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  • &estudos no campo da comunicao

    Artigos produzidos especialmente para o Programa de Bolsas para Trabalhos de Concluso de Curso - Agosto de 2009 a Janeiro de 2010

  • Braslia, 2011

    Programa InFormao ANDI Comunicao e Direitos Projeto Criana e Consumo do Instituto Alana

    &estudos no campo da comunicao

  • ANDI Comunicao e DireitosPresidente do Conselho:Cenise Monte Vicente

    Vice-presidente do Conselho:Mrcio Ruiz Schiavo

    Secretrio Executivo:Veet Vivarta

    Gerente do Ncleo de Qualicao eMonitoramento de Mdia:Fbio Senne

    SDS Ed. Boulevard Center, Bloco A , Sala 101Cep: 70.391-900Braslia - DFTelefone: (61) 2102-6508Fax: (61) 2102-6550E-mail: [email protected]: www.andi.org.br

    Projeto Criana e ConsumoInstituto AlanaPresidente:Ana Lucia de Mattos Barretto Villela

    Coordenadora Geral:Isabella Henriques

    Coordenadora de Educao e Pesquisa:Lais Fontenelle Pereira

    Rua Sanso Alves dos Santos 102 / 4 andarCep: 04571-090So Paulo - SPTelefone: (11) 3472-1631E-mail: [email protected]: www.criancaeconsumo.org.br

    O uso de um idioma que no discrimine e nem marque diferenas entre homens e mulheres ou meninos e meninas uma das preocupaes da ANDI e do Instituto Alana. Porm, no h acordo entre os linguistas sobre a maneira de como faz-lo. Dessa forma, com o propsito de evitar a sobrecarga grfica para marcar a existncia de ambos os sexos em lngua portuguesa, na presente obra optou-se por usar o masculino genrico clssico na maioria dos casos, ficando subentendido que todas as menes em tal gnero representam homens e mulheres.

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    ApresentaoO conceito de sociedade de consumo nunca se fez to presente quanto na atualidade. No est em jogo apenas o acesso a produtos, mas tambm a conformao de estilos de vida, valores e subjetividades.

    inegvel que esse processo se acelera com a crescente influncia da mdia sobre as relaes sociais e a forma como organizamos nosso dia a dia. Numa sociedade impulsionada pela in-formao, cresce a velocidade de circulao de contedos e multiplicam-se a mobilidade e os canais que prometem uma vida cada vez mais conectada na rede.

    Sob este novo contexto sociocultural, crianas e adolescentes crescem estimulados a per-ceber o mundo e as relaes humanas sob a tica do mercado. Faz-se necessrio, portanto, que os agentes sociais mobilizem esforos para mitigar potenciais impactos negativos sobre o desenvolvimento infantil o que envolve a aplicao adequada dos marcos regulatrios e a participao ativa da sociedade civil.

    No Brasil, o tema tende a ganhar cada vez mais espao no debate pblico. Estamos assistindo a um aumento do poder de compra de esferas da sociedade que ao longo da histria foram mantidas margem do mercado consumidor. O que, por um lado, surge como um processo de incluso do ponto de vista econmico, por outro, torna mais decisiva a discusso sobre a sustentabilidade de um modelo de consumo desordenado.

    nesse debate que se insere a presente publicao, iniciativa da ANDI Comunicao e Di-reitos e do Projeto Criana e Consumo do Instituto Alana. Reunindo sete artigos assinados por estudantes de graduao e professores universitrios, as pginas a seguir perpassam trs grandes temas que mobilizam este debate contemporneo em todas as regies do pas: Crian-a, Consumo e Mdia; Desafios para a Autorregulamentao da Publicidade; e A Relao entre a Publicidade e a Expanso do Consumo das Classes C e D no Brasil.

    A parceria estratgica entre a ANDI e o Instituto Alana oferece bolsas de estudo para apoiar o desenvolvimento de Trabalhos de Concluso de Curso (TCCs) defendidos em instituies pblicas e privadas de ensino superior em diversos estados do Brasil uma ao que se insere no mbito do InFormao Programa de Cooperao para a Qualificao de Estu-dantes de Jornalismo, mantido pela ANDI com o apoio do Frum Nacional dos Professores de Jornalismo (FNPJ).

    Com este incentivo, o objetivo das instituies estimular, no cotidiano das universidades, a discusso sobre temas relacionados ao consumismo na infncia e suas consequncias. Es-pera-se, portanto, contribuir para a formao de profissionais que atuem na construo de uma sociedade orientada pela garantia e pelo exerccio pleno dos direitos das crianas e dos adolescentes, conforme estabelece o Artigo 227 da Constituio.

    Boa leitura!

    Veet VivartaSecretrio Executivo

    ANDI - Comunicao e Direitos

    Isabella HenriquesCoordenadora Geral

    Projeto Criana e Consumo do Instituto Alana

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    SUMRIO

    Publicidade Infantil: Limites e proibies luz dos direitos da criana no ordenamento jurdico face ineficincia da autorregulamentao

    (Daniele Freitas da Silva) | pg 6

    A regulao da publicidade dirigida a crianas e adolescentes

    (Joo Marcos Gomes Lessa) | pg 20

    Efeitos persuasivos da mdia: Uma anlise das estratgias utilizadas pelas propagandas em programas infantis

    (Lucas Soares Caldas e Fabio Iglesias) | pg 34

    A infncia nostlgica e colorida vende: A criana nos anncios das revistas Veja, Isto , poca e Carta Capital

    (Ramona Carmelina Heldt e Sara Schmidt) | pg 51

    Garotas-Propaganda: Uma anlise do consumismo de meninas pr-adolescentes de Salvador

    (Savana de Carvalho Caldas) | pg 65

    Recepo da publicidade por crianas de classe alta e baixa: Da resistncia aos cinco anos para a consolidao dos valores de consumo na pr-adolescncia

    (Thalita Bruck) | pg 80

    O Design Grfico no desenvolvimento de projetos publicitrios para as classes de baixa renda: Anlise das mdias das lojas de varejo Ricardo Eletro e Casas Bahia com foco no pblico infanto-juvenil

    (Thiago Augusto Nicolini Silva e Rita Aparecida da C. Ribeiro) | pg 93

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    Publicidade Infantil: Limites e proibies luz dos direitos da criana no ordenamento jurdico face ineficincia da autorregulamentao1

    Daniele Freitas da Silva2

    ResumoEste trabalho se volta anlise da atuao do controle privado publicitrio, cujo foco a criana. Busca-se compreender de maneira crtica o desempenho da autorregulamentao no pas, cuja atuao v-se embaraada pela dificuldade de imposio de limites atuao de seu prprio mercado. Busca-se analisar as limitaes jurdicas existentes autuao mercadolgica, bem como a viabilidade de proibio da publicidade dirigida criana.

    A inexistncia do controle misto face ineficincia da autorregulamentao: Reflexos da atuao mercadolgica publicitria infantilNo Brasil, no que diz respeito ao controle da publicidade, alm das formas de regulamentao vistas sob o enfoque da Constituio Federal e do Cdigo de Defesa do Consumidor, h ainda o controle privado da publicidade: a chamada autorregulamentao. Trata-se do controle publicitrio exercido pelo prprio mercado. No Brasil, a autorregulamentao3 exercida pelo Conselho de Autorregulamentao Publicitria (Conar), sua funo , entre outras, de impedir que a publicidade enganosa ou abusiva cause constrangimento ao consumidor ou a empresas (Portal do conselho, 2011).

    1 O presente artigo foi apoiado pela ANDI Comunicao e Direitos, no mbito do Programa InFormao Programa de Cooperao para a Qualificao de Estudantes de Jornalismo, e pelo Instituto Alana no mbito do Projeto Criana e Consumo. Os contedos, reflexes e opinies constantes deste trabalho, bem como do Projeto que a ele deu origem, no representam, necessariamente, as opinies das instituies apoiadoras.

    2 Graduada em direito pela Faculdade de Direito de Vitria.

    3 Conforme preceitua Marcelo Abelha Rodrigues a autorregulamentao da publicidade no um privilgio brasileiro, nem tampouco fomos pioneiros no desenvolvimento desse sistema de tutela. Prova disso, o Ato sobre as prticas de comrcio da Austrlia. 52 (Australian Trade Practics) que propiciou a formao de processos sobre competio e estatutos de proteo ao consumidor. (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ensaio sobre a publicidade e o seu regime jurdico no direito brasileiro. Revista dos Tribunais, n. 864. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 37)

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    O surgimento do Conar vincula-se necessidade de regrar a publicidade em face da prpria publicidade, ou seja, seguindo a tendncia mundial, os publicitrios brasileiros agregaram-se para estabelecer regras de conduta (RODRIGUES, 2007, p. 35). Por consequncia, tais normas passaram a beneficiar as relaes consumeristas. Nesta linha, interessante destacar que o Conar surgiu, ento, por iniciativa dos publicitrios, visando proteger-se contra a concorrncia desleal.

    Por outro lado, evidencia-se que, no Brasil, o surgimento da autorregulamentao tambm se liga preocupao do mercado publicitrio com o surgimento de legislao que viesse a limitar sua atuao. Nessa esteira, aponta Marcelo Abelha (2007, p. 36) que no Brasil, em face da preocupao de regulamentao legal da publicidade, foi o principal fator que desencadeou a criao do Conar. Preocupados com uma eventual legislao, os publicitrios cuidaram de rapidamente efetivar a criao do Conar.

    Assim, o que se observa que as razes originrias do conselho no se voltam proteo do consumidor, mas sim, tutela das relaes mercadolgicas entre si. Em uma anlise mais atual, as atividades do conselho no se diferenciam muito daquelas caractersticas originrias, pois ainda se verifica a ausncia de controle pelo conselho no que tange publicidade e, no caso sob anlise, quelas mensagens publicitrias abusivas dirigidas s crianas.

    Diante dessas explanaes, surgem alguns questionamentos: possvel afirmar que, no Brasil, h, de fato, um controle misto publicitrio, assim apontado pela doutrina consumerista? Isto , a autorregulamentao e o controle estatal atuam harmonicamente com vistas inibio publicitria abusiva infantil?

    A resposta negativa. O que se observa a ausncia da atuao privada. Disserta Isabella Vieira (HENRIQUES, 2010, p. 78) que a prtica tem demonstrado a insuficincia da autorregulamentao no Brasil, principalmente pelo fato de ser regida por interesses do prprio setor regulado. Mas tambm porque no chega ao vasto territrio brasileiro e nem afeta todas as empresas dos diferentes ramos produtores e anunciantes.

    Sendo assim, o que se verifica somente a materializao da atuao estatal. Isso quer dizer que somente o Estado se mostra atuante nos casos de abuso publicitrio com mensagens direcionadas criana. o que ocorre, por exemplo, com o controle pblico que se d por meio de agncias reguladoras, como o Procon e as delegacias do consumidor, e, sobretudo, o controle pblico realizado por meio do Ministrio Pblico.

    Em uma anlise mais aprofundada acerca do tema, verifica-se que a doutrina consumerista aponta diversas causas, alm das supra apontadas,

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    para a ineficincia da autorregulamentao. o que identifica, por exemplo, o autor Adalberto Pasqualotto (1997, p. 68), o qual aponta o acolhimento espontneo das normas do Conar como uma caracterstica prejudicial sua eficincia, uma vez que os estatutos da entidade no lhe outorgam nenhum poder coativo e, de qualquer modo, esse poder sempre seria limitado, por se tratar de sociedade privada.

    O autor complementa (2007, p. 38) ainda que at o mais desavisado dos leigos percebe que as normas do Conar constituem meras recomendaes, que nunca possuram e no possuem o condo de obrigar a nada os seus associados e potenciais associados, pois no so convertidas em normas jurdicas, ficando apenas no plano do acatamento por mera convenincia.

    As punies previstas no Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao4, como prescrito em seu artigo 50, so divididas em quatro modalidades. Primeiro, a norma menciona a modalidade advertncia. Em seguida, traz a recomendao de alterao ou correo do anncio. Aps, recomendao de suspenso da veiculao e prescreve, enfim, a modalidade de divulgao da posio do Conar com relao ao anunciante, agncia e ao veculo, atravs de veculos de comunicao, em face do no-acatamento das medidas e providncias preconizadas.

    Em todas as alneas do referido artigo 50, no se verifica coero em caso de descumprimento. Por no possurem carter jurdico, tornam-se apenas recomendaes a serem acatadas de modo espontneo e, portanto, seus preceitos no-normativos ficam no plano abstrato. Alm disso, as punies arroladas no artigo no demonstram eficincia. Aduz Valria Falco (2001, p. 27) argumenta que h uma desproporo entre as penas previstas no Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria e os danos causados pelos infratores. Com essas palavras, a autora quer dizer que a autorregulamentao no capaz de punir com eficincia seus filiados. Primeiro porque, como j apontado, suas normas no possuem vinculao jurdica e, segundo, as punies arroladas em seu artigo 50 no so capazes de inibir prticas mercadolgicas abusivas.

    Sendo assim, a autodisciplina do controle privado promovida pela edio de cdigos de tica ou conduta cujas normas no possuem juridicidade.

    4 Artigo 50 do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao. CAPTULO V - INFRAES E PENALIDADES. Artigo 50 - Os infratores das normas estabelecidas neste Cdigo e seus Anexos estaro sujeitos s seguintes penalidades: a. advertncia; b. recomendao de alterao ou correo do anncio; c. recomendao aos Veculos no sentido de que sustem a divulgao do anncio; d. divulgao da posio do Conar com relao ao Anunciante, Agncia e ao Veculo, atravs de Veculos de comunicao, em face do no-acatamento das medidas e providncias preconizadas. 1 - Compete privativamente ao Conselho de tica do Conar apreciar e julgar as infraes aos dispositivos deste Cdigo e seus Anexos e, ao Conselho Superior do Conar, cumprir e fazer cumprir as decises emanadas do Conselho de tica em processo regular. 2 - Compete privativamente ao Conselho Superior do Conar alterar as disposies deste Cdigo, bem como alterar, suprimir e acrescentar-lhe Anexos. (BRASIL. Conselho nacional de autorregulamentao publicitria. Disponvel em: . Acesso em: 25 maio 2010).

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    Sua natureza autodisciplinar, de carter contratual, estaciona no plano do acatamento voluntrio. Seu sistema, portanto, no vai alm de simblicas advertncias. Esse acatamento espontneo mostra-se mais grave quando analisado sob a perspectiva de uma propaganda abusiva direcionada criana. Neste caso, a publicidade em plena veiculao no encontra limite no controle privado, haja vista que a autorregulamentao no pode forar a no exibio da mensagem.

    Todavia, analisando o tema sob o enfoque da legislao vigente, verifica-se que esta seria capaz de inibir a publicidade infantil abusiva se respeitados os seus preceitos. Isso porque qualquer publicidade que seja prejudicial sade fsica ou mental , por si s, passvel de proibio. Do ponto de vista constitucional, aproveitar-se da ausncia de capacidade de julgamento infantil afronta aos preceitos que tutelam a criana, sendo isso motivo suficiente para restringir a publicidade de modo que a tal proibio no caracterize um impedimento arbitrrio.

    Isso significa dizer que a autorregulamentao no possui eficcia e toda a historicidade protetiva do ordenamento jurdico dado infncia se esvazia frente ilimitada atuao publicitria.

    A publicidade no pode ser elevada ao nvel de manifestao intelectual de modo algum. Tal elevao garante a essa atividade meramente comercial o status de garantia fundamental, esta sim, amplamente tutelada pela Constituio, como o caso, por exemplo, da liberdade de expresso. Todavia, ainda que elevado ao nvel de garantia fundamental, o direito de fazer publicidade no seria uma garantia absoluta, pois todas as garantias constitucionalmente previstas esto sujeitas s ponderaes.

    Para comprovar a argumentao supracitada, a doutrina constitucionalista (BULOS, 2010, p. 520) afirma que os direitos e as garantias fundamentais, em regra, so relativos, e no absolutos e esse o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. O autor respalda-se em explanaes do prprio Supremo Tribunal Federal que, embora reconhecendo a importante funo que possui o princpio da convenincia entre liberdades, definiu que nenhuma prerrogativa pode ser exercida de modo danoso ordem pblica e aos direitos e garantias fundamentais, pois toda ponderao sofre limitao de ordem tcnico-jurdica.

    Em contrapartida aos interesses sociais, bem como afronta direta s tutelas constitucionais direcionadas criana, a autorregulamentao est inclinada para os interesses do prprio mercado, desvirtuando sua funo fiscalizatria e a de oferecer diretrizes saudveis para as prticas publicitrias. A autorregulamentao mantm-se inerte diante da destruio do desenvolvimento infantil5.

    5 Para Isabella Vieira Machado Henriques (2008, p. 188) os maiores efeitos adversos da publicidade abusiva dirigida

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    Em outras palavras (Alana, 2009, p. 27) a tendncia em concretizar a formao e a produo do segmento de crianas consumidoras. Aqui se evidencia um problema que tambm se fortalece pela ausncia de preceito normativo jurdico para a publicidade infantil: o vazio legislativo potencializa a ao abusiva mercadolgica cuja consequncia a infncia corrompida pelo mercado, pois a mensagem publicitria (Alana, 2009, p. 27), estritamente comercial e pouco educativa, vem sendo sistematicamente condenada pelas instituies sociais de proteo infncia e ao consumidor, terminando classificada como um desrespeito criana.

    Se a mensagem publicitria com vistas ao estmulo ao consumo exagerado capaz de influenciar adultos, ao tratar-se da criana, os olhares devem estar ainda mais atentos. Conforme explica Ana Lucia Villela (Alana, 2009), o consumo descomedido, acoplado distoro de valores, uma das consequncias mais desastrosas da presso publicitria.

    A autora citada, em entrevista ao Projeto Criana e Consumo, destaca que nem sempre a idade o fato principal a ser analisado, uma vez que at mesmo os adultos so vtimas do despejo infindvel de publicidade. Isso porque, concluiu a autora (VILLELA, 2009, p. 8), os pais tambm so vtimas, mas nem percebem. [...] Porque o apelo emocional do consumo atinge todo mundo!

    As crianas so, portanto, alvo lucrativo, e no intuito de legitimar sua atuao abusiva, o mercado se apia, erroneamente, na garantia fundamental de liberdade de expresso. Afirma-se um posicionamento equivocado, pois, como dito, a liberdade de expresso (genuinamente uma garantia fundamental) e liberdade de se fazer publicidade (um conceito meramente comercial) so amplamente distintos e no possuem o mesmo tratamento constitucional.

    Por todos esses apontamentos se evidencia a ausncia da autorregulamentao no pas, comprovando-se, assim, a ideia inicial de que, no Brasil, s h o controle exclusivamente pblico. Ainda assim, no permitido, por todas as diretrizes ticas e morais contidas no ordenamento jurdico, a manifestao abusiva do mercado, independentemente da vigncia ou no de um controle misto publicitrio.

    Neste ponto, importante analisar os reflexos dessa atuao mercadolgica publicitria infantil desenfreada, cujo controle privado permanece inerte. Ora, a criana por si s ingnua e consequentemente crdula, ou seja, desconhece a realidade e acredita em tudo que lhe apresentado. Diante

    criana dizem respeito formao de sua personalidade, seu carter e seus valores ticos, sociais, culturais e morais. Publicidades geram, no final das contas, tristezas, decepes e frustraes por motivos fteis e banais tais como o de no possuir determinado produto ou o de no usufruir determinado servio que nunca seria dessa forma vivenciado pela criana. Ou, quando pior, geram inveja, ganncia, gula e um consumismo despropositado.

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    disso, campanhas publicitrias exploram sua falta de discernimento por meio de um bombardeio publicitrio, cujo intuito exclusivamente vender.

    Junto a este marketing para a venda a qualquer custo, fatores prejudiciais passam a integrar a vida infantil. Segundo Isabella Vieira Machado Henriques (2008, p. 87), uma pesquisa realizada pela academia americana de pediatria, sobre os efeitos do costume das crianas de assistir televiso, concluiu que essa rotina acarreta criana uma srie de impactos negativos, tais como: agressividade, obesidade, precoce iniciao da atividade sexual, baixo rendimento escolar e depreciao da autoimagem.

    Por fim, em funo de todos os fatores prejudiciais expostos quanto a uma publicidade sem limites de atuao, se faz imprescindvel o controle publicitrio. No caso de publicidade abusiva infantil, um controle publicitrio eficiente, com normas jurdicas especficas, com proibio total a este tipo de veiculao pede urgncia. Embora a ideia de um controle misto no Brasil seja apontado pela doutrina, isto , autorregulamentao e controle pblico atuando concomitantemente, a uno do contedo da legislao privada com o poder de coero do controle pblico est, por enquanto, apenas no plano terico.

    A atuao publicitria e o ordenamento jurdico ptrio: limites legais e proibio da publicidade voltada ao pblico infantilA mdia, assim como os instrumentos digitais, evolui rapidamente, proporcionando conexo entre pessoas do mundo inteiro, difundindo novas ideias, culturas, impondo novas tendncias e comportamentos. Todos esses fatores, ligados, em sua maioria, pela publicidade, exigem maior preparo jurdico dos ordenamentos para os litgios que venham a surgir dessas relaes.

    O Direito, por sua vez, no caminha na mesma celeridade e modernizao que os meios de comunicao. No Brasil, conforme dito, o ordenamento jurdico no tem sido capaz de impor limites s prticas mercadolgicas publicitrias abusivas. Por esse motivo, afrontas aos preceitos fundamentais constitucionais e outras garantias direcionadas tutela infantil so comuns e o desenvolvimento saudvel do infanto fica cada vez mais merc de abusividades mercadolgicas.

    Assim, a ausncia de legislao especfica origina um terreno frtil para prticas abusivas atentatrias dignidade infantil. O descaso da autorregulamentao colabora para a distoro de institutos jurdicos, como a liberdade de expresso. Os investimentos intensos e o aumento da

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    atuao desenfreada tornam-se cada vez mais potentes quando se observa, conforme Susan Linn (2006, p. 251), que, em 1983, as empresas gastavam US$ 100 milhes por ano em publicidade direta para crianas. Hoje elas gastam US$ 15 bilhes.

    Como afirmado anteriormente, o legislador no acompanhou a evoluo mercadolgica e os altos investimentos so ainda favorecidos pela ausncia de legislao especfica. O surgimento de novas situaes que necessitam de tutela legislativa, como nestes casos, encontram o obstculo, acerca da proteo legislativa, da cavidade normativa. Nas palavras de Francesco Carnelutti (2000, p. 184), este o fenmeno conhecido pelo nome de lacunas do direito. Com isto, pretende-se dizer que no tecido da ordem jurdica h solues de continuidade que deixam fugir um ou outro caso.

    Acresce ainda o mesmo autor (CARNELUTTI, 2000, p. 184) que tal fenmeno tem particularmente sido estudado a propsito da insuficincia da produo legislativa, mas claro que deve, pelo contrrio, colocar-se em um plano mais geral, considerando todas as fontes jurdicas no seu conjunto ou na sua combinao. Assim, existe uma lacuna quando um caso no regulado no s pela fonte legislativa, como por qualquer outra fonte.

    E isso exatamente o que ocorre com o ordenamento jurdico ptrio quando o assunto publicidade infantil, pois este no prev com especificidade ou clareza a forma de atuao publicitria destinada ao pblico infantil. Muito embora o Cdigo de Defesa do Consumidor no tenha desprezado de modo absoluto uma previso sobre o tema, no age com especificidade acerca da imposio limite.

    Nessa linha, interessante apontar os atuais limites da atuao publicitria no Brasil. As previses esto contidas nos artigos 227 da Constituio Federal6; nos artigos 4, 5, 6; 7, 17, 18, 53 e 76 todos da Lei n 8.069/90 (Estatuto da Criana e do Adolescente7). A limitao atuao publicitria 6 CF. Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso.

    7 Lei n 8.069/80 (Estatuto da Criana e do Adolescente). Art. 4 dever da famlia, da comunidade, da sociedade em geral e do poder pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria. Pargrafo nico. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteo e socorro em quaisquer circunstncias; b) precedncia de atendimento nos servios pblicos ou de relevncia pblica; c) preferncia na formulao e na execuo das polticas sociais pblicas; d) destinao privilegiada de recursos pblicos nas reas relacionadas com a proteo infncia e juventude. Art. 5 Nenhuma criana ou adolescente ser objeto de qualquer forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, punido na forma da lei qualquer atentado, por ao ou omisso, aos seus direitos fundamentais. Art. 6 Na interpretao desta Lei levar-se-o em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigncias do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condio peculiar da criana e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. [...] Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade fsica, psquica e moral da criana e do adolescente, abrangendo a preservao da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idias e crenas, dos espaos e objetos pessoais. Art. 18. dever de todos velar pela dignidade da criana e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento

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    tambm est estabelecida na Conveno da Organizao das Unidas (ONU) sobre os Direitos da Criana, ratificada pelo Brasil, em seus artigos 1, 6, 13, 17, 28, 29, 318. Verifica-se, ainda, no Cdigo de Defesa do Consumidor (CDC) as limitaes contidas nos artigos 36 e 379, preceitos desumano, violento, aterrorizante, vexatrio ou constrangedor. [...] Art. 53. A criana e o adolescente tm direito educao, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exerccio da cidadania e qualificao para o trabalho, assegurando-se-lhes: I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; II - direito de ser respeitado por seus educadores; III - direito de contestar critrios avaliativos, podendo recorrer s instncias escolares superiores; IV - direito de organizao e participao em entidades estudantis; V - acesso escola pblica e gratuita prxima de sua residncia. [...] Art. 76. As emissoras de rdio e televiso somente exibiro, no horrio recomendado para o pblico infanto juvenil, programas com finalidades educativas, artsticas, culturais e informativas.

    8 Conveno da ONU sobre os Direitos da Criana. Art. 1. Para efeitos da presente Conveno considera-se como criana todo ser humano com menos de dezoito anos de idade, a no ser que, em conformidade com a lei aplicvel criana, a maioridade seja alcanada antes. [...] Art. 6. 1. Os Estados Partes reconhecem que toda criana tem o direito inerente vida. 2. Os Estados Partes asseguraro ao mximo a sobrevivncia e o desenvolvimento da criana. [...] Art. 13. 1. A criana ter direito liberdade de expresso. Esse direito incluir a liberdade de procurar, receber e divulgar informaes e idias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criana. 2. O exerccio de tal direito poder estar sujeito a determinadas restries, que sero unicamente as previstas pela lei e consideradas necessrias: a) para o respeito dos direitos ou da reputao dos demais, ou b) para a proteo da segurana nacional ou da ordem pblica, ou para proteger a sade e a moral pblicas. [...] Art. 17. Os Estados Partes reconhecem a funo importante desempenhada pelos meios de comunicao e zelaro para que a criana tenha acesso a informaes e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente informaes e materiais que visem a promover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua sade fsica e mental. Para tanto, os Estados Partes: a) incentivaro os meios de comunicao a difundir informaes e materiais de interesse social e cultural para a criana, de acordo com o esprito do artigo 29; b) promovero a cooperao internacional na produo, no intercmbio e na divulgao dessas informaes e desses materiais procedentes de diversas fontes culturais, nacionais e internacionais; c) incentivaro a produo e difuso de livros para crianas; d) incentivaro os meios de comunicao no sentido de, particularmente, considerar as necessidades lingusticas da criana que pertena a um grupo minoritrio ou que seja indgena; e) promovero a elaborao de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criana contra toda informao e material prejudiciais ao seu bem-estar, tendo em conta as disposies dos artigos 13 e 18. [...] Art. 28. 1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criana educao e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condies esse direito, devero especialmente: a) tornar o ensino primrio obrigatrio e disponvel gratuitamente para todos; b) estimular o desenvolvimento do ensino secundrio em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornando-o disponvel e acessvel a todas as crianas, e adotar medidas apropriadas tais como a implantao do ensino gratuito e a concesso de assistncia financeira em caso de necessidade; c) tornar o ensino superior acessvel a todos com base na capacidade e por todos os meios adequados; d) tornar a informao e a orientao educacionais e profissionais disponveis e accessveis a todas as crianas; e) adotar medidas para estimular a frequncia regular s escolas e a reduo do ndice de evaso escolar. 2. Os Estados Partes adotaro todas as medidas necessrias para assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira compatvel com a dignidade humana da criana e em conformidade com a presente conveno. 3. Os Estados Partes promovero e estimularo a cooperao internacional em questes relativas educao, especialmente visando a contribuir para a eliminao da ignorncia e do analfabetismo no mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos cientficos e tcnicos e aos mtodos modernos de ensino. A esse respeito, ser dada ateno especial s necessidades dos pases em desenvolvimento. Art. 29. 1. Os Estados Partes reconhecem que a educao da criana dever estar orientada no sentido de: a) desenvolver a personalidade, as aptides e a capacidade mental e fsica da criana em todo o seu potencial; b) imbuir na criana o respeito aos direitos humanos e s liberdades fundamentais, bem como aos princpios consagrados na Carta das Naes Unidas; c) imbuir na criana o respeito aos seus pais, sua prpria identidade cultural, ao seu idioma e seus valores, aos valores nacionais do pas em que reside, aos do eventual pas de origem, e aos das civilizaes diferentes da sua; d) preparar a criana para assumir uma vida responsvel numa sociedade livre, com esprito de compreenso, paz, tolerncia, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos tnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indgena; e) imbuir na criana o respeito ao meio ambiente. 2. Nada do disposto no presente artigo ou no Artigo 28 ser interpretado de modo a restringir a liberdade dos indivduos ou das entidades de criar e dirigir instituies de ensino, desde que sejam respeitados os princpios enunciados no pargrafo 1 do presente artigo e que a educao ministrada em tais instituies esteja acorde com os padres mnimos estabelecidos pelo Estado. . [...] Art. 31. 1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criana ao descanso e ao lazer, ao divertimento e s atividades recreativas prprias da idade, bem como livre participao na vida cultural e artstica. 2. Os Estados Partes respeitaro e promovero o direito da criana de participar plenamente da vida cultural e artstica e encorajaro a criao de oportunidades adequadas, em condies de igualdade, para que participem da vida cultural, artstica, recreativa e de lazer.

    9 CDC. Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fcil e imediatamente, a identifique

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    normativos de extrema importncia, que merecem, a seguir, uma anlise mais detalhada.

    No que diz respeito s normas expostas, as previses contidas nos artigos 36, e 37, 2 do CDC so fundamentais para a tutela infantil quando o assunto publicidade. Tratam-se de dois institutos que, frente ausncia legislativa especfica sobre o tema, servem de escudo proteo infantil. No caso do artigo 36, a norma prescrita reza que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fcil e imediatamente, a identifique como tal.

    Por este aspecto, observa-se que a lei determina que, no obstante ser ostensiva, a mensagem contida na publicidade deve ser clara e simples, de modo que seja imediatamente identificada pelo consumidor.

    Em harmonia com o preceito normativo apontado, Rizzatto Nunes (2005, p. 36) afirma que quando um personagem incorporado num anncio publicitrio10, sua influncia atenuada, uma vez que o consumidor est assistindo a uma publicidade e sabe disso, podendo atuar criticamente. Nestes termos, identificar a publicidade como tal fator elementar para a atuao saudvel entre publicidade e consumo. Tal instituto importantssimo para a decretao da proibio de publicidade infantil, em virtude da impossibilidade da criana identific-la como publicidade.

    Ora, em funo da ausncia de mecanismos suficientes de discernimento, a criana no consegue identificar a mensagem como publicitria. Isso se d, por exemplo, quando a mensagem est implantada dentro de uma atrao infantil, como em casos de desenho ou filmes animados. Nestes casos, impossvel esperar que a criana realize reflexes de modo crtico quanto ao que est vendo.

    neste cenrio que surge a importncia do principio da identificao, o qual est descrito no artigo 36 do CDC, apontado anteriormente. Para Adalberto Pasqualotto (1997, p. 85), a veiculao da publicidade deve permitir a sua identificao fcil e imediatamente, ou seja, sem esforo ou exigncia de

    como tal. Pargrafo nico. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou servios, manter, em seu poder, para informao dos legtimos interessados, os dados fticos, tcnicos e cientficos que do sustentao mensagem. Art. 37. proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. 1 enganosa qualquer modalidade de informao ou comunicao de carter publicitrio, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omisso, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, caractersticas, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preo e quaisquer outros dados sobre produtos e servios. 2 abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatria de qualquer natureza, a que incite violncia, explore o medo ou a superstio, se aproveite da deficincia de julgamento e experincia da criana, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa sua sade ou segurana. 3 Para os efeitos deste cdigo, a publicidade enganosa por omisso quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou servio.

    10 Explana Rizzatto Nunes (2007, p. 434) que os comentadores do CDC, autores do anteprojeto, anotam que no h, na Lei 8.078, proibio expressa a esse tipo de merchandising. [...] O maior de todos os entraves para dar eficcia ao texto do artigo 36 foi o veto do pargrafo nico do artigo 67, que tipificava a conduta como crime. Para o autor, a parte criminal do CDC tem vrias imperfeies, conforme apontaremos adiante, mas esse especfico veto tornou praticamente incua a pretenso legal.

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    capacitao tcnica, e de pronto no momento da exposio. Quando isso no ocorre, no s o consumidor que pode estar sendo enganado.

    O princpio da identificao, quando mergulhado no universo da criana, reveste-se de instituto jurdico indispensvel para a decretao proibitiva. Primeiro, pela vulnerabilidade infantil e, segundo, pela ausncia de desenvolvimento completo da criana. Por isso, ao tratar-se de crianas, deve-se sempre avaliar que elas no so capazes de identificar a seduo de uma mensagem publicitria, o que as impede de avali-la como tal. Isso se d porque (ALANA, 2009, p. 9) as crianas esto em fase de desenvolvimento e, por isso, no conseguem entender o carter persuasivo ou as conotaes irnicas embutidas nas mensagens publicitrias.

    Por outro lado, mas ainda sob o enfoque protetor, o Cdigo de Defesa do Consumidor traz nova proteo criana quanto ao carter abusivo de mensagens publicitrias. o que se verifica na norma contida no artigo 37, 2 do referido diploma. Conforme Benjamim (2007, p. 350), o artigo 37, 2 possui um rol exemplificativo de publicidade abusiva e que em todas elas observa-se ofensa a valores da sociedade: o respeito criana, ao meio ambiente, aos deficientes de informao, segurana e sensibilidade do consumidor.

    Frisa-se que, ainda que no arrolar deste trabalho tenham sido identificadas diversas normas que trazem em seus textos previses restritivas acerca da atuao mercadolgica publicitria direcionada criana, observa-se, contudo, tratar-se de normas genricas, pois no so normas claras ou especficas quanto efetiva proibio da publicidade voltada ao pblico infantil. A generalidade se evidencia uma vez que no possvel verificar, na legislao apresentada, a expressa proibio da atuao publicitria cujo foco a criana.

    De outro foco, a ausncia de um diploma unificado tambm fator prejudicial s tentativas de proibio a este tipo de publicidade. Conquanto possua normatizao aleatria acerca do tema, frisa-se que no so expressamente proibitivas quanto publicidade direcionada criana. Todavia, importantssimo destacar que as garantias constitucionais arroladas na Carta Magna so, sem dvida, uma previso capaz de inibir a atuao abusiva do mercado.

    Sobre a ausncia de unificao, o projeto Criana e Consumo (Instituto Alana) publicou uma espcie de cartilha para auxiliar a sociedade no combate s prticas publicitrias abusivas, e concluiu que a proibio da publicidade dirigida s crianas possui previso legislativa, mas que esta restrio no est unificada em um nico dispositivo legal. Detalha o trabalho que, por conta disso, os profissionais de marketing, anunciantes e agentes de publicidade agarram-se a argumentos como o de cerceamento da criatividade e da liberdade de expresso a fim de no perderem esse grande filo de mercado.

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    O trabalho citado (Alana, 2009, p. 66/67) aponta ainda o tratamento legislativo dado ao assunto em outros pases. So casos em que se verifica a plena conscientizao da necessidade de tutela criana quando o assunto publicidade. o que ocorre, por exemplo, na Sucia, onde proibida a publicidade dirigida criana menor de 12 anos na TV, em horrio anterior s 21h, alm de ser proibido qualquer tipo de comercial que seja veiculado durante, imediatamente antes ou depois dos programas infantis seja de produtos destinados ao pblico infantil ou adulto. o trabalho tambm aborda o tratamento dado ao assunto em pases como Portugal e Luxemburgo, em que proibido qualquer tipo de publicidade nas escolas.

    Neste cenrio internacional, evidencia-se a necessidade urgente do controle jurdico especfico destinado tutela infantil frente aos abusos mercadolgicos publicitrios no Brasil. Conforme exposto, ainda que a Constituio Federal preveja em seu texto normas de carter protetivo ao desenvolvimento infantil sadio, consoante se verifica no j citado artigo 225, no tem sido, sozinhas, capazes de inibir prticas desrespeitosas do mercado.

    A restrio da publicidade dirigida criana, ainda no expressa de modo especfico, fator elementar evidentemente capaz de fazer valer os direitos fundamentais da criana, e, ao mesmo tempo, com o menor sacrifcio da liberdade publicitria. Isso seria possvel, conforme Igor Rodrigues Britto (2010, p. 220) por meio de uma ponderao de direitos e interesses constitucionais fundamentais com base na proporcionalidade. Verifica-se que a questo trata de coliso de direitos de liberdade.

    Complementa o autor que ao se sopesar os pesos e valores dos direitos fundamentais colidentes possvel encontrar a soluo para o problema posto inicialmente e, assim, dar eficcia aos direitos fundamentais na relao privada existente entre anunciante (e publicitrio) e a criana e sua famlia.

    Outrossim, diante da obrigao de proteo legal e integral criana, que afirmamos seguramente que as mensagens publicitrias no podem mais circular sem restries, j que o direito de fazer publicidade deve, indubitavelmente, sofrer restries com vistas ao desenvolvimento saudvel da criana. Por isso possvel afirmar que a liberdade de fazer publicidade no deve resistir sem restries diante da necessidade de se proteger integralmente a criana, j que a preservao dos direitos da infncia, que possuem prioridades expressamente previstas no texto constitucional (BRITTO, 2010, p. 220) algo fundamental.

    A ausncia de regulamentao proibitiva s mensagens publicitrias faz com que essas se apresentem mais apelativas e desmoralizadas. O cenrio se agrava ainda mais quando o discurso publicitrio se reveste de um carter

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    ingnuo, quando esto presentes, por exemplo, no meio de um desenho animado. O tratamento dado publicidade abusiva pela legislao ptria possibilita a atuao desenfreada.

    Como foi bastante frisado, o legislador ausente no tema no cria mecanismos capazes de inibir condutas que conflitam diretamente com preceitos constitucionais. A autorregulamentao, por sua vez, no observa diretrizes constitucionais que prevem a proteo ao desenvolvimento infantil saudvel. Juntos, legislao e controle privado propiciam uma atuao publicitria com estmulo ao consumo excessivo cujo foco a criana.

    Diante do tema, e, mais uma vez, no intuito de demonstrar a urgente necessidade de restrio publicitria, afirma Helosa Carpena Vieira de Mello (2000, p. 127) que na cultura do consumo, a publicidade tida como utenslio de influncia e controle social, pois manipula opinies, dita comportamentos e ainda tornando-se patente o alcance e o grau dos riscos envolvidos nas questes referentes a desvios no exerccio da liberdade de comunicao. Justamente por isso que, ao nosso ver, os direitos fundamentais direcionados criana na Constituio Federal so garantias primordiais e suficientes para inibio completa da publicidade infantil.

    Evidencia-se, assim, o determinismo do mercado publicitrio em transformar crianas em consumidores em potencial. Para tanto, desviam valores e prejudicam seu desenvolvimento. E isso apenas refora as indagaes inicialmente apresentadas: os preceitos jurdicos espalhados no ordenamento no so normas eficientes aptas a controlar a atuao abusiva do mercado publicitrio.

    Importante realar que a ausncia de um diploma unificado no , por si s, fator suficiente para mensagens publicitrias abusivas desenfreadas, uma vez que, conforme se verificou, o mercado publicitrio encontra limites no ordenamento por meio de diversas normas jurdicas e diretrizes constitucionais que apontam restries para sua atuao. Ainda assim, o mercado publicitrio no se intimida, e tal desrespeito reforado em virtude da falta de normas e ausncia do controle privado.

    possvel, ento, proibir a publicidade voltada ao pblico infantil? Sim. A vedao possvel. O fundamento encontra-se justamente na Carta Suprema. A Constituio Federal a grande aliada quando assunto proibio absoluta das prticas mercadolgicas cujo foco a criana. Primeiro, porque a Constituio tutela a integridade da criana de modo bastante explcito em seu artigo 225 e outras prescries. Segundo, porque possui previso de direitos fundamentais suficientes para a inibio de qualquer prtica que venha a dificultar seu desenvolvimento sadio.

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    No plano da ponderao de princpios, o valor dado ao desenvolvimento sadio da criana inquestionvel. Isso porque a Constituio Federal tutela, nas palavras de Jos Afonso da Silva (2007, p. 862), com magnitude a fase infantil. Destaca o autor que os direitos humanos da criana e do adolescente esto formalmente muito bem assegurados. Tm eles nessas normas uma Carta de Direitos Fundamentais incomparvel, onde se lhes garante tudo.

    Desse modo, verifica-se que o texto normativo constitucional coloca a criana a salvo de qualquer evento que seja capaz de dificultar seu desenvolvimento sadio. Logo, a proibio da publicidade infantil est legitimada na Constituio Federal sem prejuzo de recair tal conduta em limitao ao exerccio da liberdade de expresso, uma vez que esta no superior quelas garantias e sua tutela inferior proteo infncia.

    RefernciasBRASIL. Cdigo de Defesa do Consumidor. So Paulo: Saraiva, 2007.

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    BULOS, Uadi Lammgo. Curso de Direito Constitucional. So Paulo: Saraiva, 2010.

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    A regulao da publicidade dirigida a crianas e adolescentes11

    Joo Marcos Gomes Lessa12

    IntroduoAs seguintes pginas buscam analisar a publicidade voltada ao pblico infantil, seus efeitos, seu controle e, principalmente, os desafios da regulao no Brasil, em especial, da autorregulao. Destarte, versa-se sobre a necessidade da construo de polticas pblicas objetivando a conscientizao da populao e a imposio de limites para o mercado publicitrio, preservando, assim, o desenvolvimento da criana, de forma a proteger a sua integridade.

    O conceito de publicidade e o alvo infantil Publicidade, derivada etimologicamente do latim publicus, transmite a ideia de divulgar, levar ao pblico, propagar e difundir. Um instrumento para a obteno de lucro, isto , uma ferramenta que visa o aumento da demanda sobre um produto ou um servio. Segundo Antnio Herman Benjamin, publicidade qualquer forma de oferta, comercial e massificada, tendo um patrocinador identificado e objetivando, direta ou indiretamente, a promoo de produtos ou servios, com utilizao de informao e/ou persuaso.13

    A publicidade pode ser direcionada a determinada classe, sexo e at mesmo idade a criana tambm pode ser alvo da publicidade. O grande interesse do mercado da publicidade no pblico infantil se d pelo carter de vulnerabilidade e hipossuficincia que a criana possui.

    Significa dizer que, pelo fato da criana no possuir discernimento para compreender a publicidade veiculada, pela sua dificuldade em reconhecer que a mensagem transmitida alberga-se de carter comercial, o mercado

    11 O presente artigo foi apoiado pela ANDI Comunicao e Direitos, no mbito do Programa InFormao Programa de Cooperao para a Qualificao de Estudantes de Jornalismo, e pelo Instituto Alana no mbito do Projeto Criana e Consumo. Os contedos, reflexes e opinies constantes deste trabalho, bem como do Projeto que a ele deu origem, no representam, necessariamente, as opinies das instituies apoiadoras.

    12 Possui formao em Direito pelo Centro Universitrio do Par (CESUPA). J foi selecionado no Programa de Intercmbio do Departamento de Proteo e Defesa do Consumidor no Ministrio da Justia em Braslia-DF, onde aprofundou sua pesquisa voltada ao tema da Publicidade Dirigida a Crianas e Adolescentes.

    13 BENJAMIN, Antnio Herman de Vasconcellos e. O controle jurdico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor, So Paulo, n. 9, jan./mar. 1994, p.30.

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    a enxerga com enorme interesse, tratando-a como alvo das campanhas que estimulam o consumo.

    O estmulo ao consumo trazido s crianas e adolescentes pela publicidade encaixa-se justamente na fase de formao deste pblico, perodo onde os valores e princpios sociais, ticos, morais e culturais esto se solidificando.

    Os efeitos da publicidade dirigida criana e ao adolescenteA publicidade traz o desejo pelo consumo. A facilidade para convencer desperta o interesse na publicidade infantil por parte de empresas atuantes no mercado, por exemplo, de brinquedos, fast foods e roupas infantis. A criana tem desejos e interesses, e no possui o discernimento do que necessrio e do que suprfluo para consumir. A publicidade voltada a este pblico, que tem por intuito criar ou ampliar o desejo pelo consumo de uma criana sem a percepo de necessidade e custo, deve ser vista de forma negativa ao desenvolvimento infantil.

    Estudos na rea da psicologia demonstram que as autonomias intelectuais e morais so construdas lentamente. Isso significa que o senso crtico em uma criana insuficiente frente quantidade de informao trazida em uma mensagem publicitria. Se adultos j consomem desnecessariamente, imaginemos uma criana, ao considerarmos esta como efetiva consumidora que a inteno do mercado.

    A compreenso de realidade da criana no suficiente para adotar um posicionamento quanto ao seu modo de consumo. claro que a compreenso de mundo de um garoto muito inferior se comparada de um adulto. Alm da menor experincia de vida e do pouco conhecimento, a criana no consegue, por exemplo, distinguir a realidade da fantasia. Significa que a mensagem publicitria, por mais fantasiosa que seja, convencer a mente de uma criana como se aquilo fosse real, de verdade.

    Por exemplo, podemos citar as publicidades na televiso de bonecas e carrinhos, quando cada brinquedo demonstrado no anncio faz movimentos por si s, sem a ajuda de ningum. A boneca consegue andar, dirigir, fazer comida e etc., e o carro anda, faz curva, loopings e outras manobras radicais. Qualquer criana fica fascinada com tais anncios, e, obviamente, vai esperar por um produto idntico ao visto na publicidade.

    A publicidade alm de despertar desejos pode gerar frustraes, principalmente quando se fala em produtos financeiramente fora do

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    alcance, tendo em vista a situao econmica da famlia. Muitas vezes, os pais, desejando evitar ou fugir de qualquer tipo de conflito familiar, podem acabar gastando dinheiro com produtos desnecessrios ante a insistncia da criana, em razo da publicidade manipuladora.

    Tal mecanismo do mercado traz consequncias que podem afetar o desenvolvimento da criana e do adolescente, tais como o consumismo e o materialismo excessivo, a incidncia alarmante de obesidade infantil, a erotizao precoce e irresponsvel, o estresse familiar e o desgaste das relaes sociais, entre outros.

    O consumismo decorre justamente do objetivo apregoado pelo mercado publicitrio: o consumo exacerbado. O bombardeio de anncios infantis so estmulos ao consumo. Tendo em vista a falta de completo discernimento do pblico infantil, peas publicitrias so capazes de confundir os ideais do indivduo, fazendo-o acreditar que, por exemplo, para ter felicidade necessrio adquirir o produto anunciado. O indivduo passa a condicionar seu estado de esprito ao consumo, tornando-o compulsivo.

    O materialismo em excesso decorre da necessidade de consumir tudo o que se anuncia. Os anncios so provocativos o suficiente para enganar o pblico com cores, depoimentos, efeitos especiais, brindes e promoes, o que futuramente trar consequncias vida do indivduo. Crianas e adolescentes materialistas, limitados a consumir tudo o que lhe for oferecido e considerado como essencial, transformam a necessidade de brincar na necessidade de comprar.

    A obesidade infantil e os transtornos alimentares, como anorexia e bulimia, tambm so problemas que podem surgir com a banalizao do consumo prejudicial criana e ao adolescente. Boa parte da publicidade voltada s crianas nos meios de comunicao acessveis a elas so de alimentos, sendo que predominam os anncios de fast foods, de modo que a criana exposta a um excesso de anncios voltados ao consumo de alimentos pobres em nutrientes e que, em demasia, so nocivos sade.

    A insatisfao com a prpria imagem pode trazer criana, que no possui discernimento suficiente para saber lidar com as diferenas, a necessidade de sempre querer se comparar com as demais, causando insatisfaes ou at mesmo transtornos como a anorexia e a bulimia. A busca pelo corpo ideal, pregado pelo mercado publicitrio em quase que todas as peas publicitrias envolvendo adolescentes, traz a eles a compulso pela beleza, provocando graves problemas, como os j citados.

    A erotizao precoce, por sua vez, decorre da necessidade que a publicidade dirigida a crianas e adolescente tem em incluir esse pblico nas situaes que so tpicas do mundo adulto. A consequncia a perda de valores que,

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    at ento, deveriam ser inerentes a todos. So mensagens incompatveis com a estrutura fsica e psicolgica infantojuvenil.

    A infncia depreciada ante ao excesso de informao que estimula o consumo e prima em convencer crianas e adolescentes de que seus atributos fsicos dependem do consumo de determinado produto. Alm disso, tais produtos, muitas vezes, so incompatveis fase de desenvolvimento do pblico espectador.

    Crianas e adolescentes deixam de agir como tal e passam a tomar rumos precoces, um desenvolvimento prematuro. A forte conotao ertica na comunicao voltada ao pblico infantil pode ser notada, por exemplo, na publicidade de produtos como apliques de cabelo, saltos altos, maquiagens e etc.

    Quanto ao estresse familiar, bem como ao desgaste nas relaes sociais, estes problemas so causados pela falsa ideia que passada criana que o produto deve ser consumido por ela, caso contrrio, esta no ser uma criana como as outras. A publicidade expe a ideia que o consumo dos produtos anunciados define a insero social das pessoas, o que tem um efeito negativo no desenvolvimento de crianas e adolescentes.

    A autoridade paterna entra em conflito com os interesses da criana. Refm da publicidade abusiva, a criana insiste no consumo, causando aos pais o esgotamento e a prpria cesso. Presencia-se, assim, o estresse, o desgaste familiar. Tirar da criana a ideia de autoridade conferida aos pais um grande problema que traz consequncias para o resto da vida da criana, desestabilizando, de toda forma, a famlia.

    O amparo legal da proteo da criana e do adolescente publicidade

    Constituio Federal de 1988O Direito Constitucional, segundo Jos Afonso da Silva14, considerado direito pblico fundamental, por referir-se de modo direto organizao, ao funcionamento, articulao dos elementos primrios e ao estabelecimento das bases da estrutura poltica do Estado. A Constituio Federal deve ser tida como lei suprema de um Estado, j que referncia para a estruturao e formao dos poderes e alberga os direitos e garantias fundamentais.

    O art. 170 caput e o inciso VI da Constituio Federal preceituam, respectivamente, do Princpio da Livre Iniciativa e do Princpio da Livre

    14 SILVA, Jos Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2007. p. 34.

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    Concorrncia. A livre iniciativa baseada na construo da ordem econmica, assegurando a todos o livre exerccio de qualquer atividade econmica, salvo nos casos expressos em lei, conferindo liberdade iniciativa privada, essencial para a ordem econmica. E a livre concorrncia, por sua vez, considerada como um dos fundamentos da economia de mercado, assegurando o equilbrio deste com o bem-estar econmico e social.

    Ainda no que tange aos princpios constitucionais referentes publicidade, ressalta-se a manifestao do pensamento e a livre expresso, fulcro Constituio Federal no art. 5, incisos IV e IX, que assim dispem: IV - livre a manifestao do pensamento, sendo vedado o anonimato; IX - livre a expresso da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, independentemente de censura ou licena. 15

    Os valores familiares possuem suma importncia no desenvolvimento da criana, e a garantia em estabelecer regras que protegem tais valores tutelado no art. 220, 3, inciso II, da Constituio Federal.

    Ademais, dispe o artigo 227 da CF ser dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar criana e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e comunitria. Tais direitos so comuns a todos os cidados, no entanto, consoante Jos Afonso da Silva16, alguns dizem respeito somente criana, como o direito profissionalizao e convivncia familiar e comunitria.

    Vislumbra-se, portanto, que a Constituio resguarda os valores familiares e sociais da criana, considerando essa sensvel etapa de desenvolvimento a origem dos maiores problemas emocionais da fase adulta. Outrossim, equivocado seria considerar a regulamentao da publicidade como censura ante ao dever do Estado, da sociedade e da famlia de assegurar proteo criana e ao adolescente.

    Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da CrianaA Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana, aprovada em 1989 pela Assemblia Geral da ONU, foi ratificada pelo Brasil em 1990. So 192 pases comprometidos em respeitar o conjunto de direitos fundamentais convencionados, com exceo dos Estados Unidos e da Somlia pases que no ratificaram.

    15 Brasil. Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia: Senado Federal, 1988.

    16 SILVA. op. cit., p. 93-94.

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    considerada como o mais completo tratado quando se fala em direitos humanos, pois prope uma mudana de paradigma para sociedade, vez que, at ento, no se tinham garantias expressas criana.

    Assim, a Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana reconhece em seus artigos 3, 13 e 17, antes de tudo, a proteo integral que deve ser dada s crianas e a responsabilidade do Estado em promov-la e garantir criana a liberdade de expresso, dando-a o direito de receber informaes e ideias. No entanto, a Conveno clara ao possibilitar restries com a finalidade, inclusive, de proteger a ordem pblica, ou para proteger a sade e a moral pblicas.

    A Conveno enftica ao dispor sobre a promoo de diretrizes com o fim de proteger a criana contra toda informao que possa vir a ser prejudicial ao seu bem-estar. Destarte, clara a importncia dada pela Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana em proteger a criana da informao nociva.

    A publicidade dirigida ao pblico infantil, quando se aproveita da falta de discernimento das crianas para influenci-las ao consumo exacerbado, traz consequncias sua sade fsica e mental, atrapalha o seu desenvolvimento e torna-se, por motivos bvios, prejudicial ao seu bem-estar, como refere o tratado.

    Desta forma, evidente que os 192 pases que assinaram e ratificaram o disposto internacional deram maior ateno e enfatizaram a proteo da criana de forma integral, protegendo-a de informaes prejudiciais, incluindo a a publicidade que possa vir a ser danosa.

    O Brasil ratificou a Conveno atravs da Lei n 8.069/1990 o Estatuto da Criana e do Adolescente, que ser abordado nas prximas linhas.

    Estatuto da Criana e do AdolescenteAlicerado na Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos da Criana, que foi ratificada pelo Brasil em 1990, e na necessidade de se especializar e dispor a respeito da proteo da criana no ordenamento ptrio, criou-se um conjunto de normas voltadas criana e ao adolescente, o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA).

    Assim, tem-se um estatuto que ressalta a proteo integral criana e ao adolescente, observando a condio especial e a necessidade de cuidados por parte dos agentes econmicos e, inclusive, dos publicitrios, a estes seres em formao.

    O artigo 1 do ECA preceitua que a lei dispe sobre a proteo integral criana e ao adolescente, revelando o sujeito desse direito especial e

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    objetivando seu total amparo. Tal tutela devida pelo Estado, pela famlia, pelas entidades comunitrias e pela sociedade de uma forma geral. Assim, veio o Estatuto da Criana e do Adolescente regular o art. 227 da Constituio Federal.

    O artigo 3 do Estatuto da Criana e do Adolescente, para Jos de Faria Tavares17, consta de uma declarao de propsitos genrica, com os assuntos disciplinados ao longo do Estatuto, e complementa que a filosofia deste diploma estatutrio a da proteo integral criana e ao adolescente, com considerao s suas peculiaridades de pessoa humana em fase de desenvolvimento biopsquico-funcional.

    A publicidade voltada ao pblico infantil, e sua respectiva avaliao para veiculao nos meios de divulgao em massa, deve levar em considerao os dizeres do art. 3, que reconhece criana todos os direitos fundamentais e, ainda mais, garante o seu pleno desenvolvimento mental, moral, espiritual e social.

    Com efeito, observa-se que, em razo da importncia dos direitos tutelados no artigo 227 da Constituio Federal, o mesmo transcrito no artigo 4 do ECA. Assim sendo, a relao entre a primazia dos direitos das crianas e adolescentes e a regulao da publicidade para crianas e adolescentes se d justamente na grande influncia dessas campanhas voltadas a tal pblico, pelo seu poder de mudar comportamentos. Ainda, dispe o Estatuto da Criana e do Adolescente quanto programao de rdio e televiso voltada ao pblico infantil, atravs de seu art. 76.

    Outrossim, nesse contexto que deve ser tratada a publicidade, repelindo-a quando dirigida ao pblico infantil, tendo em vista seu objetivo de exacerbar o consumismo. Tanto que, no art. 71 do mesmo ordenamento, estipula-se o direito da criana e do adolescente informao, cultura, lazer, esporte, diverso, alm de produtos e servios que respeitem o seu processo peculiar de desenvolvimento. Assim sendo, as campanhas publicitrias destinadas a esse pblico devem respeitar tal dispositivo, adequando-se faixa etria e fase de desenvolvimento mental e fsico das crianas e dos adolescentes.

    Entretanto, notrio que, apesar do ECA proteger a criana e o adolescente integralmente, tal legislao infraconstitucional no disciplinou, de forma clara e especfica, a veiculao da publicidade dirigida ao pblico infantil, o que aduz a pensarmos na necessidade iminente em regular expressa e diretamente o contedo publicitrio voltado s crianas e aos adolescentes.

    17 TAVARES, Jos de Farias. Comentrios ao Estatuto da Criana e do Adolescente. So Paulo: Forense, 2009. p.12-13.

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    O controle da publicidade voltada ao pblico infantil

    A autorregulao do CONARO Conselho Nacional de Autorregulamentao Publicitria (Conar) uma organizao no-governamental na forma de sociedade civil fundada em 1980 pelas associaes representativas das agncias de publicidade, de anunciantes e de veculos de comunicao. detentor do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria, que, por meio do Conselho de tica, julga as denncias formuladas pelos interessados (consumidores, autoridades, associados, etc.), procurando afastar do Estado o papel de regulador.

    O Conselho Nacional de Autorregulamentao Publicitria, objetivando destacar a necessidade de reforar a proteo devida s crianas e aos adolescentes alvos de campanhas publicitrias, dispe, atravs do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria, limites que primam controlar e respeitar os valores e os parmetros estabelecidos pelo Estatuto da Criana e do Adolescente.

    No entanto, tamanha contradio pode ser vislumbrada no art. 37 do referido cdigo, no que tange ao que se prega pelo aludido disposto legal e o que se enxerga na prtica. Inmeras so as publicidades que desmerecem valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justia, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente, anncios que associam crianas e adolescentes a situaes incompatveis com sua condio, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenveis, que levam a noo de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade, que trazem crianas e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendao ou sugesto de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participao deles nas demonstraes pertinentes de servio ou produto, dentre outras situaes.

    Exemplos como a campanha veiculada no canal de tev por assinatura Cartoon Network em 2008, a qual segue:

    Spot:

    No vdeo, Lindinha, uma das personagens que protagonizam o desenho As meninas superpoderosas, passa rmel nos clios ao som de uma msica infantil.

    Quando se resolve aplicar batom nos lbios, se detm e elimina um arroto. Ri, e ento novamente desenvolve outro arroto, desta

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    vez mais longo e de som mais forte.

    Lindinha ruboriza.

    Por fim, em tela se v a marca de Cartoon Network e o slogan A gente faz o que quer em letras infantis coloridas e dispostas de forma desorganizada.18

    Ou a publicidade veiculada na tev aberta de celulares da empresa Claro:

    A inteno foi divulgar a promoo Claro 6 centavos por minuto.

    Durante a mensagem publicitria, as crianas manuseavam um aparelho celular e uma das meninas contava como recebia o assdio de um menino, tanto no telefone celular como no telefone fixo de sua casa, para receber votos de Feliz Natal.

    A conversa inclua comentrios das amigas que manifestavam opinio sobre a conduta do menino e ponderavam sobre a suposta relao amorosa:

    Agora ento que na Claro seis centavos o minuto, t assistindo TV, ele liga pr minha casa; t brincando de boneca, ele liga pro celular. Pr dar feliz natal, ele liga toda hora!

    Alm de a publicidade falar diretamente com o pblico infantil, ainda mostrava as crianas se comportando como adultos, sugerindo verdadeira adultizao, erotizao precoce e favorecendo a supresso de estgios do desenvolvimento infantil.19

    Fcil constatar que a autorregulamentao proclamada pelo Conar e simbolizada pelo Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria completamente ineficiente. No se avista a aplicao dos dispositivos, muito pelo contrrio, o que se observa so campanhas publicitrias abusivas, dirigidas ao pblico infantil.

    As normas do Conar, por serem de carter privado, no produzem efeitos jurdicos perante terceiros, trata-se, na verdade, de um estatuto contratual. Significa que o rgo no possui o poder coercitivo do Estado, e sim um limitado poder de, to somente, advertir o responsvel, recomendar a alterao do anncio ou, em casos mais graves, recomendar a suspenso da veiculao da pea publicitria.

    18 Transcrio realizada pelo Instituo Alana no teor da Carta Denncia encaminhada pelo Projeto Criana e Consumo ao Ministrio da Educao datada de 10 de julho de 2008.

    19 Transcrio e comentrios feitos pelo Instituto Alana no Relatrio de Atividades e Resultados do Projeto Criana e Consumo em 2008.

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    Outrossim, no bastasse a falta de aplicao do cdigo autorregulamen-tador no que diz respeito publicidade dirigida s crianas e aos adoles-centes, o mesmo ordenamento privado elenca penalidades s infraes, tambm consideradas como simblicas, dado a falta de aplicao das mesmas. Apesar disso, as publicidades que contrariam o cdigo esto em plena divulgao.

    O que se percebe o corporativismo entre os integrantes do Conselho grande parte, publicitrios ao passo que, dificilmente, uma campanha publicitria retirada de veiculao por ultrapassar os limites estabelecidos. Quando isso ocorre, a demora para tal recomendao ser cumprida tamanha ao ponto da pea publicitria chegar a ser veiculada por tempo suficiente a corresponder ao interesse do anunciante, ou seja, a publicidade retirada de circulao aps ser amplamente divulgada por um bom tempo.

    Ainda verifica-se que a ao fiscalizatria do Conar depende da espontnea aceitao do fiscalizado, sendo assim, seus limites de atuao encontram-se na exata medida em que os fiscalizados reconhecem e legitimam o trabalho do rgo. Um modelo insuficiente e incapaz de controlar um mercado to influenciador de pessoas, principalmente aquelas ainda em pleno desenvolvimento mental.

    O Conar, por aplicar sua autorregulao e ser um rgo de fiscalizao, carece no s de instrumentos eficazes aplicao, como tambm de conscientizao prpria, vinda dos integrantes do Conselho. A ineficincia da autorregulao confirma nada mais alm que o desrespeito da classe publicitria ante os princpios essenciais ao desenvolvimento da criana e do adolescente.

    Exemplos de modelos adotados por outros pases no controle da publicidade dirigida a crianas e adolescentes

    AlemanhaNa Alemanha, a publicidade na televiso controlada pelo tratado que visa proteger jovens e crianas de abusos oriundos da radiodifuso (Staatsvertrag uber den Schutz der Menschenwurde und den Jugendschutz in Rundfunk und Telemedien)20. O tratado impe limites gerais e probe situaes que, normalmente, so proibidas em qualquer outra legislao, tais como a utilizao de crianas em campanhas pornogrficas, publicidades com conotaes sexuais envolvendo-as, e ainda, a proibio da publicidade que possa afetar o desenvolvimento do pblico infantil.

    20 Staatsvertrag uber den Schutz der Menschenwurde und den Jugendschutz in Rundfunk und Telemedien. Disponvel em: < http://www.fsf.de/fsf2/ueber_uns/bild/download/JMStV.pdf>. Acesso em: 09 Ago. 2010.

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    Outros limites mais especficos so impostos pelo Conselho Alemo de Publicidade (Deutscher Werberat)21. Importante considerar as normas do cdigo de conduta especfico s mensagens divulgadas na televiso (Verhaltensregeln des Deutschen Werberats fur die Werbung mit und vor Kindern in Hrfunk und Fernsehen) e as normas do cdigo voltado publicidade de alimentos (Verhaltensregeln des Deutschen Werberats uber die kommerzielle Kommunikation fur Lebensmittel).

    No que tange televiso, a autorregulao alem probe todas as publicidades dirigidas s crianas e aos adolescentes que envolvam promoes, que tragam expresses imperativas, ou que induzam a criana a pedir aos pais para que adquira o produto anunciado. Alm disso, os programas infantis, conforme reza a regulamentao alem, no podem ser interrompidos para a veiculao de campanhas publicitrias.

    J quanto alimentao, a autorregulao estabelece que as peas publicitrias no podem ser dirigidas criana, induzindo-a a pedir aos pais ou mesmo a adquirir o produto por conta prpria, alm de proibir o oferecimento de vantagens acopladas ao consumo do produto, tais como brindes e promoes. Outrossim, o cdigo tambm probe anncio de alimentos que possam afetar a dieta balanceada necessria ao desenvolvimento de crianas e adolescentes.

    H, tambm, o controle da publicidade no mbito da Internet, o qual realizado pelo jugendschutz.net22, uma organizao fundada em 1997, apoiada pelo Ministrio da Famlia, Idosos, Mulheres e Juventude da Alemanha (Bundesministerium fur Familie, Senioren, Frauen und Jugend), a qual analisa o contedo online ao alcance de jovens e crianas com o fim de coibir abusos. O controle feito de forma gil o suficiente a retirar o contedo abusivo de circulao, atravs de parcerias com provedores de Internet e outros rgos de autorregulao.

    Reino UnidoNo Reino Unido, toda e qualquer publicidade a ser veiculada na televiso deve ser antes examinada pelo Clearcast, Advertising Services e no rdio, pelo Radio Advertising Clearance Centre. O controle realizado preventivamente, repelindo violaes aos dispositivos normativos. No que diz respeito quelas campanhas voltadas ao pblico infantil, o Broadcasting Code o regramento utilizando tanto no rdio quanto na TV.

    Tal cdigo veta o uso de mascotes em publicidades de alimentos; estipula que comerciais envolvendo alimentos considerados junk foods 21 Deutscher Werberat. Disponvel em: . Acesso em: 09 Ago. 2010.

    22 Jugendschutz.net. Disponvel em: . Acesso em: 20 Ago. 2010.

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    e desenhos animados s podem ser veiculados aps as 20h; os efeitos especiais que possam confundir a criana so proibidos; o anncio publicitrio veiculado na televiso no pode sofrer cortes rpidos de imagens, com o intuito de no confundir a criana; caso o produto anunciado tenha o custo superior a 25 (vinte e cinco libras), o preo deve ser informado no prprio anncio; as expresses que, na lngua portuguesa equivalem a somente e apenas, so proibidas; o produto deve ser anunciado em tamanho real, de modo que telespectador enxergue o tamanho verdadeiro do mesmo; na publicidade de carrinhos, a velocidade do mesmo na pea publicitria no pode ser exagerada; proibido o encorajamento valentia da criana e ainda proibido que a campanha insinue que, caso no adquira o produto, poder ser considerada como inferior s demais.

    J com relao s publicidades veiculadas fora do rdio e da televiso, o rgo competente para control-las o British Codes of Advertising and Sales Promotion, atravs do Comittee of Advertising Practice. O controle, no entanto, no realizado previamente, tendo em vista a impossibilidade, e ainda, os limites so gerais, estipulando apenas que a publicidade tenha carter decente, honesto e confivel.

    A regulao publicidade dirigida ao pblico infantil no Reino Unido, como se pde perceber, extremamente complexa e detalhista. O rigor dos rgos de controle tamanho que exige, inclusive, a anlise prvia das peas publicitrias veiculadas no rdio e na televiso. Para muitos, uma espcie de censura prvia. Para o Brasil, permanece o exemplo dado pelo Reino Unido quanto aos limites necessrios a serem impostos publicidade voltada s crianas e aos adolescentes.

    ConclusoA finalidade da publicidade levar o destinatrio da mensagem a consumir o produto ou servio anunciado. Consequentemente, a publicidade sempre ser tendenciosa ao ressaltar as qualidades e informar apenas o necessrio a provocar o consumo do ofertado. Enxerga-se, no entanto, um problema quando as atitudes do mercado publicitrio so voltadas especificamente s crianas e aos adolescentes.

    Conclui-se que a facilidade de convencimento do pblico infantil desperta o interesse por parte de empresas atuantes no mercado publicitrio. Outrossim, tal pblico deve ser considerado ainda em desenvolvimento, necessitando de cuidados especiais ensejados pela sua falta de maturidade fsica e mental.

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    A publicidade voltada ao pblico infantil e os princpios constitucionais a ela correlacionados implicaram um intenso debate a respeito da regulao sobre o mercado da publicidade. Destacaram-se os princpios basilares para fundamentao da proteo da criana, principalmente a sua hipossuficincia, e consequente prioridade, frente ao princpio da liberdade de expresso, que em hiptese alguma se sobrepe defesa e proteo da criana.

    Destarte, princpios constituem um sistema aberto, sem graus hierrquicos, que permitem compreenses elsticas, o que tornam comum os conflitos, no caso, colises. No se trata de antinomia, do conflito de regras, onde possvel que a aplicao de uma seja afastada ante ao embate. A coliso de princpios tratada pela busca otimizao entre os direitos e valores em jogo, estabelecendo uma harmonizao, levando ao equilbrio entre os princpios conflitantes. A ponderao de princpios no descarta aquele que no se sobreps, utiliza-se do princpio da proporcionalidade.

    Desta forma, pelo vasto estudo sobre a regulao da publicidade dirigida s crianas e aos adolescentes foi possvel analisar as estratgias do mercado publicitrio, ressaltar as normas e os princpios em questo e concluir que so inegveis os efeitos nocivos que a publicidade traz criana e ao adolescente. Utilizando-se do direito comparado e do estudo de caso que verificou a incidncia de mensagens com teor comercial dirigidas ao pblico infantil, constata-se no apenas modelos exemplares de regulao em pases estrangeiros, como o caso do Reino Unido e do Canad, como tambm a gravidade da situao vislumbrada no Brasil ante a ineficiente atuao do Conar e o incremento dos abusos por parte do mercado publicitrio voltado s crianas e adolescentes.

    sociedade cabe a conscientizao e o reconhecimento da necessidade de se proteger integralmente a criana e o adolescente ante a publicidade que lhes so dirigidas. A conscientizao e a educao so primordiais quando se fala em polticas pblicas voltadas a proteger os vulnerveis. O Estado pode educar para o consumo, contar com o apoio da sociedade e promover polticas voltadas conscientizao social, impondo limites a coibir que mensagens publicitrias incitem o consumo desenfreado por parte de crianas e adolescentes.

    Regular a publicidade dirigida ao pblico infantil de forma eficaz garantir a proteo integral a esse pblico, reconhecer a sua deficincia de interpretao e discernimento diante da publicidade persuasiva, tendo em vista o frgil processo de desenvolvimento da criana e do adolescente. E, embora a atuao do Estado no deva ser apenas legislar, com a interveno legal especfica sobre a temtica, j se enxerga um grande salto.

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    Efeitos persuasivos da mdia: Uma anlise das estratgias utilizadas pelas propagandas em programas infantis23

    Lucas Soares Caldas24

    Fabio Iglesias25

    As estratgias de persuaso na mdia voltada para o consumo tm se apresentado cada vez mais sofisticadas e eficazes. Com o advento da Internet, televiso e outras fontes acessveis de informao, essa influncia alcana todas as classes e tipos de consumidores, das formas mais diversas e frequentemente sutis. No caso do pblico infantil, no entanto, a mdia lana mo de estratgias voltadas no somente para as prprias crianas, como tambm para seus pais, responsveis e cuidadores, isto , em ltima instncia, os que definem a escolha e aquisio dos produtos e servios anunciados.

    A pesquisa acadmica sobre persuaso na mdia tem acompanhado, ainda que insuficientemente, uma preocupao da opinio pblica, de agncias governamentais regulatrias e da sociedade civil sobre os efeitos da propaganda brasileira nas crianas. Entidades como o Instituto Alana, a ANDI, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e at mesmo o Banco Central do Brasil promovem, atualmente, diversas aes nesse sentido. Muitas vezes, o marketing percebido como algo necessariamente enganoso. Mas isso ocorre apenas se suas aes consistem na tentativa de disfarar, fabricar ou de alguma forma manipular informaes factuais ou emocionais para persuadir o consumidor (Boush, Friestad, & Wright, 2009).

    O cuidado metodolgico com a coleta e anlise de dados fundamental para substanciar os argumentos daqueles que criticam a publicidade infantil e seus efeitos nocivos. No Brasil, porm, a produo acadmica em cincias sociais e humanas tende a enfatizar os estudos crticos e interpretativos e, com menor frequncia, dados empricos representativos e sistematizados. Alm dos trabalhos oriundos da comunicao social, da antropologia e do direito, a pesquisa deve estar baseada em teorias e modelos de outras reas interdisciplinares que tm investigado esses fenmenos, com destaque

    23 O presente artigo foi apoiado pela ANDI Comunicao e Direitos, no mbito do Programa InFormao Programa de Cooperao para a Qualificao de Estudantes de Jornalismo, e pelo Instituto Alana no mbito do Projeto Criana e Consumo. Os contedos, reflexes e opinies constantes deste trabalho, bem como do Projeto que a ele deu origem, no representam, necessariamente, as opinies das instituies apoiadoras.

    24 Bacharel em Psicologia pela Universidade de Braslia. E-mail: [email protected]

    25 Professor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Braslia.

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    para os estudos de comunicao de massa (Perloff, 2010), efeitos da mdia (Bryant & Oliver, 2009) e da influncia social em psicologia (Pratkanis, 2007).

    O pblico infantil est especialmente vulnervel ao marketing por sua dificuldade em perceber a inteno persuasiva que motiva a propaganda. Crianas de at 6 anos tm dificuldades para distinguir um programa de televiso de um filme publicitrio, e a maioria das crianas com at os 12 anos no so capazes de compreender com clareza o objetivo de uma propaganda, nem de perceber sua estratgia de persuaso para o consumo (Andronikidis & Lambrianidou, 2010; Oates, Blates, & Gunter, 2006). Por outro lado, h evidncias de que a credibilidade atribuda s propagandas diminui com a idade (DAlessio, Laghi, & Baiocco, 2009; Priya, Baisya, & Sharma, 2009). Os comportamentos de consumo infantil so, portanto, constantemente influenciados por estratgias eficazes de marketing que podem gerar diversas consequncias indesejveis, entre as quais destacam-se, por sua importncia social, econmica e na sade, consumismo excessivo e obesidade, erotizao precoce (Netto, Brei, Flores-Pereira, no prelo), endividamento, transgresses sociais (Iglesias, 2008), preconceito (Mastro, 2009) e, no menos importante, o engano propriamente dito.

    Influncia SocialInfluncia social definida como o processo em que os pensamentos, sentimentos e comportamentos de uma pessoa so afetados por uma outra pessoa ou por um grupo (Forgas & Williams, 2001). um fenmeno transversal que se expressa por diversas formas, tais como a obedincia, a conformidade, a atrao interpessoal e a identificao. Uma dessas formas se configura como persuaso quando um agente tenta mudar intencionalmente a atitude ou o comportamento de outras pessoas sem que haja coeso ou qualquer relao de poder entre as partes (Perloff, 2010). Quando se analisa a publicidade voltada para promover um determinado consumo, portanto, deve-se referir a estratgias persuasivas, como objetivo final de uma srie de tticas de influncia.

    Cialdini (1998) defende que grande parte da influncia social acontece por meio de respostas automticas e que as pistas que eliciam essas respostas podem ser identificadas em diferentes culturas quando se tem o intuito de estimular pessoas a atender ou concordar com um pedido. Embora haja uma pletora dessas tticas de influncia usadas nos mais diversos contextos, Pratkanis (2007) fez um minucioso levantamento de fenmenos investigados empiricamente h mais de 100 anos na psicologia social, resultando em um index com 107 tticas, classificadas em quatro categorias. Essas tticas podem estar presentes nos mais diversos contextos e no envolvem necessariamente uma tentativa explcita ou direta de persuaso. Tambm no h necessidade, em todas as tticas, da inteno persuasiva do agente para que o efeito efetivamente ocorra.

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    A primeira categoria inclui tticas para estabelecer um ambiente favorvel, consideradas indiretas e preparatrias. Um exemplo no contexto de consumo deste tipo de ttica seria apresentar a uma pessoa duas opes de produto, sendo que uma das opes o produto que se deseja vender e a outra uma opo de baixa qualidade. Ao apresentar duas opes a pessoa tem a iluso de ter uma diversidade para decidir, mas tender a escolher a opo que o vendedor deseja vender. A segunda categoria inclui as tticas que dependem de relaes sociais, fazendo uso direto de outros processos de interao interindividual ou grupal. Um exemplo desta categoria seria um poltico que se apresenta como uma pessoa semelhante a seus eleitores, pois, ao fazer isto, aumenta a identificao pblica com ele e, consequentemente, o nmero de votos que receber. A terceira categoria inclui tticas de efetividade da mensagem persuasiva, focadas na manipulao da prpria forma de persuadir. Um exemplo desta categoria seria reduzir uma questo complexa a um slogan ou lugar-comum, para fazer a questo parecer simples e de soluo bvia. A quarta categoria inclui tticas emocionais, que recorrem aos sentimentos, emoes e atitudes para influenciar a deciso da pessoa a ser persuadida. Um exemplo desta categoria seria quando um vendedor elogia um consumidor, o que aumenta as chances de que ele compra o que apresentado. Como ser mostrado no Estudo 2, entretanto, apenas uma parte dessa lista de tticas de persuaso aplicvel anlise de filmes publicitrios veiculados na televiso, devido s suas intenes e forma de comunicao audiovisual em um curto espao de tempo.

    Uma consequncia que tem sido relatada na literatura de influncia social, mas ainda raramente investigada no Brasil, o chamado efeito da terceira pessoa (Gunther, Bolt, Borzekowski, Liebhart, & Dillard, 2006). Trata-se de um fenmeno em que as pessoas tm a tendncia de perceber uma maior influncia de efeitos negativos de mensagens em outras pessoas do que nelas mesmas. Por analogia, uma pessoa poder perceber os outros como mais vulnerveis a persuaso na mdia do que elas mesmas, ficando ironicamente mais vulnervel a mensagens persuasivas, subestimando seus efeitos.

    Regulao da mdiaA legislao que regula a mdia voltada para o pblico infantil no Brasil ainda limitada, especialmente se comparada Europa ou Amrica do Norte. Hartung (2010) defende que a falta de tica do marketing voltado para crianas uma prtica abusiva e que j pode ser caracterizada como ilegal. Com filhos crescendo sob influncia de uma mdia persuasiva, fundamental que os pais aprendam e possam transmitir estratgias para resistir ao marketing, especialmente quando ele enganoso (Boush, Friestad, &

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    Wright, 2009), sem que dependam exclusivamente das aes de regulao. Com essa perspectiva em vista, Mick (2006) iniciou um movimento na rea de comportamento do consumidor conh


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