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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS
TECNOLOGIAS LIMPAS EM AO
SEGUINDO OS ENGENHEIROS, SUAS REDES E SUAS TRAMAS
KELLY CARNEIRO DE OLIVEIRA FONTOURA
Salvador
2011
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KELLY CARNEIRO DE OLIVEIRA FONTOURA
TECNOLOGIAS LIMPAS EM AO
SEGUINDO OS ENGENHEIROS, SUAS REDES E SUAS TRAMAS
Salvador
2011
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obteno do grau de Mestre em Cincias Sociais.
Orientadora: Profa. Dra. Iara Maria de Almeida Souza
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F684 Fontoura, Kelly Carneiro de Oliveira Tecnologias limpas em ao seguindo os engenheiros, suas redes e suas tramas /
Kelly Carneiro de Oliveira Fontoura. Salvador, 2011. 115 f. : il
Orientadora: Prof. Dra. Iara Maria de Almeida Souza Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, 2011.
1. Cincias Sociais. 2. Gesto. 3. gua. 3. Cincia e tecnologia. I. Souza, Iara Maria
de Almeida. II. Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. III. Ttulo.
CDD - 301 _____________________________________________________________________________
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AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que contriburam direta ou indiretamente para que este trabalho se materializasse, fica aqui meu muito obrigada. A minha famlia pelo incentivo e pela compreenso nos momentos de ausncia.
Aos amigos, principalmente Murilo e Sabrina, pelo apoio e companheirismo nos momentos difceis. Afinal dissertar algo solitrio, mas felizmente podemos compartilhar nossas angstias e incertezas com aqueles que j passaram ou esto passando pelo mesmo que ns.
excelente turma de mestrado da qual fiz parte, tive sorte de ter sido membro desta turma to diversa, mas que soube acolher todos. Possibilitando tambm muitas discusses fecundas por meio desta heterogeneidade. Gostaria de destacar alguns colegas com quem tive mais proximidade durante este perodo, so eles: Rafael, Felippe, Jos Maurcio, Rosana e Zaylin.
Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da UFBA, representados aqui pelas professoras Miriam Rabelo e Guaraci Adeodato. Elas se mostraram mais do que professoras, duas pessoas com as quais pude aprender um pouco como humanizar as relaes.
Aos membros do grupo de pesquisa ECSAS, pelos debates sempre enriquecedores das tardes de sextas-feiras. Debates este que contriburam bastante para minha formao enquanto Cientista Social. Aos colegas Luiz Correia pelas leituras de autores como Hannah Arend e Hans Jonas, e Clara Lourido pelas contribuies ao participar da banca de qualificao.
No poderia deixar de destacar o apoio e parceria de Ana Paula Garcia, figura essencial para o desenvolvimento deste trabalho, devo a ela, em grade medida, tudo o que se tornou esta dissertao.
Em especial a minha orientadora, Iara Maria de Souza, pelas conversas, pacincia, compreenso, disponibilidade e carinho narelao de orientao.
Tambm aos professores Elena Gonzalez e Asher Kiperstok por terem aceitado participar da banca de avaliao deste trabalho. Por fim, ao CNPq pelo financiamento da bolsa de mestrado, primordial para o desenvolvimento deste trabalho.
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Ns mesmos somos hbridos, instalados precariamente no interior das instituies cientificas, meio engenheiros, meio filsofos, um tero instrudos sem que o desejssemos; optamos por descrever as tramas onde quer que estas nos levem. Nosso meio de transporte a noo de traduo ou de rede. Mais flexvel que a noo de sistema, mais histrica que a de estrutura, mais emprica que a de complexidade, a rede o fio de Ariadne destas hist6rias confusas.
(LATOUR, Bruno, 1994, p. 9)
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RESUMO
O objetivo geral desta dissertao compreender como a investigao de engenheiros sanitaristas e ambientais, sobre padres de consumo de gua e utilizao de equipamentos economizadores, pode possibilitar a criao de espaos de calculabilidade em residncias de baixa e mdia renda. Para tanto, procura-se afastar da viso de clculo como algo intrnseco ao ser humano, ou visto puramente como clculo matemtico/utilitrio, no sentido de uma ao marcada pela racionalidade, mas utiliza-se a noo adotada por Michel Callon e Muniesa (2008) na qual o clculo comea por estabelecer distines entre as coisas ou estados do mundo, e por imaginar e estimar cursos de ao associada a coisas ou com os estados bem como suas consequncias. Este trabalho foi realizado por meio do acompanhamento das tramas e redes traadas por engenheiros/pesquisadores do grupo Rede de Tecnologias Limpas (RTL),quando estes desenvolviam um projeto que almejava construir uma metodologia de gesto intra-domiciliar do consumo de gua, a partir das investigaes sobre os padres de consumo, e utilizao de equipamentos e tecnologias economizadoras. Para a construo desta dissertao utilizou-se, de forma central, o aparato terico-metodolgico desenvolvido pelos autores Bruno Latour, Michel Callon, John Law, Karin Knorr Cetina etc. - a Teoria do Ator-Rede ou Sociologia da Traduo, como tambm conhecida. Esta teoria afirma que cada ator traz consigo um emaranhado de redes heterogneas, assim torna-se fundamental escolher um actante para seguir e, neste estudo, elegeu-se uma engenheira sanitarista e ambiental que acabara de ingressar no curso de mestrado, e cujo tema de pesquisa estava diretamente relacionado ao projeto em anlise. A engenheira/pesquisadora identificada no trabalho, ficticiamente, pelo nome Ariadne. Dentro da perspectiva da supracitada, optou-se, metodologicamente, por trabalhar tanto com material produzido pelo grupo de pesquisa (artigos, dissertaes, livros etc.), quanto com a utilizao de documentos formais (leis, decretos, relatrios etc.), alm de dados coletados em campo. Os dados foram coletados de forma indireta, atravs de conversas informais e observaes. Os resultados da pesquisa apontam que os espaos de calculabilidade em residncias de baixa e mdia renda constituem-se enquanto potencial de mudana, ao tentarem incorporar ao cotidiano dos usurios ferramentas para a autogesto do consumo intra-domiciliar de gua. No entanto,osengenheiros/pesquisadores precisam estar atentos para o fato de que os usurios no esto habituados com os novos dispositivos de clculo, assim, torna-se necessria a adequao trama das experincias passadas destes ltimos. J que os trabalhos dos engenheiros/pesquisadores ambicionam a manifestao de novos comportamentos e crenas em relao ao uso cotidiano da gua, por meio dos contra-argumentos que fazem emergir novos padres de utilizao dos recursos hdricos e a maneira como eles podem ser geridos pelas concessionrias. Palavras-Chave: Gesto Intra-domiciliar da Demanda de gua; Espaos de Calculabilidade; Estudos sobre Cincia, Tecnologia e Sociedade; Teoria do Ator-Rede.
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ABSTRACT
The main goal of this dissertation is to understand how the research, performed by sanitary and environmental engineers, about the tendencies on water consumption and utilization of water savings equipment, can enable the creation of spaces of calculability in low and middle income households. To this end, we move away from the vision of computation as something intrinsic to human beings, regarded as a purely mathematical calculation/utility in the sense of an action characterized by rationality, and employ the notion adopted by Michel Callon and Musiesa (2008) for whom calculation begins by
making distinctions between things or states of the world, and by imagining and estimating different courses of action associated with things or with the states and their consequences. This work was carried out by means of monitoring plots and networks designed by engineers/researchers belonging to the group Rede de Tecnologias Limpas (RTL) while they were developing a project that aimed to build a methodology for managing both the household water consumption and the use of saving equipments and technologies by researching on consumption patterns,. For the construction of this work it was used, mainly, the theoretical approach developed by the authors Bruno Latour, Michel Callon, John Law, Karin Knorr-Cetina etc also known as The Actor-Network Theory and Sociology of Translation. This theory states that each actor brings a tangle of heterogeneous networks, so it becomes vital to choose an actant to follow and, in this study, a sanitary and environmental engineer who had just joined the master program was elected and whose research topic was directly related to the project under review. The engineer/researcher was identified in the work, notionally, by the name Ariadne. Within the above perspective, it was decided, methodologically, to work with material produced by the research group (papers, books etc.), with the use of formal documents (laws, decrees, reports etc.) and with data collected on field. Data was collected indirectly, through informal conversations and observations. Research results showed that the spaces of calculability in low and middle income households constitute, by themselves, a potential for change, trying to incorporate tools for self-management of household consumption of water into the daily lives of householders. However, engineers/researchers must be aware of the fact that householders are not to new computing devices, so it becomes necessary to adequate to their past experiences. Since the work of engineers/researchers aspires to the manifestation of new behaviors and beliefs related to the everyday use of water by means of counterarguments that lead to new patterns of water use and how they can be managed by concessionaires.
Keywords: Household Water Demand Management; Space of Calculability; Social Studies on Science and Technology; Actor Network
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH Banco Nacional de Desenvolvimento Urbano
DNOS - Departamento Nacional de Obras de Saneamento
COBESA Congresso Baiano de Engenharia Sanitria e Ambiental
COMAE - Companhia Metropolitana de guas e Esgotos
EMBASA - Empresa Baiana de guas e Saneamento S/A
CORESAB Comisso de Regulao dos Servios Pblicos de Saneamento Bsico do Estado da Bahia
FAE - Fundos de Financiamento para gua e Esgotos
FTC Faculdade de Tecnologia e Cincias
OMS Organizao Mundial de Sade
ONU Organizao das Naes Unidas
PLANASA Plano Nacional de Saneamento
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
RTL Rede de Tecnologias Limpas
SAER - Superintendnciade guas e Esgotos do Recncavo
SEDUR - Secretaria de Desenvolvimento Urbano
SFS - Sistema Financeiro de Saneamento
UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana
UESC Universidade Estadual de Santa Cruz
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFRB Universidade Federal do Recncavo Baiano
UNEB Universidade Estadual da Bahia
UNIFACS Universidade Salvador
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SUMRIO
INTRODUO 12 1 O SANEAMENTO BSICO NO BRASIL: RASTREANDO OS DEZ METROS CBICOS
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1.1 BRASIL E SUAS POLTICAS PBLICAS DE SANEAMENTO 24 1.1.1 Do particular ao pblico: mudanas de escala 24 1.1.2 O Estado Enquanto Provedor do Saneamento: gesto pblica da gua x promoo da sade
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1.1.3 PLANASA: o foco no planejamento estratgico
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1.2 SANEAMENTO BSICO EM SALVADOR 31 1.2.1 A criao da EMBASA 32 1.2.2 Saneamento e Poltica Tarifria: o caso de Salvador 33 1.2.3 Estrutura Tarifria da EMBASA
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2 TRAANDO TRAMAS DE INTERESSES: O PAPEL DAS REDES SOCIOTCNICAS
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2.1 O CONGRESSO 46 2.1.1 O Painel e as Inscries: tecendo as redes sociotcnicas 48 2.1.1.1 A EMBASA: nmeros rumos universalizao 49 2.1.1.2 Sustentabilidade do Saneamento: mostrar o hoje pensando no amanh
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2.2 A RTL E SUAS REDES 60 2.2.1 O Nascimento da RTL 64 2.2.2 O Laboratrio Enquanto Centros de Clculo
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3 ESPAOS DE CALCULABILIDADE: ENGENHEIROS E USURIOS NO CAMINHO DA GESTO INTRA-DOMICILIAR
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3.1 ARIADNE E O UNIVERSO DA PESQUISA 69 3.1.1O Papel de Ariadne 71 3.2 O PROJETO
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3.3 A DISSERTAO DE ARIADNE: CONTRIBUIES TERICO-METODOLGICAS
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3.3.1 Gesto de Demanda 77 3.3.2 Consumo de gua 80 3.3.3 Residncias de Baixa Renda 81 3.3.4 Sistemas de Distribuio de gua 82 3.3.5 Uso Racional da gua 83
3.4 PARTE EMPRICA DO PROJETO
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3.4.1 Dispositivos de Clculo: tcnica de acompanhamento do consumo
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3.4.2 Gesto da Demanda Intra-domiciliar: mobilizando os usurios 90
3.5 ESPAOS DE CALCULABILIDADE
93
CONSIDERAES FINAIS
95
REFERNCIAS
100
ANEXO A - REQUISITOS E PROCEDIMENTOS PARA IMPLANTAO DA TARIFA RESIDENCIAL SOCIAL DA EMBASA
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ANEXO B - QUESTIONRIO UTILIZADO NA PESQUISA DE CARACTERIZAO DO CONSUMO RESIDENCIAL 109 ANEXO C - MODELOS DE FICHAS DE CARACTERIZAO DO CONSUMO 112
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INTRODUO
H dcadas as Cincias Sociais, em particular, a Antropologia, deixaram de se debruar no
bojo dos agrupamentos exticos, nos quais o pesquisador (observador-participante) deveria
imergir por alguns meses, ou anos, a fim de apreender aspectos lingusticos e traos culturais
peculiares. Neste contexto de investigao etnogrfica, o distanciamento geogrfico parecia
ser a melhor maneira de o pesquisador manter a neutralidade metodolgica. Ao fim do
trabalho de campo, o pesquisador, de posse dos seus cadernos e anotaes, retornava ao seu
gabinete para narrar suas experincias aos seus pares. Assim, as etnografias tinham por
objetivo, tornar compreensveis aqueles comportamentos e costumes at ento alheios aos
demais.
No contexto de pesquisa contemporneo, o distanciamento geogrfico no mais representa um
elemento propulsor da escolha do campo etnogrfico, sendo o objeto de estudo, tanto uma
tribo africana, assim como um grupo de engenheiros. Entretanto, Magnani (2002) chama
ateno para a natureza da pesquisa etnogrfica, sendo a mesma responsvel por possibilitar a
produo de um tipo de conhecimento especfico, proporcionando um modo de operar, capaz
de captar determinados aspectos que passariam despercebidos ao utilizar apenas enfoques
macros e ferramentas como questionrios estruturados. Assim, a utilizao do olhar
etnogrfico possibilita ao pesquisador observar holisticamente seu campo. E, para este
trabalho dissertativo, o campo de pesquisa escolhido foi um grupo de pesquisa em Engenharia
que trabalha com tecnologias limpas na direo de buscar solues dos problemas na fonte.
Este trabalho comeou a ter vida a partir do momento que cursei como aluna ouvinte, a
disciplina Estudos Sociais em Cincias e Tecnologia, oferecida pelo Programa de Ps-
Graduao em Cincias Sociais e ministrada pela Prof Dra. Iara Souza, que aceitou orientar
meu trabalho de dissertao. Nesta disciplina, pude ter contato com autores como Bruno
Latour, Karin Knorr-Cetina, Michel Callon, dentre outros, o que desencadeou vrias ideias e
possibilitou o desenvolvimento do meu projeto de pesquisa. Ter trabalhado como bolsista de
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iniciao cientfica num grupo de pesquisa de Engenharia facilitou a elaborao do projeto e a
escolha deste grupo como lcus de anlise.
O contato com este grupo de engenheiros iniciou-se em 2006. Neste perodo, tive a
oportunidade de conhecer mais de perto o seu trabalho, percebendo as peculiaridades, j que
era realizado numa universidade e, certamente, no o mesmo desenvolvido em construes,
escritrios e fbricas. Apesar de no ser considerado um cientista, o engenheiro pesquisador,
no contexto acadmico, desenvolve pesquisas, e concomitantemente, estuda novas
metodologias e aprimora tecnologias. A curiosidade em desvendar este novo universo fez com
que estivesse sempre atenta s suas atividades e conversas de bastidores, ou aos seus
experimentos, atravs da colaborao em suas atividades especficas. Desta forma, foram
muitas as oportunidades em que fui chamada de sociloga-engenheira, ficando claro que
nunca fui considerada uma nativa, nem era a minha inteno tornar-me um deles, mas me
interessava por comear a desbravar aquele mundo que se fazia presente dia aps dia. Assim,
ao longo de quase dois anos, fui me ambientando a este universo, compreendendo jarges
tcnicos, objetos e atividades especficas deste grupo profissional.
Uma peculiaridade deste grupo de pesquisa concentra-se no fato de tentar levar em
considerao a perspectiva dos usurios, e a incluso de uma bolsista de Cincias Sociais
indicou um passo concreto neste sentido, pois comeou a imprimir pauta de discusso,
questes relativas percepo e ao comportamento. Contudo, apesar da incorporao de
temas relacionados aos usurios, a bolsista de Cincias Sociais era vista como aquela pessoa
capaz de transitar entre a equipe tcnica composta essencialmente por engenheiros-
pesquisadores e bolsistas de iniciao cientfica, geralmente estudantes de diversos ramos da
Engenharia, e a populao alvo. Ao representar este profissional capaz de transitar entre os
dois universos, exercia uma funo instrumental, construindo questionrios e ferramentas para
tentar entender o que se passa na cabea das pessoas.
Aps o trmino da bolsa de iniciao cientfica, passei por um perodo de afastamento das
prticas dirias do grupo, mas nunca perdi totalmente os laos estabelecidos desde 2006.
Sempre era convidada a apresentar meu trabalho para os novos membros da equipe, ou,
auxiliar a elaborao de questionrios e esclarecer questes metodolgicas sobre o estudo da
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percepo dos usurios. Com o projeto de mestrado, esta vivncia passou a ser mais
frequente.
Antes de iniciar o trabalho de campo, solicitei a permisso do coordenador do grupo de
pesquisa para desenvolver um estudo etnogrfico sobre eles. Havia demonstrado meu
interesse e ele no sabia ao certo o que significava um estudo desta natureza, curioso para
saber do que exatamente se tratava. Desta forma, expliquei brevemente em que consistia.
Aps a explanao, o coordenador aceitou prontamente abrir as portas do grupo para esta
sociloga estudar os seus engenheiros-pesquisadores.
Iniciar o contato com o campo do trabalho dissertativo no foi problemtico, j que, no meu
caso, ele era bastante familiar. A linguagem j no soava como algo to estranho, assim como
os objetos, os informantes e as atividades a serem observadas. Se por um lado, poderia
facilitar a pesquisa, j que a insero parecia ser uma etapa vencida, de outro ngulo, estar to
familiarizada poderia dificultar as observaes, pois estranhar o familiar uma das mais
difceis prticas metodolgicas, afinal, como podemos nos distanciar de algo que h tempos
estamos imersos? O tempo fez com que os lugares se modificassem em relao s posies na
hierarquia do grupo, assim como aos novos arranjos e as novas configuraes espaciais.
medida que o tempo passa, novos projetos se iniciam e outros terminam, e com isso, novos
atores surgem, enquanto outros vo desaparecendo da rede. Com isso, o estranhamento foi
possvel tanto pelo tempo que passei afastada do grupo de pesquisa, desde o trmino da bolsa
de iniciao cientfica, quanto pela nova temtica que passava a ser estudada pela
pesquisadora que seguiria. Desta maneira, apesar de estar familiarizada com o campo,
existiam muitas coisas que ainda precisavam se fazer compreensveis.
Este trabalho permitiu uma experincia pessoal de retorno a um ambiente familiar, mas sob
outra perspectiva, j que deixaria de ser apenas mais um membro da equipe de colaboradores,
e passaria a ser uma pesquisadora de pesquisadores. Durante algumas visitas de campo,
procurei brincar com os membros da equipe, dizendo que eles seriam meus ratinhos de
laboratrio, pois fariam parte do meu objeto de estudo. Eles achavam graa, mas ficavam
curiosos procurando entender realmente o que eu fazia ali. Muitas vezes tentava explicar, mas
mesmo assim percebia as feies interrogativas de alguns ao fim das explicaes.
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Afinal, por que uma sociloga teria interesse em estudar um grupo de engenheiros-
pesquisadores? Qual seria o objetivo deste estudo? So muitas as perguntas que poderiam ser
listadas aqui, mas partindo dos pressupostos dos estudos sobre Cincia, Tecnologia e
Sociedade (CTS), a tcnica e a cincia tornaram-se objetos de interesse dos cientistas sociais,
a partir do momento em que estes passaram a desenvolver estudos para repertoriar mais de
perto, como a tcnica e a cincia funcionam em sua prpria cultura.
De acordo com Kreimer (2005), a ideia de que existe uma relao entre o conhecimento
cientfico e a ordem social na qual se desenvolveu foi postulado pela primeira vez h
aproximadamente oitenta anos. A sociologia da cincia teve no socilogo estadunidense a
figura percussora destes estudos. Considerar a cincia enquanto instituio autnoma e
legitimada socialmente possibilitou a Merton, propor teorias de mdio alcance e novos
conceitos. Para este autor era possvel identificar um ethos da cincia, caracterizado por
alguns elementos, entre eles, o universalismo do conhecimento produzido, o comunismo entre
os membros, o desinteresse dos cientistas e o ceticismo organizado. O tipo de conhecimento
produzido a partir dos preceitos mertonianos estava preocupado em estudar a cincia a partir
da sua lgica interna.
Autores como David Bloor contriburam para a transio dos estudos dos cientistas para os
estudos sobre a cincia. Ou seja, passa-se dos estudos sobre as representaes, a partir das
vises de mundo dos cientistas, para os estudos dos comportamentos concretos, a partir da
observncia dos contextos sociais envoltos na produo dos contedos cientficos. Bloor
tambm indicava o reestabelecimento da simetria total de tratamento entre os vencidos da
histria das cincias e os vencedores (LATOUR e WOOLGAR, 1997, p. 23). Desta forma,
estes estudos tambm procuram demonstrar como o papel das Cincias Sociais vai alm de
analisar as pesquisas cientfico-acadmicas que fracassaram, ou que simplesmente
representam coisas estabilizadas. Segundo Bruno Latour (1997), os etngrafos de laboratrio
consideram importante estudar o que produzido pelos cientistas e engenheiros e no apenas
estudar as relaes de sociabilidade que existem entre eles. Busca investigar a cincia ou a
tcnica enquanto est sendo fabricada, ou seja, em ao.
A partir destas investigaes, nasce a Teoria do Ator-Rede, ou Teoria da Traduo, como
tambm conhecida. Segundo John Law (2008), no ncleo desta teoria reside a metfora da
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rede heterognea, ou seja, uma forma de sugerir que a sociedade, as organizaes, os
agentes e as mquinas so todos efeitos gerados em redes de certos padres de diversos
materiais, no apenas humanos. Desta maneira, o social seria visto como produto de uma
rede de materiais heterogneos. Latour (2006, p.7) define o social como um movimento
muito particular de re-associao ou de reagrupamento. No entanto, o modo como estes
materiais heterogneos se associam acontece de maneira imprevisvel, no se definindo a
priori, pois se trata de questo emprica. Assim, caberia Sociologia a tarefa de caracterizar
estas redes, visando compreender como estes reagrupamentos geram efeitos diversos.
Para a construo deste trabalho, optou-se por realizar uma investigao adotando o mtodo
etnogrfico para estudar a cincia enquanto ela est sendo feita, no seu cotidiano, mas
tambm utilizando alguns princpios metodolgicos apontados pela Teoria do Ator-Rede,
como no assumir a polarizao entre observaes micro e macro. Contudo, surgem algumas
dvidas: como estudar o trabalho de pesquisa desenvolvido por um grupo de engenheiros
enquanto ele est sendo feito? A quem devemos seguir para compreender este cotidiano?
Como definir a quem seguir? Segundo Bruno Latour (2000), esta seria uma primeira regra
metodolgica. Definir a quem seguir. O primeiro passo, neste sentido, foi tentar identificar os
projetos que o grupo desenvolvia. Em segundo lugar, identificar quais os projetos que
estavam em fase inicial, pois facilitaria o acompanhamento. Mapeei os mesmos atravs da
participao em algumas reunies do grupo, considerando apenas os aspectos fundamentais
para me deixar a par do que havia acontecido em minha ausncia.
No incio de 2009, participei das reunies de planejamento do ano que se iniciava. Reunies
estas onde o coordenador do grupo de pesquisa queria ficar a par das atividades realizadas nos
ltimos meses do ano que terminara. Cada pesquisador deveria fazer um balano das
atividades passadas e apresentar o planejamento das atividades futuras. Participava sempre
como uma observadora atenta, tomando nota em meu caderno de campo dos novos rumos do
grupo, tentando mapear quais as novas tramas e redes, identificando os novos atores. Porm,
ao mesmo tempo em que observava, tambm era observada, pois alguns engenheiros achavam
algo bastante curioso a minha rotina de ficar fazendo anotaes sobre as reunies. Uma das
engenheiras-pesquisadoras sempre me perguntava o que tanto escrevia, assim, a curiosidade
no residia no fato de fazer anotaes, mas sim no volume delas, j que os participantes das
reunies tambm tomavam nota, mas de maneira pontual. Portanto, o questionamento no
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denotava receio de expor suas atividades por causa da minha presena, apenas curiosidade.
Talvez, caso ali estivesse um pesquisador que nunca tivesse sido membro deste grupo,
causasse um impacto maior, mas o fato de em algum momento ter sido de dentro facilitava
a minha incluso ao cenrio das reunies.
Dentre os projetos em fase inicial, selecionei um que tinha por objetivo investigar padres de
consumo de gua e utilizao de equipamentos economizadores, visando o uso racional de
gua em residncias de baixa e mdia renda. Assim, passei a frequentar as reunies mais
especficas, ligadas diretamente ao projeto que escolhi acompanhar mais de perto. Estas
reunies geralmente aconteciam s sextas-feiras pela manh, dia em que os pesquisadores e
bolsistas esto mais livres de suas demais atividades. Nelas so definidas as estratgias que
devero ser adotadas, planejamento das atividades e apresentao de dados.
Em pesquisas etnogrficas o pesquisador-observador no precisa impor, necessariamente, um
filtro analtico definido a priori. Os elementos a serem estudados podem ser identificados a
partir das conexes e associaes constitudas pelos atores que esto sendo seguidos. Assim,
depois da escolha do projeto, o prximo passo constituiu-se na definio dos atores que
seriam seguidos, atravs de suas associaes. Para este trabalho, foi escolhida uma engenheira
sanitarista e ambiental que havia ingressado h pouco no curso de mestrado, e cujo tema de
pesquisa estava diretamente relacionado ao projeto em anlise. Ela ser nomeada por Ariadne,
no por acaso. Trata-se de um nome bastante utilizado nos estudos de CTS, refere-se ao mito
de Teseu, jovem ateniense que recebeu um novelo de linha, de Ariadne, filha de Minos, rei da
Creta, para que ele conseguisse enfrentar as aventuras que um labirinto reservava-lhe e poder
voltar para se casar com ela, e posteriormente, viver em Atenas. Desenrolando o novelo,
mantendo uma das pontas fixa na sada e segurando a outra, Teseu pode encontrar a sada.
Desta forma, o Fio de Ariadne passa a ser sinnimo de um mtodo que permite seguir pistas
para compreender como determinada situao construda.
Essa trama que o desenrolar do fio de Ariadne tece no foi usado como alegoria de um fazer
especfico da cincia. A literatura tambm registrou similar emaranhado de sentidos. No
romance Todos os Nomes, Jos Saramago utiliza o mesmo recurso, para auxiliar sua
personagem que transita pelo arquivo dos nomes, das histrias que vo sendo reveladas por
traz de cada nome, ao longo do romance portugus. o fio que permite a personagem de
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Saramago avanar pelo labirinto vivo que cada nome vela, desvel-los, mas voltar ao incio,
vida, com uma trama, um caminho descortinado. Foi assim que atei uma ponta do fio ao
tornozelo e avancei pela escurido, iniciando as observaes a partir do ambiente de trabalho
desta engenheira-pesquisadora. As anlises no se restringiram ao espao fsico do grupo de
pesquisa, antes se devotaram ao fluxo de Ariadne entre as arenas epistmicas e
transepistmicas1.
O local de trabalho se constituiu enquanto elemento fundamental para auxiliar o
pesquisador/observador a localizar e identificar como as tramas so construdas e quais as
redes devem ser seguidas. Desde a dcada de 1970, quando as etnogrficas de laboratrio
comearam a ser desenvolvidas, aconteceram algumas transformaes nos estudos sobre
Cincia, Tecnologia e Sociedade. Para Michel Callon,
assim que, agora, nos damos conta de que os laboratrios so somente um elemento de dispositivos mais extensos e de que, para compreender a dinmica da produo de conhecimentos e de tcnicas, no basta se interessar somente pelas atividades de laboratrio e pelo que os cientistas fazem, mas importante abordar tambm o conjunto de coletivos heterogneos profissionais e sociais que participa de uma maneira ou de outra, na concepo, elaborao e transporte das inovaes (CALLON, 2008, p. 303).
Deste modo, minhas observaes no se restringiram apenas ao espao fsico do grupo de
pesquisa. Tambm acompanhei as apresentaes de alguns pesquisadores no I Congresso
Baiano de Engenharia Sanitria e Ambiental, que ocorreu em Salvador entre os dias 11 e 16
de julho de 2010. Nestes momentos, acompanhei Ariadne nas arenas transepistmicas ou
campos transcientficos, o que me possibilitou dar conta das relaes que vo alm do espao
fsico do grupo de pesquisa, pois nestas esferas podemos observar como os diferentes atores
da rede se inter-relacionam. Segundo Bruno Latour (2000, p.330), enquanto os cientistas e
engenheiros trabalham, vo mapeando para ns e para si mesmos as cadeias de associaes
que constituem a sua scio-lgica. A principal caracterstica dessas cadeias a
imprevisibilidade para o observador -, porque elas so totalmente heterogneas.
1Arenas Transepistmicas ou Campos Transepistmicos um conceito desenvolvido por Karin Knnor-Cetina para demonstrar como o trabalho cientfico perpassado e sustentado por outras relaes e atividades que transcendem o laboratrio. Assim, as arenas so espaos de ao que envolve combinaes de pessoas eargumentos, agregam elementos cientficos e no cientficos. As relaes com esferas consideradas no cientficas e a realizao de papeis e funes no cientficas tambm fazem parte da produo do conhecimento cientfico
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Dentro desta perspectiva, optou-se por trabalhar tanto com material produzido pelo grupo de
pesquisa (artigos, dissertaes, livros, etc.), quanto com a utilizao de documentos formais
(leis, decretos, relatrios, etc.), alm de dados coletados em campo. Os dados no foram
coletados de forma direta, por exemplo, utilizando-se questionrios ou roteiros de entrevistas.
Mas de forma indireta, atravs de conversas informais e observaes. A opo pela no
utilizao de mecanismo como entrevistas, deu-se como alternativa para preservar a
espontaneidade das informaes cedidas pelo ator que estava sendo seguido, possibilitando
uma maior riqueza de detalhes.
As observaes partiram de dois eixos: o primeiro, a relao de Ariadne com o grupo de
pesquisa, sendo o segundo, a relao de Ariadne com seu tema de pesquisa. Para Latour
(2000, p. 331), a nica coisa que podemos fazer observar tudo o que est atado s
afirmaes. O autor tambm indica que podemos estudar como so feitas as atribuies de
causa e efeito; que pontos esto interligados; que dimenses e que fora tm essas ligaes;
quais so os mais legtimos porta-vozes; como todos esses elementos so modificados durante
a controvrsia. Tomei estes elementos como indicaes metodolgicas sobre as possibilidades
de observaes, e assim, medida que o trabalho de campo ia sendo realizado, questes se
revelaram, indicando a necessidade de focar na assertiva que apresenta como os pontos esto
interligados. Desta forma, as observaes foram me arrastando para uma histria sobre
calculabilidade e o objetivo geral deste trabalho tornou-se compreender como a investigao
de engenheiros sanitaristas e ambientais sobre padres de consumo de gua e utilizao de
equipamentos economizadores podem possibilitar a criao de espaos de calculabilidade em
residncias de baixa e mdia renda.
O autor John Law (2008) nos coloca a seguinte questo: por que de vez em quando, mas
apenas de vez em quando, tomamos conscincia das redes que esto por trs e que constituem
seja um ator, um objeto, ou uma instituio?. De acordo com o autor, isso acontece, pois
todos os fenmenos so o efeito ou produto de redes heterogneas, mas na prtica elas so
simplificadas, tornando-se visvel apenas a sua totalidade.
Acompanhar as investigaes de Ariadne me levou a notar o aparecimento de uma destas
redes, ou seja, perceber como a relao de consumo estabelecida entre os usurios dos
servios de abastecimento de gua e os fornecedores destes servios, constitui-se numa
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relao assimtrica, no sentido em que as partes envolvidas nesta relao no possuem as
mesmas ferramentas. Nota-se que os usurios ocupam posio desfavorvel, pois no
possuem instrumentos para auxili-los no clculo de suas escolhas ou decises. Por exemplo,
no possvel comparar o servio de vrios fornecedores, pois apenas uma empresa os
oferece. Como qualificar um servio quando os usurios no possuem parmetros para
fundamentar suas decises? Da mesma forma, muito pouco informado aos usurios sobre os
mecanismos utilizados pelas companhias de saneamento para calcular as tarifas dos servios
prestados.
Nesta relao, os engenheiros procuram atuar como uma espcie de intermediadores, ao
procurar torn-la cada vez mais simtrica. Por meio de suas investigaes sobre os padres
de consumo de gua e utilizao de equipamentos economizadores, a criao de espaos de
calculabilidade nas residncias dos usurios pode ser disponibilizada, ou seja, fornecendo-lhes
subsdios para conhecer a maneira como a gua gasta em sua residncia, calcular o seu
prprio consumo e compreender a forma como a companhia cobra pelos servios prestados.
Assim, utilizar equipamentos de controle do consumo possibilita aos usurios a gesto
domiciliar da gua.
Para compreender em quais bases est pautada a construo de espaos de calculabilidade,
torna-se necessria apresentar a definio de clculo adotada neste trabalho. Partiremos da
noo utilizada por Michel Callon e Fabian Muniesa (2008),que consideram o clculo de uma
forma que procura expor os elementos e mecanismos que permitem mercados se comportar
como dispositivos coletivos calculistas. Portanto, como sugerem Callon e Muniesa (2008),
no reduziremos os usurios a suas competncias calculistas, como o homo economicus
aludido pela teoria econmica clssica e to temido por socilogos e antroplogos. Segundo
Aspers (2005), apenas possvel entender o homo economicus em relao ao conjunto de
ferramentas e conhecimentos que tenha sido adicionado pela produo humana. Portanto, o
clculo no ser estudado como algo intrnseco ao ser humano, ou visto puramente como
clculo matemtico-utilitrio, no sentido de uma ao marcada pela racionalidade, ou seja, a
eficincia da ao, na qual o ator escolhe os meios mais eficientes para alcanar seus
objetivos. Sendo desta forma, estaramos concebendo um estrategista possuidor de
conhecimento adquirido a priori:
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Clculo no significa necessariamente realizao de matemtica ou mesmo operaes numricas (Lave, 1988). Clculo comea por estabelecer distines entre as coisas ou estados do mundo, e por imaginar e estimar cursos de ao associada a coisas ou com os estados bem como suas consequncias. Iniciando com este tipo de definio usual da noo de clculo, tentamos evitar a distino (tambm convencional, mas muito afiada) entre julgamento e clculo (CALLON & MUNIESA, 2008).
Assim, a partir da noo de clculo, procurei observar como podem estar interligados
engenheiros-pesquisadores, usurios e concessionria. Neste trabalho tentei cavar um tnel
entre os trs, o que poder nos levar a caminhos interessantes. Temos por um lado, a
concessionria estadual de abastecimento de gua pautada num tipo de calculabilidade de
mercado (ou econmica), que por ser uma empresa de capital misto, situa-se numa situao
hbrida, precisando garantir sua sustentabilidade econmica, mas que tambm necessita levar
em conta as caractersticas do bem com que lida, alm das legislaes que conferem
universalizao e acessibilidade o status de princpios bsicos para a oferta deste servio.
Em outra extremidade temos os usurios, possuidores de um tipo de calculabilidade tcita,
representados aqui por moradores de um bairro popular da Regio Metropolitana de Salvador
que aceitaram participar de um projeto de pesquisa que visa investigar os padres de consumo
de gua e a utilizao de equipamentos economizadores em residncias de baixa e mdia
renda. A partir da instrumentalizao possibilitada pelo engajamento neste projeto, podem
desenvolver um novo tipo de calculabilidade para gerir o consumo de gua de suas
residncias. Por fim, temos um grupo de engenheiros-pesquisadores que desenvolvem uma
srie de dispositivos materiais de clculo para compreender como se do estes padres de
consumo de gua com o intuito de apresentar a seus pares, e demais pblicos,
questionamentos a respeito do sistema tarifrio e dos elementos constituintes da demanda por
gua, a partir do futuro cenrio de escassez hdrica e do comportamento do modelo peneira,
atual sistema de abastecimento de gua.
Deste modo, a dissertao est dividida em trs captulos, alm da introduo e consideraes
finais. Esta diviso procura dar conta das tramas que entrelaam a concessionria de
abastecimento de gua, os usurios e os engenheiros-pesquisadores, atravs da observncia
dos elementos constituintes desta trade. Assim, o primeiro captulo, Saneamento bsico
ontem e hoje: rastreando os dez metros cbicos, visa compreender os motivos da adoo dos
10m como parmetro para a construo do atual sistema tarifrio dos servios de
abastecimento de gua. Desta forma, parte de um breve caminhar histrico sobre as polticas
pblicas de saneamento no Brasil e, mais especificamente, em Salvador, observando algumas
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leis e decretos que regulamentam este servio. Outro aspecto abordado neste captulo a
construo do sistema tarifrio adotado pela EMBASA, observando a calculabilidade
implicada no processo de construo deste sistema.
J no segundo captulo, Traando tramas de interesses: o papel das redes sociotcnicas,
observa-se o entrelaamento entre concessionria e engenheiros-pesquisadores, atravs do
debate a respeito do atual modelo do sistema de abastecimento de gua e desafios
tecnolgicos que ocorreu no Primeiro Congresso Baiano de Engenharia Sanitria e Ambiental
(I COBESA), contrastando-se a calculabilidade implicada nas diferentes perspectivas de
anlise de um mesmo fenmeno. Neste captulo ainda ser abordada a questo do grupo de
pesquisa como centros de clculos, espaos nos quais os engenheiros-pesquisadores
desenvolvem e utilizam dispositivos materiais de clculo para auxiliar a sistematizao das
informaes coletadas em campo no sentido de fundamentar seus argumentos e suas
hipteses.
No ltimo captulo, Espaos de calculabilidade: engenheiros e usurios no caminho da
gesto intra-domiciliar, apresento a relao dos engenheiros-pesquisadores e usurios no
desenvolvimento do projeto em anlise, a partir das categorias abordadas pelos engenheiros-
pesquisadores como, por exemplo, a gesto da demanda, do consumo de gua e uso racional.
Como tambm a anlise da possvel transformao de residncias em espaos de
calculabilidade, ao possibilitar que os usurios engajados no projeto possam adotar medidas
de gesto domiciliar do consumo de gua.
Neste sentido, espero que o presente estudo possibilite a ns, cientistas sociais, outra forma de
olhar a questo da calculabilidade, a partir da distino de coisas ou estados do mundo.
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CAPTULO I - O SANEAMENTO BSICO NO BRASIL: RASTREANDO OS DEZ METROS CBICOS
Em 2009, quando cheguei ao laboratrio (o grupo de pesquisa RTL - Rede de Tecnologias
Limpas) para acompanhar as prticas cotidianas de Ariadne, deparei-me com uma profuso de
novos assuntos e temticas. Entre os destaques, a gesto da demanda da gua. Na poca em
que fui bolsista de iniciao cientfica, outras temticas estavam em evidncia, como por
exemplo, saneamento ecolgico, reuso de gua e otimizao do consumo de gua em prdios
pblicos e residncias. Estes temas abrangentes estavam relacionados aos projetos nos quais
trabalhei, mas ao retornar na posio de pesquisadora de pesquisadores, percebia emerso
de novas temticas. Logo, precisaria me atualizar diante das mudanas ocorridas em minha
ausncia. Assim, o importante agora seria prestar ateno s conversas e novas discusses
para anotar e perguntar, com o intuito de tentar compreender estes novos debates.
Deste modo, tanto as conversas informais, assim como a participao em reunies da RTL se
tornavam cada vez mais fundamentais para desvendar estas novas tramas. Atravs das
reunies, comeava a perceber que um ponto importante na avaliao da gesto da demanda
seria a preocupao e os questionamentos dos engenheiros-pesquisadores em torno do volume
mnimo adotado como parmetro na construo do sistema tarifrio do servio de
abastecimento de gua. J que, desde o final da dcada de 1960, este valor foi fixado em
10m/ms, ou seja, independente do volume consumido mensalmente os consumidores
residenciais so cobrados pelo valor em R$ referente ao consumo de 10.000 litros de gua,
mesmo que o volume real consumido encontre-se entre zero e dez metros cbicos mensais.
No entanto, estes engenheiros-pesquisadores tinham realizado uma pesquisa em dez
residncias numa localidade de baixa renda e, identificaram que a maioria delas possua
consumo muito inferior aos 10m mensais estipulados pela concessionria de abastecimento
de gua. Desta forma, comeam a desenvolver diversos estudos no intuito de comprovar no
se tratar de apenas um caso isolado, mas como nova tendncia do comportamento de consumo
desta camada econmica em reas urbanas.
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Mas por que 10m? Como foi estipulado este valor? Quais as variveis envolvidas na
determinao deste valor? Estas dvidas foram emergindo ao passo que o trabalho de campo
ia sendo desenvolvido. Entretanto, diversas vezes indaguei aos engenheiros-pesquisadores
como fora definido o valor de 10m, mas sempre recebia respostas vagas e evasivas a respeito.
Portanto, procurei seguir os caminhos que levassem a esclarecer estas dvidas. Assim, as
investigaes deste captulo objetivam auxiliar na compreenso dos contextos envolvidos na
definio deste valor. Neste sentido, o intuito do trabalho era observar brevemente como tem
sido tratada a questo do saneamento bsico ao longo da histria do Brasil, e as implicaes
ocasionadas a partir da incluso da mxima da universalizao prestao destes servios, em
especial, ao servio de abastecimento de gua.
1.1 BRASIL E SUAS POLTICAS PBLICAS DE SANEAMENTO
O que fazer com os dejetos humanos? Com fazer chegar gua casa das pessoas? Quem
responsvel por estas tarefas? Quem paga por elas? Estas perguntas que atualmente aparecem
reunidas sob o rtulo de questo do saneamento bsico teve no Brasil ao longo dos sculos
respostas prticas bastante distintas. Portanto, a fim de entendermos o modo como o problema
se coloca atualmente, pretendo dar um panorama de como esta questo foi tratada em
diferentes momentos.
1.1.1 Do particular ao pblico: mudanas de escala
No perodo colonial o abastecimento de gua e o manejo dos dejetos ficavam a cargo dos
indivduos. Escravos, chamados de tigres, transportavam os dejetos carregando-os em potes
sobre a cabea para despej-los em locais desertos. Este servio tambm era oferecido de
maneira informal em troca de algum ganho, no entanto, as pessoas sem posses desfaziam-se
dos dejetos em locais prximos de suas residncias, e com isso, ficavam mais sujeitas ao
contgio de doenas vinculadas falta de salubridade.
A partir do sculo XVIII o abastecimento de gua passa a ser realizado atravs de chafarizes e
fontes pblicas, mas a distribuio ficava a cargo de escravos ou de vendedores. O manejo
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25
dos dejetos permanecia ainda sob a responsabilidade dos indivduos. apenas no sculo XIX
que se tem o incio da instalao das redes de abastecimento de gua domiciliar. Segundo
Silva (1998, p. 50):
Apesar da construo dos chafarizes, a oferta em gua no era satisfatria.Parte da populao se abastecia por fontes centrais e a gua era transportada por escravos ou comprada dos vendedores (os pipeiros). Alm disso, medida que cresciam as cidades, a populao mais carente ficava obrigada a realizar longos deslocamentos por falta de chafarizes prximos, ou por serem alguns destes explorados por companhias particulares que comercializavam a gua. Tal fato demonstrava que somente uma minoria da populao sebeneficiava com o atendimento dos servios bsicos. Essa situao tenderia a mudar com a mudana poltica e a consolidao da Repblica.
Do ponto de vista urbanstico e econmico, a vinda da famlia real ao Brasil, em 1808,
propiciou o desenvolvimento das cidades, houve crescimento significativo da populao dos
centros urbanos, e com isso, surgem demandas por infraestrutura, como por exemplo,
abastecimento de gua e manejo dos dejetos, habitao, transporte, etc. Neste perodo as aes
de saneamento estavam intrinsecamente relacionadas promoo da sade pblica, atravs da
inspeo sanitria porturia e do combate s epidemias de febre amarela e clera em cidades
como Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Deste modo, o saneamento deixa de ser uma questo
apenas de ordem privada, j que envolvia outras dimenses, como as polticas de comrcio
exterior.
At as primeiras dcadas do sculo XX, a oferta de infraestrutura restringia-se aos ncleos
urbanos, deixando margem as localidades mais afastadas e atendendo apenas uma pequena
parcela da populao. Neste perodo a gesto dos servios de infraestrutura era realizada
atravs do modelo de concesso, conforme explica Costa (1994, p. 73 apud SILVA, 1998, p.
52):
Os governos das provncias e dos municpios no tinham aparato tcnico-administrativo para implementar as aes demandadas pela populao. O prprio estgio de desenvolvimento tecnolgico brasileiro era pueril, enquanto a Inglaterra estava na vanguarda da tecnologia em engenharia sanitria do mundo, detinha capital e hegemonia poltica.
Desta forma, coube ao Estado brasileiro o papel de regulamentar as concesses, enquanto aos
investidores estrangeiros, entre eles os ingleses, competia a importao de tcnicas, materiais
e insumos para operacionalizar os servios de infraestrutura.
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Neste sentido, nota-se que as medidas adotadas pelo Estado brasileiro, tanto para controlar
surtos epidmicos quanto para investir em infraestrutura, eram de carter emergencial, no
existia uma continuidade das aes, caracterizavam-se sendo pontuais e fragmentadas.
Segundo Silva (1998, p. 53), as medidas necessrias eram tomadas aps a instalao dos
problemas, ou seja, quando a situao j tinha se tornado insustentvel, atingindo tambm os
grupos privilegiados, como no caso das epidemias. A busca de solues para evitar as
epidemias, fez com que se desenvolvesse no Rio de Janeiro, uma rede de abastecimento de
gua e esgotos baseado no modelo ingls. A gua ento passaria a ser um bem econmico e
seria comercializada.
Por outro lado, observam-se mudanas de escala em relao aos servios de saneamento.
Estes deixam de ser algo localizado, resolvido por aes individuais, ou um servio oferecido
por pipeiros e escravos, e tornam-se servios ofertados por investidores estrangeiros em posse
de capital e tecnologia para investir nas dispendiosas obras de saneamento bsico. Neste
perodo, o pas ainda no era provido de empresas para desenvolver projetos desta natureza.
Mas, a partir do final do sculo XIX, a engenharia sanitria nacional desenvolve-se, tendo
como pioneiro o engenheiro civil Saturnino de Brito. De acordo com Silva (1998, p. 54),
no perodo final do sculo passado [sculo XIX], a incipiente Engenharia Sanitria Nacional foi de importncia fundamental para o setor de saneamento no Brasil, destacando-se os trabalhos desenvolvidos pelo engenheiro Saturnino de Brito. Nesta fase, as tcnicas de interveno passaram a incorporar os problemas urbanos de maneira mais abrangente sobre o espao da cidade. Diversas transformaes ocorreram nas concepes urbansticas e na infraestrutura, marcada pela criao de novos servios de saneamento e crescimento do abastecimento de gua.
Investir no aprimoramento da engenharia sanitria nacional possibilitou ao Estado brasileiro
assumir o papel de provedor dos servios de saneamento bsico e no apenas regulador.
1.1.2 O Estado enquanto provedor do saneamento: gesto pblica da gua x promoo
da sade
Desde a Constituio Republicana de 1891, os servios de infraestrutura urbana e a vigilncia
sanitria tornaram-se incumbncia do Estado. E, a partir do incio do sculo XX, houve a
valorizao das intervenes que priorizavam os aspectos sanitrios e de higiene no processo
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de promoo da sade, propagando assim a poltica sanitria dos higienistas promovida por
Oswaldo Cruz. Em 1904, foi criada a Diretoria Geral de Sade Pblica, cujo primeiro objetivo
foi o combate febre amarela.
Neste perodo, existiram dois movimentos importantes na rea do saneamento. O primeiro
consistia na defesa da gesto pblica dos recursos hdricos, atravs da criao de rgos
pblicos federais, como, por exemplo, a Inspetoria de Obras contra as Secas, dando incio
formulao de normas de regulamentao da propriedade e aproveitamento dos cursos dgua
em todo o territrio nacional (SILVA, 1998, p. 55). Neste momento o Estado passa a
regulamentar a propriedade da gua, dissociando-a da propriedade da terra para investir no
desenvolvimento do setor urbano-industrial, mas tambm com o intuito de estabelecer o uso
social da gua. Para tanto, foi criado o Cdigo de guas, atravs do Decreto n 24.643, de
10/07/1934, no governo de Getlio Vargas, pois considerava que o uso das guas no Brasil
estava em
desacordo com as necessidades e interesse da coletividade nacional.Considerando que se torna necessrio modificar esse estado de coisas, dotando o pas de uma legislao adequada que, de acordo com a tendncia atual, permita ao poder pblico controlar e incentivar o aproveitamento industrial das guas.
O segundo movimento consistia na ao de promoo na rea de sade e saneamento, assim,
em 1920, foi criado o Departamento Nacional de Sade Pblica. Por intermdio de Carlos
Chagas, estas aes se estendem para todo o territrio nacional. Liderando o que se
convencionou chamar de movimento sanitarista, o mdico Carlos Chagas colocou em
evidncia as condies de sade das populaes rurais, considerando este um dos entraves
para o Brasil tornar-se um pas civilizado, uma nao.
A revoluo da dcada de 1930 fez com que emergisse o sentimento nacionalista nas
configuraes institucionais do Estado brasileiro. O pas comea a investir em indstrias, o
que muda um pouco a dinmica econmica que sempre teve suas bases nas monoculturas.
Desta forma, h um grande fluxo de pessoas em direo aos centros urbanos. O que viria a
influenciar a postura do Estado em relao s polticas pblicas. Conforme Silva (1998, p.
58),
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Desde ento, o Estado passou a implementar e gerir diretamente os servios,introduzindo uma certa modernizao tcnica e administrativa, demarcando um ponto de inflexo, onde diversas concesses de servios foram sendo encampadas. Contudo, essas iniciativas no eram, obrigatoriamente, produto de um estudo preliminar, de carter global esistemtico, mas resultantes das situaes crticas, ou problemticas, surgidas ao longo do processo poltico e da evoluo econmica.
Observa-se ao longo da histria que as intervenes do Estado brasileiro, na rea do
saneamento, muitas vezes tiveram o intuito de remediar as situaes instaladas. Entretanto, a
partir da dcada de 1930, h uma guinada nesta postura e o Estado passa a investir na
reformulao de instituies pblicas que fossem capazes de gerir os assuntos de sade e
saneamento.
No campo especfico da sade, atendendo demanda por integrao ereformulao dos diversos organismos pblicos, as questes tanto de sade como de saneamento, que estavam ligadas a outros setores governamentais, passaram a ser unificadas com a criao do Ministrio de Educao e Sade Pblica. Rodrigues & Alves (1977) ressaltam que a Constituio de 1934 foi a que mais expressamente tratou da Sade Pblica como responsabilidade do governo, prevendo a participao dos municpios nos problemas sanitrios(SILVA, 1998, p.59).
Assim, observa-se que o Estado assume outra postura em relao gesto de servios
pblicos, h uma retomada, o Estado no representa mais aquele que apenas confere
concesses de servios, mas aquele que investe no planejamento governamental.
Para o planejamento do setor de saneamento, o Departamento Nacional deObras de Saneamento (DNOS), que tinha atuao somente no Distrito Federal, foi estendido a todo o territrio nacional, a partir da experincia adquirida ao atuar na Baixada Fluminense. Desde ento, o DNOS ficou incumbido, alm da execuo das obras de drenagem, aterros e canais, de construir sistemas de guas e esgotos em todo o pas, sendo tais servios,posteriormente, entregues s administraes municipais (SILVA, 1998, p. 63).
Aps a Segunda Guerra Mundial surgiram instituies internacionais, como a Organizao
Mundial de Sade (OMS), que comeam a influenciar mudanas institucionais no setor de
sade pblica e saneamento. Neste perodo, observa-se a transio do modelo de gesto
adotado pelo Estado, este deixa de ser centralizador e torna-se mais liberal. Segundo Silva
(1998, p. 64):
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No setor de saneamento, destacava-se a busca por uma maior autonomia dos servios atravs das formas de gesto autrquicas, bem como de novos mecanismos e perspectivas de financiamento,visto que as taxas e tarifas dos servios de utilidade pblica, tais como energia, gua e esgotos, eram considerados irreais por parte do governo. Por outro lado, a Constituio de1946 procurou regulamentar a utilizao dos recursos naturais visando explorao econmica dos mesmos, de acordo com os princpios que a nortearam, dando nfase livre iniciativa e propriedade privada, reservando Unio a competncia para legislar sobre as guas.
Vale ressaltar como neste perodo, ainda no existiam sistemas tarifrios bem delimitados,
com regras claras e padres estabelecidos para o clculo do preo a ser cobrado pela oferta de
servios tidos como de utilidade pblica.
A partir da dcada de 1950, o Brasil assume uma nova postura em relao ao modelo de
gesto. Desta vez, adota-se o desenvolvimentismo, a poltica econmica promovida pelo
governo de Juscelino Kubitschek, com o intuito de acelerar o crescimento industrial do pas,
baseada num Programa de Metas. Entretanto, de acordo com Silva (1998, p. 65),a
administrao do saneamento continuava distribuda por vrios ministrios e autarquias, com
pulverizao de recursos financeiros e disperso do pessoal tcnico,acentuando a distncia
em relao ao que era realizado, neste setor, em outros pases.
1.1.3 PLANASA: o foco no planejamento estratgico
Em 1953, foi aprovado o primeiro Plano Nacional de Saneamento para financiar servios de
abastecimento de gua em municpios, inicialmente, de at 50.000 habitantes, e que ainda no
possuam rede de abastecimento. Num segundo momento, iria financiar a ampliao dos
sistemas existentes. Entretanto, segundo Gleizer (2001, p. 15), a partir das falhas encontradas
neste primeiro plano, foi formulado outro, considerando os seguintes aspectos: a)
planejamento a longo prazo e b) incio em ritmo lento e acelerao medida em que as
condies nacionais o permitissem.
O Banco Nacional da Habitao (BNH), uma autarquia federal criada pela Lei n 4.380, de
21/08/1964, vinculado ao Ministrio do Interior, tornou-se um rgo primordial para o
financiamento de projetos de infraestrutura urbana, inclusive no setor de saneamento. O BNH,
em 1968, implementa, em carter experimental, o Plano Nacional de Saneamento Bsico
(PLANASA), que s foi formalizado em 1971. O censo de 1970 apontava que 50% dos
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brasileiros eram contemplados com sistema de abastecimento de gua. Contudo, apenas 20%
eram atendidos por sistemas de esgotamento sanitrio (MONTEIRO, 1993). Antes do
PLANASA, os municpios, isoladamente, criavam seus sistemas de saneamento ao observar a
distribuio destes sistemas pelo territrio nacional. Era possvel notar o desequilbrio entre as
diferentes regies do pas. Conforme Monteiro (1993), estas iniciativas individuais
colaboravam para: a) aumento dos custos operacionais b) mau aproveitamento dos escassos
recursos humanos qualificados c) inviabilidade dos projetos relativos s comunidades menos
ricas e d) aumento do valor do investimento requerido.
Com o intuito de tentar solucionar esta disparidade, o PLANASA fomenta a criao de
companhias de saneamento bsico para proporcionar a centralizao das aes de
abastecimento de gua e esgotamento sanitrio no nvel estadual e no mais municipal. Estas
companhias eram constitudas pelos Governos dos Estados e, deveriam firmar convnio com
o BNH para a execuo do plano nos Estados. No entanto, nem todos os municpios aceitaram
integrar esta nova poltica de financiamento das obras de saneamento bsico,
aproximadamente 25% dos municpios preferiu continuar com suas aes locais, todavia,
estes municpios ficaram a margem dos financiamentos oferecidos pelo BNH.
Os investimentos necessrios para este setor eram bastante altos, assim as agncias
internacionais financiadoras do PLANASA, por exemplo, o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e Banco Mundial, consideravam que o modelo de gesto realizado
por sociedades de economia mista de capital autorizado e pessoa jurdica de direito privado
poderia proporcionar mais credibilidade e segurana.Segundo o artigo 3 do Decreto n
82.587, de 6/11/1978, o PLANASA tinha por objetivos permanentes:
a) A eliminao do dficit e a manuteno do equilbrio entre a demanda e a oferta de servios
pblicos de gua e de esgotos, em ncleos urbanos, tendo por base planejamento,
programao e controle sistematizados;
b) A auto-sustentao financeira do setor de saneamento bsico, atravs da evoluo dos recursos
a nvel estadual, dos Fundos de Financiamento para gua e Esgotos (FAE);
c) A adequao dos nveis tarifrios s possibilidades dos usurios, sem prejuzo do equilbrio
entre receita e custo dos servios, levando em conta a produtividade do capital e do trabalho;
d) O desenvolvimento institucional das companhias estaduais de saneamento bsico, atravs de
programas de treinamento e assistncia tcnica;
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e) A realizao de programas de pesquisas tecnolgicas no campo do saneamento bsico.
Atravs do item c a adequao dos nveis tarifrios -, nota-se que pela primeira vez, h uma
preocupao concreta com a questo da construo de um sistema tarifrio, por meio do
estabelecimento de normas e diretrizes que buscassem o equilbrio entre as diferentes
possibilidades de pagamento por estes servios, mas no esquecendo o equilbrio entre
receitas e custos dos servios ofertados. Assim, notar-se- como compreender esta questo
ser fundamental para observar o quanto esse fator influenciou o estabelecimento dos 10m
como parmetro para o clculo das tarifas, adotado at hoje pelas concessionrias.
Agora que foi apresentado um panorama geral sobre como o problema do saneamento tem
sido tratado em diferentes momentos da histria do Brasil. Partiremos para a observao do
caso especfico do Municpio de Salvador.
1.2 SANEAMENTO BSICO EM SALVADOR
Em relao prestao dos servios de abastecimento de gua e esgotamento sanitrio do
Municpio de Salvador, desde 1925, estas aes so realizadas pelo Governo do Estado
atravs de convnio administrativo firmado com a prefeitura. Assim, ao longo dos anos, a
organizao do Governo do Estado foi se reconfigurando, novos rgo e entidades foram
criadas para gerir estes servios. Entre eles, podemos citar a Subsecretaria de Sade e
Assistncia Pblica, substituda pela Superintendncia de guas e Esgotos do Recncavo
(SAER), instituda pela Lei n 1.549 de 11/01/1961, posteriormente transformada na
Companhia Metropolitana de guas e Esgotos (COMAE) e, por fim, cria-se a EMBASA, a
atual responsvel por estes servios, no apenas no Municpio de Salvador, mas em grande
parte do Estado da Bahia.
1.2.1 A criao da EMBASA
O Governo do Estado da Bahia, por meio da Lei Estadual n 2929, de 11/05/1971, criou a
Empresa Baiana de guas e Saneamento S/A EMBASA para viabilizar a implantao do
PLANASA. Segundo o Plano Municipal de Saneamento Bsico de Salvador (2008):
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Inicialmente, caberia a EMBASA desenvolver projetos, construir, ampliar e reformar diversos sistemas de abastecimento de gua e de esgotamento sanitrio em todo o Estado, enquanto suas subsidirias COMAE e COSEBocupar-se-iam, respectivamente, da operao dos sistemas de Salvador e da Regio Metropolitana e do interior baiano. Em 1975, no entanto, essas companhias foram extintas e seus servios incorporados EMBASA. Instituda como sociedade de economia mista de capital autorizado e pessoa jurdica de direito privado, a EMBASA foi a primeira companhia estadual do pas a capacitar-se para convnios com o extinto Banco Nacional de Habitao BNH, visando a captao de recursos no mbito do PLANASA.
O Decreto Federal n 82.587, de 6/11/1978 estabelece as responsabilidades das companhias
estaduais de saneamento bsico, sendo ento, a) executar a programao estadual de
saneamento bsico, em consonncia com os objetivos e metas do PLANASA b) elaborar
planos, estudos e propostas tarifrias, de acordo com as normas estabelecidas, submetendo-os
ao BNH c) aplicar os reajustes tarifrios concedidos, de acordo com as autorizaes emitidas
pelo Ministro de Estado do Interior d) cumprir as normas expedidas pelo BNH, relativas ao
Sistema Financeiro de Saneamento (SFS).
Observa-se, por meio da listagem destas responsabilidades, a submisso hierrquica das
concessionrias estaduais s normas e diretrizes tanto do BNH, quanto do Ministrio do
Interior. Assim, percebe-se que o horizonte de ao das concessionrias, em grande medida,
estava condicionado pela agncia destes atores. No entanto, observaremos as peculiaridades
das transformaes da poltica tarifria do sistema de abastecimento de gua do Municpio de
Salvador.
1.2.2 Saneamento e Poltica Tarifria: o caso de Salvador
No Municpio de Salvador, a poltica tarifria dos servios de saneamento bsico passou por
mudanas de marcos regulatrios. No perodo que vai de 1925 a 1961, obedecia s
deliberaes do rgo da Administrao Direta do Estado, ento responsvel pela prestao
dos servios. J no perodo de 1961 a 1971, deveria obedecer aos requisitos estabelecidos pela
Lei Estadual n 1.549/1961 (PMSB, 2008).
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A partir de 1971, a poltica tarifria ficou subordinada s normas tcnicas ditadas pelo
Ministrio do Interior2e BNH, regulamentadas pela Lei Federal n 6.528/1978 e pelo Decreto
Federal n 82.587/1978. Este decreto definiu algumas diretrizes para o estabelecimento da
poltica tarifria da prestao dos servios de abastecimento de gua e esgotamento sanitrio,
dentre elas, podemos destacar os aspectos econmicos e sociais (artigos 10 e 11), e
concomitantemente, os aspectos tcnicos (artigos 12, 13 e 18).
Os aspectos econmicos e sociais realam que os servios de saneamento bsico deveriam ser
assegurados a todas as camadas sociais, atravs da adequao das tarifas ao poder aquisitivo
da populao atendida. Portanto, as tarifas deveriam ser diferenciadas segundo as categorias
de usurios e faixas de consumo para garantir o equilbrio entre elas. O pargrafo 2 do Art.11
diz que a conta mnima de gua resultar do produto da tarifa mnima pelo consumo mnimo,
que ser de pelo menos 10 m mensais, por economia da categoria residencial. Assim, pela
primeira vez, definido um volume de gua como parmetro para o clculo da tarifa de gua.
Porm, quando dispositivos como, por exemplo, leis, decretos, normas ou protocolos
consolidam-se, o caminho percorrido por meio das controvrsias suspenso, pois estes
dispositivos representam a objetivao das informaes j que as situaes so estabilizadas,
ou, como diria Bruno Latour, as caixas-pretas so fechadas3. Apesar de uma lei ser datada,
seu contedo no pode ser facilmente atribudo a um autor. De acordo com Latour (2001), a
declarao ou dictum - a conta mnima de gua resultar do produto da tarifa mnima pelo
consumo mnimo, que ser de pelo menos 10 m mensais, por economia da categoria
residencial-, surge de um conjunto de situaes, pessoas e juzos, o que o autor chama de
modificador ou modus. Mas quando as situaes so estabilizadas, o modificador desaparece,
e apenas o dictum se mantm. Desta maneira, apesar de ter acesso legislao que pela
primeira vez definiu os 10m como parmetro do clculo para estruturao do sistema
tarifrio, torna-se difcil ter acesso ao modus desta definio.
No que diz respeito aos aspectos tcnicos, o equilbrio entre as diferentes tarifas tambm deve
possibilitar o equilbrio econmico-financeiro das companhias estaduais de saneamento
2 O Ministrio do Interior tinha a funo de coordenar e controlar a execuo do PLANASA, para tanto fixava metas para definir os nveis de atendimento populao e estabelecer os prazos para o plano atingi-las.3 Para Bruno Latour caixa-preta qualquer actante estabelecido de tal maneira que apenas o seu exterior
observado, ou seja, as peas que o compes so esquecidas. Estas peas vm tona apenas em situaes controversas.
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bsico, visando condies eficientes de operao. Estes aspectos definem as categorias em
que os usurios sero classificados, sendo ento, a residencial, a comercial, a industrial e a
pblica. As categorias ainda podem ser subdivididas de acordo com as caractersticas de
demanda e consumo. As companhias estaduais teriam autonomia para determinar o percentual
de ligaes medidas e o tipo de medidores que seriam utilizados em sua rea de atuao. O
pargrafo 1 do Art. 18, diz que: na ausncia dos medidores, o consumo poder ser estimado
em funo do consumo mdio presumido, com base em atributo fsico do imvel ou outro
critrio que venha a ser estabelecido.
Este mesmo decreto define, no Art. 21, que as tarifas obedecero ao regime do servio pelo
custo, garantindo s companhias estaduais de saneamento bsico, em condies eficientes de
operao, a remunerao de at 12% (doze por cento) ao ano sobre o investimento
reconhecido. Alm de definir que os custos dos servios deve ser o mnimo necessrio
adequada explorao dos sistemas pelas companhias estaduais de saneamento bsico e sua
viabilizao econmico-financeira. Assim, possvel notar que o estabelecimento de um
volume mnimo est relacionando aos clculos desenvolvidos visando a auto-sustentao
financeira das concessionrias estaduais.
No Estado da Bahia, aps o trmino do PLANASA e revogao do Decreto Federal n
82.587/1978, criou-se o Decreto Estadual n 3.060/1994 para suprir a carncia regulatria da
poltica tarifria. Entretanto, este decreto mantinha na prtica as normas anteriores (SETIN,
2008).
Nos dias atuais, a poltica nacional de saneamento bsico regida pelas diretrizes
estabelecidas pela Lei n 11.445, de 5/01/2007. Esta lei, conforme seu artigo primeiro,
estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento bsico e para a poltica federal de
saneamento bsico. E tem como princpios fundamentais:
I - universalizao do acesso;
II - integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de
cada um dos diversos servios de saneamento bsico, propiciando populao o acesso na
conformidade de suas necessidades e maximizando a eficcia das aes e resultados;
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III - abastecimento de gua, esgotamento sanitrio, limpeza urbana e manejo dos resduos
slidos realizados de formas adequadas sade pblica e proteo do meio ambiente;
IV - disponibilidade, em todas as reas urbanas, de servios de drenagem e de manejo das
guas pluviais adequados sade pblica e segurana da vida e do patrimnio pblico e
privado;
V - adoo de mtodos, tcnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e
regionais;
VI - articulao com as polticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitao, de
combate pobreza e de sua erradicao, de proteo ambiental, de promoo da sade e
outras de relevante interesse social voltadas para a melhoria da qualidade de vida, para as
quais o saneamento bsico seja fator determinante;
VII - eficincia e sustentabilidade econmica;
VIII - utilizao de tecnologias apropriadas, considerando a capacidade de pagamento dos
usurios e a adoo de solues graduais e progressivas;
IX - transparncia das aes, baseada em sistemas de informaes e processos decisrios
institucionalizados;
X - controle social;
XI - segurana, qualidade e regularidade;
XII - integrao das infraestruturas e servios com a gesto eficiente dos recursos hdricos.
A poltica nacional de saneamento vem disponibilizando subsdios financeiros atravs dos
seus planos de acelerao do crescimento, para garantir a universalizao do acesso ao
saneamento bsico, especialmente para populaes e localidades de baixa renda (BRASIL,
2007). Assim, a partir de 2007, a EMBASA buscou captar recursos disponibilizados pelo
PAC para o setor de saneamento bsico, alm de atualizar seus projetos com o intuito de
atender as metas previstas pelo Programa gua para Todos do Governo do Estado. O
Programa gua para Todos tem por objetivo estratgico
proporcionar o atendimento ao direito humano fundamental de acesso gua em qualidade e quantidade, prioritariamente para consumo humano, numa perspectiva de segurana alimentar, nutricional e de melhoria da qualidade de vida em ambiente salubre nas cidades e no campo(BAHIA, 2011).
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Segundo informaes do Programa, ele visa atender populaes ribeirinhas, atendidas pelo
Programa Bolsa Famlia, as residentes nas periferias das grandes cidades bem como nas reas
de reforma agrria, comunidades indgenas, remanescentes de quilombos, reservas
extrativistas e ainda as que enfrentam risco de desabastecimento.
Em 2008, a Lei Estadual n 11.172 criada, alinhada Poltica Nacional de Saneamento
Bsico. Esta lei instituiu princpios e diretrizes da Poltica Estadual de Saneamento Bsico,
disciplinou o convnio de cooperao entre entes federados para autorizar a gesto associada
de servios pblicos de saneamento bsico e outras providncias como a criao da Comisso
de Regulao dos Servios Pblicos de Saneamento Bsico do Estado da Bahia CORESAB
(SETIN, 2008).
A CORESAB um rgo em regime especial vinculado a Secretaria de Desenvolvimento
Urbano SEDUR, criado em dezembro de 2008, que tem a competncia de exercer as
atividades de regulao e fiscalizao dos servios pblicos de saneamento bsico, mediante
delegao enquanto no houver ente regulador criado pelo Municpio, ou agrupamento dos
Municpios, por meio de cooperao ou coordenao federativa.Destacamos alguns assuntos
sobre os quais lhe compete editar normas:
Regime, estrutura e nveis tarifrios, bem como os procedimentos e prazos de seu
reajuste e reviso;
Medio, faturamento e cobrana de servios;
Monitoramento dos custos;
Avaliao da eficincia e eficcia dos servios prestados;
A forma de administrao e contabilidade dos subsdios tarifrios e no tarifrios;
Padres de atendimento ao pblico e mecanismos de participao e informao.
A CORESAB surge com a ambio de ser uma esfera na qual se promova a prestao dos
servios de saneamento bsico com a participao do municpio e da sociedade civil. No
entanto, de acordo com Loureiro (2009)
O modelo de gesto dos servios de abastecimento de gua e de esgotamento sanitrio preconizado pelo PLANASA, ainda bastante presente no Estado da Bahia, uma vez que a prestao dos servios, em sua maioria, se d via concessionria estadual e os municpios, como titulares
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dos servios, se mantm ausentes das questes voltadas ao saneamento sem realizar o planejamento, a regulao e a fiscalizao e pouco incentivando a participao e controle social (p. 19).
Entretanto, destaca-se a atuao da CORESAB na fiscalizao do regime, estrutura e nveis
tarifrios, bem como os procedimentos e prazos de seu reajuste e reviso. A seguir;
apresenta-se a atual estrutura tarifria adotada pela EMBASA.
1.2.3 Estrutura Tarifria da EMBASA
A EMBASA classifica seus usurios em subcategorias de acordo com as caractersticas
descritas a seguir:
a) Residencial Social:Residncias cadastradas e enquadradas no Programa Bolsa Famlia.
b) Residencial Intermediria:Residncias com as seguintes caractersticas:- rea construda menor ou igual a 60 m2;- Padro COELBA mono ou bifsico;- Dotadas de no mximo 02 (dois) banheiros;- Com at no mximo 08 (oito) pontos de utilizao de gua;- Inexistncia de piscina.
c) Residencial Normal:Qualquer residncia no enquadrada nas Categorias Residencial Intermediria e Residencial Social.
d) Residencial Veraneio:Residncias localizadas nas cidades balnerias, estaes termais com utilizao sazonal.
e) Filantrpica:Entidades Filantrpicas autorizadas pela Diretoria Executiva.f) Pequenos Comrcios:Pequenos Estabelecimentos Comerciais, no localizados em
Shopping Centers ou galerias, que possuam no mximo 1 (um) ponto degua e no utilizem gua como atividade final (Farmcias, Sapatarias, Armarinhos, Barbearias, Pequenos Armazns).
g) Construo:Construes de prdios ou conjuntos habitacionais com 05 (cinco) ou mais unidades.
h) Industrial:Indstria em geral.i) Pblica:Estabelecimentos Pblicos no residenciais.j) Derivao Rural de gua Tratada:Abastecimento de gua Tratada, para consumo
residencial, atravs de Derivaes Rurais.k) Derivao Rural de gua Bruta:Abastecimento de gua atravs de Derivaes
Rurais. l) Derivaes Comerciais de gua Bruta:Abastecimento de gua Bruta, para consumo
comercial, atravs de ligaes em Adutoras, excetuando-se contratos especiais.
Para cada categoria, a EMBASA estabelece faixas de consumo diferenciadas. Abaixo seguem
as faixas de consumo de gua e suas respectivas tarifas para consumos medidos:
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Faixas de Consumos
Residencial Social
Residencial Intermediria
Residencial Normal
Residencial Veraneio Filantrpica
At 10 m R$ 7,00 p/ms R$ 13,80 p/ms R$ 15,65 p/ms R$ 15,65 p/ms R$ 7,00 p/ms
11 - 15 m R$ 3,08 p/m R$ 3,55 p/m R$ 4,38 p/m R$ 4,38 p/m R$ 3,08 p/m
16 - 20 m R$ 3,36 p/m R$ 3,84 p/m R$ 4,68 p/m R$ 4,68 p/m R$ 3,36 p/m
21 - 25 m R$ 5,01 p/m R$ 5,02 p/m R$ 5,25 p/m R$ 5,25 p/m R$ 5,01 p/m
26 - 30 m R$ 5,58 p/m R$ 5,60 p/m R$ 5,86 p/m R$ 5,86 p/m R$ 5,58 p/m
31 - 40 m R$ 6,17 p/m R$ 6,17 p/m R$ 6,46 p/m R$ 6,46 p/m R$ 6,17 p/m
41 - 50 m R$ 7,08 p/m R$ 7,08 p/m R$ 7,08 p/m R$ 7,08 p/m R$ 7,08 p/m
> 50 m R$ 8,51 p/m R$ 8,51 p/m R$ 8,51 p/m R$ 8,51 p/m R$ 8,51 p/mFonte: EMBASA, 2011
A variao das faixas de consumo de gua para o pblico residencial diferencia-se da
destinada aos outros pblicos, como se pode observar a seguir:
Faixas de Consumo Comercial
Pequenos Comrcios
Derivaes Comerciais de gua Bruta
Construo e Industrial Pblica
At 10 m R$ 45,30 p/ ms R$ 19,35 p/ ms R$ 7,45 p/ ms R$ 45,30 p/ ms R$ 45,30 p/ ms
11 - 50 m R$ 9,94 p/ m R$ 9,94 p/ m R$ 0,84 p/m R$ 9,94 p/m R$ 9,94 p/m
> 50 m R$ 11,72 p/ m R$ 11,72 p/ m R$ 0,91 p/m R$ 11,72 p/m R$ 11,72 p/mFonte: EMBASA, 2011
J em relao ao consumo de gua no medido, a EMBASA estabelece um valor fixo a ser
cobrado mensalmente, referente ao consumo de 10m por ms, no importando se o volume
real consumido pelos usurios seja superior ou inferior a 10m mensais.
Subcategorias Tarifa
Residencial Social R$ 7,00 p/ms
Residencial Intermediria R$ 13,80 p/ms
Residencial Normal e Veraneio R$ 15,65 p/ms
Filantrpica R$ 7,00 p/ms
Comercial e Prestao de Servios R$ 45,30 p/ms
Pequenos Comrcios R$ 19,35 p/ms
Construo / Industrial R$ 45,30 p/ms
Pblica R$ 45,30 p/ms Fonte: EMBASA, 2011
Na zona rural h ainda a cobrana sobre as derivaes de gua tratada e gua bruta, cobra-se
respectivamente R$ 0,97 p/m e R$ 0,93 p/m pelo abastecimento de gua em regies com
caractersticas rurais.
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No que diz respeito distribuio dos usurios por subcategoria e faixa de consumo, pode-se
destacar a subcategoria residencial social com 45% dos usurios classificados na faixa de at
10m por ms. Acredita-se que 70% dos usurios residenciais consumam at 15m por ms
(PMSB, 2008). Segundo os dados preliminares do Censo 2010, divulgados pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), 55% dos domiclios de Salvador possuem renda
per capita menor que um salrio mnimo por ms. Apesar das tarifas possurem valores
relativamente baixos se comparado com outros servios pblicos como, por exemplo, o
fornecimento de energia eltrica, ainda bastante oneroso para a maioria dos usurios,
comprometendo parcela considervel do oramento domstico.
Em 2004, o Governo da Bahia, por intermdio da EMBASA, criou a tarifa residencial social
com o intuito de viabilizar o acesso ao saneamento bsico com qualidade e baixo custo, para
a populao carente na rea de atuao da Embasa. Para o enquadramento nesta tarifa, faz-se
necessrio o atendimento a alguns requisitos, sendo eles:
a) Ser proprietrio, inquilino ou morador do imvel, tenha ligao de gua da Embasa e seja titular do programa BOLSA FAMILIA do Governo Federal.
b) Estar adimplente com a Embasa ou se existir dbito, negoci-lo de acordo os critrios estabelecidos (ver item 4.2.4 1- Ser isentado todo dbito vencido at 31/12/2003; 2- O dbito existente a partir de 01/01/2004 at a data do cadastramento ser tratado pelo valor histrico, ou seja, sem juros e multas e ter desconto de 30%, limitando o valor mximo a R$ 120,00).
c) Preencher ficha de inscrio e anexar cpia de uma conta de gua do imvel e cpia do carto Bolsa Famlia.
d) Imvel est enquadrado em uma das subcategorias residncias (exceto a subcategoria filantrpica)com uma nica unidade consumidora (economia).
As dvidas compreendidas entre R$ 1 a R$ 171,50 so abatidas em 30%, e as acima deste
valor so reduzidas para R$ 120. Nos dois casos, o saldo devedor pode ser parcelado em
prestaes fixas sem juros, multas ou correes, nas seguintes condies: dbitos at R$ 30 =
25 parcelas, de R$ 30,01 a R$ 60 = 40 parcelas, de R$ 60,01 a R$ 90 = 50 parcelas e de R$
90,01 a R$ 120 = 60 parcelas (Ver ANEXO A).
Em nota apresentada no site, a respeito do ltimo reajuste tarifrio, a EMBASA afirma
possuir a quarta menor tarifa do pas
No Nordeste, a Bahia cobra menos pela gua que os estados do Piau, Cear, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Alagoas e Sergipe. Frente ao aumento de seus principais insumos, a Embasa reajustou a tarifa de gua e
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esgoto em R$ 0,95 para 10 mil litros consumidos, parcelas divididas entre os meses de abril e junho. Dentre as 27 companhias de saneamento nacionais, a Embasa uma das que cobram menos pela prestao de servios. Mesmo com o reajuste, a empresa pratica a quarta menor tarifa mnima para abastecimento de gua, coleta e tratamento de esgoto do pas, na categoria residencial.
J em notcia publicada, em 05/05/2008, no site da EMBASA, a respeito dos reajustes das
tarifas de gua, afirma-se que
o aumento foi calculado a partir do ndice de inflao IGP-M, registrado entre abril de 2007 e maio de 2008, levando em conta, principalmente, os altos reajustes sofridos por insumos derivados do petrleo, como tubos de PVC e Polietileno, e nos produtos qumicos necessrios ao tratamento da gua.
A mesma notcia ainda traz outro argumento para justificar os reajustes tarifrios,
O reajuste busca, tambm, recuperar uma pequena parcela dos R$ 1,6 bilho que sero investidos at dezembro de 2010, na implantao e ampliao de sistemas de gua e esgoto em diversos municpios da Bahia para que o Governo do Estado atinja a meta de atender mais de 3,5 milhes de pessoas com gua de qualidade e esgotamento sanitrio dentro do Programa gua para Todos.
Ainda alega que,
O aumento da tarifa, no entanto, no cobre os custos da Embasa relativos aoperao e manuteno dos servios, depreciao, proviso para devedores, amortizao de despesas e a completa remunerao do investimento reconhecido. A empresa continua subsidiando parte desses custos, sem repass-los aos seus clientes. Se o disposto no decreto estadual 3.060 e na Lei Nacional de Saneamento Bsico para o clculo das tarifas de gua e esgoto fosse cumprido em sua plenitude, o preo pago pela gua tratada teria que ser reajustado em 51,18%, pois de acordo com a nova regulamentao do saneamento, as concessionrias tero que prestar seus servios com sustentabilidade econmico-financeira.
Apesar de a notcia anunciar que a empresa no est prestando seus servios com
sustentabilidade econmico-financeira, o Relatrio Anual da Administrao e Demonstraes
Financeiras de 2007 revela
Os resultados financeiros alcanados em 2007 mostram uma trajetria consistente de melhoria dos indicadores. A receita operacional lquida superou em 13,2% a do exerccio anterior e pelo quinto ano consecutivo oresultado do exerccio foi positivo, desta feita R$ 47,9 milhes de lucro. Pela primeira vez, o principal indicador do Gerenciamento Pelas Diretrizes -GPD, o ndice de Eficincia Operacional - IEO -, que reflete os resultados da
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perspectiva financeira, ultrapassou a meta estabelecida em 11%.
Segue abaixo grfico apresentando a evoluo do lucro da Embasa entre os anos de 2001 e
2007.
Fonte: Embasa, 2008
Atravs dos trechos da notcia e do relatrio expostos acima, nota-se elementos constitutivos
de um tipo de calculabilidade, ou, como diria Max Weber, um tipo de racionalidade peculiar
ao mundo dos negcios, no qual se busca a maneira mais eficiente de produzir o lucro.
Entretanto, a oferta dos servios de abastecimento de gua difere em alguns aspectos da oferta
de servios como um todo, afinal, a gua bruta no pode ser considerada um bem privado,
logo no existe o preo da gua, o valor cobrado pelas companhias de abastecimento refere-se
coleta e tratamento da gua bruta para sua disponibilizao na quantidade e qualidade para
atender s necessidades humanas. A gua essencial vida e no possui substitutos diretos.
Assim, o servio de abastecimento de gua
se constituem em direito social dos cidados, cujo provimento e acesso universal devem ser garantidos pelo Poder Pblico, observados os pressupostos do princpio da subsidiaridade, em que a insuficincia do Municpio deve ser suprida pelo Estado e, a destes dois, pela Unio (PMSB, 2008).
Desta forma, este servio deve ser acessvel a todos independentemente se eles tenham
capacidade de pagar pelo seu uso. Portanto, fundamental que o poder pblico fornea
subsdios para equilibrar este mercado, buscando condies para que todos os usurios
possam ter acesso a este bem.
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Tendo em vista estas caractersticas, as companhias de saneamento bsico encontram-se numa
situao hbrida, j que se trata de empresas privadas, e como tal, buscam a sustentabilidade
econmica, mas por outro lado, ao exercer sua calculabilidade, precisa levar em conta
caractersticas do bem com que lida, alm das legislaes que confere universalizao e
acessibilidade o status de princpio bsico para a oferta deste servio.
Por outro lado, atravs do desenrolar das tramas que sustentam o sistema tarifrio dos servios
de saneamento, tornou-se possvel identificar alguns atores (humanos e no humanos)
envolvidos e qual contexto possibilitou a adoo dos 10m como parmetro para o clculo da
conta mnima de gua. No entanto, percebe-se que o questionamento dos engenheiros-
pesquisadores no est relacionado ao valor cobrado pelo metro cbico de gua tratada, mas
pelo estabelecimento dos 10m enquanto parmetro para cobrana da conta mnima, pois
impossibilita aos usurios sentir o impacto econmico das mudanas de comportamento em
relao ao uso mais eficiente da gua, principalmente em relao s tarifas residenciais, j que
a RTL adota a hiptese de que o fator econmico um dos principais elementos que
influenciam as mudanas de hbitos e comportamentos em relao ao uso da gua.
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CAPTULO II - TRAANDO TRAMAS DE INTERESSES: O PAPEL
DAS REDES SOCIOTCNICAS
No desenrolar da vida cotidiana, as redes que constituem atores ou instituies no esto
visveis, parecem dissolvidas na magnitude da unidade, j que na prtica no lidamos com as
tramas que possibilitam a existncia desta suposta unidade. Entretanto, apenas em momentos
nos quais as unidades so posta