ETNOMETODOLOGIA ABORDAGEM METODOLÓGICA DE ESTUDOS NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: LEITURA DE OLHARES CURIOSOS.
Resumo
Face às diferentes teorias metodológicas buscamos olhar para o objeto de pesquisa pela
abordagem etnometodológica por considerar que se trata de um caminho que viabiliza
descobertas que vai além da concretude visível, de fácil percepção. Ela possibilita uma
compreensão tanto objetiva quanto subjetiva da ação cotidiana. O texto traz para o
diálogo a construção epistêmica de pesquisa construída pelo caminho teórico
metodológico respaldado pela etnometodologia. Abordagem metodológica que olha os
atores de pesquisa, como construtores de sua própria realidade. O artigo trata de um
recorte da produção acadêmica da dissertação de mestrado em educação intitulada
“Docência na Pós-Graduação em Educação: repercussões da Prática Docente
Participativa na Formação do Pesquisador”. A experiência de pesquisar por esse
caminho metodológico nos fez ver com minúcias o objeto “prática docente”, porque os
atores encarnados desse contexto vão descrevendo com propriedade e intencionalidade
expondo suas vivências, compreensões, preocupações, proposições, objetividades e
subjetividades de seu cotidiano no exercício da prática docente. A proposta neste artigo
toma como objeto “pesquisar pela etnometodologia” e o objetivo proposto conforma em
relatar o processo criativo de buscas, descobertas sobre a prática docente participativa
exercida no PPGEd/UFPE. Ao adentrar no universo de pesquisa, programa de pós-
graduação em educação, foram convidados como atores para compartilhar esse
desbravar os professores vinculados ao referido programa. A escolha dos atores de
pesquisa aconteceu por meio de uma pesquisa base realizada com os alunos e egressos
do programa. Para coleta de dados fizeram uso da entrevista narrativa que teve como
eixo um texto norteador. Para análises nos apropriamos dos conceitos-chave da
etnometodologia para captar o sentido e o significado velados e revelados em suas
narrativas. Como resultados a etnometodologia nos fez ver e certificar a possibilidade e
existência da prática docente participativa como também a liberdade de transitar na
pesquisa.
Palavras-chave: Prática docente. Prática Docente Participativa. Etnometodologia
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Olhares iniciais
O texto propõe e apresenta uma abordagem metodológica que prioriza os atores
de pesquisa, como construtores de sua própria realidade. Ao construírem suas realidades
põem em movimento suas ações cotidianas, sejam essas corriqueiras ou não. Em suas
práticas do dia a dia realizam relações que se entrelaçam e se inter-relacionam, e a
comunicação se faz presente pelas linguagens próprias de cada contexto.
Compreendemos que os atores ao pertencerem a grupos determinados e ao exercerem
suas ações as fazem inconscientemente e as produzem e as descrevem. É com o olhar da
pesquisadora que a etnometodologia vem contribuir, pois é na observação e análise do
que nos diz os atores de pesquisa que podemos desvelar o objeto de investigação.
A experiência de pesquisar por esse caminho metodológico nos fez ver com
minúcias o objeto “prática docente”, porque os atores encarnados desse contexto vão
descrevendo com propriedade e intencionalidade e expõem suas vivências,
compreensões, preocupações, proposições, objetividades e subjetividades de seu
cotidiano no exercício da prática docente.
O que iremos tratar é um recorte da dissertação de mestrado em educação
intitulada “Docência na Pós-Graduação em Educação: Repercussões da Prática Docente
Participativa na Formação do Pesquisador”, que toma a prática docentei dos
professores/professoras do PPGEd/UFPEii, porém não nos interessava qualquer prática
docente e sim a prática docente que trazia o planejamento participativo como seu eixo
estruturante e, é nesse processo de construção que desvelamos a prática docente
participativa. Portanto, conformamos o seguinte problema de pesquisa: “Quais as
repercussões na formação de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFPE, quando seus docentes asseguram em suas práticas a tríade ensino-
pesquisa-extensão mediada pelas propriedades da prática docente participativa?” E para
responder a este problema e por acreditar que o “caminhar se faz caminhando”
(FREIRE, 2005), foi definido como objetivo geral: Analisar as repercussões na
formação de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE,
quando seus docentes asseguram em suas práticas a tríade ensino-pesquisa-extensão
mediada pelas propriedades da prática docente participativa. Como desdobramento
deste, elencamos objetivos específicos e ambos nortearam o processo de investigação.
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Para este texto conformamos como objeto “pesquisar pela etnometodologia” e o
objetivo conforma-se em relatar o processo criativo de busca, descobertas sobre a
prática docente participativa exercida no PPGEd/UFPE.
A intencionalidade do olhar orienta a caminhada
Ao pôr os pés nas estradas com a intenção de analisar a prática docente
consolida-se a exigência de uma teoria metodológica para apurar o olhar nos caminhos
na superação dos descaminhos inerentes a uma investigação científica.
É com o olhar de pesquisadora que optamos pela etnometodologia por entender
que a sua proposta vai além de uma simples observação, são olhares apurados
pertencentes a um mesmo universo que dialogam, discutem, se aceitam e se descrevem
e ao se descreverem se reconhecem, reconhece ao outro. E ao se reconhecer e ao outro
contam o que fazem e o que pensam se constroem e ao se construírem em harmonia, no
respeito e na cumplicidade fazem história, constroem e contam suas histórias que são
lapidadas no cotidiano dos encontros, na família, na escola, no trabalho, no lazer...
São olhares atentos que a etnometodologia busca captar por meio das
narrativas e observações, para compreender o universo de pesquisa e para dar sentido e
significado ao objeto pesquisado.
Portanto, neste texto nos propomos relatar com base na teoria metodológica da
etnometodologia, apoiada pelos seus conceitos-chaveiii
o caminho metodológico que
esta teoria nos proporcionou a realizar quando da busca de olhar para nosso objeto de
investigação que se conformava na prática docente.
Podemos dizer que esta opção nos deu “assas para voar”, isto é, realizamos
várias pesquisas que foram fontes alimentadoras de nosso caminhar. Partimos numa
pesquisa teórica na construção das origens do planejamento participativo. Essa
compreensão se fez necessária, porque nosso objeto não apontava para qualquer prática
docente, mas para uma prática docente que tivesse como eixo estruturante o
planejamento participativo e essa imersão nos fez perceber e a descobrir alguns
elementos que inicialmente eram só elemento, e que ao longo da caminhada foram
sendo lapidados e foram ganhando forma e consistência teórica até se conformarem nas
propriedades que vieram a caracterizar a prática docente participativaiv
. Esta prática
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docente participativa é a qual compreendemos como prática social e coletiva de caráter
lúdico, solidária, interdisciplinar, participativa, pautada nos princípios da totalidade, de
valores e de sentido, da autonomia, da ética, da dialogicidade que desencadeiam em sua
concretude saberes, habilidades e atitudes como de solidariedade, de participação, de
reflexão, de crítica e de respeito. Conforma-se por ter como característica o que
chamamos no estudo de propriedades, a saber: totalidade, dialogicidade, solidariedade,
emancipação, territorialidade e participação qualificada.
Esta dimensão metodológica que assegura os pressupostos das teorias críticas da
educação que contornam e delimitam o desenho do objeto e do problema desta pesquisa,
passou a indicar os interlocutores da base metodológica aqui explicitada. O Kosík
(1989, p.12), é um desses interlocutores por nos fazer compreender que a captura do
fenômeno/problema significa: capturar a essência que implica em compreender o
fenômeno, isto é, indagar e descrever como a coisa em si se manifesta. “Sem o
fenômeno, sem sua manifestação e revelação, a essência seria inatingível”.
Esta abordagem de caráter qualitativo que orienta mergulhar no mundo dos
sentidos e dos significados das práticas e relações humanas (MINAYO, 2002),
estimulou abraçarmos o problema sem medo e com ousadia na busca da coleta de dados
e de sistematização das possíveis leituras afloradas pela fala dos atores do estudo acerca
do objeto pesquisado.
Argumentar a opção tomada por este caminho metodológico se justifica para
melhor explicitar os propósitos e, porque, com quem e o como vamos caminhar. Com a
aproximação da abordagem qualitativa reconhecemos que as condições de realizarmos
uma investigação rigorosa e de conjunto com apropriação do universo de investigação.
Pois, como escreve Minayo (2002, p.21-22), a pesquisa de caráter qualitativo,
[...] responde a questão muito particular. Ela se preocupa, nas ciências
sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja,
ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças,
valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
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Esta aventura criadora (Freire, 1998) ensina-nos a construção de conhecer com
mais propriedade a realidade do objeto de investigação de tal forma que possamos,
[...] incorporar tais princípios, sobretudo para mergulhar, com curiosidade,
criticidade e criatividade, na freqüência ritmada, ao som de notas graves ou
agudas da realidade, com mutações que afetam e determinam os fatores
políticos, sociais, ideológicos, educacionais, culturais e econômicos no
mundo contemporâneo (FRANÇA, 2003, p.75).
Este processo de construção que envolve a relação entre pessoas mediadas por
ações sociais, indicou os princípios da etnopesquisa crítica estruturante da postura
investigativa, na medida em que tem como foco central “[...] os processos que
constituem o ser humano em sociedade e em cultura e compreende esta como algo que
transversaliza e indexaliza toda e qualquer ação humana e os etnométodos que aí se
dinamizam” (MACEDO, 2006, p.9).
A etnometodologia dedica-se aos estudos dos métodos que as pessoas se
utilizam para perceber, descrever, interpretar e explicar o mundo. Ela privilegia as
abordagens microssociais, dando ênfase mais a compreensão que a explicação, ou seja,
valoriza o processo de construção do objeto pesquisado. Contrapõe as abordagens
qualitativas que se preocupavam com os dados de entrada e de saída sem levar em conta
como as coisas acontecem. Como escreve França (2003, p.81), esta abordagem é:
[...] considerada para além de uma teoria, é uma perspectiva de pesquisa, uma
postura intelectual que leva em conta a visão dos atores brincantes de
pesquisa, em qualquer que seja o objeto investigado, pois, o que se destaca é
o sentido e significado que esses atores brincantes atribuem aos objetos, às
situações, aos símbolos que os cercam, a partir dos quais os atores constroem
seu mundo social.
Para a estudiosa, ao dialogar com o pensamento de Garfinkel (apud Coulon,
1995), que centra em compreender e explicar as ações mais corriqueiras e banais
comumente utilizadas pelos atores/as sociais na sua vida cotidiana, ao se expressarem e
ao se comunicarem com os demais atores/as sociais de seu grupo, a abordagem
etnometodológica “[...] consiste na análise das maneiras habituais de proceder
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mobilizadas pelos atores sociais comuns nas ações freqüentes em sua vida cotidiana
[...]” (FRANÇA, 2008, p.60-61).
As referências de Coulon (1995) em relação à abrangência da etnometodologia
conforma-se a esse respeito, ao se referir as características preponderantes da
etnometodologia apontadas por Garfinkel (1967 apud Coulon, 1995), que prioriza o
lado prático e empírico dos atores/as sociais em suas manifestações cotidianas. Ele nos
diz em suas exposições que para este autor
O interesse maior... [...] se volta para as atividades práticas e, em particular, o
raciocínio prático, quer seja profissional ou não. A etnometodologia é a
pesquisa empírica dos métodos que os indivíduos utilizam para dar sentido e
ao mesmo tempo realizar as suas ações de todos os dias: comunicar-se, tomar
decisões, raciocinar. Para os etnometodólogos, a etnometodologia será,
portanto, o estudo dessas atividades cotidianas, quer sejam triviais ou
eruditas, considerando que a própria sociologia deve ser considerada como
uma atividade prática (GARFINKEL, 1967 apud COULON, 1995, p.30).
Os diversos olharesv que desenham a etnometodologia a partir da concepção de
Garfinkel (1967 apud COULON, 1995), podem concluir que o autor ao compreender o
movimento constante existente nas construções do fato social, percebeu que da forma
que os sociólogos vinham realizando suas pesquisas no campo das Ciências Sociais não
davam conta do complexo processo de interação dos atores/as sociais.
A etnometodologia proposta por Garfinkel (1967 apud COULON, 1995), em
síntese, é aquela que vai olhar a realidade coletiva com a certeza que homens e mulheres
nas suas inter-relações e interações cotidianas constroem saberes específico e símbolos
particulares, e para tal, utiliza-se de etnométodos.
Estando esta investigação respaldada pelos conceitos-chave que fundamentam a
etnometodologia e que se harmonizam num vocabulário próprio e assegurado por
conceitos/concepções e, pelas suas próprias especificidades e interdependências,
consideramos fundamental explicitar cada um deles: prática/realização, indicialidade,
reflexividade, accountability e noção de membro.
Prática/realização: dialogar com Freire elucida os contornos desse conceito-
chave, uma vez que o mesmo é aqui tratado pela expressão “realização”, por perceber
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que esta “realização” é a prática vivida, experienciada e refletida – é a dimensão da
práxis operada no processo de interação dos atores/as, homens e mulheres, na
construção e (re)construção do social decorrentes das leituras e (re)leituras do mundo,
intercambiadas pelas linguagens em que as manifestações de vida se concretizam.
É da experiência vivida pelos atores/as em suas construções sócio-culturais
advinda de uma prática docente participativa, um dos caminhos que vai nos apontar
avanços e possibilidades de uma práxis educativa.
As indicialidades expressas no discurso das linguagens ordinárias enquanto
ocorrências de palavras, não devem ser tomadas como pura e simples expressão
“objetiva”, pois, expressa em seu contexto ganha significados para além de sua
objetividade (COULON, 1995).
A indicialidade presente nas relações que se estabelecem na sala de aula entre
professor/aluno, na qual se realiza uma prática docente participativa é princípio presente
neste estudo, na medida em que a leitura, análise e compreensão das expressões
indexais da linguagem ordinária que acontece diariamente nesta prática, poderá nos
fornecer indícios de desvelar o objeto.
A reflexividade é condição primeira para compreensão da ordem social, ela
“[...] designa, portanto as práticas que ao mesmo tempo descrevem e constituem o
quadro social” (COULON, 1995, p.41).
O que podemos constatar, é que nas inter-relações dos atore/as em suas ações
cotidianas, em que sistematizam suas compreensões e construção do mundo, realizando
sua reflexividade, encontramos uma equivalência das potencialidades dos membros,
tanto nas condições de descrever as interações, quanto de produzi-las. Nessas ações, as
descrições elaboradas pelos membros são sempre encarnadas, isto é, ganha forma
peculiar do narrador Macedo (2006). As descrições são a própria essência de quem as
descreve. Nesse decurso “O que a noção de reflexibilidade evidencia é que no processo
de ação social se constitui e se é constituído” (MACEDO, 2006, p.76).
Accountability este conceito está em conexão direta com a descritibilidade e a
reflexividade se complementam. A accountability ou a descritibilidade, grosso modo
seria o viés pelo qual se evidencia a reflexividade. Podemos dizer que accountability se
constitui no que está mais próximo das descrições dos atore/as sobre o mundo vivido. A
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sua propriedade está compreendida pela capacidade apresentada pelos membros de
expor incessantemente a realidade produzida e vivenciada.
Refletir a prática docente participativa pela ótica da accountability é
compreendê-la de uma maneira mais próxima e profunda de seus elementos
estruturantes. É a possibilidade apresentada para nos apropriarmos dos processos inter-
relacionais, os quais se estabelecem nessa prática vivida e relatada ao se construir.
Podemos compreender as intersubjetividades decorrentes dos relatos dos atores/as que
realizam suas elaborações de maneira consciente, ou não. De modo a fundamentar suas
relações com o outro e com o meio.
A noção de membro sublima a interação dos atore/as que ao se comunicarem
em seus grupos de pertença, compartilha a construção social. O membro é aquele que
apresenta como característica preponderante, o domínio da linguagem comum ao grupo,
e se relacionam construindo uma rede de significados em suas inter-relações.
Olhares etnometodológicos: a prática docente participativa em questão
Como já citado anteriormente o caminho metodológico nos fez realizar pesquisa
sobre o planejamento participativo, também reverificar quais discussões outras foram
construídas que contemplava também o objeto pesquisado.
Quando tivemos que escolher os atores/as de pesquisa realizamos mais uma
pesquisa, consultamos os alunos e egressos do PPGEd/UFPE – universo de pesquisa –
para que eles nos apontassem os professores. Para a seleção elencamos alguns critériosvi
os quais apontaram para oito professores indicados a fazer parte de processo de
construção acadêmica. Para identificá-los, e garantir o anonimato, elencamos algumas
palavras chave do legado freiriano, a saber: Oprimido, Criatividade, Conscientização,
Práxis, Criticidade, Autonomia, Ousadia e Mudança
Foram convidados, marcamos um cronograma para as entrevistas e nos
utilizamos da entrevista narrativa que foi subsidiada por um texto norteadorvii
. Com esse
material recolhido, transcrito, partimos para as análises que aos poucos foram nos
revelando o objeto de pesquisa, ampliando e conformando cada vez mais a pertinência
da pesquisa e apontando algumas lacunas que necessitavam de aprofundamento.
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O que nos revelam os olhares dos atores
Mesmo declinando sobre a prática docente participativa os atores trouxeram para
o diálogo outras questões pertinentes que perpassavam pela propria organização e
estruturação do PPGEd-UFPE. Como podemos ver a seguir: extraímos das narrativas o
desenho elaborado pelos entrevistados. Oprimido reafirma que o “[...] programa de
mestrado e doutorado tem uma responsabilidade muito grande na formação desses
pesquisadores”, para Autonomia essa finalidade “[...] deixa a desejar em função de
todas essas políticas das agências de fomentos”. Para Oprimido, o PPGEd-UFPE,
respeitando, às vezes de forma crítica as determinações dos órgãos de fomento à
pesquisa diz que “[...] ainda trata o mestrado a um nível de formação e o doutorado
outro nível de formação. [...] comparativamente com outros programas do Brasil que
conheço tem um trabalho em média muito bom. [...] a gente continua tendo uma média
de pesquisa, de trabalho de conclusão do doutorado, de pesquisa de mestrado que são
com um nível alto de cuidado e de contribuição”.
Dialeticamente à posição de Oprimido, Práxis aponta que a formação para a
docência dentro do programa está assistida. E nos fala que “[...] o fato de ser um
currículo de educação, em termos de pós-graduação, damos uma boa contribuição à
formação do docente para o ensino superior? Acho que tem os fundamentos, a parte
dos fundamentos que são bem contemplados, a própria didática está aqui [...]. [E], pelo
fato do objeto nosso [ser] a educação, a prática docente, o ensino [...] É claro que isso
nunca é satisfatório, nunca é [...] não satisfaz plenamente porque a formação é um ato
contínuo a formar. A gente vive formando-se. É um ato inconcluso.”
Com o olhar guiado pelos princípios da etnometodologia, essas referências não
se apresentam uniformes, fluindo-se dispares em relação ao sentido e significado do
processo formativo existente no PPGEd/UFPE. O princípio da indicialidade permite ver
suas expressões para analisar as relações existentes no universo. Tomando o princípio
da reflexividade, torna-se evidente que os atores fazem uso da autonomia acadêmica
para materializar sua prática docente com diferentes formas de expressão, o que na
visão dos mesmos tem qualificado essas práticas.
Criatividade traz sua contribuição: “[...] a prática docente ela não só se dá
quando eu estou na sala de aula discutindo um conhecimento. A prática docente ela se
dá nos corredores do programa ou da universidade. Ela se dá nos eventos científicos,
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quer dizer, a gente deve ter outra percepção do que é prática docente e aí mais ainda,
uma prática docente participativa”. A propriedade totalidade é compreendida como a
atitude de se relacionar com as pluralidades, portanto, encontramos na narrativa de
Criatividade acima a presença desta propriedade ao se referir a uma concepção mais
ampliada da prática docente.
Autonomia descreve sua prática: “[...] a gente só pode pensar a prática docente
numa relação. A sua relação com os estudantes, com os alunos, mas você também no
programa de formação seja de graduação, seja de pós, você está também nessa
relação. Essa prática em que você tem uma relação direta, com o aluno. [...] a gente
entende como essa prática de sala de aula, o fazer cotidiano do professor nessa relação
com os alunos. [...] tua prática docente tu não fazes sozinho não. Tu fazes na interação,
na relação que tu estabeleces com o outro. Cada grupo tem uma feição. A gente vai
criando um modo de trabalhar, embora os conteúdos sejam os mesmos essa dinâmica é
outra. A gente tem um contrato didático estabelecido, mesmo que eu não traga isso no
papel. À medida que eu vou trabalhando isso vai se consolidando”.
Autonomia apresenta na narrativa as propriedades totalidade por se referir a uma
pluralidade de relações e territorialidade pela ressignificação de valores e conceitos que
vão lhe dando um modo seu de trabalhar conformando assim sua identidade.
Em relação à prática docente participativa os atores narram: Conscientização
diz: “É quanto às categorias que vocês levantaram. Eu acho que alguns nomes que
vocês deram a alguns dos conceitos. Não ficou muito próprio. Por exemplo: nome que
vocês dão aqui à totalidade. Eu não daria esse nome. Eu usaria talvez o termo
integralidade. Oprimido diz: “Com relação à totalidade é uma categoria com a qual eu
tenho certa dificuldade. [...] eu ainda me incomodo muito com os resquícios de certos
pensamentos marxistas que acham que para você estudar algo você precisa pegar o
todo, todas as ações e os determinantes, porque você termina falando tanto do todo que
não olha pra as partes. Eu acho que fazer ciência é fazer recortes”.
Elegemos a totalidade como categoria da prática docente porque a entendemos
complexa e dinâmica e que o todo dessa prática não é somatório, mas sim, relações,
muitas vezes contraditórias, em pares dialéticos, com simetrias e assimetrias que
implicam em pluralidades.
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Criticidade argumenta: “[...] a prática docente ela... é... não tem como não ser
participativa no momento que a gente entende que não há docência sem discência.”
Criatividade me sentir muito próxima disso, eu disse: puxa vida, é isso mesmo que a
gente vem fazendo, que a gente vem tentando garantir no nosso cotidiano acadêmico.
[porque] [...] isso é uma característica da prática docente participativa, dessa troca,
dessa simbiose, desse não medo ao dizer eu não sei, eu vou aprender, eu vou buscar, eu
vou construir. [...] que ela seja sensível, que ela seja amorosa. E ela vai ser decidida
participativamente no momento em que o planejamento participativo existir. Mudança
diz: “Pra mim uma prática docente participativa não é como às vezes a gente pode
entender de uma maneira rasteira, mais simplificada, entender uma prática docente
participativa como aquela prática que permite aos sujeitos, digamos: opinarem sobre
as intencionalidades ou sobre os processos mesmos que sejam experienciados naquela
prática. Que seria exatamente se nessa prática docente há um espaço para que os
sujeitos eles possam se colocar nessa prática participativa exatamente como sujeitos, e
não como objetos a serem pré-formados por essa prática docente”.
Considerações finais
Ao refletir as narrativas encontramos aproximações e mesmo concordância com
o que estamos tratando no estudo, com o que os atores docentes trouxeram. Podemos
dizer que em sua maioria os atores entrevistados concebem uma prática docente
participativa e apontam algumas limitações para seu exercício.
Dos relatos sobre a prática docente, podemos em síntese colocar que a prática
docente o PPGEd/UFPE aponta para dois vieses de formação: a do docente e a do
pesquisador. Existe uma unanimidade no sentido de se exercer uma prática
humanizadora. E esta prática docente que é da pós-graduação, mas pode também ser de
outros níveis de escolaridade. Ela, na pós-graduação, acontece em três momentos
distintos, que são: na sala de aula; na produção de pesquisa e na orientação.
Percebemos que uma das preocupações que permeia o pensamento dos
professores é com a separação que acontece no ato educacional de se dar uma conotação
maior à produção intelectual do que à formação desse estudante. Aparece ainda o
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cuidado para que o aluno do mestrado e doutorado não faça de contas que está
estudando.
É evidente na fala dos docentes que a prática docente ela não se faz sozinha.
Mas, cada um vai criando sua forma de trabalhar, de construir e realizar sua prática.
Podemos assim dizer apoiado nas ideias de Tardif (2002), são os saberes da experiência
que irão forjando essa prática que se constitui no PPGEd/UFPE.
Essa prática que é uma prática de responsabilidade, isto é, tanto consigo mesmo
quanto pelo sentido etimológico – ter o poder de resposta – isto significa preparar-se
para o que será tratado. E que implica também em comprometimento dela com ela
mesma. Seja docente ou discente.
Em síntese, as preocupações dos atores docentes se complementam emergindo
assim, várias questões para serem pensadas.
Com atenção ao relatado pelos atores, podemos refletir e perceber que apesar das
restrições e ressalvas feitas por alguns deles sobre as propriedades elencadas como
elemento constitutivo de uma prática docente participativa, podemos dizer que
chegamos com saldo positivo, isto é, os professores reconhecem as propriedades como
elementos que podem vir possibilitar uma formação mais qualificada e uma prática
docente mais participativa.
A prática docente participativa é uma produção científica que se apresenta
como possibilidade que foi reconhecida pelos que dela vivenciaram e vivenciam, como
constatada pela pesquisa base realizada para a escolha dos atores docentes de pesquisa.
O que queremos dizer é que essa construção encontra respaldo e podemos então afirmar
que ela não só existe teoricamente. Ela já se faz presente no universo de pesquisa.
Por meio da pesquisa base que realizamos com os atores discentes – alunos e
egressos do PPGEd–UFPE – apontou aproximações da existência da prática docente tal
como nós a descrevemos e conceituamos, na qual a participação é elemento chave e
encontra eco na prática docente participativa, principalmente na sistematização do
planejamento participativo. A sua existência também passa a ser comprovada pelos
atores docentes.
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Como podemos ver a opção metodológica por nós escolhida, ou seja, a
etnometodologia nos fez percorrer caminhos que nos levaram a desvelar o objeto de
pesquisa com maior profundidade, porque seus conceitos-chave nos possibilitam esse
desvelar. A etnometodologia nos fez ver e certificar a possibilidade e existência da
prática docente participativa como também a liberdade de transitar na pesquisa.
Referências
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Federal de Pernambuco, 2008.
FRANÇA, Tereza Luíza de. Educação – Corporeidade – Lazer: saber da experiência
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Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2003.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 8.
ed., São Paulo: Paz e Terra, 1998. (Coleção Leitura).
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KOSÍK, Karel. Dialética do concreto. Tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio. 5.
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MACEDO, Roberto Sidnei. Etnopesquisa crítica, etnopesquisa-formação. – Brasília:
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MACHADO, Lizandre Maria Lins. Docência na Pós-Graduação em Educação:
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MINAYO, Maria Cecília de Souza. Pesquisa Social – Teoria, Método e Criatividade.
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Bagaço, 2007.
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i. Conforme exposta por Souza (2007), ver referência.
ii. PPGEd/UFPE – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco.
iii. Para tratar dos Conceitos-chave da etnometodologia ver: COULON, Alain. Etnometodologia.
Tradução de Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1995. FRANÇA, Tereza Luíza de. Educação –
Corporeidade – Lazer: saber da experiência cultural em prelúdio. Natal: UFRN, 2003. Tese
(Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
2003. MACHADO, Lizandre Maria Lins. Docência na Pós-Graduação em Educação: repercussões da
prática docente participativa na formação do pesquisador. Recife: UFPE, 2010. Dissertação (Mestrado).
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Pernambuco, 2010. Dentre outros
autores. iv. Construída na produção de: MACHADO, Lizandre Maria Lins. Docência na Pós-Graduação em
Educação: repercussões da prática docente participativa na formação do pesquisador. Recife: UFPE,
2010. Dissertação (Mestrado). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de
Pernambuco, 2010 v. Hoje já existem diversas produções científicas que ao se apropriarem do conhecimento dessa teoria
metodológica optaram por esse caminho. Ver teses e dissertações do banco de teses da biblioteca do
Programa de Educação – UFPE. Além da tese de França já citada anteriormente neste texto. vi. Ver dissertação de Mestrado 2010, PPGEd/UFPE, MACHADO, Lizandre Maria Lins. Mais
informação na referência vii
. Texto norteador – produção criada e construída pela professora Dra. Tereza Luíza de França no
momento de seu doutorado. UFRN-2003.
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
Junqueira&Marin Editores Livro 2 - p.004874