive tais atitudes, vez que, ao quantificar, o problema
acaba sendo apenas impresso em tabelas que acabam sendo esquecidas.
Após esta constatação, buscou-se considerar o tema através de uma ótica mais
ética do que moral, o que permitiu uma análise geral de como são tratadas as questões
da guarda e da dignidade dos animais, o que culminou no presente trabalho, o qual
apresenta um levantamento teórico com a finalidade de promover a conscientização da
sociedade e dos agentes públicos, apresentando o problema numa forma genérica, o
que estende a busca por soluções a todos os indivíduos.
Posto isto, buscou-se definir o que efetivamente significa guarda responsável e
dignidade animal, o que possibilitou concluir que a guarda implica nos cuidados
dispensados a estes animais, o que, por sua vez, culmina na asseguração da dignidade
destes, ou seja, uma vez os animais estando responsavelmente sob cuidados
humanos, sendo estes tratados como seres dotados de vida e de sentimentos, não
como “coisas”, têm seus direitos assegurados, o que, por sua vez, garante a eles o
reconhecimento da dignidade. Conclui-se, então que, os animais de estimação,
especificamente os cães, não só merecem, como devem ser mantidos sob guarda
responsável, e são dignos, uma vez detentores da vida, tanto quanto as demais
espécies, principalmente a humana, de respeito.
Esclarecida a guarda responsável e a dignidade dos cães, buscou-se amparo
jurídico para a fundamentação disso, sendo encontrada no Ministério Público a
competência para tutelá-los, uma vez estando, eles, inclusos no Meio Ambiente. Mais
que isso, tornou-se possível concluir que o Ministério Público tem a competência para
promover a defesa desses animais, porém não protegê-los.
Constatado isto, buscou-se determinar a quem cabe a função de proteger o Meio
Ambiente, em especial os animais, especificamente, no caso em tela, os cães,
concluindo-se que esse é um dever de todos, da sociedade em geral, a qual tem seus
direitos garantidos, porém seus deveres, incluindo neles, a preservação da natureza
como um todo, o que inclui a proteção dos animais, o que será garantido, considerando
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o objeto de estudo, por meio da guarda responsável dos cães e da conscientização
dessa sociedade da dignidade a eles inerente.
Por fim, encontrada a tutela ministerial para a defesa e o dever da sociedade
para a proteção, foi necessário citar os agentes públicos, com a finalidade de esclarecer
que a eles compete a adoção de políticas públicas que não só incentivem a sociedade
a proteger esses animais, mas promovam ações que difundam a responsabilidade da
sociedade pelos cães bem como exemplifiquem o reconhecimento da dignidade dos
mesmos, considerando que uma administração pública consciente possibilita uma
sociedade também consciente de que a proteção aos animais deve ser reconhecida e
praticada.
De forma geral, conclui-se que, mais que a discussão dos questionamentos
expostos, é necessário que toda a sociedade, os agentes públicos e os órgãos
competentes busquem soluções práticas para a defesa dos direitos dos animais,
especificamente dos cães, o que será possível por meio de ações práticas, não apenas
de estudos quantitativos que mascaram a real condição desses animais. Os cães,
assim como todos os animais sob a face terrestre, estão inclusos no Meio Ambiente, tal
como o homem, merecendo respeito à vida que possuem.
Segundo Charles Darwin, 1882, “não há diferenças fundamentais entre o homem
e os animais nas suas faculdades mentais. Os animais, como os homens, demonstram
sentir prazer, dor, felicidade e sofrimento." A teoria darwinista prega que as espécies
evoluem conforme sua capacidade de sobrevivência; a raça humana evoluiu até o
ponto de atribuir a si a superioridade sobre as demais espécies por se considerar
racional; os cães são seres vivos, também dotados de racionalidade, porém inferior, e
que fazem parte da mesma seleção natural. Conclui-se o presente trabalho com um
questionamento que não necessita ser respondido, vez que a resposta seria por demais
vergonhosa, mas pensado e praticado a partir dessa resposta: o homem - um animal,
dentre todos os demais, participando da mesma seleção natural – diante do cão - que
lhe abana o rabo e pede não mais que o reconhecimento de sua própria vida e o
respeito a ela - lhe nega ou dificulta esse direito, até que ponto pode ser considerado a
mais evoluída das espécies?
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Conclui-se, por fim, considerando as palavras de Mahatma Gandhi, de que “a
grandeza de uma nação pode ser julgada pelo modo que seus animais são tratados”,
que a humanidade só será grande e efetivamente evoluída quando compreender que
os animais devem de ter seus direitos reconhecidos; que o Meio Ambiente deve ser
preservado e protegido; e que os cães merecem, sim, ser responsavelmente cuidados e
dignamente tratados.
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Referências
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BRAGA, Pedro. Ética, Direito e Administração Pública. 2ª edição revista e atualizada. Senado Federal. Brasília, 2006, p. 174.
CARDOSO, Otomar Lopes (Coord.). Constituições estaduais: capítulo do meio ambiente. Ed. Petrobrás. Rio de Janeiro, 1991, p. 43-44.
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Brasil, 1988.
IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Manual do Prefeito. Ed. Rev. Atual. Rio de Janeiro, 1992, p. 93.
LEI DE CRIMES AMBIENTAIS Nº. 9.605 . Brasil, 1998.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Direito Ambiental. Verbo Jurídico. Porto Alegre, 2007, p. 195.
MILARÉ, Édis – Direitos do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário / Prefácio à 5ª edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2007, p. 152, 729-750, 1089.
PESSOA, Álvaro. Direito do urbanismo: uma visão sócio jurídica. IBAM Rio de Janeiro, 1981, p. 195.
SANTANA, Luciano Rocha et al. Posse responsável e dignidade dos animais. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/26684-26686-1-PB.pdf>. Acesso em 29/02/2012.
SANTANA, Luciano Rocha; Oliveira, Thiago Pires. Guarda responsável e dignidade dos animais. Disponível em: <http://www.nipeda.direito.ufba.br/artigos/pdf/guardaresponsvel edignidadedosanimais.pdf>. Acesso em 29/02/2012.
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SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. Ed. Saraiva. São Paulo, 2002, p. 191-194, 37-48, 113-114.
UIPA – União Internacional Protetora dos Animais, 1895, São Paulo. Guarda Responsável. Disponível em: <http://www.uipa.org.br/>. Acesso em 29/02/2012.
UNESCO, 29 de janeiro de 1978, Bruxelas. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Disponível em: <http://www.forumnacional.com.br/declaracao_universal_dos_ direitos_dos_animais.pdf>. Acesso em 29/02/2012.
WICKPÉDIA. Etimologia das palavras. Disponível em : <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 29/02/2012.
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ANEXOS
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ANEXO I
GUARDA RESPONSÁVELpor Vanice Teixeira Orlandi – UIPA
A guarda responsável de animais é aquela em que as seguintes regras básicas são seguidas, de forma a se garantir o bem-estar-animal:
1) Ao decidir-se por acolher um animal, tenha em mente que ele viverá cerca de doze anos, ou mais, e que necessitará de seus cuidados, independentemente das mudanças que sua vida venha a sofrer no decorrer desse período;
2) Prefira sempre adotar a comprar um animal. Ao adotar um animal, luta-se não só contra o abandono, mas contra o comércio de animais praticado por criadores, que se perfaz à custa de extrema crueldade. É preciso ter consciência de que adquirir um animal de criador implica, necessariamente, patrocinar o abusivo comércio de animais;
3) Certifique-se de que poderá cuidar do animal durante o período de férias e no decorrer de feriados;
4) Escolha o animal que possua características de comportamento e de tamanho condizentes com o espaço de que dispõe e com os seus próprios hábitos;
5) Ministre-lhe assistência veterinária;
6) Providencie para que seja o animal, macho ou fêmea, esterilizado a partir dos 5 (cinco) meses de idade, para evitar crias indesejadas que resultam em abandono e em superpopulação de animais;
7) Vaciná-lo, anualmente, contra raiva, a partir dos 4 (quatro) meses de idade e contra as demais doenças (vacina V8), a partir dos 60 (sessenta) dias de vida;
8) Não abandoná-lo em caso de doença, de idade avançada, de viagem, de agressividade ou em qualquer outra hipótese;
9) Proporcionar-lhe alimentação adequada à espécie; gatos não devem ser alimentados com ração para cães e vice-versa;
10) Proporcionar-lhe água fresca (água estagnada acumula larvas de mosquitos, que são prejudiciais à saúde);
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11) Provê-lo de espaço adequado, ao abrigo do sol e da chuva. Melhor é que se tenha o animal dentro de casa, mas se isso não for possível, dê-lhe ao menos uma casinha, que deve ser colocada ao abrigo do sol, da chuva e do vento;
12) Não prendê-lo a correntes, ainda que longas. Dê ao animal um lar, e não uma prisão;
13) Zelar para que o animal não fuja de casa, providenciando para que os portões de casa
sejam resistentes e estejam sempre bem fechados;
14)Telar as janelas, caso more em prédio de apartamentos;
15) Mantê-lo em boas condições de higiene (a água do banho deve ser quente);
16) Jamais submetê-lo a maus-tratos, nem sob o pretexto de educá-lo;
17) Passear com o animal para que ele se exercite, sempre preso à coleira e à guia para evitar fuga, atropelamento, ataques a outros animais, etc.
18) Dar afeto e atenção ao animal;
19) Proporcionar-lhe conforto e espaço adequado; áreas descampadas, estacionamentos e garagens não são recomendáveis para animais;
20) Amenizar-lhe a sensação de frio, por meio de roupas e cobertores; animais sentem frio tanto quanto os humanos.
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ANEXO II
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS
PROCLAMADA PELA UNESCO EM SESSÃO REALIZADA EM BRUXELAS, EM 27 DE JANEIRO DE 1978,
Considerando que cada animal tem direitos;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo destes direitos levaram e continuam levando o homem a cometer crimes contra a natureza e contra os animais;
Considerando que o reconhecimento por parte da espécie humana do direito à existência das outras espécies animais, constitui o fundamento da coexistência das espécies no mundo;
Considerando que genocídios são perpetrados pelo homem e que outros ainda podem ocorrer;
Considerando que o respeito pelos animais por parte do homem está ligado ao respeito dos homens entre si;
Considerando que a educação deve ensinar à infância a observar, compreender e respeitar os animais, PROCLAMA-SE:
Artigo 1º
Todos os animais nascem iguais diante da vida, e têm o mesmo direito à existência.
Artigo 2º
a) Cada animal tem direito ao respeito;
b) O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar os outros animais, ou explorá-los, violando esse direito. Ele tem o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais;
c) Cada animal tem direito à consideração, à cura e à proteção do homem.
Artigo 3º
a) Nenhum animal será submetido a maus tratos e a atos cruéis;
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b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia.
Artigo 4º
a) Cada animal que pertence a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu ambiente natural terrestre, aéreo e aquático, e tem o direito de reproduzir-se;
b) A privação da liberdade, ainda que para fins educativos, é contrária a este direito.
Artigo 5º
a) Cada animal pertencente a uma espécie, que vive habitualmente no ambiente do homem, tem o direito de viver e crescer segundo o ritmo e as condições de vida e de liberdade que são próprias de sua espécie;
b) Toda a modificação imposta pelo homem para fins mercantis é contrária a esse direito.
Artigo 6º
a) Cada animal que o homem escolher para companheiro tem o direito a uma duração de vida conforme sua longevidade natural;
b) O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.
Artigo 7º
Cada animal que trabalha tem o direito a uma razoável limitação do tempo e intensidade do trabalho, a uma alimentação adequada e ao repouso.
Artigo 8º
a) A experimentação animal, que implica em sofrimento físico, é incompatível com os direitos do animal, quer seja uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer outra;
b) As técnicas substitutivas devem ser utilizadas e desenvolvidas.
Artigo 9º
Nenhum animal deve ser criado para servir de alimentação, ser nutrido, alojado, transportado e abatido, quando, para isso, tenha que passar por ansiedade ou dor.
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Artigo 10º
Nenhum animal deve ser usado para divertimento do homem. A exibição dos animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.
Artigo 11º
O ato que leva à morte de um animal sem necessidade é um biocídio, ou seja, um crime contra a vida.
Artigo 12º
a) Cada ato que leve à morte um grande número de animais selvagens é genocídio, ou seja, um delito contra a espécie;
b) O aniquilamento e a destruição do meio ambiente natural levam ao genocídio.
Artigo 13º
a) O animal morto deve ser tratado com respeito;
b) As cenas de violência de que os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, a menos que tenham como fim mostrar um atentado aos direitos dos animais.
Artigo 14º
a) As associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ser representadas a nível de governo;
b) Os direitos dos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos dos homens.
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