Universidade Federal de Sergipe
Hericly Andrade Monteiro
ENTRE CONFLITOS E ALIANÇAS: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA
EPISCOPAL DE DIEGO GELMÍREZ ATRAVÉS DA HISTORIA
COMPOSTELANA (SÉC. XII)
SÃO CRISTÓVÃO
SERGIPE-BRASIL
2016
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
M775e
Monteiro, Hericly Andrade Entre conflitos e alianças : uma análise da política episcopal de
Diego Gelmírez através da história compostelana / Hericly Andrade Monteiro ; orientador Bruno Gonçalves Alvaro. – São Cristóvão, 2016.
110 f.
Dissertação (mestrado em História) – Universidade Federal de Sergipe, 2016.
1. História – Santiago de Compostela (Espanha). 2. Episcopado. 3. Política eclesiástica. 4. Guerra. I. Gelmirez, Diego. II. Alvaro, Bruno Gonçalves, orient. III. Título.
CDU 94:272(460)
Hericly Andrade Monteiro
ENTRE CONFLITOS E ALIANÇAS: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA EPISCOPAL DE
DIEGO GELMÍREZ ATRAVÉS DA HISTORIA COMPOSTELANA (SÉC. XII)
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Sergipe, como
requisito obrigatório para obtenção de título de
Mestre em História, na Área de Concentração
Cultura e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Bruno Gonçalves Alvaro
SÃO CRISTÓVÃO
SERGIPE - BRASIL
2016
Hericly Andrade Monteiro
ENTRE CONFLITOS E ALIANÇAS: UMA ANÁLISE DA POLÍTICA EPISCOPAL DE
DIEGO GELMÍREZ ATRAVÉS DA HISTORIA COMPOSTELANA (SÉC. XII)
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal de Sergipe, como
requisito obrigatório para obtenção de título de
Mestre em História, na Área de Concentração
Cultura e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Bruno Gonçalves Alvaro
Aprovado em:
Banca Examinadora:
___________________________________________ Prof. Dr. Bruno Gonçalves Alvaro Universidade Federal de Sergipe
____________________________________________ Prof. Dr. Alfredo Julien
Universidade Federal de Sergipe
_____________________________________________ Prof. Dr. Leandro Duarte Rust
Universidade Federal de Mato Grosso
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Universidade Federal de Sergipe e ao Programa de Pós-
graduação em História (PROHIS) por me proporcionarem um ambiente promissor para que eu
pudesse me desenvolver academicamente em meio aos intensos debates travados durante toda
a minha trajetória em que fui discente ligado esta instituição.
Ao professor Dr. Bruno Gonçalves Alvaro, meu querido amigo e orientador, por esses
dois anos de confiança, estímulo, amizade e enorme paciência. O aprendizado que alcancei ao
tê-lo como orientador com certeza foi indispensável, não só para a produção desse trabalho
como também para a minha vida como profissional e ser humano.
À minha mãe Maria Aparecida Andrade Monteiro, pelo exemplo de luta, disposição e
apoio constante neste caminho.
Às minhas tias Gizelda Andrade e Onildes Andrade, por me receberem em suas casas
durante os momentos difíceis que passei no início 2015. Sinto como se tivesse mais de uma
mãe.
À Thaíse dos Santos Silva, minha noiva e companheira há cinco anos. Muito obrigado
por todo amor e carinho durante essa jornada, além da compreensão, confiança, apoio,
paciência e toda a força ao longo desta jornada, sobretudo, revisando meus textos inúmeras
vezes. Você com certeza foi muitas vezes o porto seguro que eu precisei, obrigado por todo
amor.
Ao Rafael Costa Prata, meu companheiro de orientação e amigo pelo qual nutro um
carinho enorme. Uma pessoa que sempre me ajudou e que eu sei que posso contar sempre que
precisar. Em resumo, um daqueles irmãos que a vida coloca em seu caminho.
Ao VIVARIUM - Laboratório de Estudos da Antiguidade e do Medievo por
proporcionar diversas oportunidades em que pude não só expor os meus trabalhos como
também conhecer outras pesquisas diversas que, com certeza, foram parte integrante de todo o
processo de amadurecimento pelo qual passei nesses últimos anos.
Aos Professores doutores Leandro Duarte Rust e Alfredo Julien, não só por aceitarem
integrarem a minha banca de qualificação e a de defesa desta dissertação, mas por também
fazerem parte desse processo de aprendizado pelo qual passei, além, é claro, das enormes
contribuições feitas para a feitura do presente trabalho.
Aos amigos Bruna Oliveira Mota, Carla Darlen Reis, Andrey Augusto Ribeiro, Lívia
Albuquerque, Edvaldo Alves, Bruno Daniel, Ícaro Macedo, Iago Macedo, Ewerton Oliveira,
Adriano Silva e César Rocha por terem me dado a alegria da convivência.
E por fim a CAPES por todo o apoio proporcionado desde a minha atuação como
Professor Tutor do Programa de Educação à Distância CESAD/UFS e que se repetiu na
ocasião em que passei a integrar o quadro de bolsistas do PROHIS.
Resumo
Entre conflitos e alianças: uma análise da política episcopal de Diego Gelmírez através
da Historia Compostelana (Séc. XII)
A Historia Compostelana é uma obra do século XII que narra a trajetória e os feitos políticos
de Diego Gelmírez, bispo e posterior arcebispo de Santiago de Compostela entre os anos 1100
e 1140. Advindo da baixa nobreza galega e desde jovem ligado não somente ao clero como
também a alta nobreza, Gelmírez foi responsável pelo movimento que impulsionou o
crescimento da diocese compostelana e pelo aumento da peregrinação até o santuário
dedicado a São Thiago. Tornou-se ainda mais importante devido à sua atividade enquanto
bispo, pois, foi sob o seu comando que a Sé galgou a posição de arcebispado após anexar
territórios de outras Igrejas e ainda promover o roubo de relíquias. A presente pesquisa de
mestrado analisou o papel desempenhado por Diego Gelmírez durante os anos de sua atuação
enquanto bispo e, posteriormente, arcebispo de Santiago de Compostela, momentos em que se
envolveu não só em atividades episcopais, mas também, em atividades militares, assumindo
muitas vezes o papel de líder entre os galegos, reunindo tropas, fosse para proveito próprio ou
à serviço dos monarcas castelhano-leoneses Urraca I (1109-1126) e Alfonso VII (1126-1157).
Através da análise da sua figura expressa na História compostelana, buscamos entender a
complexidade das suas ações políticas tanto em âmbito episcopal, quanto no âmbito guerreiro
e como ambos se entrelaçaram levando em consideração os conflitos e as alianças presentes
no contexto da Península Ibérica de seu tempo.
Palavras-chave: Poder episcopal; Relações políticas; Guerra; Península Ibérica; Idade Média
Central
Abstract
Between conflicts and alliances: an analysis of the episcopal policy of Diego Gelmírez
through Compostelana Historia (XII century)
The Historia Compostelana is a twelfth-century work that narrates the trajectory and
politicians made of Diego Gelmírez, bishop and later archbishop of Santiago de Compostela
between the years 1100 and 1140. Arising low Galician nobility and from a young age linked
not only to the clergy as also the high nobility, Gelmírez was responsible for the movement
that propelled the growth of compostelana diocese and increasing pilgrimage to the shrine
dedicated to St. Thiago. It has become even more important due to its activity as bishop,
because it was under his command that the See climbed the archbishopric position after
annexing territories of other Churches and also promote the theft of relics. This research
present examined the role played by Diego Gelmírez during the years of his activity as bishop
and later of Santiago de Compostela archbishop, moments that involved not only in episcopal
activity, but also in military activities, assuming many times the leading role among the
Galicians, gathering troops, were for their own benefit or service of the Castilian-Leonese
monarchs Urraca I (1109-1126) and Alfonso VII (1126-1157). Through the analysis of his
figure expressed in compostelana history, we seek to understand the complexity of their
political actions both in episcopal level, as the warrior within and how both are intertwined
taking into account the conflicts and alliances present in the context of the Iberian Peninsula
of its time .
Keywords: Episcopal Power; Political Relations; War; Iberian Peninsula; Central
Middle Ages
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................01
CAPÍTULO I: A HISTÓRIA COMPOSTELANA E A GUERRA: DOCUMENTAÇÃO E
HISTORIOGRAFIA...............................................................................................................05
1.1 - De Keegan à García Fitz: Uma tentativa de construção sobre o que foi a Guerra na
Idade Média.......................................................................................................................05
1.1.1 - John Keegan e a guerra como um aspecto social..........................................................06
1.1.2 - A Paz e a Guerra em Bouvines: A pespectiva dubyniana sobre os enunciados............07
1.1.3 - A Guerra Medieval: O domínio do espaço e do tempo.................................................12
1.1.4 - García Fitz e as relações político/guerreiras na Península Ibérica.................................15
1.1.5 - Guerra e pluralidade......................................................................................................17
1.2 - A complexa Historia Compostelana...............................................................................19
1.2.1 - Origem de Gelmírez e o contexto político da época......................................................19
1.2.2 - Historia Compostelana..................................................................................................20
1.2.3 - Principais Estudos sobre a Historia Compostelana......................................................22
1.2.4 - Discussão acerca dos documentos que compõem a Historia Compostelana................32
1.3 - Conclusão do capítulo.....................................................................................................35
CAPÍTULO II: O CLERO EM BATALHA: DIEGO GELMÍREZ E OS EMBATES NA
COROA CASTELHANO-LEONESA DURANTE O REINADO DE URRACA I..........37
2.1 - A construção de um bispo: a trajetória gelmíreana....................................................37
2.2 - Relação entre poderes: Santiago de Compostela e Alfonso VI...................................41
2.3 – Diego Gelmirez, Urraca I e Alfonso I de Aragão: Entre acordos e conflitos............52
2.4 - A jornada rumo ao arcebispado....................................................................................66
2.5 - Conclusão do capítulo.....................................................................................................71
CAPÍTULO III: OS TENSIONAMENTOS DO PODER: DIEGO GELMÍREZ E O REINADO DE ALFONSO VII..............................................................................................73
3.1 - A ascensão de Alfonso VII e o início do seu reinado...................................................73
3.2 - A seara do conflito: Gênese e desenvolvimento...........................................................81
3.3 - Novas estratégias: A política de reaproximação..........................................................89
3.4 - Gelmírez e seu derradeiro movimento no tabuleiro da política medieval: O conflito gelmíriano com o chanceler real Bernardo...........................................................................91
3.5 - Conclusão do capítulo.....................................................................................................95
CONCLUSÃO.......................................................................................................................97
BIBLIOGRAFIA..................................................................................................................105
1
INTRODUÇÃO
Atualmente, os estudos acerca da Guerra Medieval e suas acepções vêm ganhando
adeptos de forma significativa, em sua maioria, abordando principalmente a desmistificação
dos estudos do século XIX e início do XX que, de forma errônea, não visualizavam a maneira
como a guerra no Medievo era desempenhada.
Antes, a percepção sobre a guerra era a de algo feito por pessoas sem a mínima
ciência do que de fato estavam desenvolvendo, ou seja, algo sem táticas ou estratégias. A
visão dos antigos pesquisadores sobre a Guerra Medieval era de uma turba de homens
violentos que iam ao combate com uma infindável sede de sangue.
Contudo, atualmente, uma gama de novos estudos têm conseguido difundir uma nova
visão menos ligada à concepção de “Idade das Trevas” e mais preocupada em observar como
era a conduta bélica no período e como era o comportamento em meio às batalhas, além de
outros assuntos de natureza guerreira.
O Medievo Ibérico foi palco de inúmeros conflitos armados, mas foi em seus
momentos centrais – séculos XI ao XIII – que eles se tornam mais frequentes, período esse
denominado por grande parte da historiografia como o momento áureo da Reconquista.
Dentro desse processo, vários agentes tornaram-se característicos. As figuras de reis foram
emblemáticas, como espadas num longo processo de guerra contra os reinos Taifas, que
visavam a retomada de territórios que antes pertenciam aos reinos cristãos.
Porém não apenas os laicos fizeram parte desse processo. Podemos dizer que o clero
teve uma participação singular dentro desses combates, tanto na frente ideológica –
legitimando os atos guerreiros desempenhados pelos senhores laicos e seus soldados durante
as duras e sucessivas escaramuças que foram empreendidas –, quanto atuando como braço
armado em conjunto com esses senhores.
Um dos principais estudiosos sobre o assunto é Francisco García Fitz, que vem
apresentando uma série de resultados muito importantes acerca do fazer a guerra na Idade
Média, com mais especificidade na realidade da Península Ibérica. Torna-se interessante notar
como aos poucos, mesmo dentro da temática guerreira, os estudos do próprio García Fitz e de
outros pesquisadores vem apontando uma maior participação na luta armada por parte dos
clérigos.1
1 REILLY, Bernard F.The Kingdom of León-Castilla under Queen Urraca, 1109-1126. Princeton: Princeton University Press, 1982; FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult: The Life and Times of Diego Gelmírez of Santiago de Compostela. New york: Claredon Press, Oxford University press, 1984; ALVARO, Bruno
2
Entretanto, essa participação não era apenas de forma ostensiva, como um soldado,
incluindo-os dentro da belicosidade inerente ao serviço que dispensava os chamados miles,
mas, também, no âmbito político de todas as questões que envolviam a guerra, sendo no trato
diplomático da situação ou até de maneira mais estratégica, organizando tropas e planejando o
próximo passo dentro de uma situação de tensão política.
Como objetivo principal desta pesquisa de mestrado, nós ressaltamos a atividade
militar entre os clérigos na Península Ibérica durante o século XII, mais precisamente do
bispo/arcebispo Diego Gelmírez. Analisaremos como se dava esse envolvimento do mesmo
no processo guerreiro seja com uma participação ativa ou secundária. Aqui queremos atentar
a uma série de ações problemáticas, que proibiam a participação efetiva dos clérigos e que
muitas vezes eram burladas e justificadas.
Mostrar a participação na guerra do arcebispo acima citado e como ele se inseria no
contexto guerreiro da época também constituiu um dos nossos objetivos, assim como entender
dupla função exercida pelo mesmo: de líder eclesiástico aliado ao poderio militar que poderia
ser arrebanhado. A partir disso mostraremos como os membros eclesiásticos se articulavam
para proteger interesses próprios, atuando muitas vezes junto ao poder laico e secular
buscando uma via de congruência entre ambos.
Sabemos que a atuação do bispo, e posterior arcebispo Diego Gelmírez, foi muitas
vezes levada em defesa dos interesses do próprio frente à organização e manutenção do
senhorio de Santiago de Compostela. Na Historia Compostelana os casos apresentados
deixam claro por meio do envolvimento dele na política não só da Galícia como também dos
outros reinos, como o próprio desejava ter sobre as suas rédeas o controle do seu senhorio, e
muitas vezes o da própria Galícia.
Nosso estudo perpassa a análise sobre de que modo ele tece a suas relações na corte e
como ele age de maneira, muitas vezes arbitrária, repreendendo a rainha em uma das ocasiões
para que o “interesse da Galícia” fosse resguardado. Além de liderar uma coalizão organizada
por nobres locais, os quais tinham medo de perder os seus privilégios caso o reino não tivesse
certa autonomia que fora tramada através da coroação do rei ainda menino Alfonso
Gonçalves. As Veredas da Negociação: Uma Análise Comparativa das Relações entre os Senhorios Episcopais de Santiago de Compostela e de Sigüenza com a Monarquia Castelhano-Leonesa na Primeira Metade do Século XII. Tese (doutorado) – UFRJ/IH/ Programa de Pós Graduação em História Comparada, 2013, 280 f; SMITH, Katherine Allen. War and the making of medieval monastic culture. Woodbridge: Boydell Press, 2013; DUGGAN, Lawrence G. Armsbearing and the clergy: in the history and cannon law of western cristianity. Woodbridge: Boydell Press, 2013, etc.
3
Raimúndez e da sua oposição ao casamento da rainha Urraca I com Alfonso I de Aragão, o
Batalhador.
Gelmírez ainda se une ao exército da Galícia com a sua tropa de leais cavaleiros que
lhe prestaram obediência e algumas vezes acaba recorrendo ao direito de convocar tropas em
seus domínios, privilégio notório dos senhores de terra. Essas ações são alguns exemplos que
permeiam por toda a documentação e que nos mostram o envolvimento do bispo/arcebispo
compostelano em todas as atividades que envolviam a organização do senhorio, não só na
parte pertencente a sua paróquia – algo que já era esperado – como também em todo o reino.
Para tal, nossa dissertação foi dividida em três capítulos. O primeiro tem por objetivo
tanto apresentar o aparato teórico utilizado em nossas discussões sobre a guerra, quanto
introduzir mais detalhes sobre a própria fonte que foi utilizada, analisando-a sob o viés
histórico e literário: Historia Compostelana. Visamos aqui compreender o contexto sócio-
político das suas produções, além de estabelecer uma ligação entre a guerra e o nosso
documento.
Já no segundo capítulo, analisamos as figuras que participam da narrativa, assumindo
um foco maior no caso de Diego Gelmírez e sua atuação na Península Ibérica dos séculos XI e
XII e os devidos efeitos durante o seu período enquanto bispo e posteriormente arcebispo da
Sé compostelana. Mostrar como se dava o envolvimento de Gelmírez na disputa de poder
existente no período e como a sua figura clerical se encaixava dentro das atribuições
episcopais e senhoriais tendo como foco o reinado de Urraca I foi o principal caminho por nós
percorrido.
E por fim, em nosso terceiro capítulo, nos dispomos a ponderar sobre a atuação de
Diego Gelmírez durante o reinado de Alfonso VII, suas relações com os outros nobres locais,
a sua atuação militar e a trajetória senhorial e episcopal no momento em que muitos dos
direitos que lhe foram concedidos anteriormente são caçados pelo novo rei.
O nosso trabalho, inserido dentro dessa ótica de análise, pretende observar o discurso
tecido pela documentação acerca dos aspectos políticos que envolviam o fazer a Guerra no
Medievo Ibérico no século XII.
Como afirma René Remond:
Se o político é uma construção abstrata, assim como o econômico ou o social, é também a coisa mais concreta com que todos se deparam na vida, algo que interfere na sua atividade profissional ou se imiscui na sua vida privada.2
2 RÉMOND, René. "Uma história presente". In: Rémond, René (org). Por uma História Política. Trad. Dora Rocha, 2ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. Cap. 14, p.442.
4
E isso é algo que podemos notar na atuação do bispo/arcebispo de Santiago de
Compostela, Diego Gelmírez na História Compostelana. É, portanto, dentro dessa categoria
que o presente trabalho visa se inserir, procurando suprir lacunas e trazendo um maior aporte
à discussão que já vem sendo travada acerca do contexto bélico do Medievo Ibérico e de que
maneira os membros da Igreja participavam desses conflitos armados.
5
CAPÍTULO I
A HISTÓRIA COMPOSTELANA E A GUERRA: DOCUMENTAÇÃO E
HISTORIOGRAFIA
Este primeiro capítulo tem como objetivo central introduzir qual o aparato teórico
utilizado por nós na escrita desta dissertação para pensar a guerra e os seus diferentes
conceitos, além de introduzir alguns aspectos sobre a Historia Compostelana, nosso principal
documento de análise. Para tal dividimos o capítulo em duas partes: A primeira discute de
forma mais aprofundada o relacionamento entre os conceitos de guerra utilizados nesta
investigação e esclarece os parâmetros utilizados por nós na feitura do trabalho, além de expor
o que entendemos como guerra, conceito que perpassa toda a nossa análise.
No segundo momento deste capítulo introduzimos ao leitor detalhes mais relacionados
à documentação, abordamos a autoria, os estilos de escrita presentes na Historia
Compostelana, sobre quem e o que a narrativa trata. Apresentamos, também, os trabalhos
anteriormente escritos sobre o documento analisado por nós e que foram utilizados como base
para toda a nossa análise.
1.1 – De Keegan à García Fitz: Uma tentativa de construção sobre o que foi a Guerra
na Idade Média
O que é a Guerra? A resposta para essa pergunta é deveras difícil de traçar com a
devida certeza. Mesmo no âmbito linguístico atual, nós temos vários significados e nenhum
deles nos dá uma definição precisa sobre o que de fato se pode entender o que foi ou é este
enunciado. Porém mesmo não havendo uma definição absoluta sobre isto, vários trabalhos já
foram publicados sobre o assunto, várias acepções foram criadas, várias maneiras de fazer a
guerra foram mapeadas, mas nunca se chegou a um consenso sobre o que é a guerra ou como
ela é feita, principalmente, na Idade Média. E isso não é algo que nós pretendemos alcançar
aqui. Porém, é fundamental que se faça uma reflexão sobre aqueles que consideramos como
os principais estudos a se ter acesso na busca sobre a compreensão deste emaranhado de
pluralidades que foi e é a guerra e a sua prática.
Sendo assim, esse primeiro item tem por objetivo delinear uma linha de pensamento,
norteada por diversos autores que tratam da guerra, seja como conceito mais abstrato ou de
uma forma mais prática (abordando movimentações armamentos entre outros assuntos de
natureza técnica). Com isso, o que queremos é tentar definir a guerra tendo como base a
6
especificidade espacial e temporal que tomamos como ponto central de estudo em nosso
mestrado: o medievo Ibérico e, mais especificamente, a Galícia no século XII.
1.1.1 - John Keegan e a guerra como um aspecto social
No livro Uma História da Guerra,1 o objetivo central de Keegan é apresentar através
da análise antropológica de diversas sociedades, tais como os maori, os povos montados,2
passando inclusive pelos samurais e gregos, uma resposta para uma pergunta feita por ele
ainda na introdução de seu livro e que nos apropriamos como exercício de reflexão
investigativa: O que é a Guerra?3
Porém, esse questionamento é apenas um ponto de partida, serve apenas como um
apoio que tanto o autor, como todo aquele que se aventure no estudo sobre a guerra, pode
deixar de lado a partir do momento em que se compreende a ideia de que a guerra é plural e
que os seus significados estarão postos de formas distintas em culturas diferentes. Portanto, o
significado da guerra nada mais é do que social, partindo do ponto de vista da sociedade em
que o estudioso se debruça. Logo, não existe um significado que define guerra de uma
maneira a suprir todas as culturas existentes no geral.
Ao analisar individualmente tais sociedades, Keegan encontra, no que ele convenciona
chamar de “guerra primitiva”,4 convenções que nos permitem chegar a essas características
por nós acima afirmadas. Ou seja, que a noção sobre a guerra e sua prática está intimamente
vinculada à cultura da sociedade no qual ela está sendo empreendida.
Ele incorre que, no caso dos povos primitivos, nós temos a capacidade de limitar a
análise do estudo das ações da guerra, por exemplo, ao perceber a permissão ou não da
participação de mulheres, crianças, velhos e incapazes, aqueles que fazem a guerra estão,
portanto, isentando estes da violência do conflito. Ou seja, mesmo em tais sociedades ditas
“primitivas” há uma coerência relacional-social que não pode ser ignorada e que apresenta
certas lógicas que possibilitam ao investigador construir uma narrativa explicativa.
Como já afirmado, a sociedade tem um papel determinante, pois é ela que ditará de
que forma tal povo irá lidar com a guerra. E quanto a isso, nos referimos aqui não só aos
fatores estruturais e puramente militares, mas, também, à sua filosofia guerreira, à sua
maneira de pensar o conflito, de reagir aos inimigos e de assimilar, ou não, novas formas de
1 KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia de Bolso, 2006. 2 Como ele chama uma serie de povos existentes nos quais o cavalo tinha uma representação muito forte na sua
cultura guerreira, a exemplo dos mongóis e sármatas. Idem, p. 67 3 Idem, p. 14 4 Relativa nesse caso aos povos primitivos.
7
guerrear. Como exemplo, podemos citar o caso dos guerreiros montados, que mesmo sendo
senhores de grandes cidades, ainda viviam de maneira nômade, permanecendo com práticas
que estruturalmente não fariam sentido, tendo em vista que já estavam aquartelados em
castelos e grandes cidades, mas que devido a sua cultura guerreira essas práticas tiveram
continuidade.
E para o autor isso é o que define a distância que temos hoje sobre o que é fazer a
guerra e se portar na mesma, diferente do que era para esses povos. Segundo Keegan, a guerra
de objetivos e aniquilação existente hoje é uma mistura da cultura da morte honrada em
batalha dos gregos, com os pressupostos teóricos ainda presentes hoje relativos à forma de ver
a guerra perpetrada por Clausewitz, junto, é claro, com um terceiro fator: a tecnologia.
Ele vê na sociedade ocidental certo orgulho da guerra, muito pelo fato de que essa
maneira de guerrear subjugou diversos povos durante a história. Durante o século XIX,
diferentes povos, alguns inclusive que fizeram parte da análise do livro, foram alvo nesse
século da guerra ocidental aniquiladora. Sendo assim, o ocidente, e seu modelo de guerra, é
vitorioso sob o modelo oriental.
Porém, para Keegan, essa vitória é enganosa, esse modelo de guerra não é
racionalizado, como o oriental, esse fato leva o ocidente a guerra interna, e não só isso: ao
esvaziamento de sentido daquele que a perpetra. O guerreiro não tem mais valor, não tem
mais honra, não tem mais sentimento e por isso a guerra não pensa a si, não possui mais
limite, não existem mais convenções. A guerra é total, ela atinge a todos e a tudo.
E aqui Keegan define que a política deve continuar e não a guerra. Porém ele não diz
isso ao modo pacifista, o que ele nos traz, na verdade, é uma falha sobre a guerra e na maneira
que ela vem sendo perpetrada, principalmente pelo ocidente, ou por influência dele e, que,
portanto, isso deve acabar.
A guerra precisa ser repensada e essa ação deve ser realizada principalmente por
aqueles que a fazem: Os guerreiros.
1.1.2 – A Paz e a Guerra em Bouvines: A perspectiva dubyniana sobre os enunciados
Tão importante quanto o conceito de guerra que Duby nos apresenta no clássico livro
O Domingo de Bouvines,5 é o conceito de paz com o qual ele inicia o primeiro capítulo dos
seus Comentários, onde ele tece as suas considerações sobre a Paz, que é fundamental para
5 Duby, Georges. O Domingo de Bouvines: 27 de Julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
8
entender não só a dualidade que é intrínseca ao conceito de guerra no medievo, mas também
para apreender uma mudança de mentalidade que se instaura a partir do século XI.
Ele trata da guerra em dois grandes momentos, num primeiro onde:
[...] a guerra – os escritos dos autores cultos denominam, à época de Bouvines, com o termo germânico e latinizado Werra – tinha sido uma boa coisa. Para homens em condição de fazê-la, era a ocupação normal. Ela renascia a cada ano com o bom tempo, e os deuses a abençoavam. Cumpria uma função econômica primordial, tão importante quanto o trabalho produtivo: era necessário combater para proteger os recursos da comunidade, grande ou pequena, da tribo, do clã, do grupo familiar; combater era também incrementar esses recursos, tal como pela colheita ou pela caça, indo apoderar-se de joias, víveres, gado, rapazes e moças. Assim a paz não passava de uma interrupção fortuita, imposta pelas circunstâncias, pelo esgotamento das forças, pela rarefação das presas, pelo mau tempo – um relaxamento temporário, um interlúdio durante o qual as transferências de riqueza que suscitavam normalmente a guerra tomavam outro curso, a forma da doação e da contradoação, do intercâmbio matrimonial, do negócio.6
Sobre esse primeiro momento, podemos dizer que a guerra tem uma importância
crucial, socialmente falando, pois é a partir dela que certos tipos de trocas comerciais
acontecem, muitas vezes até antes do comércio propriamente ser inserido em certas
localidades, o butim e a rapina já eram presentes e faziam parte da realidade social local.
Podemos ver nesse primeiro momento uma maior aceitação da guerra como algo socialmente
viável, como um item que integra a própria sociedade, ou algo mais, um item que faz com que
a sociedade gire, se destrinche e se organize em seu entorno.
Uma sociedade em que profissões, ganhos econômicos – principalmente, os de
grandes proporções –, expansão territorial e o próprio domínio do poder local eram regulados
pela mesma, a guerra era vista como o início para vários outros fins. Porém, Duby observa, no
início do século XI, uma mudança no pensamento daqueles que faziam parte do alto clero.
De interjeição fortuita, a paz passa a ser algo mais interessante para aqueles que
integravam o clero, portanto, a concepção da paz como o caminho da salvação passa a ser
parte integrante de uma nova concepção de mundo que surge. Porém, a sociedade já era
formada em meio à guerra e pela guerra. Como então proceder para mudar, ou pelo menos
atenuar, essa ânsia guerreira existente? É assim que, segundo Duby, surgem mecanismos
criados pelos próprios detratores da guerra para justificá-la.
É nesse instante que surge a contradição colocada pelo medievalista francês. Em um
primeiro momento, uma sociedade que se desenvolve em torno da guerra, passa a condená-la
6 Idem, p. 86-87.
9
filosoficamente, mas com essa condenação os mecanismos sociais e de pensamento não se
esvaem, os que antes guerreavam, não deixarão de fazê-lo, os que tinham na guerra o seu
ofício como aquilo que os definia socialmente não podiam simplesmente abandonar o que
faziam. Todo o mecanismo social que antes tinha em seu centro a guerra não poderia
simplesmente deixar de existir, e assim, para e ele e para mim, surge uma contradição: A
guerra passa a ser condenada, porém, ao mesmo tempo, validada por seus detratores.
Partindo desse pressuposto, a figura do próprio Deus passa por uma mudança: o deus
de paz passa a também ser o deus da guerra, sendo invocado contra aqueles que são seus
inimigos. Material para tal construção não faltam nas Escrituras, enormes são as ocasiões em
que o próprio Deus vem ajudar seus seguidores em batalha e é sob essa ótica que continuarão
os escritos posteriores do clero.
Além disso, todos os homens estavam assim sujeitos aos pecados da carne, dentre
eles, obviamente, estava a guerra e o derramamento de sangue. Porém, assim como todos os
outros pecados, este também possuía uma forma de salvação. Em alguns casos o perdão
acontecia na forma de contrição, confessando o seu pecado e pedindo perdão após o ocorrido,
no entanto, não tardaram a surgir mecanismos que validavam a guerra como algo necessário e
perdoavam ou legitimavam os conflitos, antes mesmo de qualquer derramamento de sangue
ocorrer.
Dentre os mecanismos que surgiram à época, nós temos a Guerra Justa, que segundo
Duby, ao citar Isidoro de Sevilha, “justa é a guerra quando conduzida para recuperar seus
bens e para rechaçar os agressores em virtude de um édito”.7
Diante de tal afirmação, temos que assumir, então, que uma retaliação, uma vendetta,
são por si só, uma causa justa e que aos olhos de Deus estão livres de qualquer punição. Além
disso, temos nessa passagem atribuída a Isidoro de Sevilha, a informação de que a autoridade
real também concede para os realizadores da guerra o aval para realizá-la. Portanto, o homem
que age em defesa de si, do seu patrimônio ou em virtude do chamado real, está, deste modo,
longe da condenação pela violência.
Contudo, ao passar essa responsabilidade para o rei, o clero – além de tirar a
responsabilidade dos atos das suas mãos – coloca o papel de juiz e júri muitas vezes em mãos
reais, sendo que esses são, responsáveis pela administração da guerra, ao menos nas ocasiões
em que a própria Igreja convoca os reis para atuar sob os seus éditos.
7 Idem. p. 89.
10
Junto a isso, outras maneiras de santificar a guerra se manifestam: as armas
abençoadas e juramento de defesa aos fracos, antes feitos apenas por reis, são agora
estendidos a toda uma classe guerreira, criando assim laços de atuação entre todos aqueles que
tinham a guerra como seus princípios, meios e fins.
Outros mecanismos foram criados, a exemplo da proibição de domingo à Trégua de
Deus. Porém, todos esses éditos estavam não só sujeitos a interpretação dos próprios
guerreiros, como, também, a aceitação daqueles que criaram todos esses regulamentos.
Pessoas essas que, como dizia a canção de Guilherme Marechal, estavam propensas a aceitar
as relíquias de São Rufino e Albino,8 ao ouro e a prata para perdoar todas as transgressões. As
leis e éditos nada mais eram do que uma receita alternativa para o enriquecimento dos clérigos
locais, ou até mesmo do próprio Papa.
O clero era vital para comprar perdões ou uma suposta autorização ao conflito,
entretanto, não integravam o grosso do exército, o dinheiro tinha outro papel a desempenhar
na guerra. Era através dele, e porque não dizer por ele, que giravam muitos dos objetivos que
integravam a prática da guerreira.
A primeira delas é o pagamento dos soldos. Os soldados deveriam ser pagos, e uma
das poucas maneiras que se tinha nesse momento para a manutenção do conflito era a própria
guerra gerar o pagamento daqueles que nela atuavam. O butim gera os rendimentos
necessários para a manutenção dos seus soldados e o progresso do conflito.
Mas essa equação que quase nos lembra a figura do Ourobouros,9 tende a se quebrar
na medida em que um novo fator é inserido nesse organograma, e o desequilíbrio – se é que
podemos assumir a existência de um equilíbrio anterior – jaz na figura do mercenário.
Aqui eu utilizo o termo à própria maneira de Georges Duby, ele não problematiza a
nomenclatura a ponto de relativizá-la, o que dá entender que todos aqueles que recebiam para
lutar e que não faziam parte de uma casta guerreira, eram de alguma forma mercenários.
Outra característica atribuída por ele a esse grupo é a sua origem, quase que em sua maioria
advindo das classes mais pobres e que, além disso, tinham sua lealdade condicionada ao
recebimento ou não do pagamento, ou até a quantia de dinheiro proposta aos mesmos.
Nesse ponto, temos uma versão interessante sobre o que de fato era a honra entre os
mercenários. Pois da mesma maneira que não ser pago por seus serviços era um motivo para
8 Rufino e Albino são trocadilhos usados no poema para fazer referência ao ouro e a prata, respectivamente. 9 Ouroboros (ou oroboro ou ainda uróboro) é um símbolo representado por uma serpente, ou um dragão, que morde a própria cauda. O nome vem do grego antigo: οὐρά (oura) significa "cauda" e βόρος (boros), que significa "devora". Assim, a palavra designa "aquele que devora a própria cauda". Sua representação simboliza a eternidade.
11
virar-se contra o seu empregador, o contrário também era verdadeiro, receber e desertar
durante a batalha era um sinônimo de desonra, como também poderia atrair a ira do seu
contratante.
Mas o “problema” que representava o dinheiro nas atividades guerreiras não estava
apenas restrito àqueles que vinham das camadas mais baixas, pois aqueles que guerreavam
precisavam do mesmo para manter seu status e nesse sentido me refiro àquilo que os define
enquanto guerreiros materialmente: as suas armas. E assim surgem os terceiros filhos ou, mais
precisamente, o fenômeno dos torneios, que envolvem esses cavaleiros sem-terra, que a
exemplo de Guilherme, o Marechal, vão em busca de honra, fama e glória, mas não sem
abandonar o ouro. Ouro esse que surgiria em profusão nos torneios organizados em tempos de
paz.
Tais eventos, mesmo com proibição do clero, cumpriam bem a sua função de
preparar os inexperientes para as futuras batalhas que seriam travadas. Vemos a Normandia,
Ilê-de-France, Maine, Anjou serem invadidas por cavaleiros em busca de torneios,10 então
quando a guerra de verdade acaba aqueles que dela vivem e não são pertencentes a um
“extrato social elevado” podem retornar às suas atividades através do combate simulado. Num
mundo onde o derrotado paga resgate àquele que o derrotou e que uma soma vultosa de ouro
também corre em apostas, seja verdadeiro ou simulado, o combate faz o dinheiro girar.11
Porém, isso é apenas o intervalo entre as guerras, pois para o autor “a werra é uma
aventura sazonal, um empreendimento de depredação, espécie de colheita regular e
intrépida”,12 portanto as ocasiões de torneio eram os momentos que serviam como preparação,
um treino para aqueles que estavam longe do combate, pois ainda não era a estação da guerra,
mas no retorno dessa o mecanismo mais uma vez movia-se.
Percebemos que em Duby a guerra é muito semelhante a uma estação. Apesar de
todas as modificações que ela sofre, devido aos diversos impedimentos advindos da nova
concepção de paz adotada no discurso do clero, é perceptível que o próprio clero estabelece
formas de contornar essas proibições, seja atuando em conjunto com reis e guerreiros para
validar o seu pedido a guerra, ou até mesmo através do dinheiro, sendo subornado para validar
os argumentos de algum senhor a favor da guerra. Assim, isso gera uma contradição, pois ao
10 Essas localidades que eram de crucial importância, pois a proibição havia sido revogada nessas terras. 11 op. Cit. Duby, Georges. O Domingo de Bouvines: 27 de Julho de 1214. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993. p. 159 12 Idem, p.156
12
passo que essa nova legislação guerreira visa a paz, ela ao mesmo tempo abre precedentes
para a guerra.
1.1.3 - A Guerra Medieval: O domínio do espaço e do tempo
Longe de apresentar apenas uma síntese da história da guerra medieval Philippe
Contamine nos traz em seu livro La Guerra en la Edad Media,13 um verdadeiro tratado sobre
a multiplicidade na guerra, sobre os envolvidos nela, que armas usavam, que táticas
aplicavam, quais os tipos de aproximação utilizados em cada ocasião, enfim, um enorme
número de informações técnicas.
Entretanto, é na segunda parte do seu trabalho que ele começa uma ferrenha crítica aos
historiadores militares que vieram antes dele, com uma acusação de que o olhar dessa
historiografia era preconceituoso e anacrônico.
Ao analisar a guerra e os historiadores dedicados ao seu estudo, para ele fica claro que
a concepção filosófica que dizia haver um vazio de mil anos entre a Antiguidade e o
Renascimento, também influenciou a história militar. Não é raro de observar historiadores
anteriores ao autor que simplesmente ignoram o período medieval. Durante os mil anos que
compreendem a Idade Média havia a ideia de que em termos filosóficos e militares muito
pouco era digno de registro histórico.
Mas é justamente nesse ponto que Contamine tece as suas críticas aos seus
antecessores. Para ele, muito mais preocupados em processos de longa duração ou em obras
que visavam serem totais e assim ignoravam completamente a guerra no medievo:
Las reflexiones acerca del arte militar han venido siendo, durante mucho tiempo, obra de historiadores que, preocupados por los procesos de dilatada duración, han intentado comparar el período medieval con la Antigüedad y con la época moderna. De forma casi invariable, han llegado a la conclusión de que el arte militar de la Edad Media había sido rudimentario, rudo (incluso inexistente), en el sentido de unos conocimientos pensados, organizados y constituidos, aplicables a los diferentes niveles del encuadramiento en función de su rango y de su papel. Muchos de estos historiadores, oficiales militares en activo o retirados, se movían, de forma más o menos consciente, en las perspectivas de una enseñanza pragmática, utilitaria y destinada a futuros oficiales o a escuelas militares, por lo que llegaban a la conclusión de que no había nada en limpio que sacar ni que aprender del estudio de las campañas, de las batallas o de los asedios militares.14
13 CONTAMINE, Phillipe. La Guerra em la Edad Media. Editorial Labor, S.A. Barcelona. 1984.
14 CONTAMINE, Phillipe. La Guerra em la Edad Media. Editorial Labor, S.A. Barcelona. 1984. p.264
13
Desta maneira, percebemos um empenho inicial em Contamine de não só demarcar a
diferença do seu trabalho mediante os anteriores, mas, também, um compromisso teórico
contra o anacronismo construído anteriormente, no qual os estudiosos que o precederam
preocupavam-se mais em ver o medievo algo com o qual estavam familiarizados ou que
estivesse minimamente próximo da sua realidade, contudo, ao não encontrar, viram nesse
período histórico algo menor, indigno do conhecimento e até de insultos.
Mas, como afirmar a proeminência dos antigos ou o total desconhecimento dos
medievais acerca dos tratados anteriores, quando encontramos partes inteiras da Epitoma Rei
Militaris, escrita por Vegecio aos fins do Sec. IV, literalmente transcritas em tratados
medievais como: Art de la Chevalerie de Christine de Pizan, ou no Especulum Majus de
Vicent de Bauvais e, em um exemplo mais próximo geograficamente do tema dessa
dissertação, as Siete Partidas de Alfonso X o sábio?
Além das citações em obras, é possível ver também essa aplicação no medievo.
Através de cartas, crônicas, até pedidos registrados a monges (como foi o caso de Godofredo
Plantageneta que requisitou a fabricação de uma bomba incendiária aos monges de
Marmoutier e que foi efetivamente usada em combate). Portanto, não só existem provas do
conhecimento e da reprodução de Vegecio, mas também da sua utilização entre aqueles que
faziam a guerra no medievo.
Não apenas de reprodução e aplicabilidade dos escritos de Vegecio vivia o medievo.
Assim não tardaram a surgir tratados que traziam novos conceitos militares à mesa de
planejamento de campanha, textos como Expugnatio hibérnica de Giraud de Barri, que
tratava exclusivamente das táticas utilizadas pelos irlandeses15 e como vencê-los em batalha.
Ainda temos o texto do século XIII, Liber recuperationis Terre sancti, escrito por Fidencio de
Padua no qual contava com todo um planejamento de tomada da terra santa, desde aplicação
de estruturas, valorização dos efetivos necessários, tendo inclusive ideias para a manutenção
de uma armada na região, que, segundo o tratado, poderia ser mantida caso cada abadia,
cidade ou castelo, cedesse dois ou três cavaleiros para integrar essa hoste.
Vemos, assim, que o medievo não foi apenas um reprodutor do conteúdo antes escrito
na Antiguidade, a Idade Média também produziu conteúdo novo, alguns específicos às suas
necessidades, mas que nem por isso deixavam de ser úteis, muito pelo contrário, eles
exprimiam as preocupações correntes em cada época. Deste modo, Contamine nos mostra o
15 Termo utilizado por Contamine no texto que preferimos manter.
14
quanto o anacronismo de estudiosos como Liddel Hart vitimaram o medievo e o relegaram a
“persona non grata” entre os historiadores da guerra que vieram após ele.
Os escritos de Contamine apontam para o fato de que muito desse anacronismo,
talvez, surja da incompreensão de como aqueles que viviam no medievo praticavam a guerra.
A visão de Clausewitz, e tantos outros, do campo de batalha eram diferentes. Ter um campo
aberto onde dois grandes exércitos se enfrentavam não fazia parte da realidade medieval. As
táticas do medievo eram distintas e bem díspares do que o famoso teórico prussiano conhecia
por guerra.
Para Contamine essa visão anacrônica destes historiadores foi o que causou tal
confusão. Principalmente, pelo fato de que a guerra para aqueles que controlavam o espaço e
o tempo militar no Medievo era de uma recusa consciente da batalha frontal.
Essa reação chamada de “reflexo obsidional” é a causa para que a guerra medieval seja
travada principalmente na resposta a um ataque de forma defensiva, respondia o atacante
dentro das suas muralhas. Essa característica é o que marca o avanço muito lento dos
atacantes, enquanto os atacados sempre procuram a melhor forma de defesa possível para
tecer os seus contra-ataques.
Além disso, no medievo encontramos também a presença da chamada “guerra de
desgaste”, feita principalmente através da rapina (ataques aleatórios e constantes aos
territórios que acercam o ponto onde o inimigo está concentrado). O intuito disso é minar os
recursos dos defensores, fazer se espalhar o medo dentro das suas muralhas e impedir que o
aquartelado receba ajuda de pessoas externas.
Contamine deixa claro que isso não ocorria por simples medo por parte dos medievais.
A razão disso estava principalmente na escassez de recursos, e como recursos podemos
entender dinheiro, equipamentos adequados e até pessoas. Essa forma de fazer a guerra
beneficia ambas as partes, pois ambos os exércitos sofrem das mesmas dificuldades e,
portanto, precisam se restabelecer adequadamente para continuar sua empreitada.
Outra característica marcante apontada pelo autor é o foco na defesa através de um
conceito de fronteira estabelecido através de um ponto fortificado e não apenas através de um
limite territorial. Assim a guerra acontece através da defesa de pontos chave no território,
pontos esses, que quando tomados pelos atacantes, servirão como uma base avançada para
que possam progredir através do terreno inimigo, através da “guerra de desgaste” que se torna
um ponto chave da equação, pois é através dos butins conseguidos que o exército atacante
fixa-se de maneira mais contundente no território do inimigo.
15
Observamos, deste modo, que a guerra no medievo, para Contamine, se dava através
do domínio do espaço físico. Aqueles que conseguissem dominar o terreno através de táticas
defensivas perpetradas iriam obter vantagem, mas só aqueles que dominassem o momento de
atacar, podendo reagrupar as suas forças e minando as forças do inimigo através da guerra de
desgaste controlaria o tempo, podendo assim intensificar o desgaste até obter a vitória do seu
inimigo.
Assim vemos que as características da guerra na Idade Média são bastante
estratégicas e não inferiores como era o pressuposto tomado através da visão de Clausewitz e
Liddel Hart. A maneira de guerrear no medievo levava em conta as especificidades do seu
tempo e as suas limitações. Portanto, identificamos uma guerra útil e totalmente adaptada às
necessidades daquelas sociedades. Uma guerra no qual o domínio do espaço e do tempo fazia
mais diferença do que os números de homens em cada exército.
1.1.4 - García Fitz e as relações político/guerreiras na Península Ibérica
Em uma perspectiva que visa à aproximação entre guerra e política, temos o
medievalista espanhol Francisco García Fitz que em sua obra Relaciones políticas y guerra.
La experiencia castellano-leonesa frente al Islam siglos XI-XIII,16 trata mais a fundo de como
esses dois binômios se cruzam no contexto da reconquista ibérica.
Para García Fitz, existe uma aproximação muito forte entre guerra e política, e uma
aproximação maior ainda entre a guerra e a diplomacia:
Sin embargo, sería caer en una ingenuidad un tanto plana o, en ocasiones, directamente en una posición marcadamente cínica, ignorar que el diálogo, la negociación, el acuerdo, o por decirlo de una manera más genérica, las relaciones de índole política como alternativas a la violencia, pueden conducir a situaciones claramente perversas, injustas o simplemente inmorales. Políticos y analistas saben, aunque no siempre lo confiesen, que las relaciones políticas que se desarrollan en una mesa de negociaciones entre partes antagónicas no siempre constituyen opciones verdaderamente distintas al enfrentamiento, sino que por el contrario se plantean como una estrategia más de ese mismo enfrentamiento para alcanzar el fin propuesto e inicialmente defendido por la fuerza, que no es otro que la imposición de la voluntad propia al enemigo.17
Assim, nós percebemos que para García Fitz a guerra, a política e a diplomacia são
faces de uma mesma moeda e que ambas podem sim ser utilizadas com a mesma finalidade,
16 GARCIA FITZ, Francisco. Relaciones políticas y guerra. La experiencia castellanoleonesa frente al Islam. Siglos XI-XIII. Sevilla: Universidad de Sevilla, 2002. 17Idem, p. 11.
16
que seria segundo o próprio autor, impor sua vontade ao inimigo.18 Também é possível
observar na obra do medievalista espanhol uma aproximação entre guerra e política como
âmbitos que visam alcançar o mesmo interesse e que muitas vezes podem sim ter
consequências nocivas e nefastas em ambos os lados.
O autor inclusive é categórico ao afirmar que em alguns casos a política pode causar
um dano até maior que as ações militares, ressaltando que a guerra e a diplomacia são
caminhos que muitas vezes levam a um único objetivo. No entanto, a decisão sobre qual
abordagem utilizar muitas vezes está na análise feita a partir dos recursos disponíveis naquele
momento. É então através do uso da tática e da estratégia que será decidido qual o caminho
percorrer.
Posteriormente, ele faz uma análise do ocidente medieval, chegando à conclusão de
que sem o binômio guerra/política não seria possível a constituição dos reinos castelhano-
leoneses, pois, a todo o momento os reinos cristãos da Península Ibérica estavam em contato
diplomático com os reinos taifas ali presentes. Muitas vezes forjando alianças e as utilizando
posteriormente como uma estratégia para a retomada de territórios.
Ainda sobre tratados militares, ele cita Gaston Bouthoul com a sua obra La guerra e
A.H. Jomini com The Art of War, a fim de mostrar uma nova visão de tratadistas sobre a
guerra, aqui já ocorre uma inversão prática do que é proposto por Clausewitz em seu
aforismo, propondo que a diplomacia e a política já seriam parte da guerra e não o contrário.
Além disso, o autor também aponta uma mudança significativa no conceito de
estratégia, mencionando que o conceito proposto pelo já citado Liddel Hart19 era a época
muito preso à concepção da guerra como uma situação advinda da política.
Para García Fitz, atualmente o conceito de estratégia já se encontra totalmente
desvinculado de meios exclusivamente militares operando inclusive em esferas conceituais
mais amplas:
Actualmente, el concepto de estrategia se ha liberado plenamente de su antiguo cursé estrictamente militar para operar en esferas conceptuales mucho más amplias que tienen en cuenta campos de actuación diplomáticos, psicológicos o económicos, entre otros, influidos todos ellos por factores que inciden directamente en el pensamiento y planteamiento estratégico y que no pueden ser considerados como exclusivamente bélicos, tales como la geografía, la ideología, la cultura o el tipo de gobierno y de administración.20
18 Idem, p. 13 19 Liddel Hart propunha algo muito semelhante a visão de Clausewitz sobre a guerra, para ele a estratégia era “a arte de distribuir os meios militares para realizar os fins da política”. LIDDEL HART, Basil. Strategy: the indirect approach, Faber and Faber, 1954 .p. 187 20 GARCIA FITZ, Francisco. Relaciones políticas y guerra. La experiencia castellanoleonesa frente al Islam. Siglos XI-XIII. Sevilla: Universidad de Sevilla, 2002. p. 19.
17
Para ele, fica clara a importância da participação da política em meio à guerra, ou para
ser mais exato, que a guerra está longe de ser um meio político e sim o contrário: a
diplomacia, entre outros meios, figura como parte de uma estratégia de guerra. Algo que é
muito bem observado em toda a análise que se segue sobre a importância dessa diplomacia no
contexto de reconquista.
1.1.5 – Guerra e pluralidade
Em nossa pequena trajetória sobre a guerra nesse capítulo vimos diferentes abordagens
e conceitos, porém, nós acreditamos que esses conceitos podem muito bem serem utilizado de
maneira complementar, surgindo assim o que pretendemos aplicar ao longo dessa dissertação.
Vimos que, por exemplo, na abordagem antropológica trazida por John Keegan a
guerra é um aspecto social e que, portanto, é fortemente influenciada pela visão que cada
sociedade tem do fazer a guerra e da profissão exercida pelo guerreiro. Assim a própria
sociedade estabelece o papel da guerra e do guerreiro em seu seio e isso é particular a cada
meio social, diferentes sociedades possuem diferentes visões sobre a guerra e sobre como ela
deve ocorrer, quais são suas leis e o que a caracteriza.
Com isso podemos dizer que a guerra no medievo tendo como base o pensamento de
Keegan é um fenômeno próprio daquela sociedade, que carrega suas características e é
definido pela mesma.
Essa “definição” de guerra nós encontramos no medievalista Georges Duby, que ao
nos apresentar as características que envolvem a prática guerreira e o fazer da própria guerra,
nos abre precedentes para definir de que forma essa guerra é pensada pela sociedade, definida
e praticada.
Observamos a importância da dicotomia entre paz e guerra, e como os mecanismos de
permissão à guerra em uma sociedade que busca religiosamente proibi-la existem de várias
maneiras e caracterizam a sociedade que, no caso, é representada por uma forte cultura
guerreira, onde a guerra tem um papel crucial na vida das pessoas, ao ponto de ser sazonal. A
guerra no medievo é algo cotidiano para aqueles que a fazem no sentido mais prático da
palavra. Há tempos para a paz, onde os guerreiros treinam entre si as suas habilidades em
combates simulados, e há tempos para a guerra, onde essa sociedade se move e é onde
existem as suas trocas, sejam elas monetárias ou não.
18
Nesse sentido, percebemos a importância da guerra para a sociedade, pois ela
intensifica, quiçá catalisa, ganhos monetários e políticos, assumindo assim um caráter impar
nessa sociedade.
Porém como essa guerra era realizada? De que forma as hostes guerreiras se moviam?
Como elas atuavam?
As respostas para essas perguntas revelam características essenciais para um
entendimento mais aprofundado do fazer a guerra no medievo, como nos apresenta Phillipe
Contamine.
Com ele pudemos perceber a característica evasiva da guerra medieval, onde os
defensores fixavam-se em castelos enquanto aqueles que atacavam buscavam a todo momento
minar as forças do inimigo através do desgaste de suas tropas, esse tipo de tática revela
bastante sobre como a guerra era feita.
Vimos ate aqui uma predominância dos aparatos defensivos, não só em castelos, como
também nos armamentos dos guerreiros, que com o avanço do tempo ficam cada vez mais
sólidos com o intuito de preservar a vida daqueles que as usam, chegando ao ponto de cobrir
praticamente todo aquele que veste a armadura.
Mas isso revela uma sociedade onde o guerreiro tem um valor muito grande, não
apenas no sentido abstrato da palavra valor, mas também no sentido monetário, pois essas
armaduras e armas custavam verdadeiras fortunas. Portanto, quanto mais protegido o
guerreiro ia para o combate, maior era o seu status e sua riqueza, pois eram necessárias
grandes somas de dinheiro para conseguir tal armamento.
Esse valor também se adéqua ao custo que esse guerreiro tinha em sua preparação. A
batalha campal geralmente era evitada, pois sempre causava grandes perdas em ambos os
lados, levavam-se anos preparando e treinando esses guerreiros e geralmente repor vidas com
tal habilidade nem sempre era possível. Por isso a cautela e o predomínio da defesa era
sempre existente nos combates.
No entanto, a guerra não se restringia apenas ao combate. Diplomacia, espionagem e
alianças sempre foram parte integrante da mesma, e isso não era diferente no medievo. García
Fitz nos apresenta a uma série de estratagemas que figuram a guerra, nesse caso com
especificidade na Península Ibérica.
A Península Ibérica, que se encaixa perfeitamente dentro do conceito estabelecido por
Contamine para “guerra de fronteira”, pois era uma sociedade que lida a todo momento com a
ameaça dos reinos taifas, na busca para expandir seus domínios vemos constantes
19
movimentos de dilatação e recolhimento da fronteira entre os taifas e os reinos da Península
Ibérica, muitos deles frutos de ações políticas e alianças temporárias que visavam minar o
poder do inimigo. Muitas vezes aproveitando-se das querelas internas existentes entre os
senhores que integravam os reinos taifas, alimentando as rivalidades inimigas, fazendo
incursões regulares ao território, minando suas forças e aliando-se muitas vezes com o
inimigo, fazendo valer o ditado que diz “o inimigo do meu inimigo é meu aliado”.
Portanto, observamos que, diferente do que pensam alguns, as teorias sobre a guerra
na Idade Média não são completamente auto excludentes. Podemos perceber que sim, alguns
conceitos e abordagens de outros autores podem ser mesclados em prol de uma análise mais
rica, mais precisa, e que venha colaborar mais com o trabalho do que limitá-lo. Percebemos
também que os autores citados têm pontos de convergência sobre o Medievo, embora alguns,
como no caso de Keegan, tenham uma visão mais global sobre o assunto, mas que mesmo
assim ajuda a elucidar alguns problemas.
Podemos afirmar, assim, que a guerra é social, política e diplomática. Enfim, ela é
plural.
1.2 - A complexa Historia Compostelana
Nessa segunda parte de nosso capítulo, o objetivo é tratar mais precisamente de um
contexto geral da Historia Compostelana21 como um todo, tanto da feitura do documento em
si, quanto do seu protagonista Diego Gelmírez. Além disso, apresentaremos detalhes sobre
aqueles que consideramos como os principais estudos que abordaram a HC, sendo eles de
origem literária ou histórica, a fim de trazer um panorama geral para o presente trabalho.
1.2.1 - Origem de Gelmírez e o contexto político da época
Abordando brevemente o assunto da origem de Gelmírez, que será analisada mais a
fundo no segundo capítulo, podemos dizer que o personagem pertencia à baixa nobreza
galega, era filho de Gelmirio, cavaleiro e então governador a serviço do bispo Diego Pelaez
das Torres del Oeste em Catoira, por isso é levantada a hipótese de que Gelmírez talvez tenha
nascido neste local. Mas também se tem sido proposto que ele seja originário de Santiago de
Compostela.22
21 Nas referências seguintes a Historia Compostelana nos referiremos a ela com a sigla HC. 22 HC, Libro II, cap. II, p. 298.
20
No geral, há consenso de que, provavelmente, ele tenha nascido entre os anos de 1065
e 1070 e contava com quatro irmãos: Munio, Gundesindo, Pedro e João; além de outro irmão
também chamado Pedro, que talvez tenha sido fruto de um segundo casamento de seu pai.
Destinado à carreira eclesiástica, Gelmírez começou sua educação na escola da
catedral de Santiago, até ser enviado à corte do rei Alfonso VI. Em seu retorno obteve
ordenamento na Igreja de Santiago e esteve entre os anos de 1090 até 1094 à frente da
chancelaria de Raimundo de Borgonha, conde da Galícia e genro de Alfonso VI. Foi
administrador da diocese entre 1093 e 1094 até que em 01 de julho de 1100 foi ordenado
bispo, mas apenas conseguiu consagrar-se na páscoa de 1101.23
Como representante do rei, defendeu a costa da Galícia a partir dos ataques
deflagrados por mercenários normandos contratados pelos seus opositores. Aliou-se com a
nobreza local e realizou em 17 de setembro de 1111, a coroação de Alfonso Raimundez como
rei da Galícia na catedral de Santiago de Compostela. Este, mais tarde seria conhecido como
Alfonso VII.
Na crise política que começou com o reinado de Urraca I, filha e sucessora de Alfonso
VI, dois grupos entraram em confronto. O primeiro grupo foi o dos nobres e clérigos que
apoiaram os interesses da coroa catellano-leonesa afetados pelo casamento de Urraca com o
rei de Aragão, Alfonso I, o Batalhador. O segundo grupo era o dos nobres galegos que
fizeram oposição ao domínio da monarquia agrupando-se em torno de Alfonso Raimundez,
filho do primeiro casamento da rainha com Raimundo de Borgonha, sob o pretexto de
salvaguardar o seu direito ao trono da Galícia. Gelmírez colaborou ativamente com o segundo
grupo chegando inclusive a liderá-lo.
Apesar deste apoio recebido, Alfonso VII, em 1135, decidiu apoiar uma revolta
comunal aos domínios da Diocese de Santiago e forçar o bispo a pagar impostos à coroa.
1.2.2 - Historia Compostelana
A HC foi publicada pela primeira vez por E. Florez, em 1765, no volume XX do tomo
España Sagrada com o título em latim Historia Compostelana sui de rebus gestis D. Didaci
Gelmirez, primi Compostelani archiepiscopi, porém, ainda no séc. XVIII, a obra passou a ser
conhecida pelo título já citado como uma forma de abreviação da nomenclatura em latim.
23 FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult: The Life and Times of Diego Gelmírezof Santiago de Compostela. New York: Claredon Press, Oxford University press, 1984. p.112-113
21
A obra é composta por dezoito manuscritos que foram compilados e organizados em
três grandes livros e posteriormente unidos em um só documento. Cada livro possui uma
divisão enumerada de capítulos com títulos, constituindo um documento que mescla vários
estilos de escrita da época, classificado por muitos como um híbrido entre o Cartulário, a
Gesta, o Registrum, o Translatio e a Miracula.
A HC foi concebida por Diego Gelmírez como registro dos seus feitos enquanto bispo
e arcebispo de Compostela. Vários escritores contribuíram para a redação da obra, todos eles
pertencentes ao séquito de Gelmírez, homens nos quais o bispo depositava confiança. Prova
disso é a participação dos autores em momentos chave da trajetória de ascensão da Igreja
Santiago de Compostela, como demonstraremos no decorrer de nossa dissertação.
O primeiro autor, reconhecido pela maioria dos estudiosos da obra, foi Nuño
Alfonso,24 tesoureiro de Santiago de Compostela, cargo que foi ocupado por ele durante a
maior parte do tempo que redigiu a HC. Tem a sua autoria comprovada através dos capítulos
IV até o XLV do primeiro livro e divide a autoria dos capítulos I ao III do mesmo tomo com
outro autor presente na obra, o Cônego Giraldo.25 Foi nomeado como bispo de Mondoñedo e
principal responsável pela resolução envolvendo a liberdade concedida à Santiago,26 ainda
pelo papa Urbano II à Dalmácio, predecessor de Gelmírez e que ainda não havia sido atingida.
O segundo autor responsável pela obra foi o arquidiácono Hugo, que tem a autoria
conferida pela própria HC, devido ao hábito de assinar os trechos por ele redigidos. Antes de
ocupar a posição de arquidiácono, também ocupou a função de capelão em Santiago e mais
tarde foi nomeado bispo de Porto.
O terceiro autor reconhecido foi o já citado cônego Giraldo. De provável origem
francesa devido aos comentários por ele tecidos em ocasiões nas quais registra a passagem
pela região de Beauvais e a forma quase que impessoal a qual se referia aos seus
companheiros da Galícia, foi também homem de confiança de Gelmírez, tendo ido até Roma
em 1118 com a petição que requisitava o arcebispado para Santiago. Ele foi o responsável por
continuar a obra logo depois que Nuño Alfonso foi erigido bispo de Mandoñedo e a ele é
atribuída a autoria completa do livro II e também do Livro III.
Existe também a possibilidade de existirem outros autores na obra, mais precisamente
um quarto escritor, o também cônego, Pedro, que teria dividido a autoria do livro II e do livro
24 Também grafado como Munio. 25 Também grafado como Girardo 26 A liberdade aqui citada se refere a consagração de cargos e pessoas em Santiago de Compostela, que agora passa a ser feita apenas pelo papa, sem a intervenção de outras cúrias.
22
III da HC com Giraldo. O primeiro a levantar essa hipótese é A. Lopez Ferreiro, que o
identifica no capítulo XXVII do Livro I com a figura de Pedro Gundesíndez, que é nomeado
para substituir o cardeal Gundesindo27 após a sua morte. Há também a associação da figura de
Pedro com a de Pedro Diaz, capelão de Santiago que mais tarde se tornaria cardeal.
E, por fim, ainda há uma discussão acerca de um quinto autor, esse sim responsável
pelo término da obra, denominado Reinerio, clérigo de Pistoya. Essa tese é defendida por A.
Lopez Ferreiro, A.G. Biggs e E. Fernandes Almuzara, esse último, inclusive, defende a
existência de um número maior de autores na HC, cerca de sete teriam sido encontrados por
ele. Porém, todos os três concordam que foi Reinerio o responsável pelo término de todo o
trabalho após os escritos de Giraldo no fim do Livro III.
Como é possível observar, ainda existe uma enorme discussão sobre a autoria da HC,
sendo que os três principais autores são os únicos que já são consensuais pelos estudiosos,
pois todos eles conviveram e foram ordenados pelo próprio Gelmírez em funções superiores e
de grande influência. Foram homens de confiança que atuaram também em momentos chaves
de todo o processo de crescimento de Santiago de Compostela.
1.2.3 – Principais Estudos sobre a Historia Compostelana
Apesar de este ser o tema principal dessa dissertação, são parcos os trabalhos
específicos sobre a HC. Esse é um problema intrínseco a pesquisa e que foi enfrentado
durante todo o momento. Por sorte a maioria dos artigos e livros podem ser encontrados ainda
disponíveis ou para consulta em sua forma digital ou para compra. A escassez é ainda maior
quando nos deparamos com o tema principal do trabalho, a atuação guerreira de Diego
Gelmírez.
Dos vários textos abordados, nenhum se aprofunda especificamente na atuação militar
do bispo compostelano, mesmo este sendo um assunto retratado com frequência durante toda
a documentação. Contudo, mesmo com esses problemas nós conseguimos reunir uma
quantidade de trabalhos suficientes, dentre eles clássicos que são referência para qualquer
estudo da HC, independente do tema abordado.
Os estudos sobre a forma de escrita e o estilo da HC estão presentes em praticamente
todos os artigos elaborados sobre o tema, poucos são os autores que antes de tratar sobre o
assunto específico dos seus artigos ou livros não se dedicam a falar um pouco sobre o estilo e
os documentos presentes na obra. Porém o trabalho mais relevante, crucial e o mais citado
27 O fato pode ser observado durante a narrativa feita no livro I capítulo XC.
23
entre os estudiosos aqui abordados, é o artigo escrito por Bernard F. Reilly: The Historia
Compostelana: The genesis and composition of a twelfth-century spanish gesta.28
Neste curto artigo, Reilly trata de um dos assuntos mais complicados referentes à HC:
a autoria do documento e os estilos de escrita nela contidos. O autor busca descortinar um
pouco dos autores que ajudaram a compor a obra, inclusive concordando com alguns dos
pesquisadores que propõem uma quantidade maior de escritores, além dos já consensuais,
Nuño Alfonso, Giraldo e do arquidiácono Hugo.
Reilly inicia seu estudo tratando da relevância da obra para o entendimento da história
espanhola no início do século XII. Para ele, a HC ajuda a compreender um momento de
mudança entre os reinos que compunham a coroa catellano-leonesa, além disso, auxilia a
entender também a importância da peregrinação e do crescimento da diocese de Santiago sob
o comando de Diego Gelmírez.
Para Reilly, o bispo de Santiago estava longe de ser uma pessoa comum e para
comprovar isso ele cita um resumido histórico dos seus feitos presentes na narrativa para
corroborar com a sua afirmação:
Since Don Diego Gelmirez was not a mere bishop but also the guardian of the future Alfonso VII of Leon-Castile (1126-57) from the death of Alfonso VI in 1109, alternately chief support and major antagonist of the boy's mother, Queen Urraca (1109-26), and chief adviser to the new king from 1126 to 1130, the Historia is inevitably a most important chronicle of the realm of Leon-Castile in the early twelfth century as well. When in 1120 Don Diego secured the papal legateship over the provinces of Portugal and Galicia for himself and elevation to a metropolitan see for Compostela, the work became a source important for the history of the ecclesiastical reform movement as it affected the Iberian world. Finally, incorporated into the Compostelana are the texts, or portions of the text, of no less than one hundred and sixty-one documents of varying degrees of importance for the political and institutional history of the period.29
O artigo tem uma grande importância porque nos coloca a par da discussão acerca dos
autores da HC e um pouco da trajetória destes, além de também nos apresentar os estilos
presentes no documento. Ainda que Reilly não nos traga uma análise estilística própria da
obra, ainda é importante reconhecer o trabalho de identificação dos momentos de Gesta,
Registrum e outros estilos que figuram na HC.
28 REILLY, Bernard F. The Historia Compostelana: The Genesis and Composition of a Twelfth-Century Spanish Gesta. Speculum, Vol. 44, No. 1,p. 78-85, Jan. 1969. 29 Idem, p.78
24
Continuando ainda nos trabalhos escritos por Bernard F. Reilly, destacamos o artigo
The chancery of Alfonso VII of Leon-Castilla: the period 1116-1135 reconsidered30 e o livro
The Kingdom of León-Castilla under Queen Urraca, 1109-1126.31
No artigo verifica-se a preocupação em realizar um estudo profundo e sistemático dos
documentos do reino castelhano-leonês na Idade Média Central, uma das tarefas que
considera essencial e que, aos olhos do próprio, ainda está inacabada.
Para ele os documentos do período relativo ao fim do século XII, compreendendo os
reinados de
Fernando II (1157-1188), Sancho III (1157-1158), Alfonso VIII (1158-1214) e
Enrique I (1214-1217), foram muito bem compilados embora ainda careçam de uma análise
crítica mais densa. Bem diferente do que acontece nos períodos do fim século XI e início do
XII, mais especificamente os reinados de Fernando I (1037-1065), Alfonso VI (1065-1109) e
Urraca I (1109-1126), vistos por Reilly como carente de uma análise mais aprofundada e
quase que intocados pela historiografia.
A partir desse momento ele começa a fazer uma revisão bibliográfica dos autores que
de alguma forma já trabalharam com o tema antes, citando nome a nome daqueles que
considera mais relevante, tecendo críticas aos mesmos e trazendo suas características. Dentre
tais obras está o estudo de Peter Rassow sobre Alfonso VII, Die Urkunden Kaiser Alfons VII
von Spanien, trabalho no qual Rassow faz um mapeamento dos documentos de chancelaria
não só do já citado rei, como também da sua mãe, a rainha Urraca I e também do arcebispo
Diego Gelmírez, além de já propor em seus escritos uma rainha com conexões mais fortes em
seu reinado e práticas de governo ao mesmo tempo novas e ortodoxas, algo que aparece
também nos trabalhos realizados por Reilly.
Apesar de ser um artigo do ano de 1976, ele é um dos mais importantes, graças a
revisão bibliográfica feita por Reilly, que cita trabalhos pertinentes e que de alguma forma
participaram posteriormente dos seus escritos. Apesar da crítica sobre a falta de trabalhos
sobre o tema que hoje, felizmente, já está sendo minimizada devido a outros trabalhos
publicados e a algumas traduções recentes da HC. A abordagem feita por ele, ao trazer artigos
principalmente de origem germânica, que devido à língua ainda são desconhecidos, como era
30 REILLY, Bernard F. The chancery of alfonso VII of Leon-Castilla: period 1116-1135 reconsidered. Speculum, Vol. 51, No. 2, p. 243-261. Apr., 1976. 31 REILLY, Bernard F. The Kingdom of León-Castilla under Queen Urraca, 1109-1126. Princeton: Princeton University Press, 1982.
25
o caso de Peter Rassow e tantos outros é bastante válida e nos abre os olhos para uma nova
escola de estudos hispânicos medievais situada na Alemanha.
Já no livro The Kingdom of León-Castilla under Queen Urraca, 1109-1126, Bernard
Reilly investigou os dezessete anos de reinado da rainha Urraca de Leão-Castela, e nos
presenteia com uma grande biografia da primeira mulher que governou um Reino “Espanhol”.
Tradicionalmente, os historiadores têm visualizado o reinado de Urraca como um intervalo
entre dois dos mais “brilhantes” reinados, o do seu pai Alfonso VI e do seu filho Alfonso VII.
Em sua carreira política a rainha foi retratada e julgada como incompetente, devido ao
acontecimento de uma guerra civil e pelos excessivos gastos cometidos.
Entretanto, o livro Reilly traz claramente uma mudança nessa percepção. Ele fala dos
equívocos cometidos anteriormente pelos estudiosos, indo muito além de desmistificar uma
imagem negativa de Urraca. Através do exame minucioso de vários documentos, incluindo
crônicas, documentos régios, documentos privados da rainha, entre outros; ele demonstra que
Urraca não era uma rainha fraca como os historiadores anteriormente nos fizeram crer. Ela
era, na verdade, perspicaz, forte e inteiramente capaz de tomar decisões importantes.
Nos primeiros capítulos, Reilly nos apresenta as confusas e complexas relações
diplomáticas e políticas que Urraca mantinha com o papado, com os reinos de Aragão,
Portugal e França e os vários nobres e clérigos que eram aliados do reino de Castela e Leão
durante o período de reconquista Ibérica.
Urraca não teve que lutar apenas contra os Almorávidas; ela enfrentou rebeliões
comunais e da nobreza, assim como uma guerra contra seu ex-marido Alfonso I de Aragão e,
ainda, contra sua meia-irmã Teresa de Portugal, filha bastarda do casamento de Alfonso VI.
Ela certamente assumiu o trono em um período de turbulência e desordem. O autor
argumenta que ela se deparou com situações nas quais teve que quebrar propositadamente a
forma de política anteriormente estabelecida pelo seu pai, para, assim, estabelecer uma nova
abordagem de relações. Como quando teve que romper o seu casamento com o monarca
aragonês para obter uma trégua entre Portugal e Aragão. Não conseguindo obter o reino de
Urraca, Teresa e Alfonso tiveram que concentrar suas energias em seus próprios reinos.
Na segunda metade do livro, Reilly nos apresenta um panorama sobre as instituições
com as quais Urraca teve que lidar durante o seu reinado. Ele examina os oficiais em seu
governo e na corte (incluindo importantes notários); o papel desempenhado pelos bispos, as
funções dos condes e dos castelãos e ocasionalmente as rebeliões que ela enfrentou.
26
O livro é de extrema importância para compreender o momento que Gelmírez passa
durante o reinado de Urraca I, todo o panorama proposto por Reilly no livro, junto com a nova
abordagem por ele apresentada, traz um complemento imprescindível para a pesquisa.
Como já havia citado, apesar da participação guerreira do bispo compostelano ser o
tema principal dessa dissertação, são parcos os trabalhos específicos sobre a guerra na HC.
Destacarei aqui o artigo de Juan José Burgoa: La armada gallega de Diego Gelmírez.32
Esse artigo é claro quanto ao seu objetivo, sua proposta principal é estudar a forma
como Diego Gelmírez construiu uma pequena armada na Galícia com o intuito de proteger a
costa da região de ataques, sejam eles de normandos ou mulçumanos. E no tocante ao
cumprimento da jornada proposta, José Burgoa foi bastante perspicaz em sua empreitada,
principalmente quanto à utilização de fontes arqueológicas durante a sua pesquisa.
Ele inicia seu estudo fazendo uma revisão historiográfica da presença naval em
território galego, passando dos povos nativos aos romanos e finalmente por aqueles que
habitavam a Galícia medieval. Nesse momento do artigo ele cita inúmeros confrontos
travados na costa da Galícia, como, por exemplo, os romanos enfrentando os Celtas britânicos
no século VI. Esse tipo de conflito acaba intensificando-se ainda mais com a chegada dos
povos árabes à Península Ibérica, isso, para o autor, acaba por dificultar ainda mais a
comunicação entre as partes leste e oeste da costa.
O ponto de virada marcado por José Burgoa é a descoberta do sepulcro do Apóstolo de
São Tiago. Com isso várias rotas de peregrinação acabaram se desenvolvendo e com a região
sendo mais visitada, ela acabou por necessitar de mais proteção, inclusive naval, devido ao
chamado caminho inglês de peregrinação e pela crescente chegada de peregrinos vindos das
ilhas britânicas para visitar o sepulcro de São Tiago.
No entanto, além do perigo árabe já estabelecido, a Galícia era constantemente atacada
por vikings e normandos e para o autor esse tipo de confronto fez com que os locais se
especializassem ainda mais. Através da análise feita sobre barcos vikings encontrados na
costa da Península Ibérica e barcos desenvolvidos nas regiões atacadas pelos vikings, José
Burgoa chega à conclusão que esse contato influenciou inclusive a maneira que os barcos
galegos foram construídos. Para ele, foi a partir desse contato que eles passaram a adquirir
características vikings em sua composição, como a extensão e o baixo calado, além da
versatilidade para navegar tanto em alto mar quanto em rios.
32 JOSÉ BURGOA, Juan. La armada gallega de Diego Gelmírez. Nalgures, tomo VIII, p. 75-114, 2012.
27
Além de toda a análise arqueológica dos barcos e do seu emprego, o que se torna mais
importante para a nossa pesquisa aqui é a forma como Gelmírez se utiliza dos mesmos para
fortalecer a proteção da costa Galega. Para o autor é claro que a origem em larga escala da
armada local acontece com o bispo de Compostela, que passa a financiar a construção de
barcos e o treinamento dos marinheiros.
Essa atuação marítima torna-se muito importante em um dos episódios da HC onde o
assim chamado traidor Ariaz Perez tem seu castelo tomado por Gelmírez que lidera um ataque
por frente dupla.
Em um primeiro momento, o exército do bispo perpetra um cerco à fortificação que
estava ocupada por Perez, enquanto que em uma abordagem costeira os marinheiros da
armada galega construída por Gelmírez, que após enfrentar cruzados normandos contratados
por Ariaz para proteger a costa, passam então pelas proteções do castelo e o cercam,
permitindo assim o maior êxito do cerco na captura do nobre traidor.
Outro detalhe igualmente citado pelo autor é o emprego dessas embarcações para a
defesa da costa portuguesa contra os ataques realizados pelos navios árabes e também no
amparo as rotas marítimas de peregrinação.
Portanto, o artigo é de grande importância não só para perceber que os recursos do
bispo compostelano eram vastos como também de que forma ele os aplicava e, ainda, para
compreender mais como os barcos eram empregados e o seu papel no desenvolvimento da
Galícia.
Com uma maior gama de trabalhos existentes, provavelmente por ser uma categoria
mais abrangente, as obras que abordam aspectos políticos figuram entre as mais recorrentes.
De uma maneira geral, elas contam com um maior número de trabalhos publicados entre
artigos e livros de diversos autores, todos contribuindo de alguma forma para o entendimento
maior do meio político compostelano e das relações nas quais a diocese e seu bispo, Diego
Gelmírez, estavam inseridos.
Podemos citar como exemplos os trabalhos de Bruno Gonçalves Alvaro: o artigo Os
caminhos da consolidação senhorial episcopal compostelana no século XII33 e sua tese de
doutorado As Veredas da Negociação: Uma Análise Comparativa das Relações entre os
33 ALVARO, Bruno G. Os caminhos da consolidação senhorial episcopal compostelana no século XII. Revista Mosaico, v. 6, n. 2, p. 169-179, jul./dez. 2013.
28
Senhorios Episcopais de Santiago de Compostela e de Sigüenza com a Monarquia
Castelhano-Leonesa na Primeira Metade do Século XII.34
Um dos objetivos de ambos os trabalhos é mostrar as relações de negociação
estabelecidas entre o senhorio-episcopal compostelano e a monarquia castelhano-leonesa,
especificamente, na primeira metade do século XII. São profícuos exemplos do que temos
identificado e defendido como uma interdependência entre estas duas instâncias,
principalmente porque o autor considera que este caráter de negociação presente na
documentação, pode ser interpretado como uma necessidade de ambas as partes inseridas em
um espaço de legitimidade.
Essa característica serviria também como uma maneira consolidar suas posições frente
ao conturbado contexto político do século XII. Por fim, ainda analisa as estratégias que foram
utilizadas pelo episcopado compostelano na busca pela firmação do que temos denominado
como poder senhorial-episcopal.
Para tal, Alvaro começa tecendo sua análise acerca dos problemas de sucessão
enfrentados pelo reino de Castela-Leão, problemas esses que vão gerar situações de tensão
entre a rainha Urraca e a nobreza da Galícia, que desde o início não apóia seu casamento com
o monarca do reino de Aragão, Alfonso I, o Batalhador. Um dos segmentos que desaprova
isso é o eclesiástico, que Gelmírez faz parte e que passa a apoiar um grupo que reivindica
Alfonso Raimundez, filho de Urraca, como legítimo sucessor do trono.
É incluso em todo esse círculo de intrigas que se constrói a proeminência da sede
compostelana, que em um primeiro momento age em conjunto com Raimundo de Borgonha,
senhor da Galícia e marido de Urraca, para interceder a favor de mercadores compostelanos
que estavam tendo suas mercadorias tomadas à força por senhores de terra locais. Interessante
notar que nesse momento ele sequer era bispo de Compostela, mas sim notário do rei. O autor
identifica nesse instante o início da construção da sua legitimação senhorial.
Isso acontece de forma ainda mais contundente quando Gelmírez passa a ser bispo de
Compostela. Pois é aqui que ele passa a compilar documentos e buscar bens que, segundo ele,
faziam parte da sua diocese e que nunca lhe foram de fato cedidos, dentre as benesses
constavam: casas, soldados, armas e territórios. Alvaro demonstra essa proeminência
34 ALVARO, Bruno Gonçalves. As Veredas da Negociação: Uma Análise Comparativa das Relações entre os Senhorios Episcopais de Santiago de Compostela e de Sigüenza com a Monarquia Castelhano-Leonesa na Primeira Metade do Século XII. Tese (doutorado) – UFRJ/IH/ Programa de Pós Graduação em História Comparada, 2013, 280 f.
29
compostelana que passa a crescer com o tempo em várias partes no texto e com vários
recortes documentais.
A conclusão a que Alvaro chega é que o crescimento de Compostela está ligado a uma
atuação em conjunto entre Gelmírez e o conde Raimundo de Borgonha. Principalmente pelo
fato de criarem uma dependência deste último para com a diocese, ao passo que de forma
concomitante essa atuação legitima ainda mais o senhorio-episcopal de Compostela.
O medievalista fluminense afirma que esse laço de interdependência entre o senhorio
compostelano e a monarquia é firmado pela relação de doações que se estendem durante todo
o período, dando um destaque significativo às terras doadas à Compostela. É por meio dessas
doações que as relações vão sendo construídas em um primeiro momento e mais tarde
fortalecidas.
Assim, esses trabalhos são de extrema importância para entender essa relação inicial
entre a diocese compostelana e a monarquia, e de que forma esses laços vão sendo
estabelecidos.
Já no Artigo de Barbara Aboul-El-Haj: Santiago de Compostela in the Time of Diego
Gelmírez,35 o objetivo é examinar o contexto de Diego Gelmírez de maneira supra-regional e
regional, além de também traçar um perfil da sua ambição eclesiástica e senhorial. Mas a
análise da autora baseia-se mais em seus empreendimentos luxuosos, que foram responsáveis,
segundo ela, pelas duas rebeliões comunais enfrentadas por Gelmírez. Esses
empreendimentos incluem programas artísticos concebidos para tornar ainda mais visível o
prelado de sua Sé Apostólica.
Cada avanço de Gelmírez possuía o objetivo de alçar a Sé para posto de metropolitana
(inclusive expandindo seu senhorio na Galícia ocidental) e acontecia em paralelo com o
projeto de arquitetura e decoração da nova catedral. Entre esses avanços, a promoção
sistemática do culto a São Tiago que antes fora desvalorizado e que aos poucos, através da
ação do bispo, a peregrinação passa a figurar como um importante fator econômico no local.
O artigo de Aboul-El-Haj é muito rico em imagens da catedral, desde ilustrações da
fachada, plantas baixas da sua construção, da nave e da catedral, até as colunas em espiral que
hoje se encontram no museu da catedral. Para a autora fica claro que essas obras mostram um
grandioso cuidado, quem sabe até uma obsessão, do bispo nos assuntos de Compostela, assim
sendo, a arte aparece como um meio de analisar essa visão que ele tinha do local ou até de si
mesmo.
35 ABOUL-EL-HAJ, Barbara. Santiago de Compostela in the Time of Diego Gelmírez. Gesta, Chicago, Vol. 36, No. 2, p. 165-179, Visual Culture of Medieval Iberia,1997.
30
Interessante também notar o grau de importância que a obra vai adquirindo na medida
em que o próprio Gelmírez cresce em poder, o que antes aparecia como uma obra a fim de
revitalizar a adoração a São Tiago e aumentar o número de fiéis e de peregrinos que visitavam
o local, passa a também demonstrar o aumento do poder nas mãos do bispo, que na medida
em que se torna arcebispo, altera a obra e manda construir próximo à catedral o que a autora
denomina como “palácio arcebispal”, que passaria agora a ser sua morada.
Esse artigo é relevante para entender ainda mais esse momento da trajetória de Diego
Gelmírez e de que forma suas ações afetam não só a si mesmo, como também a sua aprovação
perante os locais e de que forma ele lida com os problemas administrativos causados pelos
excessivos gastos em sua obra.
Ainda temos Richard A. Fletcher com o seu livro St. James's Catapult: The life and
Times of Diego Gelmirez of Santiago de Compostela.36
Neste livro, Fletcher não só nos apresenta um visível domínio das fontes latinas e
espanholas, como também uma notável sutileza em interpretá-las. O autor também apresenta
uma formidável familiaridade com os outros núcleos políticos presentes além da Hispania,
permitindo-lhe traçar paralelos bastante enriquecedores em sua obra.
É um livro bastante denso, com muitas informações que, por vezes, dificultam a leitura
por seu volume, mas que são de imensa importância para entender o assunto, mesmo com
certo atraso em tratar mais abertamente sobre a figura de Gelmírez, o livro realmente nos
supre em todos os níveis da vida deste personagem.
A importância de Compostela no século XI era de um expressivo centro de
peregrinação cristã, superado apenas por Jerusalém e Roma. Gelmírez, através da sua
administração em Santiago de Compostela e da sua própria ambição, convence o papa para
fazer dela sede Metropolitana. A importância de Compostela também adveio devido à
mudança na disciplina penitencial que fez da peregrinação uma forma de expressar a
contrição e a redução das penas.
Nos sucessivos capítulos em que explora a Galícia, somos direcionados
profundamente no século XI, a fim de traçar uma história do culto de São Tiago, da
peregrinação na região e dos peregrinos famosos que a visitaram. Além da ascensão do bispo
e daqueles que integravam o corpo de clérigos em Compostela, além das relações de Gelmírez
com seus soberanos e seu governo diocesano.
36 FLETCHER, Richard A. St. James's Catapult: The life and Times of Diego Gelmirez of Santiago de Compostela.New york: Claredon Press, Oxford University press, 1984.
31
Gelmírez era, de fato, uma “catapulta”, ao ampliar os poderes de seu cargo, além de
ser, de forma apropriada, elástico em suas políticas eclesiásticas. Suas conquistas foram
consideráveis. Ele preservou a independência de Compostela e suas temporalidades de
saqueadores e do arcebispo primaz de Toledo, enquanto ao mesmo tempo trabalhou para o
crescimento da própria diocese, estendendo a Catedral, construindo um refeitório e um
palácio para si. Portanto suas ações deixaram muitos ganhos não só políticos, como também
estruturais para a diocese compostelana.
Por fim, apresentamos o artigo Diego Gelmírez. Los Años de Preparación (1065-
1100), de Ermelindo Portela37 que tem como objetivo principal tratar dos anos de preparação
de Gelmírez, antes mesmo dele assumir o bispado de Santiago de Compostela, no que ele se
refere como um nível triplo de atuação do mesmo: o do senhorio, do reino e da cristandade.
Desde o início do artigo, Portela deixa claro que o objetivo da HC, segundo a própria,
seria propagandear os feitos de Diego Gelmírez enquanto bispo e posterior arcebispo de
Compostela, para que suas glórias e conquistas ficassem para a posteridade e servissem como
exemplo para os que futuramente viriam a integrar a diocese.
Porém ele vai mais além quando qualifica a narrativa da HC como sendo na verdade:
[...] una historia de poderes y poderosos, de ataques y defensas; es una historia de lucha política. Y está hecha a petición de parte. Es, portanto, una historia interesada. Y especialmente interesante, en la medida en que nos permite situarnos en el punto de vista de uno de los participantes en la contienda por el poder.38
Essa interpretação nos é muito cara, pois incute através do discurso da história como
magistra vitae apresentado pela própria documentação o diálogo entre os poderes envolvidos
naquele momento e como de fato isso ocorre na narrativa apresentada. Ela está muito longe de
ser unilateral, favorecendo os acertos e erros de Gelmírez, mesmo que os redatores da crônica
tentem minimizá-los.
Tratando já da vida do próprio Gelmírez, o autor levanta a hipótese do mesmo ter
nascido por volta da década de sessenta do século XI, precisando um período entre 1065 até
1071. E embora tenha nascido no momento em que o destronado rei García regia a Galícia,
nunca em momento algum o seu nome é citado na HC. Provavelmente, uma decisão política,
37 PORTELA, Ermelindo. Diego Gelmírez. Los Años de Preparación (1065-1100). Studia historica. Historia Medieval, Salamanca, N. 25, p. 121-141, 2007. 38 PORTELA, Ermelindo. Diego Gelmírez. Los Años de Preparación (1065-1100). Studia historica. Historia Medieval, Salamanca, N. 25, p. 121-141, 2007.p. 122
32
levando em consideração a inclinação do próprio Gelmírez ao favorecimento do rei Alfonso
VI.
É importante atentar, segundo Portela, na forma como esses acontecimentos passados
aparecem na narrativa, como no caso em que Gelmírez excomunga Fernando Perez de Traba e
utiliza-se na ocasião da morte de Gudesteo para explicar a disputa de poder que envolvia o
ocorrido. Fica claro que ao utilizar como exemplo a morte do bispo, Gelmírez demonstra um
conhecimento muito afiado da história dos seus antecessores. E isso se torna ainda mais
evidente quando se trata de Diego Pelaez, bispo com o qual Gelmírez passou sua adolescência
e primeira juventude.
Esse artigo foi de grande importância na compreensão de fato de algumas das relações
propostas na HC, inclusive aquelas que ficaram de fora do documento, como a relação entre
Gelmírez e Diego Peláez, antes dele ser de fato expulso por apoiar uma rebelião contra
Alfonso VI e algumas outras lacunas da HC no tocante a pouca biografia que nos é dada sobre
o bispo.
1.2.4 - Discussão acerca dos documentos que compõem a Historia Compostelana
Como já dito anteriormente a HC é composta por dezoito manuscritos, constituindo
uma obra bastante extensa que ocupa um volume inteiro da España Sagrada e está dividida
em três livros. Em sua origem foi concebida como Registrum da Sé compostelana e nesse
sentido atribui-se a escrita da obra a Nuño Alfonso, tesoureiro desta igreja.
O método empregado para escrita da obra neste momento consiste na descrição de um
sucesso obtido por Diego Gelmírez e a sua posterior comprovação por meio de documentos
que recordam os fatos descritos anteriormente. É constantemente nessa fórmula de
apresentação e comprovação que os escritos trabalhados pelo tesoureiro funcionam.
Neste momento da obra a parte narrativa serve como uma introdução ilustrativa entre
as compilações subsequentes de documentos. Quando Giraldo assumiu a obra, ele tomou para
si a missão de adicionar material ao Registrum escrito por Nuño, isso fez com que a HC
adquirisse uma característica distinta do que estava escrito até então. As divisões narrativas
começaram a aparecer onde o material documental ficou escasso, surgindo assim sessões
narrativas entre os capítulos com documentos.
Porém, com essa inovação narrativa, surgiu um problema para a obra: a sua extensão.
A fim de solucionar esse problema, pensou-se então na divisão da obra em duas partes: um
livro que seria dedicado ao bispado de Gelímrez, a gesta episcopi e o outro dedicado ao
33
arcebispado, a chamada gesta archiepiscopi. Essa divisão segundo Emma Falque Rey teria
sido sugerida pelo próprio bispo, mostrando assim uma participação ativa do mesmo, ao
menos no âmbito da supervisão.
Entretanto, para isso o livro precisava ser reescrito, seria necessário um novo prólogo
e uma narrativa completamente nova para resolver esse problema e preencher as lacunas que
seriam deixadas pela decisão de dividir as informações. Como forma de preencher o livro e
criar certa unidade estilística, o prólogo original da obra acabou indo parar no Capítulo LXI
do livro II, onde constam algumas doações feitas para Santiago de Compostela. Logo após
isso se tornou adequado inserir uma introdução histórica como a parte inicial do Livro I.
Seguindo com o plano original de divisão da obra, Giraldo mais uma vez viu-se
obrigado a dividi-la, nesse caso, a parte que precisava de uma divisão seria o Livro II. O
interessante a se notar é que até o capítulo XXVIII do Livro III, não existe menção alguma do
porque dessa divisão. Assim, um novo prólogo foi pensado especificamente para o Livro III.
Como cita a própria Falque Rey, os prólogos tanto do Livro I quanto do Livro II foram
retocados para aludir a existência um do outro. Porém isso não acontece com o terceiro, não
existe alusão alguma da sua existência nos livros anteriores, como é possível ver:
Pero los prólogos de los dos primeros libros nos fueron retocados para aludir el nuevo. Al del libro I ya ha hecho referencia anteriormente, en el del libro II no hay ninguna alusión a un tercero. Tampoco hay en la narración de la HC, o en la vida del propio Gelmírez, nada que justifique esta división entre el libro II y el III. Queda, pues, la duda de cuáles fue las razone que llevaron a alterar el primitivo plan de división de la obra en dos libros (De episcopatu y De archiepiscopatu) y subdividir la narración de los hechos del arzobispado de Gelmírez en dos libros: segundo y tercero.39
Uma característica marcante da HC é a sua subdivisão em capítulos nos quais os
títulos são praticamente autoexplicativos no tocante ao conteúdo que será encontrado no
tópico. A.G. Biggs sugere que esse tipo de inserção ocorreu posteriormente a conclusão da
obra por copistas, tendo em vista que alguns dos títulos nada tem de semelhante com os
assuntos tratados nos capítulos.
Bernard. F. Reilly levanta a hipótese de que a complexidade da obra levou Giraldo a
adicionar subtítulos, mas considera que a imprecisão existente na subtitulação é tão grande
que pode ter sido simplesmente obra do próprio Giraldo, que por motivos desconhecidos
nomeou erroneamente os capítulos. Além, também, da possibilidade de terem sido
organizados por algum dos autores da HC que ainda estão em discussão.
39 HISTORIA COMPOSTELANA. Introducción, traducción, notas y índices de Emma Falque Rey. Madrid: Akal, 1994. p. 21-22.
34
Falque Rey ao levar em consideração essa ultima opção, muito consonante com os
escritos de F. Lopes Alsina, relata que em alguns manuscritos essa titulação seria de fato
póstuma, porém no manuscrito principal alguns desses títulos sequer aparecem, mostrando,
assim, que provavelmente isso deve ter sido obra de copistas posteriores, ou que alguns títulos
acabaram derivando de algum entendimento distinto do capítulo.
É fato que a ideia principal da HC é reconhecer em toda a obra a atividade de Diego
Gelmírez em benefício da Sé compostelana, fundamentando as suas possessões e tornando
palpável o crescimento da mesma, nesse sentido a HC pode ser classificada como uma gesta.
Porém, além dessa característica acima citada encontramos outra, ainda mais
importante: A junção da descrição densa e documental comum em cartulários e coleções
documentais com as narrações de qualidade histórica, algo que a qualifica como um
Registrum.
Ainda segundo Falque Rey, é possível encontrar outros estilos de escrita presentes em
momentos distintos da HC, como por exemplo, no capítulo XV do livro I. Aqui o
arquidiácono Hugo narra o translado de relíquias de Braga para Compostela, um lugar
considerado mais digno de permanência dessas relíquias. Essa narrativa é característica do
estilo Translatio, como a própria reconhece:
Hay que mencionar en primer lugar el capítulo 15 del libro I, obra de Hugo, que es una Translatio, que nos relata el traslado - por utilizar el mismo término que emplea la HC - de algunas reliquias desde las iglesias de Braga a un lugar más honorable en la nueva catedral de Santiago. Por otra parte, Giraldo incorporó una pequeña Translatio beati Iacobi (HC I 1), que posiblemente procedía del siglo X.40
Além da Translatio, é possível encontrar outro gênero presente na HC, a chamada
Miracula, que pode ser detectada nos capítulos L e LIII do livro II, esses capítulos narram
momentos da vida de Gelmírez que são destacados pela interferência divina no ocorrido.
Podemos destacar como características importantes também a contemporaneidade dos
autores que escreveram a obra enquanto presenciavam os acontecidos. Muitas vezes como
autores diretos daquilo que transcreviam e vindo somar-se a isso temos também a adição de
documentos a obra, alguns de origem papal, como as cartas trocadas entre Gelmírez e os
diversos papas presentes na documentação.
40 Idem, p. 23.
35
1.3 - Conclusão do capítulo
Como podemos observar, a HC é uma documentação bastante complexa. Nela, além
de ser possível encontrar diversos estilos de escrita contemporâneos na feitura da obra, ainda
existe muita discussão: sobre a autoria, como são caracterizados esses estilos, como a obra foi
organizada e qual o objetivo por trás dessa organização. Todos esses aspectos tornam a HC
uma obra que ainda precisa ser muito estudada para obtermos uma maior compreensão
documental da mesma.
Dois autores imprescindíveis para tratar da documentação são com a certeza Bernard
Reilly e Richard Fletcher. Sendo que o primeiro lançou três livros que compõem a trinca de
monarcas com os quais Gelmírez se relacionou durante toda a sua vida: Alfonso VI, Urraca I
e por fim Alfonso VII. Além de artigos importantíssimos que analisam os estilos narrativos
que compõem a obra e identificando alguns dos autores que idealizaram a mesma.
Fletcher pode não ter escrito tanto quanto Reilly, mas ele é de importância impar por
ter escrito o livro mais completo sobre o arcebispo compostelano até o momento, Saint
James's Catapult é o livro mais citado dentre os artigos que envolvem a HC, justamente por
ser um dos poucos que retratam toda a vida de Diego Gelmírez.
Reilly possui um estilo bem mais inquiridor e pelo fato de adotar diversas fontes a seu
trabalho acaba sendo mais polivalente que o de Fletcher, que concentra-se mais na HC
embora ele faça pequenas incursões as Crónicas Anónimas de Sahagún e a Chronica Adefonsi
Imperatoris seu escrito concentra-se mais na própria HC e nas construções que a
documentação faz acerca do ocorrido. Apesar de estilos diferentes ambos trabalhos
contribuem bastante ao trabalho pois são obras basilares sobre o tema.
Juan José Burgoa aparece quase que como um estudo transversal sobre a política naval
adotada por Diego Gelmírez, porém os aspectos apresentados acerca da própria história da
Galícia com os constantes ataques navais perpetrados por Vikings, Normandos e
posteriormente Almorávidas fazem com que o arcebispo compostelano encomende uma frota
naval que vai ser vir para defender a frágil costa galega além de auxiliar no combate marítimo
contra Arias Perez e dar apoio naval ao próprio Condado Portucalensis.
Já Barbara Aboul-El-Haj traz um dos poucos trabalhos em que é abordado a vida
pregressa do arcebispo compostelano, além de fazer relações com as suas ambições futuras. O
fato de tomar como principal fonte a arquitetura deixa um pouco a desejar para os objetivos
deste trabalho, pois tratamos quase que exclusivamente da documentação escrita da HC,
36
porém sua narrativa sobre a rebelião comunal enfrentada por ele e sobre os seus anos iniciais
são importantes para contextualizar melhor aquilo que é dito no documento.
Ermelindo Portela nos traz um trabalho de importância ímpar, pois trata de preencher
uma lacuna pouco explorada e de grande importância para o presente trabalho: os anos de
pregressos de Gelmírez, abordando não só a sua formação, como também traçando um perfil
daqueles com quem o futuro arcebispo conviveu durante a sua formação clerical.
Por usar mais a HC como fonte o trabalho de Portela acabou tornar-se mais
representativo para os nossos escritos do que o apresentado por Aboul-El-Haj, que trata mais
de referências arquitetônicas e imagéticas, porém o panorama feito sobre as revoltas comunais
enfrentadas pelo compostelano torna o trabalho apresentado por ela uma boa forma de
contraponto com o que nos é dito pela documentação escrita.
Os trabalhos de Bruno G. Alvaro são de extrema importância, não só pelo fato de
serem os únicos que tratem da mesma temática sob a qual nos debruçamos na presente
dissertação, como também por trazerem toda uma nova ótica dos relacionamentos entre os
poderes laicos e eclesiásticos na Península Ibérica. A desconstrução feita por seu trabalho nos
dá novo aporte para encarar de maneira distinta todas as ações feitas por Diego Gelmírez e
como um poder pode muitas vezes ser dúbio andando em linhas que antes eram consideradas
distintas, mas que olhando de maneira diferente essas linhas muitas vezes se completam.
E por fim tratamos dos documentos que compõem a HC, sobre os estilos adotados na
sua confecção e os seus autores.
No próximo capítulo abordaremos o documento em si, tecendo análises sobre o seu
conteúdo histórico e abrangendo ainda mais a trajetória de Diego Gelmírez em seus primeiros
anos como bispo de Compostela.
37
CAPÍTULO II
O CLERO EM BATALHA: DIEGO GELMÍREZ E OS EMBATES NA COROA
CASTELHANO-LEONESA DURANTE O REINADO DE URRACA I
Esse capítulo visa analisar a trajetória de ascensão vivida por Diego Gelmírez,
assumindo um foco maior em sua atuação na Historia Compostelana, considerando os
devidos efeitos durante o seu período enquanto bispo/arcebispo de Compostela. Além de
mostrar como se dava o envolvimento de Gelmírez com aqueles ao seu redor, examinando a
disputa de interesses que existia no momento.
2.1 – A construção de um bispo: a trajetória gelmíreana
Não há muito sobre o nascimento de Diego Gelmírez, é inclusive muito difícil de
precisar a data do mesmo, sabe-se que provavelmente este tenha ocorrido por volta dos
últimos anos que compõem a década de 1060. A própria HC1 nos apresenta um esboço
biográfico da história de Gelmírez antes de tornar-se bispo no capítulo II do livro II.
Segundo a documentação:
Fue, pues, oriundo de Galicia, hijo de padres honrados a los ojos del mundo. Su padre, llamado Gelmirio, fue caballero y hombre poderoso en tiempos de Diego Peláez, obispo de Compostela, por el cual tuvo y gobernó el castillo de Oeste y el territorio que había a su alrededor, Iria y sus alrededores, la Mahía y Postmarcos.2
Diego Gelmírez era filho de Gelmírio, cavaleiro que servia ao bispo Diego Peláez. No
documento original em latim tanto Richard A. Fletcher3 quanto Emma Falque Rey4 nos fazem
referência ao termo utilizado para designar Gelmírio, miles. Embora Falque Rey traduza-o
como caballero ela também faz alusão ao uso do termo já citado no original em latim
Isso nos leva a considerar uma possível influência francesa na feitura da HC,5 como
ressalta Fletcher,6uma palavra cuja conotação neste período não é fácil de mensurar de forma
1 Conforme assinalado no capítulo I, utilizaremos a sigla HC para aos nos referirmos ao documento Historia Compostelana. 2 HC, Libro II, cap. II, p. 298. 3 FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult:The Life and Times of Diego Gelmírezof Santiago de Compostela. New york: Claredon Press, Oxford University press, 1984. p. 102. 4 HISTORIA COMPOSTELANA. Introducción, traducción, notas y índices de Emma Falque Rey. Madrid: Akal, 1994.Presente nas notas da p. 298 5 Provavelmente proveniente de algum escrito de Girardo, que é classificado pelos estudiosos como Francês. 6 FLETCHER, Saint James's Catapult…Op. Cit. p. 102.
38
definitiva, mas, provavelmente, não implica simplesmente em uma profissão que envolva a
utilização de armas, mas sim, em certa posição social.
Além disso, é importante lembrar-se da discussão levantada por Jean Flori acerca do
termo:
O desenvolvimento da vassalagem, sua generalização na época carolíngia, o surgimento do regime que foi chamado (talvez erroneamente) feudal, a hereditariedade das honras e dos feudos levaram personagens de todos os níveis, mesmo os elevados, a prestar homenagem ao senhor do qual eles recebiam rendimentos, "benefícios" (de beneficium), geralmente sob forma de domínios ou terras mais ou menos externas conforme o nível deles, que são chamadas cada vez mais de feudo. Ora, essas terras sofrem, como vimos, exigências de recrutamento de guerreiros. Aquele que as recebe deve então muito naturalmente um serviço armado ao senhor que lhe concedeu essas terras. Ele é considerado por causa disso guerreiro do senhor co ou sem seus próprios dependentes, conforme o tamanho do domínio recebido. As palavras que expressam essa dependência salientam cada vez mais esse serviço armado: vassus e vassalus que já expressavam isso; homo, que os evence; e ainda miles salienta o aspecto militar implicado pelo engajamento de feudo-vassalagem.7
Somando a interpretação feita por Flori sobre o termo, e a informação que nos é dada
pela própria HC sobre os domínios que estavam aos cuidados de Gelmirio, podemos,
portanto, dizer que seu pai era um importante senhor de terras locais, inclusive porque a
região era considerada como “o coração de Santiago, tendo uma importância estratégica muito
grande”.8
Aqui vemos um dos primeiros posicionamentos do cronista no que concerne a vida
pregressa de Gelmírez e um dos primeiros tomados pela HC. Muito embora só apareça
posteriormente dentro da documentação, percebemos que existe uma certa importância não só
que o bispo seja supostamente proveniente da região, ou como dizemos, “um local”, mas
também o que deixa a transparecer nesse caso é um sentimento de hereditariedade.
Ao exprimir esses laços entre Compostela e Gelmírez, a HC despende um claro
esforço documental que visa estabelecer laços de pertencimento entre Diego Gelmírez e a
diocese: em um primeiro momento pelo fato do mesmo ter nascido em suas proximidades e
em uma segunda ocasião notamos que existe um apelo quase sucessório, principalmente,
quando a documentação afirma a ligação de Gelmírio como um proeminente senhor local.
Tanto Falque Rey quando Fletcher levantam a possibilidade da existência de irmãos,
sendo que quatro do sexo masculino nos são identificados: Munio (ou Nuño), Gundesindo,
7 FLORI, Jean. A cavalaria: a ordem dos nobres guerreiros da Idade Média. São Paulo: Madras, 2005. p. 20-21. 8 FLETCHER, Saint James's Catapult…Op. Cit. p. 102-103.
39
Pedro e Juan; além do seu sobrinho Pedro. Nenhuma irmã foi citada no documento apenas os
irmãos de Gelmírez.
Destinado à carreira eclesiástica, começou sua educação na escola da catedral de
Santiago, segundo Fletcher9 não se tem muitas informações sobre esse período da vida de
Gelmírez. O que é sabido é que ele não era um clérigo muito afeito ao trabalho intelectual,
mas possuía um bom conhecimento das leis e das escrituras além de ser dono, em sua meia-
idade, de uma biblioteca pessoal que contava com cinquenta títulos, algo que para a época era
considerado um volume considerável de obras.
Logo após a sua temporada na escola de Santiago, ele foi integrar a corte de Alfonso
VI, em uma análise da passagem do capítulo CIX do livro I da HC, podemos notar que a
rainha Urraca lembra ao bispo que em sua adolescência ambos se conheceram e que ele fora
criado com grandes benefícios pelo rei:
Reverendo padre, aunque mi maldad e impericia exija que yo sea privada del reino de Galicia y que éste sea transferido a otro, sin embargo ha de tenerse consideración con mi condición de mujer. Recuerde tu paternidad al muy noble rey Alfonso, mi padre, quien te educó desde la adolescencia y te concedió tantos y tan grandes beneficios.10
Sobre esta passagem, Fletcher consegue absorver ainda mais interpretações,
principalmente, quando trabalha a versão em latim do documento:
After his schooling at Compostela Diego spent some time at the royal court of Alfonso VI.The king's daughter Urraca referred to this many years later when she reminded Diego in 1116 that her father 'brought you up from your adolescence' (te ab ipsa educavit adolescentia).We can rarely be sure precisely what writers of this period intended by the term adolescentia: here I think the implication is that Diego was attached to the royal household while he was in his teens. It would have been a time to watch and to learn, to make himself useful and agreeable to those whose interest might be enlisted in his favour. The sequel permits us to assume that he acquitted himself well. By the time he was 'grown-up' - adultus,another vague term - he was back in Galicia in the household (curia) of his patron bishop Diego Peláez. This must have been before the year 1085, when the Galician rebellion in which the bishop was implicated broke out. It was perhaps at this time that the young man was rewarded with a canonry in the church of Santiago.11
Como podemos observar, é difícil precisar o que o escriba quis dizer com a expressão
adolescentia, mas ao que parece, segundo Fletcher, esse era um momento em que Gelmírez
estava ligado à casa de Alfonso VI e ele deveria utilizar-se desse tempo de permanência para
aprender, tornar-se útil àqueles a quem futuramente iria servir com mais afinco.
9 FLETCHER, Saint James's Catapult… Op. Cit. p., p. 104 10 HC, Libro I, cap. CIX, p.257-258. 11 FLETCHER, Saint James's Catapult… Op. cit. p.104-105.
40
Nessa passagem notamos mais uma vez a necessidade do cronista em estabelecer laços
importantes na vida pregressa de Gelmírez, indicando assim uma permanência e não uma
ascensão, dando a impressão num primeiro momento que ele descende de alguém que é
regionalmente importante e que ainda em tenra idade vai integrar a corte do próprio rei.
Podemos assumir nesse momento que a própria HC revela certa forma de
favorecimento, quiçá a expressão de um glorioso destino vindouro. Lembremos que dentro da
documentação exprimida temos a trajetória de uma figura que está sendo enaltecida, portanto
todos os seus feitos serão de certa forma exagerados a fim de causar um misto de espanto e
admiração por parte do leitor. Por mais que a própria rainha lembre ou não da figura de
Gelmírez, o reconhecimento da mesma nos fornece escopo suficiente para jogar com o fato de
ambos eram conhecidos um do outro.
Depois desse ocorrido, quando ele foi agraciado com o título de cônego, torna-se
muito difícil saber o que mais ocorreu em sua vida, só havendo lampejos de sua trajetória
posterior, quando ele torna-se conselheiro de Raimundo de Borgonha, após o mesmo assumir
o comando local. Portanto, não é possível saber com certeza se esse foi um esquecimento
documental intencional, pois existe uma ausência de documentos sobre esse período da vida
de Gelmírez.
É possível observar que ele integrou a chancelaria do conde durante os primeiros anos
da nominação de Raimundo de Borgonha, até, provavelmente, 1093 ou talvez 1094, quando
ocorre a sua primeira passagem como administrador da diocese compostelana, porém isso não
quer dizer uma saída da convivência com a nobreza local.
Depois da morte de Arias Diaz, Gelmírez foi escolhido para ser administrador de
Santiago, cargo que ocupou durante um ano, até que um novo bispo fosse escolhido para a
localidade. Ao fim do processo o escolhido para a Sé foi Dalmacio, que gozava de grande
prestígio entre o papa e o rei Alfonso VI, mas seu bispado durou apenas até 1095, quando
veio a falecer.
Segundo Fletcher, em 1095, Gelmírez acompanhou Raimundo de Borgonha e sua
armada em uma incursão até Coimbra e Lisboa, até que eles tiveram que sair em retirada
devido a uma invasão sarracena no território.
Após a morte de Dalmacio, o bispo Diego Peláez, que havia sido acusado de traição
por tentar separar a Galícia do reino de Castela e Leão, tenta retomar para si o posto de bispo
de Santiago, porém o rei e toda a nobreza castelhano-leonesa vão de encontro a esse intento e
a duras penas um processo é movido contra Pelaéz para expurgar de uma vez por todas a sua
41
influência de Compostela. Enquanto isso, Diego Gelmírez é eleito pela segunda vez como
administrador-apostólico da sede compostelana.
Nesse momento vemos a documentação se posicionar sobre um fato passado de grande
importância para todo o território galego. Ao dizer que a coroa e os nobres não estavam de
acordo com a retomada do bispado de Peláez a HC conscientemente assume uma postura pró
Alfonso VI, pois o motivo da deposição de Peláez é justamente ir de encontro a coroa e aliar-
se junto com o irmão de Alfonso, Sancho II. Assim assumir a postura de ilegalidade de Peláez
consiste em conscientemente apoiar Alfonso VI.
É apenas no ano de 1100, provavelmente em 13 de março, que Diego Gelmírez se
torna bispo de Santiago de Compostela. Como observamos Gelmírez era integrante de uma
pequena nobreza e devido a isso ele teve importantes oportunidades abertas em seu caminho
até tornar-se bispo, e posteriormente arcebispo, de Compostela.
2.2 – Relação entre poderes: Santiago de Compostela e Alfonso VI
Como já citado anteriormente, a relação entre Santiago de Compostela e Alfonso VI
nem sempre fora benéfica. Depois da deposição do rei García por seu irmão Sancho II de
Castela em 1071, nós tivemos um novo processo de troca de soberanos, onde na ocasião,
Alfonso VI destronou Sancho um pouco mais de um ano após ele assumir o trono da Galícia e
assim manteve-se como rei de Castela, Leão e da Galícia até a sua morte em 1109.
Porém, ao que parece, a população ou pelo menos parte da população nobre, não
estava de acordo com o reinado de Alfonso, pois em 1085, sediada na região que envolvia a
cidade de Lugo e seus arredores, uma rebelião liderada pelo conde Rodrigo Ovequíz teve
início.
O novo rei da Galícia teve que retornar de uma Toledo recém-conquistada para dar
cabo dos revoltosos que estavam encastelados em Lugo munidos da “proteção de muralhas
romanas recém-reformadas”.12 Porém isso não foi o suficiente para deter o experiente exército
de Alfonso VI, o rei então submeteu a cidade a um doloroso cerco que findou com a vitória do
mesmo e a retomada do controle da cidade.
Aos revoltosos o que restara foi um tratamento bastante duro por parte do rei. Este
optou por prender e exilar os condenados além de confiscar as suas terras e rendimentos,
dentre os que estavam presentes nessa rebelião, além do seu líder conde Rodrigo Ovequíz.
12 Idem, p.32
42
Nessa ocasião tivemos a participação de um importante membro da Igreja, mais precisamente
de Santiago de Compostela, o seu bispo, Diego Peláez.
Portanto, podemos perceber que logo após Alfonso assumir o reinado da Galícia ele já
enfrenta problemas com a diocese compostelana, além da própria nobreza local. Porém será
entre os próprios compostelanos que ele, anos depois, apoiará e requisitará a ascensão de
Diego Gelmírez como bispo local, uma figura já conhecida por ele devido ao tempo que ele
passou em sua corte, entretanto, ainda demoraria bastante para que ele assumisse a diocese
compostelana.
E junto a isso também podemos perceber que a tática utilizada por Afonso VI foi
permeada de dois vieses. Em um primeiro momento ele suprimiu a revolta com as suas forças
militares e a partir do momento que conseguiu minar o inimigo militarmente ele passou para
uma estratégia mais sutil fazendo uso da diplomacia para minar o poder dos insurgentes, e
mais precisamente o poder de Diego Pelaéz, seu opositor entre o clero. Então como vimos no
capítulo anterior, a estratégia guerreira pode vir atrelada a ação diplomática e a diplomacia
pode muito bem ser uma ferramenta na guerra.
Para seguir com os seus planos, o rei convoca em 1088 o concílio de Husillos,
presidido por Ricardo, um cardeal enviado de Roma. Nesta reunião decidiu-se a deposição de
Diego Peláez e em seu lugar empossar Pedro, abade de Cardeña, que seria conhecido como
Pedro II. Porém mesmo com o apoio do rei para a deposição, o papa Urbano II ainda manteve
os direitos de Peláez como bispo de Compostela:
Después de esto, el bispo, a pesar de haber si do encontrado culpable en el juicio previo, pasó de nuevo a la tutela del rey. Por esto, al ser tratadas finalmente estas cosas en Roma , el mencionado Ricardo, cardenal de la santa iglesia romana y legado, fue atravesado por el dardo de la confusión y de la ignominia. Pues el papa Urbano y la santa iglesia romana le reprendieron y censuraron especialmente por haber condenado en el juicio previo al mencionado obispo de Compostela a que fuera aprehendido y por haberle depuesto injustamente, por ello él mismo fue privado también de la legacía con la q se había atrevido a tales cosas. Por su parte el rey Alfonso, siguiendo el sentir general de los sabios varones de España, puso al frente de esta iglesia apostólica al abad del monasterio de Cardeña, de nombre Pedro, quien tras permanecer durante dos años en el episcopado frente del rebaño que le había sido encomendado, aunque había sido elevado a la cima de tan gran honor sin el consientimento de nuestra madre la santa iglesia, en un concilio celebrado en León por el cardenal don Regnerio que después, elegido papa en la ciudad de roma, adoptó el nombre de Pascual, fue enterrado de acuerdo con las leyes canónicas.13
13 HC, Libro I, cap.III, p. 78.
43
Para entender essa querela é imprescindível compreender a situação dos legados
papais nesse momento. Como afirma Leandro Rust:
No século XI, ocupar-se em promover os nomes dos papas era se lançar à conquista de novas possibilidades de poder e enriquecimento. Outro bom indício disso estava no empenho dos próprios papas para cerzir redes aristocráticas de favorecimento e proteção em redor de seus legados.14
E assim não tardaria para que legados papais com todo esse poder em mãos passassem
a utilizar o mesmo a seu proveito, porém toda essa situação de livre uso da palavra e
autoridade papal não passaria incólume. E em Agosto de 1087, Vitor III convoca um concílio
Benevento onde excomunga vários legados papais, entre eles Ricardo de Marselha.
Porém, Ricardo ignora a decisão de Vitor e continua atuando como Legado papal. É
nesse momento que Alfonso VI, procurando legitimar a perseguição aos revoltosos e
precisando encarecidamente do apoio eclesiástico para depor Peláez, paga Ricardo de
Marselha para legislar em sua causa.
Mas toda essa situação seria desfeita com a intervenção de Reinério, o novo legado
responsável pela Hispania, que veio não só depor o abade Pedro de Cardeña, como também
estabelecer um maior laço entre os poderes eclesiásticos da Península Ibérica e o poder papal
romano. Porém como cita Rust, essa atuação de Reinério, acontecera tarde demais:
Todavia, de maneira inesperada, esses esforços esbarraram nas ações de um legado excomungado. Ao favorecer Afonso VI e fortalecer o controle régio sobre o episcopado castelhano-leonês, o abade de Marselha contribuiu para antepor um poder entre o papado e a organização eclesiástica peninsular.15
Como podemos observar a situação da diocese compostelana nesse momento tornou-
se complicada, de um lado o papa apoiava Diego Peláez, que mesmo com a interferência
papal não consegue retomar o seu poder em Compostela. Nesse momento é perceptível a ação
do cronista ao encobrir a posição da HC, resguardando-se ao não tomar partido nesse conflito.
A única citação presente na documentação sobre toda essa problemática envolvendo a
sucessão em Compostela é reduzida a algumas linhas sobre assunto, nós entendemos que
nesse caso existem duas linhas de pensamento que convergem minimamente.
Em um primeiro momento temos uma diocese compostelana muito ligada ao poder
real, ou que pelo menos o cronista tenta estabelecer essa ligação. E em uma segunda visão
podemos notar também uma omissão declarada na documentação, pois, tomar partido ao lado
14 RUST, Leandro. "colunas de são pedro": Concílios, Temporalidades e reforma na história institucional do papado. 2010. 208.p. Tese (Doutorado) - Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Departamento de História, 2010. 15 Idem, p. 218
44
do rei é também invalidar a decisão tomada pelo papa. Ou seja, o cronista não fornece
informações ao leitor para deixá-lo ignorante sobre a situação sucessória, pois ao apoiar o rei
ela estaria indo diretamente contra um ditame papal.
Em meio a esse movimento conturbado Alfonso VI nomeia como conde da Galícia seu
genro Raimundo de Borgonha.
É interessante notar a discrepância entre as datas nesse momento, pois segundo
Bernard F. Reilly, o borgonhês, sobrinho neto da esposa do rei, chega com a comitiva do
duque Eudes I entre os anos de 1086-1087:16
Raymond apparently journeyed to Spain in the expedition of Duke Eudes I in 1086-1087. When that enterprise foundered at the siege of Tudela, the duke and his nephew proceeded to León for a visit with Queen Constance. The cumulative documentary evidence suggests that almost immediately the count was betrothed to Urraca, then at most eight years old, and possibly was also married to her, for he begins to appear as the son-in-law of Alfonso VI in dating protocols. The early date for this marriage has been resisted largely, one supposes, because Canon law set the minimum age for marriage at twelve for women. Still, the breach of canon law in the face of dire political necessity was hardly unknown in the medieval period.17
A chegada de Raimundo de Borgonha é louvada pela HC devido aos problemas com
as administrações de Pedro Vimara chamado de mayordomo real e Arias Diaz, que
promoveram a rapina na região enquanto esta esteve sob o seu mando:
Y después de recibir allí uno de los parroquianos de la iglesia de santiago, llamado Pedro Vimara, laico y mayordomo real, de manos del rey don Alfonso todo el señorio que había gobernado el obispo, regresó a su tierra donde mostró tanta crueldad y tanto empeño en robar a pobres y ricos que acabó con todo como si fuera un enemigo, derrochándolo, y puesto que él mismos se dio cuenta de que había quemado y había arrebatado todo sin interrupción, trató de conseguir muy injustamente la benevolencia de algunos y permitió con su consentimiento que fuesen arrebatados a Santiago, patrón nuestro, la tierra que en nuestra lengua se llama Montaos y el castillo de San Jorge y una parte de la parroquia de Cordario. Al morir éste y tras recibir en matrimonio el muy venerable conde don Raimundo a la muy augusta hija del católico rey don Alfonso, Arias Diaz fue nombrado merino de esta tierra. Éste, que era una persona cruel, llevado por sus ardientes deseos, con mente sedienta y por la fuerza robó y destruyó todo lo que pudo robar y arrebatar, por lo que tanto los poderosos como los débiles permanecieron oprimidos poe el intolerable peso de gran aflicción en medio de la más profunda congoja hasta su muerte.18
16 E ainda segundo Reilly existem fotocópias de documentos que relatam a sua presença apenas em 1090. Além disso a demora entre a chegada de Raimundo de Borgonha o seu casamento com o Urraca se dá provavelmente devido a lei canônica que estabelecia como idade mínima para o casório doze anos. 17 REILLY, Bernard F. The Kingdom of León-Castilla under Queen Urraca, 1109-1126. Princeton: Princeton University Press, 1982.p. 13 18 HC, Libro I, cap.III, p.78-79.
45
É também nesse momento que o personagem principal da HC aparece pela primeira
vez, quando é nomeado pelo conde borgonhês para ser administrador da diocese de Santiago
de Compostela. Os elogios são vários pela escolha de Raimundo, ele é caracterizado como
“hombre distinguido y capaz”19 que “compadaciéndose”20 dos monges locais tenta implantar
essa nova administração, mas não sem antes consultar os outros quatro bispos: Pedro de Lugo,
Gonzalo de Mondoñedo, Auderico de Tuy e Pedro de Orense.
E mais uma vez como parte dessa guerra diplomática travada entre o poder local de
Alfonso VI e o poder clerical do papa, percebemos o movimento estratégico de Alfonso que
ao nomear seu genro como conde local ele estabelece mais um poder que irá corroborar com a
decisão de alçar Gelmírez a condição de administrador compostelano.
Essa passagem de ordenação de Gelmírez é interessante porque até então ele não havia
sido citado em momento algum na documentação. Portanto, é nesse momento que é feita a
referência sob o tempo em que passou na corte de Alfonso VI. Nesse sentido podemos notar a
utilização de um recurso narrativo explicativo por parte do cronista. Pois ao anexar a biografia
de Gelmírez a sua primeira citação o escritor criva a trajetória do personagem
automaticamente ao seu nome e passado, ao mesmo tempo em que explica a sua importância
e o traz a tona como o personagem principal dessa trama.
E utilizando-se do habitual exagero, muito comum em gestas e outros tipos de poemas
e narrativas medievais, a documentação nos apresenta um clamor da nobreza compostelana,
pedindo para que o conde elegesse finalmente Diego Gelmírez como administrador da
diocese:
llegaron los príncipes de toda Galicia a presencia de don Raimundo y delante de él le pidieron con grandes ruegos y unánimemente a un clérigo de nombre Diego Gelmírez, varón honesto e de gran discreción, cuyo padre recordaban que había gobernado Iria y la provincia vecina, es decir, la zona comprendida entre los ríos Ulla y Tambre, com admirable discernimiento y suma moderación durante muchos años. Condescendiendo de corazón a la petición de estos el venerable conde puso al frente de toda la tierra y el señorio del reverendísimo apóstol Santiago a don Diego, canónigo da iglesia de santiago al que retenía consigo en la curia rodeado de honores como canciller y secretario suyo con autorización y licencia de todos los canónigos. Don Diego, iluminado por recta intención y ayudado por el prudente consejo de nobles varones, empezó con gran esfuerzo a restaurar lo destruido, conservar lo restaurado y mejorar lo conservado.21
Podemos muito bem problematizar toda essa carga dramática proposta pela HC, o
cronista vai passo a passo apresentando informações sobre a vida anterior de Gelmírez, e a
19 Idem, p.79. 20 Idem. 21 HC, Libro I, cap.IV, p.80.
46
apresentação do seu histórico logo após a sua nomeação funciona como um reforço que indica
a relevância do seu nome, podendo ser até tomado como uma escolha provável não só por
integrar a Sé compostelana como também por pertencer ao séquito de Raimundo de
Borgonha, algo que nos é lembrado ao fim do capítulo.
O que mais impressiona, entretanto, foi a construção que é feita da figura de Gelmírez
pelo cronista, ele não era só um varão honesto e de grande discrição, ele era filho do homem
que havia governado anteriormente essa província durante muitos anos, logo, nesse momento
começa a se construir um sentimento de merecimento que beira a hereditariedade. Como filho
daquele que antes havia governado o local, portanto era obvio que ele fosse o mais indicado,
quase que de forma sucessória por aqueles que também pertenciam a nobreza.
Além disso, nesse momento aparece uma característica bastante atribuída a Diego
Gelmírez, o homem construtor, aquele que con gran esfuerzo a restaurar lo destruido,
conservar lo restaurado y mejorar lo conservado.22 Essa característica é muito ligada à figura
de Gelmírez, muito pelo que é feito por ele através da sua atuação em Santiago, de forma
recorrente a característica de grande construtor lhe é atribuída.
Porém, esse primeiro período na administração compostelana durou apenas um ano,
posteriormente munido do apoio do papa e também da família real, Dalmacio, um monge
cluniacense de origem francesa, foi nomeado em substituição a Gelmírez de maneira
estratégica por Alfonso VI, que visava aplacar uma possível tensão existente com o papa
Urbano II devido à expulsão de Diego Peláez no concílio de Husillos. Vemos mais uma vez o
rei Alfonso VI agindo diplomaticamente, corroborando com a indicação papal.
No entanto, Dalmacio está longe de ser apenas um bispo de transição. É sob o seu
episcopado que Santiago torna-se independente da diocese de Iria dando assim o primeiro
passo para as ações que Gelmírez tomaria no futuro a fim de construir uma supremacia local
para Compostela.
Após os dois anos a frente da diocese compostelana, Dalmácio falece em 1096. Nesse
momento Diego Gelmírez é nomeado vigário e assume pela segunda vez a administração de
Santiago, dessa vez ele fica por volta de quatro anos a frente da Sé antes de ser nomeado
finalmente bispo. Porém, terá complicações maiores dessa vez, porque disputará
politicamente com Diego Peláez, que livre do cárcere imposto pelo rei Alfonso VI, recorrerá
ao papa a fim de obter de novo o comando de Compostela:
Así pues, el mencionado obispo don Diego Peláez, liberado ya de la prisión del rey, al escuchar que el santísimo obispo Dalmacio había pagado su deuda
22 Idem.
47
a la naturaleza y que otro gobernaba temporalmente todo el señorio, no con la dignidad pontificial sino como vicario, se dirigió a Roma con impetuoso apresuramiento y allí se quejó con inoportunos gritos de que él había perdido injustamente la dignidad pontificial y que había sido objeto de violencia. De manera que sucedió que después de la muerte de don Dalmacio esta iglesia, en medio de diversas angustias, permaneció con este asunto sin resolver durante cuatro años. Durante estos cuatro años don Diego Gelmírez gobernó como vicario todo el señorio de esta iglesia con el consejo común y el asentimiento de los buenos.23
Portanto, como é possível observar, Diego Peláez estava disposto a lutar por
Compostela e viu na vacância da convocatória papal a sua chance de voltar ao posto de bispo,
pois se não havia ainda um bispo em Santiago e tendo em vista que a decisão de seu
afastamento havia sido perpetrada por Alfonso VI sem o apoio papal, existia então a
possibilidade real de Peláez recuperar seu título e senhorio.
Mas ao saber da ida e da provável intenção de Peláez, o rei reuniu uma comitiva
disposta a esclarecer para o papa o ocorrido, ele então uniu diplomatas e clérigos do seu
séquito:
Finalmente por inspiracíon de la divina piedad e consejo de la providencia para el bien común, el excelentísimo rey Alfonso quiso que fueran determinadas las causas de este asunto, que se llevaban con tan dilatado aplazamiento y envió a Roma sus emisarios junto con clérigos de esta iglesia para divulgar y exponer sus razones contra el mismo Diego Peláez, que aún devolvía injustamente las calumnias hechas contra él.24
Ao chegar, a comitiva do rei deparou-se com a notícia de que o papa Urbano II havia
falecido e que o novo papa já havia sido escolhido, este seria Pascual II, que antes havia
atendido pelo nome de Raniero e havia sido um monge cluniacense que desenvolveu
atividades como legado papal em território castelhano-leonês.
Assim, o campo de atuação para os diplomatas do rei Alfonso VI estava completo para
o seu triunfo. Muito provavelmente o rei conhecia Pascual II anteriormente, devido as suas
atividades como legado, ou que ao menos ele estava a par de toda a situação que se
desenrolava em terras ibéricas, algo que a própria documentação deixa transparecer ao afirmar
que ele “conocía de forma muy precisa toda esta disenión y las dificuldades de la iglesia de
Santiago”.25
Deste modo, para os emissários essa troca quase que imediata de papa favoreceu e
muito a “delegação alfonsina” que conseguiu que o papa desse como encerrada a disputa de
Peláez pelo comando da Sé compostelana, caçando qualquer direito que ele tivesse 23 HC, Libro I, cap.VII, p. 83. 24HC, Libro I, cap.VII, p.83 25 idem.
48
anteriormente e pudesse reclamar e, por fim, favorecendo a nomeação de Gelmírez, primeiro
com sua nomeação a subdiácono.
Podemos observar que nesse momento a permanência de Peláez, não representava só
uma luta por quem iria exercer influência sob Compostela, mas esse conflito estava também
impregnado com toda uma carga opositora ao reinado de Alfonso na Galícia. Lembremos que
o ex-bispo compostelano integrava a rebelião junto com outros nobres locais revoltosos, e que
o mesmo fora deposto em um concílio laico convocado pelo próprio rei e aprovado por um
legado papal que estava afastado das suas funções. Percebemos que mesmo não existindo luta
armada, ainda era possível observar uma obstinação ferrenha na disputa de poder local, uma
verdadeira guerra onde a diplomacia era a arma que mais estava sendo utilizada por aqueles
que estavam envolvidos no conflito.
Como podemos perceber, o poder real é bastante presente na trajetória de Santiago de
Compostela e isso se torna mais palpável à medida que alguém que fazia parte do ambiente
monárquico assume a administração da diocese, nesse caso a figura de Diego Gelmírez acaba
sendo crucial por aproximar o poder real da Igreja e de alguma forma de afastar a sombra da
antiga rebelião contra Alfonso da qual Diego Peláez fez parte.
A nomeação de Gelmírez como subdiácono acaba sendo um passo importante para a
sua ordenação como bispo e a HC mais uma vez nos fala da aprovação real e, principalmente,
papal:
Pascual, obispo y siervo de los siervos de Dios, a toda la iglesia de Santiago, salud y bendición apostólica. Hemos recibido con nuestra paterna benignidad a Diego, canónigo de vuestra iglesia, que venía a nostros en lugar de su señor, al cual remitimos a vuestra caridad, una vez ordenado como subdiácono en el serno de la sede apostólica. Establecemos que no sea apartado por ningún genero de querella, ni queremos que sea molestado por causas precedentes anteriores a este tempo, para que más adelante con la ayuda del Señor pueda ser promovido en su momento a las sagradas órdenes. En Roma por mano de Juan, diácono cardenal y bibliotecario, a 18 de marzo.26
Percebemos que o apoio do papa Pascual II ao bispado e o comum acordo dos aliados
de Gelmírez foram fortes o suficiente pra suprimir os opositores a sua candidatura,
principalmente enquanto contava com um aliado poderoso como o conde Raimundo. Richard
Fletcher traz uma abordagem bastante importante principalmente no tocante a aprovação
papal de Gelmírez:
When Paschal II's letter of 29 December 1099 reached the clergy of Compostela, Diego had already left -- for Rome. He had gone there on
26 HC, Libro I, cap.VIII, p.85-86.
49
pilgrimage (orationis gratia), we are told, but it is difficult to believe that his journey had no other motive. This suspicion deepens when we learn that at the papal curia he very probably met Guy, the archbishop of Vienne. Now Guy was the brother of count Raymond of Galicia. What more natural than that Raymond's client should have solicited the interest wielded by his patron's brother, a churchman of outstanding renown who was later to become pope as Calixtus II, on his own behalf at the curia? We should bear in mind too that as a result of the papal privilege acquired by Dalmatius in 1095 the pope's concern with the Compostela election was an intimate one; for thenceforward the bishops of Compostela were to be 'subject to none except the metropolitan bishop of Rome... as special suffragans of the Roman see'. Certainly Diego succeeded in impressing the pope. Paschal ordained him subdeacon and sent him back with a letter to the canons of Compostela (18 March 1100) telling them with a characteristically scrupulous regard for the rights of electors that he regarded Diego as a fit person to be promoted to holy orders (ad sacros ordines). Perhaps Diego would have liked the pope to have gone further. Nevertheless, the letter of 18 March came pretty close to being a directive to the electors.27
Assim, segundo, Fletcher a suposta viagem feita por Gelmírez não teve qualquer
sentido religioso, muito provavelmente ele estaria antecipando um contato com aqueles que o
avaliariam para o seu possível bispado e aproveitando-se também da influência que Raimundo
de Borgonha possuía junto ao seu irmão Guy de Vienne, que mais tarde se tornaria Calixto II,
o mesmo que apoiaria a ascensão do então bispo compostelano a arcebispo.
Deste modo, podemos ver que Diego Gelmírez, ainda subdiácono, já contava com o
apoio de Guy de Vienne e do próprio papa Pascual II, além do apoio da família real galega e
castelhano-leonesa. Percebemos que quanto mais figuras vão se envolvendo nessas disputas
onde a arma principal é o conflito diplomático, mais o pesso da influência vai pendendo para
o lado de Gelmírez, nesse sentido podemos dizer que a ação da família real e a influência do
conde Raimundo foram imprescindíveis para que o compostelano conseguisse alçar a
condição de Bispo.
Porém, o que torna as coisas mais intrigantes em sua ascensão é o atraso em seu
reconhecimento, mesmo que no capítulo VIII do Livro I os autores falem em adiantamento. A
carta papal que confirma a eleição de Gelmírez é datada provavelmente de Julho de 1100,
todavia ele só é consagrado em 1101, cerca de dez meses depois a confirmação da sua eleição.
Fletcher analisa essa situação da seguinte forma:
Diego was not consecrated as bishop until the following Easter Day, 21 April 1101. Why was his consecration delayed for nearly ten months? By the terms of the privilege of 1095, reinforced by the papal letters of 1099, future bishops-elect of Compostela were to be consecrated by the pope alone. However, Diego did not wish to travel through the kingdom of Aragon for
27 FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult:The Life and Times of Diego Gelmírezof Santiago de Compostela. New york: Claredon Press, Oxford University press, 1984. p.109-110.
50
fear of the ex-bishop Diego Peláez and his supporters (propinqui). He therefore besought the king to write to the pope with the request that Diego might be consecrated in the kingdom of León-Castile (apud nos). The king's letter was conveyed to the papal curia by two canons of Compostela, Hugo (later bishop of Porto) and Vincent. It was evidently supported by a letter from three Galician bishops -- Pedro of Lugo, Alfonso of Tuy, and Gonzalo of Mondoñedo -- and the clergy of Compostela. Paschal II proved agreeable. In letters of 14 October 1100 he announced to the Galician clergy and the king that he had instructed bishop Godfrey of Maguelonne, in southern France, to go to Spain to consecrate Diego; or, if he could not do it, the ceremony was to be performed by bishop García of Burgos. Having received these letters the two canons set out on the return journey. But then disaster struck. They fell seriously ill. Vincent died, and Hugo was laid up sick for a long time. When no word came back to Compostela, further letters from king and clergy were sent to the pope, carried on this occasion by Nuño Alfonso (the author, as we have seen, of this section of the Historia) and Munio Gelmírez, the bishop-elect's brother. Paschal II's replies, renewing his permission, were issued on 25 March 1101. The envoys retraced their steps. In the meantime Hugo had recovered and made his way back to Spain, presumably picking up the bishop of Maguelonne on the way. It was at Godfrey's hands, doubtless assisted by the Galician bishops, that Diego Gelmírez received his consecration on 21 April 1101. His long episcopate had begun.28
Logo entendemos que ao conceder o bispado a Gelmírez, o papa Pascual II promoveu
uma ação de “quebra de protocolo”, permitindo a consagração sem a sua presença, além disso,
mais uma vez observamos a atuação da realeza a favor do bispo compostelano e também do
próprio papa, que escreve cartas a todos aqueles que eram prováveis avaliadores do futuro
bispo.
Essas cartas denotam três coisas: a primeira delas é, sem dúvida alguma, o apoio do
mesmo a eleição de Diego Gelmírez, coisa já falada anteriormente, mas que vale a pena ser
reafirmada para salientar como ocorre em todo o processo; a segunda é a consonância entre o
papa e a família real – tanto da Galícia quanto de Castela e Leão – em prol de um objetivo em
comum. Gelmírez era uma figura chave nesse sentido pelo apoio recebido em ambas a frentes
e, por último, mas não menos importante, o teor das cartas enviadas pelo papa Pascual II não
deixa dúvidas: em momento algum ele demonstra a oportunidade para rejeição do candidato a
bispo e quer que suas palavras sejam seguidas a risca.
Durante todo o processo ele envia várias cartas. As primeiras são datadas de 14 de
Outubro de 1100. Uma delas diz respeito à petição feita por Alfonso VI para que Gelmírez
fosse ordenado em território espanhol, visto que o território Aragonês fazia fronteira com a
saída terrestre da Península Ibérica. Isso constituía uma possível tentativa de retaliação ainda
28 Idem. p.112-113
51
era possível por parte de Diego Pelaéz que integrava a corte aragonesa nesse momento.
Temendo o pior, uma petição foi enviada para que o bispo de Santiago fosse eleito em terras
Ibéricas.
Em uma segunda carta apresentada, o papa mantém contato com os bispos de Lugo,
Tuy e Modoñedo,29 o que nos leva defender que ele já havia aceitado a petição e já estava
entrando em contato com aqueles que conheciam o candidato para deixá-los cientes não só
dessa condição distinta de aprovação, já que a independência de Compostela conseguida por
Dalmácio ainda não livrava a Sé dos direitos que o papa possuía na consagração dos bispos.
Sendo assim, essa carta visa não só entrar em contato com os prováveis avaliadores como
também mostrar que o próprio bispo de Roma estava ciente e apoiava não só essa decisão,
como também o próprio candidato.
Toda essa política interna e influência não só papal quanto real, leva Gelmírez a
finalmente ser consagrado, mesmo com existência de uma enorme tensão dentro e fora de
Compostela. Ele consegue a consagração na Páscoa, mais precisamente, em 21 de abril de
1101.
Mesmo munido de toda uma narrativa ainda é muito difícil precisar detalhes da eleição
de Gelmírez como Bispo. Existe um vácuo documental muito grande sobre a situação que
levaria Pascual II a compactuar com a decisão de Alfonso VI em manter Gelmírez como
mandante em Compostela.
Porém, mesmo com esse vácuo documental a rede de relações presente durante todo o
momento de guerra diplomática faz com que possamos levantar a hipótese de que os laços
familiares foram de extrema importância para esse decisão. Lembremos que Alfonso VI era
casado com Constanza da Borgonha, tia de Raimundo de Borgonha e também de Guy de
Vienne, irmão do conde Raimundo. Portanto devido a essa rede de relações o candidato
apoiado pelo rei muito provavelmente teria uma força considerável para consagrar-se bispo. E
foi dessa rede de relações que Gelmírez se beneficiou.
Mas cabe lembrarmos que Pascual II havia tido diversos problemas com Alfonso VI
anteriormente, principalmente no tocante a tentativa forçada junto a Ricardo de Marselha de
caçar de uma vez por todas os direitos episcopais de Pelaez. Mas ao que parece a atuação
episcopal de Pascual não se deu de forma a barrar os pedidos do monarca castelhano-leonês,
mas sim a concordar com eles.
29 HC, Libro I, cap.IX, p.87.
52
Nesse sentido é possível observar algo que, a meu ver, abre um pouco esses
horizontes. Podemos tomar como iniciativa a finalidade proposta pelo plano papal não só na
Península Ibérica, como demonstra muito bem Rust:
[...] O papa e seu séquito de colaboradores estavam atentos ao surgimento de uma ocasião favorável para se livrar destes poderosos mediadores laicos e estabelecer contatos diretos com novos aliados que fossem, preferencialmente, lideranças eclesiásticas. Os limites impostos à participação da Igreja Romana nos assuntos eclesiais anglo-normandos e sicilianos chocavam-se com a lógica instauradora das relações políticas papais: a necessidade de levar adiante o processo de dilatação dos domínios decisórios do poder pontifício. As ações de Ricardo feriam esta lógica ao colocar em risco a capacidade da Cúria apostólica de articula redes de aliados ideais. Ele deveria ser desautorizado. 30
Como percebemos, a ações de Ricardo fizeram com que o feitio do plano romano
mudasse. Nesse sentido viu-se uma saída na colaboração com os poderes laicos locais, ao
invés da iniciativa de suplantá-los em favor de um poder eclesiástico.
Portanto para nós a iniciativa de Pascual em manter uma boa relação com Alfonso é
justamente benéfica, pois aproxima o poder papal dessa autoridade laica proeminente.
Principalmente quando a autoridade local cede o monastério de São Servando, que estaria
ligado à cúria romana, junto com o tributo por manter Ricardo de Marselha como responsável
pelo local. Assim, vemos que, apesar de ter desafiado a autoridade papal, Alfonso VI
encontrava-se em bons termos com a mesma, não só por ter cedido o monastério, mas por
também se encontra como uma opção favorável a Roma no momento.
2.3 – Diego Gelmirez, Urraca I e Alfonso I de Aragão: Entre acordos e conflitos
A partir de agora analisamos de que forma Diego Gelmírez, depois de ser eleito e
consagrado bispo de Santiago de Compostela, participa de forma mais intensa da conflituosa
relação político-militar que envolvia as diversas famílias na Galícia, que após a morte do
soberano Alfonso VI tentam desligar-se de mãos castelhano-leonesas por julgar Urraca I
como inapta e preferir alçar ao trono seu filho, ainda infante, Alfonso Raimúndez.
Ao mesmo tempo, nesse quadro de tensões, temos o reino de Castela-Leão, que tenta
lidar a todo o momento com a sucessão da sua própria soberana, que por sua vez enfrenta toda
a situação de conflito com táticas distintas das usuais, jogando com aliados e inimigos em
ambos os lados, e assim alimentando assim certa rivalidade que muitas vezes causa problemas
nas fronteiras dos territórios da Península Ibérica.
30 RUST. Op. Cit. p. 220.
53
E por fim, Aragão, onde o seu monarca de tendências expansionistas tenta casar com
Urraca para conseguir unir os reinos Ibéricos sob seu estandarte. Por não obter sucesso no
matrimonio usa de suas tropas para atacar as fronteiras e castelos pouco guarnecidos,
avançando aos poucos e forçando os outros reinos fazer alianças pouco usuais para o
momento.
Para tal, detivemos em nossa análise no Livro I da HC, mais precisamente nos
capítulos XXIV, XXIX, XXXIII, XXXV, XXXIX, XLVI, do XLVIII até o LXIX, do LXXI
até o XC e por fim do CII até o CXVI, esse recorte foi feito tendo como base o já referido
objetivo do tópico em abordar a atuação de Diego Gelmírez em meio aos conflitos que
ocorriam na Península Ibérica.
A HC nos apresenta uma série de situações nas quais Gelmírez se envolve de maneira
contundente em conflitos armados, sejam na condição de intermediário entre as duas partes de
um conflito, como mediador dos seus interesses perante o senhorio de Compostela ou até na
defesa do reino da Galícia, resguardando o direito de governo do rei ainda menino Alfonso
Raimúndez ou Alfonso VII, que havia sido coroado pelo próprio Gelmírez ainda em 1111.
Além desse posicionamento político como mediador, é possível também observar a
participação de Gelmírez na reunião das tropas galegas, pois o mesmo contava com uma
enorme influência na corte local, sendo que em muitas ocasiões a própria Urraca pleiteava ao
bispo compostelano a participação das tropas da Galícia e quando a própria rainha não
solicitava, ele mesmo se incumbia da tarefa de reunir exércitos para conseguir com que seus
esforços fossem atendidos.
Um dos primeiros conflitos mediados por Gelmírez, na ocasião em que ainda era
bispo de Santiago de Compostela, foi a disputa pela coroa dos reinos da Galícia, Castela e
Leão após a morte de Alfonso VI, onde em uma imensa contenda sobre quem deveria de fato
reinar foi iniciada e dois grupos duelaram pelo poder.
O primeiro era capitaneado por Urraca I que se casara com Alfonso I de Aragão em
busca de apoio político e militar para governar Castela e Leão. Porém, ao fazer isso ela causa
a revolta dos nobres da Galícia, pois em seu leito de morte o rei Alfonso VI, teria dado o reino
galego a seu neto Alfonso Raimúndez, caso a sua mãe voltasse a se casar.31
Assim, em defesa do reinado do infante, filho de Raimundo da Borgonha, Pedro
Fróilaz, o conde de Traba e tutor do menino, passou a lutar pelo reconhecimento do príncipe
como herdeiro legítimo do trono da Galícia e que, portanto, deveria ser coroado.
31 HC, Libro I, cap.XLVI, p.152-154
54
Porém, a suposta aceitação total de Urraca I e a justificativa de que o levante fora
realizado apenas pela realização do casamento e a não concordância dos pares da Galícia com
o mesmo, acaba não sendo uma justificativa tão plausível. Segundo Fletcher, existe algo que é
mais forte perante tudo isso e que pode ser notado na relação entre a HC e a própria rainha
Urraca I ou a representação feita da mesma:
The authors of the Historia Compostellana did not like queen Urraca. In the first place, she was a woman, and there was widespread belief that women should not and could not exercise political power. Secondly, and as we have already seen, the political situation at the time of Alfonso VI's death was unusually menacing. The problems which Urraca faced were formidable, and though they were not of her own making she tended to be blamed for them. Her predicament had something in common with that of queen Melisende in the kingdom of Jerusalem after 1131, or of Matilda the empress in England after 1135. A comparative study of these three queens would be illuminating, but this is not the place for it. Urraca was by no means devoid of the qualities of rulership. She was loyal to the memory of her father; sensible in her choice of advisers; capable of decisive action; shrewd and hard in negotiation; brave and resourceful in facing the changed responsibilities of Spanish monarchy in the early twelfth century. Yet we have to work hard to find evidence of these qualities. The hostility of the Historia - and of other contemporary sources - renders it difficult to get close to the queen and to arrive at a balanced assessment of her reign. Urraca has had a bad press from nearly every historian from her own day until our own.32
Assim, é possível supor a resistência enfrentada por ela, não só em seu próprio reino,
como também naqueles que eram reinos aliados, como foi o caso da própria Galícia,
principalmente, pelo fato de ser mulher. Uma mulher que desejava o poder e queria ser rainha
a todo custo, como de fato o foi durante os anos de 1109 até 1126.
É então nesse momento de tensionamento entre os galegos e a rainha que Diego
Gelmírez é procurado por Fróilaz para fazer parte de uma aliança que unia todos os nobres da
Galícia com o intuito de obter a coroação do menino Alfonso Raimúndez como rei.
Aqui é possível visualizar um plano claro vindo do conde de Traba, pois como o
mentor da criança delegado pelo falecido Raimundo de Borgonha ele teria todo o direito de
reger o território galego enquanto o seu rei ainda fosse infante. O interessante dessa situação é
que o cronista parte do princípio de que o único que poderia governar a Galícia era o herdeiro
do conde Raimundo e assim coloca-se contra a rainha.
Porém, mais adiante veremos a mesma documentação apoiando a rainha no momento
em que a mesma desiste do casamento, sendo assim, a fonte busca induzir ao leitor que aquele
apoiado por ela é de fato o regente legítimo.
32 FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult:The Life and Times of Diego Gelmírezof Santiago de Compostela. New york: Claredon Press, Oxford University press, 1984. p.129.
55
Com o intuito de organizar o levante, Fróilaz reúne os nobres galegos em uma
irmandade, sob a justificativa de proteger os interesses da Galícia e o do seu monarca. Logo
depois eles nomeiam o bispo Diego Gelmírez como líder dessa irmandade, nomeação essa
que trouxe grandes ganhos para Gelmírez, pois essa aliança traria o apoio da Igreja de
Santiago de Compostela que tinha, além do direito de cunhar moeda,33 bens (como casas e
vilas), terras e que por sua vez agora detinha o apoio militar dos condes galegos a sua
disposição.
É interessante perceber também como mais uma vez o bispo de Compostela estava
envolvido em um levante contra o monarca castelhano-leonês, a exemplo do que havia
acontecido anteriormente com Diego Pelaéz e Alfonso VI. Também é possível observar como
a figura de Gelmírez vai formando laços militares mais fortes a partir desse momento. Como
vimos, o bispo compostelano torna-se líder de uma irmandade laica de senhores locais que
buscam uma outra alternativa de poder diferente da submissão ao reinado de Urraca I.
Deste modo, a irmandade passou a buscar a anulação do casamento de Urraca I e a
conseguem em 1110 como é possível ler na carta do papa Pascual II34 ao bispo Diego
Gelmírez:
Pascual, obispo, siervo de los siervos de Dios, al venerable hermano Diego, obispo de Compostela, salud y bendición apostólica. Para esto dios omnipotente decidió ponerte al frente de su pueblo, para que corrijas sus pecados y anuncies la voluntad del Señor,...Así pues, según la facultad que se ha consedido por voluntad divina, procura corregir con el castigo adecuado tan gran crimen de incesto que ha sido cometido por la hija del rey, para que desista de tan gran osadía o se vea privada de la participación en la Iglesia y del poder temporal.35
A impopularidade do monarca aragonês também foi, algo a ser considerado nesse
contexto como é citado por Fletcher:
Urraca's marriage to Alfonso el Batallador of Aragon was short-lived. Even before it took place it had aroused the opposition of her brother-in-law count Henry of Portugal. Soon after it had been celebrated the greatest magnate in Galicia, count Pedro Froílaz de Traba, came out against it. It was condemned by the bishops, led by Bernardo of Toledo, on the grounds of consanguinity, and they were upheld by the pope. The king of Aragon made himself unpopular in León-Castile. The royal couple may have been temperamentally unsuited to one another; and they failed to produce any children. By the autumn of 1112 king and queen had parted. Three consequences followed from the confused events of these years.The king of Aragon had gained control of much of eastern Castile: the queen wished to
33 Direito este outorgado ainda no governo de Alfonso VI. 34 Também é interessante notar como essas redes de relação se estendiam para além da Península ibérica, pois o até então arcebispo Guido de Viena (que mais tarde tornar-se-ia Calixto II) era irmão de Raimundo de Borgonha e, portanto tio de Alfonso Raimúndez, sendo assim é possível que o mesmo tenha apoiado essa coalizão. 35 HC, Libro I, cap. XLVII, p.155-156.
56
recover these territories, the king to retain them; the issue could be decided only by war.36
Vimos aqui mais uma vez a diplomacia sendo utilizada como ferramenta dentro do
contexto de guerra. Como observamos, a primeira abordagem utilizada pela irmandade foi
procurar em meio aos seus aliados algum tipo de respaldo que fosse o suficiente para frustrar
os planos da rainha, antes mesmo de qualquer tipo de combate viesse a acontecer, e assim eles
optaram por entrar em contato com o papa. Além disso, é interessante notar que muito
provavelmente a mesma rede de influências que fora utilizada para alçar Gelmírez a condição
de bispo, fora mais uma vez acessada para tentar anular o casamento da rainha.
A partir desse momento a situação do casamento de Urraca I passa a ser insustentável,
não só pela ameaça de excomunhão como também pela ameaça de revogação do seu poder
monárquico, ou seja, ela não poderia mais reinar, deixando tudo nas mãos do seu filho. Sendo
assim, era de se esperar a sua desistência do casamento. Porém, ao saber da participação do
seu cunhado Enrique de Borgonha e da sua irmã Teresa na aliança feita pelos galegos, ela
volta a se reconciliar com Alfonso I de Aragão, este ultimo passa a atacar a Galícia buscando
conter o levante proposto por Pedro Fróilaz.
Esse foi um dos maiores momentos de tensão interna entre os reinos da Península
Ibérica. Para Diego Gelmírez foi momento de reclusão forçada, pois ele e o infante Alfonso
Raimúndez ficaram a mercê de Arias Pérez (que inclusive chegou a integrar a aliança feita
pelos condes da Galícia) como prisioneiros, mas ao ficar sem nenhum apoio, Pérez não vê
alternativa a não ser trocar tanto o príncipe quanto o bispo pela própria liberdade.
Depois de solto, Gelmírez retorna a Santiago e tenta uma aproximação com Urraca
utilizando-se da influência que Fernando García possuía junto a rainha para conseguir o apoio
da mesma para enfim obter o reconhecimento de Alfonso Raimúndez como herdeiro legítimo
não só do reino da Galícia como também de Castela e Leão. Assim, é por meio de cartas37 que
Urraca fala do seu descontentamento com o a situação e decide então apoiar a proclamação de
seu filho como rei da Galícia.
Aqui vemos uma mudança enorme nos planos dos galegos, mas ainda assim favorável
ao seu plano original de manter a Galícia como uma espécie de reino independente, ou ao
menos com a regência própria. O passo para trás dado por Urraca no casamento proporcionou
36 Fletcher, p.130. 37 Aqui na verdade existe uma situação interessante e dúbia quanto a documentação, pois no capítulo 63 da HC o autor chega a falar de um discurso e não de cartas, dando a entender um possível encontro, porém nos capítulos 64 e 65 nos são apresentadas cartas tanto de Urraca quanto de Fernando García como se ambos houvessem se correspondido e não conversado.
57
a manutenção dos seus poderes e o reconhecimento de Alfonso Raimúndez como regente da
Galícia propiciou para a mesma um certo poder de barganha, pois a todo momento a ameaça
tanto do casamento quanto de uma invasão perpetrada por Aragão nesse momento eram
iminentes e ambos os reinos teriam que lidar com ela.
A situação da rainha não era a das melhores nesse momento, ela estava à mercê de
Alfonso I de Aragão que poderia tomar Castela e Leão e encarcerá-la para governar sozinho
os três reinos e, por outro lado, caso ela continuasse casada com ele, Pedro Fróilaz e Diego
Gelmírez já tinham todo o pretexto que precisavam para coroar Alfonso Raimúndez e também
usar o garoto como pivô da disputa dos reinos de Castela e Leão. Ou seja, Urraca desistindo
do casamento ainda seria rainha de Castela e Leão, mas ao fazer isso perderia todo o apoio do
seu então marido, tornando a situação pior quando reconheceu o seu filho como o seu
sucessor direto, aproximando-se assim dos seus antigos inimigos. E foi justamente a decisão
que ela tomou.
Com este quadro, percebemos não só toda a problemática local que envolvia a
sucessão do reino como, também, e mais importante para nós nesse trabalho, a atuação de
Gelmírez que pende entre duas vertentes: ora como mediador do conflito, buscando apaziguar
as pessoas para que uma ação ou um plano mais elaborado fosse desenvolvido, ora como
parte integrante de um plano maior, pois ao passo que ele adquire a liderança impetrada pelos
próprios nobres da Galícia, passa então a ser uma chave política importante, a figura dele
então torna-se visivelmente dúbia, pois o cargo eclesiástico dele nunca deixou de existir,
porém ele passa à figurar como uma importante liderança militar galega, a qual muitas vezes
se faz necessária para garantir a própria organização dos nobres.
Após a coroação do rei Alfonso Raimúndez, foi decidido em comum acordo a entrega
do jovem rei para a sua mãe, porém, durante o caminho a tropa decidiu reconquistar a cidade
de Lugo que havia sido submetida ao julgo do reino aragonês, a conquista ocorre, mas não
sem retaliação e é a partir daí que acontece a primeira grande batalha na qual Gelmírez
participa, a batalha de Viadangos.
O palco da batalha local encontrava-se entre Astorga e Leão. As forças dos nobres
galegos eram pífias frente às tropas comandadas por Alfonso I, muito numerosas38 e bem
posicionadas estrategicamente, pois os batedores do exército aragonês já acompanhavam os
38 Cabe aqui verificar que a enorme diferença entre os números - cerca de trezentos contra quase dois mil soldados entre cavaleiros e infantaria - apresentados no capítulo 68 podem ter sido apenas uma justificativa para a derrota dos nobres da Galícia.
58
nobres da Galícia desde o dia anterior a batalha dando-lhes condições para atacar ainda ao
amanhecer.
Na batalha existiram duas grandes perdas, primeiro a captura do conde de Traba,
Pedro Fróilaz e, segundo, a morte de Fernando García, primo da rainha Urraca I. Sabendo da
vitória inimiga, Gelmírez ainda consegue fugir da batalha de posse da criança indo até castelo
de Orcéllon entregar a criança para a mãe e depois refugiar-se em Astorga tratando dos
feridos e tentando reorganizar todos para voltar até a Galícia. Chegando a Santiago, mais uma
vez ele reúne os nobres restantes para fazer um novo juramento de defesa a rainha e seu filho:
Así pues, convocó el bispo a todos los proceres de Galícia y les obligó por medio de firme y seguro juramento a que dieran muestras de fidelidad y servicio a la reina y su hijo y así devolvió la tranquilidad y paz a Galicia.39
Aqui também podemos notar a figura de autoridade representada pelo bispo, que agora
sem a presença do Conde Fróilaz tornava-se uma das pessoas mais influentes na Galícia,
assumindo nesse momento uma função prática na guerra, pois é partir dele que os exércitos se
organizam para a batalha, é possível ver essa ação na retomada da fortaleza de Lobeira que
havia sido dada por Arias Perez como pagamento em troca do infante Alfonso. O exército, a
rainha e Gelmírez levantam um cerco contra a fortaleza, mas rapidamente Arias se rende,
após sua captura outros que haviam se colocado contra a rainha também se renderam e foram
feitos prisioneiros em suas masmorras.
Cabe a nós frisar que tal vitória fora importantíssima, justamente pelo momento
incerto que a instável aliança entre Gelmírez e Urraca sofria, como afirma Fletcher:
The accord with queen Urraca reached in 1111, and its gradual erosion, make up the thread which will enable us to follow the labyrinthine politics of the next six years. The immediate results of the accord are clear. It gave Urraca the opportunity of tapping Galician resources in men and money for the coming war with Aragon. It effectively forestalled any intervention in Galicia nominally on behalf of Alfonso Raimúndez by the count and countess of Portugal. It strengthened Traba power in Galicia. It provided Diego with the chance to insert Compostelan clerks into the royal chancery, with all the possibilities for exerting influence that this implied. It gave Diego access to royal aid in suppressing Galician trouble-makers: one of its first fruits was the siege and capture of Arias Pérez at Lobeira in April 1112.40
Embora não tenha havido batalha nessa ocasião, Gelmírez estava em todas as reuniões
militares traçando estratégias e a par dos planos, que seria o de atacar após a Páscoa:
Ella, tras haber celebrado rápidamente concejo con el pontífice y otros nobles, acertadamente decidió q después de celebrar solemnemente la pascua
39 HC, Libro I, cap. LXIX, p.177. 40 Fletcher, p.134
59
del señor saldrían todos juntos a echar por terra la soberbia y la perfidia de Arias. Así pues, al día siguiente de la pascua salió la reina junto con el pontífice y su ejército y puso sitio al traidor y soberbio Arias en Lobeira.41
Portanto, é possível sim afirmar que Gelmírez assumiu o comando da Galícia e na
ausência de Fróilaz acabou também se tornando uma peça chave não só na questão política
como também na militar, tendo voz, inclusive, nas decisões táticas e estratégicas a serem
empregadas. Isso somado ao fator diplomático que o mesmo possuía o coloca como uma
figura poderosa dentro do jogo político, além de sua influência sobre a rainha aumentar cada
vez mais à medida que os sucessos em batalha vão crescendo.
Vemos em Lobeira uma atuação definitivamente guerreira de Gelmírez, ele não só
arregimenta as tropas, como também atua na liderança dos homens, traça os planos de
retomada da fortaleza e além disso assume as funções de capelão militar e reza uma missa
para todos os integrantes do exército antes da batalha. Ele assume definitivamente o papel de
general das tropas galegas.
Além disso é possível ver a como a guerra é feita, como citamos no capítulo anterior,
vemos a aplicação da guerra indireta, quando os galegos utilizam-se do cerco para minar as
forças de Arias Perez até que este se renda e entregue o castelo.
Um exemplo pertinente de nota pode ser ilustrado pela ocasião em que ele lidou com
os rebeldes Pelayo Gundesteiz e Rabinado Muñiz, ambos condes de Galícia que se levantaram
contra a rainha junto com Arias Peréz, que havia sido prezo, mas foi liberado por ter feito um
juramento de seguir a rainha e apoiá-la. Os dois não cumpriram o juramento e reunindo um
exército começaram a saquear vilas e cidades na Galícia, forçando os que lá viviam a prestar
obediência a Alfonso I de Aragão, o rei que ambos apoiavam na contenda. Contudo, tal
insurreição não duraria muito, pois o próprio Diego Gelmírez reuniu um exército para
perseguir os dois condes:
Pero el mencionado obispo, después que supo que la feroz rabia de los traidores as había propagado, herido por un forte dolor, con audacia pero persuadido por una prudente decisión, reunió un grande ejército y se apresuró a atacarles a pesar de estar protegidos por una innumerable tropa de soldados, pues conocía que quien persigue a los malos por el hecho de ser lo, es ministro de Dios42
Nesse caso é possível observar que Gelmírez não só teve a autoridade militar de
arrebanhar um verdadeiro exército para expulsar aqueles que haviam se revoltando contra o
reinado de Urraca I e Alfonso Raimúndez como também teve poder político para desterrar os
41 HC, Libro I, cap. LXXII, p.180. 42 HC, Libro I, cap. LXXV, p.184.
60
nobres que se aliaram a Alfonso I e expulsá-los da Galícia, entretanto, a rainha pediu mais ao
bispo compostelano, ela queria que ele tomasse todos os castelos deles como uma lição pelo
levante que eles fizeram.
Como é possível ver na carta da rainha Urraca I enviada ao bispo Diego Gelmírez
transcrita pela HC:
La reina al reverendíssimo y santísimo don Diego, obispo de la iglesia de Santiago, salud. De qué manera por vuestro valor y vuestra prudencia habéis defendido el reino de Galicia y de qué manera habéis expulsado Pelayo Gundesteiz, a Rabinado Núñez, a Arias Pérez a los otros traidores de mi reino y del reino de mi hijo, el rey Alfonso, que ellos usurpaban, y de qué manera habéis restituido la paz y la tranquilidad, una vez expulsados los traidores de Galicia, cuantos y cuales males habéis sufrido por la defensa de mi reino desde que me separé de vos, se me ha dado a conocer a la vista de todos. Por lo omnipotente Dios y a Santiago y a vos doy las más sentidas gracias y al darlas me alegro por tan reverendo tutor. Por lo demás, ruego suplicantemente a vuestra clemencia y a vuestra prudencia com el mayor cuidado, imploro que vayáis a poner sitio al castillo de Puente Sampayo y de Darbo y a los otros son refugio de Pelayo Gudesteiz y de Rabinado Núñez y de los otros criminales. Y si, com la ayuda de Dios y la intercesión de Santiago, pudiérais expulsar a los enemigos de aquellos castillos y pudiérais tomarlos luchando, según parezca mejor a vuestra prudencia, retenedlos em vuestro poder o entregadlos a algunos de mis nobles para que los custodien fielmente em mi nombre y em el de mi hijo, el pequeño rey Alfonso. Cuidaos y , em cuanto pudiéreis, llevad a cabo lo dicho.43
Esse nos parece o pedido derradeiro que Gelmírez esperava para tratar de uma vez por
todas daqueles que haviam tencionado a revolta. Aos olhos do cronista isso serve como
comprovação de que ele gozava nesse momento de um poderio político militar enorme, além
de exercer influência não só na Galícia como também em Castela e Leão e, claro, sobre a
Rainha Urraca I, que inclusive como podemos ver na carta faz tal solicitação a Diego
Gelmírez como sendo tutor do rei menino. Porém, é bom sempre lembrar da fragilidade que
possuía a aliança montada entre os nobres galegos e rainha Urraca I, além de que rainha
estava agindo de forma muito inteligente ao usar o nome do próprio filho, rei dos galegos já
coroado, o que tornava a ordem mais forte pois ao não cumpri-la ele poderia estar
descumprindo uma ordem do direta do rei.
Sendo assim, fica evidente que ele já havia tomado completamente o lugar de Fróilaz,
não só como líder dos nobres da Galícia como também na categoria de tutor do rei Alfonso
Raimúndez, além disso, em sua carta, a rainha fala que o destino dos castelos seria decidido
pelo próprio Gelmírez, ele deveria dá-los a quem ele achasse digno de recebê-los.44 O bispo
43 HC, Libro I, cap. LXXV, p.184-185. 44 Esse fato pode ser conferido no Capítulo 75 da HC.
61
ainda teria a liberdade escolher aqueles que lhe apoiassem nesse aspecto, presenteando
pessoas da sua confiança. E foi exatamente o que ele fez. Reforçando suas redes de influência,
deu um dos castelos a seu irmão, Munio Gelmírez, e agindo como um verdadeiro senhor,
publicou um édito dizendo “ninguno que tuviera la edad apropiada y ánimo varonil dejara de
ir en la expedición”.45
Assim, para impor o cerco a Puente Sampayo e ao castelo de Darbo, os locais onde
estavam os nobres fugidos, ele mobilizou todas as tropas por ele conseguidas a pé a e cavalo e
distribuiu para o cerco as duas localidades, além de uma frota de navios que havia sido
organizada por ele anteriormente46 a fim de flanquear o território de Puente Sampayo, pois
este tinha as suas costas voltadas para o mar.
Essa foi a estratégia traçada por Gelmírez para tomar Puente Sampayo de assalto: ir
com uma companhia de soldados pela frente, por terra, e outra por trás, para impedir qualquer
tipo de fuga via mar. Porém, os revoltosos ao saber do ataque marítimo contrataram piratas
para tentar deter o ataque. Entretanto, tudo saiu perfeitamente como planejado por Gelmírez,
que acabou tomando a localidade. Ao saber da rendição de Puente Sampayo, Rabinado Nuñes
rendeu-se ao cerco em Darbo, completando a conquista dos territórios requisitados pela rainha
Urraca I.
Nesses capítulos da HC fica clara a organização militar da Galícia sob a égide de
Gelmírez que, semelhante a um general, exige de todos aqueles que prestaram juramento a
rainha, a obediência necessária para engajarem-se na batalha pelos interesses da mesma.
Nesse momento a cooperação com a coroa trouxe mais poder à Santiago, não só pela
influência que o bispo gozava com a rainha, como também o ganho por colocar seu irmão em
uma posição de confiança entre os nobres.
Vemos mais uma vez a tática de abordagem indireta, no cerco seguido da invasão,
tanto a Puente Sampayo quando ao Darbo. O primeiro teve a atenção do próprio Gelmírez que
estava presente acompanhando o desenrrolar da batalha, enquanto o segundo fora entregue a
"esperanza y confianza a los caballeros del bispo".47
Em Puente Sampayo, o bispo chega a utilizar de máquinas de cerco para tomar o
castelo, algo que segundo a documentação faz com que os revoltosos fiquem bastante
45 HC, Libro I, cap. LXXV, p.185. 46 A Galícia é um território que tem como sua fronteira oeste o mar, então tendo em vista os constates ataques que ocorriam na região por via marítima Gelmírez havia mandado construir uma armada para proteger a fronteira marítima do local. 47 HC, Libro I, cap. LXXVII, p.188.
62
abalados ao ponto que “pierden las esperanzas de poder resistirle”48 e entregam o castelo, o
mesmo acontece em Darbo, quando as notícias da vitória em Puente Sapayo se propagam os
inimigos não veem mais como resistir ao cerco e acabam por entregar o castelo aos homens
de Gelmírez.
Vemos assim mais uma vez o uso da tática de guerra indireta, enquanto a batalha em
Puente Sampayo era travado em duas vias: marítima e terrestre. No castelo de Darbo o cerco
continuava. Quando a notícia da derrota se abate sobre os inimigos que detinham Darbo a
moral já estava baixa o suficiente para que eles se rendessem e entregassem o castelo. Vemos
aqui como a tática é utilizada por Gelmírez visando não só evitar o mínimo de danos a um dos
castelos, como também evitar um grande número de baixas a suas tropas.
Após lidar com os inimigos da rainha os reinos da Galícia e Castela-Leão passam
então por um brevíssimo momento de paz trazido por uma nova reconciliação entre Urraca I e
Alfonso I de Aragão,49 porém esse último utilizou esse tempo para avançar suas tropas pela
fronteira do reino castelhano, preparando seu exército para o combate de maneira a escolher
um melhor posicionamento e antes mesmo de qualquer movimento dos exércitos da rainha,
ele começou a atacar diversas regiões ao sul do reino, principalmente na região da
Extremadura.50
Após esse ataque não tardou para que a rainha Urraca viesse a convocar Gelmírez e os
nobres galegos mais uma vez para lutar ao seu lado. O interessante nesse é ponto a narrativa
tecida pelo cronista acerca das tropas de Castela:
Pero los castellanos, aterrados al oír el nombre de los aragoneses no podían defenderse ni a si mismos ni a sus cosas y rehusaban esforzarse para los tumultos del combate. Y puesto que los he mencionado, no paso por alto su cobardía militar.51
E mais uma vez, devido a covardias das tropas de Castela, a rainha não possui
alternativa, segundo o cronista, a não ser convocar os nobres galegos para apoiar na luta
contra o monarca aragonês. Aqui é oportuno notar que, assim como em várias outras partes na
documentação, a maneira que a HC concentra aqueles provenientes da Galícia na figura de
Diego Gelmírez. Isso faz com que os leitores pensem em uma notável proeminência deste
mediante aos outros nobres galegos.
48 HC, Libro I, cap. LXXVII, p.188. 49 Isso acontece aos fins de 1112, cerca de apenas dois meses até o fim do ano. 50 Notar aqui que Extremadura compreendia um conceito mais amplo que unia todos os territórios de fronteira dos cristãos. 51 HC, Libro I, cap. LXXXIII, p.200.
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Além disso, nos faz minimizar a importância das tropas de Castela-Leão dando a
entender que Gelmírez era única opção de Urraca, pois ela havia perdido importantes cidades
com a ofensiva aragonesa e o único apoio que ela possuía era de fato o da Galícia e ainda
assim por conta do seu filho Alfonso Raimúndez. Como é possível ver nesse momento que ela
envia uma carta pedindo mais uma vez a ajuda do bispo:
Venerabilísimo padre, dígnese vuestra santidad, tras reunir un grupo de soldados, venir en expedición y exortar y amonestar a todoslos próceres de Galicia, para que se apresuren rápidamente a socorrerme a mi e a mi hijo, el rey Alfonso. Pues el tirano aragonés destruye gravemente mi reino, y no hay quien pueda resistir a su fuerza. Por tanto, anime vuestra paternidad a los gallegos a que vengan rápidamente a la guerra, y no obliguéis sólo los cónsules, a las personas importantes y a otros caballeros de Galicia a venir en expedicíon, sino que, reunido el ejército de vuestros soldados, no dejéis en modo alguno de venir con ellos. Pues si aquel impío, antes que Galícia me envíe sus soldados, puede abastecer los castillos de dinero, armas y otras cosas necesarias, después de nada servirá la llegada de éstos y al año siguiente no podrían obligar a rendirse a los castillos mediante el asedio.52
Com isso podemos observar que a situação de Castela não era das melhores, com seus
castelos nas mãos do rei aragonês, a rapidez do ataque deveria ser enorme, pois caso Alfonso
I conseguisse capturar Alfonso Raimúndez, ele poderia muito bem conseguir o controle
também sobre a Galícia ou exigir um vultoso resgate pelo rei infante.
Diante desta situação, Gelmírez convoca os nobres da Galícia e parte em maio de 1113
para Burgos, onde castelo da região estava de posse de tropas aragonesas. Chegando ao local
levantaram o cerco e ali permaneceram até a notícia da chegada do exército de Alfonso I.
Tentando adiantar a formação, o exército da Galícia unido aos de Castela, quebra o cerco para
defender a posição, porém o combate propriamente dito não aconteceu, pois o exército
aragonês recuou. Vemos aqui mais uma vez a recusa da batalha em campo aberto, pois como
vimos em nosso primeiro capítulo, a batalha campal trazia muito mais malefícios a ambos os
lados com a enorme perda de vidas.
Assim, firmou-se um acordo entre os que ocupavam o castelo de Burgos e o exército
da rainha: caso o reforço vindo do exército aragonês não chegasse em quinze dias, eles
devolveriam a fortificação e se renderiam a tropa de Urraca, o que ao final acabou
acontecendo, pois o reforço não conseguiu chegar a tempo. Depois do ocorrido, o exército de
Gelmírez avançou também pelas cidades de Campos e os territórios de Extremadura,
retomando o que havia sido conquistado anteriormente pelas fileiras do Batalhador.
52 HC, Libro I, cap. LXXXIII, p.202-203.
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Nesse momento após a perda de territórios, Alfonso I tenta mais uma vez uma
reconciliação com Urraca I, propondo novamente um casamento entre ambos. Como uma
maneira de aplacar as contendas existentes e enviou emissários até a corte de Castela para
tratar do assunto. Porém, eles não contavam com a presença de Diego Gelmírez no local. O
bispo compostelano foi o primeiro a se opor ao pedido de casamento e de maneira veemente
ameaça não só os diplomatas aragoneses, como também os de Castela que concordassem com
a proposta, criando uma situação insustentável no local e forçando a retirada do bispo e das
suas tropas.
Isso não só foi uma afronta à rainha frente aos seus súditos como também foi uma
expressão da defesa dos interesses do próprio Gelmírez, e porque não dizer de todos os nobres
da Galícia, que com esse casamento também teriam que obedecer aos desígnios não só da
rainha Urraca I como também do rei Alfonso I. Coisa completamente diferente da situação na
qual estavam, pois na qualidade de tutor do rei ainda menino, a liberdade não só dos nobres
galegos como também do bispo era maior.
Para Fletcher toda essa disputa de poder interno só se intensifica:
The peace which was finally made at Sahagún in October 1116 between the queen and the partisans of her son is reported at length but somewhat vaguely in the pages of the Historia Compostellana. Given the authors' habit of saying as little as possible about Diego's reverses, there is some ground for suspecting that the peace of Sahagún was a triumph for the queen. It was evidently regarded as an important settlement, the first such since the death of Alfonso VI to offer any hope of lasting concord. It was to run in the first instance for three years. Its most far-reaching provision was for the division of the kingdom between mother and son. The experiment of joint rule had not worked; Alfonso Raimúndez was to be given an independent authority. Gerald of Beauvais, the author of this part of the Historia, is oddly reluctant to tell us any details about the partition. Some historians have supposed that it was now, in 1116, that Alfonso Raimúndez was given a kingdom of Galicia. But had this been so Gerald would certainly have told us. In any case, in the spring of that year queen Urraca had so successfully outmanúuvred the faction which wanted precisely this that it is inconceivable that she should have conceded it during the summer. Furthermore, Urraca's dealings with Galicia during the next three years leave one in no doubt as to her continuing authority there. Alfonso Raimúndez did indeed get independent authority as a result of the negotiations at Sahagún, but altogether elsewhere, in the area referred to by contemporaries as Extrematura, i.e. beyond the river Duero, in the Toledo region. This was a master-stroke on Urraca's part, and it explains the rueful silence of the Historia. For the first time Alfonso Raimúndez was detached from his Galician supporters. His new mentor would be the archbishop of Toledo -- Diego's most dangerous ecclesiastical rival -- and his new entourage would be Castilian. Diego Gelmírez and the Trabas had lost the contest for custody of the young king.53
53 Fletcher, p. 142-143.
65
Com esse crescimento do poder na figura de Diego Gelmírez não é de se espantar o
fato da rainha posteriormente querer retirar do mesmo o senhorio de Santiago, porém, ele fora
avisado da trama pelo conde Fróilaz. Desta forma, o bispo reuniu não só seus soldados como
também espalhou por todo o senhorio a notícia da traição da rainha, trazendo o apoio de uma
parcela dos nobres para si, assim só restava a Urraca nesse momento desistir do plano e
reforçar a aliança com Gelmírez.
Isso foi apenas o início de um levante contra Gelmírez, o seu poder já incomodava
bastante alguns membros da corte, principalmente aqueles que já achavam que era hora do rei
assumir de fato o trono da Galícia. Como já havia sido dito, a tutoria de Gelmírez e Fróilaz
era a única coisa que os colocava frente das decisões do reino, o garoto aos poucos se tornava
rapaz e era chegada a hora dele assumir o trono e de fato o seu reino.
Junto a isso podemos adicionar o descontentamento do conselho de Santiago que era
composto pelas agremiações de ofícios diversas como o grêmio de artesões e construtores,
esse grupo já alimentava um descontentamento com a política senhorial de controle das
agremiações e das atividades por elas desenvolvidas, e no século XII, como vimos,
Compostela se encontra em um período de transformações diversas e segundo José Barreiro
Somoza:
En el espacio de dos o tres garaciones los ciudadanos de Compostela asisten a uma verdadera eclosión urbanística y a uma notable reativación económica, em cuyo proceso de transformación participan de um modo activo y directo, pues sobre ellos recae el cometido diario de construir u llenar de vida su propria ciudad, lo que los hace muy sensibles par la percepción de las oscilaciones de la coyuntura histórica que hace de este lugar um centro privilegiado de la actividad mercantil. Em este espacio de tiempo, los bispos de compostela y de um modo especial, Diego Gelmírez, favorecem com su política la acelaración de dicho proceso. Estos son, en efecto, los promotores del desarrollo urbano, se preocupan ante el poder real y condal paea la obtención de privilegios y extenciones para el conjunto de los ciudadanos, además de estatutos particulares para aquellos sectores más dinámicos de esta burguesia; pero, al mismo tiempo, retienen e incluso perfeccionan sus sistema de control señorial de la ciudad y de todas sus instituiciones urbanas, de modo que el protagonismo de la burguesia em la construcción de la misma no se corresponde com um adecuado nivel de participación em el obierno de la cidad.54
A concentração excessiva do poder na mão do bispo compostelano, fez com que as
agremiações descontentes começassem a tramar contra Gelmírez. Com essa situação instável
não tardou para Gelmírez enfrentar um levante comunal, que o obrigou a fugir de
Compostela. Ele foi procurar refúgio e ajuda junto à rainha, para conter os ânimos dos
54 BARREIRO SOMOZA, José. El Senhorio de la Iglesia de Santiago de Compostela siglos (IX-XIII). La Coruña : Diputación Provincial. Imprenta Provincial,1986.
66
revoltosos, foram necessárias praticamente todas as tropas não só da Galícia como também as
de Castela para aplacar tamanha revolta.
Santiago foi cercada pelas tropas por praticamente todos os lados:
El hijo de la reina, Alfonso, puso cerco a Compostela por la parte del monte Pedroso con un gran ejército de infantería y caballería, acompañado de su ayo, el conde Pedro, y sus hijos Fernando, Bermudo, Rodrigo y sus cuñados el conde Gutierre, Gómez Núñez y otros próceres. Por la parte de Iria puso sitio el obispo con un gran ejército de caballeros y con un infinito número de soldados a pie. Por la parte de Pico Sacro asedió la ciudad el conde Alfonso con el ejército de los de Limia, acompañado de los de Castela, los de Deza y otros Muchos. Por la parte del monasterio de San Pedro puso sitio el conde Munio con todo su ejército. Y por la parte de Penelas puso cerco a la ciudad el conde Rodrigo y los de Lugo con un gran ejército.55
Era impensável perder Compostela, não só pela posição e pelo que ela significava
dentro do contexto dos reinos da Galícia, Castela e Leão, mas também pela quantidade de
investimentos ali feitos pelo próprio Gelmírez. Não podemos esquecer a quantidade que foi
gasta em navios de guerra e no próprio comércio, da concessão para a criação de moedas,
como também das obrigações feudais estabelecidas pelo mesmo, além do imenso lucro gerado
pela localidade.
Não demorou muito para que os compostelanos desistissem do levante. Gelmírez junto
de outros nobres conseguiu mediar à situação propondo uma punição mais branda que a
proposta por Urraca: seria desfeita a irmandade e entregue todos os seus escritos, cada
membro se comprometeria a pagar mil e cem marcos de prata, além de devolver tudo que
havia sido tomado do bispo e da rainha, os líderes da revolta seriam expulsos e teriam seus
bens confiscados. A HC fala que dentre todos os envolvidos foram proscritos cerca de cem
pessoas que apoiaram a revolta.
2.4 - A jornada rumo ao arcebispado
Como será possível verificar, o momento em que Diego Gelmírez consegue alçar a
posição de arcebispo acontece enquanto ainda estão sendo resolvidos os assuntos ocorridos no
tópico anterior, porém preferimos analisar separadamente respeitando a ordem que a própria
HC nos apresenta os fatos, sendo que ele é tratado devidamente em detalhes apenas nos
primeiros capítulos do livro II.
A principal alegação, ou pelo menos a inicial, presente na HC referente ao porque
Compostela deveria ser elevada a arcebispado, é o fato da mesma possuir em seu território o
55 HC, Libro I, cap. CXVI, p.286-287
67
corpo de um santo enterrado, como é possível ler nesta passagem do documento:
“Consideraba que en todo lugar de la tierra donde descansaba el cuerpo de algún apóstol, allí
existía o el papado o un patriarcado o al un arzobispado, excepto en la iglesia de Santiago”.56
Munido dessa afirmação, inclusive citando o parentesco de Santiago de Compostela
com Jesus Cristo,57 era considerado “casi ultrajante e injurioso”58 que a sede compostelana
fosse ainda um “simples” bispado, tendo em sua posse uma tão importante relíquia.
Porém, a história da consagração correspondente a trajetória de Compostela, começa
com Dalmácio que já pretendia o arcebispado para si, mas é apenas com Gelmírez e seu
esforço para conseguir o pálio que o projeto de tornar Santiago de Compostela arcebispado se
consolida.
E foi nessa ocasião que o papa Pascual II mostrou-se favorável e confirmou que
levaria em conta a petição enviada pelo bispo compostelano, como é possível observar:
Ciertamente es digno, queridíssimo hermano, tu proyecto. Es noble y digna de ser escuchada tu petición, si Dios nos concede ocasión y lugar. Pues es justo que la iglesia de Santiago sea honrada con el arzobispado o con una dignidad mayor.59
Entretanto, parecia que apenas o papa era favorável a esse desejo, pois os restantes dos
cardeais romanos foram contra essa decisão:
Hasta la ahora la iglesia compostelana ha sido una iglesia soberbia y arrogante con nosotros, hasta ahora ha visto a iglesia romana no como su señora, sino como a una igual y estuvo a su servicio en contra de su voluntad. Sin embargo, puesto que este obispo nos muestra tanta humildad y tanta sumisión, ya que la humildad todo lo vence, si perseverase en su humildad y en su sumisión, en adelante podrá alcanzar su deseo con nuestro consentimiento.60
Segundo Giraldo, o cronista responsável pelo segundo livro da HC, fica claro o
sentimento por trás da ação feita pelos cardeais barrando a ascensão de Santiago de
Compostela. Ele vê nessa ação uma expressão do medo do poderio de Compostela sentido
pelo Colégio de cardeais, em Roma. Para ele o Colégio tinha medo que a proeminência da
diocese compostelana sobre a Península Ibérica pudesse se espalhar, pois a mesma também
56HC, Libro II, cap. III, p. 300-301. 57 Essa parte é bastante interessante, pois o próprio cronista chega a confundir Santiago o Menor, com o Santiago o Maior, esse ultimo o conhecido Santiago de Compostela. Mas segundo Emma Falque esse tipo de confusão era comum no medievo onde os dois Santiagos eram confundidos a todo momento. Embora seja possível também traçar um parentesco entre Santiago o Maior e Jesus já que em algumas versões da bíblia ele era filho da irmã de Maria mãe do próprio Jesus, portanto ambos seriam primos. 58HC, Libro II, cap. III,. p.301. 59HC, Libro II, cap. III,. p.301. 60HC, Libro II, cap. III,.p.302.
68
possuía como relíquia um apóstolo, tal qual a romana e isso poderia acabar dividindo a Igreja
em dois papados.
Somado a isso também temos a figura de Gelmírez, que era de fato intimidadora. Em
pouco tempo ele havia conseguido ter êxito em suas empreitadas de maneira assustadora. A
sede compostelana tinha mais bens que outrora já teve: possuía terras, cavaleiros, casas,
relíquias e tinha colocado sob a sua égide outras igrejas menores, como é possível observar
em grande parte das suas ações narradas em todo o livro I da HC. Então a figura de Gelmírez
era sim algo a se temer pela sua proeminência e liderança local.
Entretanto, a situação se agrava ainda mais com a morte de Pascual II aos fins do ano
de 1118, pois Gelmírez tinha na figura do papa um importante aliado, que já o havia apoiado,
por exemplo, com a carta de excomunhão da rainha Urraca I e em todo o processo de
sucessão da Galícia. Com a perda desse importante aliado, o objetivo de fazer de Compostela
um arcebispado torna-se ainda mais difícil, principalmente, quando Gelásio II assume o posto
de papa.
Ao ser eleito, Gelásio II mantém uma relação próxima com o prelado compostelano. A
essa altura, ele já sabia dos pormenores dos planos de Gelmírez para Compostela, pois o
mesmo havia estado numa posição muito próxima ao papa Pascual II e, além do fato de que o
cardeal Pedro Díaz e o tesoureiro Pedro Anáyaz, ambos integravam o corpo clerical de
Santiago de Compostela, foram tratar do assunto com Gelásio II para saber da possibilidade
de receber o apoio deste para a petição de Gelmírez.
A resposta de Gelásio é perfeita na ocasião, ele disse saber da pretensão de
Compostela e achava que aquela era a hora mais apropriada para tal ação, levando em
consideração o levante do arcebispo de Braga, Mauricio Burdin, por apoiar o rei Enrique V
que havia sido excomungado pelo papa.
Assim ele enviou uma carta à Gelmírez mostrando a sua preocupação com a situação:
Gelasio, obispo, siervo de los siervos de Dios, al venerable hermano Diego, obispo de Compostela, salud y benedicíon apostólica. Aunque ocupados en más graves asuntos, no podemos olvidar nuestro antiguo afecto y amistad. Así pues, por la presente carta nos dirigimos a tu fraternidad rogándote y aconsejándote que recuerdes a la iglesia romana, agobiada por muchas cosas y fatigada por muchas discordias y que le ayudes con la debida caridad tanto en sus necesidades como en las nuestras. Encomendamos a tu benevolencia a nuestros comunes hijos, el cardenal Pedro y el tesorero Pedro, para que por nuestro amor de queridos los tengas por más queridos. En Ferentino a 16 de junio61
61HC, Libro II, cap. III, p.303.
69
Como é possível verificar, Gelásio recorre à Gelmírez como forma de apoio. Então
com o bispo compostelano começa a trabalhar em uma forma de atender os interesses papais.
Assim ele se mostraria disposto a trabalhar pela Igreja e tirando de alguma forma Mauricio
Burdin do caminho, ele poderia finalmente conseguir o seu título de arcebispo, que poderia
ser transladado de Braga para Compostela, culminando com cumprimento dos seus objetivos.
Gelmírez passa a preparar uma comitiva que seria encarregada de encontrar-se com o
papa. Para decidir quem mandaria, ele presidiu um conselho com todos os cônegos de
Compostela e desta maneira foi decidido que os encarregados da comitiva seriam Pedro, prior
de Santiago, e sobrinho de Gelmírez, e Pedro, cardeal de São Felix.
Porém, parecia que tudo daria errado com esta viagem, os perigos eram demasiados,
os peregrinos tinham que passar por território aragonês e corriam o risco enorme de serem
presos pelos soldados de Alfonso I, o Batalhador ou pegos por bandidos. E segundo a HC,
ladrões locais de Aragão acabaram roubando todo ouro e pertences dos clérigos, inclusive as
vestes e montarias.
Eles libertaram Pedro de São Felix, mas ficaram com Pedro, sobrinho de Diego
Gelmírez, como refém, visto que poderia adquirir uma soma vultosa como resgate. O cardeal
de São Felix ainda tentou conseguir a ajuda de Alfonso I, porém este nada fez para interceder.
Percebendo que dificilmente conseguiria qualquer tipo de ajuda externa o cardeal atravessou
os Pirineus e foi até Manguelone, na França, com o intuito de encontrar com o papa, que
havia se dirigido para lá, pois o mesmo estava enfrentando problemas com Enrique V que o
ameaçava caso não mudasse de lado e apoiasse o seu reinado suspendendo a excomunhão.
Podemos observar nesse momento de que forma o bispo de Compostela trabalhava
para conseguir cumprir o objetivo de tornar-se arcebispo, trabalhando em conjunto com a
Igreja de Roma com o intuito de conseguir seu apoio. E não só isso, percebemos também
como a diplomacia é uma arma de guerra mesmo entre os membros do clero.
Posteriormente essa aliança leva a intervenção de Deusedit, cardeal pontifício romano,
que interfere de forma cabal em prol de Gelmírez, que com sua ajuda é convocado para o
concílio Auvernia que graças a morte do papa acaba cancelado.
A morte do papa, que poderia ser um revés para Gelmírez, torna-se a oportunidade de
ouro, pois o sucessor de Gelásio II foi nada menos que Calixto II, tio de Alfonso VII e irmão
de Raimundo de Borgonha.
Essa mudança foi crucial para os planos do bispo compostelano, fazendo com que o
seu objetivo se tornasse mais palpável, porém ele ainda teria que interferir no relacionamento
entre Calixto e Poncio, o abade de Cluny. Pois como o próprio Giraldo faz questão de
70
mencionar, essa inimizade entre o papa e o abade poderia dificultar a ascensão de
Compostela:
También era un inconveniente para nuestra petición que no existía una amistad demasiado firme entre el papa Calixto y Poncio, abad de Cluny, en cuyas manos estaba la mayor parte de los asuntos de nuestra iglesia.62
Essa situação era bastante desanimadora, pois segundo o próprio papa comenta com
Giraldo, em sua última viagem para vê-lo, seria impossível fazer o translado do arcebispado
de Braga até Compostela sem a autorização de outras sedes mais importantes, entre elas
justamente a de Cluny. Portanto Gelmírez faz questão de apaziguar a tensão existente entre
Poncio e Calixto II.
Então de uma ação bastante interessante, ao que parece, por meio de Hugo, bispo do
Porto, que anteriormente tinha sido arquidiácono em Compostela, ele acaba por interceder em
favor de Gelmírez, primeiramente quando encontrou em Cluny o papa, que havia ido resolver
por si mesmo essa questão.
Quando chegou no local, Hugo não demorou para falar com o papa que junto do abade
de Cluny, finalmente conversaram sobre o arcebispado e assim concordaram em ceder o
arcebispado de Mérida para Compostela e além disso ela também teria mando sobre Braga,
portanto a negociação havia saído melhor do que o previsto para Gelmírez, que finalmente
conseguiu tornar-se arcebispo.
Podemos afirmar que não foi fácil para o bispo compostelano Diego Gelmírez
conseguir tornar-se arcebispo, foi necessário muito trabalho, contatos e muita diplomacia
dentro da política eclesiástica. Porém, algo tem nos intrigado no decorrer da documentação
vem das informações que constam tanto no capítulo XI como no XIII do Segundo Livro da
História Compostelana, e as menções a somas de dinheiro entregues à Cluny por meio do
papa.
A primeira passagem no fim do capítulo XI diz o seguinte:
Después que el papa calixto puso en nuestro conocimiento estas y otras cosas, para no volvernos sin cumplimentarlo, le dimos veinte onzas de oro y encomendamos al abad de Cluny al arca de oro con los citados morabetinos y lo demás para que lo guardara. Despues de esto, regressamos, tras recibir la seguiente carta del papa Calixto.63
E por fim a segunda passagem que se encontra ao final do capítulo XIII:
Después llegó el obispo hasta Cluny y allí encontró al papa Calixto, le entregó las cartas del referido obispo de Compostela y añadió además en
62 HC, Libro II, cap. X. p.317. 63HC, Introducción, traducción, notas y índices de Emma Falque Rey. Madrid: Akal, 1994. Libro II, cap. XIII. p.319.
71
público y en secreto lo que era conveniente que se añadiera. También entregó al referido abad de Cluny las cartas e contraseñas que eran necesarias. Ciertamente era preciso que el abad de Cluny supiera que el obispo de Oporto, Hugo, era el enviado del obispo de Santiago y le entregara el dinero que le habíamos encomendado para que lo guardara. Y así se hizo.64
As perguntas que nós nos fizemos ao depararmo-nos com essas passagens foram as
seguintes: O que Gelmírez queria entregando dinheiro para que o abade Cluny guardasse? Era
uma prática comum entregar dinheiro para que outro pudesse preservar e depois fosse
possível retomar? Teria sido apenas uma precaução para que o dinheiro não se perdesse nos
perigos da viagem? Ou ainda mais, como esse dinheiro foi aparecer nas mãos da delegação
compostelana justamente quando eles foram encontrar Calixto II, que logo depois se
prontificou a ir pessoalmente até Cluny tratar com o abade?
E o mais interessante é como o cronista dá um teor extremamente trivial a toda essa
movimentação de dinheiro, como se fosse comum. Porém analisando toda a situação fica clara
a ação do bispo compostelano: Gelmírez ativamente comprou o apoio não só do papa como
também de Cluny.
As somas de dinheiro tinham o propósito de fazer-se dobrar a vontade não só do papa,
como também daqueles outros que eram responsáveis pela aprovação da diocese a
arcebispado. Olhando dessa maneira fica claro que Diego Gelmírez comprou o a vacante
posição de Mérida e, além disso, consegue para si os domínios de Braga, tudo com o dinheiro
compostelano.
2.5 - Conclusão do capítulo
Podemos chegar à conclusão que nos capítulos da HC abordados é possível enxergar
algumas características político militares do bispo Diego Gelmírez e o mais interessante é que
tudo isso se intensifica a partir do momento em que ele é chamado pelo conde Fróilaz a se
envolver na situação de sucessão de Alfonso Raimúndez, antes disso, ele era ocupado apenas
em seus assuntos enquanto bispo de Santiago de Compostela, mas a partir da convocação do
conde ele passa cada vez mais a envolver-se nos assuntos do reino.
Longe, porém, de ser uma figura singular, não é apenas em Gelmírez que encontramos
casos de clérigos envolvendo-se em guerras, contudo, é interessante a forma com que ele
consegue junto a Pedro Fróilaz criar uma situação de desconforto para os reinos, assumindo a
proteção da Galícia e de um monarca ainda infante e junto a isso arregimentar aliados e
64Idem. p.324.
72
controlar todo o exército de um reino. No caso de Gelmírez, mais especificamente, vemos um
clérigo que é eleito pelos próprios nobres locais como um líder, inclusive possuindo
autoridade suficiente para convocar os mesmos para batalhas a pedido da rainha.
A figura de Gelmírez assume uma dupla função então, enquanto bispo e arcebispo de
Santiago de Compostela, responsável desde o seu início pelo senhorio no qual Compostela
figurava, como um guia espiritual de uma comunidade, função original que o clericato
desempenha, e junto a essa assumir outra função: a do guerreiro, que no caso aqui poderia ser
chamado até de general.
Essa função guerreira de Diego Gelmírez se apresenta em dois aspectos distintos, o
primeiro enquanto mediador de conflitos, seja como um apaziguador da situação, como foi no
começo da relação entre conde Fróilaz e a rainha Urraca I. Mas, ele também figurava como
um mediador que defendia os próprios interesses, nesse momento fica claro o marco divisor
entre essas duas funções, que começa justamente quando ele retorna do cativeiro, após o
primeiro levante de Arias Pérez. Aqui podemos identificar um Gelmírez mais inserido nas
relações da corte, principalmente quando Fróilaz é preso e ele precisa assumir o papel
desempenhado pelo conde, de tutor do rei Alfonso Raimúndez.
Dentro desse quesito é interessante também notar a situação conflituosa entre todas as
alianças. Em um ponto, temos a relação entre Gelmírez e Fróilaz, que vivem uma tensão
muito grande e uma disputa de poder interno na própria região da Galícia, pois as constantes
mudanças de opinião e apoio do clérigo, que hora apoia Urraca e hora apoia Fróilaz, não são
indicativos de que tudo está resolvido na coalizão galega.
Num segundo momento, podemos ver que a própria Urraca não tem confiança em
Gelmírez, e só recorre aos galegos quando não tem muitas opções de reagir frente as ameaças
do monarca Aragonês, essa situação de tensão vai aos poucos aplacando aos fins do reinado
de Urraca quando o compostelano passa a reconhecer o seu poder frente ao de Alfonso
Raimúndez, muito provavelmente devido a perda da tutoria do infante e prevendo alguma
maneira de ainda se relacionar de forma benéfica com a corte.
Porém, como veremos no próximo capítulo a relação entre Gelmírez e Alfonso VII,
que em um primeiro momento acontece de forma harmoniosa, aos poucos vai se deteriorando
ao ponto de ambos tornarem-se inimigos, com a ação do rei agindo de forma impiedosa com o
bispo, caçando direitos anteriormente conquistados e até apoiando uma revolta comunal
contra a Sé compostelana. Assim, presenciaremos como as relações da coroa com arcebispo
compostelano vão sendo corroídas pelo tempo e por outras influências na corte.
73
CAPÍTULO III
OS TENSIONAMENTOS DO PODER: DIEGO GELMÍREZ E O REINADO DE
ALFONSO VII
O objetivo central desse capítulo é analisar a atuação de Diego Gelmírez durante o
reinado de Alfonso VII, suas relações com os poderes locais e a sua trajetória no momento em
que muitos dos direitos que lhe foram concedidos anteriormente são caçados pelo novo rei.
3.1 – A ascensão de Alfonso VII e o início do seu reinado
A ascensão de Alfonso VII ao trono trata-se de uma mistura entre a influência
adquirida por ele nos anos finais do reinado de sua mãe, juntamente com a vacância
temporária do trono provocada pela morte da rainha. O início dessa trajetória, para Reilly,
começa com a invasão perpetrada por Alfonso I, o Batalhador, à região de Rioja e a tomada
do castelo em Haro, que estava sob controle de Diego Lopéz. Assim, o rei aragonês ganhou o
controle sobre uma parte da região leste de Castela.
Porém, é interessante voltar mais um pouco nosso olhar, mais precisamente, para
1121, ano do concílio presidido pelo legado papal Deusedit, em Valladolid. Esse momento,
segundo Reilly, é o início de uma aliança que visa a cooperação entre Urraca e Alfonso
Raimúndez, ponto importante para todo o desenvolvimento não só do fim do reinado desta
última, como também para o ponto de partida do governo do futuro Alfonso VII:
The largely passive character of the Aragonese occupation of eastern Castilla had few effects on events in León-Castilla during 1124. The Batallador's concerns in Aragón proper had none at all. In Urraca'srealm the year seems characterized chiefly by further development of the cooperation between mother and son first set in train in the late fall of 1121. Initially, the activities of the year found their focus in a council held at Valladolid and presided over by the papal legate, Cardinal Deusdedit.1
Outro ponto importante que deve ser salientado é a disputa episcopal existente nesse
momento entre os bispados de Toledo e Astorga, devido ao desejo que ambos os bispos
possuíam: trazer para o seu comando a Sé de Zamora. Contudo essa disputa era um
inconveniente para Urraca I, pois, desestabilizava suas zonas de apoio, uma vez que o clero
era um fator político primordial à manutenção das redes de influência para os monarcas
1REILLY, Bernard F. The Kingdom of León-Castilla under Queen Urraca, 1109-1126. Princeton: Princeton University Press, 1982. p.182-183
74
castelhanos desde Fernando I. Além desse conflito entre Bernardo de Toledo e Alo de
Astorga,2 devemos ressaltar a disputa que já se ensaiava entre a arquidiocese de Toledo e
diocese de Compostela, pois Gelmírez há bastante tempo desejava trazer o título de
arcebispado definitivamente de Mérida para sua Sé, tornando-se, desta maneira, uma
expressiva força que iria de encontro ao episcopado toledano.
Mas essa disputa que visava o controle de Zamora torna-se ainda maior à medida que,
com a morte de Bernardo de Zamora, ela passa a ser controlada por Astorga e, por sua vez,
esta última é sufragânea de Braga. Portanto, Braga passa a ter uma importância crucial nesse
cenário, pois quem obtivesse o domínio da diocese lusitana, estaria espalhando sua influência
também sobre Astorga e Zamora.
Gelmírez consegue para si o domínio das dioceses de Coimbra e Salamanca, que
foram declaradas como parte de Compostela por Calixto II. E para resolver o problema que
envolvia a sede de Braga foi convocado o concílio de Valladolid. Nesse sentido é interessante
observar como Gelmírez e os outros bispos e arcebispos locais tentam ganhar tempo para
desenvolver uma maior articulação política, pois, na primeira convocação do concílio apenas
o bispo de Orense se fez presente dentre todos os convocados.
Assim, mais uma vez, vemos a diplomacia agindo como uma arma, não só nas mãos
dos monarcas que tentam unir o seus aliados no episcopado, preocupados com uma
inconveniente disputa interna pelo poder, como também pelos próprios bispos, que
vislumbram no domínio de outros territórios episcopais a expansão da sua influência política.
As ausências em Valladolid deram a Gelmírez o tempo necessário para que o próprio
conseguisse convocar em Compostela um concílio no qual seriam discutidos e aprovados os
mesmos assuntos que também foram tratados em Valladolid, com um reforço ainda maior no
tópico que tratava da independência de Compostela da arquidiocese de Toledo. Esse concílio
teria acontecido por volta de 15 de Março de 1124. A única dúvida que paira sobre o assunto
é: Ele fora realmente realizado?
Segundo Reilly:
But did Archbishop Gelmírez actually hold the council contemplated? The "Historia Compostelana" says that he did, and the major authorities have accepted that assertion. The bishops of Astorga, Mondoñedo, Ávila, Lugo, Salamanca, and Túyare said to have been present, along with Alfonso Raimúndez and almost all the magnates of Galicia. The source does not say what they did but does claim that the archbishop of Braga and the bishop of Coimbra were condemned afterward for nonattendance.
2 Também grafado como Alón Gramático ou Alo Asturicensi em latim.
75
The major reason for doubting that the council of March 15 was in fact held is that yet another council was held at Compostela on April 20, 1124. It was attended by the bishops of Astorga, Mondoñedo, Lugo, Salamanca, Zamora, Oporto, and Túy. Three days later, on the advice of the council, Bishop Jimeno was consecrated to the see of Burgos, but our source states that this was not the reason for holding the council.3
Ainda sobre o concílio, podemos citar o fato que no dia 20 de Abril de 1124, foi
realizado outro concílio, que dentre as pautas discutidas contavam os mesmos temas
relacionados a Valladolid, além do decreto de paz de deus que foi sancionado na mesma data
e a consagração de Jimeno, bispo de Burgos.
Reilly entende o concílio de 15 de março como um pequeno mal-entendido do cronista
que provavelmente havia confundido as datas das reuniões. Porém, isso não explica as farpas
trocadas entre Bernardo de Toledo e Gelmírez por meio de cartas na ocasião. Com isso eu
levanto duas hipóteses: ou as cartas são referentes a um desdobramento do concílio de 20 de
Abril ou de alguma forma Gelmírez tentou provocar uma reação no arcebispo de Toledo ao
anunciar o concílio quase um mês antes da sua realização de fato.
Como desdobramento disso nós temos uma Compostela fortalecida perante o ocorrido,
garantindo a permanente transferência do arcebispado de Mérida para a sede compostelana, o
reforço de que Salamanca e Coimbra ficariam sob a sua égide e, para, além disso, mostrou
como influência exercida por essa Sé se estende dentro do âmbito regional da Península
Ibérica para a Cúria romana.
Mas, esse episódio não foi de todo mal para Bernardo de Toledo, que ainda manteve
seu privilégio sobre a Sé zamorana. O curioso é que toda essa movimentação entre arcebispos
e bispos foi, a todo momento, mediada por Urraca e seu filho Alfonso Raimúndez, marcando
a coalizão entre os dois nesse momento. Porém, até quando dura esse apoio mútuo?
Para a HC, ao que parece, essa coalizão entre a rainha e seu filho já era algo fadado a
um previsível fracasso, tanto que em vias da cerimônia de armamento de Alfonso Raimúndez,
que fora realizada em Compostela por Diego Gelmírez, Urraca I não se fez presente. Para o
cronista fica clara uma discórdia entre ambos:
Casi por este tiempo, muerto el arzobispo de Toledo don Bernardo, con quien el señor compostelano había tenido un duro y largo conflicto en relación a la exaltación de su iglesia, el rey Alfonso y su madre la reina Urraca, habían estado separados durante mucho tiempo, intervención del proprio compostelano y de sus amigos.4
3REILLY, op. cit. p.186. 4HC, Libro II, cap. LXXIII, p. 446
76
Como é possível perceber, para a HC havia um desentendimento entre a rainha e seu
filho, porém, até que ponto essa informação é verídica? Ao que me parece, existe uma
tendência da documentação a forçar um descontentamento entre ambos e não só isso, a todo
momento referências de brigas e desentendimentos entre a rainha e seu filho ocorrem, porém
o que mais me chama atenção é o fato de que a HC passa a chamar Alfonso Raimúndez de rei,
como é o caso do início da carta que é transcrita no capítulo LXXIII:
Carta del rey y la reina al señor compostelano Alfonso y doña Urraca, por la gracia de Dios rey y reina de España, al queridísimo don Diego, arzobispo compostelano y legado de la santa iglesia romana: vivir en Cristo.5
Assim, observamos na HC uma tendência a já impor a posição de rei a Alfonso
Raimúndez, igualando-o a sua mãe. Alguns podem tomar essa atitude como um momento de
transição entre os dois, mas, segundo Reilly, afirmar isso é fazer conjecturas sem precisão,
porém ele mesmo parece um tanto convencido sobre a hipótese:
To conclude from this evidence that Urraca had retired from active governance of the realm in favor of her son would be unwarranted, however. Only three charters of Alfonso Raimúndez are known for this year. On April 6, 1124 he apparently issued a fuero to Santa Olalla, in the territory of Toledo. On November 1, 1124 he made a donation to the see of Sigüenza confirmed by Bernard of Toledo and the bishops of Segovia, Osma, Zamora, and Palencia, by Count Fernando Fernández, husband of Urraca's half sister, the Infanta Elvira, and by a Count Bertran, probably Bertran of Carrión, the cousin of Alfonso of Aragón. Urraca does not confirm. For late December there is notice of a donation of her son to the church of Segovia. Four other of his charters sometimes attributed to this year are either forgeries or misdated. Rather, it appears that the actual state of affairs is best described by a private document of Palencia, dated simply to 1124, which reads "regnanterex adefonsus in castro et carrione et in burgos, Urrakaregina in legione, filiussuisaldefonso in toletula." Private documents of June 20, 1124 and November 5, 1124 cite Urraca as ruling in León and Alfonso Raimúndez in Toledo and the transDuero. In other words, the practical control of the realm remained divided between them as it had since 1117, although we may presume that the failing health of the very elderly Archbishop Bernard of Toledo was placing the actual administration of the lands south of the Duero in the hands of the young king for the first time.6
Segundo Reilly, o que se ensaia nesse momento é uma divisão no reino, onde uma
parte de Castela permanece sob o comando de Urraca e o sul do reino de Leão sob a égide de
Alfonso Raimúndez. Porém, se o reino já estava dividido, é possível falar em um erro da HC
ao ter esse fato como um exemplo de inconstância? Nós defendemos que não.
5Idem. 6REILLY, op. cit. p. 189-190.
77
Entretanto, devemos nos ater também ao fato de que aos poucos Alfonso Raimúndez
estava tomando para si as rédeas do reino, principalmente quando o mesmo passa a combater
os inimigos da sua mãe, ainda que contando com a ajuda de Gelmírez, principalmente, no
caso de Fernando Juanes, senhor de Puente Sampayo.
Ao que parece, mesmo o reinado de Urraca tendo sido bastante importante na
Península Ibérica, era inevitável que com a sua morte a maior parte dos problemas não fossem
totalmente aplacados com as ações pontuais do seu filho. Porém, diferente do que a
documentação faz aparentar, a ascensão de Alfonso VII não consistiu em um fator
determinante para acabar com o período de guerra civil que afetava constantemente o reino
castelhano-leonês. Mas como o reinado de Alfonso foi para a Sé compostelana e para o seu
arcebispo?
Baseado no que nos apresenta a HC sobre os primeiros anos da influência de Gelmírez
na diocese e a sua relação como tutor do ainda infante Alfonso Raimúndez, poderíamos
pensar em um Alfonso VII muito mais condescendente com as atitudes do então arcebispo
compostelano. Porém, a figura que assume o trono castelhano-leonês é bem diferente do que
fora quando criança e início da sua juventude, inclusive do ponto de vista da própria
documentação.
Podemos iniciar pelo fato de que a juventude de Alfonso VII não foi inteiramente
vivida na Galícia sob os cuidados do Conde Pedro Fróilaz de Traba e a influência de
Gelmírez. Obviamente elas tiveram espaço em seus primeiros anos, entre a idade de dois anos
e onze anos, porém após isso Alfonso passa a ser tutorado pelo arcebispo de Toledo e a sua
própria mãe.
Desde já percebemos o primeiro fato que influenciará completamente as ações de
Alfonso no futuro, a sua criação toledana e a própria atuação de Gelmírez durante o reinado
de Urraca. Como afirma Fletcher:
As usual, it is fair to suppose that this was Diego's own attitude.What was going wrong? It may simply have been that after the experiences of his boyhood and youth Alfonso Raimúndez no longer trusted Diego. The bishop had been entrusted with at least some degree of responsibility for Alfonso's upbringing; the boy had been encouraged to look towards his guardian as standing in the place of the father who had died when he was only two years old. Diego's actions during the reign of Urraca, whether we characterize them as displaying adroit capacity for survival or ruthless pursuit of self-interest, may not have fostered in his ward that trust and confidence which the relationship had been intended by Alfonso VI to engender. Furthermore, between the age of eleven and nineteen the prince had been subject to the
78
influence of the clergy of Toledo; and he would hardly have learned to love Diego from them.7
Sendo assim, podemos afirmar que no instante em que Alfonso VII ascende ao trono
de Castela-Leão, os laços que a HC demonstra como construídos por todo o reinado de Urraca
vão se esvaindo a partir do momento em que o clero de Toledo assume a criação do infante
Alfonso Raimúndez e quando somamos isso às ações tomadas por Gelmírez em relação a
rainha Urraca I, além de toda tensão existente entre ambos durante o reinado da mesma,
percebemos que nesse contexto era praticamente impossível uma relação benéfica entre o
monarca castelhano-leonês e o arcebispo compostelano.
A composição da corte de Alfonso VII durante o seu reinado já mostra pistas sobre
isso. A Galícia, que teve um papel determinante no reinado de Urraca I, passa a ser renegada
quando a nova corte vai ser formada principalmente por membros de famílias pertencentes
aos reinos de Castela, Leão e Astúrias. Podemos começar citando seus dois primeiros
mayordomos, uma das principais funções da corte, que entre os anos de 1126 e 1130 tiveram
três ocupantes, o primeiro deles foi Pedro Diaz e o segundo Rodrigo Bermúdez, ambos
certamente de origem leonesa, o terceiro a ocupar o cargo fora Pelayo Suaréz de origem ainda
desconhecida, mas, provavelmente, também leonês ou asturiano.
Alfonso VII teve no mesmo período de tempo várias figuras sob o cargo de alferes, o
primeiro foi Lopéz de Carrión, uma região fronteiriça entre Castela e Leão. Outro a integrar
essa posição foi García Garcés de origem castelhana. Ele ainda teve sob o cargo Rodrigo que
era nativo das Astúrias e Pedro Alfonso, nativo de Leão.
No início do seu reinado ele teve como seu conselheiro Suero Bermúdez, tio do seu
alferes Pedro Alfonso e com parentesco também com o mayordomo Rodrigo Bermúdez.
Podemos citar ainda como conselheiros: Rodrigo Martinez, Ramiro Froílaz e Rodrigo Vélaz,
este último o único proveniente da Galícia, mas que possuía muito mais relações de influência
com o reino de Leão.
Traçando essa trajetória de relações, podemos perceber que a corte de Alfonso VII
estava muito mais influenciada ativamente por nobres de Castela, Leão e Astúrias, do que
pelos nobres da Galícia, principalmente nos primeiros cinco anos do seu reinado. Nobres
esses que, marcadamente, exerceram bastante influência sobre as decisões do rei nesse
7FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult: The Life and Times of Diego Gelmírez of Santiago de Compostela. New York: Claredon Press/ Oxford University press, 1984.p. 258.
79
período e, majoritariamente, as disposições que levaram em consideração as ações tomadas
contra Gelmírez e, por conseguinte, a Santiago de Compostela.
Em seus primeiros anos de reinado, aproveitando a refreada dos ataques Almorávidas
que apenas vão se tornar perigosos novamente por volta de 1130, Alfonso VII tomou para si o
objetivo de curar as cicatrizes deixadas pelas revoltas no reinado de sua mãe, desfazendo as
rebeliões que tanto atrapalharam a retomada do processo de reconquista no reinado anterior.
Para tal, tratou de fortalecer as alianças com os reinos vizinhos. Esse tipo de ação tomada de
maneira rápida pelo novo monarca foi extremamente importante para resolver alguns dos
problemas que mergulharam Castela-Leão e sua nobreza numa guerra civil que se arrastou por
todo o reinado de Urraca I.
O contexto supracitado deu tempo suficiente para que o novo rei reunisse aliados para
não só defender seu território, mas também continuar com o processo de reconquista que
havia ficado estagnado durante o reinado da sua mãe devido às inúmeras querelas internas,
como já citado.
Após todas essas decisões políticas e a resolução, ao menos temporária, dos conflitos
internos dentro e fora da Galícia, Alfonso VII volta definitivamente seu olhar para, de certo
modo, a gênese de sua trajetória monárquica.
Após sua posse houve um pequeno momento em que Alfonso ignora Gelmírez, sendo
quebrado apenas pelos mensageiros enviados na ocasião da morte da sua mãe com as notas de
falecimento. Mas como já vimos, durante todo o período de constituição da nova corte, o
arcebispo compostelano fora deixado de lado. Para nós, essa é uma evidência do
desprendimento do rei em relação ao que acontecia na Galícia, porém, isso pode ser visto
também de outra forma, como afirma Fletcher:
The Historia makes much of the reception and privileged treatment he received from the king, but it is hard to think that Diego was himself so elated. He was being cold-shouldered by Alfonso VII in much the same way as he was simultaneously being cold-shouldered by pope Honorius II. It is likely that Diego felt not a little dismayed.8
Então como podemos observar, Diego Gelmírez estava sendo conscientemente
ignorado pelo novo monarca, muito provavelmente em detrimento das suas ações para com a
rainha Urraca. Outras opções que são claramente possíveis nesse sentido, é que o rei
provavelmente queria minimizar a participação do arcebispo compostelano, tendo em vista
que em dado momento o próprio tentou concentrar em sua figura grande parte do poder do
8 Idem. p. 256.
80
reino da Galícia, além de que, ao não favorecer diretamente a um dos arcebispos ele seria
considerado uma figura neutra dentro do jogo de poder exercido pelos clérigos.
Sendo assim, para Alfonso VII era tempo de minar a proeminência de Gelmírez e não
de legitimá-la. Esse mote foi algo permanente em seu reinado, tendo em vista a quantidade de
vezes que o próprio visitou a Galícia.
A primeira vez que o rei chegou ao território galego aconteceu por volta de 1127,
momento da invasão perpetrada pelo condado Portucalensis ao sul da Galícia, essa ação
resulta na quebra do acordo de Ricobayo assinado pelas duas partes ainda no ano anterior.
Esse acontecimento foi importante devido ao avanço do exército que toma a região de Tuy
para si e domina uma parte considerável da região do Miño.
É nesse momento que acontece a primeira participação mais ativa de Gelmírez no
reinado de Alfonso, pois ao ir para Galícia lidar com o s problemas de fronteira ele não tardou
e pedir o apoio do bispo compostelano para lidar com o problema:
Pero el rey vino a las regiones de Galicia y llamó a los pincipes y potestades de toda aquella tierra em expedición contra la reina. También solicitó encarecidamente al compostelano, que tenía mayor poder que todos los próceres de Galicia, que le ayudase a reconquistar su reino y confundir a sus enemigos. El composte la no accediendo a su ruego por amor a la justicia reunió a todos los caballeros y peones que eran de su jurisdición y obligó a los ciudadanos de Compostela em parte por la fuerza, em parte com ruegos a aconpañarle em aquella expedición. Así pues, reunido un gran ejército, acompaño al rey Alfonso, que marchaba a Portugal contra la referida reina. Y allí permaneció durante seis semanas con todo su ejército devastando villas, sitiando y tomando castillos y ciudades, co grades esfuerzos y peligros.[grifo nosso]9
Mais uma vez somos apresentados a um momento em que Gelmírez, munido de toda a
sua força guerreira, é convocado pelo rei para integrar o exército real na empreitada contra a
rainha Tereza. Nessa citação, mais precisamente no grifo que fizemos, é possível ver a
participação não só como estrategista e líder militar de Gelmírez, mas também a guerra
indireta travada no medievo. É perceptível na narrativa apresentada pelo cronista a presença e
influência dos cercos e das escaramuças próprias da guerra medieval e que caracterizam o
modus operandi guerreiro em parte retratado em nosso primeiro capítulo.
Além do citado, podemos perceber também que em certas ocasiões o rei irá sim
exercer a sua influência e trabalhará junto com Gelmírez, porém, diferente do que acontecia
no reinado de Urraca, é aparente a distância existente entre o monarca e o bispo
compostelano. Situação bastante distinta do que acontecia no reinado anterior. 9 HC, Libro II, cap. LXXIII, p. 469
81
A segunda visita à Galícia só ocorre dois anos depois, em 1129, ocasião em que passa
cinco semanas em Compostela, o motivo? Requisição de dinheiro para patrocinar a sua nova
campanha militar. Depois desse período, Alfonso VII levará sete anos para retornar à Santiago
devido, mais uma vez, a problemas com o condado Portucalensis.
Outro ponto importante de se mensurar é o fato de que nesse momento a única figura
proeminente da Galícia que estava ligada ao rei e que integrava a sua corte era Munio Alfonso
que, diferente dos outros, havia conquistado a sua posição por mérito próprio em boas
campanhas militares realizadas anteriormente e que, devido a sua fama pregressa, fora
convidado a integrar a corte.
Mas o fato que debilitou bastante a já abalada influência da Galícia sobre o rei foi a
morte do seu antigo tutor Pedro Fróilaz em 1128, muito provavelmente por doença ou causas
naturais. Nesse momento Pedro era o único membro da família Fróilaz que ainda integrava a
corte, já que seus filhos eram bastante ligados a família real portuguesa e atuavam sob a sua
égide. Portanto, vemos nesse caso uma quase total falta de influência da corte galega junto a
Alfonso VII durante o início do seu reinado.
Porém, quais as atitudes tomadas pelo rei para que a HC o vilanizasse de tal maneira?
Porque ele foi considerado pelos cronistas como alguém tão ruim quanto sua mãe, que era
chamada de Jezebel entre os clérigos compostelanos?
3.2 – A seara do conflito: Gênese e desenvolvimento
Como citamos mais acima, a conjuntura da ascensão de Alfonso VII foi bem distinta
da esperada por Diego Gelmírez, acredito que também deva ter sido uma surpresa um tanto
quanto desagradável receber uma visita do rei para ter uma soma bastante alta dos seus cofres
subtraída a fim de financiar a nova campanha real. De fato, desde o início do novo reinado as
coisas já ensaiavam ser diferentes.
Como afirma Fletcher, a HC nunca poupou as suas críticas contra o rei, o mesmo que
ela apoiou durante muito tempo, mas que ao final do Livro II e em todo o Livro III tece duras
críticas. No entanto, o questionamento que fazemos é: A documentação muito
engenhosamente muda de opinião sobre as decisões tomadas tanto por sua antecessora, quanto
pelo novo rei. Contudo, no último Livro esse tipo de ação acaba por ser mais inquisitiva. Será
que nesse caso, devido ao término tardio do documento, sendo construído após a maioria dos
82
fatos que ocorrem no período, o afastamento do escritor e uma visão pró Compostela foram os
motivos para a alteração do tom do discurso?
Defendo que sim. Principalmente se nos atermos aos anos de 1125 e 1126, no já
referido caso de Puente Sapayo, onde Gelmírez empreende uma guerra contra Fernando
Juanez,10 senhor do local.
Naquela ocasião, Gelmírez age junto com a antiga rainha Urraca I, porém não
simplesmente porque ele havia sido convocado, pois fica claro na documentação que o
mesmo havia negociado com a rainha a sua ajuda em troca do castelo de Cira, que segundo
destaca a o cronista “lo hábia construído el mencionado bermudo com licencia del arzobispo y
de los canónigos de Santiago em la tierra del mismo apóstol, pero ahora, forzado por la
prisión, lo había cedido a la reina”.11
Porém, qual não foi a sua surpresa quando após ter vencido a batalha contra Juanez e
conseguir tomar a região para si, ao enviar seus emissários12 para tratar do ocorrido com a
rainha, a encontra “muy enferma y puesta a las puertas de la muerte”.13 Na ocasião, a
documentação cita que ela preferiu, em seu leito de morte, entregar o castelo nas mãos da Sé
compostelana, em detrimento de um cavaleiro chamado Juan Díaz que já ocupava a
localidade.
Ainda sobre o ocorrido, podemos dizer que nesse sentido é provável que mais uma vez
a HC tenha manipulado a situação para depois confirmar uma má fé do rei em suas decisões.
Assim, automaticamente já transferindo a figura de rei indeciso e contestado diretamente da
antiga monarca para o novo monarca, pois em um primeiro momento Alfonso VII preferiu
apoiar a demanda feita por Gelmírez:
Recebida la carta de la propria reina dirigida a Juan Díaz sobre tal legación, los referidos legados del señor compostelano vinieron ante al rey don Alfonso a Sahagún y al proprio rey le narraron pormenorizada y verazmente lo que la reina había mandado sobre la fortaleza de Cira y su señorio. El rey creyendo sin duda en las palabras de los legados, gustosamente concedió y confirmó lo que su madre la reina había mandado sobre aquella fortaleza. Y también envió un mensajero con una carta suya para Juan Díaz mandándole y rogándole encarecidamente que devolviesse inmediatamente el castillo de Cira al señor compostelano según el mandato de la reina. También mandó cartas al proprio compostelano para que, si Juan Díaz osaba oponerse a la devolución de la fortaleza, tras reunir el ejército lo atacarse y le arrebatara el castillo por la fuerza.14
10 Também grafado como Fernando Yáñez. 11HC, Libro II, cap. XLII, p. 365. 12 Na ocasião os enviados foram o arquidiácono Arias Muñiz e o cardeal Arias Gonzáles. 13HC, Libro II, cap. LXXXI, p. 460. 14Idem.
83
Nesse sentido, é interessante notar o reforço que é feito pelo rei na decisão que vai
colocar fim a essa querela, ele inclusive ameaça Díaz, afirmando que caso não devolva o
castelo à Sé compostelana, iria tomá-lo de forma violenta com todos os seus exércitos. Isso é
claramente um reforço utilizado para, de alguma forma, garantir mais uma vez que o rei, pelo
menos em um primeiro momento, apoiava a decisão que a sua mãe havia feito em seu leito de
morte. Porém isso era realmente claro? O castelo realmente deveria ficar com Gelmírez?
Segundo a o cronista sim, mas não é o que ocorre futuramente, pois Juan Díaz se
recusou a sair, não obstante, o rei para ter mudado de ideia passando nesse momento a apoiar
o seu cavaleiro em detrimento do arcebispo. Temos então o primeiro impasse entre os dois.
Gelmírez chega inclusive a ir tratar diretamente com o rei em Leão e a subornar sua
corte para obter qualquer tipo de benefício sob a decisão real:
Vista y conocida la pertinácia y terquedad del rey, afectado el compostelano de profunda tristeza, empezó a considerar atentamente y a pensar consigo mismo de qué manera podría ablandar y vencer el corazón de éste, endurecido para él, y sacarlo de tanta pertinancia. Así pues, sobornó a los cortesanos y a sus allegados y prometió al merino dela casa del rey diez marcas, y a otro consejero suyo, consultor e gestor de todos los asuntos, otras diez, para que le favorecieran en este nogocio y le ayudaran a alcanzar justicia.15
Nessa passagem presenciamos uma das poucas vezes, se não a única vez, em que é
colocado diretamente o termo suborno para se referir a dinheiro na HC. Em outras ocasiões
em que somas de dinheiro aparecem, a maioria dos estudiosos, como é o caso de Fletcher e
Reilly, entendem que mesmo o nome surgindo de uma forma distinta, algumas vezes como
empréstimo e outras como bendição apostólica, estamos na verdade lidando com subornos.
Principalmente, se levarmos em consideração o contexto em que esse dinheiro aparece, como
é o caso das arcas de ouro ao papa Calixto II na ocasião de ascensão de Compostela a
arcebispado.
Temos que atentar também para o fato de que, como fora citado anteriormente em
nossa dissertação mais precisamente no capítulo I, o dinheiro exercia uma grande importância
na sociedade medieval, principalmente na compra de apoio para desequilibrar alguma
situação em benefício daquele que se utiliza do suborno, porém diferente dos casos citados
anteriormente onde os reis compram apoio de clérigos para legitimar as suas batalhas, a
situação aqui é justamente o oposto. Um bispo suborna a corte do rei para decidir a seu favor
15HC, Libro II, cap. LXXXI, p. 462.
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numa disputa territorial. Isso é só um exemplo do quão intrincado é o papel social exercido
pelo bispo guerreiro.
Porém, na passagem supracitada fica claro que Gelmírez recorreu de fato ao suborno e
que o ato é entendido pela própria documentação como tal. Segundo Emma Falque e F. Lopez
Ferrero, isso se dá devido a um copista posterior, fato que acabou por tratar o ato com uma
maior lisura. Entretanto, se absteve de qualquer julgamento de valor sobre o ocorrido, a meu
ver, por achar que a causa era justa e que o uso do suborno fazia-se necessário, pois, como é
dito, trata-se de devolver a Santiago de Compostela um bem que lhe pertencia.
Mas, a resposta do rei ainda não foi favorável a Gelmírez, assumindo que seria
preferível que o castelo permanecesse nas mãos de Díaz, pois ele deveria aplacar o desejo do
seu cavaleiro com algo de valor. Esse problema só se resolveu quando um tribunal foi
montado para decidir sobre o ocorrido, o rei fora generoso com seu cavaleiro oferecendo um
outro senhorio e, consequentemente, um outro castelo, além de recompensá-lo com mil e
quinhentas moedas.
Nessa ocasião podemos perceber dois pontos interessantes, a documentação
previamente tenta fortalecer o poder de Gelmírez diante da situação, primeiro apontando para
a força da palavra da rainha Urraca, que na ocasião já estava morta, mas que mesmo assim
deveria ter sua vontade prevalecida.
Em um segundo momento, mostra-se o rei Alfonso VII preparado a cumprir com o
desejo de sua mãe, inclusive disposto a utilizar-se de força para retomar o castelo e devolvê-lo
para a sé Compostelana. Mas tempos depois visualizamos o mesmo rei em um impasse, tendo
que escolher priorizar um dos seus cavaleiros ou um arcebispo, mas não um mero arcebispo,
pois nessa ocasião a própria documentação se refere a ele como senhor de Compostela, o que
sem sombra de dúvida coloca um peso muito maior a decisão que seria tomada pelo monarca.
Em dúvida sobre como resolver a situação o rei recorre à corte.
E, por fim, percebemos aqui, muito sutilmente, um pouco do poder de persuasão que a
HC sempre reforça na figura de Gelmírez, vemos aqui um homem disposto a atingir os seus
objetivos, seja diplomaticamente ou por via de suborno. Contudo, em contrapartida, é possível
observar um Gelmírez inclusive a beira de um certo desespero: ele queria tanto aquele
senhorio que para tal, além de apoiar o rei, subornou toda a corte, que já comprada pelo
dinheiro compostelano decidiu em prol do arcebispo, uma estratégia certeira para a resolução
do conflito.
85
Mas a situação começa a se complicar, certamente a morte de Urraca foi um dos
últimos elos da corrente que ligavam Gelmírez de fato aos membros da família real e como já
foi exposto no tópico anterior, aos poucos aqueles que eram nobres da Galícia e que exerciam
funções de importância junto a corte foram perdendo a autoridade. A situação acaba por se
complicar à medida que um dos mais importantes nobres galegos, que havia sido tutor do
próprio Alfonso VII, falece e seus herdeiros ficam muito mais ligados ao lado português da
família real.16 Assim, daquele grupo galego que clamava lutar pelo direito a herança de
Alfonso VII, a época Alfonso Raimúndez, poucos restavam e o mais importante ainda vivo
era de fato Diego Gelmírez.
Assim como Urraca em seu início, Alfonso VII também enfrentou dificuldades para
consolidar o seu reinado, deste modo, não deixou de lançar mão de uma tática muito
condenada pala HC e que irá marcar daqui para frente todas as ações de seu governo: a
constante requisição de dinheiro para as campanhas militares feitas à arquidiocese de Santiago
de Compostela.
Entretanto, cabe analisar que o contexto da Península Ibérica nesse momento não era o
mesmo de quando Urraca assumiu o trono castelhano-leonês e como já citado no capítulo
anterior, a forma que ela lidou com seus inimigos ou mesmo aliados foi bastante competente,
muitas vezes jogando seus oponentes uns contra os outros e apoiando aqueles que mais lhe
beneficiariam em determinadas situações. Esse período de incertezas foi de fato o carro chefe
para que Gelmírez prosperasse, nos momentos em que ajudava a rainha ou nos que conspirava
contra ela. Foi nesse jogo de poder que ambos viveram durante os dezessete anos de reinado
de Urraca I.
Contudo, com Alfonso VII o quadro muda de figura, pois, grande parte das querelas
internas de Península Ibérica ao fim do reinado da sua mãe já estavam quase que inteiramente
aplacadas, muitas inclusive pela ação do próprio Alfonso VII, que lidou com muitos
insurgentes, dentre eles, a sua própria tia Teresa de Portugal, além do último companheiro da
sua mãe Pedro González de Lara.
Um problema que foi constante, ainda que em menor escala se comparado ao período
de Urraca, se materializou na figura de Alfonso I, o Batalhador, que disputou posições com o
rei castelhano-leonês até meados de 1129. Sendo assim, podemos dizer que os entraves da
Península Ibérica não foram tão marcantes como no reinado da sua mãe, embora ainda
existissem.
16 Não sem razão, afinal de contas a família real havia encarcerado o seu pai e Alfonso VII sequer reconheceu as honras de Pedro Fróilaz, inclusive delegando Traba para outro dos seus súditos.
86
Isso abriu margem para que o processo que havia sido interrompido desde a morte do
seu avô, Alfonso VI, começasse novamente a ser empreendido: a reconquista, aos poucos,
voltava como uma pauta importante para a região.
Deste modo, o novo rei precisava cada vez mais de aliados para nova empreitada, além
dos já coligados. Ele precisaria de um exército forte e bem armado para empreender esse tão
ousado empreendimento político-militar. Porém, como toda nova empreitada era necessário
algo que estava em falta aos cofres reais nesse momento: dinheiro.
Reavivando um pouco do assunto que tocamos no tópico anterior, a relação entre
Gelmírez e Alfonso VII estava desgastada, a figura idealizada pela HC do voraz protetor da
coroa, nada mais era do que um disfarce para um homem ambicioso, disposto a mover todas
as barreiras necessárias para fazer com que seus objetivos se cumprissem, um a um.
Parece-nos que Alfonso VII sabia muito bem disso e supomos que justamente por isso
ele não confiava tanto na figura do arcebispo. Reilly e Fletcher levantam o fato de que criação
toledana que se iniciou por volta dos seus onze ou doze anos de idade tenha uma importância
nesse tipo de pensamento. Porém, eu acredito que para, além disso, os anos presenciando as
ações do próprio Gelmírez tiveram um efeito tal em sua imagem que, provavelmente, Alfonso
VII já tinha em mente como agia o primaz compostelano e sabia que precisava lidar de forma
inteligente com ele.
Neste caso, não foi surpresa alguma, o rei bater às portas da diocese compostelana
exigindo dinheiro para financiar seu projeto de reconquista territorial. Afinal de contas, como
defende o próprio Fletcher:
This is necessarily, perhaps distastefully, speculative. Let us consider instead what occurred on the occasion of Alfonso VII's first visit to Compostela after his accession, in November 1127. Like his mother, Alfonso was short of money during the early years of his reign. We are repeatedly told in the Historia that he could not afford to pay his troops, and other evidence bears this out. While he was at Compostela after the Portuguese campaign he was approached by Diego's enemies with the proposal that he should arrest the archbishop and deprive him of his temporalities. This the king was unwilling to do, but he was prepared to accede to the more moderate suggestion that he should contrive to exact a large amount of money from the archbishop. At an interview between the two men in the cathedral treasury Alfonso made his demand and Diego offered him 300 silver marks. On the advice of his intimate counsellors (secretarii) the king pressed for 600 marks and the arrest of three prominent members of the cathedral community, presumably as hostages or sureties for payment. Diego refused point blank. At this the king flew into a rage and demanded 1,000 marks or the surrender of temporalities. Diego called together his clergy, who urged him to give in to the lesser of two evils; that is, to find the 1,000 marks rather than risk the loss of the temporalities. While discussion was going on messengers from the king entered the meeting, demanding that Diego give an answer to the royal
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requests under threat that the king's officers would at once take over the city. Diego agreed to pay 1,000 marks, on condition that no arrests were made. The king consented to this -- though Diego's enemies thought that he could have got a great deal more -- and the money was raised (with some difficulty) and paid over.17
Como pudemos observar, Alfonso VII quando percebeu que precisaria de dinheiro não
pensou muito para recorrer a Gelmírez como alguém que poderia bancar a seu projeto. Mas
porque o arcebispo foi chamado a tal incumbência? Por que foi ele que o rei preferiu ir atrás
nesse momento?
Para a primeira pergunta temos uma resposta que consideramos simples: a
arquidiocese de Compostela figurava entre uma das mais ricas da Península Ibérica, como se
não bastasse o direito de cunhar a própria moeda aquela Igreja era alimentada por doações e
pelo dinheiro advindo da peregrinação constante até o túmulo de São Tiago. Além disso, não
podemos esquecer que o senhorio local era governado pelo arcebispo, algo que acrescia ainda
mais o montante de fundos que poderiam ser arrecadados.
Quanto a segunda indagação feita, o rei precisava do dinheiro para realizar a
empreitada e sabia que Gelmírez era um dos poucos no momento que teria a quantidade de
dinheiro suficiente para que ele pudesse iniciar os seus planos.
Porém, ao fazer isso, ele abriu um precedente de barganha para Gelmírez, que como já
citado anteriormente, possuía um faro e ambição muito apurados, principalmente em ocasiões
que ele poderia maximizar os seus ganhos sejam eles senhoriais ou monetários, inclusive os
de tendência mais belicista. Ele esperou que o momento de tensão se esvaísse e retornou em
pouco tempo com uma contraproposta, citando mais uma vez Fletcher:
But this was not the end of the incident. Before the king departed, Diego delivered a riposte. Alfonso was invited to attend a chapter meeting at which Diego upbraided him deferentially but firmly for his rapacity and suggested pointedly that the insult offered to St. James could best be offset by some gift or benefit (munusautbeneficium). Would Alfonso promise to be buried in the church of St. James like his father count Raymond? At the king's request he ran over the services of remembrance and prayer offered by his clergy on the count's behalf. Alfonso was willing. But he made one further stipulation, that he should be enrolled among the number of the canons, this was done. The king then restored two properties to the church of Compostela. Finally, Diego reminded Alfonso of a conversation they had had shortly before the Portuguese campaign, when the king had promised to expel Diego's enemies from the royal household, particularly from the royal chapel and chancery, and to replace them with Diego's nominees. Alfonso publicly confirmed his undertaking. Diego accordingly chose to keep control
17FLETCHER, Richard A. Saint James's Catapult: The Life and Times of Diego Gelmírez of Santiago de Compostela. New York: Claredon Press, Oxford University Press, 1984.p.257-258.
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of the royal chapel in his own hands, but delegated the chancery to Bernardo, the treasurer of Compostela.18
Assim como em toda negociação, existe sempre um meio termo entre os evolvidos e
nesse caso tal afirmativa não poderia ser menos verdadeira. De um lado nós temos os
interesses da coroa renovados graças ao dinheiro cedido por Gelmírez para que a mesma
pudesse realizar a sua empreitada. Porém, os mil marcos não viriam gratuitamente para os
cofres da coroa e o que fora pedido, além da exclusividade litúrgica, foi a restauração de duas
propriedades que antes pertenciam a diocese Compostelana, assim aumentando
consideravelmente o poder da Igreja.
Sabemos que o dinheiro na guerra é um fator de bastante importância, como vimos no
primeiro capítulo deste escrito, e que apenas mil marcos não seriam necessários para custear
todas as atividades que seriam desenvolvidas. Então, no ano de 1129, Alfonso VII manda seu
mayordomo Rodrigo Bermúdez e seu Secratarius Albertino de Leão para tratar novamente
com o arcebispo. O assunto mais uma vez em pauta? O dinheiro que seria novamente “doado”
pela arquidiocese.
Porém, a quantia dessa vez não seria dada peremptoriamente no ato do acordo e
praticamente inteira como fora anteriormente, o que ficou estabelecido nessa ocasião foi um
tributo de cem marcos anuais que deveriam ser pagos a coroa. A justificativa dada foi o
trabalho de pacificação feito pelo rei na fronteira sul dos reinos da Galícia e do condado
Portucalensis, portanto devido a esse motivo eles deveriam pagar esse imposto em dinheiro e
mais uma vez Gelmírez conseguiu negociar territórios com a coroa em troca do seu apoio
financeiro.
Vemos aqui, que as relações entre o rei e Gelmírez eram de completa interdependência
e todo o discurso presente na HC que corrobore a favor de um fortalecimento da figura do
arcebispo perante o rei Alfonso, nada mais é do que um discurso póstumo que visa fortalecer
a figura de Diego. Isso pode ser levado mais profundamente quando entramos nesses
primeiros anos da política feita pelo rei, ainda mais quando levamos em consideração toda
detração perpetrada no início do Livro III pela própria documentação com relação a figura
real.
18 Idem. p.259.
89
3.3 – Novas estratégias: A política de reaproximação
Como vimos no tópico anterior a Galícia não possuía mais nenhum nome proeminente
na corte e isso diminuía o poder de barganha de Diego Gelmírez perante a realeza e, por fim,
o que se mostrou no início como um acordo rentável para a Sé compostelana, inclusive
garantindo duas novas propriedades, no fim acabou por ser mais uma fonte de renda constante
para o rei que além do dinheiro poderia exigir terra caso achasse necessário. A vida do
arcebispo nesse momento não era das mais fáceis e, portanto, precisava agir.
A atuação de Diego Gelmírez guiou-se para uma reaproximação com a corte, podemos
notar essa nova abordagem no caso onde o rei Alfonso VII pede a intercessão de Gelmírez na
ocasião em que tentaram anular o seu casamento com Berengária, filha de Ramón Berenguer
III, o conde de Barcelona.
Segundo Fletcher:
The diploma of 25 May 1128 was granted jointly by Alfonso VII and his queen Berengaria. The marriage had taken place about Christmas 1127, probably at León. From 1128 until her death in 1149 the queen was usually associated with her husband in his beneficial charters. Berengaria was the daughter of Ramón Berenguer III, count of Barcelona (1097-1131). Unfortunately for the royal couple, they were distantly related to one another; their great-great-grandmothers, who had lived in the early part of the eleventh century, had been sisters. This remote consanguinity was to cause the king the gravest anxiety when, two years after the marriage, a papal legate visited his kingdom. Diego, characteristically, was not slow to turn these circumstances to his advantage.19
Como vimos, em consequência do casamento e da consanguinidade presumida entre
Alfonso e sua esposa, seria questão de tempo até que a Igreja Roma interviesse no casamento,
o próprio rei já temia essa possibilidade, assim, Gelmírez achou o momento certo para agir em
seu favor e claramente em favor do rei, então provavelmente sabendo antecipadamente da
vinda do legado papal, o arcebispo compostelano foi ao seu encontro discutir a pertinência
desses assuntos.
Ainda segundo Fletcher:
Cardinal Humbert reached the kingdom of León-Castile towards the end of the year 1129. We have already seen that part of his brief was to acquaint himself with the doings of the archbishop of Compostela, then labouring under ill-concealed papal displeasure. He had also been charged to look into the business of Alfonso VII's consanguineous marriage. The marriage had been diplomatically advantageous, for an alliance with the house of Barcelona was a counterweight to his old enemies the Aragonese. It may
19Idem. p.266.
90
also -- though this is guesswork -- have been financially advantageous too: the count of Barcelona ruled one of the most prosperous areas of the Mediterranean seaboard, and Berengaria's dowry is likely to have been a handsome one. It is likely that Berengaria had already given birth to a son, later Sancho III of Castile (1157-8), before Humbert's arrival, so that the succession was assured --a matter on which Alfonso VII is likely to have been even more sensitive than other twelfth-century rulers. The possibility that a papal legate might attempt to annul the marriage was alarming.20
Porém, o matrimonio da realeza, assim como todos os casamentos que aconteciam
entre membros da nobreza, envolvia muito mais ganhos reais e imediatos do que o simples
surgimento de um herdeiro para dar continuidade a linhagem. Nesse sentido fica claro que a
proeminência da família da noiva na região, a frota naval comandada pelo conde de
Barcelona, o dinheiro que advinha do comércio marítimo, as vantagens adquiridas perante os
inimigos eram enormes e o casamento tinha muito mais benefícios do que malefício nesse
momento.
O único revés que aparecia e se fortalecia mais com este matrimonio era a profunda
inimizade de Alfonso I de Aragão, pois era sabido por todos a rivalidade existente entre o
conde de Barcelona e o Batalhador, mas as vantagens a serem obtidas pelo monarca
castelhano-leonês eram muito maiores do que preocupar-se com um inimigo já tão conhecido.
Com tantos ganhos em jogo é possível imaginar a tensão de Alfonso VII com a vinda
do cardeal Humberto e a possível anulação do seu casamento devido a consanguinidade com
Berengária. Mas, mais uma vez, segundo Fletcher:
The cardinal's visit culminated in the ecclesiastical council held in the Cluniac priory of San Zoil de Carrión early in February 1130. Diego attended the council, despite his recent illness, at the pressing insistence of both cardinal and king. After crossing the mountains which separate Galicia from the Spanish meseta he was met at León by Alfonso VII. The two men held secret discussions and 'talked of many things' as the author of the HistoriaCompostellana darkly puts it. Happily he tells us that one of them was the question of the royal marriage. The king enlisted Diego's help in the event that the matter should be brought up at the council. It undoubtedly was. Whatever the arguments employed by the king's friends, they evidently impressed the cardinal. The marriage survived Humbert's scrutiny and Berengaria remained Alfonso's queen. Diego's reward was ample. The king granted privileges of immunity to two estates of the church of Santiago, at Cacabelos between Villa franca del Bierzo and León, and at Lédigos between Sahagún and Carrión. He also made a grant of olive groves near Talavera: Diego wanted oil for lighting his cathedral in winter.21
20Idem. Ibidem. 21Idem. p. 266-267.
91
Mais uma vez com a sua já usualmente diplomacia, Gelmírez consegue novamente
sobrepor seus interesses e, nesse caso, também os interesses reais aos do cardeal. Os
argumentos utilizados não foram ditos pela documentação que analisamos, o que deixa a
situação bastante ampla para discussão sobre o que de fato teria acontecido na ocasião, é certo
que o arcebispo compostelano ainda gozava de certa influência junto a Cúria romana, mas terá
sido suficiente para conseguir reverter a situação a seu favor?
Isso é bastante difícil de precisar devido a ausência de detalhes sobre o relato, porém
tendo em vista o histórico do compostelano com casos de suborno, eu não duvidaria que nesse
momento ele tivesse oferecido alguma soma de dinheiro ao cardeal Humberto. Pois muito
estava envolvido nessa decisão, não só o casamento que traria muitos ganhos como também a
própria lealdade e utilidade de Gelmírez à coroa, que já havia estado em cheque durante
vários momentos, como foi mostrado anteriormente.
Nesse sentido infiro que o ocorrido foi a prova que era necessária para reascender a
relação entre o arcebispo e Alfonso VII. E para tal o rei não poupou de graças a Igreja de
Compostelana e acabou por ceder imunidades a alguns dos seus territórios, além de outras
bênçãos. Sem dúvida parecia que Gelmírez estava de volta ao jogo.
3.4 – Gelmírez e seu derradeiro movimento no tabuleiro da política medieval: O
conflito gelmiriano com o chanceler real Bernardo
Como vimos anteriormente Gelmírez havia conseguido retornar ao seu status de
influência graças as suas articulações de reaproximação a Alfonso VII, principalmente, devido
ao seu auxilio de influência episcopal. Em resumo, o arcebispo continuava influente, porém,
esse poder se dava à medida que colaborava com forças externas à sua rede cotidiana na
Galícia, uma situação muito diferente da qual o mesmo já estava acostumado em sua
trajetória.
Entretanto, alguns problemas começaram a surgir, os contatos entre Gelmírez e a corte
se tornaram menos frequentes, a situação vitoriosa de Gelmírez dos anos anteriores
modificou-se: o rei pouco entrou em contato.
E assim percebemos que uma situação de tensão já se avizinhava e, de fato, foi o que
ocorreu quando Gelmírez adentra a chancelaria real e demanda a rendição do escritório inteiro
à sua égide, ele tinha por objetivo substituir Bernardo por alguém mais maleável e que fosse
92
mais sujeito às suas manipulações. Bernardo, por razões óbvias, se nega, mas isso não impede
que ele seja preso pelo compostelano e substituído por Martín Peláez.
Mas isso foi apenas o início de uma série de problemas que vão afetar diretamente o
relacionamento de Gelmírez com a corte, a princípio o rei Alfonso estava de acordo com essa
atitude do arcebispo compostelano, inclusive, segundo a HC essa atitude foi tomada pelo
arcebispo com o apoio real, ao que parece existia uma trama para destituir Bernardo do cargo,
decisão que já vinha das mãos do rei e que o mesmo cumpriu de maneira relutante segundo a
documentação.
Entretanto, como já era de se esperar, essa ação gerou uma série de represálias, a
primeira de origem romana, quando o legado papal Guido, que estava sobre visita na região,
vai até Compostela e intima Diego Gelmírez a soltar Bernardo. O compostelano atende o
legado e justifica que estava agindo a mando do rei.
Porém, a ordem do legado não foi atendida, pois quando Alfonso VII soube da
interferência de Roma em seus assuntos, simplesmente transferiu Bernardo, colocando-o sob a
custódia de Nuño de Mondoñedo. Mas não demoraria muito até ser convocado um concílio
que ordenasse a liberação do chanceler, além da restauração de todos os seus bens que lhe
foram tomados.
Diego Gelmírez aceita todos os ditames e a querela parecia ter terminado, até que a
HC nos revela que Bernardo possuía um desejo de vingar-se do que tinha acontecido, porém
nada disso acaba acontecendo, pois o mesmo morre pouco depois da sua soltura ainda em
1134.
Feita a nossa narrativa, analisando o ocorrido, essa história parece bastante inverídica.
Quais motivos o rei teria para aprisionar Bernardo? Porque o legado não se dirigiu ao
próprio rei para demandar a sua soltura? E porque uma insistência muito exagerada do rei
para que prendessem Bernardo sem um motivo aparente ou pelo menos forte o suficiente para
tal? Pois as mensagens chegaram ainda quando Alfonso VII está na campanha que fora
realizada em Andaluzia. Como sublinha Fletcher:
In the light of these considerations, perhaps it is permissible to make out a train of events somewhat different. Diego succeeded in depriving Bernardo of the chancellorship and escorted him back to Galicia. There if was on Diego's orders that he was imprisoned and at Diego's instance that he was transferred to Mondoñedo -- away from his consanguinei in Compostela. Cardinal Guido identified Diego as Bernardo's persecutor, and at León insisted that Diego should set him free. Be this as it may, by far the most significant result of this quarrel was the loss of Diego's undisputed control of the royal chancery. Martín Peláezcannot be traced as a royal notary later than May 1133. For over a
93
year thenceforward very few royal charters survive, and those few diplomatically suspect. (This paucity may in itself be an indication of the struggle for power within the chancery.) But then, on 1 June 1134, a diploma was drawn up for the king by one Berengar. In two other charters of the same yearBerengar identifies himself as archidiaconus. He accompanied Alfonso VII to Zaragoza at the end of the year and there, at the foot of the confirmation charter for the church of Zaragoza referred to above, he further identifies himself as archdeacon of Toledo (archidiaconusToletanus). If the course of the struggle is obscure, its outcome is clear. The archbishop of Toledo had managed to insert his own candidate into the chancery and supplant the influence of his rival at Santiago de Compostela.22
Como podemos ver, essa narrativa traçada pela HC nada mais é do que uma tentativa
de desviar a culpa de Gelmírez sobre a situação ocorrida, pois fica claro que a pessoa que
mais ganharia, ao menos em teoria, com o afastamento de Bernardo seria o próprio arcebispo
de Compostela, era ele quem disputava com o chanceler o poder e influência que a posição
dispunha, era ele quem via em Bernardo, alguém que deveria ser vigiado e controlado, pois
sem isso o próprio compostelano teria a sua influência drasticamente diminuída.
Nesse momento também observamos uma característica da chancelaria de Alfonso
VII, onde a disputa de poder era bastante acirrada no local, onde vários chanceleres passaram
pelo cargo, trazendo uma característica de alta rotatividade à posição e tornando muito difícil
a vida de quem buscava consolidar o seu poder na chancelaria real.
Essa é uma característica marcante da Península Ibérica em eleições episcopais, como
destaca Fletcher:
There was another sector of public life in which Diego would have expected to continue to exert influence, as he had done successfully in the past-episcopal elections. But here too the appointments made in the 1130s bear witness to a waning of Compostelan influence. The episcopal elections of this period, in Spain as elsewhere, were the outcome of the interplay of diverse forces. The king, the archbishops, the cathedral chapter, the local monastic or aristocratic or urban élites, and very occasionally the popes or other prominent ecclesiastical outsiders all jostled for influence. Only rarely do our sources permit us to see something of the conflicts which lay behind the promotion of any one candidate to the bench of bishops. But we may be reasonably certain that most elections were complicated and hard-fought affairs.23
Assim, a situação de Gelmírez fica bastante complicada, percebemos que os seus
aliados estão cada vez mais raros, muitos deles ou perderam poder ou simplesmente já
estavam mortos, o apoio real estava cada vez mais escasso, mesmo com as vultuosas somas de
dinheiro que eram entregues a Alfonso VII a situação do compostelano não era das melhores e
22Idem. p.280-281 23Idem. p.282.
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em termos de aliança, a sua influência diminuía cada vez mais, inclusive sob as dioceses
sufragâneas a Compostela.
Isso acaba se tornando mais drástico e com o crescente levante de Portugal como um
reino independente, lembrando do desejo incontrolável que Gelmírez tinha pelo controle da
arquidiocese de Braga, vemos que com o tempo e a queda da sua influência, esse controle
tornava-se cada vez mais distante.
Em Ávila, com a morte do bispo Sancho ainda no início de 1133 e a ascensão de
Iñigo, irmão de Sancho e anteriormente arquidiácono da mesma diocese, percebemos mais
uma vez a perda de influência de Gelmírez, pois na HC o silêncio do cronista demonstra que
no mínimo não existia uma ligação muito próxima entre Gelmírez e Iñigo. Além disso,
percebemos a influência do rei nessa eleição, quando uma carta é mandada pelo mesmo ao
compostelano com o intuito de apressar a consagração de Iñigo que ainda durante o ano de
1133 é consagrado como bispo.
Mas de todas as perdas, nenhuma foi mais desastrosa que a eleição de Berenguer para
bispo de Salamanca. Como cita Flether:
The most controversial episcopal election of the last decade of Diego's life was that of Berengar to the see of Salamanca. It proved a signal defeat for Diego. We saw bishopNuño of Salamanca was deposed at Carrión in 1130, and that his successor Alfonso Pérez was a canon Compostela and almost certainly Diego's nominee. But new bishop was short-lived: he died at Cluny in November 1131 after attending Innocent II's council of Rheims. Nuño had retired to Idanha in Portugal after his deposition and returned to Salamanca in an attempt to regain the bishopric after Alfonso Pérez's death. (This was a surprising course of action but it can be paralleled: Pelayo of Oviedo, deposed like Nuño at Carrión in 1130, had a second spell as bishop of Oviedo in 1142-3, after his successor Alfonso's death.) His return precipitated a schism at Salamanca. Nuño's strategy seems to have been to ingratiate himself with Diego Gelmírez. To this end he went to Compostela and came back to Salamanca claiming -- with what justice we do not know -- that Diego had recognized him as the rightful bishop. Some among the clergy of Salamanca were content with this: a charter of 21 January 1133 issued by an archdeacon of Salamanca, Hugo, (and subscribed by another archdeacon, the prior of the chapter and at least three of the canons) Nuñois referred to in the dating-clause as bishop. However, Nuño evidently considered that he needed the sanction of an even higher authority to regularize his position, for he took his case to the papal curia. When he returned he boasted that the pope had confirmed him in his episcopal title. But this was very far from the truth, as one of St. Bernard's letters makes clear. Innocent II, a man of unbending canonical rectitude and one, moreover, likely to be acutely sensitive on the subject of irregular episcopal elections, had disallowed Nuño's claims and imposed a sentence (of excommunication?) upon him. Nuño had enlisted the interest of St. Bernard, and also it seems that of Peter the Venerable of Cluny, in an attempt to have the sentence lifted (but not, be it noted, the principal judgement reversed). Whether or not he was successful we do not know. What we do know is that
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on his return to Salamanca he not only claimed to be the rightful bishop but also started to reward his supporters with the endowments of the bishopric. When his opponents there protested at his action he flew into a rage and continued yet more recklessly in his alienations not only of lands but of churches too.24
Deste modo, percebemos o quão duro foram os golpes recebidos por Gelmírez, muitos
desses acontecimentos podem ser classificados como vitórias um tanto quanto tardias do seu
arqui-inimigo Raimundo de Toledo. O legado Guido, os bispos de Segóvia e Zamora, todos
eles de alguma maneira estiveram ligados a Raimundo de Toledo ou fizeram parte da Sé
toledana em algum ponto das suas vidas. E foi assim que Raimundo tirou de Gelmírez quase
toda a influência que lhe restava, inclusive sob as dioceses que lhe deviam obediência.
A situação piora ainda mais quando a guerra nas fronteiras entre Castela-Leão e o
emergente reino de Portugal torna-se mais acirrada, Alfonso VII, mais uma vez, recorre a
Gelmírez em busca de dinheiro para financiar a sua empreitada, a situação chega ao disparate
completo quando o rei pede quatrocentos marcos em Burgos e retorna para pedir mais
quinhentos ainda no mesmo ano. Fletcher levanta a hipótese de que durante a guerra entre
Castela-Leão e Portugal, Gelmírez tenha pago ao rei cerca de dois mil e duzentos marcos
como forma de alimentar a batalha travada por ele.
Sobre o ano de 1139 não temos absolutamente nenhuma informação excetuando a
visita perpetrada por Guy de Lescar, era provável que Gelmírez se encontrasse com a saúde
frágil, já estava com setenta e dois anos, uma idade bastante avançada para os padrões
medievais. Porém não demoraria muito para que Gelmírez finalmente encontrasse o seu
descanso final.
Em 31 de março do ano de 1140 ele adoece e em 6 de abril do mesmo ano morre
dando cabo, também, a narrativa da HC.
3.5 - Conclusão do capítulo
Deste modo, observamos a queda gradual de Diego Gelmírez, aos poucos perdendo
influência não só na corte, mas também nas dioceses que antes lhe deviam lealdade. Vimos
que diferente do que era suposto, levando aqui em consideração o que é dito na HC como
exemplo, a relação entre Alfonso VII e o arcebispo compostelano nunca foi muito boa, em
24Idem. p. 284-286.
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grande parte devido a influência toledana que o rei recebera durante a sua formação quando
ainda tinha onze anos e estava distante de qualquer influência de Gelmírez ou Pedro Fróilaz.
Outro aspecto importante de se perceber é que, a todo momento, Gelmírez não tentou
renovar as suas alianças e, defendo eu, que esse foi o motivo para a sua derrocada. Ao passo
que o tempo avançava, muitos daqueles que compunham a sua rede de influência, composta
geralmente de ex-membros que integraram a Sé compostelana e membros de famílias nobres
da Galícia, foram com o tempo perdendo influência ou falecendo. Quando somamos isso ao
fato de que ele não trazia muitas pessoas para o seio da sua proximidade torna-se possível
visualizar uma parábola descendente à medida que seus aliados morrem.
Além desse problema envolvendo alianças, percebemos também nesse período uma
interferência direta e muito forte dos inimigos de Gelmírez, principalmente de Raimundo,
arcebispo de Toledo. Ao que parece essa influência toledana não afetava Gelmírez enquanto
este exercia uma forte presença no reinado de Urraca I. Porém, o panorama muda
drasticamente com a ascensão de Alfonso VII, quando percebemos que, devido a ação
toledana, ele trouxe para o seio da sua chancelaria vários aliados, muitos inclusive tendo
origem na diocese de Toledo. Assim o espaço que antes era ocupado pelo Compostelano ou
os de sua rede, tornou-se um campo profícuo para a ação dos seus inimigos, algo que minou a
sua importância política drasticamente.
97
CONCLUSÃO
É chegado o momento de apresentar um balanço geral do que foi estudado no decorrer
dos três capítulos da nossa dissertação. Como visto, em cada etapa optamos por apresentar
uma pequena análise sobre o que havia sido discutido com o objetivo de sempre deixar
evidente aos olhos do leitor as conclusões parciais de cada capítulo, tendo como intuito
facilitar a conclusão final da pesquisa.
Desde já temos que lamentar sobre o título dessa sessão. O termo “conclusão” estaria
mais alinhado a uma pesquisa que se encerra, pelo menos em si, porém não é dessa forma que
visualizamos o presente trabalho. Acreditamos que ainda exista um longo caminho a percorrer
e muito a analisar sobre a temática guerreira. Porém, considero que os objetivos propostos
foram atingidos e que posteriormente poderemos debruçar-nos mais sobre o assunto, com um
novo olhar.
O nosso objetivo geral sempre foi analisar a HC e pautar-nos nesta como documento
principal para o desenvolvimento da nossa apreciação sobre a guerra no medievo. De forma
mais precisa, o envolvimento do bispo Diego Gelmírez em situações de conflito. E para tal foi
extremamente necessário entender o que era a guerra.
Vimos em John Keegan que a guerra é social e que é definida no meio em que é feita.
Portanto, suas características, princípios e a maneira como é realizada, sempre estarão em
consonância com as características de cada sociedade. Sendo assim, a análise da guerra
pressupõe de certa maneira um conhecimento profundo da sociedade que é estudada como
forma de entendê-la em determinada estrutura social.
Em Georges Duby identificamos que a paz e a guerra caminham no medievo quase em
uníssono, uma está sempre legitimando a outra. Percebemos que o clero e os reis muitas vezes
agindo como um só e numa simbiose, legitimavam a guerra.
Em um terceiro momento do nosso capítulo inicial, observamos as análises de Philippe
Contamine e o conhecimento acerca do fazer a guerra no medievo. Vimos que a guerra tem a
ver nesse momento com o domínio do espaço físico e do tempo. A importância das táticas
defensivas em detrimento das ofensivas, o quanto a sociedade medieval afeta a maneira de
fazer a guerra e as formas de fazer a guerra de maneira indireta sempre revelam a dureza e
praticidade do homem medieval. Estes, ao combater, preferiam maneiras indiretas de atingir o
inimigo, com o intuito principal de minimizar as suas perdas, pois homens treinados e
recursos não deveriam ser gastos de forma vã.
98
E, por fim, em termos de teoria sobre a guerra, nos deparamos com Francisco García
Fitz, responsável não só por trazer finalmente a Península Ibérica ao ponto de discussão dos
nossos escritos, mas também por colocar em pauta a influência da diplomacia nos conflitos
armados, além de nos fazer entender que a mesma pode ser uma arma de guerra tão mortal
quanto um exército bem armado.
Na análise documental pudemos expor que a HC é difícil de classificar, pois a ela não
cabe apenas um rótulo. A nosso ver, isso se dá não apenas pela complexidade que se encerra
na figura documental, mas também no esforço intelectual na realização do mesmo, vemos
parte de miracula, registrum, cartulário medieval, além da clara veia biográfica e poética da
narrativa.
Ainda no primeiro capítulo observamos vários trabalhos que de alguma forma lidavam
com a HC como documento e, por conseguinte, analisavam também a figura de Diego
Gelmírez em vários âmbitos. Entretanto, ressaltamos mais uma vez a dificuldade em
encontrar trabalhos que analisem a atuação guerreira do bispo compostelano. Muitos dos
trabalhos apresentados são de cunho biográfico, análises de sua administração e dos seus
feitos.
Dentre os estudos analisados na dissertação podemos ressaltar Richard Fletcher e o seu
esforço de trazer toda a história de Gelmírez ao debate. Emma Falque Rey, com grande
erudição foi responsável por uma edição crítica indispensável para esse trabalho, com notas
que muitas vezes esclarecem ao leitor e que nos abriram horizontes enormes nos capítulos de
análise desta dissertação.
Bernard Reilly, um historiador importante, não apenas por tratar em seus livros sobre
o Gelmírez, mas principalmente por escrever sobre os monarcas que conviveram com o
mesmo. Seus livros sobre Alfonso VI, Urraca I e Alfonso VII foram importantíssimos para
construir a dissertação e para tentar compreender o ponto de vista da realeza e de que forma
eles lidavam com os diversos problemas políticos enfrentados.
Com um dos poucos trabalhos que resvalam na temática guerreira apresentamos Juan
José Burgoa, que nos apresenta uma análise detalhada da armada construída por Gelmírez e a
sua importância num território que fazia fronteira com o mar e que sofria com o histórico de
diversos ataques por via marítima. Barbara Aboul-El-Haj se insere numa temática diferente,
buscando em sua análise trazer luz a revolta comunal enfrentada pelo compostelano e os
excessos cometidos em sua administração.
99
Ermelindo Portela foi de imensa importância ao apresentar um pouco da formação
clerical da figura analisada nessa dissertação, quais pessoas estavam envolvidas em sua
formação, onde ele foi ordenado, quais as suas atribuições antes de tornar-se bispo
compostelano, preenchendo assim uma lacuna documental enorme sobre a vida de Gelmírez.
E por fim, os escritos de Bruno Gonçalves Alvaro, um dos textos mais importantes
sobre o arcebispo de Compostela, principalmente por lidar com uma temática que se aproxima
bastante da nossa pesquisa. Em seu trabalho ele nos traz uma nova percepção das relações que
entre os poderes laicos e eclesiásticos. Abordagem que certamente fora de grande importância
em nosso estudo. Apesar de nos afastarmos no ponto principal de sua tese a respeito das
relações de negociação entre a monarquia e o episcopado compostelano, pois, o nosso
objetivo principal no presente trabalho era analisar a atividade guerreira do arcebispo
compostelano.
No segundo capítulo nós começamos a tratar um pouco da trajetória do bispo
compostelano. Apresentamos um pouco sobre o seu pai, um miles local responsável por terras
pertencentes a Santiago de Compostela, e a partir desse momento mostramos um pouco da sua
trajetória já como membro da corte de Alfonso VI. Nesse momento vemos o início da
construção de uma rede de relações que foi de bastante importância para o compostelano.
Posteriormente vimos Gelmírez como chancelar de Raimundo de Borgonha e logo
depois como administrador da diocese compostelana. Mostramos um pouco do árduo caminho
que o compostelano percorreu até finalmente chegar a ser nomeado bispo de Santiago.
Ainda no mesmo capítulo abordamos a relação entre o monarca Alfonso VI e a
diocese de Santiago. Vimos o início atribulado das relações entre a diocese compostelana e o
monarca castelhano-leonês, principalmente pela presença da figura de Diego Pelaéz, bispo
compostelano no momento em que Alfonso destrona seu irmão Sancho, tomando para si o
trono da Galícia.
Esse problema sucessão envolvendo quem de fato assumiria o bispado de Compostela
torna-se bastante intenso, principalmente com a convocação do concílio de Hussilos,
presidido pelo próprio Alfonso VI com a presença de um legado papal que havia sido
destituído do seu cargo por Urbano II, Ricardo de Marselha. Do concílio, saiu a decisão de
depor Peláez e empossar Pedro, abade de Cardeña como seu substituto. Porém, o papa não
aceitou essa decisão contrária aos seus interesses, pois era objetivo do papado não ter nenhum
poder laico que interferisse nas decisões eclesiásticas. Para tal ele enviou o novo legado
100
responsável pela Península Ibérica, Reinério, para depor Pedro de Cardeña e tentar
restabelecer a ordem papal.
Só posteriormente, com a mudança do papa e a nomeação de Raimundo de Borgonha
como conde da Galícia, é que Diego Gelmírez finalmente consegue alçar-se como Bispo de
Compostela. Esse tópico é bastante importante para firmar a importância que essas relações
de compadrio e familiares possuem no medievo e a sucessão de Compostela é mais um caso
desse tipo de influência.
Além disso, vemos a disputa do poder papal para garantir para si mais influência nas
próprias dioceses em detrimento dos poderes laicos locais, que tentavam a todo custo exercer
a sua influência, inclusive na decisão dos bispos que integravam as dioceses dos seus
senhorios.
Após a chegada de Gelmírez ao bispado, percebemos o seu envolvimento no conflito
de sucessão envolvendo os nobres da Galícia que apoiavam o ainda infante Alfonso
Raimúndez, filho de Raimundo de Borgonha, como sucessor legítimo do trono galego e
Urraca I mãe do infante e rainha de Castela-Leão. Esta, que teve seu direito sob a Galícia
revogado devido à decisão de casar-se com Alfonso I de Aragão.
Num primeiro momento vimos Gelmírez aliado aos nobres galegos liderados por
Pedro Froilaz, conde de Traba. Porém à medida que a própria Urraca vai aos poucos
declinando da ideia de casar-se com o aragonês nós percebemos uma aproximação do
compostelano.
O fato é que a relação entre Urraca e Gelmírez é a todo o momento dúbia. Ambos
trabalham juntos quando possuem interesses convergentes, contudo, não aliados confiáveis.
Mas, esse panorama tende a mudar gradativamente de figura quando o monarca Aragonês se
mostra como um perigoso inimigo para ambos. As alianças tornam-se mais frequentes,
principalmente quando o bispo compostelano adquire uma maior proeminência diante dos
galegos.
Por fim, ainda no segundo capítulo tratamos do caminho percorrido por Diego
Gelmírez e seus aliados para conseguir trazer o arcebispado de Mérida para Compostela assim
sagrando-se o primeiro Arcebispo compostelano.
Vimos que Gelmírez teve que jogar politicamente com todas as cartas possíveis. Ele
recorreu a aliados, conseguiu favores e subornou várias pessoas em diversas partes da cadeia
hierárquica da Igreja para atingir o seu objetivo nesse momento. Esse tópico é importante para
101
estabelecer uma visão menos centralizada do poder eclesiástico, mostrando que a estrutura de
alianças era bastante importante tanto no âmbito secular, quanto no meio clerical.
Em nosso terceiro capítulo continuamos a analisar a trajetória de Gelmírez e nesse
momento nós nos centramos no período que compreende ao reinado de Alfonso VII e os
embates que ambos travaram. Vemos que o monarca castelhano-leonês adotou, no inicio do
seu reinado, uma política que envolvia menos a Galícia em sua corte, e isso afetou seriamente
a presença e, por conseguinte, a influência do bispo compostelano no governo do mesmo.
Era fato que Alfonso VII desde que fora mandado aos cuidados de Raimundo,
arcebispo de Toledo e rival confesso de Gelmírez, já não via o compostelano como um aliado
confiável. Outro fator a ser considerado é a pouca presença de outros aliados influentes de
Gelmírez na corte de Alfonso. E o maior golpe nesse sentido fora com certeza a morte do
conde de Traba, Pedro Fróilaz, um dos maiores aliados do então arcebispo compostelano, sem
qualquer tentativa de substituição por parte dos seus filhos, que nesse momento serviam ao
Condado Portucalensis.
Porém, como explanamos, Gelmírez ainda tenta se aproximar de Alfonso, e consegue
justamente nos períodos em que o monarca precisa de dinheiro para financiar os seus planos
de reconquista, percebemos assim que a relação é aos poucos reatada, mesmo que ainda
pouco confiante.
Mas, o que parecia ser o início de uma aliança benéfica torna-se uma rivalidade
quando o chanceler Bernardo é preso por Gelmírez, sem qualquer motivo aparente. A partir
desse momento nós vemos uma sucessiva queda de poder do arcebispo compostelano, e a
situação acaba por se tornar incontrolável quando são eleitos bispos rivais a postura do
compostelano, muitos deles inclusive tendo sido aprendizes de Raimundo de Toledo em
algum momento de suas vidas.
Em nossos capítulos de análise pudemos chegar à conclusão que é possível enxergar
uma total mudança de características do bispo Diego Gelmírez e que tudo isso se intensifica a
partir do momento em que ele é chamado pelo conde Fróilaz a se envolver na situação de
sucessão de Alfonso Raimúndez.
Percebemos um Gelmírez inicialmente preocupado apenas com as suas atribuições,
reunindo a todo o momento documentações para comprovar as benesses concedidas à diocese
compostelana anteriormente, numa tentativa ao meu ver de assegurar os bens da diocese
através da reunião de documentos importantes.
102
Somos levados a observar uma série de inventários de casas, propriedades, terras e até
cavaleiros pertencentes à Sé compostelana. Eu percebo nesse primeiro momento um bispo
mais focado em deixar documentado tudo que havia sido conquistado até então para a Sé
compostelana, algo que pode ser visto muito claramente como um recurso narrativo que vise a
comparação do leitor com a situação de Santiago de Compostela posteriormente. Porém, a
documentação é muito dinâmica, e assume diversos enfoques ao longo da sua narrativa.
Um deles é a mudança da figura de Gelmírez justamente quando ele se envolve na
querela de sucessão do reino da Galícia, como já havíamos citado. Os capítulos da crônica que
nos são apresentados a partir desse momento nos dão a entender que o, até então, bispo acaba
sendo tomado em meio a um conflito que já havia sido iniciado, porém, não é isso que
acontece plenamente.
Percebemos nesse momento uma adequação do bispo a e um jogo de interesses que
está presente há todo o momento. Muito provavelmente essa mudança de atitude envolve
justamente a possibilidade que o mesmo possuía de adquirir mais benesses para Compostela
como recompensa por apoiar um dos lados da guerra civil.
Assim, vemos um Gelmírez muito mais ativo no livro I, principalmente nos momentos
de tensão entre os reinos da Galícia, Castela-Leão e Aragão. Porém nos momentos em que
essas relações vão aos poucos esfriando a presença das realizações bélicas de Gelmírez vão
desaparecendo da própria documentação. Principalmente a partir do momento em que
Alfonso VII assume o trono.
Para tal, nossa explicação se dá nos diferentes papéis assumidos pelo Arcebispo
compostelano, tanto no reinado de Urraca I, quanto no reinado de Alfonso VII. Ao nosso ver,
fica claro uma discrepância entre ambos: com Urraca nós percebemos um Gelmírez mais
atuante, muito por conta da sua atitude perante a coroa castelhano-leonesa, além da sua forte
posição no reino de Galícia.
Com a ascensão de Alfonso VII vemos uma diminuição não só da participação de
Gelmírez como também de toda a Galícia nas novas empreitadas propostas pelo monarca
Castelhano-leonês, como fora demonstrado no nosso terceiro capítulo. Isso muito
provavelmente é a causa para o afastamento das atividades bélicas.
Porém cabe lembrar que no momento em que Alfonso assume o trono Diego Gelmírez
teria por volta de 57 anos de idade. Algo bastante avançado para o homem medieval e que
justifica sua aposentadoria dos assuntos bélicos, ou ao menos a diminuição da sua
participação ativa, pois lembremos que o mesmo ainda financia muitas das empreitadas
103
guerreiras de Alfonso VII. Assim percebemos que mesmo com a idade avançada ele ainda
financia atividades guerreiras, que vão conceder também vantagens para ele.
A figura de Gelmírez assume uma dupla função então. Enquanto bispo de Santiago de
Compostela, responsável desde o seu início pelo senhorio no qual Compostela figurava, ele
age como um guia espiritual de uma comunidade, função original que o clericato desempenha.
Porém, junto a essa ele assume uma nova função: a do guerreiro, que no caso aqui poderia ser
chamado até de general.
Esse desempenho guerreiro de Diego Gelmírez se apresenta em dois aspectos
distintos: primeiro enquanto mediador de conflitos, seja como um apaziguador da situação,
como foi no começo na relação entre conde Fróilaz e a rainha Urraca. Segundo: como um
intermediário que defendia os próprios interesses.
Nesse momento fica claro o marco divisor entre essas duas funções, que começa
justamente quando ele retorna do cativeiro, após o primeiro levante de Arias Pérez. Aqui
podemos marcar um Gelmírez muito mais inserido nas relações da corte do que fora
anteriormente, principalmente quando Fróilaz é preso e ele precisa assumir o papel
desempenhado pelo conde, de tutor do rei Alfonso Raimúndez.
Junto a essa condição podemos também marcar a sua participação enquanto general,
mas então porque general e não guerreiro simplesmente? Tendo a olhar dessa forma porque
em nenhum momento da HC é Gelmírez é visto como uma figura que participava ativamente
do combate. Em nenhum momento ouvimos um relato da própria documentação que fale
abertamente sobre a habilidade guerreira do bispo, ou quantos inimigos ele matou em batalha.
O que vemos por parte dele é uma participação ativa no campo de batalha,
aumentando a moral de seus soldados e também nas reuniões para definição das táticas que
seriam previamente usadas na batalha. Além, é claro, do poder que ele tinha de arrebanhar
soldados e seguidores para os interesses que ele defendia.
Então podemos chamá-lo de general por sua patente de comando mediante aos
soldados que ele poderia cooptar para si, pelo seu envolvimento com tática e estratégia, além
de sua influência diretamente na moral dos seus comandados, muitas vezes de forma religiosa
ou por meio de sermões e missas antes ou depois da batalha. Assim, ele unia assim seu lado
clerical com o general, unindo o báculo a balestra.
Por fim, defendemos que a presente dissertação cumpriu com o seu objetivo de
contribuir para com os estudos medievais, ainda mais no tema específico de seu escopo: a
atuação episcopal na guerra de uma forma geral. Consideramos que atingimos os anseios
104
propostos e respondemos os questionamentos apresentados a fim de contribuir ainda mais
com a medievalística e com a uma nova história política.
105
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