IV ENCONTRO MARANHENSE SOBRE EDUCAÇÃO, MULHERES E RELAÇÕES DE GÊNERO NO COTIDIANO ESCOLAR – EMEMCE
IV SIMPÓSIO MARANHENSE DE PESQUISADORAS(ES) SOBRE MULHER, RELAÇÕES DE GÊNERO E EDUCAÇÃO
Diversas faces da violência contra a mulher no cotidiano escolar
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
GRUPO DE PESQUISA EDUCAÇÃO, MULHERES E RELAÇÕES DE GÊNERO - GEMGE
Organizadoras
Profª Drª Diomar das Graças Motta - UFMA ProfªMsc. Walkíria de Jesus França Martins - UFMA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.................................................................................................................... p
MULHERES DA ESCOLA, VIOLÊNCIA E MEMÓRIA
Katiana Santos e Sandra Sousa Maria Firmina dos Reis: uma educadora que rompe com códigos de seu tempo................ p
OS PODERES E AS VIOLÊNCIAS CONTRA AS MULHERES NO ESPAÇO ESCOLAR
Ana Lúcia Sousa e Maria José Rodrigues A violência contra as mulheres e suas implicações no cotidiano escolar............................ p
Gilvaneide da Silva, Francilene Matos e Ilzeni Dias O uso do poder na violência contra a mulher nas relações de trabalho no espaço escolar p
Maria do Socorro Botelho
As formas de violência na escola nos relatos das mulheres................................................... p
Marianne Machado e Ana Lúcia Sousa Violência contra mulher não é caso só de polícia................................................................ p
Patrícia Ataíde Mulher e violência de gênero nas relações escolares.......................................................... p
Sirlene da Silva A mulher e a sexualidade: faces e interfaces da violência no espaço escolar..................... p
Zeila Albuquerque e Diomar Motta Violência contra mulher: ações educativas desenvolvidas na casa-abrigo de São Luís – MA....................................................................................................................................... p
DIVERSIDADE SEXUAL E VIOLÊNCIAS NA E DA ESCOLA
Alda Margarete Santiago A voz da escola é masculina: problematizações sobre violências e diversidades............... p
Rarielle Lima A igualdade da diferença: estudos preliminares sobre diversidade e violência na escola p
CULTURA ESCOLAR E VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Cecília Ordoñez À flor da pele: a representação das meninas na prática de atos violentos na escola......... p
Elisangela Gomes Reminiscências africanas e violência no cotidiano escolar................................................. p Maria Celia Melo
A presença da mulher aluna no ensino superior: uma reflexão das relações de Gênero nos Cursos de Graduação da área tecnológica e exata na Universidade Federal do Maranhão.............................................................................................................................. p
Marília Maia e Rosiane Rodrigues A permanência da linguagem excludente de gênero na escola: o ensino de gênero do substantivo na gramática normativa.................................................................................... p
Thayza Felipe e Sandra Sousa A influência da cultura escolar no combate à violência de gênero...................................... p
VIOLÊNCIA NA ESCOLA NA ERA DIGITAL
Anne Karoline Dias e Rarielle Lima Violência virtual e seu estrago real: refletindo sobre o cyberbullying na escola................. p
Heline Lima e Isabel Freire O cyberbullying e suas implicações no interior da escola.................................................... p
Walkíria Martins Violência disciplinar: o discurso da regulação na escola....................................................... p
MULHERES DA ESCOLA, VIOLÊNCIA E
MEMÓRIA
MARIA FIRMINA DOS REIS: UMA EDUCADORA QUE ROMPE COM CÓDIGOS DE SEU TEMPO
Santos, Katiana1 ; Sousa, Sandra
2
1Aluna do Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade – Mestrado Interdisciplinar, Universidade Federal
do Maranhão. 2 Doutora em Ciências Sociais; Professora do Departamento de Sociologia e Antropologia, Universidade Federal
do Maranhão. Email: [email protected]; [email protected]
Pensar a mulher no século XIX nos motiva a perceber a trajetória de luta e os rompimentos com os códigos e valores que muitas delas precisaram realizar. A mulher oitocentista é representada
historicamente como cidadã inferior ao homem, modelo que tem sido designado como patriarcal e
representativo das relações de poder. No conjunto dos discursos oficiais e legitimadores da
estrutura social, os códigos religiosos marcam as relações sociais e ditam as regras aos quais
famílias são submetidas. Há uma necessidade de manutenção destes modelos, visto que a inserção e
permanência nos grupos sociais dependem da adequação e fortalecimentos dos vínculos entre as
instituições vigentes.
A educação formal das mulheres no Brasil não era pautada nas discussões dos
governantes, tão pouco foco de preocupação para as famílias. Somente no século XIX, na segunda
década, observamos mudança na legislação brasileira que contemplava o ensino das mulheres.
Ao longo de todo século XIX identificamos vozes isoladas que tentaram, de alguma
forma, questionar, propor ou mesmo inovar no que se refere ao ensino e condição de vida das
mulheres no país. Através da literatura, das artes, da educação, mulheres pioneiras iniciaram
mudanças pontuais que com o passar dos séculos se configuraram em grandes avanços.
Discutiremos neste trabalho algumas facetas da educação feminina no Brasil no século
XIX, fazendo um breve apanhado histórico da situação da mulher na Colônia e Império.
Posteriormente, analisaremos o caso da maranhense Maria Firmina dos Reis, mulher, educadora e
escritora que deu grandes contribuições no campo literário e educacional deste Estado.
Educação Feminina no Brasil: um percurso marcado por violência e negação de acesso
Entender as nuances de um processo histórico é um trabalho árduo e pautado numa base
teórica bastante sólida. Quando estamos falando dos excluídos da história (PERROT, 1998) como é
o caso das mulheres este esforço de perceber o outro se faz ainda mais complexo e desafiador.
Alguns motivos podem ser elencados aqui, mas vamos nos deter aquele que julgamos como
primordial, o fato destas mulheres não participarem como protagonistas de suas trajetórias de vida.
Muitas delas têm suas vidas determinadas, no período do Brasil Colônia e Império, por suas
famílias que lhes arranjam casamentos, destinam-nas aos conventos e decidem sobre os rumos de
suas vidas de modo a anular suas vontades, desejos e sonhos (PRIORI, 2006).
Como afirma Dias (1995) repensar e reconstruir os papéis sociais ocupados pelas
mulheres no cotidiano nos instiga a refletir sobre a integração destas ao processo histórico e se
constitui uma forma peculiar de desmitificar e superar antigos preconceitos.
A mulher como categoria histórica ganha corpo e espaço nos debates acadêmicos desde
o final do século XX com o advento da Nova História. A partir da Escola dos Annales o modelo
tradicional de pensar a história foi sendo questionado, dando margem ao surgimento de novas
categorias históricas.
Para os fundadores dos Analles, porta-vozes da história nova, o eixo das preocupações do historiador, o objeto da história, são o homem e sua atividade. Cuidado, entretanto, com as confusões semânticas: quando se diz homem não se quer dizer personagem, em um sentido tão caro a tantos historiadores que viam a história como o resultado da soma das ações dos heróis ou dos gênios, cujo cenário natural era constituído pela guerra e pela política. [...] e podemos entender bem que a história nova, que os fundadores dos Analles contribuíram decisivamente para criar, é uma história do homem e de seu grupo social, em suma: uma história da sociedade em movimento (CARDOSO; BRIGNOLI, 2002, p. 349).
Pensar o sujeito histórico, a sociedade e a dinâmica da sociedade nos leva a voltar o
olhar para novos horizontes, superar antigos preconceitos e trabalhar com novos conceitos e
categorias.
Para pensar este cenário sócio histórico, que se revela bastante diversificado e
complexo, é necessário utilizar metodologia diferenciada que contempla as várias facetas sociais e a
relação do sujeito com estas mudanças. Pensar a História, sob este prisma, leva o pesquisador a
explorar campos bem distintos, que até então ficavam à margem das pesquisas e grandes estudos.
A categoria mulher ganha força neste período de efervescência teórica e metodológica.
Mary Del Priori afirma que por muitos séculos este sujeito sócio histórico ficou à margem da
sociedade, exercendo papéis secundários na trama social. Exercia papel secundário nos grandes
estudos, e consequentemente, na historiografia nacional (PRIORI, 2006).
Na história do Brasil muitas figuras femininas foram importantes para a concretização
de eventos históricos de relevância. Ressaltamos que os fundadores dos Analles já sugeriam que as
novas categorias não deveriam ser exploradas, apenas, devido sua ligação com marco histórico de
relevância, mas que o papel do historiador deveria ser pensar o ser social no cotidiano, em
atividades simples, contribuindo de forma decisiva para a escrita da História (CARDOSO;
BRIGNOLI, 2002).
A mulher como ser sócio histórico importante, contempla todos estes espaços. Neste
sentido percebemos a mulher exercendo papéis distintos, ora protagonizando sua história na
sociedade, ora sendo figurante dos enredos culturais.
O Brasil como colônia da Coroa Portuguesa teve, desde sua colonização, a influência
dos valores sociais advindos das terras além mar. Tal concepção estendeu-se quando o assunto eram
as questões femininas.
Na Colônia o papel da mulher era bem definido pelos preceitos da Igreja Católica.
Conforme os escritos bíblicos a mulher deveria ser submissa ao homem. Desde sua origem, na pessoa
de Eva, a mulher entrou em contato com as forças malignas, desencaminhando o homem, personificado
em Adão. Por este erro, as mulheres deveriam pagar com o silêncio e submissão. A mulher na colônia
era vista como aquela que devia obediência ao homem, que tem seus hábitos regulados para que não
caia em tentação ou cometa alguma transgressão aos bons costumes, são mais afeitas às ordens
malignas, por isso mais adeptas às bruxarias e outras formas de encantamento (ARAÚJO, 2006). Esta
visão do feminino permitiu que às mulheres fossem renegados espaços de participação, visto que
tomando a mulher como afeita ao erro e ao maligno, temos na outra ponta o homem detentor do saber,
representante divino e, portanto, à eles deveriam estar todos submetidos.
Destacamos que neste período histórico, a imagem da mulher estava intimamente ligada
à produção do discurso religioso. Para a Igreja, a mulher era representada como aquela que, nos
primórdios, exerceu o papel de levar o homem ao erro, contribuindo para a condenação de toda
humanidade. Por este delito, ela foi renegada a uma condição secundária, carregando por vários
séculos o estigma de pecadora. Este episódio justificava a superioridade masculina que norteou a
educação religiosa e social durante muito tempo, ainda tendo espaço nos tempos atuais. A Igreja,
como instituição de grande notoriedade tinha poder para ordenar a organização social das famílias,
sendo fundamental no processo de educação na Colônia.
Para manter as mulheres sob a tutela de suas famílias e obedientes ao marido, a escola
oferecia um ensino diferenciado. A educação feminina no período colonial era destinada ao bom
funcionamento do lar, ou seja, “ler, escrever, contar, coser e bordar” (ARAÚJO, 2006, p. 51). Além
disso, nas igrejas todo ensinamento religioso destinava-se à regular e doutrinar as mulheres, sob a
ótica da dominação e submissão.
Tal situação se perpetuou durante alguns séculos da formação social do Brasil, então
atrelado à Coroa Portuguesa. Durante o Império a educação feminina permaneceu sob a
responsabilidade da igreja. As elites brasileiras não dispunham grandes esforços para a questão da
educação de suas mulheres, personificadas em filhas, sobrinhas, irmãs, entre outras mulheres
ligadas aos grupos de maior poder na sociedade brasileira. É consenso entre os pesquisadores
brasileiros que a educação escolarizada feminina até meados do século XIX não era fator de
preocupação para a sociedade patriarcal oitocentista (MANOEL,1996).
Nas escolas, por exemplo, o ensino de meninas e meninos era diferenciado. Para
meninas um currículo que contemplava língua estrangeira, português, economia doméstica e
afazeres voltados para a rotina de uma casa, como bordado. Diferentemente, para os meninos aulas direcionadas para alcançar o ensino Superior.
O Ensino Secundário permitido às mulheres só acontecia para as filhas de famílias abastadas, dado que era eminentemente particular. Mesmo assim, havia diferença no ensinamento para os homens e para as mulheres das classes sociais mais favorecidas. Os homens eram geralmente preparados para o Ensino Superior e, para as mulheres, sobrava o contentamento de poderem se aperfeiçoar em línguas estrangeiras e aprender a serem boas ‘donas de casas’. Embora de forma muito simplificada, nos estabelecimentos de ensino começava-se a permitir a figura de meninos e de meninas como alunos e alunas, com direito à instrução sem grandes diferenças nas disciplinas ministradas. A grande inovação era a inclusão das meninas, que receberiam o mesmo tipo de instrução dos meninos, exceto o ensino de geometria. Em vez deste, elas teriam ensinamentos de prendas que serviriam à economia doméstica. Embora com esta abertura, ainda havia o recorte de gênero, pois aos meninos era permitido raciocinar abstratamente e às meninas destinava-se o trabalho de prendas do lar (NEVES, 2011, p. 176).
Observamos a lacuna presente na formação das mulheres no Brasil. Podemos destacar
que a função principal da educação feminina era preparar para o cuidado com o lar, no máximo
eram preparadas para se tornar professoras das séries iniciais ou ensino das primeiras letras,
negando às mulheres possibilidades de ascensão em carreiras de maior prestígio social ou que
permitiria uma ruptura com alguns valores daquela sociedade.
A história da educação feminina, podemos afirmar, é marcada por traços de violência,
visto que o saber é essencial na formação do ser humano e base para o alcance de níveis mínimos
de cidadania. As mulheres que aqui estamos nos referindo são aquelas pertencentes às elites, não
falamos daquelas mulheres que estavam à margem da sociedade elitista. Estas não tinham acesso à
educação formal, eventualmente observamos experiências de ensino de crianças pobres, num ato
caritativo, sem formalidade ou sistematização.
Outra característica presente no ensino regular brasileiro das séries iniciais até o século
XIX é a separação entre sexos, meninos e meninas não ocupavam o mesmo espaço nas escolas.
Havia salas de meninas e salas de meninos, obedecendo a ordem social, marcada por preceitos
religiosos.
Algumas experiências oitocentistas vão destoar desta regulamentação de manter
meninas e meninos separados. No Maranhão identificamos uma importante cidadã que permitiu a
estadia de meninas e meninos em salas conjuntas, ofertando um ensino diferenciado. É Maria
Firmina dos Reis, mulher, escritora e porque não dizer, dentro dos limites da palavra “uma
revolucionária”.
Maria Firmina dos Reis: a educadora que rompe com códigos de seu tempo
Como apontamos anteriormente a educação no Brasil foi marcada por códigos e valores
religiosos e elitistas. Não se fazia diferente na Província do Maranhão, onde meninas e meninos
ocupavam lugares diferenciados nas escolas.
Maria Firmina dos Reis tinha real dimensão de sua realidade. Na obra Ursula, escrita
em 1859 a autora revela que aquela era uma obra que não teria muita relevância por ser escrita por
uma mulher de educação limitada e que não teria reconhecimento entre os grandes intelectuais
oitocentistas (REIS, 2004). Mas quem foi esta mulher?
Nascida em São Luís no ano de 1825, em família abastada, foi morar muito nova na
Vila de São José de Guimarães na casa de uma tia, onde viveu e foi educada.
O vilarejo fazia parte do domínio da Comarca de São Luís e despontava como um
importante centro comercial. Ocupada por portugueses, índios e escravos a vila foi tomando corpo e
incorporando marcas da civilidade burguesa europeia, como as igrejas, comércio e escolas.
Neste cenário cresceu a pequena Maria Firmina que conviveu com personalidades como
Sotero dos Reis, do qual tinha relação parental e de quem recebeu incentivo no ingresso para o
mundo das letras. Vivenciou uma sociedade marcada por fortes distinções de segregação racial e
social, subsídios importantes para as ações da educadora e escritora Maria Firmina dos Reis.
Em suas obras o tema do negro é presente, com claras afirmações que expõem seu
posicionamento contrário à permanência e manutenção do sistema escravista no Brasil. Além disso,
rompe com o estilo literário do romance voltado ao público feminino quando escreve Úrsula, onde a
personagem principal se envolve amorosamente, mas não tem o final usual para à época – o final
feliz. Nesta obra a personagem principal fica louca e morre ao final, não desfrutando do “juntos
para sempre”, característico dos romances femininos oitocentista, que destacavam as posições de
sujeito do gênero em relação de oposição e complementariedade. Tal posicionamento de escrita vai
contra o ideal do amor romântico e nos indica pistas de uma crítica feita por Maria Firmina à
condição feminina naquela sociedade.
Outra importante contribuição de Maria Firmina dos Reis está na área educacional. Com
22 anos foi titular da Cadeira de Instruções Primárias, na Vila de São José de Guimarães, onde
desenvolveu suas habilidades no campo do ensino das primeiras letras.
Maria Firmina não teve filhos, tão pouco foi casada. Reunia características suficientes,
para ser vista como “uma mulher que não deu certo”. Firmina justificou sua existência através de
seu trabalho árduo no campo das letras, educação e crítica a alguns postulados da época. Foi de
grande relevância na educação de dezenas de crianças de seu vilarejo, primeiro por ter lecionado
por décadas e, posteriormente, por ter fundado uma escola em sua própria residência na Vila de São
José de Guimarães.
Ressaltamos que o século XIX foi importante no avanço do estudo feminino, antes às
mulheres era negado o acesso ao letramento formal.
A primeira metade do século XIX foi um tempo de aceleração, a vinda da família real modificou a paisagem e os hábitos. Da chegada da família real e corte ao Rio de Janeiro (1808), a colônia tomava-se de ares de Metrópole. Os novos hábitos apresentados pela corte de D. João IV desencadearam um aumento na produção de espetáculos, ampliaram-se as peças teatrais, as óperas, a entrada de livros, etc. Mas data do Império a primeira legislação sobre a educação feminina, em 1827 é ortogada a Lei das Escolas de Primeiras Letras (TAVERES; TABAK, 200, p. 2).
Podemos afirmar que a escolarização sistematizada feminina deu novos ares à condição
da mulher na sociedade. O acesso a outras realidades, mesmo que por meio das letras instigou o
imaginário de algumas mulheres. Muitas destas, como o exemplo de Maria Firmina, se tornaram
pioneiras em áreas distintas, contribuindo para uma mudança significativa do comportamento
feminino nos séculos posteriores.
Até os anos 40 do século XIX, na Província do Maranhão não existia nenhuma escola destinada à formação de professores ou professoras para o magistério. O ensino público e o particular estavam voltados para a instrução do homem, como preparatórios para cursos do Ensino Superior. Em se tratando de ensino público, aquele oferecido para mulheres era de péssima qualidade e as poucas escolas a elas destinadas eram apenas de Primeiras letras, onde as meninas preferencialmente recebiam ensinamentos morais, religiosos, prendas do lar e conhecimentos básicos, tais como leitura, escrita e as quatro operações aritméticas (NEVES, 2011, p. 176).
É nesse contexto que esta inserida Maria Firmina dos Reis, numa realidade de
segregação, exclusão e violência, onde mulheres eram doutrinadas para servirem bem seus maridos
e conduzirem perfeitamente as atividades do lar. A precariedade no ensino era latente e produz
efeitos nos discursos de governantes durante todo século XIX. Todos apontam para uma
necessidade de melhorar a “instrução”, aqui a preocupação destina-se exclusivamente ao
aperfeiçoamento das escolas de preparo para homens. Um ponto de dificuldade ressaltado nos
estudos sobre a educação no Maranhão no século XIX foi a descontinuidade das propostas
pedagógicas, que a cada mudança de governo provincial era modificada, esquecida ou até anulada.
Estas rupturas trouxeram sérios problemas para o sistema educacional maranhense (NEVES, 2011).
Abordando a temática do pionerismo e retomando a questão educacional identificamos
no Maranhão a existência de escolas mistas, ou seja, escolas que permitiam a convivência de
meninos e meninas no mesmo espaço e recebendo educação equiparada. Para os valores
oitocentistas esta se configurava uma grande ousadia, visto que a separação entre os sexos era
muito defendida entre as elites e religiosos que detinham o poder político.
Relatos afirmam que Maria Firmina dos Reis, após aposentar-se da função de professora
de primeiras letras, criou aquela que é considerada por estudiosos como Nascimento Moraes Filho a
primeira escola mista e gratuita do estado do Maranhão. Esta opção reflete a trajetória de vida de
Maria Firmina dos Reis que optou sempre por questionar certos valores usuais em sua sociedade.
Assim se posicionou contra o escravismo, ideia claramente defendida em suas obras literárias;
questionou o ideal de amor romântico, quando em algumas de suas obras não perpetua com a escrita
comum para os romances femininos oitocentista. Firmina ao dar possibilidade de acesso aos estudos
a meninas e meninos pobres, podem alguns questionar, somente reproduz um costume do Império,
onde muitas professoras abriam em suas residências turmas de ensino. O diferencial refere-se ao
fato de as turmas de Firmina serem fundamentadas no modelo misto, onde estudantes, independente
do sexo teriam acesso simultâneo ao saber. Esta atitude consiste num grande avanço para os valores
da época, que não permitiam o ensino misto.
Considerações Finais
Pensar na mulher no século XIX é uma atividade prazerosa, porém o prazer não está
dissociado do trabalho árduo e incessante. As fontes escassas, os textos frutos de uma época onde
ser homem era sinônimo de ser superior instigam o/a pesquisador/a a identificar todos os tons deste
cenário complexo.
É sabida a condição de inferioridade a qual milhares de mulheres viveram durante mais
de trezentos anos de nossa história. Entretanto o século XIX foi palco de importantes mudanças
encabeçadas por muitas pioneiras, que sabedoras ou não de sua ousadia, se permitiram questionar a
ordem estabelecida e realizaram ações pontuais que contribuíram para mudança de todo um
ordenamento.
Maria Firmina dos Reis foi uma destas pioneiras encontradas no século XIX, hoje um
pouco esquecida, cabe a ela um busto no Museu Artístico e Historiográfico do Maranhão, situado à
Rua do Sol desta capital, duas escolas de ensino fundamental que levam o seu nome, uma situada
no bairro da Cohama desta capital e outra no município de Guimarães, uma rua em sua homenagem
também em terras vimarenses1 e seu túmulo, na cidade que viveu, aberto à visitação. Ademais, cabe
a nós pesquisadores/as resgatar os feitos desta mulher.
Como educadora Maria Firmina propôs um questionamento importante para os
postulados educacionais oitocentistas. O governo sabia da carência educacional do Estado e as
famílias encontravam dificuldade para educar formalmente seus filhos, mas pouco se fazia. Firmina
propõe à sociedade do século XIX que se unam meninos e meninas, que se confiem a eles uma
educação igualitária e pública, no qual o critério de acesso era exclusivamente a vontade de querer
aprender.
Com o nome atrelado à primeira escola de ensino misto e público do Maranhão, Maria
Firmina dos Reis fala da Vila de São José de Guimarães para o Estado através de atos e palavras.
Seus livros e poesias atravessaram os tempos e hoje nos permitem visualizar a sociedade
oitocentista, nas suas entrelinhas, nos seus impasses e em suas querelas.
1 Vimarense diz respeito a pessoas e localidades da cidade de Guimarães.
Referências
ARAÚJO,Emanuel. A arte da sedução: sexualidade feminina na Colônia. In PRIORI, Mary Del (org.). História das Mulheres no Brasil. Ed. São Paulo.Contexto, 2006. CARDORO, Ciro Flamarion; BRIGNOLI, Héctor Pérez. Os métodos da História. 6ª ed. Trad. João Maria. Rio de Janeiro. Edições Graal, 2002. DIAS, Maria Odila Leite da Silva. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. ed. 2. rev. São Paulo: Brasiliense, 1995. MANOEL, Ivan Aparecido. Igreja e Educação Feminina (1859–1919): uma face do conservadorismo. São Paulo. Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. NEVES, Raimundo Luna. Escola Normal no Maranhão no período 1838-1888. In: FARIA, Regina Helena Martins de.; COELHO, Elizabeth Maria Beserra (org.). Saberes e fazeres em
construção:Maranhão, séc XIX-XX. São Luís, EDUFMA, 2011. PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Trad: Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
PRIORI, Mary Del (org.). História das Mulheres no Brasil. Ed. São Paulo.Contexto, 2006. REIS, Maria Firmina dos. Úrsula. (1859). Minas Gerais: Editora Mulheres – PUC/MG, 2004. TAVARES, Eleuza Diana Almeida; TABAK, Fani Miranda. Literatura e História no romancefeminino do Brasil no século XIX: Ursula. Bahia, 2007. Disponível in:<http:www.uesc.br/seminariomulher/anais>. Acesso em: 29 jan 2013.
OS PODERES E AS VIOLÊNCIAS CONTRA AS
MULHERES NO ESPAÇO ESCOLAR
A VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES E SUAS IMPLICAÇÕES NO COTIDIANO ESCOLAR
Sousa, Ana Lúcia1; Rodrigues, Maria José
2
1 Mestra em ciências sociais pela UNIA. Professora substituta do Departamento de Informática da UFMA/ Pólo
Codó. 2 Mestra em educação pela UFMA e licenciada em Historia pela mesma instituição. Professora da educação
básica da rede pública (SEMED/SEDUC). Email: [email protected]; [email protected]
Os estudos sobre a violência contra a mulher são amplos e tem contribuído juntamente com a ação dos movimentos sociais para questionar e combater esse fenômeno social. As pesquisas recentes sobre a violência doméstica contra a mulher e seus desdobramentos no seio familiar demonstram que o ambiente familiar violento interfere diretamente no cotidiano escolar de crianças e jovens.
Neste contexto, este artigo discute sobre a violência contra a mulher e suas implicações no
cotidiano escolar dos seus filhos e filhas, procurando entender como essa questão tem sido discutida
pela academia. Metodologicamente, empregamos o estudo bibliográfico com análise interpretativa.
Fizemos uso ainda de boletins informativos da Secretaria da Mulher do Estado do Maranhão,
Constituição Federal do Brasil.
O texto esta estruturado da seguinte forma: um breve panorama sobre a violência contra
amulher, no qual compreendemos que os estudos de gênero têm contribuído para a compreensão
daprática da violência contra a mulher; o Maranhão e o enfrentamento da violência contra a
mulher, onde destacamos ações do poder público maranhense no sentido de enfrentar essa
problemática social; a violência contra a mulher e implicações no cotidiano escolar dos seus filhos
e filhas, onde buscamos conhecer e entender as consequências da violência sofrida pelas mães de
estudantes no processo ensino aprendizagem dos mesmos.
Um breve panorama da violência contra a mulher
Os estudos sobre desigualdade de gênero têm contribuído para formar o perfil feminino na
sociedade e consequentemente descrever o mapa da violência contra a mulher, no que vai
demonstra o quanto ainda é forte o poder patriarcal e as consequências advindas desse poder. A
construção do conceito de feminismo possibilitou um novo olhar para essa mulher, onde foi
possível conhecer o trabalho, o cotidiano e as relações entre homens e mulheres.
Historicamente podemos observar que as regras sociais contribuíram significativamente
para estabelecer a relação e convivência entre homem/mulher e, entender que é na dependência
financeira da mulher que se dava (e ainda da) a relação de dominação do homem, que é considerado
um “poder gerenciador” da especificidade da mulher no processo de reprodução e acasalamento1.
1 PITTENDRIGH, Colin. Perspectives in the study of biological clocks in: Perspectives in Marine Biology. La Jolla:
Scripps Institution of Oceanography, 1958.
Nesse sentido, podemos entender que a construção de uma identidade masculina e
feminina foi norteada por uma construção biológica e social. Para Carvalho (1998), o conceito de
feminismo utilizado na contemporaneidade é o proposto pelo movimento feminista - a diferença.
Diferença essa rejeita pelo pressuposto da igualdade.
E é a partir desse mosaico que se defini a relação entre homem e mulher e a violência
contra a mulher se apresenta. Nessa perspectiva, a violência se define como: algo pertencente
àessência humana, queo teórico Thompson Hobbes justifica a “tal” violência e diz ainda: o homem
é governado por um desejo que gera conflitos e nesse sentido concebe a vida, como sendo a busca
da sobrevivência e pela preservação da existência humana.
Ainda para o teórico:
A violência é uma constante na natureza humana. Desde a aurora do homem e, possivelmente, até o crepúsculo da civilização, este triste atributo parece acompanhar passo a passo a humanidade, como lembrar, a cada ato em que reemerge no cotidiano, nossa paradoxal condição, tão selvagem quanto humana.
Como vemos, a violência masculina perpassa as fronteiras da civilização, esse sentimento
que extrapola o respeito entre o homem e a mulher, tornando-se a convivência familiar e conjugal
difícil e quase mortal. A condição de submissão a que as mulheres são submetidas inviabiliza uma
harmonia entre os pares e a violência acaba por ser uma conduta diária e constante. Esse elo nas
relações entre homens e mulheres, é que acometem as violências (quer sejam físicas, psicológicas e
sexuais), essa comprovação é apresentada em estatísticas por organizações não governamentais e
por órgãos públicos.
A violência contra a mulher é histórica e no Brasil existe desde o período colonial. A
violência contra as meninas e as mulheres era muito comum, para a sociedade, o homem detinha
total direito sobre sua mulher, filha e serva, o que lhe garantia direitos sobre elas e sobre suas vidas.
Os castigos impostos às mulheres e meninas eram tidos como normais. A ordem familiar e
patriarcal existente na sociedade, no sentido de entender a relação de poder e de hierarquia na
relação homem/mulher e com essa norma a mulher e a menina eram mantidas sobre o mais rígido
controle de comportamento1.
Como podemos observar, existe uma “cultura” da violência, que no Brasil seguiu a ordem:
crianças, escravos, escravas e não escravas, neste último caso, com o passar dos anos, os castigos se
transformaram em violência e se intensificaram, passando a ser executada por pessoas muito
próxima (pais, irmãos, namorados e companheiros), as que deveriam ampará-la e respeitá-la.
Segundo a Organização Mundial de Saúde2 (OMS), a violência é definida com um dano ao
um organismo vivo, ou seja, qualquer comportamento que tem como objetivo causar dano a outrem.
Ainda segundo a OMS, a violência contra a mulher não está implantada na lógica da pobreza ou da
1 SOARES, Bárbara Musumeci. Mulheres Invisíveis. Violência Conjugal e Novas Políticas de Segurança. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, 1999, p. 25.
2 Organização Mundial da Saúde. 2005.
desigualdade social e cultural, mas alicerçada diretamente no preconceito, na discriminação e no
abuso de poder que possui o agressor com relação a sua vítima, a mulher em razão de suas
peculiaridades, aspectos físicos, idade e situação e dependência financeira é considerada a parte
vulnerável dessa relação.
Para que haja uma maior compreensão sobre o assunto aqui explicitado, se faz necessário
diferenciar a violência de gênero e a violência doméstica, pois a pesar de se interligarem existe uma
diferenciação.
A violência de gênero é caracterizada forma extensa, em se constitui como expressão das
mais variadas formas de violência contra a mulher; de forma a submetê-la ao sofrimento físico,
psicológico, bem como as ameaças no espaço familiar, como também no espaço social.
Para Souza (2007, p 35) a violência de gênero:
[...] Se apresenta como uma forma mais extensa e se generalizou como uma expressão utilizada para fazer referência aos diversos atos praticados contra mulheres como forma de submetê-las a sofrimento físico, sexual e psicológico, aí incluídas as diversas formas de ameaças, não só no âmbito intrafamiliar, mas também abrangendo a sua participação social em geral, com ênfase para as suas relações de trabalho, caracterizando-se principalmente pela imposição ou pretensão de imposição de uma subordinação e controle de gênero masculino sobre o feminino. A violência de gênero se apresenta, assim, como um ‘gênero’, do qual as demais são espécies [...]
Como violência doméstica pode entender como ato de maltrato, no seio de um domicílio,
residência ou qualquer lugar que resida um grupo familiar. Para esse tipo de violência se observa
que o termo utilizado já se denomina para violência familiar, ou seja, pode ser vitimado qualquer
membro da família.
A Constituição Federal (Brasil, 1989), não só dispõem sobre a proteção para a infância e
juventude, como amplia os direitos da mulher, como exemplos: o artigo 5º, I disciplina que homens
e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição, e o artigo 226, § 5º,
dispõe que direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem
e pela mulher (Moraes, 2004).
O Maranhão e o enfrentamento da violência contra a mulher
A violência em todas as suas formas (psicológica, física, moral, patrimonial, sexual) atinge
mulheres de todas as classes sociais, origens e religiões, estado civil, escolaridade ou raça. A
frequência de casos de violência contra as mulheres em seus lares e nos espaços públicos tem como
consequência, a tolerância e a banalização dessa triste realidade.
Tal realidade pode acontecer em qualquer lugar, porém nos dias de hoje, os maiores índices
acontece nos lares, o que os torna um ambiente inseguro. As agressões ocorrem com frequência no
convívio familiar e os agressores das mulheres, geralmente são esposos, namorados, pais, parentes,
colegas de trabalho, pessoas próximas de sua convivência doméstica e familiar. E, além de
comprometer a saúde física, a violência traz também sérios danos psicológicos (Parry Scott ET,
2010).
Ao longo das últimas décadas, o Estado brasileiro tem reconhecido que o fenômeno da
violência contra a mulher constitui uma das principais formas de violação dos seus direitos
humanos, atingido em seus direitos à vida, à saúde e à integridade física. Suas ações tem se
materializado através da criação de órgãos e instituições voltadas a minimização/superação dessa
situação.
Segundo Santos (2013), em face da conjuntura favorável para o avanço do estado
democrático de direito, o Estado passou a incorporar e promover em suas agendas de governo,
políticas afirmativas na perspectiva da equidade de gênero, discutindo sobre a relação de gênero,
objetivando provocar mudanças na sociedade com o intuito de romper com a discriminação e o
preconceito. A efetivação de políticas públicas para as mulheres proporciona seu empoderamento e
autonomia pessoal, política, econômica e social gerando a participação das mulheres nos espaços
públicos e privado de forma democrática e igualitária.
No Maranhão a atuação do Estado no enfrentamento à violência contra a mulher se
materializa através da Secretaria de Estado da Mulher que tem como propósito desenvolver planos
eprogramas visando o enfrentamento das desigualdades e a defesa dos direitos das mulheres, bem
como a articulação com setores da sociedade civil e órgãos públicos e privados, incorporando a
transversalidade de gênero nas políticas públicas estaduais e municipais (SECRETARIA
DAMULHER, GOVERNO DO ESTADO DO MARANHÃO, 2013).
No Maranhão, o Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher foi assinado
em 2008 e suas ações incluem campanhas que visualizam as diferentes expressões de violência de
gênero, sofridas pelas mulheres e que rompam com a tolerância da sociedade frente a esse
fenômeno. No tocante à violência doméstica, a prevenção foca a mudança de valores, em especial
no que tange à cultura do silêncio, quanto à violência contra as mulheres no espaço doméstico e à
negação do problema pela sociedade (ARAUJO 2013, p.33).
Dentre algumas ações realizadas pela SEMU/MA destacam-se a intolerância, mobilização e
empoderamento de lideranças feministas, diálogo e aproximação com os grupos de mulheres,
palestras, capacitações, seminário sobre a aplicabilidade da Lei Maria da Penha para operadoras do
direito; capacitação de trabalhadoras rurais e sensibilização do poder público.
Nesse contexto destacam-se algumas ações desenvolvidas no último triênio pela SEMU:
- Programa de rádio “Se liga mulher” que está no ar todas as sextas-feiras, no horário das 12h30
às 13h, pela Rádio Timbira (1290 AM). O referido programa apresenta entrevistas, informações
diversas sobre os serviços da rede de atenção à mulher, dados sobre violência contra a mulher,
divulgação das ações da SEMU e de parceiros e mobilização para as ações de intolerância, entre outros;
- Assessoramento técnico para criação da Secretaria Municipal da Mulher e do Conselho
Municipal de Defesa dos Direitos das Mulheres;
- Projeto de beneficiamento de mel com geração de renda para as mulheres da localidade de
Centro dos Martins;
- Assessoramento técnico na elaboração dos Planos Municipais de Políticas para as Mulheres;
- Capacitação nas temáticas de gênero, sexualidade e violência doméstica e sexual realizada pela
Secretaria de Estado da Mulher (SEMU). A ação é financiada com recursos da Secretaria de Política
para Mulheres da Presidência da República (SPM/PR) integra o Pacto Nacional pelo Enfrentamento
à Violência contra as Mulheres.
- Intinerância realizada pela equipe do laboratório de tecnologia social Viva Mulher, com o
objetivo de desenvolver ações diversas de acesso à informação e cidadania para as mulheres do
Maranhão.
- “Realização de palestras sobre a Lei Maria da Penha pela equipe do Programa Viva Mulher”,
promovido pelo Ministério Público do Estado do Maranhão através do projeto "Lei Maria da Penha nas escolas”. A atividade teve como público alvo estudantes de 15 escolas de São Luís
(INFORMATIVO, 2013).
A violência contra a mulher: implicações no cotidiano escolar dos seus filhos e filhas
Apesar do tema já ser significativamente divulgado e estudado, as pesquisas mostram
apenas uma realidade parcial, já que os dados sobre violência contra a mulher não abrangem todos
os sujeitos, em especial os filhos e filhas das vítimas dessa violência. Desse modo contribui para
manter, em parte, a invisibilidade desse problema social, o que dificulta sua inclusão nas políticas
públicas (FORO, 2008).
As pesquisas, da Vara Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher,
realizadas no município de São Luís, revelam que 47% dos agressores dos casos registrados na
justiça são naturais de São Luís, contra apenas 17% de outros municípios, sem, contudo especificar
se da zona rural ou urbana.
Para entender a violência, além da condição feminina, podemos citar a violência
intrafamiliar, que pode ser conceituada como toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a
integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro
da família. Portanto, a violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência
ocorre, mas também nas relações que se constrói e efetua1.
1. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Brasília/DF. 2002.
Segundo o Banco Mundial (Heise 1993), A violência intrafamiliar representa quase umano
perdida de vida saudável, em cada cinco milhões de mulheres entre 14 a 44 anos, isso implicaa
uma perda de força de trabalho do universo feminino, sendo, portanto, considerado um problema de
saúde pública.
Para Candau (1999), dentro desse universo de violência, a relação entre ambiente familiar
violento e escola interfere diretamente no cotidiano escolar de crianças e jovens. O que nos remete a
uma realidade social de que, a violência contra mulher perpassa o espaço privado e adentra o espaço
escolar. Para a autora, crianças e jovens que testemunham a violência dentro de casa, e que também
são agredidos pelos pais, tendem a ser agressivos e terem comportamentos violentos.
Ainda segunda a mesma autora, crianças e jovens que vivem em ambientes violentos, tem
dificuldade em definir o que é “justo”, pela particularidade de suas experiências com a violência. Essa marca fica muito mais forte quando agregada a outros fatores como: a condição econômica, de
habitação, de emprego e alcoolismo. A violência tem múltiplas faces e traz consigo muitos
agravantes.
A violência contra a mulher não vitimiza somente a mulher, mas toda a família. E nesse
processo, a sociedade cria filhos e filhas que ela mesma estereotipa e considerados “desajustados”. Esses sujeitos, vítimas dessa violência são rotulados, caracterizados e definidos pela violência que
praticam contra outros sujeitos e não entendidos pela violência sofrida.
Segundo pesquisas recente, o aluno ou aluna que vem de um lar violento, poucas
possibilidades lhes são oferecidos pelo Estado. As políticas públicas existentes são poucas e muito
pouco ainda, tem oferecido de ações para resgatar esses sujeitos dessa condição de violência. O
espaço escolar se torna o único refugio para essas crianças e jovens.
Para Cardia (1997), a violência doméstica e a violência no bairro contribuem
consideravelmente a banalização e naturalização da agressão física na escola.
Como podemos observar existe por parte do Estado uma negligência em lidar com essa
problemática e também de criar uma nova perspectiva, que viabilize condições humanas para a
mulher que sofre violência e seus filhos/as, vítima desse processo.
Nossas escolas não estão preparadas para receber essas crianças e jovens. Seus
profissionais são despreparados para compreender os sujeitos e suas implicações e nessa
perspectiva, essas crianças e jovens chegam à escola com alto grau de stress, dificultando assim,
seu ensino-aprendizagem e sua relação social com os colegas de escola.
Conclusão
As ações do Estado, na última década, no sentido de coibir à violência contras as mulheres
são reflexos das mobilizações sociais e refletem na criação em todo o território nacional de
campanhas, órgãos e instituições especializadas. No Maranhão, assim como em outros estados, a
Secretaria de Estado da Mulher (SEMU) vem atuando de forma a contribuir na redução da violência
de gênero, mas ainda faltam estudos que subsidiem estratégia de ação que visse, por parte desse
órgão, o desempenho escolar dos filhos e filhas de mulheres vítimas de violência
Entendemos que a violência sofrida pelas mães dos estudantes no ambiente doméstico tem
reflexo direto no processo ensino aprendizagem dos mesmos, produzindo desinteresse, desatenção,
apatia e agressividade o que contribui para um baixo rendimento escolar.
Nessa perspectiva, percebemos que há uma série de implicações emocionais, sociais e de
poder que são constituídos a partir dessa conflituosa relação entre pai, mãe e filhos/as dentro do lar.
Portanto, é no espaço escolar que possivelmente pode haver a construção/resgate social e
de direito. Essa construção perpassa todo o ambiente escolar, a equipe que constitui a escola precisa
está preparada para saber identificar problemas relacionados à violência doméstica e que essa
conscientização possibilite na criação de estratégias de enfrentamento para amparar e incluir os
sujeitos que estão de uma maneira ou de outra, estão sendo excluídos do processo ensino-
aprendizagem e do espaço escolar por sofrerem as consequências da violência contra a mulher.
Referências
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CANDAU, Vera Lúcia. Escola e Violência. Rio de Janeiro, DP&A. 1999.
CARVALHO, Marília Pinto de. Gênero e trabalho docente: em busca de um referencial teórico. In: BRUSCHINI, Cristina; BUARQUE DE HOLLANDA, Heloísa (Orgs.). Horizontes plurais: novos estudos de gênero no Brasil. São Paulo: Editor 34/ Fundação Carlos Chagas, 1998. INFORMATIVO: VIVA MULHER. Ano II, nº 3, marco/abril 2013. Disponível em: www.semu.ma.gov.br. Acesso 27 setembro 2013. ______. Ano I, nº 6, 6 Setembro/Outubro 2012. Disponível em: www.semu.ma.gov.br. Acesso 27 setembro 2013. MORAES, A. (2004). Direito Constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas PITTENDRIGH, Colin. Perspectives, in the study of biological clocks In: Perspectives in Marine Biology. La Jolla: Scripps Institution of Oceanography, 1958. SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Direitos humanos e as práticas de racismo. Brasília: Câmara dos deputados, edições Câmara, 2013. – (série temas de interesse do Legislativo; n. 19)
SCOTT, Parry ET AL. Onde mal se ouvem os gritos de socorro: notas sobre a violência contraa mulher em contextos rurais. In: Gênero e geração em contextos rurais/ organizadores ParryScott, Rosineide Cordeiro e Marilda Menezes. – Ilha de Santa Catarina: Ed. Mulheres, 2010.
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O USO DO PODER NA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO ESPAÇO ESCOLAR
Silva, Gilvaneide da1; Matos, Francilene de
2; Dias, Ilzeni
3
1 Mestranda em Educação pela UFMA.
2 Mestranda em Educação pela UFMA. Bolsista em nível de mestrado pela CAPES.
3 Doutora em Educação pela USP e Pós-Doutora em Sociologia pela UFPR. Professora e pesquisadora do Mestrado em Educação e do Curso de Pedagogia da UFMA e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Trabalho e Educação -
Políticas e Práticas de Formação Profissional. Email: [email protected]; [email protected]; [email protected]
A mulher está em constante luta em busca da conquista de seu espaço em todos os setores da sociedade, frente à demarcação masculina e o predomínio de sua ideologia em toda a sociedade.
Entretanto, as discussões atualmente estão, para além da relação de poder entre os gêneros,
tornando mais adequada a discussão acerca do uso de poder que gera violência contra a mulher.
Sugere-se, assim, a abertura do questionamento sobre o papel da escola na legitimação
dessa ideologia, através da observação sobre as diversas faces da violência contra a mulher no
cotidiano escolar. Sendo eleita para este estudo a discussão sobre o uso do poder que revela a
violência nas relações de trabalho da mulher.
No intuito de dar melhor introdução ao assunto, faz-se um resgate sobre o poder nas
relações de trabalho, utilizando-se como base a análise sobre os modos de produção e os estudos
acerca do poder nas organizações.
Em seguida retrata-se a posição da mulher nas relações trabalhistas, relembrando as lutas
travadas para garantia de sua inserção no mundo do trabalho e para o seu reconhecimento como
profissional qualificada. Além de ser destacada a resistência masculina contra a consolidação do
trabalho feminino e a manutenção da harmonia da família.
Sobre as relações de trabalho da mulher são relatadas as condições de sua entrada no
espaço escolar, destacando o perfil autocrático das administrações. Discorrendo-se, também, sobre
o papel das políticas educacionais na desvalorização do trabalho docente – em sua maioria,
exercido por mulheres.
E, por fim, apresenta-se uma proposta de superação dessa violência por meio de práticas
administrativas e pedagógicas da própria escola, que passaria a desenvolver um currículo para além
do conteúdo, numa análise e ressignificação de sua realidade, proporcionando ações que levariam a
escola a assumir seu papel na formação sociocultural de toda a comunidade.
O uso do poder nas relações de trabalho
O uso imperativo do poder sobre a relação de trabalho encontra-se presente desde que o
resultado da produção passou a ser superior às necessidades de sobrevivência do ser, gerando um
excedente que, sendo apropriado por alguns, ocasionou a divisão do grupo e possibilitou a
exploração do ser humano pela sua própria espécie.
Em todos os modos de produção até agora vivenciados pela humanidade, a exploração
do trabalho teve sua sustentação nas relações de poder. Novas características foram atribuídas
sempre que exigida pela mudança de contexto, tais como o uso expressivo da força no escravismo;
o incremento do regime de dependência no feudalismo.
A partir de seus estudos sobre a sociedade burguesa, Marx elucidou que as relações de
poder oriundas do modo de produção capitalista são reproduzidas nas relações sociais e se
estabelecem a partir da divisão da sociedade em classes, com condições e interesses antagônicos.
De um lado os proprietários dos meios de produção, detentores do poder de exploração
para a garantia de sua acumulação de riqueza. E, do outro lado, estão aqueles que vendem sua força
de trabalho e, pelo interesse de emergir da situação de incômodo que a exploração lhe submete,
opta ou pela alienação imposta ou pela resistência contra a opressão.
As relações sociais de produção capitalista estão marcadas pelo antagonismo dessas duas classes fundamentais, pois o processo de produção só pode se realizar através da exploração do proletariado pela burguesia, consistente esse processo na acumulação privada de capital pela extorsão da mais-valia. (CUNHA, 1980, p. 22).
Partindo de uma relação de trabalho originariamente desigual, baseada na exploração, o
uso imperativo do poder no modo de produção capitalista se dá ainda pelo regime de dependência,
agora atribuído à posse dos meios de produção.
Tal regime ainda se aperfeiçoa pelo caráter persuasivo da superestrutura que o reflete,
através da sustentação e difusão da ideologia dominante, que gera níveis de alienação que mantêm
o controle social, mesmo frente às mais violentas relações de trabalho.
As organizações estão tomadas por essas relações de poder em seus diversos ambientes,
e, segundo Morrish, citando Max Weber em sua obra “Teoria Social da Organização Econômica”,
as organizações derivam de:
[...] uma hierarquia organizada e da posição relativa dentro dela. Uma tal organização é uma "burocracia" e, dentro da hierarquia, o poder exige forças variáveis e níveis diferentes. O elemento legal, nessa forma de autoridade, é a expressão externa da própria organização, de suas regras e regulamentações, enquanto que elemento racional é a expressão interna do conhecimento especializado e das habilitações dos que exercem o cargo. (MORRISH, 1997, p. 241).
O caráter legitimador das hierarquias nas organizações estabelece suas relações de
poder. E, sendo assim todas as instituições formais estão nesse contexto, pelo que elucida Pilette:
[...]em toda instituição formal, há necessidade do reconhecimento de um líder que tenha ação concreta sobre as decisões a serem tomadas em coletivo que saiba ouvir os liderados e orientar suas realizações" ou é mais enfático quando reflete sobre o poder nas organizações ao confirmar que o poder traz a necessidade de poder e se caracteriza pelo desejo de exercer influência e impacto sobre os outros. (PILETTE, 1991, p. 31).
O uso do poder nas relações sociais de trabalho tem suas expressões não somente entre
patrões e empregados, pois está impresso na cultura de toda sociedade capitalista e tem reflexo em
qualquer ambiente em que a diferença entre pessoas e grupos seja somada às concepções de
superioridade e inferioridade.
Na certeza de que os espaços escolares não fogem a essa regra, torna-se expressiva a
necessidade de discutir o tema nesse ambiente, haja vista a escola ser um retrato do indivíduo na
sociedade e um local de construção de saberes para que ele possa compreender e interagir com o
mundo.
Nas relações de trabalho da mulher
Atualmente é comum afirmar que a mulher conquistou seu espaço na sociedade, que ocupa
cargos de alto escalão. Veem-se mulheres exercendo a medicina, mulheres advogadas e, sobretudo, mulher
presidente. Essa é a ideia disseminada pelos meios de comunicação que estão a serviço da ideologia
dominante, para promover o entendimento de que a mulher realmente já conseguiu sua emancipação.
Entretanto, nos alerta Toledo (2001, p. 15) que ao analisar mais de perto essas conquistas,
percebe-se que poucas mulheres alcançaram esses patamares e que essas poucas conquistas representam o
resultado de muitas reivindicações travadas por mulheres desde o século passado.
É bem certo que muitas mulheres estão em melhores condições, conseguiram ocupar cargos
antes só ocupados por homens, porém ainda assim lutam pela plena emancipação, pois muitas dessas
conquistas se deram por motivos alheios aos seus interesses, como destaca Castells:
A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho remunerado deve-se, de um lado, à informacionalização, integração em rede e globalização da economia, e de outro a segmentação por gênero, que se aproveita de condições sociais específicas para aumentar a produtividade, o controle gerencial e, conseqüentemente, os lucros. (CASTELLS, 1999, p.197).
A entrada da mulher no mercado de trabalho não se deu somente através da globalização e
expansão do mercado, tampouco pelo uso da tecnologia, mas pelo fato de que as mulheres são consideradas
mão de obra qualificada e barata. Tal situação encontra sustentação nos altos níveis de desemprego,
especialmente no meio feminino.
Desde os anos 60 a inserção da mulher no mercado de trabalho tem gerado discussões e
reflexões, recebendo maior ênfase nos anos 90, visto sua presença ter passado a ser significativa graças ao
aumento do nível de escolarização. O que tem suscitado uma grande discriminação, pois mesmo ocupando
cargos de alto nível, elas ainda recebem salários baixos, condição aceita devido ao desemprego crescente.
A violência contra a mulher se expressa e está presente, segundo Castells (1999), desde as
primeiras organizações da sociedade. Uma situação opressora, apontada pelos ranços da cultura e
instituições do patriarcalismo, estrutura na qual se assentam todas as sociedades contemporâneas, que tem na
família patriarcal o eixo basilar, e que exerceu e ainda exerce o domínio sobre a mulher.
Compreende-se, ainda a partir da análise de Castells (1999) que, apesar de suas conquistas, a
mulher ainda enfrenta muita discriminação. Mesmo dispondo de uma boa formação e inserindo-se no
mercado de trabalho, passa a sofrer violência interpessoal e abuso psicológico. O que tem se expandido
individual e coletivamente, em virtude do furor da exaltação masculina ante a perspectiva da perda de seu
poder.
A perda de poder do homem e consequentemente a luta pela manutenção do seu espaço na
sociedade tem forte expressão no questionamento quanto à capacidade da mulher conciliar casamento e
trabalho. O que provoca insatisfação e consequentemente a desestruturação familiar em decorrência da
separação diante dos primeiros sinais de insatisfação entre os seus pares. Como nos alerta Castells (1999),
isso pode até mesmo ocasionar o fim do patriarcalismo.
Segundo a abordagem de Touraine em sua obra "O mundo das mulheres", o que as mulheres
realmente querem é a conquista de sua independência, que deve ser construída historicamente, sem lutas,
através da igualdade com os homens. Ainda diz Touraine (2010, p. 94) que o fundamental é a "construção de
si, e esta se concretiza de forma mais precisa no domínio da sexualidade, [...] mais na vida pessoal do que
nos domínios públicos, representados pelo emprego ou pela remuneração".
A luta das mulheres está presente em todos os segmentos do mundo do trabalho. Requerendo
seu posicionamento de forma digna nos espaços de exercício de sua profissão. Combatendo a resistência por
parte daqueles que ainda as veem como uma mão de obra qualificada, pronta a ser explorada de forma
passiva. Ou ainda os que as renegam a funções de menor complexidade, considerando seu histórico de
submissão na sociedade.
A discriminação contra a mulher encontra-se até mesmo nos segmentos em que prepondera a
presença feminina, haja vista que a violência nas relações de trabalho não é exercida somente por pessoas do
sexo oposto.
Assim, evidencia-se a importância de destacar esses aspectos dentro do ambiente educativo,
onde impera as relações de poder, algumas vezes através de uma violência simbólica e outras de forma mais
explícita, como na violência física, psicológica, sexual, negligencial e material.
A violência imposta pelo uso do poder na cultura escolar nas relações de trabalho da mulher
O uso imperativo do poder nas relações de trabalho da mulher no espaço escolar,
considerando um contexto de dominação e submissão, é tratado por Araujo (1990) em seu artigo,
"As mulheres professoras e o ensino estatal". Numa visão sociológica, ela aponta a origem da
violência contra a mulher no espaço escolar na entrada da profissional no mercado de trabalho,
ocorrida pelo viés da exploração do fator feminino, haja vista que as mulheres em sua maioria se
mantêm em situação de desemprego.
Além do que, com as qualidades do ser mãe, matriarca da família, pressupõe-se que a
mulher tenha a mesma afetividade no espaço escolar. Neste sentido, fortaleceria a relação família e
escola. Ou ainda, as políticas impostas por meio masculino, que tomam a forma de controle social.
Essas determinações nas relações sociais enraizadas no seio da sociedade e,
consequentemente, na organização escolar, segundo Silva (2011), são as causas do atraso no
desenvolvimento da escola pública de qualidade, que carece de um trabalho direcionado a sua
função social.
Dalbério (2009) relembra que o espaço escolar está impregnado da cultura de
subordinação pelo legado da ditadura viva, expressas nas atitudes das/dos alunas/alunos,
professoras/professor, comunidade, das mães e pais, que carregam os ranços autoritários na
construção política de suas histórias.
Ademais, os sujeitos envolvidos nas relações de poder não podem ser identificados,
pois se disfarçam numa ação institucionalizada, como elucidam Bourdieu e Passeron (2008, p.26)
ao caracterizá-la como uma ação "exercida pelo sistema de agentes explicitamente convocados para
esse fim por uma instituição, com função direta ou indiretamente, exclusiva ou parcialmente
educativa".
Segundo os mesmos autores, as práticas escolares ainda estão relacionadas a uma "ação
pedagógica que exerce uma violência simbólica, enquanto determinação de um poder arbitrário". E
sendo assim, as relações de poder são internalizadas da forma mais inconsciente possível, ou seja,
um poder de violência simbólica.
Isto é, todo poder que chega a impor significações e a impô-las como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força, acrescenta sua própria força, isto é, propriamente simbólica, a essas relações de força. (BOURDIEU e PASSERON, 2008, p. 25).
Pressupondo, ainda, a concepção de inferioridade como forte elemento para a aplicação
do poder arbitrário nas relações de trabalho no ambiente escolar, observa-se que as políticas
educacionais as quais acentuaram ou acentuam a divisão do trabalho pedagógico vem servindo a
esse propósito, emergindo delas o tecnicismo e a hierarquia do trabalho pedagógico, como nos
esclarece Romanowski:
[...] divisão do trabalho escolar, entre planejamento e execução, aumentando o controle do trabalho docente restringindo, conseqüentemente, os níveis de responsabilidade e autonomia. A ampliação da utilização do livro didático, cerceando o desenvolvimento da
pesquisa no âmbito escolar e a diminuição dos níveis de remuneração dos professores, resultando em um não favorecimento ao acesso dos bens culturais, contribuíram para a desvalorização de seus trabalhadores (ROMANOWSKI, apud SILVA 2012, p. 03).
Essas reformas educacionais não garantem uma educação de qualidade e, ainda,
reduzem a ação da/do educadora/educador a uma simples execução de tarefas, graças ao uso
desordenado e excessivo do livro didático, que foi imposto e conquistou com louvor o seu espaço,
tornando-se a ferramenta principal durante o desenvolvimento do trabalho docente.
Faz-se justo um aparte para ressaltar, a partir da reflexão de Touraine (2010, p.95), que
essas políticas são de grande prejuízo principalmente para os alunos, haja vista que o período
escolar é a fase mais importante das suas vidas e ao negar o interesse em conhecer a personalidade
dos sujeitos envolvidos no processo educacional, reforçam-se aspectos negativos à construção do
conhecimento.
Retomando o uso do poder de forma arbitrária nas relações de trabalho da mulher no
ambiente escolar, destaca-se que ele não se limita somente em gerar um ato de violência, o que por
si só já seria motivo suficiente para ser repudiado, mas também tem o papel de reforço dessa cultura
negativa a toda uma comunidade escolar.
Tal reforço é muito mais contundente e eficaz do que qualquer conhecimento que venha
a ser trabalhado nos currículos escolares, sobre a valorização da figura feminina em nossa
sociedade.
Existe um sistema de poder que barra, proíbe, invalida o discurso sobre o saber. Poder esse que não se encontra somente nas instâncias superiores de censura, mas que penetra muito profundamente, muito sutilmente em toda a trama da sociedade (FOUCAULT, 2007, p. 71).
Mais uma vez percebe-se a necessidade de emergir diversas discussões sobre a situação
da mulher no contexto do exercício de sua profissão no ambiente escolar, especificamente no que se
refere à violência gerada pelo uso do poder em suas relações de trabalho, que vem a influenciar
sobremaneira toda a ação institucional.
Discussões acerca da superação do uso do poder que gera violência contra a mulher em suas relações de trabalho no espaço escolar
Sabemos que as raízes da opressão sobre a mulher estão no seio da sociedade, refletem
nas mais diversas relações e espaços e geram manifestações advindas de ambos os sexos. Sendo
assim, conclui-se que as práticas pedagógicas necessitam libertar-se do uso arbitrário do poder
imposto pela sociedade e pela própria configuração da escola, a fim de contribuírem para a
superação desse cenário.
Segundo Silva (2005, p.55), o currículo deve envolver o significado da transformação
social do espaço escolar através da informação dos repertórios demonstrados pelos alunos. Então é
o momento de oportunizá-los a desconstruírem essa ideologia de dominação contra a mulher, pois
"o que está em jogo é uma política cultural".
Destacam-se as explicações de Gomes (2007) sobre o currículo caracterizando-o não
apenas como destinado a fins conteudistas, mas comprometido com o desenvolvimento de aspectos
político e histórico, a partir de aspectos sociais, na construção do conhecimento proveniente da
interação entre as pessoas. Isso porque “[...] a escola não é neutra e precisa passar por um processo
de desnaturalização que exprime uma determinada concepção de interpretação de sujeito social, e
enquanto instituição social se realiza como espaço sociocultural” (GOMES, 2007, p. 39).
É necessário atentar para a importância de a escola se reconhecer como espaço
sociocultural e, dessa forma, iniciar um processo de construção de uma identidade que corresponda
às necessidades da sociedade em que está inserida.
Para haver tal mudança, dentre outras medidas, é essencial um novo direcionamento
sobre as práticas pedagógicas dos profissionais envolvidos no processo ensino-aprendizagem – em
sua maioria mulheres. Daí questiona-se: Como as/os professoras/professores podem mudar essa
mentalidade construída ao longo de um histórico de discriminação e preconceito, se elas/eles
próprias/os a desconhecem? Assim, projeta-se: Como serão capazes de garantir essa mentalidade
durante a formação de suas/seus alunas/alunos?
Libâneo (2005, p. 75) reconhece essa problemática ao dizer que “a concepção de
homem e de mundo que os alunos aprendem depende muito da leitura de mundo e metodologia
utilizada pelos professores". E, dessa forma, é fundamental continuar perguntando: Que tipo de
reflexão a/o professora/professor precisa fazer para alterar sua prática? E, ainda, utilizando-se da
reflexão do autor elevar a compreensão de que:
A reflexão sobre a prática não resolve tudo, a experiência refletida não resolve tudo. São necessárias estratégias, procedimentos, modos de fazer, além de uma sólida cultura geral, que ajudam a melhor realizar o trabalho e melhorar a capacidade reflexiva sobre o que e como mudar (LIBÂNEO, 2005, p. 76).
Percebe-se que pensar sobre a formação de professores é reconhecer que o professor
nunca está acabado e que os estudos teóricos e as pesquisas são fundamentais. Pois será por
intermédio dessas metodologias que os professores terão condições de analisar criticamente os
contextos históricos, sociais, culturais e organizacionais nos quais ocorrem as atividades docentes,
estando assim preparados para intervir na realidade e transformá-la.
É preciso garantir a formulação de políticas públicas para a formação de
professoras/professores que venham a superar seu trabalho fragmentado, decorrente de uma
formação deficitária que desconsidera a formação integral baseada pela teoria e prática, construtora
da práxis. “A atividade teórica por si só não é práxis, afirma-se, também, que enquanto a teoria
permanece em seu estado puramente teórico não se passa dela à práxis e, por conseguinte, esta de
certa forma é negada” (VASQUEZ, 1977, p.209).
Diante dessa afirmativa, a pesquisa surge como a melhor forma de garantir a efetiva
formação integral, a qual possibilitará aos docentes fazerem uma análise da realidade dada, no uso
da dialética da totalidade concreta.
Dialética da totalidade concreta não é um método que pretenda ingenuamente conhecer todos os aspectos da realidade, sem exceções, e oferece um quadro "total" na infinidade dos seus aspectos e propriedade; é uma teoria da realidade e do conhecimento que dela se tem como realidade (KOSIK,1926, p.36)
O trabalho das/dos professoras/professor tem suma importância na transformação das
práticas administrativas e pedagógicas dentro de uma perspectiva crítica, a fim de gerar a superação
de várias das problemáticas vivenciadas no ambiente escolar, como é o caso da violência nas
relações de trabalho da mulher.
Entretanto, a escola não se constitui somente no trabalho do docente e, assim, torna-se
essencial a articulação para mobilizar todos os segmentos da escola, a fim de promover a
efetividade das transformações necessárias:
(...) o diálogo, a formação de um trabalho coletivo e o professor como pesquisador de sua prática, de seu espaço de sua história, da vida de sua gente, de seus alunos, tem como meta criar o próprio currículo da escola, estabelecendo vínculo com a vida de seu aluno e com sua própria, como cidadão e como profissional (PONTUSCHKA apud SILVA, 2012, p. 10).
Enfim, considera-se a superação da violência contra mulher no espaço escolar possível
dentro de um marco de análise da realidade, pois assim a prática arbitrária sofrerá uma
ressignificação, que repercutirá em todas as relações do cotidiano da comunidade escolar.
Considerações finais
A violência contra a mulher nas relações de trabalho no ambiente escolar, assim como sua
decorrente influência na legitimação dessa nefasta cultura de opressão durante a formação sociocultural de
uma geração de indivíduos, revela-se como um rico objeto de pesquisa.
Acredita-se que esse tema perpassa por muitos campos de pesquisa, considerando, para efeito
de ilustração, alguns dos seus pressupostos, tais como: os filosóficos – no que tange as concepções de
trabalho; os econômicos – quanto à análise das relações nos modos de produção; os sociais – destacando as
imbricações das relações sociais; e ainda os psicológicos – haja vista a possível presença de patologias da
violência.
Assim, espera-se que esse breve estudo possa vir a contribuir para a sensibilização sobre o tema e geração de interesse por seu aprofundamento, na busca pela superação desse quadro por meio de práticas administrativas e pedagógicas assumidas pela própria escola.
Referências
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TOLEDO, Cecília. Mulheres: o gênero nos une, e a classe nos divide. Editora Xamã V. Mariana São Paulo, 2001. TOURAINE, Alan. O mundo das mulheres. Tradução de Francisco Morás. 2ª. Ed. revista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. SILVA, Gilvaneide Viana Caldas da. Implicações neoliberais no contexto escolar: formaçãopara o trabalho ou para cidadania? São Luís, 2011. _______ A importância da pesquisa para formação da identidade dos sujeitos no processoensino-aprendizagem. São Luís, 2012. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade, uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica. 2005.
AS FORMAS DE VIOLÊNCIA NA ESCOLA NOS RELATOS DAS MULHERES
Botelho, Maria do Socorro
Mestranda em Educação pela UFMA. Email:
A escola é uma instituição formal e sistematizada onde se desenvolvem diversas atividades voltadas para a defesa da formação de cidadania. Porém é neste espaço que se dão as diversas
contradições em relação às práticas pedagógicas relacionadas às questões de gênero. Pois esta
instituição de ensino ainda apresenta-se fragilizada frente aos desafios causados pela eclosão de
fenômenos sociais que surgem a cada momento no seu interior. E é neste contexto que se analisa
neste artigo o que as estudantes e as profissionais da educação expressam em suas falas sobre as
diversas formas de violência que elas sofrem no âmbito da escola.
Historicamente a violência contra as mulheres vem ganhando espaço na sociedade. Suas
marcas causam prejuízos à elevação da auto-estima. Muitas pesquisadoras e pesquisadores têm se
debruçado sobre esta temática para compreenderem melhor como minimizar a prática deste
fenômeno que é visto como um problema de saúde pública mundial e está cada vez mais presente
em todas as classes sociais, porque viola os direitos humanos e fere a dignidade. É gritante as
formas como as mulheres são agredidas em sua individualidade na escola, muitas vezes para que
elas não sejam estigmatizadas diante das suas próprias colegas, as adolescentes que ainda são
virgens, simulam,mentem contam vantagens, inventam estórias, para permanecerem fazendo parte
do grupo, é o que relata Jane May1, aluna do 2º ano do Ensino Médio de uma escola particular:
[...] Eu tenho vergonha de dizer para minhas colegas que ainda sou virgem,a primeira vez que eu falei da minha virgindade, elas me vaiaram e me chamaram de “santinha” e me deram uma semana para eu resolver meu problema, elas disseram que só falariam comigo novamente, depois que eu perdesse a minha virgindade, eu chorei a noite inteira, eu gosto das minhas colegas, mas como eu vou fazer o que elas querem? Jogar-me nas mãos de qualquer homem? Eu nem tenho namorado assim... Então eu resolvi mentir disse para elas que eu saí com meu primo e aí rolou... Elas ficaram satisfeitas e agora querem conhecer o meu namorado. E agora o que eu faço?
Estas e tantas outras realidades acontecem nas escolas todos os dias, as mulheres sofrem
isoladamente,são poucas as professoras e professores enfim, o corpo pedagógico em si, que atenta
para estas formas de violência contra as mulheres, pois quando se trata de mulheres estudantes,
muitas ficam expostas às críticas negativas de suas colegas por serem diferentes, às vezes não
vivenciam a cultura do diálogo em suas famílias e fragilizadas emocionalmente, se expõem de
forma precipitada nas relações sexuais frustradas, apenas para estar no meio de seus pares. Pois:
1 Todos os nomes mencionados neste artigo são de origem fictícia.
[...] o modelo de influência cultural enfatiza o papel da cultura e do aprendizado na formação do comportamento das atitudes sexuais, [...] embora se pense que a cultura forme a expressão e os costumes sociais, assume-se – e muitas vezes se afirma bem explicitamente – que o fundamento da sexualidade é universal e biologicamente determinado (VANCE, 1995, p. 19).
A escola precisa de profissionais da educação que sejam comprometidos com práticas
pedagógicas equilibradas, é necessário refletir sobre um processo de humanização voltado para o
avanço da atividade social de forma consciente, é preciso que os homens e as mulheres produzam
objetivações que tornem possível uma existência humana cada vez mais livre e universal
(DUARTE, 1999). Dessa forma, o ambiente educacional quando respeita as diferenças e promove a
formação de valores éticos e morais, está contribuindo para a formação de cidadania. Ocorre que
ainda são poucas e poucos profissionais da educação que se sensibilizam com esta causa, embora
exista uma legislação que proíbe a violência contra as mulheres em todos os sentidos, mas o número
de gestoras e gestores, professoras e professores mal informados desta temática é assustador,
conforme relato da professora Lemosine quando participava de uma reunião de mulheres do Grupo
de Mulheres do PEADS:
[...] Eu fui falar com o diretor da escola onde eu trabalho,sobre a minha pretensão deexecutar um projeto de orientação sexual, para orientar melhor as estudantes sobre muitos assuntos que elas não conhecem direito por exemplo: gravidez precoce, homossexualismo, relações de gênero, violência contra mulheres e outras temáticas relacionadas às questões das mulheres. Quando eu terminei de explicar o objetivo pelo qual eu estava me propondo a executar este projeto, ele me olhou e disse assim: - Olha professora, eu até acho bonita esta sua iniciativa, mas tenho certeza de que não vai dá certo, primeiro porque temos que chamar as famílias e muitos pais não vão gostar desse assunto, também professora, temos que ter muito cuidado com este tipo de projeto, isso vai servir para abrir precedentes e aí vão aparecer todos os dias meninas grávidas e isso é ruim, como vamos explicar isto aos responsáveis delas? Pense bem, daqui a pouco em vez de escola, aqui vai virar creche e além do mais, vai despertar muitas ideias nestas meninas e as famílias não estão preparadas para tratar deste negócio de lésbica, gay, eu hem, não!Mas se a senhora quiser fazer, faça, eu só estou lhe avisando, nós já temos muito trabalho, professora para resolver nas nossas vidas, será que vamos ter tempo para assumir este projeto? Até que eu poderia ajudar, mas agora não. Eu estou fazendo meu Doutorado, estou sem tempo!
Diante deste relato, mais uma vez detecta-se o quanto as gestoras e os gestores estão
desinformados sobre a sua função de educar para a vida, Freire (1987) diz que a escola não muda o
mundo, mas as pessoas, e estas mudam o mundo. Se o diretor acima se disponibilizasse em somar
com as ideias da professora, sobre a proposta da execução do projeto para orientação sexual,
certamente seria possível acontecer um grande passo na vida de todas e todos que convivem no
ambiente escolar, haveria mais justiça e liberdade de escolha. As violências, os preconceitos,
diminuiriam influenciando diretamente na formação da juventude bem como na sociedade.
Percebe-se que ainda encontram-se nas escolas, práticas que inibem as propostas
inovadoras, pois embora O Plano Nacional de Educação, de 2001 (Lei n° 10.172),seja fruto de uma
grande mobilização social,mas em relação às questões de gênero e diversidade de gênero e
orientação sexual,o seu tratamento continuou alimentando a cultura do conservadorismo, isto é, as
políticas curriculares, ainda sustentam o ideário dos setores educacionais, que regulam e orientam
os seus membros, nos padrões “que consideram moralmente sãos.” (LOURO, 2004a, p.130).
A sociedade constrói as relações de gênero a partir das diferenças sexuais, essa prática
tem suas variáveis de acordo com a época, lugar e conforme a classe social, raça, etnia, idade das
pessoas. Considerando-se que este conceito está relacionado tanto entre homens e mulheres,
mulheres e mulheres, homens e homens. “O Ser homem e o ser mulher, os papéis e
as“características” masculinas e femininas são ensinados e aprendidos. As relações de gênero são
relações de poder. Assim, o que o masculino é mais valorizado, tem mais prestígio e aos homens é
conferida mais autoridade e poder”. (PENHA,2006). Assim sendo,a maioria dos estabelecimentos
escolares, enquanto espaço de poder, absorve para si a postura conservadora e descomprometida
frente aos fenômenos da violência contra as mulheres.
As informações contidas nos Cadernos Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade(SECAD, 2007), percebe-se que as temáticas de gênero e diversidade
na escola estão bastante evidentes, haja vista que discriminação, racismo, sexismo, homofobia,
miséria, fome e as outras formas de violência que assolam a sociedade, há muito tempo tem sido
ponto de pauta dos movimentos feministas. Pois em todas as partes do mundo as mulheres sofrem
as consequências das ações violentas tanto na família como escola e outros espaços que frequentam.
Diariamente são veiculadas através da mídia, notícias altamente desagradáveis, sobre as
práticas de coerção e constrangimentos que prejudicam as mulheres em sua auto-estima. Embora, os
direitos das mulheres sejam garantidos por lei, mas ainda é forte o número de denúncias sobre as
práticas de violência em todos os sentidos, que vão da agressão sociopática até aquelas que
sutilmente se manifestam nas escolas como, por exemplo, o assédio sexual, a discriminação e a
desvalorização do trabalho.
São muitos os relatos sobre as práticas de assédio sexual nas escolas, as mulheres
estudantes que enfrentam esta situação, geralmente abandonam o espaço escolar, ficam impotentes
diante das ações de assédio. Muitas não têm coragem de desabafar com seus familiares e terminam
confidenciando com suas colegas de turma, ou com alguém em quem confiam, às vezes é uma
professora. Porém alguns vão “fazendo vistas grossas”e assim o caso vai passando sem que
ninguém se posicione para acompanhar o caso como a Legislação orienta.
Percebe-se que a violência contra as estudantes e professoras em relação às questões de
assédio sexual é muito forte nas escolas, pois existem alguns profissionais da educação que se
valem da fragilidade das estudantes sem determinadas disciplinas para assediá-las, com propostas
indecorosas e desrespeitadoras. Ressalte-se que as pessoas que exercem este tipo de prática sempre
se encontram em uma posição hierárquica frente à subordinada, às vezes existem casos contrários.
De uma forma ou de outra as ações de ameaças e insinuações, hostilidade contra as mulheres dentro
da instituição escolar também é um caso de violência, que precisa urgentemente ser discutidas e
erradicadas.
A Lei de nº 10.2241 de 15 de maio de 2001 diz que:
[...] Constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” é caracterizado assédio.A Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, que foi adotada pela OEA em 1994, em Belém do Pará, deixa explícito que: Violência contra mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como privado.
Na fala da estudante Compendia, observa-se o quanto a escola necessita rever a sua
metodologia em relação às questões de gênero, pois dificilmente este assunto é inserido nos planos
curriculares da escola, assim comono Projeto Político Pedagógico. Mais uma vez no relato da
estudante Nevita lê-se o seguinte:
[...] Nós mulheres estudantes, ficamos muito vulneráveis dentro da escola, porque uns professores pensam que só porque a gente tem nota baixa nas matérias deles, a gente tem que ir para o motel com eles. Outro dia um professor me perguntou assim: -Tu tens certezade que vais passar de ano na minha disciplina? Olha que eu posso livrar a tua pele, é só tu me dares uma chancezinha. Que tal uma saída hoje à noite, tu não vais te arrepender.Emminha opinião, uma pessoa dessa não deveria estar dentro de uma escola, deveria estar era dentro da cadeia. Eu fiquei tão magoada com isso e não quis mais olhar para a cara desse professor, então terminei ficando reprovada na disciplina dele.
Como se observa, a violência contra as mulheres nas escolas,se produz e reproduz,
ficando muitas vezes camuflada entre os muros das instituições de ensino. Segundo Charlot (2002,
p. 434):
A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço escolar [...] A violência à escola está ligada à natureza e às atividades da instituição escolar [...] Essa violência contra a escola deve ser analisada junto com a violência da escola: uma violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de composição das classes, de atribuição denotas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injustos [...].
Dessa forma, é importante ressaltar o que destacam as novas Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Médio, aprovada em 04 de maio de 2011, pelo Conselho Nacional da
Educação/ MEC.
[...] Para que se conquiste a inclusão social, a educação escolar deve fundamentar-se na ética e nos valores da liberdade, justiça social, pluralidade, solidariedade e sustentabilidade,
1Disponível em: http://www.tjse.jus.br/portaldamulher/index.php?option=com_content&id=21, acesso em 15 de
setembro 2013.
cuja finalidade é o pleno desenvolvimento de seus sujeitos, nas dimensões individual e social de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres, compromissados com a transformação social. Diante dessa concepção de educação, a escola é uma organização temporal, que deve ser menos rígida, segmentada e uniforme, a fim de que os estudantes, indistintamente, possam adequar seus tempos de aprendizagens de modo menos homogêneo e idealizado (DIRETRIZES CURRICULARES, 2011, p. 9).
Neste contexto é importante que a escola assuma o seu verdadeiro papel diante das
políticas educacionais vigentes, ela não deve alimentar a proliferação e consolidação de valores
negativos, que aumentam as práticas de discriminação e de violência contra as mulheres e demais
seguimentos e demais categorias, por exemplo: gays, travestis, lésbicas, dentre outras. Tal
conjuntura exige das/os profissionais da educação a partir das/os gestoras/e posturas,
[...] capazes de gerar sujeitos inventivos, participativos,cooperativos, preparados para as diversificadas inserções sociais, políticas, culturais, laborais e, ao mesmo tempo, capazes de intervir e problematizar as formas de produção e de vida (DIRETRIZES CURRICULARES, 2011, p. 9).
Portanto promover ações libertadoras que promovam a dignidade da mulher dentro das
escolas deve ser o compromisso de todos os profissionais da educação, pois educar para a garantia
dos direitos humanos deve ser a uma constante pratica pedagógica, Porém, vale ressaltar que urge a
implementação de ações que promovam a equidade de gênero, identidade de gênero, orientação e
orientação sexual, com a finalidade de combater as práticas sexistas e homofóbicas, que diariamente
aparecem nos espaços escolares, como relata uma jovem lésbica estudante em de escola pública no
Estado do Maranhão:
[...] Ontem quando cheguei em sala de aula, o professor(...), disse assim mesmo, estepessoal que é mulher e quer ser homem, deveria ir carregar saco de cimento nas costas, para ver se aguenta, se tem coisa que eu tenho raiva é desse povo que se mete a ser o que não pode.
É preciso que as mulheres não se intimidem diante destas posturas sexistas, elas
precisam se organizar em segmentos representativos, tais como: grêmios estudantis, sindicatos,
grupos de LGBT, Grupo de mulheres, associações, partidos políticos, para que possam enfrentar as
posturas dominantes emanadas dos homens e das mulheres que compactuam com práticas
excludentes e discriminadoras, afinal estão amparadas nas propostas de políticas educacionais
relativas à conscientização e mobilização contidas no Programa Nacional de Direitos Humanos II
(de 2002), no Plano Nacional de Políticas para as mulheres (2004), no Programa Brasil sem
Homofobia (2004) e no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006), têm origens nas
lutas e enfrentamentos contra os diversos tipos de violência, que se fortaleceram a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988.
Contudo, lutar para implementar as leis que defendem as mulheres das práticas de
violência na escola e na sociedade em geral, passa pela efetivação de uma política educacional cuja
proposta convoque ao compromisso toda sociedade para a promoção e defesa de políticas públicas
justas que alcancem de forma inclusiva e justa, o seguimento social objeto da temáticas deste artigo
na perspectivas de contribuir para as transformações sócio-político e cultural que a sociedade
reclama.
Referências
BRASIL. Disponível em: <http://www.tjse.jus.br/portaldamulher/index.php?option=co m_content&id=21>. Acesso em: 15 set. 2013. Cartilha MULHER, Conhece a lei Maria da Penha: A Lei que Te Protege-2008, Conselho Estadual da Mulher-MA e outros.
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VIOLÊNCIA CONTRA MULHER NÃO É CASO SÓ DE POLÍCIA
Machado, Marianne 1; Sousa, Ana Lúcia
2
1 Mestranda em Educação pela UFMA.
2 Mestra em ciências sociais pela UNIA. Professora substituta do Departamento de Informática da UFMA/ Pólo
Codó. Email: [email protected]; [email protected]
No decorrer dos nossos dias, de forma velada ou explícita, a violência tem se materializado através de diversas práticas repressoras, advindas da sociedade civil e de instituições. Mediante esta
realidade, as leis têm atuado de forma pouco eficaz, principalmente quando o assunto é a violência
contra a mulher, haja vista que essa problemática é tratada apenas como um problema restrito ao
âmbito familiar.
Em contrapartida, pensar a violência contra a mulher como um problema complexo,
cuja origem se dá a partir de diversos fatores, nos leva a enxergar a escola também com um espaço
propício para se questionar essa temática, pois a realidade que se encontra para além dos seus
muros, cedo ou tarde tenderá a se refletir em seu interior, enquanto instituição inserida no contexto
social.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo discutir a violência simbólica a partir das
reflexões sobre as construções de gênero, direitos humanos e direito das mulheres, nas mídias,
literatura e na música, considerando que estereótipos, discriminação e preconceito contra a mulher
abrem precedentes para outros tipos de violência.
Este estudo encontra-se pautado em Louro (2010), Saffioti (2004), e Bourdieu (2007), e
segue estruturado em cinco partes, a saber: Introdução; Construções de gênero; Os Direitos
Humanos e os Direitos das Mulheres; O inimigo invisível e as Considerações finais.
Construções de gênero
A definição de gênero encontra-se alicerçada na distinção entre sexo e gênero, este, se
apresenta ligado à construção no âmbito histórico, social e cultural, enquanto aquele compreende a
demarcação do biológico. Louro (2010), afirma que tais distinções tiveram origem através das
feministas anglo – saxãs, que rejeitavam o determinismo biológico sublimado no uso de termos
como sexo ou diferença sexual.
Ainda segundo Louro (2010), ao direcionar a definição de gênero para o foco social
pretende-se na verdade fazer referência à forma como as características sexuais são compreendidas
e representadas, ou ainda, como são concretizadas na prática social e incorporadas ao processo
histórico. Sendo assim, o conceito de gênero é concebido numa perspectiva relacional, tendo em
vista que é nas relações sociais que os gêneros se constituem. Com isso, homens e mulheres não
portam consigo a marcação do biológico como fator norteador de suas histórias de vida, mas ao
contrário, os significados que os perpassam sofrem influência da sociedade e do processo educativo
que ao longo de todo um processo histórico moldam suas diversas identidades.
Mas, a estudiosa Guaraci Louro nos chama atenção para a forma como muitas escolas
ainda continuam a formar diferentes sujeitos com base no biológico. Assim:
Gestos, movimentos, sentidos são produzidos no espaço escolar e incorporados por meninos e meninas, tornam-se parte de seus corpos. Ali se aprende a olhar e a se olhar, se aprende a preferir. Todos os sentidos são treinados, fazendo com que cada um e cada uma conheçam os sons, os cheiros e os sabores “bons” e decentes e rejeite os indecentes; aprenda o que, a quem e como tocar (ou, na maior parte das vezes, não tocar); fazendo com que tenham algumas habilidades e não outras... E todas essas lições são atravessadas pelas diferenças, elas confirmam e também produzem diferença (2010, p.61).
Em entrevista a jornalista Amanda Polato (2013), do site da Revista Época, a
neurocientista americana Lise Eliot, autora da obra “Cérebro azul ou rosa”, desmistifica em seu
livro afirmativas que fazem referência as diferenças estruturais existentes entre o cérebro de
meninas e meninos.
Eliot que é doutora pela Universidade Columbia e docente da Universidade Rosalind
Franklin, em Chicago, afirma que nosso cérebro apresenta muitas habilidades que já vem conosco
desde o nascimento e que são aprendidas com o tempo, é o caso da linguagem e da escrita, que
podem ser adquiridas em tempos diferentes para meninos e meninas.
Quanto aos bebês na idade de um ano, por exemplo, há diferenças sutis entre eles e elas,
a linguagem, a memória e as habilidades motoras finas são levemente mais atrasadas no caso deles.
Em média, os meninos aprendem a falar um mês depois das meninas.
Eliot também ressalta em sua obra a importância de incentivar as meninas a se tornarem
mais confiantes quanto ao estudo da matemática, e afirma que nos Estados Unidos as meninas têm
tido desempenho satisfatório em relação aos meninos até o ensino médio. Ainda conforme a
cientista americana é necessário que lancemos mão de estratégias que valorizem o esforço das
garotas para as habilidades com números, mostrar exemplos na vida prática, buscar exemplos de
mulheres que fazem uso da matemática em seus trabalhos, e o prazer e benefício que as atividades
envolvendo números podem gerar para suas vidas.
Por isso, afirma a estudiosa, quando tentamos
Ignorar ou contrapor os estereótipos, nós damos a todas as crianças a oportunidade de serem artísticas, científicas, matemáticas, competitivas ou cuidadoras – todos esses traços delas podem ser apoiados ou suprimidos pela educação. Normalmente, garotas fazem artes e meninos, matemática. É muito difícil ver um garoto em numa sala de arte. Mas isso é ridículo. Desde quando um homem não poderia ser artista? (ÉPOCA, 2013).
Destarte, os estudos de Elis sinalizam para a importância orientarmos as crianças
para além dos estereótipos, como forma de ampliarmos oportunidades iguais entre meninos e
meninas.
Para Scott (1995), quando nos reportamos aos papéis femininos e masculinos no
contexto social, estamos refletindo sobre a desconstrução da superioridade do gênero masculino
sobre o feminino, e não a relação homem versus mulher, o que nos faz buscar a igualdade social e
política entre ambos. Louro complementa:
A justificativa para as desigualdades precisariam ser buscadas não nas diferenças biológicas (se é que essas podem ser compreendidas fora de sua condição social), mas sim nos arranjos sociais, na história, nas condições de acesso aos recursos da sociedade, nas formas de representação (2010, p.22).
Daí a necessidade da escola estar ampliando discussões no sentido de pensar as relações
sociais entre homens e mulheres, e com isso estarem trazendo para a sala de aula discussões sobre
os direitos das mulheres, uma vez que a violência contra elas, de certa forma perpassa pelo
desrespeito a figura da mulher enquanto cidadã. Saffioti (1995) nos diz: “não basta que um
dosgêneros conheça e pratique as atribuições que lhe são conferidas pela sociedade; é
imprescindível que cada gênero conheça as responsabilidades, e direitos do outro gênero” (p.
193).
Os Direitos Humanos e os Direitos das Mulheres
A definição que temos atualmente do que venha ser o respeito pelos direitos humanos,
tem suas raízes na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no ano de 1948 pelas
Organizações das nações Unidas (ONU), e encontra-se pautada nos princípios morais e éticos que
servem para nortear a relação entre o Estado e seu povo.
Composto por 30 artigos e 1 (um) preâmbulo a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH), afirma em alguns de seus artigos:
Artigo I Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. Artigo II Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades Estabelecidos, nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Artigo III Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Quando observamos alguns dos artigos da (DUDH) temos a plena consciência de que
devam se estendidos a homens e mulheres de igual forma.
De acordo com Martín e Oliveira (2005), desde a criação em 1789 da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, as mulheres já não se faziam presentes na história como cidadãs
de direitos, em 1971 Olympe de Gouges, com a Declaração dos Direitos das Mulheres e das
Cidadãs, faz uma denúncia da exclusão das mulheres, no que se refere ao princípio do
universalismo dos direitos, para ela a diferença sexual não justifica a exclusão das mulheres do
poder e da cidadania política, e sua luta é para que haja uma participação política igual de homens e
mulheres e cuja dignidade seja para todos.
Já desde a Revolução Francesa os direitos humanos foram pensados no masculino: Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Por haver escrito a versão feminina dos direitos humanos (Declaração Universal dos Direitos da Mulher e da Cidadã), Olympe de Gouges foi sentenciada à morte na guilhotina em 1792 (SAFIOTTI, 2004, p.76).
Freire (2009), afirma que apesar dos princípios de igualdade e da contrariedade em
relação à discriminação, que observamos na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH),
as políticas públicas tinham por base a neutralidade, tanto em seu conteúdo como em sua
efetivação, assim, a concepção sexista presente nesta formulação excluiu de fato as mulheres da
condição de “humanas”.
Revisitando a finalidade da Declaração Universal dos Direitos Humanos junto ao seu
artigo 6 º, que diz:“Todos são iguais perante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual
proteção da lei. Todos tem direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a
resente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação”.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra
aMulher (CEDAW), proposta desde 1979, e oficializada no Brasil em 1984, consistiu no primeiro
tratado internacional referente aos direitos humanos das mulheres, abrangendo os direitos políticos,
econômicos, civis, sociais e educacionais.
Outro marco importante segundo Cavalcanti (2012), na luta pelos direitos das mulheres
foi a Constituição Brasileira de 88, que pela primeira vez na história do país reconheceu legalmente
os direitos humanos das mulheres, principalmente quanto ao combate à violência, na qual passou a
ser reconhecida como questão de interesse público.
É o que mostra o art. 226, § 8º que trata da à obrigatoriedade do estado de criar
mecanismos para coibir a violência no âmbito da família, art. 227, § 4º que prevê punição severa
aos casos de abuso, violência e a exploração sexual de crianças e adolescentes e o Art 5, § 2º que
confere status constitucional aos Tratados e Convenções Internacionais subscritos pelo governo
brasileiro, incluindo os relativos aos direitos humanos das mulheres.
Ainda segundo a Cavalcanti (2012), em 1994 a “Convenção de Belém do Pará”,
também conhecida por Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
Contra a Mulher, declarou que a violência praticada contra a mulher constitui uma violação dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais, bem como é dever do Estado atuar na legislação e
garantia da punição dos agressores, além de ressarcir e oferecer apoio as mulheres em situação de
risco.
Enfim, a realidade positivada na (DUDH) que prima pela cidadania, durante muito
tempo ocultou a figura da mulher que só foi reconhecida em 1993, com a Conferência Mundial
sobre Direitos Humanos em Viena, é o que nos diz Rosiska Darcy Oliveira:
Um sentimento de pré- história se instala à simples constatação de que foi apenas em 1993, na Conferência de Viana sobre os Direitos Humanos, que as mulheres entraram, enfim, na humanidade visível. Certamente, ao longo do século como fruto de ações, sobretudo, dos movimentos de mulheres, direitos elementares, como o direito ao voto e a igualdade formal no plano dos direitos civis, foram impondo-se na maioria das democracias (p.978, 2002)
Conforme Rosiska (2002), o reconhecimento da igualdade sem hierarquia nos leva a
questionar o paradigma unipolar que limita a diversidade humana no modelo masculina e condena
as mulheres a invisibilidade social e política. Eis o porquê da pergunta de Niceia Freire
Onde estão as mulheres? Onde estão as mulheres na sociedade brasileira? Onde estão as mulheres nos espaços de poder e decisão? Onde estamos nas esferas do Legislativo, no Judiciário, no Executivo? Estas perguntas ainda precisam ser feitas e as respostas são reveladoras: as mulheres estão subrepresentadas nesses lugares estratégicos de poder. Sua presença é inversamente proporcional ao nível e status do cargo ocupado. Embora grandes avanços possam ser verificados nas relações de gênero no Brasil, as desigualdades também persistem, constituindo-se em um desafio para a gestão das políticas públicas voltadas ao combate às desigualdades sociais e ao reconhecimento das mulheres como sujeitos políticos (2009, p.137).
Durante o ano de 2003, no primeiro mandato do ex- presidente Lula, o Brasil deu um
grande passo em direção ao reconhecimento dos direitos humanos das mulheres com a criação da
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, vinculada à Presidência da República, com status
de Ministério. Conforme FREIRE (2009), a Secretaria consistiu numa demonstração de total
compromisso do Estado brasileiro com a Plataforma de Beijing. A Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres tem como principal objetivo atuar na elaborar, coordenação de políticas que
resultem na redução das desigualdades entre homens e mulheres.
A mulher destituída de seus direitos resulta no indivíduo cultural e socialmente ligado à
eterna imagem da maternidade e esposa submissa ao marido, ou ainda, da mulher objeto sexual.
Logo, devemos pensar a violência contra mulher para além das agressões físicas, psicológicas ou
verbais, já que muita das vezes a mulher encontra-se submetida algum tipo de violência por conta
da sua invisibilidade enquanto cidadã.
O inimigo invisível
Diferente da violência doméstica, que imprimi marcas tanto psicológicas, quanto físicas
em suas vítimas, e lhes proporciona a chance de se direcionarem a alguma autoridade para
prestarem queixa do ocorrido, a violência simbólica, passa como inimigo silencioso e de difícil
visibilidade.
Este tipo de violência se dissemina através das construções sociais com base em uma
visão androcêntrica que se encontra naturalizada nas convenções que regem a nossa sociedade.
Com isso, a dominação masculina passa despercebida e naturalizada, uma vez que se encontra
sublimada na distribuição de tarefas e na divisão de trabalho entre homens e mulheres.
A primazia universalmente concedida aos homens se afirma na objetividade de estruturas sociais e de atividades produtivas e reprodutivas, baseadas em uma divisão sexual do trabalho e de reprodução biológica e social, que confere aos homens a melhor parte, bem como nos esquemas imanentes a todos os habitus: moldados por tais condições, (...) elas funcionam como matrizes das percepções, dos pensamentos e das ações de todos os membros da sociedade, como transcendentes e históricos. (Bourdieu, 2007, p.45)
Portanto, a fundamentação da violência simbólica consiste nas disposições moldadas
pelas estruturas de dominação que a originam (BOURDIEU, 2007). Neste caso citamos a própria
escola quando
Muitas vezes não adota uma linguagem inclusiva porque não se dá conta da forma como está agindo, e explica que isto acontece porque é uma norma da Língua Portuguesa que, ao se referir aos homens, subentende as mulheres, e que a sociedade compreende e age da mesma forma. Isto é internalizado de tal maneira que o masculino fala mais alto e tem predominância sobre o feminino. Esta forma de agir reproduz uma invisibilidade do feminino, reafirmando uma construção universal, cuja reprodução muitas vezes não é percebida pela escola e pelos/as educadores/as (CARRARA et al, 2009, p.49)
Seja na literatura, na linguagem simbólica de músicas, ou ainda na exibição de produtos
diversos para que os tornem mais vendáveis, as mulheres não se dão conta de que possam estar
sendo vítimas de algum tipo de violência. Como então estranhar uma obra da literatura infantil de
grande relevância para a educação brasileira no fim do século XIX, e que até hoje se faz presente
em nossas salas de aulas?
Nestas circunstâncias, a Obra “Cazuza” de autoria do autor maranhense Viriato Correia
se torna passível de reflexão, uma vez que a imagem do homem é sempre ligada ao poder e ao
conhecimento, como é o caso de João Ricardo, professor visto em sala de aula como “criatura
incrível, de cara amarrada, intratável e feroz”. (CORRÊA, 1993, p.29), enquanto a figura da mulher
restrita ao ato de cuidar. Se não vejamos o trecho em que o menino Cazuza, personagem principal,
que dá nome a obra descreve a personagem Dona Joca, diretora que o recepcionou durante seu
primeiro contato com a escola na Vila Coroatá. Dona Joca.
[...] a diretora, recebeu-me com o carinho com que se recebe um filho. Os meninos e as meninas, que me viram chegar, olharam-me risonhamente, como se já tivesse brincado comigo.
Dona Joca tinha vindo da capital, onde aprendera a ensinar crianças. Era uma senhora de trinta e cinco anos, cheia de corpo, simpática, dessas simpatias que nos invadem o coração sem pedir licença. Havia nas suas maneiras suaves um quê de tanta ternura que nós, às vezes, a julgávamos nossa mãe (CORRÊA, 2009, p.75- 76).
Viriato continua tendo grande relevância para os nossos dias, na medida em que
podemos fazer uma leitura diferenciada da sua obra, por isso, não podemos levá-la para a sala de
aula ignorando e naturalizando a imagem de cuidadora a qual a mulher é constantemente chamada a
exercer em “Cazuza”. Pois do contrário, estaremos corroborando para que meninas continuem a
pensar que seu papel na sociedade está ligado a maternidade ou profissões que estejam associadas a
ela.
Além da literatura, é válido observarmos também a linguagem que perpassam algumas
letras de músicas que colocam a mulher numa postura de objeto sexual submisso ao poder do
macho. Como se pode ver na letra da abaixo
Só as cachorras (Bonde do tigrão)
Só as cachorras As preparadas As popozudas
O baile todo...(2x) Vem prá cá
Que eu sou tigrão Vou te dar
Muita pressão Quando vejo um popozão
Rebolando no salão... Não consigo respirar Fico louco prá pegar Melhor tu se preparar
Que o tigrão Vai te ensinar...
Vai a onde tu fugir Que o tigrão
Vai te engulir ...
Para muitas mulheres se autodenominar “cachorra”, “preparada” e “poupozuda”, é algo
constrangedor, mas por conta da propagação da mídia, o que parece ser pejorativo chega a torna-se
motivo de orgulho para muitas mulheres, o que acaba por ser naturalizado. Conforme Bourdieu
(2007)
Violência simbólica, violência suave, insensível, invisível as suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento, ou em última instância, do sentimento. Essa relação social extraordinariamente ordinária oferece também uma ocasião única de apreender a lógica da dominação, exercida em nome de um principio simbólico conhecido e reconhecido tanto pelo dominante quanto pelo dominado, de uma prioridade distintiva, emblema ou estigma, dos quais o mais eficiente simbolicamente é essa propriedade corporal inteiramente arbitrária. (p. 7-8)
No que tange as propagandas, estas preocupadas em divulgar seus produtos, também
usam a imagem da mulher de qualquer jeito como forma de atrair mais consumidores. O exemplo
que nos chama atenção, se faz no tocante a uma marca de bebida alcoólica que trás em seu rótulo,
uma mulher sobre o letreiro escrito o nome: “Devassa”. Vejamos a imagem:
Fonte: http://www.cervejariadevassa.com.br/
De acordo com Aulete (2008), a palavra devassa se refere a uma averiguação e
apuração de fatos , irregularidades, sindicância. Com isso, percebemos que a semântica do vocábulo
não condiz com a imagem proposta, e nem com o produto oferecido, pela cervejaria.
Contudo, através de uma linguagem acessível, a propaganda consegue atingir seus
consumidores associando a imagem da mulher com o sentido que as pessoas têm da palavra
devassa, que quer dizer, pessoa imoral, depravado, sentido este que na verdade cabe ao vocábulo “devasso” que condiz com o significado do pensamento popular. Assim, a imagem da mulher
vaisendo desenhada no imaginário da sociedade através da fórmula: bebida alcoólica, que se reporta
a mulher, que lembra o ser devasso.
Infelizmente, a violência sublimada que resiste na sociedade, é constantemente
disseminada em nosso meio, através de práticas sociais que precisam ser desconstruídas dia após
dia na escola para que nossas alunas percebam a violência para além das agressões físicas e verbais.
Considerações finais
A escola enquanto espaço de construção do conhecimento precisa fazer a sua parte,
desconstruir gêneros através do incentivo de habilidades sem distinção de sexo, trazer para sala de
aula a literatura, a música, a propaganda, através de oficinas, e palestras, que busquem ampliar a
discussão sobre os direitos das mulheres, para que se consiga enxergar a violência, não apenas no
âmbito da família a partir das agressões psicológicas, físicas e verbais.
Na verdade, precisamos trazer a história das mulheres, para dentro da escola de modo a
impedir que a cultura patriarcal imponha- se como habitus a ponto das meninas se acharem
impedidas de assumirem determinadas profissões, por caber apenas ao homem o direito de exercê-
las, e com isso, limitar-se em suas capacidades. Da mesma forma, que não precisem sentir-se “poderosas” apenas fazendo uso do corpo como objeto sexual. A “mentalidade não se muda
pordecreto e sim por conscientização” (PERROT, 2009, p. 67).
Assim, pensar a forma como os gêneros se constroem, observar os direitos de forma
abrangente compreende um passo importante no combate à violência contra as mulheres, uma vez
que na sociedade, os papéis ainda permanecem bastante definidos, o que tende a gerar muitas das
práticas de violência contra a mulher.
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MULHER E VIOLÊNCIA DE GÊNERO NAS RELAÇÕES ESCOLARES
Ataíde, Patrícia
Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA Email: [email protected]
Um dos temas mais debatidos na atualidade é a violência, que se faz presente nos diversos espaços sociais, dentre os quais se inclui a escola, local de interação de pessoas cujas idades, culturas, sexo,
linguagens e concepções formam diferentes identidades que convivem cotidianamente.
No entanto, esse convívio é marcado por uma série de discussões, competições e
conflitos que expressam a necessidade de autoafirmação e expressão de poder de uns sobre os
outros.
Um dos mecanismos reforçadores da legitimação de poder de uns sobre os outros diz
respeito à violência, que pode se manifestar, seja através da força ou de atitudes sutis, mas nem de
longe, menos agressivas ou menos demarcadoras dos espaços de atuação, controle e comando.
Tomando-se como ponto de partida a desigualdade de gêneros, pretende-se refletir
sobre a violência escolar e o seu papel na legitimação das representações sobre o feminino com
tendência ao fortalecimento do androcentrismo.
Por meio das pesquisas bibliográficas e observação direta, buscou-se refletir sobre o
gênero na escola e a desigualdade entre homens e mulheres, alicerçada pelo patriarcado que
determina a dominação masculina, que para sua manutenção, necessita exercer poder sobre o
feminino, seja por meio das representações, da violência física ou ainda, da violência simbólica.
Por isso, Chartier (1990) alerta para o fato de que embora aspirem à universalidade de
um diagnóstico fundado na razão, as representações são sempre determinadas pelos interesses de
um grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos
com a posição de quem os utiliza.
Os procedimentos metodológicos escolhidos resultam de estudos prévios desenvolvidos
no exercício profissional e no decorrer da vida acadêmica, como forma de ampliar os
conhecimentos e contribuir com os estudos de gênero.
Este artigo compõe-se de três subtítulos: a relação entre o feminismo, gênero e sexo, a
mulher e a construção histórica do seu papel na sociedade e, a violência de gênero nas relações
escolares.
Nesse percurso, torna-se imperativo refletir sobre o papel da mulher e do homem na
sociedade, marcado pelo determinismo biológico, tendente a justificar como naturais as diferenças
comportamentais e o desempenho de papais sociais diferentes de acordo com o gênero.
Dessa forma, concebemos que a forma como estão organizadas as relações de gênero,
em que os papeis e os comportamentos sociais são marcados historicamente pela situação de
desigualdade da mulher em relação ao homem, não somente está presente, mas é reforçado no
ambiente escolar.
A relação entre feminismo, gênero e sexo
O Feminismo foi um importante movimento social que começou a ganhar notoriedade
com a reivindicação do direito ao voto pelas mulheres no final do século XIX e, posteriormente,
expandiu-se para além do sentido revolucionário ao constituir-se como crítica teórica.
De acordo com Hall (1997) ao abordar temas como família, trabalho doméstico,
cuidado com os filhos e sexualidade, os estudos feministas introduziram elementos novos na luta de
contestação política para além da contestação da posição social das mulheres, alargando as
fronteiras para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero.
O fortalecimento do feminismo, enquanto teorização e movimento, contribuiu para que
o papel do gênero na produção da desigualdade entre homens e mulheres começasse a ser tratado
com a devida importância. Assim sendo, as justificativas biológicas para a demarcação dos papeis
sociais de mulheres e homens, cederam lugar à perspectiva de gênero, que considera uma
multiplicidade de fatores, como os históricos, culturais e sociais nesse processo. Por isso, adota-se
nessa pesquisa o conceito de gênero na análise da desigualdade entre homens e mulheres.
De acordo com Bruschini & Amado (1988) até 1980, o tema das relações de gênero
havia sido pouco explorado pelos estudos acerca da educação no Brasil. Ainda hoje, a reflexão
sobre a relação entre homens e mulheres, bem como os significados de masculinidade e
feminilidade, com base nas relações de gênero, é escassa.
Nessa perspectiva, torna-se relevante distinguir gênero de sexo. Soihet (2009) define o
gênero como uma categoria analítica que teoriza a diferença sexual ressaltando os aspectos sociais
das distinções baseadas no sexo, desprezando a naturalização e enfatizando as relações entre
mulheres e homens, o que é imprescindível para a descoberta da dimensão dos papeis sexuais e do
simbolismo sexual das várias sociedades e épocas.
Assim sendo, ao empregar o conceito de gênero consideram-se os fatores sociais,
históricos e culturais para superar as explicações biologizantes sobre as relações sociais advindas
das diferenças entre os sexos e que enfatizam uma significação para as relações de poder.
O feminismo vinha mostrando, com força cada vez maior, que as linhas do poder na sociedade estão estruturadas não apenas pelo capitalismo, mas também pelo patriarcado. De acordo com essa teorização feminista, há uma profunda desigualdade dividindo homens e mulheres, com os primeiros apropriando-se de uma parte gritantemente desproporcional dos recursos materiais e simbólicos da sociedade. Essa repartição desigual estende-se, obviamente, à educação e ao currículo (SILVA, 1999, p. 91).
Percebe-se, então, que na educação de homens e mulheres a reprodução de preconceitos
que perpetuam práticas sexistas, assim como, os significados masculinos e femininos presentes na
história de alunas e alunos, professoras e professores, gestoras e gestoras e demais profissionais no
ambiente escolar.
A mulher e a construção histórica do seu papel na sociedade
A mulher tem passado, ao longo da história, por um processo de conquista por um
espaço de visibilidade na sociedade e de superação da dominação masculina que, segundo Saffioti (1987) “ocorre há cerca de seis milênios e perpassa por múltiplos planos da existência cotidiana”. Essa dominação é o reflexo da legitimação da suposta superioridade masculina, que apoia-se na
criação de identidades sociais, de acordo com a função que se queira delegar aos agentes que
compõem o social.
O acesso feminino ao saber sistematizado é algo recente na história, pois durante muito
tempo a mulher foi relegada a uma situação de subordinação e dependência do pai, do irmão e do
marido, ou seja, diante da sua suposta incapacidade cognitiva e fragilidade, que não passam de
representações, dependiam do homem reprodutor, colonizador e proprietário.
No âmbito privado de suas casas, as mulheres eram instruídas por suas mães, avós, tias,
governantas e escravas para bordar, cozinhar, costurar, bem como, realizar outras prendas
domésticas. Assim, por muito tempo, dedicaram-se a um espaço privado e foram impedidas do
acesso à educação formal.
Quando os portugueses chegaram ao Brasil se depararam com uma cultura bem distinta
da sua, em que imperava a educação informal, processada no cotidiano da vida, com papéis
masculinos e femininos bem definidos, porém, não excludentes da participação comunitária baseada
na equidade entre homens e mulheres. Diante disso, a partir do violento confronto cultural,
impuseram o escravismo e um modelo de educação excludente.
A catequese foi destinada aos índios, com o intuito de torna-los adeptos do catolicismo,
religião da coroa portuguesa, que no momento estava abalada pelo movimento da reforma
protestante. E do ponto de vista econômico, era necessário tornar o índio mais dócil e mais fácil de
ser explorado enquanto mão de obra.
Para os homens livres, pertencentes às elites, era oferecida uma formação intelectual
voltada para a continuidade dos estudos na Europa para a composição das elites brasileiras ou o
ingresso na vida religiosa.
As mulheres não haviam sido inseridas no sistema escolar estabelecido na colônia,
ficando limitada aos cuidados com a casa, o marido e os filhos. Assim, independente de serem
brancas, ricas ou empobrecidas, como as indígenas e as negras escravas, não tinham acesso ao saber
formal. Além disso, segundo Ribeiro (2003), a mulher era vista com tamanha inferioridade que
chegava ao ponto de ser categorizada como imbecilitus sexus, ou sexo imbecil, categoria que fazia
referência, além das mulheres, às crianças e aos doentes mentais.
Ao ficarem enclausuradas, convivendo com pais muito severos e maridos brutais,
precisavam dividir o tempo entre os cuidados dos filhos, os serviços domésticos e as práticas
religiosas, na capela ou nas igrejas, pois sua condição intelectual na colônia não podia ser diferente
das mulheres em Portugal.
Pelo menos oficialmente, com o marquês de Pombal, as meninas ingressam na escola e
o magistério público é colocado às mulheres como alternativa de acesso ao mercado de trabalho,
logo, teriam a possibilidade de expandiram as fronteiras de sua atuação da esfera privada à pública.
Porém, esse fato não contribuiu para a disseminação do ensino a toda a população, sobretudo para
as mulheres.
Quando a corte portuguesa chegou ao Brasil, em 1808, o governo recém- instalado no
Rio de Janeiro interessou-se pela formação de homens para a administração e o exército. Com vistas
à urbanização da capital, foram abertos vários cursos de ensino superior, para os homens, tanto na
corte como em outras áreas do Brasil. Houve também o aumento do número de escolas de ensino
elementar, encarregadas do ensino da leitura e da escrita, o que, entretanto, não representou a
garantia de escolarização para a maioria da população. Na realidade, não passaram de algumas
poucas escolas destinadas, em sua maioria, aos homens, e outras, para as mulheres.
Nesse breve retrospecto, percebe-se que as mulheres passaram por um longo período de
construção histórica sobre o papel que lhes caberia desempenhar na sociedade, papel esse,
sustentado pelas representações de fragilidade, doçura, insegurança e submissão decorrentes de sua
natureza feminina.
Geralmente, a mulher é associada a valores considerados negativos, tais como, emoção, fragilidade, resignação. Tais valores contêm ideias como: a mulher é incapaz de usar a razão; não é capaz de lutar contra ocorrências adversas, já que se conforma com tudo; é insegura. Estes característicos são apresentados como inerentes à mulher, isto é, como algo que a mulher traz desde o nascimento. (SAFFIOTI, 1987, p.34).
Não obstante, estaria reservada às mulheres a função de realizar as atividades
consideradas de menor exigência intelectual, como cuidar do lar, do marido e dos filhos, além de se
manterem reatadas e sem nenhuma mancha moral que pudesse abalar a reputação dos homens de
sua família.
Assim sendo, para a manutenção da ordem patriarcal a sociedade se utiliza de um
conjunto de mecanismos sociais voltados para a legitimação das funções a serem desempenhadas
por mulheres e homens na sociedade, mecanismos esses que investem numa possível naturalidade
desse processo. A educação da mulher no lar e na escola vem servindo para reforçar esses estereótipos ligados ao gênero feminino, fazendo com que a conciliação dos papéis de educadora com
os de esposa e de mãe tenha se tornado uma obrigação estimulada na mulher pela sociedade, que vem atravessando os tempos. A escola, por exemplo, reproduz as diferenças sociais entre os gêneros, historicamente construídas, e modela a mentalidade das mulheres de tal modo que, sob efeito da dominação masculina, elas fazem a opção ou escolhem áreas e cursos femininos (FAGUNDES, 2002, p. 233).
A escola, nesse processo, desenvolve um papel primordial no que tange à determinação
dos espaços reservados a mulheres e homens na sociedade, para isso, faz uso de uma série de
elementos no seu fazer pedagógico, como a linguagem, a orientação das cores, que assumem caráter
de masculino ou feminino, as brincadeiras e as atividades.
Nesse processo é importante considerar o contexto cultural em que estão incluídas as
nossas escolas, uma vez que, nela são reproduzidos os valores e as representações defendidos pela
sociedade.
A violência de gênero nas relações escolares
Mesmo diante dos avanços e transformações pelos quais a sociedade vem passando ao
longo do tempo, ainda há uma grande desigualdade nas relações de gênero sendo vivenciadas e
reproduzidas nas escolas, com tendência a garantir a dominação dos homens sobre as mulheres.
Segundo dados do Ministério da Educação (Brasil/MEC, 2005), as mulheres somam
57% dos(as) estudantes brasileiras(as) nas séries finais de todo o sistema educacional brasileiro.
Somando-se a isso, as meninas permanecem na escola mais tempo, em média 6 anos, enquanto os
meninos, ficam, em média, 5,6 anos na escola.
Apesar da pequena vantagem que as mulheres levam sobre os homens quanto ao acesso
e permanência na escola, esse fato não representa uma desigualdade significativa, pois ainda
imperam no interior das escolas a desigualdade nas relações de gênero.
A escola reflete as relações de poder existentes entre homens e mulheres na sociedade,
reproduzindo, cotidianamente, as estruturas sociais, reforçando e legitimando os valores,
preconceitos e privilégios do sexo masculino sobre o feminino, contribuindo para a formação das
identidades dos homens e mulheres com funções bem definidas.
Segundo Foucault (2004), os prédios escolares mais se parecem prisões, que impõem
aos corpos uma ordem uniforme, hierarquizada, à qual não há meio de fugir; são regras, controles,
limites, punições, dominação imposta aos corpos como modelo disciplinar e normatizador. Todo
esse controle é realizado sob o olhar vigilante e hierarquizado do corpo técnico que compõe a
escola. Para esse autor, a disciplina é um tipo de poder utilizado para a dominação dos homens.
Neste ambiente a violência está presente ao dominar, limitar, padronizar o processo de
desenvolvimento do aluno num local onde, supostamente, deveria desenvolver a sua autonomia,
senso crítico e liberdade de expressão.
Nessa ótica, é relevante distinguir poder de violência. Conforme Arendt (1994) a
violência é eminentemente instrumental, necessita de implemento, enquanto o poder é obra de
conjunto, de grupo, pressupõe a concordância para que tenha legitimidade. O poder é resultante da
capacidade interativa do homem para agir em comunhão, isso na essência requer o consenso de
muitos para a efetividade comum da ação. Poder e violência são diametralmente opostos: a
existência absoluta de um, é a ausência do outro. A violência floresce onde o poder perdeu sua
força. A utilização de meios violentos pressupõe a falência do exercício do poder.
Frequentemente a violência nas escolas é praticada contra as meninas devido à força das
representações culturais de sua fragilidade, sensibilidade, meiguice e incapacidade de se defender,
tornando-as vulneráveis aos mais diversos tipos de violência, que vão desde a força e as ameaças,
até aos apelidos ou quaisquer formas de constrangimento, inclusive de cunho sexual.
Para Bourdieu e Passeron (2008) todo poder que chega a impor significações e impô-las
como legítimas, dissimulando as relações de força que estão na base de sua força é considerado
violência simbólica. Por conseguinte, a violência que se reproduz na escola pode ser violência
simbólica refletida nas ações de seus agentes, esses autores afirmam ainda: “Toda ação pedagógica
é objetivamente uma violência simbólica enquanto imposição, por um poder arbitrário...” (p.26), ao
ponto de negar a consciência e a autonomia das alunas e também, dos alunos na relação pedagógica
e que, por isso, passariam a ser reprodutores inconscientes das ações estabelecidas pelos grupos
dominantes.
Conforme essa lógica, as alunas e os alunos se adaptam ou são adaptados(as) no
convívio social orientados(as) pelas identidades de gênero através do currículo que constitui uma
tecnologia diretamente composta do processo de escolarização e de subjetivação.
Meninos e meninas sabendo a qual gênero pertencem e, na maioria dos casos, os papeis
a serem desempenhados por eles, ao ingressarem na escola continuam percorrendo um caminho
social de convivência e incorporação de valores culturais alicerçados no androcentrismo que foi
iniciado na família e tem sua continuidade na escola.
O androcentrismo consiste em considerar o ser humano do sexo masculino como o centro do universo, como a medida de todas as coisas, como o único obsevador válido de tudo o que ocorre no nosso mundo. É precisamente esta metade da humanidade que possui a força (os exércitos, a polícia), domina os meios de comunicação de massa, detém o poder legislativo, governa a sociedade, tem em suas mãos os principais meios de produção e é dona e senhora da técnica e da ciência (MORENO, 2003, p. 23).
A linguagem, por sua vez, em sua complexidade, vai além da escrita e se configura nas
normas e disposição de elementos na sala de aula, na uniformização das vestimentas, na postura de
professores e professoras em relação à turma, que são agentes através dos quais as identidades e os
papeis sociais a serem desempenhados por homens e mulheres são inseridos no processo de
escolarização.
A linguagem, que pode ser aqui definida como sistema de sinais vocais, é o mais importante sistema de sinais da sociedade humana. [...]. A vida cotidiana é sobretudo a vida com a linguagem, é por meio dela que participo com meus semelhantes. A compreensão da linguagem é por isso, essencial para minha compreensão da realidade da vida cotidiana. (BERGER e LUCKMANN, p. 57, 2008).
No tocante à linguagem oral, por mais que existam palavras para denominar as pessoas
do sexo masculino e outras, para as do sexo feminino, em muitos casos, é utilizada uma forma
comum para se referir a indivíduos de ambos os sexos adotando-se como opção o termo masculino,
levando ao comprometimento da identidade sexolinguística.
É relevante mencionar que tais práticas ocorridas na escola assumem cotidianamente o
caráter de naturalidade, universalidade e imutabilidade devido, em grande parte, à sutileza com que
ocorrem, inclusive, despercebidamente por professores e professoras, que estando submersos na
visão androcêntrica do mundo.
Daí a importância de uma formação de professores reflexiva, e na reflexividade, que permita conscientizar os professores que o processo educativo, e o de escolarização, não se limitam á aquisição só de novos conhecimentos ou a renovação dos antigos, senão também a obtenção de estratégias cognitivas ou instrumentos do pensamento, a partir dos conhecimentos trabalhados no cotidiano escolar, com vistas a desenvolver atitudes de aceitação e compreensão da diversidade. (PAREDES, 2006, p. 141).
Nessa perspectiva, professores e professoras instrumentalizados através de uma
formação pautada na reflexividade terão melhores condições de se perceberem como construtores
do processo educativo, juntamente com os(as) alunos(as) e, a partir disso, poderão refletir sobre a
realidade visando a sua transformação, bem como, poderão buscar a sua própria libertação e a de
seus(suas) alunos(as) da opressão, discriminação e marginalização.
Dessa maneira, a escola poderá deixar de ser um espaço de inculcação e legitimação de
práticas sexistas para se transformar num espaço de crítica e reflexão sobre as ideologias que
nutrem a perpetuação das relações de poder favoráveis ao homem em detrimento da mulher e a que,
quem, por que ou para que estão servindo.
O conhecimento do “outro” é incluído não apenas para exaltar sua presença, mas também porque ele deve ser questionado criticamente com respeito às ideologias que contém, os meios de representação que utiliza, e as práticas sociais subjacentes que ele reitera. Aqui está em jogo a necessidade de desenvolver-se em laço entre conhecimento e poder, o qual sugira possibilidades praticáveis para os estudantes. Isto é, o conhecimento e o poder interseccionam-se em uma pedagogia de política cultural para dar aos estudantes a oportunidade não apenas de compreender mais criticamente quem eles são como parte de uma formação social mais ampla, mas também para ajudá-los a apropriarem-se de maneira crítica daquelas formas de conhecimento que tradicionalmente lhes foram negadas. (GIROUX, 1997, p. 141).
Torna-se imperativo que as reflexões e discussões emanadas da escola tratem dos
papeis que a sociedade atribui a homens e mulheres de forma que professores e professoras, alunos
e alunas percebem o quanto estarão limitados se aceitarem os estereótipos de gênero como naturais.
A escola precisa deixar claro que os comportamentos de homens e mulheres não estão
relacionados a questões genéticas ou naturais e sim, que foram construídas socialmente, no decorrer
da história, por meio de modelos a serem seguidos por homens como a força, a coragem e a
racionalidade, e pelas mulheres, como a fragilidade, a insegurança e a sensibilidade que, inclusive,
fazem-se refletir na família, na escola, já que estão muito presentes na sociedade e possuem como
alicerce o patriarcado.
Muitos casos onde surgem conflitos de discriminação e preconceito acabam sendo o reflexo e a concretização de formas preconceituosas e de marginalização econômica, social e cultural, muitas das vezes admitidas como normais dentro do nosso sistema social excludente e discriminador. Uma escola crítica e compromissada com a diversidade não pode evidenciar-se como um instrumento de reprodução deste processo discriminador. A escola deve trabalhar as diferenças desde uma percepção positiva do outro e do diferente, descartando todo tipo de atitude discriminatória, racista ou xenófoba. (PAREDES, 2006, p. 144).
Ao comprometer-se com o respeito em relação ao outro e à outra, a escola começa a
desempenhar a sua real função que é a de educar pessoas que pensam, agem e produzem, com
condições de refletirem sobre a sua prática, o que é necessário, para isso, conhecer o outro, o
diferente, respeitar seus valores, seus direitos e sua existência. Dessa forma, a violência não
encontrará na escola terreno fértil para sua expressão, tampouco, a imposição de poder de uns sobre
os outros, sejam homens sobre mulheres, homens sobre outros homens e mulheres sobre outras
mulheres.
Considerações
As diversas formas de manifestação da violência tem se mostrado presentes em todos
os setores da sociedade, inclusive, na escola, local em que a ética e o respeito deveriam ser
valorizados mas que, ao invés disso, serve como meio de reprodução e legitimação das mais
variadas formas de violência, na quais se inserem as práticas sexistas.
As relações pedagógicas que são construídas na escola perpassam por simbolizações e,
conforme o gênero, as alunas e os alunos aprendem normas, valores, conteúdos e significados, que
direcionam o comportamento e a função que devem desempenhar na sociedade.
Considerando que as representações dos padrões feminino e masculino de
comportamento são fruto de um processo histórico e social e permanecem, em grande parte,
inalteradas, é justamente nos espaços públicos, em que a escola se inclui, lugar de formação e
imposição de princípios sexistas, que podem ser garantidas as possibilidades de sua reversão, por
meio da promoção de reflexões, assim como, mudanças no sentido de romper com os paradigmas
tradicionais de comportamento masculino e feminino.
As reflexões sobre as questões de gênero não estão incluídas no currículo, pelo menos
da maneira como deveriam, mas as situações concretas e cotidianas mostraram como os
estereótipos sexuais e a linguagem são imperativos na formação de homens e mulheres, além do
papel das representações culturais no sentido de garantir a dominação masculina sobre a feminina.
Somando-se a isso, os professores e as professoras, em sua formação, não receberam subsídios para
refletirem sobre como tais estereótipos atuam no cotidiano escolar e na sua relação com a violência.
Diante disso, é oportuno considerar a importância do papel da família e da escola, tanto
para a transmissão de atitudes sexistas ao demonstrarem expectativas que ajudam na construção da
imagem do que é ser menino e menina, quanto para a superação da lógica do patriarcado, através de
investimento em formação de professores e professoras com base na reflexividade, além da
ampliação dos conhecimentos a partir do respeito e valorização do outro como forma de
enfrentamento e coibição da violência.
Referências
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A MULHER E A SEXUALIDADE: FACES E INTERFACES DA VIOLÊNCIA NO ESPAÇO ESCOLAR
Silva, Sirlene da
Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA, Professora do Departamento de Educação I
Email:
Na História da Educação constatamos que o percurso da mulher na conquista de direitos elementares, como o de ser alfabetizada, poder frequentar escolas, ou simplesmente ser considerada
como dotada de inteligência, foi difícil, tortuoso, carregado de opressão e repressão. Destarte,
identificamos alguns fatos, que vinculam a escola como um dos mecanismos de controle da
sexualidade, sua função e estrutura na incorporação de mulheres nesse ambiente, demonstrando-se
algumas faces e interfaces da violência por elas sofrida.
Apresentamos elementos que caracterizam a mulher professora quando aluna,
ressaltando que outrora fora “aprendiz de freira”, devendo ser devota e recatada, chegando, na
atualidade, a ser vista como “aprendiz de feiticeira”, não aquela da Idade Média, condenada à
tortura e até à morte pelos inquisidores, mas a que encanta, ou “enfeitiça”, com sua “sensibilidade”,
“docilidade”, as pessoas ao seu redor.
Finalmente, destacamos a mulher professora, demonstrando que a “feiticeira” se vira
contra o “feitiço”. Ela que por sua “sensibilidade” “enfeitiça” as pessoas, embora diante de
inúmeras adversidades, vem conquistando espaços na sociedade com sua luta por igualdade de
oportunidades, a exemplo no exercício do magistério, que inicialmente era uma ocupação dos
homens. Atualmente, são as mulheres quem detêm a maioria desses espaços e estão conquistando
muitos outros.
Faces e interfaces da violência contra a mulher: a escola como mecanismo de controle da sexualidade
A entrada das mulheres no espaço escolar aconteceu de forma expressiva a partir do
século XIX, mas desde o século XVII, percebemos defesas em prol de uma educação que não se
restringisse ao espaço doméstico. A modernização da cidade passa pela família, tendo por alvo a
mulher, tornando-a o centro de interesse e a responsável pela vida sexual saudável. As mulheres
eram ao mesmo tempo as figuras a serem educadas para uma prática sexual menos danosa e as
agentes propagadoras dessa educação em suas famílias e, porque não, também, em sua função no
magistério.
Assim, a sexualidade está inserida entre as disciplinas do corpo e participa da regulação
das populações, sendo um tema de interesse público. Isto é, na medida em que a sexualidade é
tratada como mecanismo de controle e regulador da população, configura-se como algo que poderá
ser ordenado socialmente por meio de políticas específicas. A população passa a ser um novo objeto
de poder e saber. De acordo com Foucault (1993, p. 28):
Uma das grandes novidades nas técnicas de poder, no século XVIII, foi o surgimento da “população”, como problema econômico e político (...) os governos percebem que não têm que lidar simplesmente com sujeitos, nem mesmo com um “povo”, porém com uma “população”, com seus fenômenos específicos e suas variáveis próprias: natalidade, morbidade, esperança de vida, fecundidade, estado de saúde, incidência de doenças, forma de alimentação e de habitat.
Tal mecanismo regulatório é denominado de biopólitico1. A escola, portanto, enquanto
uma instituição que possui uma série de mecanismos, dispositivos e estratégias, constrói múltiplos
discursos “verdadeiros” sobre as pessoas. Além das questões populacionais, Foucault em suas
análises demonstrou que a estrutura arquitetônica das escolas do século XVIII era fundamental para
que a disciplina regulamentar surtisse efeito.
A escola era planejada para proporcionar às crianças em formação conforto e bem-estar,
pensada de modo a não estimular "vícios" solitários nocivos ao desenvolvimento físico, moral e
intelectual, dentre outras práticas consideradas prejudiciais. Buscavam incutir “a idéia da
necessidade de conhecimentos médicos que pais e educadores deveriam ter para se tornarem aptos a
cuidar das crianças” (FOUCAULT, 1993.p.14).
A escola passa a ser o lugar ideal para difundir comportamentos sanitários e higiênicos,
voltados a um conjunto de hábitos e atitudes sadias, físicas e morais adequadas ao sistema político
da época. Assim, torna-se alvo das preocupações do Estado e das políticas públicas que trazem por
referência os ideais de civilidade e utilização produtiva. O ritual da escola é repetido diariamente:
cada funcionário no seu posto, fazendo cumprir os horários, as atividades e garantindo que as
pessoas mantenham-se ajustadas ao costume pré-estabelecido.
A distribuição desses agentes fiscalizadores, nos espaços nos quais circulam alunos e
professores, nos oferece uma analogia perfeita do Panóptico descrito por Foucault (2000, p.160).
Para ele:
Panóptipo é um local privilegiado para tornar possível a experiência com homens, e para analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles. [...] pode até constituir-se em aparelho de controle sobre seus próprios mecanismos. [...] Funciona como uma espécie de laboratório de poder. Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em capacidade de penetração no comportamento dos homens. (grifos nossos)
É importante destacar que a referência é somente aos homens, agregando a estes, as
mulheres. Entretanto, a vigilância e o controle sobre as ações, que estão na base do panóptico,
também fundamentam a organização da escola, desde o seu aspecto físico até as definições sobre os
1 Para Foucault (1993), a biopolítica é uma técnica de poder que se exerce positivamente sobre o corpo social, gerindo-
o, majorando-o e multiplicando-o.
conteúdos e saberes a serem ensinados e as hierarquias que classificam o aprendiz e o instrutor, que
na sua maioria são mulheres.
A escola também delimita espaços, determinando o que pode e o que não pode; o lugar
das crianças maiores e das menores; dos meninos e das meninas, educa os corpos e produz a
sexualidade “normal”. Os estudos de Foucault (1989; 2000) mostram-se fundamentais na nossa
busca de compreensão de como as escolas estão fortemente baseadas na disciplinarização dos
corpos e mentes, orientando para a aquisição das formas normalizadas dos comportamentos e dos
modos de pensar. Todas as práticas e linguagens produzidas na escola constituem e formam sujeitos
masculinos e femininos, determinando comportamentos e atuando fortemente na construção das
identidades. Tais discursos e ações atuam, ao mesmo tempo, sobre as falas e sobre os silêncios,
questionando a suposta repressão ao sexo e à sexualidade, argumentando que tal repressão não se
dá pela proibição do sexo em si, mas pela interdição das palavras utilizadas para falar socialmente
sobre ele.
Atualmente, o discurso sobre sexualidade nas escolas continua sendo limitado por
saberes de natureza médico-jurídicos, a exemplo, as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs),
dentre elas a AIDS, a gravidez precoce, os métodos contraceptivos, o aborto, a pedofilia, a
prostituição, ou ainda, como acontecem as modificações biológicas e psicológicas da adolescência.
Não podemos negar a importância dessas discussões, no entanto, a própria forma de organização
dos temas e as suas abordagens na escola, além de superficiais, são tratados muito próximo daquilo
que Foucault (1993) denominou de “vontade de saber”.
Esse discurso foi materializado nos PCN’s, dentre os Temas Transversais que devem ser
trabalhados na escola. O documento, ou melhor, o dispositivo, esclarece que o desenvolvimento da
sexualidade é determinado pela História e pela Cultura, isso porque as sociedades criam suas
próprias regras que são tidas como parâmetros essenciais para regulamentar o comportamento
sexual.
A sexualidade, segundo Foucault (1993) não é uma característica inerente às pessoas,
ela é produto das relações de poder-saber que se instalam no seio das diferentes práticas sexuais /
sociais. Destarte, nas escolas e nas práticas educativas, os discursos sobre a sexualidade objetiva
disciplinar e controlar os comportamentos sexuais das crianças e jovens, entretanto, seus agentes,
podem ressignificar o discurso dos PCN’s e da mídia, introduzindo, em suas aulas questões que
busquem o posicionamento crítico sobre o desenvolvimento da sexualidade no decorrer da História:
suas formas de opressão e repressão; os diferentes mecanismos de controle sociais; a criação dos
mitos, tabus, preconceitos, discriminações; o porquê da banalização da sexualidade nos dias atuais;
dentre outros dispositivos que controlam o comportamento humano.
Rompendo barreiras: A mulher quando aluna - de aprendiz de freira a aprendiz de feiticeira
Atualmente, o predomínio feminino no espaço escolar é resultado, como veremos a
seguir, de um processo histórico denso e heterogêneo. Em nossas leituras emergiram diversos tabus,
na maioria das vezes, marcados pelas relações de poder que discriminam, assujeitam e segregam,
não somente a mulher, mas diferentes grupos sociais marginalizados: grupos étnicos, religiosos e de
determinadas classes.
A mulher, durante séculos, foi excluída da história da educação escolarizada. Quando
se tratava da mulher branca, filhas da elite eram relegadas a uma instrução voltada aos cuidados do
lar, do marido e dos filhos. Para isso, bastava que ela apenas aprendesse a ler e contar de forma
elementar. À mulher pobre restava os aprendizados junto à família, ou seja, a educação informal
(LOURO, 2001).
A associação entre a igreja e a classe mais favorecida economicamente contribuiu
fortemente para a criação das primeiras escolas. As primeiras discussões sobre a educação da
mulher surgiram da necessidade de expandir a nova camada emergente que precisava da mulher
para assumir as funções domésticas, especialmente a educação das crianças, pois a consolidação do
lar e das famílias era o foco da nova classe social.
Almeida (2003) em sua análise demonstra que a mulher vivia em permanente reclusão,
num ambiente “monótono”. Acrescenta que embora a reclusão fosse um projeto para a mulher em
geral, eram as abastadas quem mais viam cerceadas as suas liberdades. E, entre todas as categorias
de mulheres, as solteiras eram as que, tinham menos liberdade.
Na Europa, somente no século XVII, através dos postulados de Comênio (1997, p. 91) a
mulher fora citada como apta ao saber e defende que toda a juventude, de ambos os sexos, deve ser
enviada à escola:
[...] Também as mulheres, assim como os homens, são imagens de Deus, participam da graça divina e do reino do século futuro; também são dotadas de inteligência aguçada e aptas ao saber (freqüentemente mais do que nosso sexo); também para elas, como para os homens, estão abertas as portas de postos elevados, porque muitas vezes foram destinadas por Deus ao governo dos povos, a aconselhar sabiamente reis e príncipes, à ciência médica e às outras ciências úteis ao gênero humano, bem como ao dom da profecia e a censurar sacerdotes e bispos. Por que então permitimos que se alfabetizem e depois as afastamos dos livros? Temos medo da sua falta de reflexão? Mas quanto mais ocupada estiver a mente menor será o espaço destinado à imprudência, que nasce de mentes vazias.
Essa postura se constitui em certo avanço, visto que às mulheres, até então, era negada a
instrução, contudo, Comênio (1997, p.92) expressa que esse ensino não é para aguçar-lhes à
curiosidade, mas sim “[...] à honestidade e à bem aventurança. Sobretudo para administrar bem a
casa e para promover seu próprio bem, o do marido, dos filhos e de toda família”. Sua proposta de
educação, ainda que, avançada, perpetuava a condição de opressão e de submissão da mulher em
relação ao homem, restringindo sua atuação ao espaço doméstico.
No século XVIII temos a proposta de educação de Rousseau (1990), apresentada na
obra Emílio ou da Educação, esta, inspirada nos princípios do Iluminismo se constituiu numa
espécie de revolução do pensamento moderno. Rousseau põe em relevo a natureza da criança e
transforma o método de ensinar em um procedimento natural (Pedagogia naturalista); valoriza a
experiência e a educação ativa; podendo ser considerado como aquele que pôs fim aos textos que
conduziam a educação apenas religiosa; elaborou e discutiu modelos de educação para o cidadão
livre e qual o lugar que a mulher ocupa nessa formulação. Contudo, em seus estudos a mulher perde
em importância e valor social. O homem é quem deve “mandar”, cabendo à mulher apenas
obedecer. A educação feminina proposta por Rousseau torna-se ainda mais deficiente quando
comparada com estudos precedentes, como destaca Leif; Rustin (1960, p. 83):
Depois das ousadias de Comenius a esse respeito, e até mesmo das indicações de Fénelon, tornamos a dar aqui com uma concepção estreita e tradicional. A mulher é feita para agradar ao homem, e para servi-lo. Cultivam-se nela o sentimento de dependência e as distorções à obediência. São desenvolvidas suas aptidões para a ternura e para o encanto. E é educada para as funções domésticas e maternais. Só isso.
Evidenciamos que as ideias de Rousseau são inovadoras com referência à educação de
meninos, pois sugere uma educação diferenciada para homens e mulheres, confirmando que as
diferenças biológicas constituem-se em diferenças sociais e culturais e que as mulheres devem ser
aprisionadas no imaginário de seu lar. Também Fagundes (2005, p. 48) ao analisar essa questão
evidencia que para Rousseau, “[...] na família aparecem condições que possibilitam as
manifestações de características que vão sendo gradativamente introjetadas como pertencentes aos
gêneros masculino e feminino, tais como: a existência do amor, do zelo e da divisão sexual do
trabalho”.
Em relação ao Brasil, o processo de ensino formal originou-se com os franciscanos,
depois com os jesuítas, com o sistema escolar que seguia as normas do Ratio Studiorium1. Os
colégios jesuítas ensinavam os pequenos índios a ler e escrever, além de convertê-los à fé cristã e os
filhos dos colonos eram preparados para prosseguirem seus estudos na Europa.
As primeiras exigências pela instrução feminina partiram dos indígenas na segunda
metade do século XVI. Eles consideravam a mulher uma companheira, por isso, não havia razões
para não terem oportunidades educacionais. Ribeiro (2000, p. 80) demonstra essas reivindicações
quando ressalta: “[...] condená-las ao analfabetismo e à ignorância lhes parecia uma idéia absurda.
Isso porque o trabalho do homem, como o da mulher indígena, eram considerado eqüitativos e
socialmente úteis”.
1 O Ratio Studiorum é um documento produzido pelo militar espanhol Inácio de Loiola (1491-1556) com o objetivo
de consagrar a educação da juventude católica. Seguia os princípios cristãos e insurgia-se contra a pregação religiosa protestante. O criador da Companhia de Jesus imprimiu uma rígida disciplina e o culto a obediencia a todos os componentes da ordem. O Ratio Studiorium é o plano de estudos, de métodos e a base filosófica dos jesuítas. Representa o primeiro sistema organizado de educação católica (GADOTTI, 1998, p. 72).
Portanto, podemos perceber que entre os indígenas havia maior respeito à figura da
pessoa mulher. Contudo, tais reivindicações não tiveram êxito, pois a rainha de Portugal, dona Catarina, negou a iniciativa dizendo que tal ensino causaria “conseqüências nefastas”. Mesmo
porque as próprias portuguesas eram, em sua maioria, analfabetas. A educação das mulheres se
restringia às atividades que fossem úteis no ambiente doméstico, desprovidas de valor no mercado
de trabalho da época, como costurar, aprender música ou desenvolver habilidades artísticas.
O sexo feminino fazia parte do imbecilitus sexus, ou sexo imbecil como demonstra Ribeiro (2000, p. 79) ao mencionar um verso declamado nas casas de Portugal e do Brasil: “[...]
mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família, saiba pouco ou saiba nada”. Em relação à sexualidade, muitas das mulheres brancas eram ignorantes. Casavam e iam para a lua-
de-mel sem nenhuma informação sobre sexo. Em alguns casos conheciam o noivo dias antes do
casamento. O prazer na relação sexual era proibido pela Igreja católica, pois o orgasmo era
entendido como coisa do demônio. O corpo da mulher servia apenas para a reprodução.
Além disso, todas as regras referentes ao ensino das meninas assentavam para os papéis
femininos, claramente definidos, como cita Silva (2005, p. 134): “[...] elas têm uma casa que
governar, marido que fazer feliz, e filhos que educar na virtude”. A autora assinala que os vícios da
“[...] educação doméstica eram descritas pelo bispo de Pernambuco em torno do conceito de
ociosidade [...] e, sem ter nada que fazer dormia demais, o que a tornava mole e ‘mais exposta às
rebeliões da carne’”. Assim, às meninas cabia a educação dos bons modos e não a instrução, pois, a
mulher na família era considerada a primeira educadora das crianças.
Na primeira metade do século XIX começaram a ser criadas as primeiras Escolas
Normais e para a grande maioria das moças de classe média, estas eram seus destinos, e ser
professora era a carreira lógica, seguida sem contestações. Por outro lado, essas moças eram
consideradas zelosas, acreditando-se que podiam desempenhar bem seu papel de “boa mulher”,
consequentemente, podiam “cuidar bem” da educação das crianças. Segundo Fagundes (2005, p. 53):
É um contexto que mantêm estreitas as associações entre profissionalização da mulher e o mundo doméstico; as mulheres que se destinam a uma profissionalização tendem a fazê-lo através do exercício de funções ligadas à esfera privada: cuidar de crianças, ensinar e servir.
A autora relembra que a escola tende a reproduzir as diferenças sociais de gênero,
construídas histórica e culturalmente, de acordo com o modelo de dominação masculina, além de
modelar comportamentos das mulheres, ao ponto de elas “optarem” por profissões vistas como
propriamente femininas. Fagundes (2005) acrescenta que a entrada das mulheres na educação
formal se intensificou a partir da década de 30 do século XX, ao mesmo tempo em que alcançou
também o mercado de trabalho. Todavia, seu exercício profissional devia ser compatível às suas “obrigações domésticas”.
Após duas ou três décadas, muitos desses valores desapareceram, foram substituídos por
outros ou foram mantidos de forma “encoberta” enquanto a mulher conquistava o direito à
escolarização e a exercer atividades profissionais. Ou será que foram mantidos? Nossas análises
demonstram que muitas das diferenças no tratamento, educação da mulher e a vivência de sua
sexualidade permanecem muito grandes entre as expectativas da família em relação à vida escolar e
profissional de seus “filhos homens” e a das “filhas mulheres”.
Mulher professora: a feiticeira contra o feitiço
Após séculos de exclusão, repressão e opressão, o grito das mulheres pela igualdade de
direito à educação e ao mercado de trabalho, tomou grandes proporções. Dentre os espaços nesse
mercado, citamos sua participação no magistério, principalmente da Educação Infantil e das séries
iniciais do Ensino Fundamental.
Sobre a construção da identidade da mulher – professora, percebemos que quando a
mulher conquista espaços no ensino formal e no exercício do magistério, o discurso vigente começa
a ser o que considera a mulher como um ser que possui uma espécie de dom natural para o
magistério, visto serem elas as responsáveis, em casa, pela educação dos filhos.
A partir da terceira década do século XIX, começaram a serem criadas as primeiras
escolas normais para formação de docentes com a pretensão de preparar professoras e professores
que pudessem atender a um esperado aumento na demanda escolar. Atualmente há o predomínio
feminino no espaço escolar e este fato é decorrente de um longo processo histórico como
analisaremos a seguir.
Segundo Louro (1997), tais escolas foram abertas para ambos os sexos, embora o
regulamento estabelecesse que moças e rapazes devessem estudar em classes separadas, em turnos
e até escolas diferentes. Entretanto, aos poucos os homens foram deixando este espaço e foi
aumentando o número de mulheres. Presume-se que isto se deu devido o magistério ser concebido
como uma extensão do lar.
Além disso, foram criados diversos arranjos para não tratar de questões relacionadas a
sexo e sexualidade na escola: casamento, gravidez ou qualquer contato físico eram recebidos por
uma espécie de censura por explicitar a vida sexual e afetiva da mulher professora e provocar a
curiosidade da criança. As professoras deviam estar acima de qualquer suspeita no que se refere à
compostura.
Buscava-se assim acautelar a sexualidade dos meninos e a da professora. Se as
professoras infligissem esse regulamento, seriam desligadas da instituição, o que contribuía com a
negação de sua sexualidade, como destaca Louro (2001, p. 463): Sem dúvida, a responsabilidade de manter-se acima do comportamento comum representou um encargo social pesado e teve profundos efeitos sobre as vidas de mestres e mestras. Para bem poder exercer o papel de modelo para as crianças e jovens, eles se viram obrigados a um
estrito controle sobre seus desejos, suas falas, seus gestos e atitudes e tinham na comunidade o fiscal e censor de suas ações.
As representações que se tinha a respeito das mulheres professoras, foram cada vez
mais se dirigindo às que não se casavam, as consideradas feias e retraídas, que abdicaram dos
cuidados do lar e da família, o que nos permite acreditar que embora as professoras fossem cercadas
de diversos preconceitos e olhares panópticos com relação à sua conduta e estilo de vida, o trabalho
fora de casa lhes permitiu a conquista de sua autonomia financeira, possibilitando um maior nível
de instrução, além de adentrar em um universo até então masculino.
Nas primeiras décadas do século XX, o magistério já era demarcado como lugar próprio
para as mulheres e as normalistas já sentiam os efeitos dessa transformação. As pioneiras da
educação viam o direito de exercer uma profissão como uma saída para romper com os mecanismos
de subordinação feminina, como destaca Almeida (1998). Contudo, a profissão que acabaram de
conquistar revelou-se “[...] como mais um mecanismo de opressão”, pois o magistério de crianças
era o espaço ideal para que os detentores do poder (os homens) pudessem exercer o controle das
mulheres:
A entrada das mulheres nas escolas normais e a feminização do magistério primário foi um fenômeno que aconteceu rapidamente e, em pouco tempo, elas eram a grande maioria nesse nível de ensino [...], mesmo assim, a concepção implícita na freqüência das mulheres nas escolas normais pelas mulheres, e na educação feminina de modo geral, continuava atrelada aos princípios veiculados de ela ser necessária não para seu aperfeiçoamento ou satisfação, mas para ser a esposa agradável e a mãe dedicada [...] (ALMEIDA, 1998, p. 64).
Esse fenômeno consolidou-se de forma significativa nas primeiras décadas do século
XX, ganhando mais força na década de 1930 com o escolavovismo, pois acreditava-se no poder da
educação para o crescimento do país, o que repercutiu na política educacional e na criação de novas
escolas. De acordo com Almeida (1998, p.66) “[...] a retirada dos homens em busca de outros
empregos mais bem remunerados teria permitido que seus lugares fossem ocupados pelas mulheres,
e alguns autores, aliás, arriscam a hipótese de que era desonroso e até humilhante para os homens
exercer essa profissão”.
Com o afastamento parcial dos homens dessa profissão, iniciou-se outra configuração
social: a remuneração e a valorização foram reduzindo-se para as mulheres. Além dessa
discriminação, Fernandez (1994, p. 110) destaca que nosso sistema educativo sanciona as
diferenças sexuais de toda ordem e exige das professoras esconderem sua sexualidade e anular sua
corporeidade, e a situa em um lugar paradoxal de "senhorita virgem e mãe", ou seja, ao “ideal
mariano”, equiparando, por um lado, passividade, dedicação e capricho com feminilidade, e por
outro, atividade, agressividade, rapidez e relaxamento com masculinidade. Para a autora “[...] a
tarefa docente suporta uma sobrecarga depreciativa. Por um lado por ser uma tarefa considerada
dirigida principalmente às crianças, desqualifica-se quem a exerce”. Considera que não apenas as
crianças são infatilizadas, as professoras também o são, “pois são usadas pelo sistema como agentes
mantenedoras da infantilização do espaço educativo”.
A sexualidade da mulher professora era negada sob a alegação de incompatibilidade
profissional e suposta necessidade de manter a moral e a virtuosidade cristã. Todavia, a
incompatibilidade da professora com qualquer manifestação de sua sexualidade, foi ainda associada
à homossexualidade conforme alude Louro (2001, p. 469):
A sexualidade da professora podia ainda ser representada como homossexualidade. Restrita a conversas reservadas, a sexualidade de algumas professoras, principalmente das solteiras e viúvas, foi alvo de condenação quando dirigida a outras mulheres e, de modo especial, às próprias estudantes.
Muito provavelmente as mulheres que ousassem contrariar as normas, que tivessem seu
próprio sustento ou um nível mais elevado de instrução eram percebidas como desviantes, uma
ameaça à hierarquia dos gêneros. De certa forma isso contribuía para escaparem da representação
do ser feminino na época – mulher submissa, dócil e dependente do homem – o que podia levar a
outra representação: à de mulher-homem. Frente à sexualidade aprisionada, omitida, enclausurada,
a proposta de bem-estar passa por reconhecer a diferença como diferença e não como carência; não
se excluir; legitimar o modo de produção de saber e conhecer típico das mulheres, fazer visível sua
produção invisível e pública sua produção doméstica. Em síntese: autorizar-se a ser mulher.
Notas (in) conclusivas
A história do magistério primário feminino brasileiro é também uma história das
mulheres que lutaram “[...] consciente e espontaneamente em defesa de suas crenças e de sua
vontade [...]” (ALMEIDA, 1998, p.77). Parte do feminino até então confinado aos afazeres
domésticos, com uma educação centrada numa cultura supérflua, passou a ter chance de fazer parte
da economia do país, modificando, de certa forma a cultura da sociedade do início do século XX,
até inícios do século XXI.
Nesse trajeto, vimos diversas faces e interfaces da violência contra a mulher no decorrer
da história da educação escolar, constatando-se que a educação da mulher se configura como
mudança social e política, desde a época em que as primeiras normalistas começaram a questionar
sobre a discriminação da mulher, até o final do século XX e início do século XXI, quando se inicia
maiores reivindicações por igualdade de oportunidades, melhores condições de vida e de
profissionalização e a articulação crítica sobre a consciência de gênero e da sexualidade
transformando-se de “aprendiz de freira” a “aprendiz de feiticeira”.
Ao percorrermos algumas décadas da história das mulheres, quando alunas e como
professoras, reconhecemos o tratamento dado à sexualidade feminina no ensino formal e as diversas
representações e práticas sociais que instituíram homens e mulheres em nossa sociedade,
demonstrando-se que tais práticas constituem-se em relações de poder, que produzem e reproduzem
discursos diversos e desiguais, controladores, passíveis a resistência e transgressão.
Destarte, apesar dos inúmeros preconceitos em relação à mulher e à mulher professora,
fomos e somos capazes de subverter comportamentos, construir outras e novas histórias, podemos e
devemos viver nossa sexualidade da forma que melhor nos convier. Dessa forma, a feiticeira se
virou contra o feitiço, vencendo desafios e conquistando espaços, outrora masculinos.
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VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: ações educativas desenvolvidas na Casa-abrigo de São Luís-
MA
Albuquerque, Zeila de1; Motta, Diomar
2
1 Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFMA, Mestra em Educação pela
Universidade Federal do Maranhão – UFMA. 2 Professora da Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Doutora em Educação pela Universidade
Federal Fluminense – UFF. Email: [email protected].; [email protected]
Esta pesquisa se insere no campo de estudos de Gênero, Mulher e Educação, é resultado da pesquisa de mestrado que integra a linha de pesquisa Instituições Escolares, Saberes e Práticas
Educativas do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Maranhão.
Neste artigo, apresentamos parte do percurso da investigação concernente às ações
educativas desenvolvidas pelas profissionais que atuam na Casa-abrigo para mulheres em situação
de violência de gênero com seus filhos e filhas na cidade de São Luís–MA. Para tanto, o nosso
objetivo principal é investigar as questões da violência de gênero, assim como as ações educativas
desenvolvidas pelos profissionais que atuam na Casa-abrigo de mulheres em situação de violência
de São Luís–MA.
O interesse em pesquisar esse tema decorre da inquietação e de reflexões a respeito das
desigualdades e das injustiças causadas por caracteres considerados peculiares à mulher e ao
homem, remetendo-nos à análise e à crítica das questões de discriminação e de preconceitos que
acabam por resultar na violência contra a mulher, associada à ideia de agressões físicas e sexuais.
Contudo, a sua especificidade envolve atitudes e comportamentos impregnados de
conteúdosimbólico, que vai de uma educação sexualmente diferenciada, até a depreciação da
mulher.
Nos últimos anos, a violência contra a mulher tem despertado o interesse da sociedade
que, a partir da pressão dos movimentos sociais feministas, busca formas para o enfrentamento do
problema, a exemplo da criação das delegacias de defesa da mulher e das casas-abrigo. Embora
atingindo a todos, certos grupos acabam sofrendo formas específicas de violência, e podemos falar
de uma distribuição social refletida. Nessa divisão de espaços, os homens são mais atingidos na
esfera pública, enquanto as mulheres o são, prioritariamente, no espaço doméstico, sendo o agressor
alguém da sua intimidade.
Desta forma, para Arendt (1994, p. 40) o lar privado caracteriza-se como espaço pré-
político, sujeito à necessidade, onde “a força e a violência são justificadas nesta última esfera por
serem os únicos meios de vencer a necessidade – por exemplo, subjugando escravos – e alcançar a
liberdade”. Assim, a violência não acontece no espaço público, mas é própria do espaço privado.
A mulher que, em geral, é o “pólo dominado”da relação, em muitos casos, não aceita
como “natural” esse lugar para o qual foi socializada, enquanto o homem recorre à violência
simbólica, conforme Bourdieu (2003), para fazer garantir seus “privilégios” fornecidos pela
sociedade. Nesse sentido, a própria dominação constitui, por si só, uma violência.
Apesar da questão da violência ser uma problemática antiga e recorrente na nossa
sociedade, é uma das áreas pouco exploradas na literatura e, em especial, a violência conjugal e
seus impactos na questão educacional. Nesse domínio específico, geralmente, estudamos
separadamente a violência conjugal da questão educacional. Todavia, a prioridade das investigações
tem sido voltada para obtenção de dados a respeito de mulheres vitimizadas que são atendidas em
delegacias, centros de referências, casas-abrigo, entre outros.
Em se tratando da Casa-abrigo, nosso local de pesquisa, percebemos que há poucos
estudos por parte da comunidade científica acerca da forma como as ações educativas são
desenvolvidas pelos profissionais que nela atuam, na tentativa de ampliar os seus reflexos, visto que
a violência atinge, também, indiretamente, os que se encontram no entorno de sua prática. As ações
educativas desenvolvidas nesse espaço podem construir mudanças qualitativas na vida dos que lá
buscam abrigo.
A relevância do tema se justifica pela escassez de estudo nesta área, para que possamos
pensar em que medida este contribui para que a Casa-abrigo analise suas práticas pedagógicas,
ampliando a dimensão das abordagens no campo educacional. Dessa forma, este estudo deverá
somar-se a outros que buscaram conhecer as questões de violência contra as mulheres nos seus
diferentes aspectos, a partir de diferentes questões.
Como campo de pesquisa, escolhemos a Casa-abrigo para mulheres em situação de
violência de São Luís. A Casa atende mulheres, filhos e filhas das vítimas de violência que correm
risco de vida.
As informações obtidas junto à realidade para a confrontação com o referencial teórico
de nossa eleição ocorreram a partir da observação participante e de entrevistas semi-estruturadas,
gravadas com as funcionárias da Casa que fazem o atendimento multidisciplinar, excetuando a
enfermeira, por estar em gozo de licença maternidade. Dessa forma, fizeram parte da pesquisa: Uma
Assistente Social; Uma Pedagoga; Uma Psicóloga; Uma Assistente jurídica; Uma Coordenadora.
A entrevista nos permitiu enumerar, da forma mais abrangente possível, questões
pertinentes à investigação. Com este recurso, apreendemos o papel dos serviços desempenhados
pelas funcionárias da Casa-abrigo diante das mulheres abrigadas. Na pesquisa qualitativa,
procuramos os significados presentes nas falas das funcionárias da Casa-abrigo, no momento de
suas práticas de atendimento às mulheres e filhos (as) vítimas de violência.
Violência contra as mulheres: políticas de enfrentamento
No Brasil, os estudos que tratam da violência contra as mulheres têm suas origens no
início dos anos 1980, constituindo uma das principais áreas temáticas dos estudos feministas. Esses
estudos são frutos de mudanças sociais e políticas no país, acompanhando o desenvolvimento do
movimento de mulheres e o processo de redemocratização. Esse movimento tem, como um dos
principais objetivos, dar visibilidade à violência contra as mulheres e combatê-la mediante
intervenções sociais, psicológicas e jurídicas.
Uma das principais conquistas alcançadas pelo movimento são as delegacias da mulher,
as quais ainda hoje se constituem na principal política pública de combate à violência contra as
mulheres e à impunidade. De acordo com Ardaillon (1989), São Paulo foi a primeira cidade do
Brasil e do mundo a criar uma Delegacia da Mulher, em agosto de 1985, com o objetivo de que
policiais do sexo feminino pudessem investigar crimes em que a vítima fosse mulher, incluindo,
entre outros, os crimes de estupro e lesão corporal.
Contudo, Cecília MacDowell Santos (2008) chama atenção para esta questão, na
medida em que afirma que Hautzinger1 (2007) admite o seu erro histórico e de outros autores que
diziam ser brasileira a primeira delegacia da mulher. Segundo o autor por ela citado, foi Índia o país
pioneiro, tendo criado a primeira delegacia da mulher em 1973.
As primeiras abordagens sobre o tema tinham como objeto de estudo as denúncias de
violência contra as mulheres nos distritos policiais e as práticas feministas não-governamentais de
atendimento às mulheres em situação de violência. Para Izumino (2002, p.283), a principal tarefa
destes estudos era “[..] conhecer quais eram os crimes mais denunciados, quem eram as mulheres
que sofriam a violência e quem eram seus agressores”. Esses estudos também pretendiam
compreender e definir o fenômeno social da violência contra as mulheres e a posição das mulheres
em relação à violência.
Em se tratando de documentos que preconizam medidas para tornar real o exercício dos
direitos das mulheres, o Brasil tem sido signatário de vários, dentre eles a declaração dos Direitos
Humanos, isso devido a sua participação, juntamente com outros países que integram as
Organizações das Nações Unidas – ONU.
Devido à pressão do movimento feminista e de diversos movimentos sociais na década
de 1980, mediante denúncias e diversas campanhas internacionais, os países que fazem parte da
ONU se comprometeram a implementar medidas para a erradicação da violência contra a mulher.
1 Sarah Hautzinger em sua obra Violence in the City of Women: Police and Batterers in Bahia, Brazil. Berkeley:
University of California Press corrigiu este equivoco, que ela própria cometera no passado, indicando que a India foi o pais pioneiro, tendo criado a primeira delegacia da mulher.
Essas medidas objetivam, principalmente, assegurar a igualdade de direitos e oportunidades entre
os sexos e adotar medidas afirmativas com a finalidade de acelerar esta igualdade de fato.
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher (CEDAW – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against
Women), fruto do esforço do movimento feminista internacional em comprometer os países-
membros das Nações Unidas na condenação da discriminação contra a mulher em todas as suas
formas e manifestações. Apesar de ter sido aprovada desde 1975, a Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação foi assinada pelo Brasil, com reservas na parte relativa à
família, somente em 31 de março de 1981, e ratificada pelo Congresso Nacional, com a manutenção
das reservas, em 1° de fevereiro de 1984. A referida Convenção permite à sociedade elaborar
relatórios e diagnósticos sobre a condição das mulheres e apresentar denúncias à ONU e a outros
órgãos.
Apenas após algumas décadas da ratificação da CEDAW pelo Brasil, é que o governo
brasileiro apresentou, no dia 22 de outubro de 2002, à sociedade civil, o primeiro Relatório
Nacional que trata da situação da mulher no país e, em julho de 2003, apresentou-o em Nova
Iorque, na sede das Nações Unidas, no Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a
Mulher, em seu 29° período de sessões.
Além da CEDAW, podemos destacar a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir
e Erradicar a Violência contra a Mulher, chamada “Convenção de Belém do Pará”, como outro
instrumento jurídico importante. O Brasil ratificou a “Convenção de Belém do Pará”, em 27 de
novembro de 1995. No Brasil, essa Convenção tem força de lei interna, conforme o disposto no §
2° do artigo 5° da Constituição Federal vigente (INSTRUMENTOS, 2001).
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher – “Convenção de Belém do Pará” – representa o esforço do movimento feminista
internacional para mostrar à sociedade em geral a existência da violência contra a mulher e exigir
seu repúdio contra os estados-membros da Organização dos Estados Americanos – OEA. É o
instrumento jurídico internacional mais significativo para as mulheres destes continentes.
Essa importante Convenção orienta que a violência contra a mulher é uma violação aos
direitos humanos e às liberdades fundamentais e que limita, total ou parcialmente a mulher, do
reconhecimento, gozo e exercício de tais direitos e liberdades. A Convenção de Belém do Pará
conceitua a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que
cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no
privado” (INSTRUMENTOS, 2001, p. 97).
Almeida (2001) ressalta a importância que esta Convenção tem ao introduzir o conceito
de violência baseado no gênero, explicitar a noção de dado ou sofrimento sexual, ampliar o âmbito
de aplicação dos direitos humanos, não somente na esfera pública, mas também na esfera privada,
além de relacionar os vários tipos de violência contra mulher.
Embora existam todos esses documentos e protocolos, a maioria dos direitos humanos
das mulheres ainda é ignorada. No Brasil, por exemplo, a Constituição Federal diz que homens e
mulheres são iguais na vida pública e no espaço da casa e, ainda assim, a violência continua
ameaçando mulheres e crianças, visto que nem a globalização, o avanço das tecnologias ou as
inúmeras denúncias do feminismo foram suficientes para modificar as práticas de violentar
mulheres.
Casa-abrigo de São Luís/Ma
No Maranhão, em 24 de setembro de 1999, é inaugurada a Casa-abrigo para mulheres
vítimas de violência doméstica e familiar, como a primeira casa para mulheres em situação de risco
mantida pelo Poder Judiciário no país, uma iniciativa do Desembargador Jorge Rachid Mubárack
Maluf, Corregedor-Geral da Justiça nos anos de 1998/1999 (o Tribunal de Justiça do Maranhão é o
único órgão do Judiciário brasileiro a abrigar mulheres vítimas da violência doméstica e familiar).
A Casa tem como objetivo zelar pela integridade física e psicológica das mulheres em risco de vida,
a fim de favorecer o exercício da cidadania, promovendo condições de inserção social por meio de
instrumentos que possibilitem o desenvolvimento da autonomia, emancipação e o resgate da
autoestima.
Atualmente, a Casa-abrigo dispõe de uma equipe que faz acompanhamento jurídico,
social, psicológico, pedagógico e de enfermagem. Ao chegarem à Casa, as vítimas são atendidas
por uma assistente social, que faz o encaminhamento necessário para, posteriormente, as enviar ao
serviço jurídico. Esse serviço inclui o registro em boletim de ocorrência e acompanhamento em
audiências.
Dessa forma, a Casa-abrigo de São Luís acolhe mulheres vitimadas de violência
doméstica e sexual. As mulheres atendidas têm uma característica em comum: todas sofrem risco de
vida, e a maioria não possui referência familiar que lhes possibilite condições de proteção e
segurança.
Na casa-abrigo de São Luís, as mulheres ficam abrigadas e protegidas juntamente com
seus (as) filhos (as). Elas recebem atendimento psicológico, social, e assistência jurídica, enquanto
seus (as) filhos (as) recebem atenção especial de uma pedagoga.
Para ter acesso à casa-abrigo, a mulher em situação de violência doméstica e sexual tem
que ser encaminhada por algumas instituições, dentre elas a Delegacia Especializada da Mulher
(DEM); a Vara de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher; a Promotoria da
Mulher e o Centro de Referência e Assistência Social – (CREAS). De acordo com a coordenadora
da Casa, a maioria das mulheres é maranhense, mas há quem venha de outros estados.
Casa-abrigo e as ações educativas
Neste tópico, partiremos das entrevistas com as profissionais dos serviços que atendem
às mulheres e filhos(as) na Casa-abrigo, em situação de violência de São Luís, para identificar, em
suas falas, que tipo de ações educativas são desenvolvidas pela equipe. Assim, descrevemos e
analisamos as atividades realizadas por estas profissionais nos seus diversos postos de serviços.
Na sua prática cotidiana, as profissionais que trabalham numa Casa-abrigo se defrontam
com uma variedade de problemas, muitos dos quais de grande complexidade. A investigação das
práticas dessas profissionais, ou seja, das ações educativas desenvolvidas por elas, pode ser
importante por várias razões, pois contribui para o esclarecimento e para a resolução de problemas,
ajudando a melhorar as organizações na qual se inserem.
Nesse sentido, uma primeira observação a ser feita é sobre as atividades educativas relativas à violência desenvolvidas na Casa com as mulheres e filhos (as), na qual obtivemos os seguintes relatos nos quadros abaixo:
Questões Fala das profissionais
Atividades “[...] As atividades relacionadas à violência só através de comédia, dinâmicas de relacionadas à grupo, atividades teatrais, danças... só pra amenizar um pouco.[...] A gente também violência faz um momento de beleza com elas, arrumando o cabelo, fazendo maquiagem [....]”
(Coordenadora).
Objetivos da “É que ela tenha uma fonte de renda para que se liberte desse agressor, porque a atividade maioria delas não tem uma fonte de renda, então esse curso de capacitação é para que educativa ela consiga um emprego e se liberte desse agressor”. (Assistente Social)
Como são “[...] eu programo de acordo com o nível cognitivo [...] esse ano eu estou pensando programadas e em trabalhar temas relacionados à violência que até então não trabalhávamos, porque avaliadas não tinha no nosso acervo bibliográfico livros sobre a temática e se conseguiu uns
livros interessantes. Porque elas já são vitimizadas e não pode estar enfocando essa vitimização para elas [...] (Pedagoga).
Ao analisar a fala da coordenadora, no tocante às atividades educativas desenvolvidas na
casa, podemos perceber o quanto a ênfase recai sobre atividades voltadas para trabalhos manuais. Por
meio dessas atividades, a instituição reconhece que o trabalho é uma condição social para as mulheres
terem uma vida útil e livre de violência. As ações educativas realizadas na Casa são, na perspectiva de
gênero, evidenciadas por atividades consideradas femininas (bordado, costura, entre
outras), vinculadas à possibilidade de engajamento profissional, que representam um sentido
organizacional em suas vidas, em conformidade com seu nível social.
Ao se manifestarem sobre os objetivos da atividade educativa, vemos que a
responsabilização da violência doméstica está associada unicamente à pobreza. Mas a violência
contra mulher ocorre em todas as classes sociais, independente de condição financeira, nível
cultural, raça, idade, religião. As vítimas e seus algozes podem ser encontrados em todas as
camadas sociais, embora se concentrem nas de mais baixa renda e nível cultural. Para Saffioti e
Almeida (1995), hoje, parece não haver dúvidas de que a violência é um fenômeno
democraticamente distribuído. Contudo, achamos importante que a Casa tenha essa preocupação em
estar fornecendo meios para que a mulher tenha uma fonte de renda, isto porque o exercício da
atividade profissional vai lhe encorajar a reagir e buscar soluções para o seu problema.
Em se tratando da participação nas atividades e como são programadas e avaliadas,
podemos destacar, primeiramente, certa ausência de metas a serem alcançadas pelo atendimento
dispensado, assim como ausência de atividades programadas em equipe, a superficialidade das
poucas atividades propostas, caracterizando-se por terem um fim em si mesmas e servirem mais
para “passar o tempo” durante o abrigamento na instituição.
Como analisa Mioto (2006), as ações profissionais se estruturam apoiadas no
conhecimento da realidade e dos sujeitos para as quais são destinadas, na definição de objetivos
considerando o lugar em que se realizam, na escolha de abordagens apropriadas para aproximar-se
dos sujeitos a quem a ação está sendo designada, sendo, portando, compatível com os objetivos.
Dessa forma, todo esse processo acontece por meio do planejamento que formalize as decisões
sobre tais ações. Sobre esse assunto, Gandin, (1985, p. 25) diz:
No ato de planejar, as diferentes equipes analisam a realidade e têm a oportunidade de descobrir os principais pontos comuns a todos, realizando comparações com outras experiências do grupo, questionando as diferentes práticas e ações, avaliando os processos e realizando opções por caminhos e práticas diferenciadas, visando à constante melhoria dos processos.
As ações educativas desenvolvidas numa casa-abrigo, como em outras instituições, não
podem acontecer de forma isolada, desarticulada, mas sim integradas, em um processo coletivo de
trabalho.
Questões Fala das profissionais Resultados “Às vezes elas não querem participar, é uma luta para conseguir. Aquelas que vão positivos ou têm um saldo positivo saem daqui melhores, não voltam para os companheiros, não negativos da voltam para o ciclo de violência. Agora 90% dos casos voltam, infelizmente, mas a atividade maioria é por dependência financeira e também porque gostam do homem”. educativa (Assistente Judiciária).
Contribuição “A partir do momento que essas mulheres possuem uma fonte de renda, não vão das ações depender do agressor [...]”. (Assistente Social). educativas
Discutido o “Sempre na minha fala abordo a violência, mas no primeiro momento muito rápido, significado da porque ela já vem de um momento de violência e para ficarmos falando sempre violência violência, não é legal, não é positivo, então se procura trabalhar outros assuntos para
que elas possam ter um olhar diferente sobre a vida delas”. (Psicóloga).
Quantidade satisfatória de “Deixa muito a desejar, nós teríamos que fazer muito mais projetos nesse sentido [...] cursos e geralmente temos seis mulheres cada uma com cinco filhos e não tem como trabalhar atividades isso, precisamos de parcerias [...]”.(Assistente Social). educativas
Ao pedirmos para que descrevessem uma situação com resultados positivos
ounegativos da atividade educativa desenvolvida por elas na casa, nos depoimentos da
equipe,verificamos, na maioria das falas, a baixa autoestima como fator negativo na realização das
ações educativas. A violência doméstica é responsável por muitos prejuízos à mulher,
principalmente no que diz respeito aos aspectos de ordem emocional, psicológica e social. A
primeira grande consequência da violência doméstica é a baixa autoestima.
As casas-abrigo recebem as mulheres juntamente com seus filhos num momento
delicado em que estes estão fragilizados e amedrontados, momento este no qual romperam com
suas rotinas, saindo de suas casas. Dessa forma, uma casa-abrigo deve ter o papel de motivar a vida
dessas pessoas. Por isso, Soares (1999, p. 97), ao recomendar como deve ser o funcionamento de
uma casa-abrigo para mulheres em situação de violência, diz:
Mais do que simplesmente ocultar essas mulheres, o abrigo pode, então, oferecer atendimento terapêutico, grupos de auto-ajuda, aconselhamento jurídico, acompanhamento para audiências e apoio para o desenvolvimento profissional.
Estes princípios de atenção, de certo modo, estão presentes na Casa-abrigo de São Luís,
quando depreendemos das falas das entrevistadas a preocupação constante em estimular o
desenvolvimento e a autonomia, com vistas a um projeto de vida baseado nos próprios desejos e
necessidades. Contudo, verificamos que fica a desejar o que Ruffa (1990, p.41) chama de princípios
básicos para atendimento às residentes:
[...] também devem ser aproveitados todos os momentos e situações para refletir, revisar e promover a interiorização de novos valores acerca do casal, da família, da maternidade, o papel da mulher fora do lar, assim como da internalização de pautas não violentas de relacionamento e de resolução de tensões [...]
Ao pautar o trabalho sem esses princípios básicos, a casa-abrigo se restringirá a sua
função primeira de proteger. Todavia, o trabalho de uma casa-abrigo não se esgota com a proteção,
mas deve haver meios em que o sofrimento e a dor possam ser convertidos em “ação positiva e o
fortalecimento pessoal e a autonomização tomam o lugar da passividade e da dependência” (Soares, 1999, p. 101). E isso será possível por meio de cursos e oficinas que adotem a perspectiva de
gênero.
Dessa forma, ao fazer um trabalho voltado para levantar a autoestima de mulheres e
filhos vítimas de violência, é necessário que o trabalho desenvolvido na casa-abrigo para mulheres
vítimas de violência tenha um caráter processual, ou seja, de intervir no ciclo da violência em que
está aprisionada grande parte das mulheres nessa situação.
Sobre a contribuição das ações educativas para a melhoria da qualidade de vida das
mulheres e filhos (as) abrigados (as), mais uma vez verificamos a importância dada ao aspecto
econômico, em estar capacitando as mulheres para uma vida pós-abrigamento e estimulando a
autoestima das mesmas. Sobre este assunto, Saffioti (2004) diz que “é verdade que as mulheres, em
geral, apresentam baixa auto-estima, sobretudo as que têm seus direitos humanos violados com
freqüência”. Em se tratando da questão econômica, a autora afirma que o fator patrimônio constitui
um mecanismo relevante para fazer com que as mulheres suportem por mais tempo as violências
contra elas cometidas. Contudo, ela alerta que mulheres com muitos filhos preferem “ir à luta
sozinhas a suportar maus tratos”.
Ao perguntarmos se durante o abrigamento é discutido o significado da violência
navida das mulheres e filhos, observamos a insegurança por parte das funcionárias em abordar
atemática violência com as mães e filhos(as), e essa insegurança acaba por imobilizá-las, de modo
que, em suas atividades, evitam trabalhar a questão. Na medida em que essa insegurança afeta a
pedagoga, levando-a a substituir a abordagem da violência sofrida pelas crianças pelo jogo,
enquanto ação educativa, ela (a pedagoga) as está privando de integrar suas vivências pessoais nas
atividades. Arpini (2003, p.73) fala sobre essa dificuldade que educadores(as) e outros(as) têm em
lidar com situações dolorosas e que marcam o passado de pessoas abrigadas: “A instituição abre espaço para trabalhar suas histórias de vida, suas dores, tristezas e violências. [...] percebe-se que há um silenciamento dentro da instituição, gerado pelo temor a esse passado”.
A função primeira de um abrigo é proteger, salvar vidas; contudo, além da proteção, o
abrigo deve desenvolver ações educativas que possam discutir o sentido da violência em suas vidas,
visto que isso poderá resultar na propagação de forças e poder das mulheres que vivenciam a
violência.
Na análise das falas, fica visível o sentimento das profissionais da Casa em terem
espaços específicos para o desenvolvimento de oficinas e cursos que ofereçam meios para que as
mulheres possam adquirir a autonomia financeira. Este fator está previsto no Programa de
Prevenção, Assistência e Combate à Violência contra a Mulher – Plano Nacional (BRASIL, 2003),
o qual diz que nas ações programáticas deve constar “apromoção de inserção profissional, por meio
daarticulação com rede de parceiros da área social e de atividades internas voltadas para a capacitação
profissional, a fim de preparar as mulheres para a inclusão no mercado de trabalho”.
Contudo, as atividades propostas pelas funcionárias são relacionadas à capacitação das
mulheres, no sentido de aumentar a autoestima e prepará-las para a geração de trabalho e renda. Há
uma descontextualização das atividades propostas com os pressupostos feministas e com os
conceitos de gênero, que dão suporte à política pública de enfrentamento da violência contra a
mulher.
Saffiotti (2004), ao falar da política de combate à violência doméstica, ressalta a
necessidade e a urgência da qualificação dessas profissionais em relações de gênero, com realce
especial à violência doméstica, fato sobre o qual a Casa-abrigo de São Luís se ressente, em
conformidade com os depoimentos da equipe atuante.
A formação continuada é fundamental para o desempenho das profissionais nesses
serviços, sobretudo porque a maioria não discutiu a questão de gênero em sua formação
profissional, tendo em vista que alguns cursos ainda não incorporaram em suas temáticas a
perspectiva de gênero, o que se faz necessário.
Considerações finais
Respostas às primeiras indagações foram perseguidas ao longo de todo o percurso da
pesquisa, e os dados encontrados, apesar de não serem conclusivos, nos fornecem indicativos de
como as ações educativas se constituem na Casa-abrigo e como são concebidas e praticadas pelas
funcionárias, em um local tão peculiar para mulheres em situação de violência. Portanto, uma
primeira conclusão a fazermos é que as iniciativas de avaliação sistemática são ainda pontuais e
pouco divulgadas. São raras as experiências de avaliações dos serviços sobre suas práticas,
sobretudo as educativas.
Constatamos que o atendimento às mulheres e filhos (as) acontece sem sistematização,
embora exista uma equipe multidisciplinar para o acolhimento desse público. O atendimento, não
acontecerem de forma satisfatória, devido à falta de um planejamento e de uma formação específica
para trabalhar com a temática, além da precariedade em que se encontra a Casa, pois o
funcionamento desses serviços imprescinde não só de recursos humanos, mas também de recursos
financeiros e físicos satisfatórios.
Dessa forma, no acolhimento a mulheres que sofrem violência, é de grande importância
que as funcionárias da Casa não utilizem sempre as mesmas estratégias de atendimento, não
compartilhando de outros valores, deixando de abrir espaços para outras formas de lidar com o
fenômeno da violência.
Logo, o atendimento feito na Casa-abrigo para mulheres de São Luís, através de
abordagens de uma equipe multidisciplinar, com um tratamento respeitoso, centrado na promoção
da autoestima está adequado no que se refere ao serviço especializado na área da saúde, jurídica e
na assistência social. Todavia, a equipe multidisciplinar não tem conseguido desenvolver um
trabalho interdisciplinar, sobretudo no tocante às ações educativas. As atividades são desarticuladas,
visto que produzem muito mais um recorte social que acaba por excluir um atendimento, que
deveria ser pautado no questionamento das relações de gênero, como construção histórico-cultural
dos papéis femininos e masculinos, que têm legitimado as desigualdades e a violência contra as
mulheres.
O trabalho desenvolvido pela equipe multidisciplinar e pela coordenadora da Casa e
demais funcionárias reúne, primordialmente, esforços no sentido de garantir a proteção e
atendimento numa perspectiva de resgate da autoestima e autonomia. Todavia, verificamos a falta
de uma ação conjunta desta equipe, de ações planejadas coletivamente, a fim de que pudessem
melhorar os caminhos a serem seguidos.
Sem dúvida alguma, a Casa-abrigo representa um verdadeiro avanço na consolidação da
política de atendimento à mulher, em São Luís, demonstrando o empenho do Tribunal de Justiça e
dos movimentos de mulheres na reivindicação de equipamentos sociais deste porte. Contudo,
entendemos que há necessidade de uma avaliação da mesma, para que avancemos em sua
concepção metodológica, percebendo seus avanços e limitações na abordagem da questão da
violência. Logo, é de fundamental importância que haja um acompanhamento pós-abrigamento das
mulheres, para que possamos avaliar a efetividade das ações educativas realizadas com as mesmas,
pois, de acordo com as próprias funcionárias, apesar de já existirem ações nesse sentido, não é feita
nenhuma avaliação das respostas obtidas com as ações.
Pelo exposto, encerramos, destacando o papel estratégico que ocupam as profissionais
que estão à frente do atendimento na Casa-abrigo para mulheres e filhos em situação de violência.
A relação que estas profissionais desempenham com as mulheres e filhos em situação de violência
pode implicar, de forma decisiva, nos processos de ruptura ou na manutenção da mulher no ciclo da
violência. As ações educativas na perspectiva de gênero, planejadas e articuladas com toda a equipe
multidisciplinar são elementos que vão fazer a diferença na qualidade da atenção e devem ser
incorporados de forma sistemática neste tipo de política pública.
Referências
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DIVERSIDADE SEXUAL E VIOLÊNCIAS NA E
DA ESCOLA
A VOZ DA ESCOLA É MASCULINA: PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE VIOLÊNCIAS E
DIVERSIDADES
Santiago, Alda Margarete
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Maranhão–UFMA. Email: [email protected]
O mundo real é sempre envolvido pelo movimento dinâmico de interações, ordens, desordens, negações e afirmações, de modo que os antagonismos e as complementaridades é que definem os
sujeitos que vão sendo construídos ou aniquilados conforme suas convicções e experiências. O fato
é que a grande luta de homens e mulheres tem sido pela constante busca por crescimento pessoal e
coletivo no convívio pacífico entre iguais, sem uma única receita igual para todos como bem nos
lembra o poeta Antonio Machado, “caminhante não há caminho, o caminho se faz ao andar”.
Cabe ressaltar que essa trajetória vem sendo obstacularizada pelas percepções que foram
construídas e acabam por demarcar os lugares de cada um e de cada uma conforme a raça, o gênero,
a religião, a classe entre outros critérios nem sempre explícitos, que inviabilizam a efetivação de
relações igualitárias e justas entre os sujeitos, cujas consequências em sua maioria negativas,
atingem o conjunto da sociedade. Pois o mosaico das desigualdades é atualizado constantemente
por atitudes que subordinam e humilham cada vez mais, aqueles e aquelas que não estão inscritos
nos padrões determinados pela ótica dominante.
Para designar essas diferenças, utiliza-se para os mais variados fins, a palavra ‘diversidade’ que está ligada ao conceito de pluralidade, multiplicidade e em alguns casos, para
explicar a comunhão de contrários, a intersecção de diferenças ou a tolerância mútua. Ultimamente
recorre-se a esse termo como um apelo para que se instaurem relações de respeito nos espaços de
convívio público e privado, haja vista o crescente número de ocorrências violentas que vitimizam as
pessoas que tenham como atributo principal, a diferença, que classifica o outro como inferior.
Nesse sentido elegemos a diversidade sexual no espaço escolar considerando os desafios
cotidianos enfrentados pelos professores e pelas professoras, tendo a questão das violências (físicas
ou psicológicas) determinando as relações de em sala de aula e demais espaços ligados a escola.
Os desafios da escola como mediadora da produção do conhecimento
Tomamos a linguagem como elemento fundante de produção e organização da
instituição escolar, haja vista o seu papel na produção de representações e práticas, pois em nossa
vida cotidiana, o modo com que organizamos nossa percepção de mundo e de enunciá-las guarda
profunda relação com os códigos aprendidos na escola, o que significa que quem não apreende a
linguagem escolar – objetivada, por exemplo, na norma culta da língua – encontra maior
dificuldade de exercer seu poder de falar e de expressar uma fala de poder, essencial para definir o
lugar de cada um na sociedade.
Para Viñao Frago (2008) a educação escolarizada produz um tipo de sujeito adequado a
certas demandas socioculturais, assim como os espaços e tempos escolares ajudam a conformar os
indivíduos, pelos gestos ensinados e aprendidos, pelos comportamentos autorizados, pelas práticas
e rotinas que calam fundo em cada indivíduo escolarizado. É na escola que se aprende a formar
filas, a adotar certos comportamentos para falar, sentar e mover-se, dentro das estruturas de
dominação e submissão de meninos e meninas ao poder de alguns, tendo em vista que as lógicas do
poder atravessam também, a organização do currículo, a materialidade da escola e as relações
pessoais no interior da instituição.
Em nossa sociedade a escola é concebida como um espaço privilegiado para a
construção de um convívio social harmonioso, onde deve prevalecer o respeito pelos Direitos
Humanos. Contraditoriamente, o quadro atual aponta a violência em suas mais variadas formas,
como um dos problemas mais pungentes enfrentados pela escola, uma delas diz respeito às
diversidades sexuais que são rebatidas com intolerâncias e resistências decorrentes das percepções
historicamente construídas e que ainda são cultivadas nas relações entre os sujeitos no ambiente
escolar e podem ser observadas nas várias formas de linguagens por eles utilizadas para expressar
sentimentos e posições que remetem a violência.
Nem sempre a violência se apresenta como ato, como uma relação, como um fato que possua estrutura facilmente identificável. O contrário talvez, fosse mais próximo da realidade. Ou seja, o ato violento se insinua freqüentemente, como um ato natural, cuja essência passa despercebida. Perceber um ato como violento demanda do homem um esforço para superar sua aparência de ato rotineiro, natural e como que escrito na ordem das coisas (ODALIA, 1991, p.22).
A questão da homossexualidade apresenta-se como uma das maiores causas de
violência nas escolas, as manifestações homofóbicas caracterizam-se por atitudes pejorativas que
tendem a designar o Outro, sempre como contrário, inferior ou anormal, postura adquirida em uma
sociedade marcada pela desigualdade, que conjuga o desrespeito às formas não heterossexuais com
a origem de classe, cor, religião e outros elementos, de modo que a hegemonia da
heterossexualidade condiciona os sujeitos pertencentes à diversidade sexual, à clandestinidade
social. E sem referências sociais e culturais para debater a respeito de temas, como identidade de
gênero e orientação sexual, os jovens referem-se aos gays e lésbicas com ironia, piadas e
preconceitos que provocam situações de agressividade, que em alguns casos não são percebidos
como tal, pela própria escola.
Apresentar um conceito de violência requer uma certa cautela, isso porque ela é, inegavelmente, algo dinâmico e mutável. Suas representações, suas dimensões e seus significados passam por adaptações à medida em que as sociedades se transformam. A dependência do momento histórico, da localidade, do contexto e de uma série de outros fatores lhe atribuem um caráter de dinamismo próprio dos fenômenos sociais (ABRAMOVAY, 2005, p.53).
Desse modo, compreende-se que combater a teia de violências que em muitos casos, se
inicia dentro de casa e em outros espaços que deveriam proteger e orientar as pessoas é uma tarefa
que somente poderá ser cumprida com a mobilização de todos, com ênfase na escola que deverá
repensar o seu papel histórico, que de certo modo tem contribuído para (re) produzir e hierarquizar
as diferenças, além de usar e abusar das estratégias de silenciamento sobre assuntos delicados como
a questão da violência em suas múltiplas manifestações de que são vítimas as pessoas de
sexualidades diversas do padrão tido como normal e aceitável, favorecendo assim uma dinâmica de
sofrimento derivada da incorporação da homofobia, pelos meninos e meninas que passam a
construir uma imagem negativa de si mesmos, por sentirem-se diferentes.
[...] a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar ao menos temporariamente ( HALL, 2005, p.13).
Portanto pensar as diversidades sexuais e as violências delas decorrentes no espaço escolar,
requer um entendimento do lugar da escola e do sujeito numa estrutura social perpassada pela
desigualdade. “O encontro entre a afirmação da igualdade dos indivíduos com as múltiplas
desigualdades que fracionam as situações e relações sociais nunca foi tão violento e tão ameaçador para
o sujeito”(DUBET, 2008, p.46). O que se percebe na atualidade é que a escola, gradativamente deixa de
ser uma instituição, para atender uma racionalidade centrada nos atores que, por sua vez, constroem um
novo perfil da escola ao construírem sua própria experiência escolar e sua identidade.
O Discurso da Educação para Todos e seus efeitos na Escola
Nas últimas décadas surgiram várias iniciativas no sentido de implementar mudanças na
escola face as transformações sociais em curso, porém o discurso da igualdade de oportunidades de
acesso à escola e a democratização escolar, não tem sido suficientes para diminuir as distâncias de
desempenhos entre os melhores e os mais fracos, o respeito e a tolerância pelos diferentes ainda é
uma realidade distante, os alunos das classes populares continuam saindo da escola com pouca ou
nenhuma qualificação, ou seja, a exclusão escolar é também resultado dessa democratização, cujo
modelo de excelência para todos se impõe mesmo para aqueles para os quais essa lógica não está
bem definida.
No intuito de atender as prescrições previstas nos programas e métodos de trabalho que
visam garantir resultados imediatos, a escola deixa de perceber a maneira pela qual os estudantes
elaboram suas estratégias, relações e significações, fazendo com que alunos e professores não
vejam sentido na aprendizagem. Um exemplo dessa situação é o modo como a questão da
sexualidade foi posta nos PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais, o documento que descreve
os parâmetros prevê que o conteúdo de diversas disciplinas integrem a sexualidade de maneira
articulada a outros temas como ética, saúde, gênero, ecologia e pluralidade cultural, o que fez surgir
entre os pesquisadores e especialistas, o entendimento de que a motivação governamental para a
inclusão da temática, se deu com a intenção de prevenir as DSTs – Doenças Sexualmente
Transmissíveis e a gravidez precoce e não a partir de uma lógica de respeito aos direitos sexuais
enquanto direitos humanos.
A epistemologia social fornece uma forma de analisar as regras e os padrões pelos quais o conhecimento é formado e pelos quais as distinções, as categorizações que organizam as percepções, as formas de responder ao mundo e as concepções do ‘eu’ são formadas através de nosso conhecimento sobre o mundo. [...] Uso a expressão epistemologia social como uma forma de tornar o conhecimento corporificado no currículo escolar acessível à investigação sociológica (POPKEWITZ, 1994, p.43).
A forma como tem sido apresentada a questão da sexualidade na escola, não vem
favorecendo o surgimento de debates, é preciso que o tema seja colocado na arena das lutas, ganhe
sentido a medida que possa instigar a compreensão de conceitos que no universo do discurso e
prática escolares são considerados como categorias naturais e sobre as quais é preciso, portanto, se
perguntar por que, como e quando se instauraram e se tornaram comuns. E neste particular, retoma-
se a importância da reflexão acerca da linguagem enquanto elemento de articulação de saberes e
práticas.
A linguagem, entretanto, não se refere apenas a palavras e afirmações. As regras e padrões pelos quais a fala é constituída são produzidos em instituições sociais, enquanto as práticas sociais moldam e modelam aquilo que é considerado verdadeiro e falso. Nos sistemas de linguagem estão embutidos valores, prioridades e disposições que são elementos ativos na construção do mundo (POPKEWITZ, 1994, p.58).
Para Chartier (1990), “as representações do mundo social assim construídas, embora
aspirem à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinados pelos
interesses dos grupos que as forjam”. Lembrando que o discurso dominante está sempre alinhado às posições de quem os profere, para informar o que é permitido ou proibido, esse discurso é
portanto, masculino, já que às mulheres coube apenas o silêncio e circunscritas ao silêncio elas
passaram a desenvolver estratégias de resistências que só muito recentemente passaram a ser
analisadas, vigorando ainda nas esferas do poder a dominação masculina.
As masculinidades hegemônicas como elemento indutor de violências
Dentro dessa perspectiva, importa verificar as formas de dominação que reiteram, por
exemplo, as lógicas homofóbicas tendo com instância de reprodução a escola, que em diversas
situações consente e ensina tais práticas, cujos efeitos são devastadores para a formação das
pessoas, pois uma vez introjetada a homofobia, pode conduzir suas vítimas a vergonha, culpa e
isolamento. Pesquisas recentes apontam que a homofobia é mais assumida pelos meninos, como
também valorizada por eles, o que sugere um padrão de afirmação de masculinidade.
É nesse sentido que Connell (1995) ao trazer o conceito de masculinidade hegemônica
nos permite entender a continuidade da dominação dos homens sobre as mulheres, pois não há uma
feminilidade hegemônica, as mulheres não detêm o poder no conjunto da sociedade. E ao mesmo
tempo perceber que dentro do grupo de pessoas do sexo masculino também se estabelecem
hierarquias, relações de poder, dominação, privilégios e negociações. Nele está embutida a idéia de
que a manutenção dessas relações exige um esforço permanente de convencimento, disputa e
modificação de padrões, símbolos e referências, fazendo com que as masculinidades sejam
múltiplas a cada momento, e também ao longo do tempo e conforme o contexto.
[...] se as masculinidades são múltiplas e disputam permanentemente a hegemonia dentro das relações de gênero, em toda sociedade vamos encontrar também formas de masculinidades subordinadas (cujo exemplo mais evidente é a masculinidade gay), cúmplices (que não questionam as formas hegemônicas, mas também não enfatizam seus aspectos mais explícitos) e marginalizadas (seja pelo desemprego e a pobreza, seja pelas desigualdades raciais) ou de protesto (que, constatando sua exclusão dos núcleos de poder, buscam formas de demarcar diferenças frente à masculinidade hegemônica). A hegemonia se conquista pela via da autoridade, muito mais que pela violência deliberada (CARVALHO, 2001, p. 132).
Como forma de enfrentamento das violências, originadas pela homofobia, cujo motivo é
a condição homossexual da vítima, o Governo Brasileiro vem promovendo ações que forneçam aos
profissionais da educação diretrizes, orientações pedagógicas e instrumentos para que se consolide
uma cultura de respeito à diversidade de orientação sexual e de identidades de gênero. Uma dessas
iniciativas foi a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão – SECADI, que tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento inclusivo dos sistemas
de ensino, voltado para a valorização das diferenças e da diversidade. Além de campanhas de
mobilização nacional como o Programa Brasil sem Homofobia lançado em 2004, o Ministério da
Educação e Cultura em parceria com a UNESCO, lançou no mesmo período a Coleção Educação
para Todos, com o volume nº 32 propondo reflexões sobre a produção e reprodução da homofobia
na escola e nos espaços ligados a ela.
Na escola, percebe-se um crescente interesse em favor de ações mais pontuais e
abrangentes no enfrentamento da violência, do preconceito e da discriminação contra gays, lésbicas,
bissexuais, travestis e transexuais, pois se considera que estes temas ainda são invisíveis no
currículo, no livro didático e até mesmo nas discussões sobre direitos humanos, configurando-se aí,
uma forma de opressão.
O Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, com dados referentes ao ano de
2012, divulgado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH mostra
que os casos de violações (incluindo aí violências física, psicológica e discriminação) contra
homossexuais cresceram 46,6%. Entre as vítimas, a maioria é do sexo masculino (71%) gay
(60,49%) e com idade entre 15 e 29 anos (61,33%). Em relação aos agressores, a maioria é
conhecida da vítima (51%). Os atos realizados dentro da casa da vítima contabilizaram (38%) do
total, enquanto agressões nas ruas foram (30%). Após a apresentação dos dados, a SDH lançou o
Sistema Nacional de Enfrentamento à Violência contra Lésbicas, Gay, Travestis e Transexuais, o
programa visa integrar políticas estaduais e municipais contra a violência aos homossexuais.
Os dados informam acima comprovam que, apesar das iniciativas de enfrentamento
contra a violência aos homossexuais em nossa sociedade, ainda prevalece o quadro de intolerâncias
e resistências, o que demonstra a fragilidade das instituições, de modo especial a escola, na
condução do processo educativo de desconstrução de preconceitos e discriminações socialmente
adquiridos, de modo que a abordagem educativa sobre a sexualidade e suas diversidades é por
vezes, reprodutora de práticas homofóbicas.
Por uma nova concepção curricular
A partir dos anos 1980, novas perspectivas de análise suscitaram novos
questionamentos sobre a possibilidade de tratar o conhecimento e as práticas escolares não como
dadas, mas como uma realidade a ser criticamente examinada, o que representou em certa medida,
uma ruptura com uma concepção dominante de currículo, vez que problematizava o tecnicismo
vigente naquele momento, ao provocar perguntas como, “[...] o conhecimento de quais grupos é
ensinado na escola?, por que este conhecimento?, qual a relação entre cultura e poder em educação?
E quem se beneficia dessa relação? (APPLE, 2006, p. 114).
A análise das implementações das mudanças de uma nova concepção de currículo,
pautada também em um novo conceito de professor e de aluno que historicamente as reformas
ajudaram a produzir, exige um breve resgate sobre a história da profissão docente, “a
profissionalização não é um processo que se produz de modo endógeno”(Nóvoa, 2009, p.68). Daí
porque a história da profissão docente ser indissociável do lugar que seus membros ocupam nas
relações de produção e do papel que desempenham na manutenção da ordem social, e no caso do
Brasil, a compreensão histórica da profissionalização docente além de apreender as práticas, lutas,
experiências e contradições vividas no trabalho, deve levar em conta os mecanismos presentes na
estrutura patriarcal que operam, de forma explicita ou velada, via currículo, no controle do trabalho
docente, considerando ainda que esta profissão é composta majoritariamente por mulheres.
Inicialmente, a teorização crítica sobre a educação e o currículo concentrou-se na análise da dinâmica de classe no processo de reprodução cultural da desigualdade e das relações hierárquicas na sociedade capitalista. A crescente visibilidade do movimento e da teorização feminista, entretanto, forçou as perspectivas críticas em educação a concederem importância crescente ao papel do gênero na produção da desigualdade (SILVA, 1999, p. 91).
No entanto, as formas de engendramento de controle e monitoramento tem se deslocado
do campo do currículo para a intensificação e precarização do trabalho docente, o esvaziamento da
capacidade de decisão sobre o que deve ser trabalhado nas escolas somado a práticas que agregam
cada vez mais elementos ao trabalho docente cotidiano, são alguns dos atuais fatores de controle
sobre os professores e professoras, lembrando que estas últimas, há muito têm a sua subjetividade
capturada pelo excesso de trabalho invisível e não pago, pois o excedente de trabalho das mulheres
professoras é adicionado ao trabalho doméstico, sem o qual a reprodução do cotidiano não estaria
assegurada, e esta sobrecarga gera, entre outros, incômodos nos relacionamentos pessoais, no
ambiente de trabalho e alterações na saúde.
Nesse processo de desqualificação intelectual, sem tempo para planejarem suas aulas,
seja individual, ou coletivamente, as professoras e os professores acatam os currículos como
roteiros de ação na sala de aula. Prontos, esses currículos ditam o que devem fazer, como fazer e
quando fazer e nesse sentido estes (as) profissionais são levados a adotar perspectivas conformistas,
ao seguirem orientações técnicas que colocam em causa sua autonomia profissional e alimentam
situações de estranhamento na sala de aula.
[...] as formas adolescentes e juvenis de sobreviver, de pensar e de comportar-se se chocam com nossas formas pedagógicas e docentes de pensar e pensá-los. Formas a que não estamos acostumados, uma vez que os alunos parecem revelar que vêem o mundo, a escola e o conhecimento, a vida e seus mestres em outra lógica diferente da nossa (ARROYO, 2007, p.36).
O desafio que se coloca para professoras e professores é a construção de si nas
condições atuais de configuração da profissão, para que possam educar, devem preparar-se para o
outro, emancipando-se a si mesmo, para que sua atividade docente possa ser um ato de
emancipação e não de embrutecimento, somente assim, exercitado em si mesmo, o educador (a)
estará apto (a) para um processo de subjetivação capaz de despertar em cada um o desejo de educar-
se a si mesmo. O ensaio – que é necessário entender como experiência modificadora de si no jogo da verdade, e não como apropriação simplificadora de outrem para fins de comunicação – é o
corpo vivo da filosofia, se, pelo menos, ela for ainda hoje o que era outrora, ou seja, uma ‘ascese’, um exercício de si, no pensamento (FOUCAULT, 2004, p. 112).
O exercício da construção de si torna-se relevante para a reflexão acerca de uma
educação comprometida com a diversidade, visto que opera na produção da identidade sexual e de
gênero dos alunos. Assim como os indivíduos são levados a ter a compreensão de si enquanto
sujeitos, dependendo dos saberes que vigoram em uma dada sociedade, a escola também deve
questionar o seu papel na formação dessas práticas, ou seja, a utilização das práticas educacionais
enquanto prática de si, as formas como se conduz a educação sexual na escola e quais as relações
dessas práticas pedagógicas com a formação da consciência do eu e da sexualidade de cada aluno.
O processo de ‘fabricação’ dos sujeitos é continuado e geralmente muito sutil, quase imperceptível. Antes de tentar percebê-lo pela leitura das leis ou dos decretos que instauram e regulam as instituições ou percebê-los nos solenes discursos das autoridades (embora todas essas instâncias também façam sentido), nosso olhar deve se voltar especialmente para as práticas cotidianas em que se envolvem todos os sujeitos. São, pois, as práticas rotineiras e comuns, os gestos e as palavras banalizadas que precisam se tornar alvo de atenção renovada, de questionamento, e em especial de desconfiança (LOURO, 1997, p.63).
Uma vez mais, percebe-se a contradição entre as propostas e programas que visam
combater as desigualdades de gênero na escola, a forma como são implementados estimulam o
silêncio que é uma das estratégias dominantes, estabelecendo então, uma linha tênue entre
heteronormatividade e homofobia que acaba por favorecer a violência.
Considerações finais
Em uma sociedade demarcada pela dominação, onde a escola reproduz, no âmbito da
formação cultural, a mesma divisão que a lógica econômica reproduz na organização social, embora
as políticas oficiais afirmarem o compromisso com a oferta de oportunidades educacionais a todos
indistintamente, o que se observa é que esta instituição (a escola) segue mantendo os sujeitos
pertencentes aos grupos historicamente excluídos, num nível muito baixo de apropriação cultural.
Pensar uma escola capaz de promover o desenvolvimento de novas atitudes na
perspectiva da superação de preconceitos de raça, orientação sexual e gênero, implica pensar uma
sociedade comprometida com profundas mudanças, a partir de uma escola que realize a mediação
entre o mundo real do sujeito e o mundo social, entendendo a cultura como prática de socialização e
formação da personalidade social das novas gerações.
As desigualdades de gênero em uma cultura que permanece androcêntrica, apesar das
iniciativas de transformações que vem mobilizando alguns setores da sociedade, permite que a
construção do currículo escolar continue sendo pensada para os meninos e pautados por modelos
masculinos, sem questionar os mecanismos ocultos de transmissão de desigualdades que decorrem
de vários fatores, tais como as formas precárias da formação e de condições de trabalho dos (as)
trabalhadores (as) da educação.
Para que se efetivem ações na direção de uma sociedade mais justa e igualitária, tendo
uma escola apta a impulsionar as mudanças esperadas, é preciso que as iniciativas ora
implementadas, sejam capazes de mobilizar e estabelecer vínculos entre o Estado, a sociedade civil
e o mundo científico, pois a convergência desses elementos por meio de uma redefinição, mais
vasta possível de suas relações, poderá favorecer a desconstrução do antigo modelo que apenas tem
sido (re) atualizado sob novas configurações como meio de manutenção.
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A IGUALDADE DA DIFERENÇA: ESTUDOS PRELIMINARES SOBRE DIVERSIDADE E VIOLÊNCIA NA ESCOLA
Lima, Rarielle1; Sousa, Sandra
2
1 Mestranda em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
2 Doutora em Ciências Sociais; Professora do Departamento de Sociologia e Antropologia, Universidade Federal
do Maranhão. Email: [email protected]; [email protected]
A que nos referimos quando tratamos sobre a diferença ou diversidade? E quando o contexto base é a escola? Como de fato desenvolver o processo de debates sobre a ótica escolar acerca de
diversidade? Como a escola conservadora e conteudista se enquadra nesta nova conjectura? São
essas e muitas outras questões que permeiam nossos pensamentos, suscitando ações e tentativas de
superação para tal embate.
A escola passa por sérias transformações, principalmente no tocante à questão da
diversidade. As discussões antes entranhavam no ambiente escolar sobre os aspectos étnicos,
culturais e físicos, mas hoje também se incluem, e com muita veemência, experiências de
identidades e relações sexuais decorrentes de uma demanda social contemporânea, na qual vários
meios governamentais, ou não, problematizam essas discussões. Como nos afirma Santos et. al
(2008, p.1):
O aumento expressivo das discussões de temáticas sobre a diversidade sexual, em diferentes contextos (Câmara dos Deputados, Universidades, Organizações não Governamentais - ONG), tem problematizado a homofobia e possibilitado ações afirmativas de combate à discriminação e à violência.
Drago e Rodrigues (2008) comentam que tal discussão se dá, principalmente pelo fato
de vermos na realidade educacional uma discrepância acentuada entre o que se prega e o que
realmente tem acontecido em várias escolas quando se fala em diversidade, práticas educacionais
inclusivas, valorização da diversidade como mola propulsora da aprendizagem.
Levando em consideração os apontamentos de Chrispino e Chrispino (2002), tem-se que
a escola de antes era a escola dos ‘iguais’ e que a escola de massa e do futuro será a escola dos
‘diferentes’ e da diversidade.
Partindo desses pressupostos, este artigo tem como principal objetivo elencar os
principais argumentos da literatura acerca da temática diversidade e violência na escola.
A escola que queremos não é a escola que possuímos: é a hora da mudança
A educação formal brasileira iniciou-se com a vinda dos portugueses em 1500 quando
repassam seus costumes e maneiras de educar aos índios. Mas foi com os Jesuítas que a moral, os
costumes, a religiosidade e os métodos pedagógicos se implantaram de fato.
Os momentos históricos seguintes, como afirma Bello (2001), colocavam a educação
em plano secundário, sendo somente com a reformulação e aprovação da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996 que o processo educacional ganha um eixo norteador
e de suporte até hoje.
O que queremos destacar nesse resumo histórico é que nossa educação é, em grande
parte, tradicionalista, conservadora e enraizada no moralismo cristão ainda oriundo do tempo
colonialista, passando por períodos de extrema rigidez onde nada era permitido, como Bello (2001)
destaca no período de ditadura militar.
Perguntamo-nos, então, como a escola cujo alicerce é construído no sincretismo
religioso e na militarização de atos será palco de discussões ditas ‘tabulosas’, especialmente quanto à diversidade e violência?
Talvez a chave para tal questão se encontre na formação e na problematização do tema
com os profissionais de educação1 por intermédio de políticas públicas e/ou educacionais.
Porém Santos et. al. (2008) afirma que o problema não está na adoção de políticas
públicas, mas na execução de suas ações quando diz que:
Diversos fatores contribuem para esta lacuna na efetiva ação do/as educadore/as: qualificação deficitária; baixa remuneração; sobrecarga de trabalho; silenciamento diante de situações de violência pelo sentimento de incapacidade para a ação, decorrente da repressão sexual e da aceitação acrítica da heteronormatividade compulsória; e pela postura de não alteridade.
Madureira (2000) em seu estudo sobre a ‘construção das identidades sexuais não-
hegemônicas’ destaca que as estratégias pessoais e coletivas constitutivas da forma como as (os)
participantes vivenciam suas relações sociais são importantes para lidar com o preconceito e a
discriminação quanto às identidades sexuais não-hegemônicas.
Para Drago e Rodrigues (2008)
A escola, ao impor uma única norma para todos os alunos, esquece-se que ela própria é formada por uma representação fidedigna da sociedade, ou seja, assim como a sociedade, a escola é composta pela diversidade de vidas que compõem a sociedade em si, diversidade esta que, antes de tudo, é benéfica pelo fato de proporcionar a diferenciação de ações, a multiplicidade de características e a possibilidade de apropriarmo-nos de outras características próprias dos seres humanos, para assim, construirmos nossa identidade, nossa subjetividade.
1 Dizemos aqui não só professores e professoras, mas todo o corpo funcional de uma escola desde a portaria à sua
gestão.
Como diz Laraia (2002) A nossa herança cultural, desenvolvida por inúmeras gerações,
sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que
agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade e ainda vai além, afirma que “por isto,
discriminamos o comportamento desviante” (p.67).
A escola deve ser pensada não apenas como um espaço de reprodução da normatização
hegemônica, mas como um campo de diálogo e conflito entre diferentes sujeitos que constroem no
seu cotidiano as suas identidades sempre em relação (BORTOLINI, 2009). E que essas relações são
expressas em sociedade através da interação dos indivíduos com o meio.
A diversidade na escola: um somatório de seres
Antes de qualquer coisa é preciso situarmos o contexto de diversidade, o que para Sacristán (2002, p. 23), “significa ruptura ou abrandamento da homogeneização que uma forma
monolítica de entender o universalismo cultural trouxe consigo”.
Gomes (2007, p.19) comenta que:
Seria muito mais simples dizer que o substantivo diversidade significa variedade, diferença e multiplicidade. Mas essas três qualidades não se constroem no vazio e nem se limitam a ser nomes abstratos. Elas se constroem no contexto social e, sendo assim, a diversidade pode ser entendida como um fenômeno que atravessa o tempo e o espaço e se torna uma questão cada vez mais séria quanto mais complexas vão se tornando as sociedades.
A conceituação de diversidade leva consigo amarras sociais, afetivas, biológicas e
culturais. É inerente ao ser humano apresentar semelhanças e ao mesmo tempo diferenças
estarrecedoras, cada indivíduo é um indivíduo e necessita que sua singularidade seja respeitada.
Não se deve contrapor igualdade a diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõe à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à mesmice. (CANDAU, 2OO5, p. 19).
Destacamos neste ponto a diversidade sexual, já que esta temática transita sobre
estradas religiosas, culturais e sociais; sendo neste aspecto envolvente a uma transcendência
normativa.
Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os processos de negação desses“outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano das representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do que é ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro. (Nogueira; Felipe; Teruya, 2008, p.1).
Com base nestas conjecturas destacamos o preconceito à diversidade sexual como fator
desencadeador de atitudes discriminatórias ou até mesmo violentas. Como nos afirma Costa e
Souza (2013) preconceito seria uma ideação, uma forma de compreensão carregada de
autoritarismo, ignorância e ausência de diálogo; já discriminação seria a materialização, no plano
concreto das relações sociais, dessa forma de pensar, manifesta através de atitudes arbitrárias,
omissas, desrespeitosas ou comissivas, e que produzem violação de direitos desses indivíduos ou
grupos.
Madureira (2007) parte do pressuposto que preconceito corresponde a fronteiras
simbólicas rígidas, constituídas historicamente com enraizamento afetivo exacerbado que acabam
por construir barreiras culturais entre grupos sociais e indivíduos.
Discriminação seria, portanto, de acordo com Rios (2009, p. 70):
[...] qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos econômico, social, cultural ou em qualquer campo da vida pública.
Welzer-Lang (2001) considera a discriminação contra as pessoas que mostram, ou a
quem se atribui, algumas qualidades (ou defeitos) atribuídos ao outro gênero como homofobia.
No entanto, Mota (2003) esboça que esta também pode ser compreendida como a
intolerância ou o medo irracional relativo à homossexualidade, que se expressa por violência física
e/ou psíquica. Comenta ainda que a vivência recorrente dessas violências por pessoas LGBT pode
levar à homofobia internalizada, que é a incorporação de hostilidades quanto a sua própria
orientação afetivo-sexual.
Louro (2001) considera a homofobia como um constructo decorrente dos discursos e
ações que são produzidos e reproduzidos pelas instâncias socializadoras e que reafirmam a lógica
dicotômica sexista e a heteronormatividade compulsória.
A autora ainda comenta que a lógica binarista2 cria uma relação polar de superioridade
onde um é subjugado pelo outro por conceitos impostos por seu par. Como nos diz Ferreira (2010)
falar de gênero e sexualidade é remeter-se às relações de poder.
Santos et al. (2008) afirma que
A Escola tem importante função no processo de conscientização, orientação e instrumentalização dos corpos da criança e do adolescente. A instituição escolar, ao classificar os sujeitos pela classe social, etnia e sexo, tem historicamente contribuído para (re)produzir e hierarquizar as diferenças. Essa tradição deixa à margem aqueles que não estão em conformidade com a norma hegemônica e, desta forma, não contempla a inclusão da diversidade sexual, proposta na atualidade.
Duk (2005) comenta, no caderno de formação docente elaborado pelo Ministério da
Educação (MEC) intitulado ‘Educar na diversidade’, que tradicionalmente, a escola tem sido
2 Destacamos aqui feminino/masculino, heterossexual/homossexual, dominante/dominado.
marcada em sua organização por critérios seletivos que tem como base a concepção
homogeneizadora do ensino, dentro da qual alguns estudantes são rotulados. E ainda acrescenta que
a discriminação com base no sexo está presente no cotidiano escolar, dentro do qual continuam
sendo adotados modelos que preservam uma atitude discriminatória ‘tradicional’, os quais
implicam atitudes e expectativas distintas entre meninos e meninas, e modelos que impõem e
generalizam a cultura e os valores masculinos como universais.
A violência homofóbica, nesses casos, não está direcionada apenas para alunos LGBT,
mas para todos os que não se conformam às regras de gênero. Mais do que isso, ela pode funcionar
como uma espécie de polícia do gênero e da sexualidade, atuando inclusive sobre aqueles que se
esforçam cotidianamente para se enquadrar nos modelos binários de masculinidade e feminilidade
hegemônicos. (BORTOLINI, 2012)
Para o enfrentamento e esvaziamento de preconceitos Ferreira (2010) explicita que a
comunicação compreende o elemento essencial para se construir um mundo multicultural e deve
insistir na interação.
[...] quando simplesmente toleramos o outro, exercemos o poder de suportá-los com suas práticas [...] ela pode disfarçar a não-aceitação, especialmente em tempos de diversidade, quando as pessoas começam [...] a dar conta do que é e do que não é ‘politicamente correto’ dizer ou fazer (FELIPE; BELLO, 2009, p.152).
A tolerância do ‘diferente’ não significa em sua totalidade aceitação, mas pode possuir
traços de uma noção de superioridade daquele que se mostra tolerante. Costa e Souza (2013) nos
apresentam que a busca e o constante movimento de pensar e repensar, fazer e refazer possui
grande importância e implicação no processo de ensino para uma educação que busque mais que
respeito e tolerância.
A tendência da escola, como afirma Junqueira (2009), de se negar a perceber e
reconhecer as diferenças de seu público tem, no caso de homossexuais, bissexuais ou transgêneros,
sua expressão mais contundente. Por negar e ignorar a homossexualidade não oportuniza a
adolescentes e adultos a assumirem, sem culpa ou vergonha, seus desejos. (LOURO, 1999).
A homofobia, nas escolas, atinge com maior violência e crueldade principalmente travestis e transexuais (Transgêneros) que vivem um completo sentimento de exclusão e estigmatização. Suas dificuldades começam com obstáculos à sua própria matrícula, à participação em atividades pedagógicas, a terem suas identidades e integridade física minimamente respeitadas até a utilização da própria estrutura física das escolas, como os banheiros (JUNQUEIRA, 2009, p. 25).
A escola, ao fazer uso do argumento de que a homossexualidade é ‘minoria’, como
estratégia de ocultamente e de invisibilidade da sexualidade, acaba por definir que esse tema poderá
ser abordado se se tornar ‘visível’ naquele ambiente (FELIPE; BELLO, 2009, p. 151).
Esta compreensão nos remonta à discussão da visibilidade do assunto através de
inserções iniciais sobre identidade de gênero e sexuais como construções sociais e culturais, e não
biológicas, permitindo novos olhares e saberes sobre sexualidade, sobre a construção do masculino
e do feminino com o intuito de estabelecer relações e correlações com o cotidiano escolar.
Falar de homofobia não é apenas pensar o ‘ agressor’ e a ‘vítima’, mas como esses
processos atravessam nosso cotidiano. Para Batista (2003) a produção de medo e insegurança,
através de discursos e práticas cotidianas, justifica e legitima políticas públicas de repressão e
extermínio contra populações determinadas, tornando o medo um atravessamento muito potente na
produção de modos de existir.
Por isso, Louro (2004) entende que podemos transformar os paradigmas educacionais
tomando a sexualidade e o gênero como questões. As estratégias de controle de corpos e
populações tomam a sexualidade como fundante da subjetividade humana, e nós somos
constantemente atravessados por esse paradigma. Não o ignorando, mas o reconstruindo.
O que percebemos: tecendo algumas considerações
Quando discutimos ou argumentamos sobre diversidade nos vem à mente, na maioria
das vezes, o termo sexual, mas a sexualidade é apenas um terço do que a diversidade representa. No
entanto, essa temática atualmente possui uma emblemática social maior.
Ao se comentar que a escola é a reprodução em miniatura de uma sociedade, com
destaque para a multiplicidade de seres culturalmente diferentes, percebemos a dificuldade em
elencar e desenvolver atividades que não sejam e não se tornem violentas quanto ao outro.
O tema diversidade sexual e violência abordado neste artigo é complexo, pois não
possui uma única via de acesso, mas vários caminhos, os quais ainda não foram completamente
percorridos. E onde se torna mais visível essa dificuldade é em ambiente escolar.
A escola construiu, historicamente, uma trajetória homogeneizante comportamental e
punitiva em seus discursos formais, além de reproduzir costumes e crenças que acionam profundas
desigualdades, na maioria de suas atividades disciplinares. Hoje, está tendo que lidar com questões
sociais que se ampliaram e deixaram emergir a produção de outros/novos sujeitos. Isto faz com que
se veja inserida em um mar de modificações, da diferença, da diversidade. Enfim, o regime
educacional está em colapso, não sabe que rumo seguir, que decisões tomar; está em um ‘mundo
novo’, no qual as alunas e os alunos não são vistos apenas como meros receptores (pequenos
robots), mas como sujeitos ativos, reflexivos, portadores de desejos, percebem as reconfigurações
de suas subjetividades, entendem que precisam ser compreendidos e valorizados.
O momento educacional que nos encontramos, nos fez repensar o papel da educação,
onde o ‘certo’ não é o pensamento de alguém, mas a relação desse pensar com outros.
A comunicação e a desmistificação de conceitos se fazem necessárias, a informação
deve ser eficiente e o diálogo inerente ao cotidiano escolar, visto que o preconceito e a
discriminação ultrapassaram o campo simbólico, indo para o meio físico motivando agressões ao
corpo do outro.
Então como desenvolver a integralização do outro e de ‘ambos’1em um contexto
escolar que não permite ou não facilita essa ação? Durante todo o texto levantamos conceitos,
rotinas, hipóteses, contextualizamos ações, mas cada escola, cada ambiente escolar irá apresentar
uma fresta por onde a linha de informação e conhecimento irá transcorrer, seja por um aluno, por
uma aluna, por um professor, pela comunidade, pelas discussões oriundas de alguma atitude.
O desejo está latente, a busca por informações veemente, mas o estímulo à
conscientização sobre a diversidade não é algo imposto, é preciso apresentar as ferramentas (o
conhecimento) porque o processo de conscientização parte do que cada um possui e decide captar
para si ou não.
Por fim, podemos afirmar que a exposição de fatos, a visibilidade dos acontecimentos, a
abertura para discussões sobre diversidade e sua aceitação ou não, parecem ser o melhor caminho a
ser seguido e que as práticas sejam efetivamente realizadas, não contadas apenas em um papel. O
pensar da escola deve ir além do normativo, precisa enfrentar as discussões derivadas de
reducionismos, simplificações e naturalizações que ocultem aquilo que se produz em meio à
diversidade.
Referências
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1 Dizemos aqui tanto o ‘eu quanto o outro’ dentro de uma teia sociabilizadora.
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CULTURA ESCOLAR E VIOLÊNCIA DE
GÊNERO
À FLOR DA PELE: A REPRESENTAÇÃO DAS MENINAS NA PRÁTICA DE ATOS VIOLENTOS NA ESCOLA
Ordoñez, Cecília
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
Email: [email protected]
A incorporação do gênero “feminino”
As mudanças decorrentes dos processos de globalização têm influenciado diretamente na comunicação, nos novos modos de pensar o mundo, as pessoas, o pensar sobre si nos seus embates
cotidianos de construção de significado. Neste trabalho, especificamente, pensa-se sobre a
construção (histórica, cultural e institucional) da identidade de gênero e sua relação com o aumento
da violência praticada por jovens meninas na instituição escolar.
Para Debarbieux1 (2006), a violência nos meios escolares é um problema mundial que
afeta tanto o norte quanto ao sul e não possui um fator único como causa, mas se entrelaça a
modelos complexos ligados à situação familiar, às condições socioeconômicas, ao estilo pedagógico
dos estabelecimentos de ensino e devido a esses aspectos cambiantes, as investigações sobre a
violência na escola somente podem assinalar as tendências e não determinismos.
No âmbito educacional e social romper com determinismos impostos representa um
grande desafio para a constituição de uma cultura harmônica na contemporaneidade, pois “a
violência é tão somente a mais flagrante manifestação do poder” (ARENDT, 2010, p. 51) que
perpassa as práticas humanas ao longo da história.
Essa relação de poder está presente na construção das identidades sociais de gênero
estabelecidas e instituídas a partir da oposição entre os sexos. Tradicionalmente, o homem e a
mulher foram posicionados na sociedade, concebendo-se o sexo masculino como centro irradiador,
figura hegemônica, situada à margem, encontra-se o sexo feminino. A masculinidade, construída
como natural e hegemônica sobrevive na história nos tempos atuais muitas vezes, com a
contribuição da própria mulher como herdeira2 de uma cultura de dominação masculina
incorporada e reproduzida.
1 Diretor do observatório Europeu sobre violência escolar.
2 Segundo Beauvoir (1967), desde os primórdios, tudo contribui para confirmar essa hierarquia aos olhos da menina. Sua cultura histórica, literária, as canções, as lendas com que a embalam são uma exaltação do homem. São os homens que fizeram a Grécia, o Império Romano, a França e todas as nações, que descobriram a terra e inventaram os instrumentos que permitem explorá-la, que a governaram, que a povoaram de está- tuas, de quadros e de livros. A literatura infantil, a mitologia, contos, narrativas, refletem os mitos criados pelo orgulho e os desejos dos homens: é através de olhos masculinos que a menina explora o mundo e nele decifra seu destino. A superioridade masculina é esmagadora: Perseu, Hércules, Davi, Aquiles, Lança rote, Duguesclin, Bayard, Napoleão, quantos homens para uma Joana d'Arc; e, por trás desta, perfila-se a grande figura masculina de São Miguel Arcanjo! Nada mais tedioso do que os livros que traçam vidas de mulheres ilustres: são pálidas figuras ao lado das dos grandes homens; e em sua maioria banham-se na sombra de algum herói masculino.
Em Escritos de educação, Bourdieu (1998) distingue três estados1 de capital cultural:
incorporado, objetivado e institucionalizado. “A acumulação de capital cultural exige uma
incorporação que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação, custa tempo que
deve ser investido pessoalmentepelo investidor” (BOURDIEU, 1998, p. 74). A construção do papel
da mulher se apresenta como uma relação dinâmica e histórica entre o passado (ou a cultura)
herdado em seu processo de socialização, incorporado como estruturas cognitivas que organizam a
percepção do mundo, do pensamento, delineado formas nas ações cotidianas socialmente impostas e
aceitas.
Nesse contexto, a mulher assume socialmente contornos modelados conforme a
singularidade do tempo e da cultura de cada lugar, pois “NINGUÉM nasce mulher: torna-se
mulher”2 para assumir seu papel, “Em uma luta em que a insuficiência intelectual a condena a ser
sempre vencida” (BEAUVOIR, 1967, p. 221), representando em grande parte dos modelos
civilizatórios, uma posição de sujeição ao invés de sujeito.
Diante disso, as preocupações acerca da incorporação do gênero florescem nos anos 70
ganhando consistência nos anos 80 e 90. Entretanto, nos finais do século XX esta categoria passa a
ser estudada seguindo uma perspectiva feminista articulada a fatores históricos e sociais
caracterizada pela oposição às desigualdades entre homens e mulheres, nas sociedades
contemporâneas.
O gênero é compreendido como um meio de classificar fenômenos, fazer distinções entre masculino e feminino, porém na perspectiva acadêmica o termo enfatiza a importância dos grupos humanos e os simbolismos de cada época. Mostra como funcionava a ordem social vigente em diferentes momentos da história e como essa ordem tem se reproduzido através de diversos mecanismos: a política, a religião, a educação, a família (FERREIRA, 2010, p. 253).
Reconstruir, na perspectiva assinalada nos permite pensar na possibilidade de romper
com a ordem distintiva historicamente imposta às mulheres, a lógica da dominação masculina.
Reconstruir a partir da própria história tornando visível a mulher significa romper as amarras
estruturais de ciclos de um habitus3 incorporado tão latente nos tempos atuais, na família, na
educação, na cultura, instâncias reprodutoras de poder desigual, porém, sem negar-lhes as
contribuições nos avanços positivos da presença feminina na sociedade, inseridas em espaços
conquistados com legitimidade intelectual, profissional e pedagógica, em direção da formação de
um mercado de trabalho.
1 Segundo Bourdieu (1998), o capital cultural pode existir de três formas: incorporado, objetivado e institucionalizado. O 1º sob a forma de disposições duráveis do organismo; o 2º sob a forma de bens culturais e a 3º forma de objetivação está relacionada a certificação escolar.
2 BEAUVOIR. Simone de. O segundo sexo a experiência vivida. São Paulo: Difusão Européia do livro, 1967. (Tradução de Sérgio Milliet). 2ª edição.
3 Representa a conexão entre a ação individual e as condições sociais ou culturais apreendidas pela convivência no ambiente em que as ações se desenvolvem.
[...] é preciso reconstruir a história do trabalho histórico de des-historização, ou, se assim preferirem, a história da (re) criação continuada das estruturas objetivas e subjetivas da dominação masculina, que se realiza permanentemente, desde que existem homens e mulheres, e através da qual a ordem masculina se vê continuamente reproduzida através dos tempos (BOURDIEU, 2012, p. 101).
Apesar da presença feminina no ensino e na aprendizagem em condições iguais com os
alunos do sexo masculino, não foi suficiente para torná-las protagonistas de si a ponto de serem
merecedoras do reconhecimento de seu papel social em igualdade com os homens. “Embora
intensamente atuantes, as mulheres reproduziam os padrões de comportamento de uma sociedade
regida pelos homens e os valores de sua época” (SANTOS, 2010, p. 301).
A trajetória histórica de opressão vivida e internalizada pelas mulheres é retratada na
homenagem de Gioconda Belli através do poema “8 de março”1, no qual as mulheres aparecem
como as merecedoras de flores daqueles que imprimiram ao longo de suas vidas traços de uma
identidade imposta a duras penas. O poema anuncia diversos contextos e perspectivas sobre a figura
da mulher nas sociedades ressaltando seu sofrimento, sua submissão e exclusão.
Amanhece com cabelos longos o dia curvo das mulheres. Que pouco é só um dia, irmãs, quão pouco, para que o mundo acumule flores diante de nossas casas. Do berço onde nascemos à tumba onde dormiremos – toda a rota atropelada de nossas vidas – deveriam pavimentar de flores para celebrarmos (que não nos façam como à Princesa Diana que não viu, nem ouviu as floridas avenidas de prostradas de pena de Londres). Nós queremos ver e cheirar as flores. Queremos flores dos que não são se alegram quando nascemos fêmeas em vez de machos; Queremos flores dos que nos cortaram o clitóris e dos que nos enfaixaram os pés; Queremos flores dos que não nos mandaram à escola para que cuidássemos de nossos irmãos e ajudássemos na cozinha; Flores daquele que se meteu em nossas camas de noite e nos tapou a boca para nos violentar enquanto nossa mãe dormia; Queremos flores de quem nos pagou menos pelo trabalho mais pesado e do que nos demitiu quando se deu conta de que estávamos grávidas. Queremos flores do que nos condenou à morte obrigando-nos a parir mesmo com nossas vidas em risco. Queremos flores do que se protege dos maus pensamentos nos forçando a usar véus e cobrir nossos corpos. Dos que nos proíbe de sair às ruas sem a escolta de um homem. Queremos flores dos que nos queimaram como bruxas e nos prenderam como loucas. Queremos flores do que nos bate, do que se embebeda. Dos que bebem e gastam o dinheiro de nossa comida do mês. Queremos flores das que fazem intrigas e levantam falso. Flores das que não mostram piedade para com suas filhas, suas mães e suas noras e das que carregam veneno no coração contra as de seu mesmo gênero Tantas flores seriam necessárias para secar os úmidos pântanos, onde a água de nossos olhos faz lodo; areias movediças, nos tragando e cuspindo, das quais, tenazes, uma a uma, teremos que surgir.
1 Poema de Gioconda Belli citado na entrevista e lido por Marinalva Oliveira, presidente do ANDES-SN, em
homenagem ao Dia das Mulheres, durante o 32º Congresso do ANDES-SN Rio de Janeiro, em março 2013.
Amanhece com cabelos longos o dia curvo das mulheres. Queremos flores hoje! O quanto nos for de direito. O jardim do qual nos expulsaram (BELLI, 2013, p. 4)
Para Bourdieu (2012), as próprias mulheres aplicam a toda realidade e, particularmente,
às relações de poder em que se vêem envolvidas esquemas de pensamento que são produto da
incorporação dessas relações de poder e que se expressam nas oposições fundantes da ordem
simbólica.“(...) seus atos e conhecimento são, exatamente por isso, atos de reconhecimento prático,
de adesão dóxica1, crença que não tem que se pensar e se afirmar como tal e que faz, de certo modo,
a violência simbólica que ela sofre” (BOURDIEU, 2012, p. 45), como por exemplo, a escolha
profissional de muitas mulheres de baixa renda pelo magistério a partir da década de 70, que
expressa menos a vocação para o ensino e mais ainda, a necessidade de trabalhar rapidamente,
assim como, a escassa oferta de modalidades de ensino profissionalizante no ensino médio. No
campo educacional contemporâneo, as mulheres permanecem ocupando em número majoritário o
magistério, particularmente no início da escolarização.
É nesse sentido que Bourdieu (1998) fala em disposições incorporadas, são
incorporadas porque nos estruturam socialmente como pessoas, essas disposições são herdadas de
nossa família, de nosso grupo de origem e, com muita frequência em nossa sociedade, apreendidas
por meio de processos de socialização. Nessa perspectiva, os determinismos biológicos
enquadraram ao longo da história, homens e mulheres considerando masculino e feminino.
[...] o masculino seguiria o caminho da criatividade, agressividade e do mundo externo, como conseqüência da sua virilidade; enquanto o feminino, as atitudes mais passivas, mais leves, menos criativas e racionais, tudo sacramentado pela idéia de uma natureza inata que delimita e indica o que cada um deve e pode desempenhar (PASSOS, 1997 apud FERREIRA, 2010, p. 252)
Na literatura sobre violências prevalece a representação dos homens ou como agressores
ou como vítimas, o que se identifica entre os adultos e entre os jovens. Waiselfisz (2005) ao mapear
a violência no Brasil, especialmente, o marco da mortalidade juvenil por causas violentas, destaca a
supremacia masculina entre jovens em tais estatísticas. Esse aumento de mortes já é por si só,
preocupante, mas a mortalidade entre os jovens não só aumentou quantitativamente como também
mudou sua configuração a partir do que se pode denominar como “‘novos padrões de mortalidade
juvenil’” (WAISELFISZ, 2005, p. 23).
1 A palavra dóxa conforme Bourdieu, vem acompanhada de espanto por cumprir uma lógica paradoxal de imposição e
obediência. O fato de que a ordem do mundo, tal como está, com seus sentidos únicos e seus sentidos proibidos, em sentido próprio ou figurado, suas obrigações e suas sanções, seja grosso modo respeitada, que não haja um maior número de transgressões ou subversões, delitos e “loucuras”. No preâmbulo de Pierre Bourdieu e a dominação masculina o autor afirma: “Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vitimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólica da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em ultima instancia, do sentimento. (BOURDIEU, 2012, p. 7).
A violência e a delinqüência tem sempre uma história, mesmo quando elas batem brutalmente. Elas devem ser situadas numa progressão muitas vezes lentas, que parte sem dúvida da exclusão social, mas que se realiza nas interações de micro exclusões evitáveis (repartição das classes, punições desiguais). Elas são frequentemente acumulações de microviolências e violências simbólicas, que “unem” grupos de indivíduos num jogo de afastamento em “eles/nós”, “amigos/inimigos” (DEBARBIEUX, 2006, p. 210-211).
No Brasil, a prática de violências está cada vez mais em evidência não se restringe mais
a determinada cidade, região ou gênero, diariamente circulam notícias cada vez mais brutais
envolvendo vários tipos de violência ocorridos no ambiente escolar. “O ‘desafio mundial’ da
violência na escola é também o desafio de incutir um pouco de razão e de ética num debate
armadilhado, que muitas vezes assenta unicamente no exagero1do facto sangrento”
(DEBARBIEUX, 2006, p.16).
A violência está intrinsecamente relacionada ao contexto de crise estrutural ampla na
sociedade, encontra ressonância na apatia, na falta de projeto de futuro, na ausência de perspectivas,
na quebra de valores de tolerância e solidariedade, aspectos que fazem parte da crise de
significações moderna. Em pesquisas realizadas pela UNESCO, recebe definições diferenciadas,
pois “[...] a violência pode ser considerada como parte da própria condição humana, manifestando-
se de acordo com arranjos societários de onde emergem” (WALSELFISZ; MACIEL, 2003, p. 16),
desta forma, o aumento da desigualdade e da exclusão social está concomitantemente ligada ao
aumento da violência na escola.
A busca das jovens meninas: poder, coragem e honra através da violência
As discussões sobre a temática da violência nas escolas começam a surgir no Brasil
somente a partir dos anos 80. A expressão violência escolar engloba os atos praticados no interior
da escola que atingem o indivíduo em suas diversas dimensões: física, moral e pública e a partir
deste consenso, a violência escolar aparece na literatura como um fenômeno heterogêneo e,
especialmente, desestruturante das representações sociais que tem valor fundador que associa
infância à inocência; a escola como refúgio de paz e a própria sociedade como democrática.
Desde a infância meninas e meninos são influenciados pelos modelos de homem e de
mulher apresentados pelos adultos na família, na escola, na sociedade o que repercute na construção
de suas referências de gênero.
1 O autor faz referência à sensibilidade da opinião pública relativamente à violência dos jovens que é muitas vezes
exacerbada por diversos fatores trágicos que colocam em cena ‘contos’ de violências espetaculares e sangrentas, mas que, nesta forma extrema, são raros, porém, isso acaba contribuindo com a naturalização da violência, o jovem passa a ser visto como um “selvagem” que por razões de “natureza ou cultura”, não é passível de ser integrado às normas sociais.
Oferecer aos meninos armas, roupas de luta, carros, jogos eletrônicos que incitem a violência e indicar a eles os lugares públicos próprios ao seu gênero são formas de estabelecer uma relação entre meninos de agressividade e a violência entre os homens no espaço público. Da mesma forma, oferecer às meninas somente bonecas e miniaturas de utensílios domésticos é indicar-lhes o espaço privado como cenário de sua atuação, e a maternidade como um objetivo (HEILBORN; CARRARA, 2009, p. 26).
Dessa forma, quando a menina ou o menino entram para a escola, já foram ensinados
pela família e por outros grupos sociais a respeito de quais são os brinquedos correspondentes ao
seu gênero, cabe a escola intervir nessa aprendizagem de forma neutra, no intuito de romper com a
perpetuação de tais relações.
Culturalmente, apesar de os meninos serem, ainda, socializados1 para terem um
comportamento mais agressivo e as meninas para serem mais dependentes e passivas, é crescente o
número de jovens meninas envolvidas em situações de violência física na escola, assemelhando-se
assim aos seus pares do sexo masculino.
Nas pesquisas2 brasileiras sobre violência escolar os meninos aparecem com maiores
índices de participação nas agressões físicas praticadas nas escolas, mas apesar desses dados, a
participação das meninas em atos de violências nas escolas é cada vez maior.
No que tange à questão de gênero, observa-se que meninos e meninas não se
diferenciam enquanto testemunha de violências, o que também é válido para as ameaças. Do total
de alunas pesquisadas, cerca de 30% sabem da existência de ameaças na escola, encontra-se a
mesma proporção entre os meninos.
[...] chama-se a atenção não somente para indícios do aumento da participação das meninas em atos de violências nas escolas, mas também para singularidades. Em casos de agressões verbais e alguns tipos de agressões físicas há registros de envolvimento das jovens alunas em que se mesclam motivos ditos sentimentais e requintes de violências (ABRAMOVAY, 2005, p. 180).
Entretanto, muito mais do que ver o comportamento das meninas como uma tentativa
de masculinização, é preciso olhar a participação das meninas em situações de violências a partir da
ótica da dominação e da opressão. Desde que a Educação existe como objeto de culturalização e
reprodução os atos de violência se apresentam com freqüência.
Segundo Minayo e Njaine (2003)1 a linguagem da violência entre as meninas como
forma de comunicação, ainda que em menores proporções, surge de modo tão cruel quanto no
1 “Uma das maldições que pesam sobre a mulher— Michelet assinalou-a justamente— está em que, em sua infância, ela é abandonada às mãos das mulheres. O menino também é, a princípio, educado pela mãe; mas ela respeita a virilidade dele e ele lhe escapa desde logo; ao passo que ela almeja integrar a filha no mundo feminino” (BEAUVOIR, 1967, p. 22).
2 Miriam Abramovay é socióloga, consultora do Escritório das Nações Unidas para Controle de Drogas e Prevenção ao Crime e do Banco Mundial, suas pesquisas e avaliações sobre questão de gênero, juventude e violência contribuem intensamente para a compreensão dos elementos que permeiam o cotidiano das escolas brasileiras no que tange à violência escolar, representa uma rica fonte de dados para o estudo em questão.
universo masculino “Em pesquisa com meninas em cumprimento de medidas sócio-educativas,
Assis & Constantino (2001) observaram essa aculturação que vêm sofrendo as jovens, a reboque do
aumento da violência masculina” (ASSIS & CONSTANTINO, 2001 apud MINAYO E NJAINE, 2003, p. 125).
Em tempos de disseminação de culturas de violências e seu trânsito por afirmação de
poder, as brigas tanto para as meninas como para os meninos servem para fazer um nome, uma
reputação. Os códigos de conduta, assim como a necessidade de proteger-se e de salvar sua
reputação são valiosos para ambos.
Se quisermos contribuir para um mundo justo em que haja equidade de gênero, ou em que se estabeleça o fim da assimetria de gênero, que em nossa sociedade coloca os homens em posição privilegiada em relação às mulheres, precisamos estar atentos para não educarmos meninos e meninas de maneira radicalmente distintas (HEILBORN; CARRARA, 2009, p.26).
A necessidade de perceber o espaço escolar como um espaço de convívio reitera a
importância do clima escolar e das relações sociais como fatores que podem fomentar ou arrefecer a
violência. “As mulheres estão destronando o mito da feminilidade” (BEAUVOIR, 1967, p.6), para
“restabelecer a honra”, as meninas como as “novas” protagonistas estariam recorrendo ao que antes
era tido como um padrão de comportamento masculino utilizando diferenciados tipos da violência
no cenário escolar.
“Entre as principais motivações declaradas para o comportamento feminino agressivo
na escola e para as brigas cada vez mais freqüentes entre as meninas está a disputa por namorados” (ABRAMOVAY, 2005, p. 185), essa disputa por um namorado não significa apenas a manutenção
de um relacionamento amoroso, mas principalmente a demonstração de que não é uma perdedora.
Meninos e meninas, vítimas, testemunhas ou agressores, disputam entre si a lei do mais
forte como parte da socialização juvenil e é um mecanismo social que compreende a existência de
jovens que assumem um papel de submissão e outros que, através da força física ou intimidação,
fazem imperar as suas leis, as meninas não brigam apenas entre elas, mas também com os meninos.
Praticamente dois a cada três alunos foram xingados na escola no período de um ano. (...) cerca de 64% dos estudantes, destacando-se os de sexo masculino, informam que foram vítimas desse tipo de agressão: respectivamente, 75% dos meninos (561.171) e 55% das meninas (mais de 493 mil) (ABRAMOVAY, 2005, p. 122).
As agressões mais direta, física e verbal caracteriza os atos que predominam nas
práticas dos meninos, enquanto as meninas utilizam-se da agressão indireta, por meio de ofensas
morais e exclusão social, as meninas costumam atacar em grupos, enquanto os meninos agem
1 NJAINE, K.; MINAYO, M. Violência na escola: identificando pistas para a Prevenção. Interface - Comunic, Saúde,
Educ, v.7, n.13, p.119-34, 2003.
individualmente. Em geral, há um líder ou mentora que planeja e dá início ao processo de
vitimização, respaldada por um circulo social que incentiva e auxilia.
[...] cerca de 24% dos meninos, o equivalente a 173.347 estudantes, afirmam já ter batido em alguém na escola,contra 10% das meninas que fazem essa mesma afirmação. Embora o percentual de meninos agressores seja maior do que o de meninas, observa-se que este último não pode deixar de ser considerado – são 86.072 meninas que assumem já ter batido em alguém na sua escola (ABRAMOVAY, 2005, p. 181).
Dentro de uma concepção ampla do fenômeno da violência, Charlot (1997) destaca que
as violências praticadas no universo escolar, para serem compreendidas e explicadas, devem ser
hierarquizadas a partir da sua natureza, classifica então, a violência escolar em três níveis:
I) A violência–golpes, ferimentos, violência sexual, roubos, crimes, vandalismo; II) Incivilidades–humilhações, palavras grosseiras, falta de respeito; III) Violência simbólica ou institucional–falta de sentido em permanecer na escola portantos anos; o ensino como um desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e conteúdos alheios aos seus interesses; as imposições de uma sociedade que não sabe acolher os seus jovens no mercado de trabalho; a violência das relações de poder entre professores e alunos; a negociação da identidade e satisfação profissional aos professores, a sua obrigação de suportar o absenteísmo e a indiferença dos alunos (CHARLOT, 1997, p. 35)
Intolerância e desrespeito à diversidade são práticas comuns entre os estudantes, a
agressão verbal por diversos motivos: característica física, um traço considerado como um defeito e
até uma aparência diferente dos padrões de beleza estabelecidos com o objetivo de machucar,
magoar, ferir. Nos relatos sobre agressões verbais, constata-se que os alunos adotam formas de
comunicação que podem ser classificadas como vulgares e agressivas em sua linguagem cotidiana,
incorporando-as à maneira como eles tratam uns aos outros, sem nenhum constrangimento em
agredir as meninas.
Essa linguagem é vista por muitos como normal, “naturais aos jovens de hoje”, mas
essa prática precisa ser pensada à luz do lugar e da função social da escola como um dos espaços de
construção de modos e formas de sociabilidade. As demarcações de gênero desaparecem dentre os
diversos apelidos, agressões físicas ou verbais.
Praticamente dois a cada três alunos foram xingados na escola no período de um ano. [...] cerca de 64% dos estudantes, destacando-se os de sexo masculino, informam que foram vítimas desse tipo de agressão: respectivamente, 75% dos meninos (561.171) e 55% das meninas (mais de 493 mil) (ABRAMOVAY, 2005, p. 122).
No campo da sexualidade as divisões sexuais sobre o que é permitido socialmente às
meninas e aos meninos retratam que o “ficar”, a “traição” frente ao namorar são carregadas por
qualificações negativas e discriminatórias quando são praticadas por jovens meninas, apela-se para
estereótipos e formas pejorativas acentuando-se a linha de gênero. Os estereótipos das meninas
“ficantes” são recheados de preconceitos morais, a vida afetiva das meninas é referenciada nas
ofensas, o oposto do que acontece com o “ficar dos meninos,” visto de modo positivo.
[...] o estereótipo enquanto representação social possui três funções: Seletiva: consistindo em uma percepção diferenciada dos elementos que caracterizam o outro grupo, procedendo avaliações de elementos negativos e dentre tais elementos selecionando os que interessam para a relação grupal. Justificativa: relevando conteúdos das representações, imagens estereotipadas que legitimem a hostilidade e a discriminação social. Antecipatória: orientando o desenvolvimento de relações entre grupos permitindo prever o comportamento dos grupos e orientar suas ações (SOUSA, 2011, p. 95).
A heteronormatividade ditada socialmente restringe os desejos sexuais, as condutas e as
identificações sociais de gênero que são admitidas como normais ou aceitáveis àqueles ajustados ao
par masculino e feminino. Dessa forma, as jovens meninas devem controlar seus impulsos sexuais,
usar métodos contraceptivos enquanto os meninos são criados para não resistir a nenhuma chance
de se envolver em uma prática sexual os meninos aprendem desde cedo que o desejo sexual é
incontrolável, isto é, faz parte de sua natureza, do exercício de sua masculinidade, assim, aprendem
que têm que parecer machos e o gênero é utilizado para controlar a sexualidade.
[...] a “masculinidade” é [...] simultaneamente um lugar de relações de gênero, as práticas através das quais os homens e mulheres tomam Aquele lugar no gênero, e os resultados destas práticas nas experiências corpóreas, na personalidade e na cultura (CONNELL, 1995, p. 71 apud LOPES, 2012, p. 153).
A desmistificação do feminino e de sua posição passiva em relação à violência é
evidenciada não somente pelas disputas por namorados, mas também por situações em que
conflitos externos à escola, como a rivalidade entre bairros, se constitui em motivação para
ameaças, interferindo no cotidiano escolar. As meninas se vêem como mais importantes quando
atraem a atenção na escola por seu comportamento agressivo, assim como também, são menos
discriminadas quando apresentam comportamentos atribuídos ao universo masculino e, portanto,
ameaçam e são ameaçadas da mesma forma que os rapazes.
Agredir fisicamente o outro, “dar porrada”, é uma estratégia de um código de conduta que trabalha especialmente com duas idéias, opostas porém complementares: é honroso bater, enquanto apanhar seria assumir o papel do mais fraco. As brigas são legitimadas por uma cultura da violência, a qual estimula e apóia a disseminação de atos agressivos no ambiente escolar (ABRAMOVAY, 2005, 173).
A admiração pelo “forte” é culturalmente legitimada, quem ameaça e estigmatiza o “fraco”, no caso o ameaçado. Não por acaso muitos casos de ameaças se dão publicamente, com
muitas testemunhas, já que um dos efeitos pretendidos é o de humilhar o ameaçado. No entanto, os
motivos imediatos para o desencadeamento de uma ameaça não têm valor universal e, assim, em
outros contextos sociais os mesmos motivos alegados não estimulam, necessariamente, ameaças ou
agressões.
A vítima é sempre rechaçada por suas colegas, e o objetivo é eliminá-la do convívio
social, para isso, comumente existem fofocas, comentários maldosos, xingamentos e mentiras,
contudo as meninas também se utilizam de maus tratos físicos.
Atualmente, os estereótipos construídos acerca da mulher ao longo da história, como
frágil e passiva não encontram sustentação quando o assunto é a violência. No cotidiano escolar as
jovens meninas viriam marginalizando essa definição imposta através do uso da força para
demarcar posição de liderança e poder, assim como os meninos porque socialmente se considera
como coragem, o uso de violências; as disputas por namorado estão intrinsecamente relacionadas
com a demonstração de que não são perdedoras, é a lei do mais forte que constitui o código de
conduta, e independentemente do gênero ditado, não medem as consequências de seus atos na
busca pela legitimação de sua força e honra, é honroso bater, apanhar é ser fraco. Impera a
incorporação dos princípios de masculinidade e de heroísmo que dignifica o forte, aquele que bate,
agride e em contrapartida estigmatiza o fraco.
Além da análise de gênero, há que considerar o aumento da exposição a violências dos
jovens de ambos os sexos, a recorrência a violência por falência de outras formas de comunicação e
o significado de poder impresso em comportamentos violentos. Isto em tempos em que o diálogo
como mecanismo de resolução de conflitos dá lugar às agressões físicas. Assim como
incomunicações se dariam nas relações sociais independentemente do sexo, o poder seria algo cada
vez mais desejado nas nossas sociedades.
Considerações finais
O cenário escolar que acometido por ambigüidades entre os diversos atores que
interagem nesse espaço, de um lado, é um lugar destinado a construção de saberes, de convivência e
socialização que representa para muitos jovens, um lugar de realização pessoal e profissional,
permeado de buscas por habilidades, relações sociais, interações que estão vinculadas às suas
identidades, por outro lado, é também um lugar de produção de reprodução de violências nas suas
mais variadas manifestações, atualmente observa-se com mais claridade uma tensão existente entre
o sistema escolar e as expectativas dos jovens. Inúmeros elementos se mesclam e contribuem para a
propagação dos conflitos no espaço escolar, o papel do aluno nesse espaço dinâmico acaba sendo
pensado de forma unilateral, sem considerar de fato a sua participação, sua voz nesse espaço acaba
sendo silenciada sob a pena de sofrer as punições adotadas pela escola.
Nesse contexto, a falta do diálogo entre a escola e o aluno demonstra o desprezo pela
cultura, pelas condições de vida dos jovens, o que vai além de sua identidade como aluno.
Homogeneizar, estigmatizar e estereotipar alunos socialmente diferenciados, vulneráveis,
desprotegidos, sem oportunidades, desinteressados e apáticos é desconsiderá-los enquanto sujeitos
possuidores de identidades próprias e que participam, em sua diversidade, dos diferentes estratos
sociais permeado de desigualdades.
No cenário escolar da atualidade a violência marca fortemente as relações sociais, a
agressividade e as violências geradas são muitas vezes naturalizadas e banalizadas, comprometendo
a qualidade do ensino aprendizagem. Seja como brincadeiras ou piadas entre os membros escolares
a violência simbólica é a mais sutil dentre todas os tipos de violências.
A violência representa na relação de poder que adentra nas relações escolares uma
forma de dominação, na qual, a representação do mais forte é inconsequentemente buscado por
meninas e meninos. A interiorização dos códigos de conduta na escola, manifestam-se independente
de gênero assim, alunos e alunas aprendem a se agredir na escola na ausência de adultos e a
defender-se contra a agressão de outras pessoas, aqueles que não incorporam e que não aprendem
na prática as estratégias de defesa e de agressividade nas relações de força e dominação existente no
grupo são fadados a não reagir, sendo assim, condenados a serem eternos fracos e submissos à
dominação de seus pares, essa hierarquia de dominação pode estar presente tanto nas agressões
verbais quanto nas físicas, englobando o amplo conceito de violência e seus diversos graus
cometidos também, pela meninas.
Para Morin (2002), “ensinar a condição humana”, deve ser o objeto essencial de todo o
ensino. Unidades complexas, como o ser humano ou a sociedade, são multidimensionais, portanto,
o ser humano é entendido como constituído enquanto ser físico, biológico, psíquico, cultural,
racional, afetivo, social, histórico; é uma unidade complexa por natureza humana e que não pode
continuar sendo desintegrado na educação do seu significado de ser humano, de sua identidade
comum a todos os outros seres humanos.
Referências
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BOURDIEU, Pierre. A dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
______; NOGUEIRA, Maria Alice (org.). Escritos de Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. CARVALHO, Marília Pinto de. Mau aluno, boa aluna? como as professoras avaliam meninos emeninas. Estudos Feministas, 2/2001. CHARLOT, Bernard. Relação com o saber, formação dos professores e globalização: questões para a educação hoje. Porto Alegre: Artemed, 2005. DEBARBIEUX, Éric. Violência na escola: um desafio mundial?. Coleção Horizontes Pedagógicos. Lisboa: Instituto Piaget, 2006. FERREIRA, Maria Mary. Educação feminina e gênero. In:__. CASTRO, César (Org.)... [et. al.]. Leitura, impressos e cultura escolar. São Luís: EDUFMA, 2010. HEILBORN, Maria Luiza; CARRARA, Sérgio. Gênero e diversidade na escola: Formação de professores (as) em gênero, sexualidade, orientação sexual e relações étnico raciais. Cadernos de atividades. Rio de Janeiro: CEPESC, 2009. LOPES, Luiz Paulo da Moita. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade na sala de aula. São Paulo: Mercado de Letras, 2002.
MORIN, Edgar. Em busca dos fundamentos perdidos. Porto Alegre: Sulina, 2002. NJAINE, K.; MINAYO, M. Violência na escola: identificando pistas para a Prevenção. Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.7, n.13, p.119-34, 2003. SILVA, Karla Cristina Silva. Estereótipos étnicos nas representações das crianças. São Luís: EDUFMA, 2011.
WAISELFISZ; MACIEL, Julio Jacobo; Maria. Revertendo Violências, semeando futuros: avaliação do impacto do programa abrindo espaços no Rio de janeiro e em Pernambuco. Brasília: UNESCO, 2003.
REMINISCÊNCIAS AFRICANAS E VIOLÊNCIA NO COTIDIANO ESCOLAR
Gomes, Elisangela
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Email: [email protected]
Sonhos de uma vida melhor, angústia, problemas familiares e baixa auto-estima são alguns dos elementos que fazem parte da realidade dos alunos da escola estadual do Maranhão, o Centro de
Ensino Sete de Setembro, situada no município de São José de Ribamar.
No ano de 2010, com base no projeto governamental A cor da cultura que convoca toda
a comunidade escolar para refletir acerca da influência africana no Brasil, sobretudo no Maranhão e
da lei nº. 10.639/2003 que introduz o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira nas escolas, foi
lançado o projeto A África está em nós e desenvolvido ao longo daquele ano, com diversas
atividades distribuídas entre os alunos do Ensino Fundamental e do Médio e supervisionadas pelos
professores.
O maranhense não rememora as práticas culturais da mesma forma, pois estas se
modificam, ganhando novos elementos, bem como são feitas com o patrocínio estatal, possuindo
um local definido para sua realização e seu enfoque atualmente voltado para o turismo. A presença
africana se revela intensamente nas danças, na religiosidade dos cultos afros, na culinária, no
vocabulário, na literatura, no artesanato; contudo, essa manifestação não é percebida, ou melhor, é
minimizada ao considerar os aspectos que valorizam a contribuição do colonizador português.
Nesse sentido, se discutirá as permanências africanas que sofreram mudanças ou não ao
longo do tempo na cultura popular maranhense; demonstrar o grau de discriminação existente no
âmbito escolar, bem como da violência implícita ou não nas práticas escolares; e de que modo os
maranhenses convivem, se reconhecem com as diferenças étnicas e valorizam tal legado.
No primeiro momento será tratado das questões desenvolvidas na pesquisa com a
comunidade escolar e dos resultados alcançados a partir da aplicação do questionário junto aos
alunos. Em seguida, como desdobramentos dessa pesquisa, serão discutidos dois aspectos: o
discurso eugênico no contexto educacional e a violência no ambiente escolar.
Para tanto, contou-se com a colaboração dos alunos da 3ª série do Ensino Médio e
foram realizadas as seguintes atividades: exibição de vídeos e documentários, visita ao CCN
(Centro de Cultura Negra), Associação OMNIRÁ, aplicação de questionário sobre a temática,
produção de mural com fotos das visitas realizadas, bem como apresentação dos resultados da
pesquisa pelos alunos no projetor.
Os passos da pesquisa na comunidade escolar
Da execução da pesquisa até a abordagem dos resultados para a comunidade escolar, os
alunos da 3ª série do Ensino Médio foram preparados em vários aspectos, a começar pela
conscientização do projeto A África está em nós, objetivos traçados e qual seria o papel deles nesse
processo.
No primeiro momento, os alunos organizaram-se em grupos de estudo sobre a presença
africana no Maranhão, a partir de levantamento bibliográfico prévio, reunindo artigos de revistas ou
capítulos de livros específicos. A exibição de documentários de curto tempo, como Olhos azuis,
sobre a temática favoreceu o debate sobre o estigma da cor e preconceito racial.
Também a exibição dos filmes Invictus e Quase deuses estimularam a discussão acerca
da diversidade étnica e cultural, do potencial de cada indivíduo independente da cor de pele, bem
como da importância do respeito às diferenças. As visitas aos lugares listados: CCN (Centro de
Cultura Negra) e Associação OMNIRÁ que resguardam um pouco do legado africano foram
interessantes, porque os alunos nunca tiveram oportunidade de conhecer esses espaços.
No CCN, localizado em São Luís, no bairro João Paulo, os alunos conheceram o acervo
bibliográfico local, alguns trabalhos artesanais, o grupo de dança AKOMABU e a história de
algumas personalidades africanas, tais como: Negro Cosme, escravo que lutou na revolta provincial
da Balaiada em 1838 e a escritora Maria Firmina dos Reis. E na Associação OMNIRÁ, também no
mesmo bairro, eles assistiram a apresentação de dança africana e tomaram conhecimento de alguns
termos de origem africana, como a palavra “Omnirá”, que quer dizer liberdade, em iorubá.
No segundo momento, os alunos aplicaram os questionários na escola. Eles tiveram de
superar a timidez, o medo e a vergonha de falar em público para entrevistar os demais alunos. O
questionário envolvia 6 (seis) perguntas sobre discriminação racial, relações étnico-raciais, bem
como da lei 10.639/2003, sendo objetivas e fechadas. Foram 90 (noventa) alunos entrevistados do
ensino médio.
As perguntas abordadas foram: qual é a sua etnia? Qual seria o ideal de beleza para
homens e mulheres? O Brasil é um país racista? Você já sofreu algum tipo de preconceito? Por qual
tipo de discriminação você já passou? O que você mudaria no seu corpo?
A primeira pergunta sobre qual seria a etnia de cada um tinha as opções: branca, negra,
parda e/ou mestiça e amarela. Do total de entrevistados, 3% responderam que sua etnia era branca,
21% responderam negra, 74% responderam que era parda e/ou mestiça e 2% responderam amarela.
A maioria dos entrevistados afirmou, então, que sua etnia era parda e/ou mestiça, o que revelou
aparentemente a aceitação de que são habitantes de um país miscigenado e de como se identificam
com os traços característicos de outras etnias.
Nesse sentido, “as identidades nacionais não são coisas com as quais nós nascemos, mas
são formadas e transformadas no interior da representação” (HALL, 2005, p.48). A problemática da
identidade nacional, na qual o mestiço também é objeto de discussão, se reflete no Brasil
miscigenado dos dias atuais, pois os brasileiros ainda têm sua identidade por descobrir. No
recenseamento de 1980, por exemplo, os não brancos brasileiros assim responderam sobre sua cor
aos pesquisadores do IBGE:
Acastanhada, agalegada, alva, alva-escura, alvarenta, alva-rosada, alvinha, amarelada, amarela-queimada, amarelosa, amorenada, avermelhada, azul, azul-marinho, baiano, bem branca, bem clara, bem morena, branca, branca avermelhada, branca melada, branca morena, branca pálida, branca sardenta, branca suja, branquiça, branquinha, bronze, bronzeada, bugrezinha, escura, burro-quando-foge, cabocla, cabo verde, café, café-com-leite, canela, canelada, cardão, castanha, castanha clara, cobre corada, cor de café, cor de canela, cor de cuia, cor de leite, cor de ouro, cor de rosa, cor firme, crioula, encerada, enxofrada, esbranquicento, escurinha, fogoió, galega, galegada, jambo, laranja, lilás, loira, loira clara, loura, lourinha, malaia, marinheira, marrom, meio amarela, meio branca, meio morena, meio preta, melada, mestiça, miscigenação, mista, morena bem chegada, morena bronzeada, morena canelada, morena castanha, morena clara, morena cor de canela, morenada, morena escura, morena fechada, morenão, morena prata, morena roxa, morena ruiva, morena trigueira, moreninha, mulata, mulatinha, negra, negrota, pálida, paraíba, parda, parda clara, polaca, pouco clara, queimada, queimada de praia, queimada de sol, regular, retinha, rosa, rosada, rosa queimada, roxa, ruiva, russo, sapecada, sarará, saraúba, tostada, trigo, trigueira, turva, verde, vermelha, além de outros que não declararam a cor (MOURA, 1988, p. 63).
Pode-se dizer que essas atribuições de cor da pele, que os brasileiros fizeram de si no
recenseamento, foram geradas ou mesmo internalizadas desde a criação do Brasil, sobretudo no
regime imperial com a inserção das ideias europeias, ganhando mais força com o discurso eugênico
no período republicano. Da mesma forma, essa construção da identidade ainda se reflete no
cotidiano do maranhense, especialmente, nos alunos entrevistados.
A segunda questão sobre qual seria o ideal de beleza para homens e mulheres foi
dividida em 2 (duas) partes ilustradas, considerando artistas do cinema e da televisão. Foram
escolhidos três homens: Reinaldo Gianecchini, Brad Pitt e Rocco Pitanga, e três mulheres:
Angélica, Juliana Paes e Taís Araújo. Do total de entrevistados, sobre o ideal de beleza masculino,
51% responderam Reinaldo Gianecchini, 37% responderam Brad Pitt e 12% responderam Rocco
Pitanga; sobre o ideal de beleza feminino, 52% responderam Juliana Paes, 41% responderam Taís
Araújo e 7% responderam Angélica.
Tal resultado chama atenção para dois aspectos: o estereótipo feminino e o estigma da
cor. Pela votação feminina, a maioria se identificou com a atriz Juliana Paes, por ser uma mulher
mestiça, de corpo escultural e um tipo físico aceito não só por brasileiros, mas também divulgado
no exterior. O olhar de fora é sempre associando esse tipo de mulher ao samba e ao carnaval, com
ingredientes de sensualidade e exotismo.
Na votação masculina, a maioria elegeu Reinaldo Gianecchini, por ele apresentar traços
característicos do homem europeu, cor branca, modelo e grande porte físico. A isso provoca uma
indagação: por que essa maioria não escolheu Rocco Pitanga, também modelo e negro?
O estigma da cor é outro resquício do sistema escravista outrora vigente. Do ponto de
vista jurídico, o negro foi transformado em escravo, tratado como mercadoria. Mas, com o discurso
racista da elite política brasileira em fins do século XIX, negro e escravo se tornaram similares, o
que, de um lado, contribuiu para manter a hierarquia social, e de outro, gerou formas desiguais de
acesso a emprego, escola, saúde, enfim, ao próprio exercício pleno de cidadania.
A terceira pergunta sobre o Brasil ser ou não um país racista, do total de entrevistados,
96% responderam que sim e apenas 4% responderam que não. O resultado mostra que as pessoas
acreditam que ainda existe racismo no Brasil, velado ou não, presente nos gestos, no diálogo ou
diluído nos diversos setores da sociedade, principalmente entre aqueles que não tiveram acesso às
condições básicas para conviver em sociedade e são tratados de forma desumana.
Segundo Fernandes, dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) apontam
mais de 12 milhões de pessoas no trabalho forçado em todo mundo e 36 mil pessoas resgatadas
dessa situação no Brasil. Denúncias de trabalho escravo em alguns estados brasileiros, em pleno
século XXI, só demonstram que a escravidão ainda não é uma página virada, mesmo com a
promulgação da Lei Áurea em 1888 que declarava extinto o sistema escravista no país, visto que
não foram dadas as condições necessárias como educação, uma reforma agrária e um sistema de
oportunidades para inserção dos recém-libertos na sociedade brasileira.
A quarta pergunta sobre alguém já ter sofrido algum tipo de preconceito também
apresentava duas alternativas: sim ou não. Do total de entrevistados, 58% responderam que sim e
42% responderam que não. Uma pequena diferença que revela certo equilíbrio quanto às respostas,
bem como abre espaço para outras questões, como que tipo de discriminação passou o indivíduo
que afirmou positivo.
Nessa perspectiva, a quinta pergunta sobre o tipo de discriminação envolveu cinco
opções: aparência física, apelido, deficiência física, peso e discriminação racial. Do total de
entrevistados, 25% responderam aparência física, 19% responderam apelido, 6% responderam
deficiência física, 6% responderam peso e 44% responderam discriminação racial. O resultado
demonstra que as pessoas ainda sofrem discriminação racial e a aparência física é um elemento
relevante de segregação social.
Sobre a sexta pergunta referente ao que você mudaria no corpo tinha as seguintes
alternativas: cabelos, cor da pele, nariz, olhos e não mudaria nada. Do total de entrevistados, 18%
responderam cabelos, 6% responderam cor da pele, 14% responderam nariz, 25% responderam
olhos e 37% responderam não mudaria nada. Embora boa parte não tenha interesse em modificar
qualquer parte do corpo, a soma dos demais itens supera esse percentual, demonstrando que muitos
não se aceitam e gostariam de mudar para seguir os padrões impostos pelo que é projetado na mídia
e na sociedade.
O Dia Nacional da Consciência Negra (20 de novembro) foi escolhido para a
culminância do projeto. Uma feira de exposição dos trabalhos foi realizada na escola,
oportunizando assim a socialização dos trabalhos entre os alunos, os quais reuniram: pesquisas
sobre a história da África, levantamento de comidas típicas que tiveram influência africana,
aspectos geopolíticos e físicos do continente africano, danças de origem africana, recital de poesias,
baseados em obras de personalidades negras que se destacaram na literatura, na poesia e na música,
concurso beleza negra e apresentação do questionário aplicado.
No que se refere às questões arroladas e dos resultados obtidos, pode-se repensar a
imposição cultural do europeu na sociedade brasileira, desde o período oitocentista com a presença
da corte portuguesa, reforçado com o ideário de progresso e desenvolvimento do país no governo
republicano até os dias atuais, bem como da negação de uma formação social híbrida que teve a
contribuição do discurso eugênico propalado pela elite intelectualizada e pela imprensa.
O discurso eugênico é ainda recorrente
O Brasil é um país miscigenado, mas que apresenta um racismo velado, no qual a
maioria das pessoas diz não ser racista, afirmam não fazer acepção de indivíduos pela cor da pele.
Entretanto, diante de situações como a que foi abordada na pesquisa escolar é que se revela o
quanto o discurso eugênico influenciou no contexto educacional ao longo do século XX que ainda
se observa seus efeitos espraiados na cultura, nos costumes e no tratamento entre as pessoas.
Nos primeiros anos do regime republicano, o sistema educacional foi se consolidando
como instrumento de homogeneização cultural da nação, atingindo parte das camadas populares. A
ideia de reordenar a população integrou a mentalidade da época, com a tarefa de adaptar os pobres
aos valores burgueses (trabalho, lar e escola). Com exceção do nível superior, os demais níveis de
ensino ficavam sob a responsabilidade dos Estados.
A estrutura da educação brasileira, elaborada por Caetano de Campos desde o final do
século XIX, abrangia: “além do jardim de infância e da escola-modelo primária, duas escolas para
formação docente: a escola normal primária (escola complementar) e a escola normal secundária,
que formava professores para as escolas preliminares, complementares liceus e ginásios” (VEIGA, 2007, p. 248). Evasão escolar, sobretudo, dos filhos de pobres era um problema frequente, visto que
havia a necessidade de trabalhar na informalidade para ajudar na renda familiar.
Para o ingresso na escola normal era exigido que o aluno tivesse no mínimo 15 anos e o
certificado de conclusão da escola primária do primeiro grau ou aprovação no exame de admissão,
para aqueles que haviam recebido instrução em casa ou com professores particulares. O saber
transmitido era de caráter enciclopédico e propedêutico.
As questões sobre diversidade racial e branqueamento da população tão discutidas no
século XIX continuariam tendo espaço na nova ordem política, principalmente na esfera
educacional, buscando a afirmação de uma sociedade branca caracterizada por valores
europeizantes, com a negação sistemática dos valores que identificam negros, mestiços e índios.
O conteúdo eugênico esteve também presente na literatura, nas gravuras de livros infantis e cartazes, além de propagandas em jornais e revistas diversos. Quando presentes nas imagens e textos, negros e mulatos eram mostrados em papel secundário, ou branqueados (VEIGA, 2007, p.264).
O Brasil seguia a moda estrangeira como forma de se destacar, em termos de civilidade,
de outros países. Copiar e adaptar o que vinha de fora foi sendo o trabalho da minoria abastada. Segundo Schwarcz, “as teorias raciais se apresentam enquanto modelo teórico viável na justificação
do complicado jogo de interesses que se montava” (SCHWARCZ, 1993, p. 18).
Intelectuais como Manuel de Oliveira Viana e Raimundo Nina Rodrigues discutiam,
sobretudo nos centros acadêmicos, a difusão do ideário de uma nação branca, bem como a
possibilidade ou não do branqueamento gradativo da população brasileira, tomando o mestiço como
fase de transição, ou mesmo a tendência à degenerescência.
Embora tivessem diferentes pontos de vista acerca da mestiçagem, esses teóricos raciais
comungavam da premissa de superioridade do europeu em relação aos outros segmentos sociais.
Segundo Nina Rodrigues, “o mestiço era um contraste e qualquer que fossem as condições sociais,
estaria condenado pela sua própria morfologia e fisiologia a jamais poder se igualar ao branco”
(RODRIGUES, 1957, p.55). Para Oliveira Viana, “essa tentativa do mestiço em ter posição
específica na sociedade é provisória e ilusória, porque o branco superior, de classe alta, o repele” (VIANA apud MUNANGA, 1999, p.65).
Até o século passado, se aprendia no ambiente escolar que o Brasil tem uma trajetória
culturalmente construída com as contribuições dos africanos, indígenas e europeus, sempre
enfatizando uma maior parcela a este último. “A tentativa de introduzir na escola um procedimento
de homogeneização cultural se fez à custa da negação dos valore étnicos e da cultura de grande
parte da população brasileira” (VEIGA, 2007, p.265).
Falava-se em diversidade, sem problematizar que, para alguns grupos, diversidade era
sinônimo de desigualdade, de menores oportunidades. Não se pode silenciar acerca da
discriminação racial, repetindo o que a literatura contemporânea de Gilberto Freire afirmou em
Casa Grande e Senzala, de que na sociedade brasileira todas as etnias viviam harmoniosamente
(Mito da Democracia Racial). Pois, a omissão só vem garantir que as desigualdades se perpetuem.
É importante fomentar tal discussão no ambiente escolar, socializando acerca da lei nº.
10.639/2003 que introduz o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira na Educação Básica e
buscando novas formas de abordagem que não sejam mais aquelas que os livros didáticos vinham
abordando, mais precisamente, de negros e índios tidos como segmentos marginalizados e
supervalorizando brancos.
E a violência passa despercebida
Durante muito tempo, pregou-se a igualdade entre todos os indivíduos, seja através dos
meios de comunicação, ou mesmo no âmbito escolar, acabando por fomentar a invisibilidade
daqueles que não se adequavam ao padrão proposto e a consequente naturalização das
desigualdades. Infelizmente, as pessoas acabam associando inconscientemente a cor da pele ou
mesmo a aparência física à condição social.
Essa dinâmica permitiu a reprodução de privilégios históricos, geradores de formas
desiguais de acesso a emprego, educação, saúde, enfim, ao próprio exercício pleno de cidadania. A
busca pela semelhança é o contrário da diversidade e negá-la não deixa de ser uma forma de
violência.
Sobre as questões arroladas na pesquisa escolar, alguns aspectos chamaram atenção,
como por exemplo: o ideal feminino que é projetado no exterior, isto é, da imagem que é construída
sobre a mulher mestiça associada ao samba; aqueles que se identificaram como pardos e/ou
mestiços consideram como ideal de beleza masculino o homem branco; as pessoas ainda sofrem
discriminação racial e a aparência física é levada em consideração na busca por espaços na
sociedade.
Na medida em que o Outro pode nos intimidar, aterrorizar, trazer medo, insegurança, abre-se uma brecha onde a violência pode proliferar e, no limite, caminhar até para situações de extrema brutalidade. É por causa disso que devemos resistir à conformidade (COSTA, 2004, p.273).
Dos entrevistados, muitos não se aceitam como são e gostariam de mudar algum aspecto
do corpo para seguir os padrões de normalidade, imposto pela sociedade. Isso vem demonstrar que
nem sempre as diferenças são vistas como riqueza no Brasil, apesar deste país apresentar, na sua
face externa, a imagem da diversidade. Algumas diferenças se tornam sinônimos de defeitos em
relação a um padrão dominante, considerado como modelo de normalidade, por conseguinte,
refletem de forma violenta nas práticas sociais.
“O que pode nos encerrar em uma espiral de violência cujo resultado não é a solução do
problema, mas, ao contrário, uma progressão da própria violência” (COSTA, 2004, p.279). É
preciso resistir ao conformismo e buscar a tolerância, ou seja, a unidade na diversidade. Trabalhar
em sala de aula, valorizando a contribuição de todas as etnias, sem supervalorizar uma em relação
às demais, já é um caminho para se desnaturalizar as diferenças incrustadas na coletividade.
O caso de uma aluna da referida escola é um exemplo de superação. Pois, esta sofreu
violência sexual e, em decorrência disso, desenvolveu um trauma em que se escondia do mundo, ao
trajar roupas masculinas, usar boné, prender os cabelos e sentar-se no fundo da sala de aula,
isolando-se de todos. A partir do projeto, ela recuperou a sua dignidade e se redescobriu como
mulher já sem medo de enfrentar a realidade.
A maioria dos alunos que frequentam a escola em questão, mora nas redondezas. Eles
apresentam problemas familiares, de repetência escolar, de não-aceitação e são de baixo poder
aquisitivo, ainda dependentes dos programas sociais do Governo Federal. A escola enquanto
aparelho ideológico pode ser um espaço assaz no debate destas questões pertinentes, no sentido de
resgatar a auto-estima dos educandos, quanto à importância dos elementos formadores da nação
brasileira, sem privilegiar.
É dever também da família orientar seus filhos quanto a essas questões, visando à
propagação de novos valores, para que sejam cidadãos mais humanos e que respeitem as diferenças,
pois o que mais se observa são pais que se eximem, ou mesmo, transferem a responsabilidade de
educar para os professores. Estes, por sua vez, devem fomentar a discussão junto aos estudantes,
para que multipliquem em outros espaços; promover o debate dentro das aulas, assim preparando e
formando sujeitos conscientes.
Considerações Finais
Em pleno século XXI, infelizmente, o racismo, o preconceito e a discriminação racial
estão presentes no cotidiano das pessoas, sobretudo as de descendência africana, ainda que de
forma velada, mesmo com a implantação da lei contra o racismo e da abertura dos meios de
comunicação para divulgação da importância do respeito às diferenças e dos principais setores da
sociedade civil, outrora ocupados exclusivamente por pessoas com traços europeus.
Paralelo a essa herança negativa, outros resquícios positivos deixados pelos escravos
africanos se fazem presentes no cotidiano das pessoas, seja na culinária, no vestuário, no
vocabulário, na dança. Essas reminiscências da cultura africana devem ser vistas como elemento
enriquecedor da diversidade cultural, pois ressaltam a participação do negro na formação da nação
brasileira.
Nesse sentido, a lei nº. 10.639/2003 que discorre a obrigatoriedade do ensino de
História e Cultura Afro-brasileira torna-se um importante aliado na propagação para o respeito às
diferenças, de formar uma geração mais aberta à tolerância, ao diálogo, menos desigual, que se
sinta valorizada e com orgulho de suas origens africanas e de ser brasileiro.
Daí a necessidade de envolvimento da escola com a família, trabalhando ambos em
parceria, na promoção de valores construtivos que concorram para amenizar as desigualdades de
gênero, combater a violência e o desrespeito entre os indivíduos. As práticas discriminatórias
constituem um retrocesso para um país emergente como o Brasil, que precisa superar essa triste
realidade para ser uma nação plenamente desenvolvida e de fato democrática.
Referências
COSTA, Márcia Regina da. Repensar a violência: resistir para não se cair na conformidade. In: Ciências sociais na atualidade: resistência e invenção. São Paulo: Paulus,
2004.FERNANDES, E. A escravidão ainda existe. Revista Nova Escola. São Paulo, n. 231, abr.
2010. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A,
2005. MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versusidentidade negra. Rio de Janeiro: Vozes, 1999. RODRIGUES, Raimundo Nina. As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Salvador: Livraria Progresso Editora, 1957. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial noBrasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
VEIGA, Cynthia Greive. História da Educação. São Paulo: Ática, 2007.
A PRESENÇA DA MULHER ALUNA NO ENSINO SUPERIOR: UMA REFLEXÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO DA ÁREA TECNOLÓGICA E
EXATA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Melo, Maria Célia
Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
Email: [email protected]
É de conhecimento geral que as mulheres, por muito tempo, foram subjugadas e dadas a ler pela forma como os homens as viam na sociedade, ou seja, quando se referiam a ela, restringiam-se a
falar do modelo subserviente que deveriam assumir. Isso porque ela foi, ao longo da história, por
muito tempo preterida em relação ao homem. Desde a Grécia Antiga, filósofos como Aristóteles e
Platão, pregavam a inferioridade da mulher, dizendo que a mesma era um ser incompleto sem
capacidade para o raciocínio, que servia apenas para a procriação. Na Idade Média, a Igreja ajudou
a cristalizar essas concepções. Santo Agostinho, por exemplo, dentre outros religiosos, proclamava
a culpa às mulheres por ser um instrumento do demônio e atração do desejo. São Tomas de Aquino
ajudou a firmar o ideia aristotélica de que a mulher seria inferior ao homem, pregando-a com um ser
incompleto.
O sistema patriarcal incorporou de tal forma estas “verdades”, que até hoje (com
grandes, mas insuficientes progressos) as mulheres vivem as consequências destes conceitos
equivocados.
Apreender a complexidade existente nas relações entre homens e mulheres, bem como
as experiências, resistências, improvisações e iniciativas dessas no processo sócio- histórico
constituem algumas das finalidades científicas e políticas da História das Mulheres e dos estudos de
gênero.
Num forte momento de renovação do questionamento científico no interior dos diversos
campos do conhecimento e segmentos da sociedade, a História passou a ser revisada, voltando-se
para temáticas e grupos antes vistos como de inexpressiva importância. O desenvolvimento do
estudo das minorias, em novos campos como a História das Mentalidades e a História Cultural
contribuíram significativamente para que as mulheres fossem incorporadas nessa preocupação.
E é exatamente sobre a mulher que tratamos neste trabalho. Nosso objetivo foi
avaliar sua presença em cursos superiores, em especial no Centro de Ciências Exatas e Tecnologia
(CCET) da Universidade Federal do Maranhão, reconhecido reduto masculino. O método foi
predominantemente qualitativo e utilizamos, para coleta de dados, entrevista semiestruturada.
Nosso trabalho apoiou-se nos pressupostos da História Cultural, no que tange à
discussão dos gêneros, e da Historiografia da Educação, avaliando seu percurso na escola através
dos séculos, assunto sobre o qual discorreremos a seguir.
A presença da mulher na escola brasileira
O processo educativo em geral e a escola, em específico, têm grande importância no
processo de naturalização de uma situação socialmente construída, porque, como sabemos, a
educação é um ato político e seu fazer não é inócuo. Ao contrario, é comprometido e serve para
formar a personalidade das pessoas, transmitir valores, determinar proibições, enfim, modelar a
identidade de um grupo. E a escola, desde seus primórdios, foi locus predominantemente
masculino.
No Brasil, a necessidade de educação para a mulher só passa a ser sugerida a partir das últimas décadas do século XIX, sob o discurso da “ordem e progresso”, porém vinculada à
modernização do diferenciado de homens e mulheres ao ensino superior. Os estudos evidenciam
que, no Brasil, as mulheres começam tardiamente a ingressar na universidade. Somente a partir do
final do século XIX, as mulheres brasileiras adquirem o direito de ingressar no ensino superior. O
pioneirismo do acesso feminino à universidade coube à médica Rita Lobato Velho Lopes, formada
pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1887. O importante a notar que, é durante o século XIX e
a primeira metade do século XX, a exclusão feminina dos cursos secundários inviabilizou a entrada
de mulheres nos cursos superiores. Assim, a dualidade e a segmentação de gênero estiveram, desde
sempre, presentes na gênese do sistema educacional brasileiro, sendo que as mulheres tinham
menores taxas de alfabetização e acesso restringido aos graus mais elevado de instrução.
Elas começaram a marcar sua presença naquelas carreiras tidas como mais “tradicionais” apenas a partir dos anos 40 do século XX (BLAY E CONCEIÇÃO, 1991), mas na Bahia, desde o início do século XX, já se podia perceber a presença de algumas mulheres nos
cursos de Medicina, Direito e Engenharia. Essa presença, contudo, era muito pouco expressiva para
caracterizar o Ensino Superior como um espaço de livre trânsito das mulheres.
No contexto atual, a mulher tem assumido alguns papéis antes apenas
desempenhados pelo homem e conseguiu direitos garantidos por lei que lhe asseguram a igualdade
entre os sexos. Um desses foi o acesso à educação. Mas essa conquista só foi alcançada após árduas
lutas, travadas durante muito tempo. Apesar dos avanços, as mulheres, ainda hoje, têm desafios a
serem vencidos, em especial, dentro da Universidade.
Dados divulgados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais)
mostram que, em 13 anos, entre 1991 e 2004, o número de mulheres matriculadas em instituições
de ensino superior superou em 22% as matrículas de homens. No mesmo período, o número de
estudantes do sexo feminino cresceu 181% frente ao crescimento de 148% de estudantes
masculinos.
Em 1991, a diferença de matrículas entre os dois sexos era de 132 mil, hoje ela já chega
a 529 mil. Atualmente, cerca de 60% das matrículas nos cursos de graduação pertencem a
mulheres. Isso em uma sociedade em que as mulheres representam cerca de 50,7% da população.
Se, por um lado, os números permitem inferir que, na educação superior, a barreira
entre os sexos vem sendo rapidamente rompida, com igualdade de oportunidades para todos, os
conflitos existente no espaço da academia e as preferências naturalizadas por certas áreas do
conhecimento precisam ser analisadas com mais profundidade para identificar as valorações sociais
que explicam esse fenômeno. Posso então afirmar que o maior número de mulheres na Educação
Superior , não é indicador suficiente para garantir mudanças efetivas nas relações de gênero que são
socialmente construídas entre os sexo,
A criação em 2003 da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com atuação
em âmbito federal, amplia a possibilidade de mudanças concretas no campo da educação. Além
disso, começaram a ser produzidos materiais didáticos específicos sobre gênero, etnia, orientação
sexual e estimuladas investigações sobre as questões de gênero em diferentes áreas do
conhecimento,
Dentre as modificações sociais nas relações de gênero que ocorreram na sociedade
brasileira nas últimas décadas, a inserção da mulher na Universidade tem se mostrado uma das mais
significativas (ROMANELLI, 2007). Ao contrário do que aconteceu no passado da história das
mulheres no Brasil, quando o acesso ao ensino superior lhes foi durante tanto tempo negado,
atualmente as mulheres são maioria nesse segmento de ensino no país
Vale ressaltar que a literatura que trata do estudo de gênero faz uma diferenciação entre
sexo e gênero. A palavra sexo vem do latim sexus e refere-se à condição orgânica (anátomo-
fisiológica), que distingue o macho da fêmea. Sua principal característica reside na estabilidade
através do tempo.
A palavra gênero também tem origem latina e vem de gnê, ou gen, referindo-se à “origem, surgimento”. Hoje seu conceito está relacionado ao código de conduta que rege a
organização social das relações entre homens e mulheres. Sua principal característica está na
mutabilidade, isto é, na possibilidade de mudança entre homens e mulheres através do tempo. Não
se trata de um atributo individual, mas que se adquire através da interação com os outros e contribui
para reprodução da ordem social. Portanto, sexo se refere ao que é anatômico e fisiologicamente
herdado geneticamente, e gênero seria o que diferencia homens e mulheres através de uma
construção histórica, social e cultural.
Para Alambert (1986, p. 112), a palavra gênero está:
[...] cada vez mais presente no vocabulário das organizações e movimentos sociais. Trata-se de uma categoria de análise social que estuda as relações entre homens e mulheres na sociedade: relações construídas ao longo da história. Significa o sexo social que permanentemente construído, ou seja, "um conjunto de práticas, símbolos, representações,
normas e valores sociais que as sociedades elaboram, continuamente, a partir de diferenças sexuais, anátomo-fisiológicas”.
No Brasil, os estudos do gênero surgem como consequências dos movimentos
feministas das décadas de 1960 e 1970. A problemática de gênero dentro desses movimentos traz
consigo a necessidade de explicações teóricas sobre a construção social do cotidiano feminino,
contrapondo-se ao determinismo biológico e designa as relações entre os sexos e, mais do que isso,
refere-se à criação exclusivamente social das identidades subjetivas e papéis atribuídos às mulheres
e aos homens. Desse modo, gênero é uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado e
marcada por relações de poder (SCOTT, 1991).
Apesar de muito usado como sinônimo de mulheres, gênero procura destacar o caráter
social das relações entre os sexos, mostrando que a definição das identidades masculinas e
femininas é produzida por símbolos culturalmente disponíveis e conceitos normativos que
expressam os significados destes símbolos, presentes em doutrinas religiosas, educativas,
científicas, políticas e jurídicas, nas instituições e na própria organização social. Além disso, o
aspecto hierárquico nestas relações é a forma primária de dar significado às relações de poder na
sociedade (opus cit., 1991).
Dessa forma, a categoria gênero indica “construções culturais”, ao designar a esfera da
cultura como origem dos papéis adequados para homens e mulheres. Estas relações de poder
supõem transformações constantes, pois em qualquer sociedade constituída por sujeitos diferentes,
mas que buscam serem politicamente iguais, suas múltiplas diferenças talvez possam ser motivo de
solidariedades, disputas, trocas e negociações (LOURO, 2007).
Compreendemos, assim, que, como categoria analítica ou como processo social, o
gênero está sempre relacionado por e através de partes interdependentes (o feminino e o masculino).
Estas relações, quando acontecem dentro dos espaços sociais, interiorizam interesses, como jogos
de poder, conflitos e hierarquia. Partindo desse entendimento, concebemos gênero como a forma
pela qual a pessoa é representada na sociedade, por isso, a formação da identidade de gênero se
processa através das relações entre o corpo e o social, na medida em que, exercendo papéis,
mulheres e homens vão sendo investidos socialmente de diferentes graus de valorização e juízo.
Quanto à categoria relações de gênero, Strey (1997, pág. 85) assevera: “a mulher é vista
em função dos outros - como mãe, esposa, etc., enquanto o homem é visto em função de si mesmo”. Neste sentido, o autor explica que a formação de estereótipos de cada sociedade atribui
determinados papéis a homens e mulheres e esses papéis frequentemente, ou quase sempre,
ajustam-se perfeitamente a certas ideias e poder simbólicos para ambos os sexos.
A eficácia desse poder simbólico encontra-se no contínuo e duradouro trabalho
realizado pela sociedade, pela igreja, pela família, pelos pais e pelos professores quando orientam,
desde muito cedo, meninos e meninas a desenvolverem atividades sexualmente diferenciadas. Essas
orientações encontram-se embrenhadas nos, aparentemente insignificantes, atos cotidianos,
principalmente no espaço escolar e doméstico, que contribuem para fabricar inclinações e aptidões.
Para Britzman (1999), as relações de poder existentes entre homens e mulheres
possibilitam desigualdades como macro social nas relações de gênero. Nessa suposta relação
dominação/submissão em que espaços são abertos para resistência e transformação, só podem ter
conotação de poder, porque pressupõem sujeitos livres e possibilidades de resistência, reação e
transformação, a fim de escapar da sujeição do outro.
Para Foucault (1989), força e poder são correlações em constantes movimentos, que se
aglutinam, se separam, se enfrentam com ideias diferentes ou formam sistema mais amplo. Numa
retrospectiva histórica, os direitos políticos e a cidadania da mulher têm, cada vez mais, efetivado -
se na medida em que adquire poder social, sustentado pela educação e capacitação, permitindo-lhe
usufruir de seus direitos. Assim, urge que, cada vez mais, deite-se um novo olhar sobre as relações
de gênero e sobre as formas de se possibilitar às mulheres esse acesso ao poder.
A categoria relações de gênero, vista como um processo de construção social, guiada
através de discursos e práticas femininas e masculinas, revela em seu âmago um conteúdo
sobretudo de diferenças marcantes que impõem limites e privilégios respectivos. Essas diferenças
são evidenciadas no interior das organizações em geral e especificamente nas educacionais. A
ausência durante muito tempo das mulheres na educação acarretou sua invisibilidade nesta área, e a
análise das relações de gênero só é possível considerando a condição global das pessoas e o
movimento histórico e cultural em que ocorre (LOURO, 2007). Sua ausência nos bancos escolares
de cursos superiores foi ainda mais acentuada, como se será a seguir.
As relações de gênero no Ensino Superior
A mulher, tanto ao longo da história como nos dias atuais, viu-se de várias maneiras
preterida em relação ao homem. Na Grécia Antiga, filósofos como Aristóteles e Platão pregavam
sua inferioridade, dizendo que a mesma era um ser incompleto, sem capacidade para o raciocínio,
que servia apenas para a procriação.
Na Idade Média, padres da igreja ajudaram a cristalizar estes princípios, como Santo
Agostinho, que fez parte daqueles que atribuíam a culpa às mulheres, por serem um instrumento do
demônio e atração do desejo. São Tomas de Aquino ajudou a firmar o principio aristotélico,
pregando que a mulher era um ser incompleto. O sistema patriarcal incorporou de tal forma estas “verdades”, que até hoje (com grandes, mas insuficientes progressos) as mulheres vivem as
consequências destes conceitos equivocados.
Na história das civilizações, várias foram as manifestações com relação à educação das
mulheres, mas essa preocupação foi voltada para a educação doméstica. Elas eram ensinadas a
bordar e costurar. Algumas tinham também aulas de etiquetas e às mulheres de famílias com maior
poder econômico era ensinada também outra língua, principalmente o francês, bem diferente da
educação que era dada aos homens, que desde cedo eram ensinados a ler, a escrever, fazendo com
que, diferentemente das mulheres, pudessem ter acesso com facilidade ao ensino superior.
Embora houvesse essa preocupação com a educação das mulheres, o que lhes era
ensinado era dentro de suas casas. Houve uma grande demora para que pudessem ter acesso ao
ensino regular em uma escola formal. Convém ressaltar que o objetivo do ensino das mulheres era
totalmente diferente do objetivo do ensino dos homens. Os homens eram educados para serem
principalmente advogados e médicos, enquanto que às mulheres eram ensinadas apenas as prendas
domésticas importantes para encontrarem o que lhes era destinado: o casamento, ou seja, eram
educadas para se tornarem donas de casa, mães e esposas dedicadas aos seus maridos.
Na história das mulheres, o saber, durante muito tempo, foi visto como algo oposto à
feminilidade. Seu acesso ao conhecimento, especialmente à leitura e à escrita, somente foi
impulsionado pela Reforma Protestante, à medida que ler a Bíblia era uma obrigação de todos os
indivíduos. Portanto, a elas foi concedido um saber restrito e sob vigilância; o temor do livre
pensamento e o perigo que representava uma mulher culta à ordem socialmente estabelecida
fundamentou os princípios de uma formação para educá-las e não instruí-las.
Seu ingresso no mundo acadêmico é, sem duvida, atravessado por diversas formas de
discriminação e manifestações que contribuem para a formatação da trajetória universitária para
homens e mulheres, assim como uma participação desigual no próprio exercício do poder
acadêmico.
O processo de apropriação e transformação do conhecimento científico por parte das
mulheres tem implicado a construção de trajetórias individuais e coletivas, transgredindo limites,
fazendo incursões em territórios proibidos, transitando por espaços quase intransponíveis e
rompendo antigas fronteiras entre questões privadas e públicas.
Sabemos que as instituições de ensino têm papel importante na formação e construção
da identidade de homens e mulheres. Em alguns momentos, o espaço escolar age de forma a
reforçar as diferenças estabelecidas socialmente entre homens e mulheres; em outros, possibilita
que novas relações sejam construídas. Logo, para abordar as relações de gênero no ensino superior
é preciso primeiro definir sua estabilidade através do tempo, a maneira como se constroem as
identidades femininas e masculinas, e como se desenvolvem os conceitos e construções simbólicos
do gênero e sua estrutura social. É necessário destacar com clareza o marco das relações que se
estabelecem entre homens e mulheres dentro de cada sexo, incluindo a questão do gênero nos
estudos dos conflitos sociais.
Sonnet (1991), ao tecer considerações em torno da historicidade da educação das
mulheres no contexto francês, indica que isto passou a ser uma prioridade para os reformadores
católicos a partir do Concílio de Trento (1545-1563), enquanto elemento fundamental no processo
de conquista religiosa e moral da sociedade.
Depois do lar, o convento, a escola elementar ou colégio interno, confessional e laico
foram algumas das alternativas para a educação das meninas, dependendo de sua classe social. O
ensino era sacrificado e secundarizado em benefício do trabalho com as agulhas e exercícios de
piedade, principalmente para a estudante/operária da classe popular, que desde cedo ajudava nas
despesas de casa com o aprendizado do ofício. O que para os irmãos era aprofundado, para elas era
superficial:
Tem-se sempre medo de ensinar demasiado às raparigas, de as fazer perderem-se na vaidade dos conhecimentos supérfluos. Iniciações rápidas, um material escolar limitado ao indispensável e uma pedagogia que tem mais a ver com a tolerância para com as raparigas do que com um verdadeiro acolhimento são testemunho da enorme suspeita que continua a pesar sobre as mulheres (LOURO, 2007 p. 43).
Em meados do século XIV, devido a uma grave crise econômica, a mulher foi banida do
mundo do trabalho, ficando reclusa ao lar. A subordinação feminina era quase que total. Elas foram
excluídas de atividades que desde tempos remotos realizavam, como, por exemplo, a enfermagem. As
universidades, instituições criadas no século XII, também foram proibidas às mulheres.
É com a Revolução Industrial que começa a romper os muros que as prendiam em casa,
começando a trabalhar em atividades fora do lar. A Revolução fez com que as da classe pouco
favorecida economicamente conseguissem sair de casa, indo trabalhar nas inúmeras fábricas que
foram surgindo, começando seu processo de emancipação. Porém, esse trabalho não oferecia uma
real melhora em sua qualidade de vida, já que a mulher, embora exercendo a mesma função que um
homem em uma fábrica, ganhava bem menos. Nesse sentido, afirmam Alves e Pitanguy (1981,
p.68): “[...] o trabalho feminino sempre recebeu remuneração inferior ao do homem. Esta
desvalorização, por outro lado, provocou a hostilidade dos trabalhadores homens contra o trabalho
da mulher”.
Para Louro (2007), atrelada à função maternal, a defesa de um ensino para a mulher
inspira-se nas novidades das ciências e das ideias positivistas, associando novos conceitos
científicos às velhas concepções da essência feminina.
A entrada das mulheres no ensino superior no continente americano aconteceu
primeiramente nos Estados Unidos no ano de 1837, com a criação de universidades exclusivas para
as mulheres. É no Estado de Ohio que surge a primeira universidade feminina, o Women’s College,
e na segunda metade do século XIX as universidades femininas se espalham por boa parte dos
Estados Unidos. Porém, a maioria dos Women’s College só oferecia o bacharelado para as
mulheres; poucos eram os que ofereciam cursos de licenciatura, mestrado, e menos ainda os que
ofereciam a opção de cursos de doutorado.
A educação feminina desenvolvida por uma instituição escolar é um fenômeno recente
na historiografia no Brasil. No ensino superior, a mulher só teve ingresso no final do século XIX. A
primeira mulher a ingressar na universidade no Brasil foi no estado da Bahia, no ano de 1887,
formando-se na Faculdade de Medicina. As mulheres só foram autorizadas a frequentar um curso
superior no ano de 1879, quando a elas foi concedido o direito de frequentarem o ensino
universitário, por Dom Pedro II, então Imperador do Brasil. Esse ato do Imperador deveu-se ao fato
de Augusta Generosa Estrela, que se formou em medicina em Nova York no ano de 1876, ao
retornar ao Brasil, ter sido proibida de exercer sua profissão. (CUNHA, 2007 p. 138)
As primeiras mulheres a concluírem o curso de Medicina no Brasil foram Rita Lobato
Velho Lopes (Bahia), Ermelinda Lopes de Vasconcelos e Antonieta Cesar Dias (Rio de janeiro). As
pioneiras a finalizarem o curso de Engenharia foram Edwiges Maria Becker, Anita Dubugras,
Iracema da Nóbrega Dias e Maria Esther Correa Ramalho (Rio de Janeiro). As mulheres foram por
muito tempo tidas como biologicamente inferiores, menos inteligentes que os homens. Essa sua
inferiorização em relação ao homem contribuiu para o seu difícil acesso ao ensino superior.
Atualmente, a ideia de que a mulher seja inferior ao homem já foi ultrapassada, e
mesmo considerando que toda regra tem suas exceções, a situação é bem diferente daquela do
início da luta da mulher contra a sua invisibilidade no espaço educacional. Foi uma longa batalha,
vencida depois de muito tempo e de muita dificuldade. Hoje, as mulheres, felizmente, já
conseguiram ultrapassar a construção social que se criou a respeito de que espaço deveriam ocupar
na sociedade e buscam, assim, a garantia de que realmente ocupem um lugar de igualdade,
juntamente com os homens na sociedade, em especial na educação.
A partir da década de 1940, com a expansão da rede de ensino de nível médio e a maior
aceitação da participação da mulher no mercado de trabalho, principalmente no magistério, novos
cursos pertencentes às Faculdades de Filosofia passaram a ser frequentados pelas moças que
ingressavam na universidade e aspiravam dedicar-se ao magistério de nível médio. Essas faculdades
multiplicaram-se pelo país, sendo que, a maioria delas não passava de um aglomerado de escolas,
nas quais cada curso preparava um tipo específico de professor: de história, de matemática, de
química, entre outros. A escassez de recursos materiais e humanos limitou esses cursos às
atividades de ensino sem qualquer comprometimento com a pesquisa.
Com a grande expansão que ocorreu no ensino superior na década de 1970 é que as
mulheres começam a fazer parte de uma forma bem expressiva nesse grau de ensino no Brasil.
Veremos, na sequência, como sua inserção no Maranhão.
O Ensino Superior no Maranhão
Assim como no Brasil, a história da educação superior no Maranhão tem início no
período colonial, momento em que esteve a cargo dos padres jesuítas, como no restante do Brasil.
Esses, por sua vez, não tinham interesse de criar cursos superiores, cuidando das escolas de
primeiras letras, seminários maiores, com oferta do Curso de Teologia para a formação de seus
próprios ministros, com o objetivo de aumentar seus missionários para atender às metas da ordem
religiosa, ou seja, da Companhia de Jesus.
Os primeiros jesuítas que chegaram ao Maranhão em 1615 foram os padres Manuel
Gomes e Diogo Nunes, com o General Alexandre de Moura, mas em 1619 retornaram ao Reino
para denunciar a escravização dos índios pelos colonos. Em 1622 o capitão-mor Antonio Muniz
Barreiros Filho chegou ao Maranhão trazendo outros dois padres jesuítas, Luis Figueira e Benedito
Almeida, os quais deram início à construção do colégio e da Igreja de Nossa Senhora da Luz. Por
iniciativa também do Jesuíta Luís Figueira, um século depois, em 1731, concluiu-se a construção do
Colégio e Residência da Madre de Deus, destinado principalmente abrigar o Curso de Teologia,
Filosofia e Retórica que haviam fundado e que viria a ser autorizados a conferir o grau de doutor.
Esses cursos, depois de terem funcionado por mais de um século, começaram a desaparecer em
1760 em consequência da legislação que decretou a expulsão da Companhia de Jesus de todo o
reino de Portugal.
O bispo que lhe sucedeu D. Antonio de Pádua, reconhecendo o prejuízo que causara à
Diocese o desaparecimento desses cursos superiores, fez funcionar na Igreja da Sé um curso para os
jovens que aspirassem ao sacerdócio, onde ele próprio ensinava Latim, Filosofia e Teologia, no
qual se ordenaram 51 sacerdotes, 33 seculares, 11 carmelitas, 5 franciscanos e um mercedário . Mas
D. Antonio só governou o bispado por cinco anos, e com sua renúncia em 1789 desapareceu no
Maranhão esta última escola de ensino superior.
Desta forma, não foi só o ensino superior que desapareceu e sim também o de primeiras
letras, pois a ordem de que eles cuidavam com prática exclusiva entrou em crise sob o regime
pombalino.
Embora a posição contrária do governante maranhense, a Carta Régia de 1800, quatro
bolsistas - Raimundo Pedro da Silva e Cunha, Antonio Xavier de Lima, José Alves de Carvalho e
Francisco Dias Velez - foram encaminhados pela Câmara de São Luís ao Reino para estudar
Matemática, Medicina e Cirurgia. Privilégio para homens, até porque, como vimos, nesse período a
mulher era excluída da educação, especialmente do Superior.
Com a migração da Família Real para o Brasil em 1808, o Príncipe Regente prometeu
criar uma Faculdade no Maranhão, como ocorrera na Bahia, entretanto a promessa,
lamentavelmente, não se concretizou.
Em relação à educação dos filhos da elite, também nela era sentida a influência
europeia, pois era costume mandar os jovens estudarem em Portugal, França e Inglaterra. Esta
prática motivou a não criação de escolas de ensino superior no Maranhão Império para não ameaçar
a situação privilegiada de que desfrutava essa elite, pois como destaca o historiador Mario Meireles: “Só teriam oportunidades de se fazer doutores os filhos das famílias abastadas que tivessem
condições de mandar educá-los fora da província e só a eles, consequentemente, estariam
destinados os altos cargos da administração pública” (opus cit., p.11)
Com a proclamação da República, começam a aparecer unidades isoladas de ensino
superior no Estado, sendo a primeira a Faculdade de Direto do Maranhão. Após várias tentativas
buscando apoio dos políticos maranhenses, sem sucesso, Domingos de Castro Perdigão encontrou
um aliado no então Cônsul de Portugal no Maranhão, o escritor Fran Pacheco, para criar a
Faculdade em 28/4/1918, funcionando no Beco da Sé, hoje Travessa São Francisco, depois em
prédio próprio na Rua do Sol, em frente ao Teatro Artur Azevedo.
A Faculdade de Direito foi fundada por um grupo de intelectuais de destacado
empenho, pois essa luta já vinha desde 1908, no sentindo de criar um curso jurídico no Maranhão.
O mesmo já existia nos Estados do Amazonas, Pará, Ceará, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro,
São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Reunida na Biblioteca Pública no dia 28 de
abril de 1918, uma numerosa e seleta assembleia aprovou a criação da Faculdade de Direito,
idealizada pelo então Diretor da Biblioteca Pública, Domingos Perdigão, mas não logrou êxito
imediato. Contudo, ele não desistiu de sua ideia e, em 1916, foi de novo despertado para a criação
dessa Faculdade, quando recebeu na Biblioteca Pública exemplares dos regulamentos das
Faculdades do Pará, Ceará e Universidade de Manaus. De imediato, procurou o governador do
Estado, Dr. Herculano Parga, expondo sua ideia de criação da Faculdade, considerada pouco
louvável pelo governador, opinando que seria melhor cuidar-se de uma Escola Agrícola.
Finalmente, no dia 28 de abril de 1918, uma assembleia convocada por iniciativa dos
senhores Domingos de Castro Perdigão, dos bacharéis Alfredo de Assis Castro, Antônio Lopes da
Cunha, médico Jose de Almeida Nunes e do Cônsul de Portugal, Sr. Manoel Fran Pacheco, fundou
a Faculdade de Direito do Maranhão.
Na primeira turma de bacharéis colaram grau 7 acadêmicos, todos do sexo masculino.
Somente na segunda turma de Direito, em 1924, formou-se a primeira mulher, Zélia Campos, sócia
fundadora da Faculdade, juntamente com outras mulheres, como az professoras Rosa Castro, Maria
da Gloria Parga, Joaquina Alves de Jesus e Dulce Correa Rosa.
Em 3 de maio de 1922 foi criada a Escola de Farmácia do Maranhão, por iniciativas dos
médicos Luis Viana e Cesário Veras, com apoio dos farmacêuticos Bernardo Pedrosa Caldas e João
Marcelino da Silva Teixeira, tendo como primeiro diretor o Dr. Achiles Lisboa, médico e
farmacêutico. Em 1925, a Escola de Farmácia criou o Curso de Odontologia, passando a se chamar
Escola de Farmácia e Odontologia do Maranhão. E ainda naquele ano é criada a Escola Superior do
Comércio Centro Caixeiral, associação de classe existente desde 1800. De 1929 até 1933 os
intelectuais tentaram criar Faculdades de Medicina e Agronomia no Maranhão, no entanto todas as
tentativas não foram bem sucedidas.
Quanto à Faculdade de Agronomia, esta ainda chegou a ser criada pelo agrônomo Jose
Nogueira de Carvalho e pelo engenheiro Tibiriçá de Oliveira, funcionando até 1939, sendo desativa
devido à fiscalização do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio a que foi submetida, pois
desta avaliação, realizada pelo engenheiro agrônomo Eliezer Rodrigues Moreira, é bom destacar,
um maranhense, foi emitido um relatório desfavorável ao seu funcionamento. Essa fiscalização se
estendeu às outras faculdades já existentes no Maranhão, e em 1941 o Departamento Nacional de
Ensino, por constatar irregularidades, fechou também as outras faculdades, ou seja, a de Direito e a
de Farmácia e Odontologia, sendo seus arquivos recolhidos ao Ministério, que dava garantia apenas
aos alunos que se transferissem para escolas similares em outros Estados.
Segundo Meireles (1981), decorridos três anos, já que as primitivas escolas superiores
haviam sido forçadas a encerrar suas atividades, o interventor federal no Maranhão, bacharel Paulo
Martins de Sousa Ramos, decidiu instituir um órgão de administração indireta no Estado, a Fundação “Paulo Ramos”, com a finalidade de prover o ensino em causa. Criaram-se, então, a
Faculdade de Direito de São Luís e a Faculdade de Farmácia e Odontologia de São Luís, assim
designadas ambas, como sendo da cidade, e não mais ditas do Maranhão, para se distinguirem das
anteriores, pois se pretendia com isso demonstrar não lhes serem sucessoras. Estas haviam sido
extintas e, conforme a lei, seus arquivos seriam recolhidos ao Ministério, no Rio de Janeiro.
Em 1948 surge a Escola de Enfermagem São Francisco de Assis. Em virtude da grande
influência política que tinha o senador Vitorino Freire junto ao presidente da República da época,
general Eurico Gaspar Dutra, por meio da Lei nº 1.254, de 4/12/1950, as Faculdades foram
federalizadas, deixando de ser escolas superiores de natureza particular, transformando-se em
órgãos da Administração Pública.
Em 15/8/1952, a Fundação “Paulo Ramos” e a Academia Maranhense de Letras, em
parceria com Arquidiocese do Maranhão, criam a Faculdade de Filosofia pelo Decreto nº 32.606,
autorizando-a a funcionar com os cursos de Filosofia, Letras Neolatinas, Geografia, Historia e
Pedagogia. Pelo Decreto Episcopal nº 5, assinado pelo então arcebispo D. José de Medeiros
Delgado, a Arquidiocese cria a Escola Maranhense de Serviço Social, delegando-a as Irmãs
Missionárias de Jesus Crucificado, que a manteria por conta da Sociedade Feminina de Instrução e
Caridade, com sede em Campinas, São Paulo. A Escola se instalou em 7/4/1953, sendo sua primeira
diretora a irmã Altiva Pantoja da Paixão.
Apesar destas iniciativas isoladas, o governo do Estado fechou os olhos durante muito
tempo para a necessidade de uma universidade no Maranhão, entretanto, a Igreja Católica,
consciente do seu papel, manifestou comprometimento com nossas necessidades educacionais, mas
sempre o ingresso da mulher foi tímido. Hoje, ao contrário (e felizmente) ela não só é maioria como
conquista espaços anteriormente destinados aos homens, como é o caso de sua presença no CCET.
A presença da mulher no cotidiano – CCET
Conhecendo o espaço e os agentes
Antes de iniciarmos nossas discussões, sobre a presença da mulher no CCET, vale
destacar que, primeiramente, dirigimo-nos à Direção do Centro, que demonstrou satisfação com o
objeto da pesquisa, colocando-se à disposição para contribuir com o desenvolvimento da mesma.
Visitamos também os Departamentos de Desenho e Tecnologia – DEDET, Engenharia de
Eletricidade – DEEE, Física - DEFIS, Química – DEQUI, Tecnologia Química – DETQUI,
Informática – DEINF, Matemática - DEMAT, onde foi possível conversamos com professores e
professoras. Observamos as coordenações dos cursos de Matemática, Física, Engenharia Elétrica,
Design, Engenharia Química, Química, Computação, Química Industrial e seus laboratórios.
Ao adentramos estes espaços, procuramos iniciar nosso estudo, estabelecendo um
diálogo construtivo entre os envolvidos acerca da presença da mulher nos cursos, avaliando como
acontece a relação de gênero naquele espaço acadêmico. Dentre os posicionamentos, destacamos:
- É uma questão histórica os cursos da área tecnológica serem frequentados por
homens;
- As mulheres até já marcam presença nos cursos, mas no começo só tinha homens;
- As mulheres não vêm para os cursos da área tecnológica porque não sabem
Matemática;
- Sempre foi assim; tem poucas mulheres nos cursos, não vejo nada fora do normal, é
uma questão de escolha;
- A questão de poucas mulheres nos cursos é cultural;
- As mulheres são poucas mas apresentam rendimento melhor que os homens;
- Na pós-graduação as mulheres estão presentes e são mais envolvidas nas pesquisas.
Essas afirmações permitem-nos afirmar que, a despeito de inúmeras conquistas no
âmbito educacional, ainda há preconceito cultural em relação à presença da mulher aluna na
academia. Para Leon (1994) e Yannoulas (1994), essa comparação das representações e práticas
das mulheres e homens em diferentes momentos permite descobrir diversas formas de
discriminação:
Direta ou Manifesta: quando se apresentam códigos e regras assegurando os espaços ou
o poder. Nesse caso, a exclusão é justificada em função de sexo, idade, raça, cor, nacionalidade e
tem como consequência a manutenção dos elementos do grupo em situação desvantajosa. Podemos
dizer que hoje essa descriminação não é mais permitida legalmente, tendo em vista a igualdade
determinada pelas normas internacionais, como a Convenção da Organização das Nações Unidas de
1979 sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação da Mulher e pelas legislações
nacionais, como a constituição de 1988, que diz em seu artigo 206 que o ensino deve ser ministrado
com base nos princípios de igualdade e liberdade.
Encoberta ou Indireta: consiste em ideias e práticas admitidas informalmente,
influenciando um comportamento usual e válido para cada grupo social. Assim, quando as falas no
cotidiano do Centro Tecnológico dizem “curso muito prático” - fala masculina - , induzem ao
entendimento de que a mulher não é prática; ou, na fala feminina: exigem matemática e só os
homens têm aptidão. Destacamos a ideia da própria mulher admitindo que somente o homem tem
condições de fazer os cursos da Área Tecnológica, porque as mulheres não sabem Matemática.
Essas atitudes e práticas, que aparentemente são neutras, vão inserindo desigualdades entre as
pessoas com condições idênticas, em razão de sua raça, sexo, religião, identidade sexual.
Autodiscriminação: caracteriza-se por uma vigilância internalizada, induzindo a
comportamentos e atitudes delimitados por manifestação encoberta ou indireta, tornando-se um
mecanismo interno de repressão, modelando desejos, expectativas, anseios e motivações das
pessoas ou grupos sociais, de forma que as opções educacionais ou profissionais tornam-se
impensáveis, condicionadas ou orientadas para o ambiente. Podemos dizer que os mecanismos de
repressão interna que dão origem à autodiscriminação parecem tão naturais que na maioria das
vezes são compreendidos como autodeterminação, e não escolhas sutilmente baseadas em normas
sociais.
Avaliaremos se e como é manifestada a discriminação em relação à presença feminina
no CCET, anteriormente reduto masculino.
A presença feminina no CCET
Iniciamos as entrevistas, perguntando às alunas acerca da motivação em relação à
escolha do curso. As alunas verbalizaram que o estavam fazendo porque se identificam com a área
tecnológica e por sentirem ter aptidão para ela. Fizeram questão de dizer que a família sempre as
apoiara em suas decisões.
Essa afirmação demonstra-nos que a presença feminina nas Universidades está
contribuindo para a percepção das mulheres como sujeitos e objetos de pesquisa e,
simultaneamente, para a transformação da ciência androcêntrica, desmitificando preconceitos,
como o de que as mulheres não gostam ou não querem cursos da área tecnológica. As respostas
apresentadas rompem, em parte, com esses preconceitos.
Outra questão abordada na entrevista diz respeito ao assédio, preconceitos ou
discriminação sofridos nos espaços acadêmicos pela mulher. A esse respeito, elas disseram que
nunca haviam passado por situações como tais, ou seja, nunca haviam sofrido assédio sexual, mas
quanto ao preconceito por fazer um curso da área tecnológica com predominância da presença
masculina, responderam afirmativamente e acrescentaram que maioria das mulheres passam por
isso.
Sublinhamos que embora tenham afirmado não terem passado por situações de
discriminação e assédio, percebe-se uma descriminação velada, com práticas de ideias e atitudes já
abolidas legalmente, mas realizadas de formas sutis contra as mulheres em afirmações como: “passei por situações que a maioria das mulheres passa em qualquer área e profissão” há
umanaturalização dessas questões.
Quanto às professoras, observamos que em alguns questionamentos houve
concordância com as vozes do alunado, ao dizerem, por exemplo, que é uma questão cultural a
presença de poucas mulheres nos cursos da área tecnológica.
Finalmente, avaliamos que, quando se trata do relacionamento entre os gêneros no
âmbito do Centro, os docentes, de modo geral, admitem que não existem atitudes de preconceito,
discriminação, mas em relação ao público masculino, alguns, contrariamente, pontuaram que há,
sim, preconceitos e discriminação, tanto por parte de alunos como de professores.
Considerações finais
Nosso objetivo neste estudo foi o de avaliar a presença da mulher em cursos superiores,
em especial no CCET, da Universidade Federal do Maranhão. Sabemos que, atualmente, as
estatísticas comprovam que a presença da mulher é maioria neste nível de educação. Dados
elaborados pelo INEP, no período de 2001 a 2010, revelam que a presença da mulher no ensino
superior passa de 59%, enquanto que a presença masculina é de apenas 41%.
Na Universidade Federal do Maranhão, campo empírico do nosso estudo, no mesmo
período, a matrícula feminina foi, também, maioria, representando 56%, contra 44% das
masculinas. Entretanto, a presença da mulher concentra-se em cursos das áreas de Saúde, Humanas
e Sociais, tradicionalmente intitulados femininos, como Enfermagem, Pedagogia e Serviço Social,
enquanto que na área tecnológica a presença da mulher ainda é tímida, especialmente nos cursos de
Ciência da Computação e Engenharia Elétrica. As que, rompendo barreiras, frequentam esses
cursos contribuem para a percepção da mulher como sujeito e objeto de pesquisa e,
simultaneamente, para a transformação da ciência androcêntrica, desmitificando os preconceitos de
que as mulheres não gostam ou não querem cursos da área tecnológica. Corroborando esta
perspectiva, diz Tourane (2010) assevera: “aquilo que pensam e fazem as mulheres é diferente, e até
mesmo o oposto, daquilo que se diz que elas dizem e fazem”.
Ao final de nosso estudo, pudemos perceber que, apesar de todo marco legal dos
direitos iguais, ainda persistem preconceitos e discriminação quanto à presença da mulher em áreas
ou cursos considerados redutos masculinos, mesmo que velados, do tipo encoberto ou indireto, prescritos por Leon (1994) e Yannoulas (1994).
Muitos afirmam que as mulheres não estão nos cursos dessa área porque “não gostam de
Matemática, que o curso é puxado, que se sentem incapazes para fazer os cursos da área
tecnológica”, mas esses são estereótipos que ratificam o enfrentamento da mulher a diversas formas
de preconceito e discriminação.
Evidenciamos também que as mulheres que rompem com essas questões estão em
cursos da área tecnológica por aptidão, satisfação pessoal e escolha própria, diferentemente de
épocas passadas em que as mulheres deixavam de frequentar cursos desta área, não por falta de
vocação e sim porque estes cursos eram tidos como masculinos, inibindo a sua presença.
Essas constatações apontam que podemos vislumbrar um anseio de mudança social,
mas quer nos parecer que esta só poderá ser efetivada quando as discussões extrapolarem os
espaços acadêmicos e caminharem para a sociedade em geral, numa formação equânime do
cidadão.
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A PERMANÊNCIA DA LINGUAGEM EXCLUDENTE DE GÊNERO NA ESCOLA: O ENSINO DE GÊNERO DO SUBSTANTIVO NA GRAMÁTICA NORMATIVA
Maia, Marília1; Rodrigues, Rosiane
2
1 Graduada em Pedagogia e graduanda de Letras pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
2 Professora de História SEMED/Ribamar e graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão
– UEMA. Email: [email protected]; [email protected]
O império do masculino: a violência de gênero na escola através da linguagem
Comumente no ambiente escolar, ouvimos expressões do tipo: “Os alunos, os professores, os pais, o diretor ou o gestor”. Isto acontece tão repetidamente e de forma tão natural que acabamos nos
acostumando com esta linguagem excludente do gênero feminino.
A naturalização desta linguagem, não causa incômodo nem entre nós mulheres, que
cotidianamente somos violentadas por meio de um discurso que nos exclui, em nome de regras
normativas e convencionais da nossa língua materna. Esta linguagem não acontece somente no
ambiente escolar, mas em diversos espaços sociais, tem na escola através do estudo da língua seu
fortalecimento e justificativa para existir.
Sua fundamentação se dá na norma culta da Língua Portuguesa que estabelece uma
linguagem genérica masculina, ou seja, ao nos referirmos a homens e a mulheres podemos não
mencionar o gênero feminino, pois se subtende que ao organizar um discurso utilizando o
masculino, contemple o feminino. Entretanto essa contemplação é ilusória, pois “é preciso assinalar
que o que não se nomeia não existe e utilizar o masculino como genérico tornou invisível à
presença das mulheres na história, na vida cotidiana, no mundo” (FRANCO; CERVERA, 2006,
p.13).
Assim como gênero é uma construção histórica, social e cultural, a linguagem também
é. Ela é ensinada e aprendida em todas as culturas, nos diversos grupos sociais e em diferentes
sociedades. Como produto social, a linguagem reflete as desigualdades e ideologias existentes. Se
homens e mulheres foram educados e educadas para ocuparem posições diferenciadas nesta
perspectiva a mulher ficou com um papel secundário, tornando sua participação invisível, é
justamente a linguagem o agente causador dessa invisibilidade.
Uma análise mais apurada sobre esse assunto à luz das relações de gênero, se pode
perceber que não é apenas uma questão de linguagem, mas aspectos sociais, culturais e históricos
relacionados à supremacia do homem com relação à mulher. Sofremos nas escolas por meio da
linguagem oral e escrita uma violência classificada como simbólica. Violência esta que nem nós
mulheres identificamos e podemos afirmar que a maioria das professoras reproduzem nas suas
práticas educativas. Sobre a violência simbólica que as mulheres sofrem Bourdieu (2012)
menciona:
E as próprias mulheres aplicam a toda realidade e, particularmente, às relações de poder em que se veem envolvidas esquemas de pensamento que são produto da incorporação dessas relações de poder e que se expressam nas oposições fundamentais da ordem simbólica (BOURDIEU, 2012, p.45).
Historicamente as mulheres sempre vivenciaram situações discriminatórias baseadas no
sexo. Em nome dos fatores biológicos o – “determinismo biológico”, os homens tomaram para si os
espaços de poder e de liderança e consequentemente a tomada de decisões. Para Bourdieu (2012),
isto resultou num processo histórico de exclusão e teve sua consolidação por meio de estruturas de
dominação (violência física e simbólica) num trabalho intenso de reprodução nos diferentes espaços
sociais como escola, família, estado e igreja.
A escola como responsável pela formação educacional e cidadã, deveria desempenhar a
função de promotora da equidade de gênero, entretanto ela não a faz, pelo contrário, reforça por
meio de instrumentos que a compõe. Louro evidencia que:
Currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processo de avaliação são seguramente, loci das diferenças de gênero, sexualidade, etnia, classe – são constituídos por essas distinções e, ao mesmo tempo, seus produtores. Todas essas dimensões precisam ser colocadas em questão (LOURO, 2010, p.64).
A violência de gênero por meio da linguagem oral e escrita no cotidiano escolar reforça
e fortalece uma sociedade excludente e desigual. Professoras, alunas, mães, gestoras e todas as
mulheres que direta ou indiretamente fazem educação e que nela não são mencionadas em seus
discursos.
O que chama atenção é que mesmo em espaços de educação tidos como acadêmicos a
discriminação e a violência simbólica estão presentes. Esta realidade não é exclusiva da Educação
Básica, mas nas universidades onde se produz conhecimento também se reproduz exclusão. Como
mudar este quadro de violência? Como tornar perceptível a todas as profissionais de educação que
somos violentadas diariamente pela linguagem? Quando refletimos sobre tais questionamentos
temos a noção da grandeza do desafio a ser superado.
Sabe-se que a gramática portuguesa oriunda tradicionalmente da Antiguidade greco-
latina alimenta ainda resquícios de conceitos e “indesculpáveis consequências terminológicas
absolutamente distanciadas das diversas realidades linguísticas descritas ou normatizadas” (SILVA, 2004, p. 1). Partindo-se desse ponto se recai em determinados conceitos antes de se adentrar na
questão da dominação biológica masculina existente na Gramática Normativa. São eles o
conhecimento dos três tipos de gramática: a gramática normativa, a gramática descritiva e a
gramática internalizada
A gramática normativa tem por objetivo pedagógico indicar exemplarmente as formas
corretas da língua. Todavia, o que poucos sabem é que esta gramática pode apresentar problemas
por se basear em descrições inadequadas e incoerentes. Por exemplo, partindo-se da conceituação
de “Sujeito” como aquele que pratica, sofre e recebe a ação. Se este sofre, recebe e pratica a ação
como pode existir o Sujeito Inexistente?! Melhor, “em que melhora a vida de uma pessoa saber
dizer qual é o objeto direto, o sujeito de uma frase, dizer se uma palavra é verbo ou substantivo ou
pronome? Parece-nos que em nada. Isto serve, quando muito, para um sucesso na avaliação escolar
ou para aqueles que têm profissões ligadas à análise da língua (TRAVAGLIA, 2007, p. 17).
Sem falar em toda a complexidade conceitual que perpassa as categorias de substantivo
concreto e substantivo abstrato que são trabalhadas como aquilo que se pode ver ou tocar. O
professor e a professora de Língua Portuguesa precisa se atentar para o ensino dessas categorias
gramaticais, pois os conceitos utilizados pela gramática normativa são falhos e incompletos.
A gramática descritiva ou sincrônica permite que se compreenda o funcionamento da
língua. Esta se propõe a descrever as regras da língua falada, as quais independem dos mecanismos
de certo ou errado prescrevidos na gramática normativa. É esta gramática que orienta o trabalho dos
e das linguistas cuja principal preocupação é descrever ou explicar as línguas como elas realmente
funcionam na fala e no uso cotidiano do falante.
A gramática internalizada nada mais é do que a língua em situações de uso pelo falante.
São os conhecimentos estruturais internos que um falante de uma língua possui com regras
implícitas, sem que este tenha consciência delas, muitas vezes. Resumindo em poucas palavras, um
determinado aluno de Língua Portuguesa carrega consigo o conhecimento internalizado de sua
língua. Por exemplo, qualquer aluno falante de língua portuguesa sabe que não pode falar ou
escrever De eu Maria gosto, mas sim, Eu gosto de Maria. A gramática internalizada é comumente
descartada pelas professoras e pelos professores de Língua Portuguesa em detrimento da gramática
normativa devido a não aceitação destes de que a língua não é algo fixo ou rígido e que
constantemente se inova e se modifica.
Todavia, é através da língua que o sujeito se constrói socialmente e demarca o seu lugar
na sociedade. A língua também se apresenta nas relações de poder e dominação. Neste sentido,
Gnerre (1998, p. 21) diz:
Nas sociedades complexas como as nossas, é necessário um aparato de conhecimentos sócio-políticos relativamente amplos para poder ter um acesso qualquer a compreensão e principalmente à produção das mensagens de nível sócio-político. Adquirir os conhecimentos relevantes e produzir mensagens está ligado, em primeiro lugar, à competência nos códigos linguísticos de nível alto.
Diante do exposto um dos quesitos problemáticos do ensino de Língua Portuguesa é o
tratamento dado ao ensino de certas categorias gramaticais, uma delas é o substantivo. Abordar-se-á
aqui apenas o ensino da classe gramatical de gênero nos substantivos.
Sobre o tratamento do gênero masculino e feminino na gramática normativa
O conceito de gênero tem sido quase sempre confundido com o conceito de sexo, isso
no que se refere ao ensino dos substantivos. No ensino desta categoria gramatical “usa-se uma
classificação arbitrária e convencional” (Botelho apud BIONDO, Sd, p. 3). Como por exemplo, de
que os substantivos terminados em -o são masculinos e os terminados em -a são femininos. O que é
problemático a partir do momento em que nos deparamos com a seguinte situação, por exemplo, a
palavra pianista, se partirmos da seguinte conceituação esta palavra é feminina, visto que termina
em –a. No entanto, esta palavra é usada tanto no masculino como no feminino. O que vai delimitar
se ela está no gênero masculino ou no feminino é o acompanhamento do artigo. Para melhor
compreensão acompanhe o raciocino a seguir.
(o)1pianista - masculino
(a) pianista - feminino
Observa-se na gramática normativa, de forma geral, uma clara visão histórica, política e
social de se generalizar ou nomear a partir do “masculino”. Sintomaticamente, isso não é apenas
visível na língua portuguesa, mas também visível na literatura. Isso é justificável na medida em que “o homem sempre se considerou o sujeito do discurso, reservando à mulher a categoria de objeto” (SANT´ANNA, 1993, p.12). Na literatura, mais precisamente, na poesia se reside um preconceito
histórico.
O corpo da mulher também é o campo de exercício do poder masculino. O homem, então, fala sobre a mulher, pensando falar por ela. Descreve seus sentimentos, pensando descrever os dela. Imprimi, enfim, o seu discurso masculino (muitas vezes machistas) sobre o silêncio feminino (SANT´ANNA, 1993, p.12).
Mesmo assumindo a voz da mulher no período literário romântico, o homem não foi – e
nem é –, capaz de entender e de descrever fielmente os sentimentos femininos. É apenas na
literatura moderna que as mulheres conquistam a autonomia de falar por si. Somente as mulheres
possuem uma química compassiva que lhes permite escutar e às vezes agir de forma imparcial. Não
é à toa que as grandes personagens femininas da literatura moderna foram descritas por mulheres
porque nenhum homem é capaz de escrever a partir da perspectiva de uma mulher.
1 O substantivo é invariável o que se torna variável é o artigo.
Voltando ao ponto da generalização de certas categorias gramaticais a partir do
masculino, é comum nomear um determinado grupo de pessoas, mesmo que nesse grupo de pessoas
tenha mais mulheres do que homens a partir do “masculino”, isto é, o elemento gramatical
masculino (substantivos, artigos, adjetivos, pronomes etc.), neste caso, será um elemento “neutro”. Isso só prova o quanto se continua usando o masculino como linguagem universal. Esta
predominância de se generalizar a partir do masculino é visível nos documentos oficiais, nas
repartições públicas e em outros espaços sociais. Ainda não há uma inclusão do feminino ou o
emprego de uma linguagem que também contemple a mulher.
Mesmo que este texto recaia naquilo que algumas pessoas consideram como
argumentos feministas vamos adentrar a fundo na análise dos fatos!
Como tem sido o ensino de gênero do substantivo nos livros didáticos?
Tomando por análise a gramática de Mauro Ferreira (2003), observa-se que, no ensino
de gênero do substantivo, em sua gramática normativa, ainda prevalece à velha dicotomia entre
masculino e feminino, ou seja, prevalece o velho hábito de se ensinar gênero por meio de uma
relação do sexo dos seres. O autor faz uso de uma aprendizagem memoristica, aliás, esse é o mal de
todo gramático, utilizar a repetição e a fixação de informações num aprendizado falho e incompleto
desconsiderado a própria gramática internalizada do aluno. Catelão demonstra que os conceitos
internalizados dos alunos muitas vezes têm se sobreposto aos aprendidos na escola.
Os melhores desempenhos em tarefas de análise sintática foram encontrados justamente entre os alunos que utilizaram melhor seus conhecimentos implícitos de gramática, ou seja, que utilizaram sua competência lingüística internalizada. Segundo o autor, localizar o sujeito de uma frase implica em um bom conhecimento de gramática que deve ser alcançado através de uma integração entre os conhecimentos prévios, que os alunos trazem consigo quando entram na escola, e os conhecimentos formais, que são os ministrados pela instituição de ensino (Catalão apud BIONDO, Sd, p. 1).
A categoria de gênero na gramática normativa “caracteriza-se por ser uma
categoria nominal que divide os nomes em classes” (BIONDO, Sd, p. 2). O substantivo é
comumente conhecido como categoria de nome e como tal são agrupados de acordo com a
dicotomia de gênero, isto é, divididos em masculino e feminino. Certas situações podem
transformar essa separação em algo incoerente, principalmente na forma como são trabalhadas tanto
pelo professor como pelo livro didático. O que se vê é que houve um processo de transferência da
imagem do homem e da mulher para a categoria dos objetos. Daí a forte ligação entre a utilização
dos sexos no ensino do gênero do substantivo.
Outro problema encontrado nas gramáticas normativas é a “confusão estabelecida
entre flexão de gênero e processos lexicais ou sintáticos utilizados para marcar o sexo”
(BIONDO, Sd, p. 3). Tal problema é comum quando se opõe substantivos como cão/cadela;
homem/mulher; imperador/imperatriz. Casos assim são chamados de heteronímia. “Não entram
na flexão de gênero da língua portuguesa, pois, são apenas formas de marcar o sexo dos seres”
(BIONDO, Sd, p. 3). Sendo assim, “deixemos de considerar a categoria de gênero como
umbilicalmente ligada à de sexo” (Câmara Jr, 2000, p.62).
Todavia, partindo-se do pressuposto de que o professor e a professora ensina o que
está proposto no livro didático se crê que tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio
pouco se avançou no ensino de certas categorias gramaticais, especificamente no ensino do
substantivo, pois ainda se adota um ensino desenvolvido de forma mecânica e com a prevalência
do gênero biológico quando o assunto se refere ao gênero do substantivo. Faz-se necessário o
estabelecimento de práticas de ensino linguísticas significativas e a reflexão sobre conceitos de
gênero biológicos e gênero gramatical.
Outro ponto questionável é a problemática dos livros didáticos não levarem “em conta
as descobertas dos estudos linguísticos mais modernos, que não tem uma postura
predominantemente normativa na perspectiva tradicional desta normatividade” (TRAVAGLIA, 2007, p. 160).
Considerações finais
A complexidade em romper com o paradigma da linguagem excludente se dá pela falta
de multiplicadoras e multiplicadores que possam levar ao chão da escola este debate. Trata-se
aqui de um processo de ruptura que só será possível quando cada uma de nós disseminarmos e
mudarmos nossa linguagem excludente para uma linguagem inclusiva. Uma linguagem inclusiva
pressupõe um exercício constante de permanente atenção. A linguagem necessita ser inclusiva na
medida em que garanta a identidade social, histórica e cultural da mulher enquanto indivíduo,
que esta não adquira identidade a partir uma voz masculina ou muito menos através do
casamento, ou do estereótipo feminino de ser destinada a procriação da própria espécie – mãe
dócil e sem profissão.
A história da exclusão do gênero feminino é, sem dúvida, perpetuada por uma
linguagem excludente e por atitudes reprodutivas: a da mulher se reconhecer e ser reconhecida
na sua própria língua materna. Nós mulheres deparamo-nos com situações diversas de uma
linguagem excludente e não temos de imediato um posicionamento, pois somos interditadas
sutilmente a não dizer e a lutar contra as estruturas de dominação masculinas.
Diante disso, se fazem necessários a assimilação e a adoção de estudos no espaço
escolar sobre gênero e sexualidade superando conceitos já ultrapassados. Na verdade, o
professor e a professora deve transformar a sala de aula em um ambiente propicio para discussão
de temas que envolvam aspectos humanos, culturais e sociais. Desse modo, os alunos e as alunas
estarão aptos a trilhar um caminho mais integro e seguro.
Lembrar que aquilo, que na história, aparece como eterno não é mais que o produto de um trabalho de eternização que compete a instituições interligadas tais como a família, a igreja, a escola, e também em outra ordem, o esporte o jornalismo é reinserir na história e, portanto, devolver à ação histórica, a relação entre os sexos que a visão naturalista e essencialista dela arrancam (e não como me fizeram me fazer dizer, tentar parar a história e retirar às mulheres seu papel de agentes históricos (BOUDIEU, 2012, p.7)
É preciso então “perguntar-se quais são os mecanismos históricos que são responsáveis
pela des-historização e pela eternização das estruturas de divisão sexual e dos princípios de
divisão correspondentes” (BOURDIEU, 2012, p.7).
A ordem de uma linguagem masculina e excludente, tal como está, com seus sentidos
únicos e proibidos, em sentido próprio ou figurado, com suas normas e sanções, não se perpetue
de uma forma tão fácil, e que as suas condições de existência não seja vista como aceitável ou
natural.
Vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbólica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vitimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância do sentimento (BOURDIEU, 2012, p.8).
Questionar e colocar tal problema em discussão no espaço escolar, em pesquisas e
cursos de formação, seja ele inicial ou continuado, é marcar um progresso significativo não só
apenas de conhecimento, mas um progresso na ordem da ação. Romper obstáculos e aceitar
“caminhos novos” é um desafio que requer disposição. Por isso, às vezes é mais
cômodoreproduzir certas práticas do que questionar e se abrir para novas perspectivas.
Referências
BIONDO, Fabiana Poços. A categoria de gênero nos livros didáticos. Disponível em: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CDUQFjAB&url=http%3A%2F%2Falb.com.br%2Farquivo-morto%2Fedicoes_anteriores%2Fanais14%2FSem13%2FC13021.doc&ei=TnxHUrzcCoHK9gTNxYGICg&usg=AFQjCNGYRNfTJiD0bv-QEKlKum4hfjE3Iw&bvm=bv.53217764,d.eWU> Acesso: 29.set.2013; BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro:Bertrand Brasil,2012 CÂMARA JUNIOR, J. M. Estrutura da língua portuguesa. 14. ed. Petrópolis: Vozes, 1984; FERREIRA, Mauro. Gramática: aprender e praticar. 1. ed. São Paulo:FTD,2003; FRANCO, Paki Venegas; CERVERA, Julia Pérez. Manual para uso não sexista da linguagem. Disponível em: <http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/publicacoes/outros-artigos-e-publicacoes/manual-para-o-uso-nao-sexista-da-linguagem> Acesso: 29.set.2013 LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós estruturalista. Ed. Petropólis, 11ª Ed. RJ: Vozes, 2010.
GNERRE, Maurício. Linguagem, escrita e poder. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998; SANT´ANNA, Affonso Romano. O canibalismo amoroso. 1. ed. São Paulo: Rocco, 1993; SILVA, José Pereira da. A polêmica questão da categoria gramatical de gênero. Disponível em: http://www.filologia.org.br/soletras/8/03.pdf. Acesso: 28. set. 2013;
A INFLUÊNCIA DA CULTURA ESCOLAR NO COMBATE À VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Felipe, Thayza 1; Sousa, Sandra
2
1Aluna do Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade – Mestrado Interdisciplinar, Universidade Federal
do Maranhão. 2 Doutora em Ciências Sociais; Professora do Departamento de Sociologia e Antropologia, Universidade Federal
do Maranhão. Email: [email protected]; [email protected]
Em nossa sociedade se tornou compreensível considerar a mulher inferior pelo simples fato de ser mulher. Se refletirmos um pouco o porquê do problema podemos enxergar que vivemos em uma
sociedade onde leis, normas e valores, sendo eles morais, religiosos ou educacionais, fortalecem tal
entendimento. Esse cenário constitui a nossa sociedade brasileira, e é por conta dele que vem a
importância em discutir alguns padrões considerados já estabelecidos. Vale a pena mencionar que
tal problema não se trata apenas de atitudes corriqueiras, mas encontra-se arraigado em nossas
práticas, discursos e também se faz presente em diversas instituições. Além de ser um problema
social também é de fato um problema cultural.
Identidade de gênero
A identidade é construída na interação com o outro. Nessa relação, conhecimentos e
significados são agregados, aceitos ou rejeitados e serão transmitidos para a próxima geração
através da cultura. O sujeito na composição de sua identidade não tem um modelo completo, ela
nasce da soma de partes, ou seja, é através das interações sociais e das experiências vivenciadas
pelos jovens nos diversos espaços de convivência, dentre eles a escola, que constituem suas
identidades de gênero. Nesses ambientes, amigos e também a família servem como um espelho
onde é filtrado apenas o que lhes interessa.
O conceito de gênero diz respeito as normas, valores e modelos que foram produzidos e
reproduzidos socialmente ao longo do tempo e que acaba direcionando a ação dos homens e das
mulheres. Este papel pré-definido de comportamentos que a sociedade espera que os indivíduos
adotem por serem do sexo feminino ou masculino são os papéis de gênero. Eles criam um conjunto
de distinções particulares que funcionam moldando a identidade de gênero através de modelos que
existem antes mesmo do nascimento e vão sendo atualizados através de diversas instituições:
família, escola, amigos, e através das relações sociais.
Em relação a identidade de gênero, Moore (1994, p.20) deixa claro que:
Não podemos ser plenamente sabedoras nem dos determinantes inconscientes nem dos determinantes sociais da identidade de gênero, mas podemos estar certas de que ela não é
simplesmente uma identidade passiva adquirida pela socialização. Identidades de todo tipo são claramente forjadas pelo envolvimento prático em vidas vividas, e como tais têm dimensões individuais e coletivas.
Ninguém nasce já sendo mulher, mas se aprende a ser. Para Moore (1994), a identidade
de gênero é construída e vivida. Assim, gênero é compreendido, a partir de Joan Scott (1991), como
a construção social da feminilidade e da masculinidade sobre corpos designados como sexuados
diferenciadamente, construções essas que foram produzidas a partir de discursos especializados,
legitimados socialmente, no sentido de elencarem características e diferenças de homens e mulheres
consagrando a heteronormatividade como padrão regulador das relações entre homens e mulheres.
Aceitar o discurso da biologia como um fundamento explicativo para as diferenças
impede a compreensão das relações de poder existentes entre as mulheres e os homens e as
significações distintas e desiguais que se estabeleceram como apropriadas a cada um dos “sexos”. A
nomeação de um corpo feita na hora do nascimento, determinando ser homem ou mulher, é feita em
cada cultura de diferentes modos e baseada em seus valores. Contudo, trabalho recente na
antropologia mostrou que as culturas não têm um modelo único ou um sistema único de gênero,
mas uma multiplicidade de discursos sobre o gênero que podem variar tanto contextualmente como
biograficamente (MOORE,1994).
Louro (2008) afirmou que os corpos são “lidos” de diferentes formas, e o que se entende
do binarismo masculino/feminino se modifica durante o tempo e culturalmente. Segundo a autora,
até o início do século XIX o modelo sexual hierárquico era do eixo masculino. No final do século
XIX pensadores, moralistas e médicos possuem novas descobertas e produzem novos discursos que
classificam os corpos através de relações e marcas de poder.
Para ir contra a ideia dos binarismos acredito que seja necessário o questionamento das
oposições já definidas entre homem e mulher, masculino e feminino, mas também é importante
deixar claro que, seguindo o entendimento de Louro (2007),
Ainda que a maioria das sociedades tenha estabelecido, ao longo dos séculos, a divisão masculino/feminino como uma divisão fundamental e tenha compreendido tal divisão como relacionada ao corpo, não se segue daí, necessariamente, a conclusão de que as identidades de gênero e sexuais sejam tomadas da mesma forma em qualquer cultura (LOURO, 2007, p.207).
Essa diferenciação de gênero é construída através de um lento processo de violência
simbólica perpetrada por agentes socializadores, como a família, que desde cedo condiciona a
criança a “ser feminina” ou “ser masculino”, atitude essa que as feministas afirmam ser uma
internalização de categorias assimétricas que serão base para vida. Até mesmo os brinquedos
infantis já transmitem mensagens de gênero. Os masculinos são direcionados para as armas,
construção, competição e agressividade. Já os das meninas direcionados para aptidões domésticas,
maternas e para o zelo com a beleza.
Para Moore (1994, p. 17-18),
a diferença de gênero, como outras formas de diferença, não é um mero efeito da significação ou da linguagem. Se aceitarmos a visão de que o conceito do indivíduo ou pessoa só é inteligível em referência a um conjunto de categorias, discursos e práticas cultural e historicamente específicas temos que reconhecer os diferentes modos em que as categorias “mulher” e “homem”, e os discursos que empregam essas categorias, estão envolvidos na produção e reprodução das noções de pessoa e agência. Além disso, tais categorias e discursos participam da produção e reprodução de sujeitos marcados por gênero que os utilizam tanto como representações quanto como autorepresentações, como parte do processo de construir a si mesmos como pessoas e agentes. É por essa razão que as categorias simbólicas “mulher” e “homem”, e a diferença inscrita dentro delas e entre elas, tem alguma relação com as representações, auto-representações e práticas cotidianas das mulheres e homens individuais.
É certo que é de grande importância como a cultura regula e normatiza os diferentes
gêneros e como os sujeitos se constituíram como homens e mulheres, mas a sociedade trata e
valoriza de forma desigual esses sujeitos. Isso ocorre através de uma classificação hierárquica,
valores são legitimados e os sujeitos devem ocupar suas posições que conforme seja seu lugar serão
aceitos ou não. Tudo isso está relacionado às questões de poder, mas a reflexão pode servir para
mudar ou ao menos ajudar na construção de estratégias que alterem esse cenário.
Para conhecer a si e o outro é preciso confrontar certos valores, ideias e modos que são
construídos nas relações humanas, relações essas que são relações de poder e o fator gênero é
destacado, pois há uma hierarquia histórica que deu às mulheres a posição de inferiores. Para
entender essa construção da identidade de gênero e ver o poder que as significações constitutivas da
cultura exercem nesse processo temos que pensar o poder sendo exercido em nossa sociedade como
multifacetado e produtivo.
É possível compreender distintas formas do poder, mas adotando a perspectiva de
Foucault (1979), entende-se que o poder não é algo único, substancial, mas recursos, estratégias,
formações discursivas, práticas sociais que vão sendo constituídas através de relações mantidas
entre as pessoas da sociedade, com a intenção de distribuir, classificar e/ou hierarquizar posições de
sujeito, instituições. Ou seja, está presente nas relações sociais.
As diferenças de poder, cultural e de gênero estão presentes em nossas relações e
também no cotidiano escolar, e é justamente a diversidade de culturas, experiências ou opiniões que
geram conflitos. Estudiosos que analisam a violência entre jovens nas escolas consideram que os
autores imitam o comportamento que presenciam em seu ambiente fora da escola. Percebe-se que a
intolerâncias é o que leva ao uso da violência como meio de se fazer respeitar e garantir sua posição
hierárquica, quando este respeito está sendo conseguido através medo. Arendt (1994) deixa claro
que o poder nasce de um conjunto, é conquistado através do diálogo e de convencimento e quando
há violência existe a perda do poder, e não o contrário. O uso da força seria justificado apenas em
situações onde o poder é falho ou simplesmente quando não existe.
Violência de gênero no ambiente escolar
Para uma pequena análise conceitual do termo ‘violência’, Giddens (1997) propõe que a
identifiquemos pelo uso da força para causar danos físicos a outrem. A idéia de “força” surge na
conceitualização de Fisher (1992) onde a violência é caracterizada pelo uso material da força
cometida contra a integridade física, crenças religiosas ou a liberdade de alguém.
Há muito tempo a violência é discutida em várias áreas do conhecimento e atualmente
uma maior atenção está sendo dada a violência vivenciada no ambiente escolar. Entender a questão
pode contribuir para a formulação de políticas públicas de prevenção no Brasil, pois apenas reduzir
a explicação das causas da violência tendo como vínculo a pobreza ou desigualdade social nos
impede de obter um entendimento mais complexo da situação.
A literatura acerca da violência contra as mulheres teve origem no início dos anos 80 e
foi uma das principais áreas temáticas dos estudos feministas no Brasil. Tais estudos nasceram
decorrentes de mudanças sociais e políticas que aconteceram em nosso país e entendia que a
violência contra as mulheres deveria ser combatida através de intervenções não apenas jurídicas,
mas também sociais.
Uma das grandes obras que analisa a violência contra as mulheres na década de 80 é o
artigo de Marilena Chauí (1985) “Participando do Debate sobre Mulher e Violência”. Nele Chauí
entende a violência contra as mulheres como sendo resultado da ideologia de dominação masculina
reproduzida em nossa sociedade. A violência é definida nesse estudo como uma ação onde as
diferenças foram transformadas em desigualdades e nessa ação violenta o ser dominado é entendido
como “objeto” e não como “sujeito”.
No fim dos anos 80 há uma importante mudança teórica dentro dos estudos feministas
aqui no Brasil. Sofrendo influência dos debates norte-americanos e franceses sobre a construção
social do sexo e gênero, as feministas acadêmicas em nosso país substituem a categoria “mulher”
por “gênero”. Essa nova categoria abriu um novo caminho nos estudo de questões referentes às
mulheres.
De um lado, no discurso do patriarcado acredita-se que os papéis sociais são definidos
culturalmente por diferenças biológicas entre homem e mulher, do outro lado, a nova perspectiva de
gênero deixa claro que a diferença entre o social e o biológico é uma formulação política. Joan
Scott (1991), historiadora e feminista, afirma que gênero é uma relação que foi construída
socialmente entre homens e mulheres e serve como categoria de análise na investigação da
construção social do feminino e do masculino.
A violência de gênero é caracterizada pela incidência dos atos violentos em função do
gênero ao qual pertencem as vítimas, ou seja, há a violência pelo fato de alguém ser homem ou
mulher. Atualmente a expressão ‘violência de gênero’ tornou-se quase sinônimo de ‘violência
contra a mulher’ pelo fato das mulheres serem as maiores vítimas.
A violência específica de gênero envolve a violação dos direitos humanos. Ela é
considerada nacional e internacionalmente como grave violação do direito à vida, segurança,
liberdade, dignidade e integridade física e mental de suas vítimas. Na concepção de Almeida
(2004), a violência de gênero é aquela que acontece a um indivíduo em função do gênero ao qual
pertence, ou seja, acontece porque alguém é homem ou mulher, mas também pode ser exercida
entre indivíduos do mesmo sexo, encontrada, por exemplo, quando um garoto sofre insultos dos
amigos porque pratica ballet em vez de futebol, considerada atividade masculina.
Tal violência está associada à reprodução de papéis dicotômicos na construção do
gênero. Ela é construída socialmente por fatores históricos, econômicos, sociais e culturais que
naturalizam desigualdades. Sua disseminação vem da legitimação decorrente de processos sociais e
culturais que transformam essa violência em um meio natural de socialização.
Esse tipo de atitude, ato de violência baseado no gênero, pode resultar em sofrimento ou
lesão física, sexual ou psicológica para as mulheres. Segundo Fernandes (2005), ela esta ligada à
subalternização feminina com raízes nas culturas semita e grega que construíram conceitos de
mulheres que tornaram possível a sua relegação histórica para as margens da sociedade. No
entendimento de algumas perspectivas feministas, a violência de gênero está ligada as relações
assimétricas do sistema patriarcal e que tem expressões na própria escola.
Durante muito tempo explicações biológicas serviram para justificar a negatividade
atribuída sexo feminino. Os estudos feministas servem para esclarecer que a diferença existente
entre homens e mulheres é resultado dos processos culturais, históricos e sociais e não um fato
determinado pela anatomia do corpo.
As classificações de gênero foram construídas historicamente de forma assimétrica
entre homens e mulheres, e percebemos tal fato quando vemos características imputadas ao sexo
masculino como “força”, “dominância” e ao sexo feminino características de “submissão” ou
“passividade”. Segundo Giddens (1997), a mulher é a guardiã de uma grande parte do tecido moral
da vida social e especialista do amor, e o especialista do trabalho é o homem. Esses fatores
contribuem para uma aparente superioridade do homem ocasionando alguns casos de violência para
que seja mantida essa posição. Apesar desta segmentação de gênero estar mais diluída atualmente,
muitas desigualdades ainda persistem.
O importante papel da escola
O contexto do cotidiano é formado por instituições baseadas em relações de poder
assimétricas. Tais relações podem ser baseadas em critérios de gênero, etnia, socioeconômico,
idade, e outros. Um exemplo é a escola, estruturada por normas e regras que ditam como os atores
devem se comportar.
O cotidiano escolar faz parte da contemporaneidade e a sociedade atual vive em um
momento onde certos acontecimentos e sentimentos, como dor ou insegurança, não podem ser
avaliados sem que seja feita uma análise da realidade e como os indivíduos estão inseridos nela. É
partindo nesse entendimento que deve ser feito um estudo que busque entender a violência de
gênero no ambiente escolar.
O fenômeno da violência no cenário escolar é bem antigo. O tema é estudado nos
Estados Unidos desde a década de 50, mas com o passar do tempo foi ganhando outros traços e se
transformando em um problema social de grande importância. Atualmente para entendê-lo é preciso
levar em consideração alguns fatores como questões de gênero, raciais, formas de comunicação e
espaço social.
A escola como agente socializador também faz parte desse processo porque continua e
fortalece a transmissão das funções de gênero. É por esse motivo que devemos atentar que dentro da
própria escola existe a possibilidade de lidar com o problema da violência de gênero, afinal assim como
os serviços de saúde e a assistência social, elas são encaradas como agentes que trabalham na proteção
das crianças. Para tanto, é necessário pesquisar sobre o fenômeno, a participação da comunidade e um
permanente monitoramento nas escolas, afinal a prevenção é fundamental.
A instituição escolar avança a educação que foi iniciada no âmbito familiar, difundindo
em alguns momentos de forma explícita ou oculta uma certa invisibilidade cultural feminina. Para
Fernandes (2005), na própria língua a concordância gramatical reproduz a dominação masculina, e
fazer com que a linguagem se inscreva no masculino é afirmar a diferença de poder entre os
gêneros.
A escola, na concepção durkheimiana, prepara o jovem para interagir nas suas relações,
incorpora hábitos, regras de vida e prepara para desempenhar uma carreira laboral. Althusser (1981)
afirmava que a escola é o aparelho ideológico do Estado mais eficiente para reprodução social,
afinal a educação modela a criança. Nesse contexto, a escola, junto com a família e a comunidade
são os contextos de socialização e crescimento de maior importância para o desenvolvimento de
crianças e adolescentes em relação à aprendizagem social. São nesses locais que se aprendem o
comportamento em sociedade. Por esse motivo, a escola é considerada o ambiente apropriado para a
prática de programas de conhecimento, propagação e consolidação do princípio da igualdade,
prevenindo assim casos de violência relacionados à questões de gênero.
É necessária a união de alunos, professores e comunidade. Discutir a respeito da
violência de gênero é o ponto de partida para prevenir que condutas desse tipo ocorram ou voltem a
ocorrer. Tal prática no ambiente escolar é de extrema importância porque, além da maioria das
crianças e adolescentes da nossa sociedade frequentarem a escola, será mais eficaz se esse
aprendizado for vivenciado durante os anos de formação.
Partindo do entendimento que atitudes violentas são influenciadas pelo que crianças e
adolescentes viveram em suas relações sociais, e que a violência de gênero está relacionada à
hierarquia masculina enraizada em nossa cultura, é necessária a criação de programas que visem
não apenas reduzir o número de casos de violência, mas que se tenha início o mais precoce possível
nas escolas programas que promovam uma mudança cultural.
Para analisar a Cultura Escolar especificamente deve-se está atento às especificidades
da cultura em nossa sociedade, o que foi adquirido historicamente e o que cresceu e se manifesta
através de hábitos, valores, pensamentos e formas de organizar os espaços sociais. No ambiente
escolar é dessa forma. Ela tem um espaço organizado e que além de transmitir conhecimentos,
como toda instituição de ensino, ela é responsável por um jeito próprio de ser, com seus hábitos e
valores. Assim, as instituições escolares procuram um caminho próprio de transmitir seus valores
ao educando, e é justamente nesse ponto que surge a adequação do aluno à filosofia da escola. A
cultura escolar e a sua missão é que dirá como a escola vê o educando em sua projeção de vida
social e intelectual. Cada instituição possui seus próprios valores, políticas, objetivos e estratégias
de ensino em sua formação cultural.
Segundo Laraia (2002), o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e
valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são produtos de
uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura, mas os homens
possuem a capacidade de não apenas questionar seus próprios hábitos, mas também de modificá-
los.
A Constituição Federal de 1998 foi o ponta pé inicial para que políticas públicas ligadas
à inserção da perspectiva de gênero passassem a surgir na educação, mas tal fato foi possível devido
a processos políticos oriundos de lutas do movimento feminista, dos Parâmetros Curriculares
Nacionais de 1997 e dos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil de 1998.
Tais medidas são um avanço, mas para Vianna e Unbehaun (2006, p. 407):
[...] embora esses documentos constituam importantes instrumentos de referência para a construção de políticas públicas de educação no Brasil, a partir da ótica de gênero, contribuindo com a formação e com a atuação de professoras e professores, essas políticas não são devidamente efetivadas pelo Estado.
As medidas tomadas nas escolas no Brasil devem aprofundar questionamentos que
envolvam não só gênero, mas também classe, etnia, orientação sexual e geração. Deve ser um
trabalho constante onde o poder público ofereça suporte aos educadores para uma inclusão de
questões voltadas para o combate às desigualdades sociais. Para Vianna e Unbehaun (2006, p. 407):
A consolidação do gênero nas políticas públicas de educação é uma tarefa do Estado, e esta dependerá da disponibilidade de recursos e da inclusão das demandas de gênero na educação pelos governos que se sucederem. Não somente como demandas pontuais, em um ou outro aspecto do currículo. Essa tarefa exige, entre outras medidas, uma revisão curricular que inclua na formação docente não só a perspectiva de gênero, mas também a de classe, etnia, orientação sexual e geração. Mais do que isso, é preciso incluir o gênero, e todas as dimensões responsáveis pela construção das desigualdades, como elementos centrais de um projeto de superação de desigualdades sociais, como objetos fundamentais de mudanças estruturais e sociais.
É relevante a construção de novos mecanismos e metodologias que possam identificar,
entender e combater a violência no contexto escolar. Devem ser criadas oportunidades que
estimulem o envolvimento de diferentes grupos não só de gênero, mas sociais, étnicos e
geracionais. Assim, além de ajudar na prevenção da violência de gênero na escola irá contribuir
para a criação de uma cultura baseada no respeito pelos direitos humanos na escola e fora dela.
A ação proposta visa a promoção de pesquisas e debates sobre o tema em questão, mas
também, aponta para a importância da união dos poderes públicos, pois eles estão comprometidos
com o desenvolvimento social e com o combate à violência, iniciando nas escolas que são
instituições onde é iniciada a orientação de conduta e prática social, transmissão de valores e
culturas. Vale a pena ressaltar o quanto o campo da educação tem se interseccionado com outros
campos disciplinares, como a psicologia, a antropologia, os estudos culturais, a comunicação, a
literatura, a história, a sociologia, os estudos de cinema e tantos outros (LOURO, 2007).
Deve-se analisar o papel da escola no que diz respeito à violência de gênero, debater
sobre as diferenças de poder presentes na escola, um maior diálogo entre todos os sujeitos que
participem direta ou indiretamente no processo educativo e finalmente buscar entender como
culturas femininas e masculinas são produzidas e reproduzidas no ambiente escolar, tentando
encontrar onde e porque surgem relações violentas.
Considerações finais
A construção e desconstrução de conceitos e de representações não é nada fácil,
demanda tempo, esforço e é necessário que a escola tenha a contribuição de especialistas em
construções teóricas interdisciplinares. Temos que ter propósitos políticos, mas também enxergar a
educação como caminho para realização desses propósitos. Além de novas táticas podemos dialogar
com algumas referências recorrentes de pesquisas, análises críticas e desconstrucionistas que
possam ser utilizadas no debate sobre a construção diferenciada e desigual do gênero nas escolas.
A necessidade de debater questões de gênero manifestadas no ambiente escolar poderá
sensibilizar os participantes sobre a importância de ter essa reflexão, proporcionando assim a
construção de uma educação mais democrática e igualitária, onde as desigualdades sociais sejam
reduzidas e os participantes questionem as representações de gênero e suas relações no ambiente escolar.
As transformações trazidas provavelmente ultrapassem o terreno dos gêneros e da sexualidade e podem nos levar a pensar, de um modo renovado, a cultura, as instituições, o poder, as formas de aprender e de estar no mundo (Louro, 2007).
Referências
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LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 15 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002.
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VIANNA, Claudia; UNBEHAUN, Sandra. Gênero na educação Básica: Quem se importa? Uma análise de documentos de políticas públicas no Brasil. Revista Educação e Sociedade. Campinas, volume 27, n.95, maio/ago. 2006.
VIOLÊNCIA NA ESCOLA NA ERA
DIGITAL
VIOLÊNCIA VIRTUAL E SEU ESTRAGO REAL: REFLETINDO SOBRE O
CYBERBULLYING NA ESCOLA
Dias, Anne Karoline 1; Lima, Rarielle
2
1 Graduada em Pedagogia e graduanda de Letras pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA.
2 Professora de História SEMED/Ribamar e graduanda em Pedagogia pela Universidade Estadual do Maranhão–
UEMA. Email: [email protected]; [email protected]
O cotidiano pós-moderno está repleto de tecnologias (tablets, celulares, notebooks, computadores) conectados pela internet. O acesso rápido a informações e as redes sociais são o marco dessa nova
era. A informatização de recursos permite a implementação e a modificação de ações em todos os
campos, com destaque o educacional.
Abramovay e colaboradoras (2010) comentam que a internet é parte do cotidiano de
muitos autores do ambiente escolar, representando um meio de interação que modifica o
relacionamento entre alunos e professores, entre os próprios alunos e com o processo de
aprendizagem, modificando-o.
Os jovens por nascerem em um mundo tecnológico apresentam mais familiaridade com
os recursos, facilidade e rapidez na aquisição de conhecimento, assim como nos afirma Abramovay
et. al. (2010, p. 391) “os jovens do mundo contemporâneo possuem saberes próprios, diferentes
daqueles que poderiam lhe ser ensinados pelas pessoas mais velhas, o que pode modificar as
relações hierárquicas entre gerações”.
Não obstante falar de internet é falar de vários temas, várias formas de relacionamento,
pois cada recurso está voltado para a necessidade do usuário que o utiliza como deseja. Neste
aspecto adentramos em um campo ‘perigoso’ da internet, o anonimato de ações ao permitir que o
usuário adquira uma identidade não necessariamente real; o que muitas vezes leva a uma exposição
desnecessária a conteúdos agressivos, ameaças relacionadas ao uso indevido de imagens, vídeos
etc. (ABRAMOVAY et. al., 2010).
“Nos últimos anos, os fenômenos de ciberbullying e da ciberviolência – que são atos de
violência perpetrados por meio do ciberespaço – têm sido progressivamente analisados em
decorrência de uma notável proliferação de tais práticas” (ABRAMOVAY et. al. 2010, p. 402).
A escola por está inserida no contexto social dos jovens não foge a lógica da violência
virtual como meio condensador das atitudes agressivas. A violência escolar não é recente, mas “o
que pode ser considerado novo são as formas pelas quais essa violência se manifesta” (CUBAS, 2006, p.25).
Partindo desse pressuposto surgiu o interesse em compreender o cyberbullying e suas
interferências nas relações sociais no ambiente escolar apresentando suas características peculiares,
oferecendo subsídios para a sua prevenção e combate pela comunidade escolar.
Cyberbullying: conceitos e contextos
Com o desenvolvimento das tecnologias, a velocidade e a flexibilidade com que as
informações passaram a ser trocadas possibilitaram a organização social em redes, as quais têm
vantagens surpreendentes decorrentes de sua adaptabilidade inerente que permitem constantes
modificações em um ambiente extremamente mutável. A internet então passou a servir os interesses
individuais dos usuários permitindo a construção uma cultura própria ou várias culturas.
(ABRAMOVAY et. al., 2006).
Abramovay e colaboradores (2006) afirmam que
Existe uma modalidade cultural específica das relações desenvolvidas, considerando-se que o espaço virtual tende a ganhar vida própria e que as interações desenvolvidas por diferentes atores sociais acabam por produzir formas de sociabilidade que corresponderiam à cibercultura (p.392).
A utilização do termo cibercultura compreende as relações desenvolvidas nas interações
através da internet que apresentam particularidades próprias sendo que as formas de interagir são
geradoras, simultaneamente, de contextos e realidades sociais. Embora as identidades construídas
no ciberespaço sejam maleáveis, não significa que não detenham um caráter de realidade.
Partindo desse pressuposto, Hall (1997) afirma que a construção de identidades, por
intermédio da internet, possibilita uma menos exposição e constrangimento do que as relações face
a face possuindo uma definição, dentro do ambiente virtual, de identidades, papéis e sociabilidades
diversas que propiciam a construção constante de identidades não fixas.
Como em toda relação social há conflitos e tensões, no ambiente virtual não seria
diferente. Neste contexto virtual surge o que se define como cyberbullying, mas antes de iniciarmos
nossa conversa sobre esta forma de violência, é preciso abordamos o conceito e características do
bullying do qual é uma variação.
O termo bullying, de acordo com Cubas (2006) é designado como “um tipo de
violência, física e/ou psicológica, caracterizada pela repetição de atos e pelo desequilíbrio de poder
entre agressor e vítima” (p.175).
Para Fante e Pedra (2008) o desequilíbrio de poder é caracterizado pela não facilidade
de defesa da vítima, independente de idade ou estatura ou de não conseguir motivar outros para
defendê-la.
Fante (2008) conceitua bullying como
uma forma de violência que ocorre na relação entre pares, sendo sua incidência maior entre os estudantes, no espaço escolar. É caracterizado pela intencionalidade e continuidade das ações agressivas contra a mesma vítima, sem motivos evidentes, resultando danos e sofrimentos e dentro de uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimação (p.01)
Bullying pode ser compreendido sob duas formas: a primeira corresponde aos
ataquesfísicos ou verbais abertos a vitima; a segunda é uma agressão mais sutil onde o agressor
manipula relacionamentos, isola e exclui a vítima. A forma mais sutil do bullying encontrou raízes
no ciberespaço, sendo a principal característica da violência virtual.
O ciberespaço por permitir certo anonimato aos usuários da rede facilita a ação de
práticas danosas. Ortega e Jäger (2007) definem cyberbullyingcomo “envio ou postagem de
material nocivo ou participação em alguma outra forma de agressão social usando a internet ou
outras tecnologias digitais”, consistindo uma forma de agressão social online.
Santomauro (p.02, 2010) comenta que:
a principal característica é que a agressão (física, moral ou material) é sempre intencional e repetida várias vezes sem uma motivação específica. Mais recentemente, a tecnologia deu nova cara ao problema. E-mails ameaçadores, mensagens negativas em sites de relacionamento e torpedos com fotos e textos constrangedores para a vítima foram batizados de cyberbullying. Aqui, no Brasil, vem aumentando rapidamente o número de casos de violência desse tipo.
Fante (2008) comenta que os praticantes, por estarem respaldados pela certeza de
impunidade, usam nomes falsos ou se fazem passar por outras pessoas. O que trazem consequências
extremas para as vítimas, as quais não sabem de quem se defenderem.
Como o cyberbullying se refere a um acontecimento violento, possui três atores
interligados – o agressor, a vítima e a plateia. O agressor corresponde ao indivíduo que executa a
ação violenta; a vítima, quem recebe as atitudes agressivas e a plateia corresponde ao público que
apenas observa estimulando ou combatendo.
Em levantamento realizado por Zoega e Rosim (2009, p.17):
Todos os estudos analisados descrevem as seguintes características dos diferentes papéis verificados no bullying: - sujeitos alvos: normalmente não reagem às agressões, já que um forte sentimento deinsegurança os impede de pedir ajuda. Em geral, têm poucos amigos, são passivos e quietos. Este contexto de baixa autoestima é agravado pela agressão e pela indiferença dos adultos em relação à questão; - sujeitos autores: normalmente, os que praticam o bullying são pertencentes a famílias emque o relacionamento afetivo é pouco ou ausente; parece que seus pais oferecem com modelo para solucionar os problemas a agressividade e/ou o comportamento explosivo; - sujeitos alvos/autores: são os que ora sofrem ora praticam situações de bullying; - testemunhas: em geral, são os que presenciam as situações de bullying e não reagem porsentirem-se coagidos e com receio de serem os próximos a sofrerem-no (GRIFO NOSSO).
A escola como espaço de conscientização
A escola por ser um espaço de construção de saberes, de convivência e socialização,
possui capacidade de conduzir a um desenvolvimento humano mais harmonioso, combater formas
de pobreza, exclusão social, intolerâncias e opressões (Abramovay, 2008).
Sabendo que são os adolescentes os maiores praticantes de cyberbullying, justamente
por vivenciarem nessa fase da vida, o que Silva (2010, p.135) chama de “tsunami existencial”,
quando além de sofrerem transformações físicas e psicológicas, ainda despertam a sexualidade, a
vontade de seduzir, e se encontram com pouca ou nenhuma habilidade para lidar com suas emoções
e, principalmente, para racionalizar as consequências de seus atos egoístas, impulsivos e até mesmo
delinquentes, a escola deve assumir a responsabilidade de orientar tanto os alunos como, também,
os pais e familiares à respeito da violência virtual e do perigo da exposição de dados pessoais na
internet, em redes sociais, sites de relacionamento etc.
Desta forma, é fundamental que campanhas e/ou projetos de prevenção e combate ao
bullying e ao cyberbullying sejam desenvolvidas nas escolas, visto que os alunos precisam
aprendera utilizar as tecnologias da informação de forma ética e responsável. Para tanto, eles devem
ser contemplados com orientações sobre o uso adequado das ferramentas da internet e alertados
sobre a violência praticada no espaço virtual e todas as peculiaridades a ela relacionadas: (1) as
possíveis causas e ou motivações para a prática do cyberbullying, (2) quem são os envolvidos (o
agressor, a vítima e a plateia), (3) os danos e ou consequências reais que afetam a todos os
envolvidos, inclusive, o agressor, (4) as formas de prevenção e (5) as formas de combate.
Segundo Silva (2010, p.140), “o ciberbullying é um fenômeno muito recente na longa
história de violências interpessoais da humanidade”, por isso ainda são poucas as pesquisas e os
estudos que contemplam essa temática mas, ainda assim, o que sabemos já é suficiente para
enfrentarmos essa violência covarde praticada por pessoas que não dão “a cara a tapa”, que se
acham intocáveis atrás do “anonimato” que o espaço virtual favorece.
O cyberbullying não pode e não deve ser visto como uma brincadeira de criança e de
adolescente. Por outro lado, deve ser prevenido e quando não, combatido. Para prevenir, no espaço
escolar, é necessário que os alunos aprendam a olhar o outro, respeitando as diferenças e tenham um
sentimento de proteção coletiva; que tenham voz e vez, pois em uma conversa descomprometida, os
alunos podem falar de coisas que os afligem, que os deixam descontentes; a equipe escolar precisa
dar o exemplo para os seus alunos, agindo sem violência e autoritarismo, mas pelo contrário,
mostrando a importância da coletividade, valorizando as diferenças de opinião etc.; os limites
devem ser apresentados aos alunos, visto que é essencial estabelecer normas e que seja justificado
por que as mesmas devem ser seguidas. A escola, como já foi dito, deve alertar para os
riscos da tecnologia e toda equipe escolar, junto com os pais e familiares, devem ficar atentos,
fazendo sempre que possível um trabalho de conscientização.
Para combater o cyberbullying é fundamental que a equipe escolar, pais e familiares
saibam reconhecer os sinais dessa violência, isto é, as mudanças de comportamento dos alunos. As
vítimas, por exemplo, ficam inseguras e com medo, sofrem com ansiedade, apatia, agressividade,
oscilações de humor, distúrbios alimentares e de sono, dores de cabeça e de estômago, taquicardia,
vômitos, dificuldade de concentração, queda no rendimento escolar, desmotivação pelo estudo,
evasão, reprovação etc.
Conforme o material desenvolvido pela Plan Internacional (p. 21-22), os
autores/agressores têm o seu comportamento agressivo solidificado com o tempo, que acaba por
comprometer “as relações afetivas e sociais, além da aprendizagem de valores humanos, como a
solidariedade, a empatia, a compaixão, o respeito a si mesmo e ao outro, o que afetará as diversas áreas de sua vida”. Os praticantes de bullyinge decyberbullying têm “dificuldades de concentração,
de aprendizagem e de cumprimento de regras, baixo rendimento”, entre outros.
Já a plateia, também chamados de espectadores, “o fato de testemunhar as agressões
pode afetar seu desenvolvimento sociomoral, causando falta de empatia, insensibilidade aos
sentimentos alheios, insegurança pessoal, medo do futuro” etc. (Plan Internacional, p. 22).
Após identificar os envolvidos, a escola deve, como forma de combate, chamar a vítima
e o agressor para uma conversa particular, evitando a exposição dos mesmos. Faz-se de
fundamental importância que a escola não busque punições severas para os agressores, mas sim,
que dialogue com os mesmos, orientando-os a retirar o que disseram no mesmo meio em que
praticaram a violência virtual, para que a retratação seja pública, além de deixar claro que
comportamentos hostis e intimidadores devem ser anulados, dando lugar a prática do respeito, e às
vítimas devem ser dadas todas as formas possíveis de apoio, fazendo com que elas se sintam
fortalecidas e seguras.
Vale ressaltar que em circunstâncias extremas os casos, tanto de bullying como de
cyberbullying, devem ser encaminhados a outras instâncias como o conselho tutelar, delegacia
depolícia e promotoria de justiça da infância e da juventude. Porém, a melhor forma de combate a
qualquer tipo de violência é a prevenção.
No ambiente escolar, a prevenção ocorrerá por meio da divulgação do máximo de
informações sobre cyberbullying, com aulas, palestras, leitura de textos, socialização de
experiências, depoimentos, através de filmes, vídeos, músicas, ou seja, todo e qualquer tipo de
material que se puder dispor para a propagação de conhecimento sobre essa temática.
Considerações finais
A modernidade trouxe os avanços tecnológicos, estes, por sua vez, proporcionaram
velocidade à propagação de informações, assim como o rápido acesso a elas. Estamos falando de
uma era digital, era da informação e da comunicação. A era das redes sociais, dos sites de
relacionamentos, e por que não dizer, da vida virtual.
Na rede, chamada de internet, são divulgadas milhares de informações a todo o
momento, inclusive nós somos divulgadores de muitas dessas informações. Disponibilizamos fotos,
dados pessoais que dizem respeito ao nível de escolaridade, local de estudo ou trabalho, lugares
visitados, profissão etc. Perdemos a privacidade ou optamos por perdê-la? Muitas pessoas fazem
questão de expor suas vidas, como forma de demonstrar (ou obter) poder, status e diversão.
Com o cotidiano repleto de tecnologias, não há quem não se sinta “convidado” a
participar e interagir no cyberspace. Crianças e adolescentes não fogem à regra, pelo contrário,
muitas já nascem fazendo parte do mundo virtual, quando desde a gestação são expostos na barriga
da mãe em fotografias nas redes sociais. Ao crescerem, não são contemplados com brinquedos ditos “antiquados” (a boneca ou o carrinho de madeira, um jogo de montar, uma corda pra pular, um
bambolê etc.), mas com aparelhos tecnológicos (tablet, celular, netbook, IPAD, computador etc.).
Assim, a modernidade vai ditando a sua ideologia: o individualismo.
O advento da modernidade e o surgimento das tecnologias foram tornando as relações
interpessoais mais fluidas e inconsistentes, carentes de valores éticos e morais que estabelecem
bases mais sólidas. Como Silva (2010, p.133) arrisca dizer: “nos dias atuais, as relações
interpessoais são alienantes”, ou seja, considerando o significado da palavra ‘alienação’ descrito no
dicionário, encontramos ‘isolamento’, ‘distanciamento’, ‘divisão’, ‘solidão’.
Neste sentido, o cyberbullying se configura em meio e por meio dessa cultura baseada
na insensibilidade interpessoal, na falta de respeito às diferenças, na ausência de responsabilidade e
de solidariedade coletiva. Por falta de padrões éticos e morais para o uso das tecnologias da
informação e comunicação, de empatia, de respeito ao próximo, pela “certeza” do anonimato, da
impunidade e do silêncio das vítimas, essa nova forma de violência tem se proliferado.
A escola como espaço de construção de saberes, deve desempenhar um papel
fundamental na prevenção e ou combate do cyberbullying, orientando alunos e pais sobre os riscos
que existem por trás das ferramentas tecnológicas, da exposição exacerbada nas redes sociais, dos
crimes virtuais etc.
É de fundamental importância que a escola disponha de todos os aparatos para fazer
uma exposição de notícias e informações a respeito da violência virtual e de suas peculiaridades e
do aumento dessa prática entre crianças e adolescentes. Os pais e familiares devem ser orientados
sobre o cyberbullying por meio de reuniões, palestras, exposição de textos, vídeos, filmes, músicas
etc., devem ser alertados a ficarem atentos para qualquer mudança de comportamento de seus filhos, pois os mesmos podem estar envolvidos com uma das mais danosas formas de violência – a virtual.
Conclui-se que todos os envolvidos no processo de educação, equipe escolar, pais, familiares, os próprios alunos, devem aprender a diferenciar uma brincadeira de mau gosto de um comportamento bullying, devem criar práticas saudáveis e respeitosas na internet. As vítimas devem denunciar o caso, para que se busquem soluções. E o mais importante: toda e qualquer forma de violência deve ser combatida, dentro ou fora da escola ou de preferência, nas duas hipóteses.
Referências
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O CYBERBULLYING E SUAS IMPLICAÇÕES NO INTERIOR DA ESCOLA
Lima, Heline1; Freire, Isabel
2
1 Licenciada em Pedagogia com habilitação em Magistério pelo UNICEUMA, Especialista em Literatura Infanto
Juvenil - UEMA, Docente no Programa de Formação de Professores – PARFOR/ UFMA. 2 Licenciada em Filosofia pela UFMA, Especialista em Docência no Ensino Superior, Docente do Programa de
Formação de Professores – PARFOR/ UFMA. Email: [email protected]; [email protected]
As atuais possibilidades tecnológicas, tem sido fecundas em renovar o debate acerca da necessidade de redimensionamento de concepções e práticas em Educação. Entretanto, o contexto
sócio-educacional no qual se inserem, tem revelado-se a contra corrente de tais perspectivas,
gerando inúmeros questionamentos de interpretações que se baseiam em concepções e práticas
diferentes dos pressupostos de tais mudanças, e por vezes veiculado na informalidade do cotidiano
escolar.
Dessa forma a escola precisa urgentemente, aprender a lidar com as novas tecnologias
da informação e da comunicação como busca da construção da cidadania, uma vez que os alunos
fazem usos diversos das ferramentas informacionais inclusive para a prática do bullyng contra os
próprios colegas e até mesmo professores. Para fundamentar os argumentos apresentados buscou-se
uma investigação bibliográfica e a observação em escolas.
Este assunto deve constar na pauta de debates da escola, pois o seu papel é atuar
dialeticamente na construção do conhecimento, levando em conta a importância dos saberes
produzidos historicamente e também a inovação tecnológica que atualmente é componente das
relações sociais. O professor tem papel relevante nesse processo, principalmente nas séries iniciais,
onde deve ser o mobilizador de uma dinâmica de aprendizagem entrelaçada com a realidade
informatizada.
Finalmente destacamos o crescimento da violência no seio escolar, em decorrência das
atitudes adotadas por alunos, que utilizam o anonimato das redes para externar ações de preconceito
e intolerância para com pessoas ou grupos que não correspondam aos padrões socialmente
determinados como aceitáveis e por isso passam a ser motivo de chacotas, piadas, insultos e outras
modalidades de agressão que no ambiente escolar configuram o bullyng, isso pode ocorrer tanto
presencial como pelas ferramentas tecnológicas, tais como: celulares, filmadoras, internet etc).
As Tecnologias da Informação como Estruturante de uma Pedagogia da diferença
Considerando que as Novas Tecnologias, em especial as redes de comunicação
interativa, provocam mudanças na cultura, na sociedade, nos sujeitos e nas formas de pensar e
construir conhecimento; rearticulam, reestruturam, transformam as demais formas de linguagem
utilizadas até então, dando a elas novas e mais amplas dimensões, o desafio posto às escolas hoje é
o de transformar esse conjunto de concepções, essas novas formas de conhecimento, esses novos
estilos de saber que emergem de uma nova fonte de formação, numa prática cotidiana da escola, de
modo que a escola possa inserir-se nesse novo mundo, nessa nova cultura e nessa nova ordem.
Para tanto é necessário que a escola e os sujeitos que dela participam, observem as
normas legais e busquem adaptá-las a sua realidade com vistas às transformações em curso, por
meio do diálogo e da constante avaliação das condições existentes e dos limites impostos na sua
trajetória, para que sejam materializadas as ações que irão subsidiar a qualidade do ensino, na
perspectiva da superação dos entraves existentes, entre os quais a questão da violência em seus
variados aspectos, por meio de um modelo coletivo de ser escola, tal como preconiza a Resolução
nº 04/2010 que define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica.
As instituições, respeitadas as normas legais e as do seu sistema de ensino, têm incumbências complexas e abrangentes, que exigem outra concepção de organização do trabalho pedagógico, como distribuição de carga horária, remuneração, estratégias claramente definidas para a ação didático-pedagógica coletiva que inclua a pesquisa, a criação de novas abordagens e práticas metodológicas, incluindo a produção de recursos didáticos adequados às condições da escola e da comunidade em que esteja ela inserida (BRASIL, 2010).
A partir da reorganização é que a escola poderá favorecer uma política de inserção de
seus agentes, primordialmente os professores, no contexto das novas tecnologias onde os mesmos
terão a oportunidade de melhor desenvolver suas atividades, tendo claro que compreender significa
mais do que fazer funcionar, significa inseri-los no contexto do mundo contemporâneo. É só
fazendo essa imersão, que os professores terão condições de propor dinâmicas que levem o mundo
de dentro da escola a se comunicar com o mundo de fora da escola.
Desse modo a escola terá uma perspectiva mais ampla dos eventos que acontecem no
seu interior e esta enquanto instituição de escolarização formal deve estar atenta ao surgimento de
situações, como por exemplo, a questão das diversas violências, que podem comprometer os seus
objetivos que é o de contribuir para a formação de cidadãos. Sobre violência, assim orienta a
Organização Mundial de Saúde.
[...] é o uso intencional de força física ou poder, em forma de ameaça ou praticada, contra si mesmo, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou comunidade que resulta ou tem possibilidade de ocasionar ferimentos, morte, conseqüências psicológicas negativas, mau desenvolvimento ou privação (OMS, 2002, p. 05).
E é por meio do uso das tecnologias que uma modalidade de violência vem sendo
amplamente difundida na escola o bullying, fenômeno que adquiriu notoriedade nos Estados
Unidos e cresce com rapidez em países como o Brasil.
Não existe tradução em nosso idioma para o termo bullying, por referir-se a um conjunto de comportamentos agressivos, intencionais, repetitivos, adotados por uma ou mais pessoas contra outra(s) sem motivos evidentes, causando dor e sofrimento e executado dentro de uma relação desigual de poder, o que possibilita intimidação. Por consenso entre os pesquisadores brasileiros, o termo bullying é utilizado somente na relação entre crianças e adolescentes. Entre pares adultos é utilizado o termo assédio moral.
O termo bullying vem de Bully, queé o termo, em inglês, para “valentão” ebullying pode
ser traduzido por “intimidação”, o que reduz a complexidade deste fenômeno são as múltiplas
formas de manifestação, isto é , a uma forma comportamental de ameaças e intimidações. No
Brasil, os estudos sobre o bullying são recentes, tiveram início da década de 1990 motivados pelo
crescimento da violência dentro das escolas.
As conseqüências em relação ao bullying são inúmeras e dependem da forma como as
vítimas recebem agressões, e assim reagem a seus agressores. Corroborando com essa visão, Fante
(2005), comenta:
As conseqüências para as vítimas desse fenômeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse pela escola, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do rendimento, o absentismo e a evasão escolar.
Além das diferentes definições encontradas para o termo bullying, há também formas
diferenciadas de classificações. A modalidade do bullying classifica-se em físico, verbal e indireto.
Sendo que o físico é uma agressão corpórea evidenciada por socos, empurrões, etc. A verbal é de
modo lingüístico pejorativo através de insultos, ofensas, etc. E o indireto que representa a
difamação da imagem da vítima por boatos.
Deste modo, o fenômeno pode ser qualificado quanto ao tipo de ato violento que é
empreendido, diferenciando-se entre direto e indireto conforme o exposto no parágrafo anterior. O
bullying direto, tanto físico como verbal, inclui agressão física, abuso sexual, roubo ou
deterioraçãode objetos de outra pessoa, extorsão, insultos, apelidos e comentários racistas. A forma
de bullying indireto, por sua vez, compreende a exclusão de uma pessoa do grupo, fofocas e
apelidos que marginalizam o outro e qualquer outro tipo de manipulação cometida por um
indivíduo ou um grupo contra outro (Olweus, 1993; Smith e Sharp, 1995).
Segundo Olweus (2006), o bullying é uma das atitudes de agressividade escolar que
desperta a atenção devido aos danos negativos para o desenvolvimento psicológico, social e
intelectual dos alunos. Este fenômeno ocorre sem motivação aparente, mas de forma intencional,
protagonizados pelos agressores que na sua interação grupal se desequilibram como forma de poder
e ausência de reciprocidade. Neste cenário, o indivíduo no processo de vitimação possui pouco ou
quase nenhum recurso para evitar a e / ou defender-se da agressão. Esta por sua vez, caracteriza-se
pelas formas de caráter repetitivo e sistemático e a intencionalidade de causar dano ou prejudicar
alguém que normalmente é percebido como mais frágil e que dificilmente consegue se defender ou
reverter à situação.
Neste cenário temos subjetividades representativas como os vitimados e expectadores.
Sendo que, os vitimados são alvos de comportamentos agressivos, sistemáticos, e além dessa
condição, passam a reproduzir a conduta em outros alunos. E o outro grupo são os expectadores, as
testemunhas que dentro desse processo configuram como apreciadores das ações dos agressores
contra as vítimas, ora torcendo, ora omissos, por fim, são pessoas que não se envolvem diretamente
em situações de bullying, mas assistem passivamente à violência cometida e se calam por medo,
acobertando os agressores e contribuindo para a continuidade desses atos (Dawkins,1995; Lopes
Neto, 2005).
Dessa forma, as vítimas ou alvos são pessoas expostas a ações cometidas por
outro(s), de forma repetida e durante um determinado período. Pessoas essas, em geral, são
inseguras, pouco sociáveis e não dispõem de recursos para reagir à violência ou interrompê-la
(Carney e Merrell, 2001; Dawkins, 1995; Pearce e Thompson, 1998). Os agressores, por sua vez,
tendem a serem pessoas populares e dominadoras em relação aos seus alvos, além de envolverem-se
em comportamentos anti-sociais. (Chesson, 1999; Pearce e Thompson, 1998).
Em torno de 20% dos indivíduos envolvidos em situações de bullying podem
representar tanto o papel de vítimas como de agressores, dependendo do contexto em que se
encontram. Essa dupla finalidade pode ser confirmada pela combinação de atitudes agressivas e
uma baixa autoestima (Kaltiala-Heino et al., 1999; Kumpulainen et al., 2001).
Algumas pesquisas apontam os fatores que são motivadores do bullying e com o
perfil dos atores envolvidos (Carvalho, Trufem, & Paula, 2009). Dessa forma, Pinheiro e Williams
(2009) e Tortorelli, Carreiro e Araujo (2010) associaram a correlação entre a violência doméstica e
a violência escolar. Analisando essa vertente, percebe-se que a violência doméstica ocorrida no
ambiente familiar fragiliza as relações dos agressores fora do seu meio que não consegue lidar com
as frustrações, por conta da sua personalidade desestruturada. Nesta análise o bullying tem um
impacto negativo na autoestima dos adolescentes, comprometendo o processo de ensino e
aprendizagem e o andamento das atividades na escola. E assim a violência provoca no ambiente
escolar a falta de respeito entre as pessoas, a saúde, a integridade física e o descaso com o direito do
outro no que se refere a liberdade individual.
Dentro desta perspectiva ressaltam-se, alguns aspectos que determinam condições
familiares adversas, sejam pelos maus-tratos, excesso de permissividade dos pais e mesmo fatores
individuais (impulsividade, hiperatividade, deficit de atenção, baixo desempenho escolar) podem
explicar as atitudes praticadas pelos perpetradores da violência (Dawkins, 1995; Eslea e Rees,
2001).
Além do discente, a violência para o corpo docente representa a violência enquanto o
descumprimento das leis e a falta de condições materiais da população, associando a violência, a
miséria, exclusão social e ao desrespeito ao cidadão. Mediante o exposto, os professores devem
ficar atentos ao que se passa na sala de aula e na escola como um todo, fazendo um trabalho efetivo
de emancipação do pensar sobre os valores, a ética e o direito do outro.
Para alguns pesquisadores como Fante (2005); Lopes Neto (2008), as agressões dessa
natureza só são considerado como bullying, se a vítima for agredida no mínimo três vezes pelo
mesmo agressor num espaço de tempo de um ano. Se essa agressão acontecer uma vez ou até mais
de uma vez por agressores diferentes, é considerado um fato isolado, mas que, se não houver a
intervenção no ato da agressão poderá se transformar em caso de bullying.
Diante destes fatos, é importantíssimo a escola tratar do tema, com estudos de textos e
atividades reflexivas, desenhos e filmes que relatem o fato, visando favorecer o entendimento sobre
o tema em estudo e antecipar as causas e ocorrências, de forma que o educando possa perceber as
intenções de praticas de bullying no ambiente escolar, como forma de prevenção
Conforme a discussão da literatura evidencia a diferença entre o gênero na manifestação
de conduta que envolve o bullying. Os garotos tendem a envolver-se mais em situações de bullying,
tanto como causadores quanto como alvos (Farrington, 1993; Lopes Neto, 2005; Olweus, 1994).
Em meio as meninas, obullying igualmente ocorre, embora com menor freqüência, principalmente
sob a forma de agressão indireta, que envolve exclusão social e difamação dos pares (Lopes Neto,
2005; Olweus, 1997). Esses resultados correspondem aos encontrados na literatura acerca da
agressão, sugerindo que os garotos utilizam mais agressividade direta, sendo ela verbal ou física
(Björkqvist, 1994; Björkqvist e Niemelä, 1992), também as meninas, por sua vez, apresentam
costumeiramente formas de agressividade social ou relacional (Olweus, 1997).
Individualmente cada gênero adota uma postura diferente diante do bullying, que pode
ser de testemunha, vítima ou agressor. Comumente os alvos são aqueles com diferenças na
aparência física, psicológica ou intelectual; os tímidos, retraídos, passivos, submissos, ansiosos,
temerosos, com dificuldades de defesa, de expressão e de relacionamento. Ou quem é considerado
gordo,baixo, magro, alto demais ou tem nariz e orelhas grandes, tipo e cor de cabelos diferentes, os
que se destacam pela beleza ou inteligência. O comportamento bullying pode ser identificado em
qualquer faixa etária e nível de escolaridade. Entre crianças de três e quatro anos, já se pode
perceber o comportamento abusivo, manipulador, dominador de uns e, por outro lado, indiferente,
subordinado, indefeso de outros.
Fante (2005) pesquisa desde 2000 a questão da violência nas escolas
especialmente o estudo do fenômeno bullying, que define como um conjunto de atitudes agressivas,
intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação aparente, praticado por um ou mais alunos
contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento. Acredita que nos primeiros anos escolares
podem surgir os traumas que se originam na violência sofrida tanto em casa como na escola, a
autora enfatiza a necessidade de resgatar uma proposta de Educar para a Paz, e, por se tratar de um
fenômeno mundial, o bullying vem sendo tema de preocupação e de interesse nos meios
educacionais e sociais em todo o mundo.Escolas que seguem a Metodologia Montessoriana, já
praticam a prevenção como praticas rotineiras nas atividades pedagógicas convencionais.
Importante ressaltar, que é importante alertar a coletividade, principalmente os pais,
alunos e autoridades educacionais sobre o bullying que muitas vezes é interpretado como uma
simples brincadeira de mau gosto ou brincadeira de criança, enquanto que as conseqüências para as
vítimas desse fenômeno são graves e abrangentes, promovendo no âmbito escolar o desinteresse
pela escola, o déficit de concentração e aprendizagem, queda do rendimento e a evasão escolar. Na
saúde física e emocional, a baixa resistência imunológica e a auto-estima, o stress, os sintomas
psicossomáticos, transtornos psicológicos, depressão e o suicídio.
O agressor, por sua vez, não encontra limites contra a impulsividade e a agressividade
em uma situação na qual se sente à vontade e, que lhe parece sem regras e medidas repressivas
significativas. Entre os agressores, os meninos apresentam-se em maior número, mas não os mais
agressivos, pois entre as meninas, embora seja em números menores, praticam um tipo de agressão
mais sutil.
Estudos de pesquisadores Constantini (2004), e Fante (2005), dentre outros mostram
que os agressores possuem falta de ajustamento às normas da escola, a supervalorização da
violência como forma de obtenção do poder que podem ocasionar o desenvolvimento de
habilidades para futuras ações delinqüentes, além de comportamentos violentos na vida adulta.
Para as testemunhas, que é a maioria dos estudantes, estes podem sentir insegurança,
angústia, medo e stress, afetando o seu desenvolvimento sócio-educativo.
De acordo com Lopes Neto (2008), entre as meninas o bullying é uma atitude mais
discreta, porém atroz, pois as meninas são mais dissimuladas que os meninos. Os tipos mais comuns
debullying entre as meninas são: pôr apelidos ofensivos, boatos, olhares, sussurros, difamar, excluir,
humilhar e até ameaçar. A agressão é quase sempre feita de forma disfarçada e por isso, mais difícil
de perceber.
Para Fante (2005); Lopes Neto (2008), a internet e celulares facilitam a perseguição e
são instrumentos preferidos das meninas. Tanto o agressor, como a vítima, apresentam distúrbios
psicológicos que devem ser tratados. O Bullying não é uma brincadeira inocente. É uma atitude
cruel que fere a dignidade e muitas vezes, impede o desenvolvimento pleno da personalidade.
Comportamentos como estes estão freqüentes nas redes sociais e internet, configurando através das
redes o Cyberbullying.
A incidência do cyber bullying no cenário escolar
Para aprenderem a exercer a cidadania e se socializarem, os pais procuram a escola,
pois, acreditam que é neste espaço o lugar que os pais confiam para deixar os filhos para que
aprendam e ampliem seus conhecimentos. No entanto, no seu interior ocorrem quase sempre de
forma disfarçada, nem sempre percebida pelos educadores, cruéis formas de violência.
A violência que ocorre nas escolas é muitas vezes ignorada, sendo tratada como uma
ocorrência natural tanto por pais, professores, funcionários e alunos. Somente a vítima sabe a dor da
agressão. E quando ocorre nas redes sociais através das novas tecnologias e internet, tornam-se
ainda mais complexas, pois muitas vezes, não fica fácil identificar de onde partiu o Cyberbullying.
É na Constituição Brasileira e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que estão
previstos os direitos da criança e do adolescente, que a escola deve ser um ambiente de respeito e
proteção, respeito às diferenças, sendo que todos devem ser tratados com dignidade. Mais os
praticantes de bullying desconsideram estes conhecimentos.
Segundo Carvalho (2007), a violência nas escolas denominada como bullying ocorre
sem motivação evidente, compreendendo todas as formas de atitudes agressivas e intencionais,
causando dor e angústia nas pessoas. O atual clima de medo e violência generalizados, que é
reforçado pela mídia, tem levado muitos educadores a tratarem como casos de polícia situações que
poderiam e deveriam ser resolvidas como questões educacionais. Os professores sentem-se
despreparados para resolver ou ajudar nos casos de violência, além do desconhecimento que a
maioria tem sobre o bullying. E a ausência das famílias na escola fragiliza as ações, que
antigamente se resolvia mais rapidamente.
É importante destacar que tanto o bullying quanto a indisciplina não acontecem apenas
devido a características individuais de cada aluno, tendência que tem predominado na análise desse
fenômeno. É claro que há casos de problemas de personalidade que o apoio de profissionais
especializados poderia amenizar. Mas a indisciplina é um fenômeno fundamentalmente coletivo e
caracteristicamente escolar, afirma Carvalho (2007).
Para ABRAPIA (2005) para reduzir os casos de bullying é preciso: esclarecer o que é
bullying, e mostrar que a prática não pode ser tolerada; Difundir, dentro da escola as manifestaçõese
prevenção do cyber bullying, promovendo mais conversa com os alunos e escuta atenta das
reclamações ou sugestões; estimular os estudantes a informar os casos; reconhecer e valorizar as
atitudes da garotada no combate ao problema; identificar os possíveis agressores e vítimas; criar
com os educandos regras de disciplina para a classe em coerência com o regimento escolar;
estimular lideranças positivas entre os alunos; prevenir futuros casos; interferir diretamente nos
grupos, o quanto antes para quebrar a dinâmica de bullying, e, por último; prestar muita atenção nos
mais tímidos e calados, e em comportamentos suspeitos.
Alguns professores transferem a responsabilidade de orientar e prevenir as agressões
que ocorrem no ambiente escolar, para outras instâncias: pais, Conselho Tutelar, políticas públicas,
ao opinarem sobre a culpa da prática do bullying na escola, como foi possível observar. E ainda,
outros associam a questão da agressão aos valores familiares e da sociedade, a ausência dos pais
que deixam seus filhos em segundo plano, negligenciam a educação e não oferecem orientação e
um modelo a seguir, nem tampouco orientam sobre valores e respeito ao próximo, como outrora, é
importante ressaltar também, que a maioria dos professores relaciona a violência como um efeito da
mídia, que vem substituindo “o papel do adulto que cuida da criança e passa noção de valores” (COSTANTINI, 2004, p.61), o que configura o cyberbullying apenas como uma “brincadeira”. As
agressões vivenciadas pelas crianças são consideradas normais, gerando de certa forma a
reprodução da violência dentro e fora da escola, e agora presente nas novas tecnologias
experienciadas pelas próprias crianças no cotidiano.
Diariamente grande parte das crianças passa muitas horas do dia na companhia da
televisão, e a maior parte dos programas das TVs abertas, dirigido ao público infanto-juvenil é
pautado na violência, e assimilados pelos expectadores como normal.
De acordo com o pesquisador Fante (2005, p.67) “o fato dos professores não estarem
preparados para distinguir entre condutas violentas e brincadeiras próprias da idade, bem como lhes
falta preparo para identificar, diagnosticar e desenvolver estratégias pedagógicas para enfrentar os
problemas do bullying”. Ao relacionar a atitude dos professores frente ao bullying, deve-se analisar
que esta pode modificar o processo de intervenção perante as agressões. Muitas vezes as vítimas
não vêem no professor uma fonte protetora em que pode se apoiar nos momentos em que é
agredida, uma vez que para o professor não passa de brincadeira de criança; por outro lado, o
agressor pode ser identificado de maneira errada como aluno violento, sem antes considerar os
aspectos que estão envolvidos na ocasião ou no próprio aluno. Nesse sentido, o conhecimento e a
conduta dos profissionais que trabalham na escola são fundamentais, não só professores, mas todos
aqueles que direta ou indiretamente estão envolvidos na metodologia educativa. Essas agressões,
com diferentes formas de violência que diferem o bullying de outras formas de violência, muitas
vezes passam despercebidas ou ignoradas pelos educadores, pais ou responsáveis, ou até mesmo,
por alunos que consideram isso uma brincadeira de criança ou brincadeira de mau gosto.
A escola tem um respeitável papel na abordagem do problema, pois é considerada como
uma extensão do lar de crianças e adolescentes, e é na escola, que acontece o maior número de
casos de bullying. Alguns educadores envolvidos neste estudo são capazes de identificar alguns
tipos de agressões do fenômeno, mas não estão cientes de como agir, nem conhecimento do próprio
bullying. Mesmo sem saber que alguns alunos estão envolvidos nesse fenômeno, seja como
vítimaou agressor, procuram agir e amenizar a situação, admitindo que muitas vezes não é fácil
tomar atitudes, que de certa forma cabe à direção da escola, a família do aluno e outras instituições.
Preparar os educadores é fundamental, para que saibam como lidar com o assunto,
quando ele for diagnosticado. Na sala de aula é possível criar normas e regras, e chegar a um
consenso sobre aquilo que pode ou não ser aceito.
Por outro lado, considera-se o fenômeno como um fato velho, por se tratar de uma
forma de violência que ocorre nos centros educativos há muito tempo, em que os valentões
oprimem e ameaçam suas vítimas por motivos banais, querendo impor sua autoridade.
Segundo Fante (2002), os danos físicos, morais e materiais, os insultos, os apelidos
cruéis e as gozações que magoam profundamente, as ameaças, as acusações injustas, a atuação de
grupos que hostilizam a vida de muitos alunos levando-os à exclusão, tudo isso são algumas das
condutas que observa em relação ao bullying escolar. Algumas subsídios e relatos extraídos de
jornais ou de estudos realizados, podem anunciar a extensão e magnitude do problema.
Ao docente, não podemos atribuir toda responsabilidade da ocorrência de
bullying na sala de aula. Os estudantes podem certamente cometer o bullying sem se basear
nasatitudes do professor. Porém, atitudes do professor para com os alunos, assim como foi dito
anteriormente, podem sim, gerar chances para que estes cometam bullying na sala de aula, e na
internet.
È nos Parâmetros Curriculares Nacionais, que se apresentação os Temas Transversais e
Ética (BRASIL, 1998), que pode ser empregado de maneira positiva pelos professores no que diz
respeito a prevenção do bullying na sala de aula. Traz questões relevantes, que se o professor
souber aplicar em seu cotidiano pedagógico estará contribuindo para que o ambiente escolar seja
um ambiente favorável a aprendizagem para todos os alunos.
Após a exposição feita podemos levantar as particularidades apresentadas na forma do Cyberbullying que difundem de forma veloz na propagação de informações nos meios virtuais
nainvasão da privacidade comprometendo assim a subjetividade do vitimado.E por mais que tire
após intervenção jurídica, o mesmo poderá ter novamente o desconforto devido ao armazenamento
de dados, ou seja a veiculação feita uma vez se repete.
Nesta visão, ressalta-se Lopes Neto (2005) que evidencia a utilização das novas
tecnologias para um novo modo de intimidação, o Cyberbullying, que na verdade é a utilização da
tecnologia da comunicação para a realização desta violência. Tal situação ocorre com, a maioria das
vezes, com menores devido à vulnerabilidade, afetando a integridade física, psicológica e a
dignidade da vítima.
Outro dado relevante, é o de Mason (2008) que aponta, a cada dez adolescentes, oito
usam a internet em casa, o que significa que o praticante do Cyberbullying pode agredir sua vítima
na escola, fora dela ou nas proximidades dela e, portanto, o lar pode não ser mais um porto seguro e
os agressores não precisam mais de um local físico para molestar a vítima. Pode-se dizer que o Bullying digitalizado é extensão do cenário escolar–as agressões podem continuar por longas horas
na escola, com alguns que utilizam as aulas de informática e as ferramentas tecnológicas, como:
tablets, celulares, aproveitando assim para dispersar e fazer bullying com o colega, iniciando como
forma de brincadeira e seguindo a um caminho mais denso de violência. E ainda, depois do horário
escolar aproveitando de algumas experiências obtidas na escola, acrescentando a violência na
relação com o outro. Sobretudo, para algumas vítimas, a internet pode ser um lugar de vingança,
onde podem aproveitar da mesma para ameaçar e intimidar os outros, para compensar o fato de
terem sido agredidos pessoalmente. E nesta forma a internet abrange, ainda, um número muito
maior de espectadores que podem fazer um pré-julgamento dos envolvidos e, além disso, acarretar
dano ao vitimado.
Considerações finais
Este artigo teve como objetivo revisitar criticamente os estudos do fenômeno bullying,
seu sentido etimológico, conceitos, tipos e formas de manifestação. E dessa forma, constatou-se a
maior incidência no ambiente escolar, uma vez que cada ator envolvido neste cenário está frágil,
devido ao seu meio familiar. E ainda, o mau uso das Novas Tecnologias da Informação e
Comunicação, como forma de deixar os usuários vulneráveis aos insultos e a repercussão desses, no
ambiente familiar e escolar.
Essa mudança paradigmática sustenta no cyber espaço e nas tendências trazidas por ele
pela virtualização das relações nas Redes Sociais, momentos de comprometimento nas relações,
uma vez que as pessoas envolvidas passam por processos psíquicos vindo da forma de insultos e
desgaste da imagem, ou seja, a rápida propagação pelo celular, internet, tem ocasionado um
desconforto na escola ao lidar com o cyberbullying.
Cabe também às escolas como Instituições Sociais, orientar os educandos para
aprenderem a se proteger em relação às novas Tecnologias da Informação e Comunicação presente
na vida de cada cidadão/ã, orientando e precavendo a inadequação do uso de forma esclarecedora.
Visando o uso das tecnologias de forma ética e com restrições cautelosas que se fizerem necessárias
para segurança pessoal e grupal, principalmente nas redes sociais tão utilizadas atualmente.
Referências
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VIOLÊNCIA DISCIPLINAR: O DISCURSO DA REGULAÇÃO NA ESCOLA
Martins, Walkíria
Mestra em Educação pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Professora do Departamento de Educação I -
UFMA. Email: [email protected]
O modelo de escola como principal espaço formativo capaz de renovar a sociedade, emergido no contexto das reformas dos intelectuais das “luzes”, chega ao Brasil, no final do século XIX e início
de XX, a partir dos métodos de ensino mútuo e intuitivo voltados à formação de comportamentos
homogêneos e funcionais necessários ao desenvolvimento da sociedade. O processo educativo passa
a ser concebido - ao lado do jurídico, médico, laboral, carcerário, entre outros – como disciplinador
da individualidade das pessoas, a partir de padrões de normalização quando do cumprimento das
regras, das leis, que tornam a criança e o jovem um bom estudante.
É nesse espaço formativo que crianças e jovens são destituídos da sua condição
identitária de serem crianças e jovens para se tornarem “aluna e aluno”, ou seja, na escola, crianças
e jovens passam a ser engendrados exteriormente a partir de normas disciplinares que
comprometem a diversidade dos sujeitos em prol de comportamentos ajustados. Às crianças e
jovens são impostos ritmos e padrões desarticulados das referências culturais. Nesse
direcionamento, observa-se o descompasso, entre a cultura escolar e a cultura pueril e juvenil que é
disciplinada quanto à hora de poder usar o banheiro, beber água, falar, mover o corpo, entre outros.
A disciplina é utilizada, como nos lembra Foucault (2010), como o outro lado da democracia das
proclamadas liberdades burguesas. Dito de outro modo, na cultura escolar, a violência de cunho
institucional, presente de forma silenciosa e inconsciente, sujeita crianças e jovens à disciplina
pedagógica (forma internalizada de dominação) visando sua independência posterior.
Tais reflexões nos remetem as contribuições de Foucault (2010) sobre o poder no
espaço escolar, e de Bourdieu (1989) sobre as violências simbólicas que silenciam e “assujeitam” os
sujeitos e, nos fazem questionar sobre as distâncias e aproximações da disciplina e da violência. A
violência na escola é um fenômeno novo? Quem são os sujeitos da violência? De que forma os atos
de disciplinamento escolar se alinham a ideia de violência? Daí a relevância de investiga como as
ideias pedagógicas de disciplina se articulam a violência no espaço escolar a partir do discurso de
ato educativo, ou seja, a violência em sua relação com a disciplina como elementos reguladores dos
corpos. A partir de pesquisas bibliográficas (Michael Foucault, 2008, 2009, 2010; Hannah Arendt,
2009; Pierre Bourdieu, 1989; P. Bourdieu e Jean-Claude Passeron, 2011, e outros autores e autoras),
dos discursos produzidos nos espaço midiáticos sobre o tema da violência escolar e das nossas
memórias escolares, pontuaremos o que se compreende por violência e disciplina e como estas
categorias se articulam a ideia de ato educativo.
Nossas referências de violência e disciplina produzidas na e pela a escola
Alguns estudos pontuam a violência como inerente ao instinto de sobrevivência do ser
humano e que, conforme o tempo e espaço, ela é ressignificada, reeditada, ou seja, é um conceito
que conforme o contexto histórico sofre alterações. Sabemos que a configuração de uma única
referência para uma categoria tão mutável, pode nos conduzir a alguns equívocos uma vez que, esta
pressupõe um conjunto de relações e interações entre os sujeitos. Enquanto categoria, nomeia
práticas que se inscrevem entre as diferentes formas de sociabilidade em um dado contexto
sociocultural e, por isso, está sujeita a deslocamentos de sentidos. Por isso, neste trabalho, nosso
olhar se volta à violência produzida na e pela escola, embora se reconheça que as ações
evidenciadas neste micro espaço se articulem ao macro espaço social (tal articulação mereceria uma
explanação própria que não cabe no escopo deste trabalho).
No Brasil, a violência nas escolas galvaniza atenção, principalmente a partir da década
de 1990, cujas pesquisas indicam o uso do termo “violência escolar” como sinônimo às agressões
contra o patrimônio e contra a pessoa, sejam estes alunos/as, professores/as, funcionários
(Abramovay, 2003). Tal demarcação temporal, talvez se justifique pelas características assumidas
pela violência no espaço escolar, como registra Gonçalves e Spósito
[...] é possível considerar os anos 90 como um momento de mudanças no padrão de violência nas escolas públicas, englobando não só atos de vandalismo, mas também práticas de agressões interpessoais, sobretudo entre o público estudantil. São mais frequentes as agressões verbais e as ameaças. Este fenômeno alcança as cidades médias e as regiões menos industrializadas do país (2002, p.104).
É certo que houve alterações nos padrões de violência nas escolas, já que o recurso a
castigos corporais e a rígida disciplina, atualmente se diversificam e assumem contornos
particulares que se alinham a atos de criminalidade, os mesmos ganham espaço nos meios de
comunicação, como nos exemplos que seguem:
Figura 1: Notícia em jornal eletrônico
Fonte:http://noticias.r7.com/educacao/noticias/escolas-viram-palco-de-violencia-entre-estudantes-acoes-envolvem-ate-armas-de-fogo-20130828.html
Figura 2: Notícia em jornal eletrônico
Fonte: http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/09/violencia-faz-professores-pedirem-transferencia-de-escolas-em-teresina.html
Reconhece-se que a mídia é um veículo de divulgação de discursos que emanam de
diferentes setores da sociedade, entre estes a escola. Daí, a questão que se coloca: como a escola é
reproduzida nesses discursos no âmbito da violência? O próprio Foucault (2008) nos fornece
algumas pistas, quando indica que a reprodução não é fruto de um único sujeito, já que ele é ao
mesmo tempo falante e falado, pois a partir do seu discurso outros ditos se dizem sobre a escola
enquanto locus de violência.
É neste cenário diverso que emergem os discursos da área da psicologia, sociologia,
antropologia, pedagogia, direito, entre outros, que visam contribuir com esta categoria enquanto
fenômeno heterogêneo, complexo. É certo que, entre os especialistas no tema, não há um consenso
sobre o que deve ser entendido como violência. Como sinaliza Hannah Arendt (2009), falta grandes
estudos sobre o fenômeno da violência e tem-se, consequentemente, uma banalização do conceito, o
que provoca, por vezes, o debate disperso. No entanto, na tentativa de contribuir com os estudos da
violência no espaço escolar, tomamos emprestadas as ideias de Neto e Saavedra (2003), que
categorizam a violência como: violência direta, que engloba ações que podem ser físicas (como
chutar, bater, empurrar, roubar) ou verbais (apelidos, insultos); e, violência indireta, relativa a ações
voltadas a discriminação e/ou exclusão de uma pessoa do seu grupo social. Na análise destas
categorias devem ser consideradas, ainda, as relações de poder estabelecidas entre os sujeitos
(professores/as, alunos/as, funcionários/as). Hannah Arendt (2009) pontua como necessária a
distinção conceitual entre o poder e a violência uma vez que, para a pesquisadora
O poder, mesmo que possa ser eventualmente questionado em seu sentido ou ação, é amparado, em maior ou menor grau, por algum nível de consenso grupal. Na violência, ao contrário, estamos submersos no campo da arbitrariedade onde o direito e a lei, baluartes da civilização, estão banidos. Ou, em outras palavras, a forma extrema de poder é todos contra um, a forma extrema de violência é do um contra todos (ARENDT, 2009, p.35).
Poder e violência são colocadas como situações opostas, a violência aparece quando o
poder está ausente, ou seja, a violência é a reação, a diminuição do poder e não o seu princípio de
ação. Os registros feitos pela autora, embora sejam contestados, tiveram um impacto sobre o modo
como os estudos sobre violência são conduzidos ao caracterizar a violência como um instrumento
mudo (por não fazer uso da linguagem que caracteriza as relações de poder) e não um fim.
Nas nossas análises, é necessário, também, pensarmos sobre as transformações das
relações de poder, como o poder disciplinar proposto nos estudos de Foucault (2010). Por poder
disciplinar, compreende-se o exercício sobre os corpos individuais a partir de exercícios de
adestramento, os quais fazem uso de micropenalidades (que vão do castigo físico as humilhações)
voltadas à produção de corpos úteis e dóceis. Logo, neste trabalho, é relevante estudarmos a
violência em sua relação com a ideia de poder, visto que os discursos produzidos sobre a violência,
indiretamente, alimenta uma naturalização, aceitação de determinados atos. Como exemplo,
podemos citar as práticas de castigo físico (palmatória, ficar de joelhos sobre o milho, escrever cem
vezes uma determinada frase, entre outros) e os rótulos (menina é mais quieta que menino, os
meninos são melhor em cálculo, as meninas em literatura, futebol é exercício físico para menino,
entre outros) utilizados de forma consensual nas escolas para disciplinar os corpos, e com vista a
obterem-se comportamentos homogeneizados em relação às aprendizagens, ou seja, os discursos de
poder e saber circulam em torno da violência explicita e violência simbólica que visam a produção
de sujeitos sujeitados.
Ao escrever estas linhas, recordo-me de frases ouvidas no espaço escolar e familiar,
como: se você souber a tabuada é você quem dar “bolo” no colega; se você apanhar na escola,
quando chegar em casa apanha; você tem que escrever sobre a linha; cada número tem que ficar
certinho no quadrado; como a sala estava agitada, para ficarem quietos devem copiar do quadro
cem vezes...São estas ideias que são revisitadas no espaço escolar e que chegam como algo externo,
fruto de relações macro sociais que eclodem na escola, desconsiderando-se que é neste espaço que
crianças e jovens passam a maior parte da sua formação e que, o poder disciplinar é uma forma de
violência produzida na e pela escola.
Para Foucault (2010), a instituição escolar é o locus de realização de práticas exaustivas
de exercícios, exames, punições e recompensas centradas no corpo infantil e juvenil. A instituição
escolar, neste contexto, exerce sua função própria de inculcação de um arbitrário cultural que tende
a ser reproduzida nas relações de grupos e classes (Bourdieu; Passeron, 2011) a partir do habitus. O
habitus, em Bourdieu (1989), é um sistema de padrões de pensamento, comportamento e
gostoadquiridos que nos permitem agir sem pensar, ou seja, são rotinas corporais e mentais
inconscientes que se expressam de modo “natural” na prática social.
Na aproximação das contribuições destes dois teóricos, Tavares dos Santos, afirma que
a violência é uma forma de sociabilidade,
[...] na qual se dá a afirmação de poderes, legitimados por uma determinada norma social, o que lhe confere a forma de controle social: a violência configura-se como um dispositivo de controle, aberto e contínuo (TAVARES DOS SANTOS et al, 1998, p.38).
A violência como dispositivo de controle, ecoa no espaço escolar quando do uso do
poder coercitivo que desconhece, reprime a pessoa humana em razão da sua classe, gênero, raça
e/ou orientação sexual. Logo, é relevante evidenciarmos como estes discursos são legitimados e
reproduzidos no espaço escolar como ato educativo a partir, também, dos seus aspectos
particularizados como: discriminação, preconceito social, etnia e sexualidade.
A violência disciplinar justificada como ato educativo
Os discursos sobre a violência no âmbito escolar, normalmente giram em torno daquilo
que se compreende como violência produzida fora da escola. É comum evidenciarmos na mídia
matérias do tipo:
Figura 3: Notícia em jornal eletrônico
Fonte: http://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2013/08/prefeitura-instala-sensores-para-combater-
violencia-nas-escolas.html
Figura 4: Notícia em jornal eletrônico
Fonte:http://www.alagoas24horas.com.br/conteudo/?vCod=154808
As notícias midiáticas sobre violência escolar dão enfoque à violência física (que exige
segurança dos órgãos competentes). Desconsideram os outros tipos de violência (como por
discriminação, preconceito social, etnia e sexualidade), bem como a instituição escolar enquanto
espaço produtora de práticas que provocam danos aos seus membros (funcionários, professores/as,
alunos/as). Daí a relevância de pensar a violência escolar como, também, produzida na e pela
escola, embora cause desconforto entre os educadores e educadoras uma vez que, coloca em
suspenso às falhas pedagógicas no uso de mecanismos de violência disciplinar, mesmo quando
carregadas de “boas intenções”. É imperativo perguntarmos até que ponto as práticas de punição (já
exemplificadas aqui) não são reeditadas por modos de violência disciplinar mais silencioso e
inconsciente, mas tão eficaz quanto?
Observa-se nos espaços escolares o uso de técnicas de punição mais refinadas e sutis de
controle pedagógico, justificadas a partir da ideia de formação disciplinar e de exercícios corporais.
A violência disciplinar é justificada como ato administrativo, exercido por uma pessoa autorizada,
com vista a uma aprendizagem racionalizada. Pode-se inferir que tal proposição encontra estreita
relação com o “método elementar” proposto por Pestalozzi (1746-1827) as escolas públicas.
O cerceamento da palavra e do pensamento crítico do violentado (funcionário,
professor/a, aluno/a) – que correspondem a um tipo de violência simbólica – corrobora com o
fomento da violência física, que é sublimada como um exercício de poder. Ao trazer à luz as ideias
de Foucault e Bourdieu, para os estudos sobre violência, Tavares dos Santos et al. (1998) registra
que podemos considerar
[...] a violência como um dispositivo de excesso de poder, uma prática disciplinar que produz um dano social, atuando em um diagrama espaço-temporal, a qual se instaura com uma justificativa racional, desde a prescrição de estigmas até a exclusão, efetiva ou simbólica. Esta relação de excesso de poder configura, entretanto, uma relação social inegociável porque atinge, no limite, a condição de sobrevivência, material ou simbólica, daqueles que são atingidos pelo agente da violência (TAVARES DOS SANTOS et al.,1998, p. 67).
Tais ideias nos permitem compreender o uso dos dispositivos disciplinares no campo da
violência explicita e simbólica que justificam determinados atos educativos na escola. Dito de outro
modo, a violência direta e indireta é, também, produto da escola. Daí a relação que segue:
Local Espaço Escolar
Violência Explícita Violência Simbólica
Todos(as) estão sujeitos aos mesmos arranjos sociais, ao mesmo tempo que os
(re)produz no espaço escolar. Funcionários, professores/as e alunos/as ora assumem uma posição de
sujeitos vitimados, ora de sujeitos algozes da violência. A violência disciplinar é utilizada como
mecanismo de controle e fomento educativo.
Imaginemos o seguinte cenário: a escola “X” trabalha com crianças da educação
infantil. Nela há cinco salas de aula, uma brinquedoteca, dois banheiros (um para cada gênero), uma
cozinha onde são preparadas as refeições, uma sala da direção (com vista para todas as salas) e um
pátio que dá acesso ao portão de ferro por onde as pessoas entram e saem da escola. As crianças
quando chegam à escola, são logo encaminhadas para a sala de aula. Ao observarmos as salas de
aula, é possível observar uma professora (o gênero feminino é a maioria presente nas escolas de
educação infantil) e cerca de vinte crianças (na faixa etária de 4 a 5 anos) sentadas em suas cadeiras
(dispostas em fileiras ou não) a aguardar o início das atividades. Lá, a professora tenta mantê-las
sentada por maior tempo possível para que possam realizar suas atividades de folha de papel. Então,
és que chega o momento do lanche, a merendeira avisa a professora para que possa levar as crianças
em fila para pegar seu lanche. As crianças já de posse do lanche, devem voltar para a sala de aula
para comer. Nesse intervalo, algumas crianças aproveitam para ir ao banheiro. Já a professora, para
conversar com alguma colega, sem perder de vista o que acontece em sua sala. Terminado o tempo
do lanche, as crianças são conduzidas a fazer um relaxamento em sala para posteriormente dá-se
continuidade as atividades. Decorrido o tempo das aulas, chega o momento da saída, as crianças
aguardam na sala a chegada do seu responsável para que possam atravessar o pátio que corta a sala
de aula e o portão. Nesse cenário, não mencionamos os discursos usados nas conversas, como: a
professora que eleva o tom da voz para que as crianças fiquem quietas, a criança que chora por ter
seu biscoito tirado da mochila por um coleguinha, a criança que machuca a outra com o lápis, a
criança que cai ao correr pela sala, a criança que chama o colega de “bichinha”, a criança que
denúncia o colega a professora por está fora da sua cadeira, as crianças mais avançadas ensinam as
atrasadas nas atividades, outros. As crianças, desde cedo são “educadas” a disciplinar seus corpos
ao espaço da sala de aula. Limitação que antes de ser imposta as crianças, é justificada pela direção
as professoras, em razão da bagunça que haveria, caso fossem para outros espaços da escola. Em
nome da ordem, a professora aprende e ensina a limitação dos corpos dóceis.
No cenário acima, como nos lembra Foucault (2010), há um controle que todos
estabelecem com cada um. O processo de formação de sujeitos sujeitados produzir-se-á, também,
em outras práticas educativas com a justificativa de serem utilizados como ato educativo. A
violência disciplinar circula e fixa os indivíduos em seus postos a partir do controle minucioso do
outro que faz uso do entrecruzamento das relações de poder.
Estado
Direção
Professor/a
Aluno/a Aluno/a
Em nome da disciplina alunos/as vigiam alunos/as, que são vigiados por professores/as;
professores/as são vigiados por gestores, que são vigiados pelo Estado, há um estado de vigilância
que compromete o ato educativo como prática emancipatória do sujeito. Emancipatória na
perspectiva do pensamento de Paulo Freire (1921-1997), de comprometimento com o
desenvolvimento da capacidade de pensar crítico a partir da relação do individual com o coletivo,
ou seja, articulada aos contextos dos sujeitos reais, atos educativos “encharcados” de amorosidade
para com a pessoa Humana, atos educativos que possibilitem a (re)construção de uma sociedade do
afeto quando no processo de ensino e aprendizagem.
(In)Conclusão
Chegamos a essa parte do trabalho, destinado às conclusões, ainda com muitas
inconclusões sobre a “Violência disciplinar: o discurso da regulação na escola”. A razão de ser,
talvez se aproxime daquilo que não foi dito nestas linhas, mas que povoa os espaços das salas de
aulas a partir das práticas de cerceamento de crianças e jovens, da desiterritorização das identidades.
A prática burocratizada que no uso da violência disciplinar (re)produz nas escolas o asfixiamento
dos sujeitos. Em nome da disciplina (a ordem) o ato educativo é destituído do principio formativo
da pessoa Humana.
A vigilância que recai sobre os comportamentos e os modos de ser dos sujeitos
vivenciarem sua sexualidade, sua religiosidade, sua cultura, entre outros, revela a dificuldade das
escolas de se constituírem como espaço socializador. As inconclusões sobre a temática recaem
sobre a necessidade que temos de inverter as relações educacionais orientadas pela cultura da
violência (explícita e simbólica), que ao fazerem uso dos regimes disciplinares buscam obter um
regime de “verdade” que modelam o EU, as identidades, das crianças e jovens a fim de obter a
formação do “bom” cidadão.
Desse modo, urge revermos esse modelo de escola do iluminismo – que visa a formação
de um EU coerente, racional, harmônico, autônomo (no sentido liberal da palavra) e unitário
quando do uso das tecnologias de poder e do eu, mascarados em atos educativo. É preciso
pensarmos os atos educativos, como atos emancipatórios, como Foucault (2009) pontua, pensar a
formação do EU a partir da consideração das suas formas descentralizadas, mutantes, múltiplas e
contraditórias. Revermos os habitus já constituídos a partir do uso da violência disciplinar
produzida na e pela escola é o que justifica nossa (in)conclusão.
Referências
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