Download - Estudo de Caso sobre o Contrato Preliminar
02/06/2015 Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar | Paula Camila Pinto
http://paulacamilapinto.com/2014/01/03/estudodecasodiscosaepaodeacucar/ 1/6
Paula Camila Pinto
Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar
Introdução
Em 04 de Setembro de 1974, os acionistas da Distribuidora Disco Comestíveis S/A ePão de Açúcar, firmaram um documento ao qual deu‑se o nome de ContratoPreliminar para Compra e Venda de Ações, com previsão para celebração de contratodefinitivo em 30 (trinta) dias. Ocorre que, posteriormente, não houve consenso entreas partes, negando‑se os acionistas a celebrar acordo definitivo, pretendendo adevolução de quantia depositada. Com a negativa da Pão de Açúcar em receber ovalor e dos acionistas em entregarem as ações, foram propostas duas ações: (1) deconsignação em pagamento, movida pelos acionistas, e (2) de adjudicaçãocompulsória, movida pela Pão de Açúcar SA.
A importância do estudo do referido caso para o presente curso de contratos é que,com as respectivas proposituras, entrou em debate as características do “ContratoPreliminar”, eis que o primeiro passo para o deslinde da lide seria a classificação dodocumento em contrato preliminar, quando teria força vinculante – tese defendidapela Pão de Açúcar SA; ou se se tratava de um documento meramente negocial,quando não haveria qualquer obrigação no cumprimento do disposto no documento –tese defendida pelos acionistas.
O grande desafio apresentado à época era justamente de que a referida modalidadeera ignorada pela legislação, não obstante sua prática reiterada, sendo tratada tãosomente por doutrinadores pátrios e estrangeiros.
O Caso em comento foi definitivamente decidido pela Segunda Turma do SupremoTribunal Federal, que julgou pela procedência da Ação Consignatória dos acionistas,entendendo que o documento celebrado não se tratava de Contrato Preliminar, mastão somente de formalização de negociação, pelo que não poderia o tribunal obrigar aparte a celebrar o acordo, eis que, assim o fazendo, violaria a livre disposição davontade das partes, elemento característico e basilar dos contratos.
O presente trabalho abordará as conclusões do STF, posteriormente emitindo opiniões
02/06/2015 Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar | Paula Camila Pinto
http://paulacamilapinto.com/2014/01/03/estudodecasodiscosaepaodeacucar/ 2/6
O presente trabalho abordará as conclusões do STF, posteriormente emitindo opiniõessobre as mesmas, e, ao fim, realizará uma análise do célebre documento firmado à luzdo novo código civil.
Análise das conclusões do STF
Em julgamento de Recurso Extraordinário quanto ao Caso Disco SA e Pão de Açúcar,o Ministro Relator apontou objetivamente o cerne da questão, qual seria:consensualizados os elementos essenciais de um contrato, mas postergando‑se oselementos acidentais, em documento firmado pelas partes, se estaria caracterizado ocontrato preliminar ou seria mero protocolo de intenções:
“(…) a questão jurídica fundamental que se discute nestes autos é esta: se, no curso denegociações, as partes acordam sobre os elementos essenciais do contrato, deixando, porém, paramomento posterior (o da celebração do contrato definitivo), a solução de questões relativas aelementos acidentais, e reduzem tudo isso a escrito, esse documento caracteriza um contratopreliminar (e, portanto, obrigatório para ambas), ou não passa, mesmo no que diz respeito aospontos principais já considerados irretratáveis, de mera minuta (punctação), sem o carátervinculante do contrato preliminar, e, consequentemente, insusceptível de adjudicaçãocompulsória?”.
Com exceção do Ministro Leitão de Abreu, todos os demais ministros, emconformidade com o Relator entenderam que, por tratar‑se de relação comercial, deacordo com a legislação vigente à época, um contrato, para ser considerado perfeito eacabado deveria haver acordo quanto a coisa, ao preço e às condições. Ou seja, deveriaconter todos os elementos do contrato definitivo.
Desta forma, não poderia ter sido o documento firmado considerado ContratoPreliminar, pois não havia consenso entre as partes quanto à todos os elementos doacordo, portanto, quanto às condições do negócio, bem como o preço a ser pago pelasações, que seriam apurados durante os 30 dias, pelo que não poderia o juiz substituiras partes e preencher aquilo que não foi acordado entre as mesmas a fim de fazercumprir o documento firmado. Sendo assim, entenderam que o referido documentotratava‑se tão somente de protocolo de intenções, pelo que haveria uma vinculaçãoeventual e provisória.
O voto divergente do Ministro Leitão de Abreu entendeu que, muito embora nãoestivessem presentes todas as cláusulas do negócio definitivo, tratava‑se de ContratoPreliminar e não apenas de mero protocolo de intenções, eis que as partes haviamacordado quanto às cláusulas essenciais, não havendo cláusulas não determinadas,mas tão somente determináveis por princípios objetivos já mencionados no referidodocumento. Ademais, fundamento sua decisão no comportamento das partes, peloque podemos dizer, houve um reconhecimento de procedimento de acordo com a boa‑fé e conduta esperada das partes envolvidas.
Opinião sobre as conclusões do STF
02/06/2015 Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar | Paula Camila Pinto
http://paulacamilapinto.com/2014/01/03/estudodecasodiscosaepaodeacucar/ 3/6
Como bem ressaltou o Relator do Caso em comento, o cerne da questão para odeslinde seria estabelecer se o documento firmado entre as partes representa umcontrato preliminar ou tão somente constituía em negociações preliminares, pelo queseria o documento apenas uma minuta, sem efeitos vinculantes.
Inicialmente, se faz necessário a diferenciação entre Negociações Preliminares ouAcordos Provisórios e Contrato Preliminar.
Durante as negociações, as partes produzem documentos que fixam elementos sobreos quais já há consenso entre as mesmas, vinculando‑se ao que já fora decidido,muitas vezes celebrando acordos provisórios para já se vincular às condiçõesestabelecidas, não havendo manifestação da vontade das partes em contratar, mas tãosomente a vinculação aos termos de futuro acordo, caso celebrado. Tais acordos nãopodem ser confundidos com proposta e aceitação, marcos que caracterizam aformação do contrato.
Em contrapartida, os contratos preliminares, de acordo com Caio Mário Pereira, sãoaqueles através dos quais as partes se comprometem a celebrar outro contratoposteriormente. Logo, seu objeto é o de contratar outro contrato, cujo objeto será o quese pretende obter através do mesmo.
Por exemplo, podemos citar um acordo entre dois amigos que desejam contrairmatrimônio entre si, caso permaneçam solteiros até determinada idade. O objeto destecontrato seria tão somente de celebrar outro “contrato”, qual seja, o matrimonial, quenão aconteceria caso um dos dois resolvesse contrair matrimônio com terceiro antesdo prazo estipulado por eles.
O contrato preliminar, como conclui Orlando Gomes, “deve conter os elementosessenciais do contrato definitivo bem como os que podem influir na vontade e intenção dechegar a este“.
Portanto, tendo em vista os conceitos apresentados, ao analisar o documento firmadoentre as partes, há que se verificar que estavam presentes todos os elementosnecessários para existência de um contrato preliminar, eis que, embora não tenhamsido pormenorizadas todas as questões – o que se faz em um contrato definitivo –estavam ali consensualizados todos os elementos necessários para realização donegócio e futuro contrato, estando presentes todos os balizadores necessários paradeterminação de quaisquer discussões que poderiam ser aventadas.
Ademais, como bem ressaltado pelo prolator do voto divergente, o ContratoPreliminar é claro quanto à declaração da vontade das partes de celebrar a compra evenda de ações, manifestando‑se no primeiro item do documento: “concordam emvender, solidariamente, livre desembaraçadamente de quaisquer ônus, à segunda nomeada –aqui designada PRETENDENTE – a totalidade das ações que possuem e esta pretende adquirira totalidade dessa ações, represetnando 97% (noventa e sete por cento) do capital daEMPRESA.”
Assim sendo, estando expressamente declara a vontade de celebrar o negócio, ao qualse comprometeram, e estando dispostas as condições elementais da operaçãoeconômica que se pretende realizar, deixando para o contrato definitivo apenas aquilo
02/06/2015 Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar | Paula Camila Pinto
http://paulacamilapinto.com/2014/01/03/estudodecasodiscosaepaodeacucar/ 4/6
que depende do desencadeamento da operação, claro está de que o documento seconfigura um contrato preliminar.
Reflexão sobre as diferenças que teriam ocorrido caso a decisão tivesse sido tomadasob o Novo Código Civil
Ao contrário do código civil vigente à época da lide, o atual código civil dedicou umcapítulo aos contratos preliminares, que deve conter todos os elementos essenciais docontrato definitivo, conforme disposição do Art. 462 do Código Civil de 2002:
Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitosessenciais ao contrato a ser celebrado.
Portanto, mantém‑se o entendimento de que o documento firmado pelas partes trata‑se de contrato preliminar, nos termos do voto divergente.
Contudo, tal dispositivo não garantiria a mudança na resolução dada pelo STF àquestão em virtude de ter entendido o Relator de que o preço, bem como as condiçõessob as quais se daria a realização do negócio não estavam acordados entre as partes,pelo que, ainda assim, por constituírem requisitos essenciais ao contrato, poderiaembasar a mesma posição adotada pelo Ministro.
No que concerne à obrigatoriedade da celebração do contrato definitivo, objeto docontrato preliminar, o Art. 463 determina que só será exigida a celebração se nãohouver cláusula de arrependimento. No caso concreto, há previsão apenas para oarrependimento da adquirente e não dos acionistas.
Neste caso, considerando‑se que o contrato preliminar não foi cumprido, haveria duaspossibilidades:
(1) A exigência de celebração do contrato, nos termos do art. 463 do código civil;
(2) O pedido de conversão em perdas e danos.
Em ambos os casos, a pretensão de entrega das ações, que motivou a ação deadjudicação compulsória não encontraria guarida na legislação, podendo mover umaação ordinária de obrigação de fazer ou de perdas e danos.
Por fim, outro ponto que resta pacificado diante da legislação que entrou em vigor noano de 2002 é a possibilidade do juiz preencher as lacunas, o que não era aceito pelosjulgadores favoráveis à tese de que o documento firmado era um mero protocolo deintenções, conforme disposto no art. 464 do Código Civil de 2002:
Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parteinadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser anatureza da obrigação.
Portanto, não obstante o posicionamento da maioria dos ministros quanto à ausênciade preço e condições, considerando o disposto no Código Civil de 2002, que modificouos parâmetros e consequências do Contrato Preliminar e o acordado entre as partes,
02/06/2015 Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar | Paula Camila Pinto
http://paulacamilapinto.com/2014/01/03/estudodecasodiscosaepaodeacucar/ 5/6
tem‑se que o resultado das ações poderia ser distinto do que foi, principalmente, ao seconsiderar que tais disposições derrogaram o Código Comercial, que fundamentou oposicionamento vencedor.
Conclusão
Considerando os novos parâmetros impostos pelo Código Civil de 2002, emdetrimento do utilizado pelo Ministro Relator do caso em estudo, tem‑se que oresultado haveria de ser diverso, eis que o documento firmado claramente ultrapassouos limites dos documentos de negociação, havendo expressa manifestação de vontadedas partes em celebrar contrato de compra e venda de ações, pelo que, presentes osrequisitos do contrato definitivo, o mesmo poderia ser convertido em perdas e danosou seria a parte desistente obrigada a celebrar o contrato.
O contrato preliminar firmado pelas partes, além de trazer expressamente disposta avontade em celebrar a venda das ações, continha todos elementos essenciais àformação do contrato definitivo, conforme exigido pelo art. 462 do Código Civil.Diferente seria se as partes houvessem tão somente estabelecido algumas condições doacordo, sem manifestar expressa vontade de realizar o acordo, restando caracterizadoas negociações preliminares ou até mesmo os contratos de negociação.
A coisa que se pretendia vender foi devidamente qualificado, o preço, fora estimado eforam inclusos critérios objetivos para aferição exata do mesmo, pelo que poderia ojuiz suprir a parte desistente neste item.
Desta forma, excetuando‑se o posicionamento vencedor quanto à ausência deelemento essencial do contrato definitivo, conclui‑se que o posicionamento maisadequado, no caso concreto e à luz da nova legislação, seria o voto vencido, que dadoque, considerando a existência de um prévio acordo com elementos essenciais docontrato definitivo, conferiu ao documento em questão a natureza de contratopreliminar, pelo que deveria ser executado.
Logo, a única garantia de alteração seria o fundamento da decisão, que não maispoderia se valer do art. 191 do Código Comercial para análise do documento, mas simdo Código Civil de 2002, que se manifestou expressamente quanto aos requisitos docontrato preliminar.
Referências bibliográficas
BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei Nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponívelem: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm). Acesso em 26 desetembro de 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 88.716, da 2ª Turma,Brasília, DF, 11 de setembro de 1979. Disponívelem <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=AC&docID=182039>(http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=AC&docID=182039>);.Acesso em 26 de Setembro de 2013.
02/06/2015 Estudo de Caso: Disco SA e Pão de Açúcar | Paula Camila Pinto
http://paulacamilapinto.com/2014/01/03/estudodecasodiscosaepaodeacucar/ 6/6
BULGARELLI, Waldírio. Contratos Mercantis, 4ª e., São Paulo, Atlas, 1986.
GOMES, Orlando. Contratos, 13ª e., Rio de Janeiro, Forense, 1994.
GONZALEZ, Débora. A Boa‑fé como principal fundamento da responsabilidade civilpré‑contratual. Universidade Cândido Mendes. 2009. Disponível em:http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/k211185.pdf(http://www.avm.edu.br/docpdf/monografias_publicadas/k211185.pdf). Acesso em 26de Setembro de 2013.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 11ª ed. Rio de Janeiro:Forense, 2004, v.3.).
janeiro 3, 2014 Paulinha C.
Blog no WordPress.com. ~ O tema Syntax.
Seguir
Seguir “Paula Camila Pinto”
Crie um site com WordPress.com