Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes
23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)
Da proposta democrática ao enfrentamento concreto: estudo de caso sobre dois conselhos municipais de políticas públicas na
cidade de São Paulo
Autoras1
Maria Carolina Tiraboschi Ferro
(UNICAMP, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos)
Juliana Lemes Avanci
(UFABC, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos)
Melissa Witcher
(Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos)
1 As três autoras atuam no Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, entidade que ocupa cadeira no CHM e no Conselho de Monitoramento desde suas primeiras gestões. Foi a atuação concreta em ambos os conselhos que instigou e alimentou a escrita do presente trabalho.
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Título Da proposta democrática ao enfrentamento concreto: estudo de caso sobre dois
conselhos municipais de políticas públicas na cidade de São Paulo
Resumo
O presente artigo se propõe a analisar a dinâmica de funcionamento de dois
conselhos gestores de políticas públicas da cidade de São Paulo: o Conselho
Municipal de Habitação (CMH) e o Conselho de Monitoramento da Política de
Direitos das Pessoas em Situação de Rua (Conselho de Monitoramento). A
análise considera, entre outras questões, a criação desses espaços, seu
desenho institucional, a participação de seus membros, a capacidade de
deliberação e definição de recursos para políticas públicas, as disputas, os
desafios e os avanços dos espaços de participação social e seus efeitos sobre
as políticas públicas. Para isso, o trabalho priorizará as últimas gestões de
ambos os conselhos (2009-2012), no entanto se estenderá a gestões anteriores
e traçará perspectivas para a próxima gestão que se inicia no ano de 2013.
Introdução
No Brasil, a discussão sobre a participação social nos processos de tomada de
decisão governamental teve início a partir de meados da década de 1970, em
um contexto do regime militar. A proposta era vista como via para renovar os
critérios de construção e implementação de políticas públicas, marcados por um
padrão centralizador, autoritário e excludente. Já durante o processo de
redemocratização, a Constituição de 1988 foi a oportunidade encontrada para se
institucionalizar a participação popular e promover uma reconfiguração da
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relação entre Estado e sociedade civil, tornando a administração pública mais
permeável aos interesses populares2.
Os defensores da participação social, deste período da história brasileira, foram
agrupados sob o projeto político denominado de "democrático-participativo"
(DAGNINO, 2004). Assim, a partir dos anos oitenta, o Brasil tornou-se um fértil
laboratório de experiências de participação social nas políticas públicas.
Na década de 1990, no entanto, as experiências participativas foram
atravessadas por um refluxo político e ideológico que abriu caminho para a
aplicação de medidas de caráter neoliberal (ALBUQUERQUE, 2006). Neste
contexto, o discurso em defesa da participação social nas políticas públicas é
intensificado. No entanto, a defesa da participação passa a ser feita por
governos comprometidos com projetos políticos antagônicos, havendo
diferenças significativas na forma como cada projeto interpreta e materializa a
participação na gestão (TATAGIBA, 2003).
Enquanto o projeto neoliberal via a participação como uma forma de
descentralizar e reduzir o custo da administração pública, especialmente no que
diz respeito ao investimento em áreas sociais, transferindo a responsabilidade
de implementação e gestão de políticas públicas para a sociedade civil
organizada; o projeto democrático-participativo apostava na participação
institucional como estratégia para radicalizar a democracia através da divisão
efetiva poder de decisão entre o Estado e a sociedade civil, promovendo que a
sociedade participe na definição das políticas públicas. Assim, os anos noventa
foram caracterizados por uma "confluência perversa" de projetos políticos
antagônicos (DAGNINO, 2004). Ambos promoveram a participação social o que
2 Após a promulgação da Constituição, surgiram diversas propostas para promover uma maior participação da sociedade civil na gestão do Estado, especialmente no nível municipal. Assim, outras formas institucionalizadas de participação social apareceram. Entre elas se destacam: o Orçamento Participativo (uma experiência inovadora, criada em 1989 pelo Partido dos Trabalhadores no município de Porto Alegre) e, como consequência da regulamentação de alguns artigos da Carta Magna, os Conselhos de Políticas Públicas e os Conselhos Tutelares.
3
levou ao aumento de experiências concretas, mas também a uma disputa sobre
o significado da participação em curso.
No século XXI, embora a ideologia neoliberal já não disfrute de grande prestígio,
o projeto neoliberal e seu modelo de gestão gerencial da participação popular
ainda estão presentes e, em alguns casos, acaba sendo o sentido predominante
nas experiências de participação vigentes. Em outras palavras, a disputa de
projetos políticos continua nos dias de hoje embora, por utilizar a mesma
terminologia (participação popular/social), é muitas vezes difícil identificar o
significado da participação que se está buscando promover. As fronteiras entre a
radicalização da democracia e a gestão gerencial da participação estão cada
vez mais nebulosas e difusas.
Com base no exposto, concordamos com Tatagiba (2003) ao apontar que a
participação da sociedade civil na construção das políticas públicas, por si só,
não é capaz de sinalizar a natureza e os significados da democracia em
construção.
A abertura de canais institucionalizados de participação se altera, de fato,
o campo tradicional de produção e oferta dos bens públicos; não resulta,
necessariamente, numa maior democratização das relações entre
governo e sociedade, nem tampouco num incremento em relação à
qualidade das políticas (TATAGIBA, 2003, p. 13).
São as disputas, os desafios e resultados do mecanismo de participação social,
fundamentalmente nos espaços denominados conselhos gestores de políticas
públicas, que conformam o universo mais amplo de preocupações que
estimulam e orientam este artigo. Neste sentido, questiona-se qual tem sido
significado da participação promovida no Conselho Municipal de Habitação
(CMH) e no Conselho de Monitoramento da Política de Direitos das Pessoas em
Situação de Rua (Conselho de Monitoramento) da cidade de São Paulo,
principalmente nas suas últimas gestões (2009-2012). Em que medida os
espaços criados e seus desenhos institucionais têm favorecido de fato uma
participação efetiva e autônoma de atores sociais na produção de políticas?
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Quais foram os elementos que favoreceram e obstacularizaram este processo?
Diferentes setores sociais e, acima de tudo, os setores mais pobres puderam
explicitar suas demandas e fazer parte das decisões sobre as políticas públicas?
Quanto progresso foi feito em termos de redistribuição de oportunidades, bens e
serviços em favor dos mais pobres?
Conselho Municipal de Habitação: disputas a favor e em contra de um conselho de aliados
Entre as décadas de 60 e 80, a cidade de São Paulo sofreu intensa ocupação de
áreas com restrição ambiental por aqueles que se depararam com a
concentração fundiária e a ausência de políticas públicas de habitação. Uma vez
destituídos das condições econômicas para acessar moradia no mercado
imobiliário dominante em áreas hegemônicas (MARICATO, 1996, p. 12),
instalaram-se em locais avessos aos interesses do capital como regiões de
mananciais, topos de morros, lindeiras a rios e córregos. Para Henri Acselrad, “a
segregação residencial sustentada pelo mercado de terras seria a condição da
reprodução das desigualdades ambientais” (2009, p.30).
Diante da escassez de políticas habitacionais que assegurassem o acesso de
famílias de baixa renda à moradia adequada, frente ao agravamento dos
conflitos socioambientais e à disputa pela terra urbanizada, bem como à
intensificação do adensamento das cidades neste período, a questão
habitacional passou a tomar proporções institucionais. O debate e as
reinvindicações populares colocavam a necessidade de reservar uma parte do
orçamento municipal para habitação de interesse social.
Como continuidade do ânimo do processo de redemocratização, com a inclusão
da política urbana no Título da Ordem Econômica no texto constitucional,
seguiram-se as ações no município de São Paulo com Luíza Erundina (PT) à
frente da Prefeitura. Durante aquele período a aproximação do Estado com os
segmentos populares de luta por moradia ocorreu, principalmente, com o
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reconhecimento do protagonismo desses sujeitos na efetivação do direito à
moradia por meio de medidas concretas, como foram os mutirões de construção.
Na década de 90, garantindo em lei a pauta já instalada na sociedade, foi
aprovada a Lei 11.632/94 com o objetivo de dar tratamento integrado à questão
habitacional, atendendo famílias de baixa renda. Para isso, criou-se o Fundo
Municipal de Habitação vinculado à Companhia Metropolitana de Habitação de
São Paulo (COHAB/SP). A lei, ainda, instituiu o Conselho do Fundo Municipal de
Habitação, sendo que sua composição era desproporcional3. A lei estabelecia
que os representantes de organizações comunitárias pró-moradia deveriam se
cadastrar junto à Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB) e
teriam a representação no Conselho indicadas por sorteio público. Com esse
formato, o Conselho tinha sua legitimidade e representatividade questionada,
assim como a paridade na sua composição.
O Fundo Municipal de Habitação (FMH), desde a sua criação, tem o objetivo de
viabilizar a habitação de interesse social, contribuindo para a redução do déficit
habitacional e assegurar melhoria nas condições de vida nas favelas cortiços e
outras formas de moradia precária. Para isso, o FMH visa custear a produção e
comercialização de unidades habitacionais e infraestrutura; propiciar a aquisição
de materiais de construção de moradia e propiciar a produção de moradias para
utilização na forma de locação social com opção de compra, sendo que é
prevista a possibilidade de compra antecipada de terrenos para a
implementação de programas habitacionais, concessão de recurso para
viabilização de infraestrutura e equipamentos, entre outras finalidades.
A aprovação do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/2001) e a criação do
Ministério das Cidades reacenderam a discussão sobre a participação popular
no direcionamento da política urbana, impulsionando o debate e as
3 O Conselho do Fundo Municipal de Habitação era composto por quatro secretários, o presidente da COHAB, um representante da indústria da construção, dois representantes de organizações comunitárias pró-moradia, um representante de entidade religiosa e, por fim, um representante de universidades com setores ligados à produção habitacional.
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reivindicações por espaços efetivamente democráticos e representativos, que
possibilitassem a incidência direta na política pública. Desta forma, em resposta
à mobilização dos movimentos de moradia e à pressão de outros segmentos
que defendiam a participação e o controle sobre as ações do Estado, entre eles
universidade e organizações não governamentais, foi aprovada, em 2002, a Lei
13.425 instituindo o Conselho Municipal de Habitação (CMH).
O CMH é de natureza deliberativa e possui competência para: participar da
elaboração e fiscalizar a implementação dos planos e programas da política
habitacional de interesse social, deliberando sobre suas diretrizes, estratégias e
prioridades; acompanhar e avaliar a gestão econômica, social e financeira dos
recursos e o desempenho dos programas e projetos aprovados; participar da
elaboração de plano de aplicação dos recursos oriundos dos Governos Federal,
Estadual, Municipal ou repassados por meio de convênios internacionais e
consignados na SEHAB; fiscalizar a movimentação dos recursos financeiros
consignados para os programas habitacionais; definir os critérios de
atendimento, entre outras funções.
O mandato dos conselheiros tem duração de dois anos e a composição desse
espaço segue a proporção de 13 representantes da Prefeitura Municipal de São
Paulo, um representante da Secretaria de Habitação do Estado, um
representante da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado (CDHU), um representante da Caixa Econômica Federal, 16
representantes de entidades comunitárias e de organizações populares ligados
à habitação, eleitos de forma direta e 16 representantes da sociedade civil4.
4 A composição segue a seguinte proporção: 13 (treze) representantes da Prefeitura Municipal de São Paulo, sendo: Secretário Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB); Superintendente de Habitação Popular da Secretaria da Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB); 3 (três) representantes da Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SEHAB); Presidente da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP);1 (um) representante da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (COHAB-SP); 1 (um) representante da Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLA); 1 (um) representante da Empresa Municipal de Urbanização (EMURB); 1 (um) representante da Secretaria de Infra-Estrutura Urbana (SIURB); 1 (um) representante da Secretaria de Finanças e Desenvolvimento Econômico (SF); 1 (um) representante da Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade;1 (um) representante da Comissão Procentro; 1 (um) representante da Secretaria de Habitação do Estado de São Paulo; 1 (um) representante da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU); 1 (um) representante da Caixa Econômica Federal (CEF); 16
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A Lei Municipal estabelece apenas diretrizes gerais sobre o CMH, cujo
funcionamento e ações são objeto de regulamentação por Resoluções. O
regimento interno do CMH foi definido por meio da Resolução nº 01, onde consta
que o CMH se reúne bimestralmente e suas atas são publicadas em Diário
Oficial. Nas reuniões, apenas os membros titulares têm direito a voz e voto,
sendo que as deliberações são aprovadas por maioria simples e, em caso de
empate, cabe ao Secretário de Habitação, presidente do CMH, desempatar5.
Aprofundando a compreensão
O CMH, muito além de definir apenas a prioridade de investimento público na
política de habitação, contribui na configuração do espaço urbano, uma vez que
direciona as ações da prefeitura (como regularização fundiária), estabelece as
formas e os princípios dos programas de habitação, bem como sua localização.
A ampla competência do CMH de intervenção na política habitacional faz com
que esse espaço seja intensamente disputado por setores diversos.
Se, de um lado, estão presentes movimentos sociais e populares
comprometidos com a Reforma Urbana e que defendem a função social da
cidade e o caráter público e social dos investimentos e intervenções; de outro,
(dezesseis) representantes de entidades comunitárias e de organizações populares ligados à habitação, eleitos de forma direta; 2 (dois) representantes de universidades ligados à área habitacional; 2 (dois) representantes de entidades de profissionais da área habitacional; 1 (um) representante de entidades sindicais dos trabalhadores da construção civil;3 (três) representantes das associações ou sindicatos patronais da cadeia produtiva da indústria da construção civil, existentes no Município; 2 (dois) representantes de entidades que prestam assessoria técnica na área habitacional; 2 (dois) representantes de centrais sindicais; 2 (dois) representantes de ONGs que atuam na área habitacional; 1 (um) representante de conselho de categoria profissional da área habitacional; 1 (um) representante de conselho de categoria profissional do direito. 5 O CMH ainda conta com uma Comissão Executiva com função específica de acompanhar o FMH composta pelo Secretário Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano; pelo Superintendente de Habitação Popular da SEHAB; pelo Presidente da COHAB - SP; por três representantes de entidades comunitárias e de organizações populares ligados à área habitacional; um representante das associações ou sindicatos patronais da cadeia produtiva da indústria da construção civil; um representante de universidades, ligado à área habitacional; e um representante das entidades de profissionais da área habitacional; os membros ligados aos movimentos populares e à sociedade civil devem ser eleitos pelos seus pares na primeira reunião ordinária do CMH.
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está a articulação de setores preocupados com a manutenção de interesses
privados e corporativos, como os sindicatos de empresas, da indústria da
construção e de corretores, setores estes, diretamente ligados à especulação
imobiliária.
Com a criação do Ministério das Cidades e, principalmente, do Programa Minha
Casa Minha Vida, intensificou-se a disputa nas decisões do CMH, mas também
na sua composição. Como entre as competências do Conselho Municipal estão
a participação da elaboração do plano de aplicação dos recursos destinados
pelo Governo Federal à habitação e o acompanhamento e avaliação sobre a
gestão econômica, social e financeira dos recursos, bem como o desempenho
dos programas e projetos aprovados, cada vez mais a prefeitura se articula com
alguns setores para conduzir esse espaço a seu modo.
O número crescente de participação nas eleições retrata o interesse crescente
do governo, dos movimentos sociais e dos partidos no CMH: na primeira eleição,
realizada em 2003, participaram do pleito mais de 31 mil eleitores; em 2009,
foram mais de 47 mil eleitores, e para a eleição que deveria ter ocorrido em
2012, suspensa por decisão judicial, mais de 100 mil eleitores se cadastraram
para votar.
Embora o CMH seja um espaço de controle da população sobre a política
habitacional urbana, deve também ser visto com caráter colaborativo, com a
convergência de experiências e propostas que assegurem a efetividade das
políticas públicas. No entanto, desde 2009 que a prefeitura empenha esforços
com o objetivo de moldar o CMH como um espaço de aliados para que possa
levar a efeito sua proposta de modelo de cidade e de habitação. Para isso, a
prefeitura conta com o apoio de movimentos populares aliados que se
distanciaram dos princípios da Reforma Urbana.
9
Essa tendência ficou evidente durante os últimos dois pleitos eleitorais6. As
eleições para o biênio 2009-2011 foram objeto de Ação Civil Pública movida
pelos movimentos populares e organizações da sociedade civil, em razão de
indícios de fraude e utilização da máquina pública para manipulação dos
resultados. Como a ação judicial foi proposta após as eleições, foi necessário
incluir cada conselheiro como réu na ação, o que tornou o processo lento uma
vez que cada um dos 48 membros do CMH teria que ser citado no processo.
Atualmente, a ação ainda está em fase de citação e seu resultado fica
prejudicado uma vez que os conselheiros tomaram posse e realizaram o
mandato integralmente.
A eleição para o biênio 2011-2013 teve as regras propostas pela prefeitura e que
mostram claramente a intenção de cercear a participação popular na escolha
dos membros do CMH. Inicialmente, criou-se uma regra para permitir a
participação na eleição dos representantes dos movimentos populares, exigindo
que o eleitor fizesse um pré-cadastramento pela internet sem qualquer
publicidade e estrutura disponível para isso. Além disso, os pontos
disponibilizados para eleição foram consideravelmente reduzidos de 31 para 19,
agrupando subprefeituras. Em seguida, os movimentos populares foram
chamados à habilitação para a eleição e após 35 entidades comprovarem
atuação na área da moradia, foi exigido que as entidades compusessem chapa
entre si, o que foi acatado pela Comissão Eleitoral, cuja maioria é aliada da
prefeitura.
Todos esses fatores levaram, novamente à judicialização das eleições, com o
Ministério Público atuando como autor da Ação Civil Pública, que por duas
vezes, embargou a realização das eleições que até o início de 2013 não foram
realizadas. Nas decisões proferidas no processo, inclusive com análise de
6 O processo eleitoral é orientado pelo Regimento Interno do CMH onde fica estabelecido que será
composta uma Comissão Eleitoral para definir as formas de realização das eleições. Seguindo a proposta do CMH, a Comissão é composta por quatro titulares e respectivos suplentes para cada segmento, sendo estes o Poder Público, os movimentos populares e a sociedade civil.
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recurso pelo Tribunal de Justiça, prevaleceram os princípios da participação
popular e o caráter universal do voto.
Os resultados favoráveis na judicialização retratam a capacidade de organização
e articulação dos movimentos populares e de algumas organizações da
sociedade civil pela continuidade do caráter participativo e inclusivo do CMH.
Esses embates demonstram que não são apenas os movimentos sociais
comprometidos com a Reforma Urbana que encaram esse espaço de forma
estratégica. Setores ligados à especulação imobiliária e movimentos sociais
alinhados com a Prefeitura também têm investido em realizar a disputa dentro
do CMH, e inclusive têm contribuído para o cerceamento da participação popular
e sobreposto seus interesses privados ao propósito público e social.
Assim, o CMH é considerado pelos movimentos de moradia um espaço
fundamental para o avanço de suas pautas, ainda que não seja a única ação do
seu diversificado repertório de ação. Tal incidência, além de possibilitar a
participação na construção da política habitacional da cidade, se constitui como
um canal de informações importantes, que revelam projetos e propostas de
configuração territorial em curso na cidade. Foi por meio de Resoluções do CMH
que a habitação de interesse social nas áreas centrais passou a ser uma política
pública; uma forma de contrapor o contexto de segregação socioterriorial, com a
discussão sobre os impactos da periferização na vida das famílias de baixa
renda.
Como exemplos de conquistas importantes no CHM para a garantia do direito à
moradia e pelos princípios da habitação de interesse social estão: o
reconhecimento da autogestão na realização de projetos habitacionais através
do Programa de Mutirão, que tem como objetivo promover a produção
habitacional garantindo a participação dos beneficiários em todas as fases do
processo de produção de moradia; os atendimentos emergenciais voltados às
famílias de baixa renda em situação de despejo, remoção ou moradores de área
11
de risco através de programas como o Bolsa Aluguel7, o Locação Social8, o
Parceria Social9 e a Carta de Crédito Municipal10.
Algumas dessas conquistas estão restritas à previsão normativa, ou seja, quase
não são colocadas em prática, muitas vezes com o argumento de
comprometimento do FMH. No entanto, é evidente que o que está em questão
são os projetos políticos divergentes dentro do CMH que impõem uma disputa
incessante para garantir a execução dos parâmetros definidos. Dessa forma,
podemos afirmar que o desenho institucional do CMH (ser deliberativo, gerir o
FMH, entre outras questões) permite alguns efeitos/resultados em termos de
políticas públicas. O “sentido” desses resultados vai depender dos interesses
políticos em jogo e do projeto político do governo de turno.
As transições de mandato na Prefeitura têm impactos diretos no funcionamento
do CMH, mesmo porque o secretário de habitação é quem preside tal espaço a
partir de uma linha política. A recente vitória do PT na prefeitura com a eleição
de Fernando Haddad restabeleceu o ânimo de setores progressistas para a
retomada e recomposição do CMH que está parado, desde 2011, em razão da
ação judicial. Contudo, no primeiro mês de mandato, a Secretaria de Habitação
foi repassada ao Partido Progressista (PP) de Paulo Maluf, iniciativa que contou
com forte reação de diversos segmentos que relembraram a política desastrosa
7 “Conceder subsídio, através de bolsa aluguel, e/ou garantia, por período determinado, viabilizando o acesso de famílias de baixo poder aquisitivo a uma moradia digna, no município de São Paulo.” 8 Ampliar as formas de acesso à moradia para a população de baixa renda, que não tenha possibilidade de participar dos programas de financiamento para aquisição de imóveis ou que, por suas características, não tenha interesse na aquisição, através da oferta em locação social de unidades habitacionais já construídas. 9 “Conceder subsídio através do PROGRAMA PARCERIA SOCIAL por período determinado, viabilizando o acesso às pessoas em situação de rua atendidas na rede de proteção social especial, priorizando os idosos com atividade remunerada, com aposentadoria ou benefício de prestação continuada, mulheres com filhos em situação de rua e/ou vítimas de violência com atividade remunerada e atendidas na rede de proteção especial conveniada com SMADS e cujos filhos estejam abrigados ou em vias de abrigamento na rede de proteção especial de SMADS, às famílias em áreas desapropriadas pela Prefeitura do Município de São Paulo, aos moradores em áreas de risco, às pessoas em alojamentos provisórios de SEHAB ou da COHAB-SP, às pessoas portadoras de deficiência, para que as mesmas venham a morar em moradias autônomas ou coletivas respeitadas as condições previstas pela Lei Municipal nº.10.928/91 (Lei Moura).” 10 É o documento a ser disponibilizado pela COHAB/SP ao beneficiário final do financiamento, devidamente habilitado e classificado, que estabelece o compromisso da COHAB/SP de conceder o financiamento imobiliário para a aquisição de imóvel residencial, nos termos das normas vigentes do Fundo Municipal de Habitação.
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e corrupta praticada por esse político quando esteve à frente da administração
da cidade.
Apesar da grande movimentação em oposição à tal nomeação, foi mantida a
pasta para o PP, reafirmando os mesmos desafios enfrentados durantes as
gestões conservadoras, uma vez que o partido que comanda a habitação na
cidade de São Paulo possui um sólido histórico de favorecimento de grandes
construtoras e setores especulativos. Neste sentido, fica cada vez mais distante
a efetividade da participação popular uma vez que os espaços se caracterizam
como meramente formal, sem possibilidade de incidir nas questões
estruturantes.
Conselho de Monitoramento da Política de Direitos das Pessoas em Situação de Rua: espaço fraco, participação para quê?
Em 1997, a cidade de São Paulo iniciou um processo inédito quando, após um
longo processo de reivindicação, conseguiu aprovar a Lei 12.316, a primeira lei
específica para a promoção dos direitos das pessoas em situação de rua no
Brasil. Essa lei, no entanto, foi regulamentada apenas em 2001, durante a
gestão da então prefeita Marta Suplicy (PT), através do Decreto 40.232. A Lei
Municipal 12.316 foi inovadora não apenas por inaugurar um marco legal no
país, mas também pela forma inédita que encontrou para enfrentar a questão,
estabelecendo um precedente importante: apontou para a necessidade de
articulação da assistência social com outros setores de políticas sociais (como
saúde, trabalho, habitação, etc.), tornando-se a primeira referência de uma
proposta de ação intersetorial11 para lidar com a realidade da população de rua.
11 Geralmente, recai sobre a área da assistência social toda a responsabilidade sobre a questão da população em situação de rua. No entanto, esse fenômeno é complexo, multicausal e precisa ser enfrentado de forma estruturante, tendo como norte uma perspectiva de integralidade e dignidade do ser humano. Nesse sentido, argumenta-se que as políticas públicas precisam ser intersetoriais para promover o resgate da autoestima e permitir a reinserção habitacional, laboral e afetiva dessas pessoas. A intersetorialidade é a única estratégia capaz de oferecer “possibilidades efetivas de saída das ruas” (BRASIL, 2006). O desempenho exclusivo da assistência social só pode dar um sentido compensatório à
13
Neste contexto, considerando o artigo 5o da Lei Municipal 12.316/97 e o artigo 7o
do Decreto 40.232/01 que preveem “a manutenção de fórum para gestão
participativa dos programas e serviços que interagem na atenção à população
de rua da cidade”, a prefeita Marta Suplicy (PT) criou em 2003, através do
Decreto 43.277, o Conselho de Monitoramento da Política de Direitos das
Pessoas em Situação de Rua (Conselho de Monitoramento).
Tal conselho tem entre seus objetivos “garantir, com a participação da sociedade
civil, a observância, pelos serviços municipais e pela população da cidade, do
respeito aos direitos e à dignidade das pessoas em situação de rua” e
“apresentar, em parceria com a sociedade civil, propostas visando à melhoria de
qualidade dos serviços oferecidos às pessoas em situação de rua”.
O Conselho de Monitoramento é definido por seu caráter intersetorial, estando
vinculado diretamente à Secretária Municipal de Assistência e Desenvolvimento
Social (SMADS) que tem por competência organizar e coordenar a ação de
todos os órgãos municipais afetos à questão da população em situação de rua.
O conselho é composto por 18 conselheiros, e seus respectivos suplentes,
provenientes de poder público, da população em situação de rua e da sociedade
civil organizada. Embora seu Regimento Interno o defina como de “caráter
paritário”, há mais representantes da sociedade civil que do poder público. A
previsão é de sete representantes de órgãos governamentais, sendo que a
SMADS ocupa o maior número, dois membros12. Os outros conselheiros do
poder público vêm de outras secretarias (Saúde, Trabalho, Habitação e Direitos
Humanos), além de um representante da Comissão Extraordinária Permanente
de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Municipal de São
Paulo. Os demais 11 conselheiros são três do segmento da população em exclusão, sendo uma modalidade paliativa sem a capacidade de apresentar saídas à situação (ROSA e FERRO, 2011). Para uma reflexão aprofundada ver: FERRO, 2011.
12 De acordo com o Decreto 40.232/2001, a SMADS contaria com três representantes, mas esse número foi reduzido no Regimento Interno para dar lugar a uma cadeira para um representante da Comissão Municipal de Direitos Humanos. O fato do Regimento Interno nunca ter sido publicado no Diário Oficial do Município, dificulta o controle social e prejudica a transparência das regras do Conselho de Monitoramento.
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situação de rua, três do Fórum das Organizações não Governamentais, três de
entidades de direitos humanos e dois de entidades que congregam empresas
com responsabilidade social.
A escolha dos representantes do poder público se dá por indicação e dos
representantes do segmento da população de rua está prevista por eleição13. Os
critérios para a escolha dos demais representantes da sociedade civil não estão
definidos nem no Decreto 43.277/2003 e nem no Regimento Interno.
Segundo o Regimento Interno, o Conselho de Monitoramento possui caráter
“consultivo, fiscalizador e permanente”, tendo como função zelar pela garantia
dos direitos das pessoas em situação de rua, devendo fiscalizar e propor
políticas para essa população. Dessa forma, este conselho não se pretende
deliberativo e não possui recursos sobre o qual delibera. Nas últimas duas
gestões (2009-2012) buscou-se manter uma periodicidade mensal de reuniões.
Aprofundando a compreensão
Alguns aspectos tornam a atuação do Conselho de Monitoramento bastante
complexa. Entre eles está o fato de ser intersetorial, que supõe a articulação das
diferentes secretarias para a “observância” e construção conjunta das políticas
públicas para a população em situação de rua. No entanto, a articulação
intersecretarial é uma realidade distante, não só no tema da população em
situação de rua como também em outros temas que exigem este tipo de
atuação: crianças e adolescentes, idosos, entre outros. Em certa medida, a
atuação de conselhos como o CMH possui uma carga menor de complexidade
ao estar vinculado a uma única secretaria, demandando menos articulação do
poder executivo.
13 Artigo 3o do Decreto 43.277/2003, inciso 1º: “Os representantes dos usuários serão escolhidos, em assembleia, pelos delegados eleitos em cada unidade prestadora de serviços às pessoas em situação de rua”.
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Em teoria, o Conselho de Monitoramento deveria ser um espaço que
promovesse ou, pelo menos, que facilitasse a interlocução entre as secretarias,
mas ele não tem cumprido esse papel na prática. Algumas secretarias que o
compõe não possuem políticas específicas para a população em situação de rua
e nem estão sensibilizadas para incluir esta população como beneficiária de
suas políticas e programas já existentes. Um reflexo dessa realidade é que
muitos conselheiros das secretarias não participam regularmente das reuniões
e, quando participam, não se envolvem nos debates, não trazem propostas nem
de políticas de suas secretarias e nem sobre como articular o que já existe.
Embora a Lei Municipal nº 12.316/1997 no seu Artigo 6º afirme que “O
orçamento municipal deverá manter atividade específica com dotação
orçamentária própria e compatível com a política de atendimento referida na
presente lei”, até o momento não foi criado um fundo específico para a política
de atendimento da população em situação de rua. O fato de ser consultivo e não
contar com recursos para deliberação enfraquece o interesse tanto do poder
público quanto da sociedade civil em investir energias no Conselho de
Monitoramento. Como uma das consequências, as secretarias enviam técnicos
com pouco poder de decisão e a sociedade civil pouco tem se articulado e
capacitado para uma atuação mais qualificada. Conselhos como CMH e
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente deliberam sobre a
gestão de fundos específicos, mobilizando diversos atores para a disputa por
recursos, já que não existe política pública sem orçamento.
Inclusive o caráter consultivo do Conselho de Monitoramento é frágil. As
secretarias não têm por prática consultar os conselheiros antes ou depois de
implementar suas políticas, além do que poucas informações são levadas para
conhecimento dos conselheiros. Dessa forma, para a sociedade civil, o conselho
não tem funcionado nem como espaço privilegiado de obter informações
relevantes.
Outra característica que torna complexa a atuação do Conselho de
Monitoramento é a recente e escassa trajetória organizativa das pessoas em
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situação de rua. Tal segmento, de forma genérica, possui pouca bagagem de
discussão política, além de apresentar especificidades como as questões de
saúde mental, o que exige apoio e formação para uma atuação qualificada
dentro do conselho.
Las personas en situação de calle presentan especificidades que tornan
difícil la motivación para su unión coletiva e su lucha política, aunque
dicha lucha consista em el reconocimiento de sus derechos violados.
Estas personas se caracterizan, entre otras cosas, por: 1) su
heterogeneidade (Silva, 2009), lo cual dificulta la construcción de una
identidade coletiva; ii) tener escassa tradición associativa (Brasil, 2008a);
iii) la pobreza extrema, condición que implica contar com escasos
recursos (morales, informacionales, materiales y humanos) necessários
para la viabilidade de su organización coletiva (Snow&Cress, 1996); y iv)
una mayor incidência de problemas de salud mental y un elevado índice
de uso frecuente de alcohol y/o drogas entre esta población, que la torna
especialmente difícil de movilizar. (FERRO, 2011, p. 147)
A combinação desses fatores reflete na representação das pessoas em situação
de rua no conselho. Um exemplo é o resultado da eleição dos conselheiros
realizada em novembro de 2011. Entre os nove que foram eleitos (três titulares e
seis suplentes), dois titulares nunca participaram nas reuniões do conselho e
dos suplentes apenas dois frequentam as reuniões.
Além disso, outro aspecto sobre a representatividade coletiva deve ser
observado. O Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) foi
responsável pela organização das eleições dos representantes desse segmento
nas duas últimas gestões do Conselho de Monitoramento. As eleições foram
abertas a todas as pessoas em situação de rua que quisessem se candidatar.
Uma vez eleitos, os representantes deveriam participar do espaço de reunião
mensal do MNPR chamado “Fala Rua”, como forma de vincular sua atuação no
conselho a uma base de discussão, ou seja, como forma de estabelecer o
vínculo de representação. Contudo, a experiência das duas gestões mostrou
que, na sua maioria, os conselheiros eleitos não mantiveram vínculos com o
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MNPR ou outros grupos organizados do segmento da população de rua, sendo
sua representação mais de caráter pessoal do que coletiva.
Cabe citar também alguns desafios da articulação das organizações da
sociedade civil, que repercute na sua participação no Conselho de
Monitoramento. A grande maioria das organizações sociais vinculadas à
temática da população em situação de rua são conveniadas com a SMADS ou a
Secretaria de Saúde, focando sua intervenção política na discussão e pressão
em relação às condições dos convênios. Raras são as organizações
interessadas no debate sobre a política pública intersetorial. Algumas destas se
reúnem em fóruns de debate. As entidades da sociedade civil que compuseram
as duas últimas gestões do Conselho de Monitoramento foram indicadas pelo
Fórum das Organizações Não Governamentais14 (na gestão de 2009-2011) e
pelo Fórum Permanente15 (2011-2013). No entanto, a sociedade civil que luta
pelos direitos da população em situação de rua vem apresentando dificuldades
para se articular e desenhar propostas comuns para serem levadas para a
discussão no Conselho de Monitoramento e que sirvam para pressionar o poder
público.
Por todos os seus limites, o Conselho de Monitoramento não é visto pela
sociedade civil (e nem pelo poder público) como um espaço privilegiado de
atuação. Dentro do diversificado repertório de ação da sociedade civil, o
conselho tem tido pouco peso.
Recentemente, a nova gestão municipal do prefeito Fernando Haddad (PT), a
partir de reivindicações da sociedade civil organizada durante a campanha
eleitoral e nos primeiros meses de governo, extinguiu o Conselho de 14 Este fórum deixou de se reunir desde 2011.
15 O Fórum Permanente de Acompanhamento da Política Pública para a População em Situação de Rua
se reúne desde 2009, a partir da discussão da Política Nacional para a População em Situação de Rua.
Nele participam organizações sociais e entidades de direitos humanos visando a articular diferentes fóruns
ligados à população em situação de rua, tirar estratégias comuns e pressionar o poder público para avançar
nas políticas públicas.
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Monitoramento e instaurou, através do Decreto 53.793/2013, o Comitê
Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê
PopRua). O novo espaço não parece superar alguns dos principais desafios do
espaço anterior: segue-se com a lógica de um espaço consultivo, não se
deliberará sobre o orçamento municipal, não estabelece critérios transparentes
para a eleição dos conselheiros da sociedade civil deixando, inclusive, os
primeiros conselheiros a cargo da indicação do Secretário de Direitos Humanos.
Por outro lado, como avanços do Comitê PopRua, se destacam a mudança da
coordenação do comitê para a Secretaria de Direitos Humanos, a função de
desenhar o Plano Municipal da Política para a População em Situação de Rua e
de garantir, periodicamente, a contagem oficial da população em situação de
rua, conforme previsto no artigo 7o da Lei 12.316/1997. Além disso, destaca-se
São Paulo como sendo o primeiro município a aderir, oficialmente, à Política
Nacional para População em Situação de Rua (Decreto nº 7.053).
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Considerações Finais
Não resta dúvidas de que a criação de conselhos gestores de políticas públicas
é um avanço para a construção democrática, no sentido de sua busca por
desenhos institucionais que visem a garantir a participação social. No entanto, a
partir da abordagem sobre o CMH e o Conselho de Monitoramento – que não se
pretende universal e, por isso, não pretende generalizar suas conclusões –
verificamos que apenas contar com o locus da participação não garante avanços
na qualidade desta e nem nos seus resultados sobre as políticas públicas.
Entre os elementos que afetam a capacidade de participação da sociedade civil
na construção das políticas públicas, está o próprio formato do conselho em
questão. Quando o espaço institucional tem poder de decisão e direcionamento
concreto sobre as ações públicas, ou seja, quando o conselho é deliberativo e
opera recursos, a participação se dá em um cenário muito maior de disputas e
correlações de força, mas tem possibilidade de ser efetiva. Já quando o espaço
institucional tem sua capacidade decisória suprimida, ou seja, é um espaço
institucional consultivo e sem finalidade de deliberar sobre os recursos para
determinada política, a participação social é mera formalidade. Dessa forma,
contar com um espaço institucional é importante, mas não garante avanços na
participação e controle social, pois esta pode ser cerceada quando o conselho é
“forte” ou se mostra pouco efetiva quando o conselho é “fraco”.
Por outro lado, contar com um conselho tampouco garante avanços na
realização e na ampliação do acesso à políticas públicas. Uma questão a ser
levantada é a capacidade dos conselhos de permitir que se expresse a
pluralidade de interesses existente na sociedade. A efetivação dos propósitos
participativos desses espaços demanda articulações de interesses mais amplas
e condutas democráticas, respeitando-se a proposta representativa e a
finalidade indissociável dos interesses públicos e sociais. A preocupação com
demandas específicas e corporativas impedem o aperfeiçoamento dos
mecanismos representativos e prejudica o interesses dos grupos minoritários e
menos organizados da sociedade. Desta forma, em vez de avançar para a
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reafirmação dos princípios da participação social, amplia-se a fragmentação dos
atores.
Além disso, é importante destacar que permanece urgente a ampliação de
competência e a pulverização de ferramentas que assegurem a incidência dos
atores em questões estruturais, de modo que as decisões dos espaços de
participação possam interferir, de fato, na configuração dos territórios e
contribuam para a redução das desigualdades sociais.
Nesse contexto, torna-se relevante a questão: qual tem sido significado da
participação promovida no CMH e no Conselho de Monitoramento? A partir da
atuação do poder público das últimas gestões (2009 - 2012) em ambos
conselhos, é possível extrair a tendência ao enfraquecimento dos canais de
diálogo, seja manipulando suas funções e composições, ou relegando-os à mera
formalidade de avalizar as ações do poder público. Neste sentido, a análise do
contexto nos dois conselhos municipais revela o cerceamento da participação e
do controle social, o que pode representar retrocessos à política pública
representativa e democrática.
Dessa forma, o que temos visto é a apropriação do conceito de participação
social e sua ressignificação por um projeto político diferente do projeto originário
democrático-participativo. A participação social promovida em ambos os
conselhos é antagônica à ideia de participação como estratégia para radicalizar
a democracia através da divisão efetiva poder de decisão entre o Estado e a
sociedade civil, promovendo que a sociedade participe na definição das políticas
públicas.
A guisa de conclusão, embora a institucionalização dos conselhos municipais
seja uma conquista, seu formato não assegura a efetiva participação popular e o
avanços na realização e na ampliação do acesso à políticas públicas, uma vez
que seu papel está sujeito às correlações de forças e ao projeto político da
gestão municipal.
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