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TERSALVADOR17/10/2017

atarde.com.br/cultura

EDITOR-COORDENADOR: MARCOS CASÉ / [email protected]

LUTO AMIGOS SEDESPEDEM DO ARTISTAVISUAL JOÃO PEREIRA,O JOÃOZITO, QUEMORREU NO DOMINGO 4

MOSTRA BAIANA ISABELLE BORGESABRE EXPOSIÇÃO NA ROBERTO ALBAN 4

Divulgação

2ENTREVISTA Moniz Bandeira, historiador, cientista político, escritor e professor

“ENXERGO A OPERAÇÃO LAVA-JATO COMO UMAÓPERA PARA O ENTRETENIMENTO DO POVO”LUIZ LASSSERRE

Com obras traduzidas para oinglês, espanhol, alemão, rus-so e mandarim, publicadas emdezenas de países, o intelec-tual baiano Luiz Alberto MonizBandeira é, aos 81 anos, umdos pensadores brasileirosmais respeitados do mundo.Na semana em que a editoraCivilização Brasileira relançadois clássicos do mestre emmeio ao centenário da Revo-lução Russa, A TARDE publicaentrevista concedida pore-mail da Alemanha, onde elevive há muitos anos, sem ja-mais desviar o olhar lúcido doque acontece na pátria natal.

De que forma o sr. acompanhae participa do processo de tra-dução das suas obras para lín-guas tão diferentes do portu-guês, como o mandarim?

Esta não pude acompanhar,não falo esse idioma. Mas otradutor foi um diplomatachinês, o conselheiro ShuJianping. Ele consultava àsvezes meu filho Egas, quefala, escreve e lê o manda-rim. Formação do ImpérioAmericano é a minha obratraduzida para o mandarime publicada pela Editora daUniversidade de Renmin daChina, uma das três maioresdo país. Nos dois primeirosanos, saíram três edições. Aterceira, ilustrada, é reim-pressa aos milhares. Mas sóuma vez tive pagamento.Lá, livros são baratíssimos.

Qual o impacto na carreira deum intelectual ter obras tra-duzidas para tantos países?

Nenhum. Já estou a cami-nho de 82 anos, cheguei aoúltimo nível da carreira, co-mo professor titular da UnB,títulos e condecorações. Astraduções e publicações nospaíses mostram, porém,que o Brasil não possui so-mente romancistas que sepodem projetar internacio-nalmente; que possui tam-bém acadêmicos na área deciências sociais capazes deescrever obras com interes-se mundial, sobre outrospaíses e não só sobre o pró-prio ou relações bilaterais.Tenho, como cientista po-lítico e historiador, obras so-bre a formação do ImpérioAmericano, Oriente Médio,países do Cáucaso, reunifi-cação alemã, Argentina e osEstados da Bacia do Prata,revolução cubana e AméricaLatina, golpe no Chile etc.Esses temas, que desenvol-vo em uma linha de pes-quisa da causalidade da ex-pansão imperial dos Esta-dos Unidos, são de interesseuniversal, têm mercado,quando analisados e escri-tos com objetividade e ba-seados em pesquisas.

Toda essa expansão editorialdo seu trabalho se traduz emretorno financeiro?

Apenas com a venda de li-vros acadêmicos, creio queninguém poderia viver.

Entreos livrosqueestãosendotraduzidos para outros idio-mas destaca-se A SegundaGuerra Fria. Como o senhoravalia hoje as tensões entre

EUA e Coreia do Norte, alémda guerra na Síria, tendo EUAe Rússia em lados opostos?

Não creio na eclosão deuma guerra entre EUA e Co-reia do Norte. Só por umacidente afigura-me possí-vel. A Coreia do Norte temenorme poder de retaliar,ainda que não possuísse ar-mas atômicas. Poderia re-taliar os EUA, atacando aCoreia do Sul e o norte doJapão com mísseis conven-cionais, além das basesamericanas na região e atécausarcolapsonaeconomiadosEUApelosvínculosentreesses países, e, consequen-temente, na economiamundial. Os EUA não têmcondições de saber onde to-dos os mísseis da Coreia doNorte se ocultam. E eles sóatacam, como fizeram comoIraque eaLíbia,quandoospaíses se desarmam e nãodispõem de poder de reta-liação. Essa, aliás é a razãopela qual a Coreia trata dedesenvolver mísseis e ogi-vas nucleares, quanto mais

Washington ameaça. Nãome parece que Kim Jong-unpretenda iniciar uma guer-ra, pois sabe que o país seriadevastado. O objetivo prin-cipal dele é salvar o regimee a dinastia. Quanto à Síria,o presidente Baschar al-As-sad, com o apoio diplomá-tico e militar da Rússia, jáganhou, virtualmente, aguerra contra o Exército Is-lâmico e outros grupos ter-roristas armados e treina-dos pelos Estados Unidos.

Qual a avaliação que o senhorfaz hoje das suas duas obrassobre a Revolução Russa comcerca de 50 anos e que estãosendo reapresentadas?

Essa 4ª edição de O Ano Ver-melho é um livro inteira-mente novo. Tive de rees-crevê-lo totalmente. A 1ªedição tornara-se impubli-cável ao meu ver. Fora es-critanaspiorescondiçõesdaclandestinidade, em queme encontrava ao regressardo exílio no Uruguai. Erauma obra pioneira. Mas,

Arquivo pessoal / Divulgação

desde então e, sobretudo, apartir anos 1980, ocorreuum avanço das pesquisas,com diversas dissertações eteses, inclusive na Bahia,sobre a greve geral de1919, quando meu tio-avô,Antônio Ferrão Moniz deAragão, como governadordoEstado,apesardas fortespressões, se recusou a re-primir o movimento e, jun-tamente com o líder socia-lista Agripino Nazareth, ne-gociou com os patrões a jor-nada de oito horas de tra-balho e outras reivindica-ções dos operários. E a gre-ve triunfou. O outro livro –Lenin - Vida e Obra – apenasrevisei e ampliei.

A Revolução Russa deixou al-gum legado positivo para ahumanidade?

Claro! O temor de que ela seespraiasse levou o presi-dente Woodrow Wilson[EUA, 1913 a 1921] a in-serir no Tratado de Versail-les um capítulo sobre os di-reitos sociais, obrigatório

para todos os signatários, oque reforçou a conquistadas reivindicações pelasquais o proletariado do Oci-dente havia tempo lutava.No Brasil, adensou a eclo-são das greves ocorridas en-tre 1917 e 1919 em quasetodos os Estados, o que re-sultou na legislação traba-lhista, que atualmente oempresariado industrial ebanqueiros tratam de der-rogar. Há a mesma tenta-tiva nos mais diversos paí-ses,sustentadapeloavançotecnológico, como a robo-tização, digitalização, fabri-cação offshore etc. Não obs-tante o regime stalinista,que se dissolvia, o fim daUnião Soviética represen-tou catástrofe, não só geo-política, mas também so-cial, ao abrir espaço para oneoliberalismo.

Uma mensagem do senhor aojornalista Paulo HenriqueAmorim, em que apontou in-tervenção militar como únicasaída para o Brasil, causou re-

buliço. O senhor ainda defen-de esta ideia?

Não se trata de defender aideia de intervenção militar,mas de prever, vislumbrar aperspectiva que se desdo-bra, diante da radical divi-são da sociedade brasileira,a efervescência do ódio e daintolerância, como nuncaantes houve. E aí está a criseinstitucional com o conflitode poderes, como ocorreentreoSenadoeoSupremoTribunal Federal, enquantoacriminalidadeseexpande,com a desmoralização dospoderes públicos assenho-reados por chefes e mem-bros de organização; o apo-drecimento político do paíse a falta de um projeto na-cional. Porém, o problemanão é só a corrupção, que éinerente à república presi-dencialista, com o financia-mento eleitoral, distribui-ção política de cargos etc. AOperação Lava-Jato é umaópera para o entretenimen-to do povo, e na qual o juizSérgio Moro e diversos pro-curadores da república pa-recem esperar contrato pa-ra papel de heróis de Hol-lywood. Entrementes, opresidente de fato, MichelTemer, entrega o patrimô-nio nacional aos estrangei-ros em termos de sell off,como promoção. E a situa-ção econômica e política ca-da vez mais se complica. In-vestimentos estrangeirosnão afluem para países emrecessão, a não ser paracomprar os ativos existen-tes a baixo custo. Assim, to-das as condições apontampara uma intervenção mi-litar.MasasForçasArmadasaté hoje sofrem o desgastedo golpe de 1964 e da di-tadura que impôs, e o AltoComando está dividido. Edaí que não desejam entrarem uma aventura. Todos sa-bem como um golpe inicia,mas não como pode termi-nar. Sobretudo nas atuaiscircunstânciasemqueseen-contra o Brasil.

E neste momento de redefi-nição (ou indefinição) políticae econômica no Brasil, qual aexpectativa do senhor para ospróximos anos no país? O se-nhor tem otimismo?

O Brasil chegou a um pontoque não permite qualquerprevisão. A imagem no ex-terior é a de um país que seafunda na lama. É atual-mente visto como republi-queta. Muitos estudantesbrasileiros escrevem-meperguntando sobre as pos-sibilidades de estudar naAlemanha. Querem sair doBrasil de qualquer jeito.Não veem futuro. Como po-de alguém ser otimista?

O senhor está com projeto deescrever alguma nova obra?

Não. Cada obra que escrevoesgota minha saúde, pre-ciso descansar. Quero voltara reler romances, peças,poemas, como fazia na ado-lescência, na Bahia de ou-trora, onde nasci e me criei,antes de voar pelo mundo eestacionar na Alemanha,pátria de Goethe e de Schil-ler, de Marx e Engels.

A Segunda Guerra Fria /Luiz Alberto Moniz Bandeira

Editora Civilização Brasileira/ R$ 58,90

A Desordem Mundial /Luiz Alberto Moniz Bandeira

Editora Civilização Brasileira/ R$ 59,90

Lenin - Vida e Obra /Luiz Alberto Moniz Bandeira

Editora Civilização Brasileira/ preço não divulgado

O ANO VERMELHO /

LUIZ ALBERTO MONIZ BANDEIRA

Editora Civilização Brasileira/ preço não divulgado

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