C&T na Rússia antes da Revolução de Outubro de 1917
Agamenon R. E. Oliveira
Escola Politécnica da UFRJ
1. Introdução
A Revolução Russa de 1917, foi o movimento mais impactante da história da Rússia. Ele
afetou significativamente a economia, a estrutura social, a cultura, as relações internacionais,
o desenvolvimento industrial, entre outras transformações. Por outro lado, a Revolução abriu
as portas da Rússia para a era industrial e, consequentemente, para o sonho de modernidade
(Carr, 1979).
Antes de 1917, a Rússia era um país agrário com limitado nível de desenvolvimento
industrial. Contudo, a base científica anterior a 1917, foi de importância fundamental para
impulsionar o país em direção a um apreciável nível tecnológico, como foi o caso da política
de eletrificação e a criação de novos centros urbanos após a revolução (Kirchner, 1982).
Também a educação jogou um papel fundamental neste processo, com o analfabetismo tendo
sido praticamente erradicado.
Usando o patrimônio científico acumulado em períodos anteriores, o estado soviético
reformulou a organização da pesquisa científica (Graham, 1993). É importante ainda ressaltar,
que no século XVIII, importantes políticas educacionais foram adotadas sob a égide de Pedro
o Grande (1672-1725) com o intercâmbio com a sociedade europeia ocidental (Anderson,
1978).
2. Ciência e Educação Russas no Século XIX
Durante o século XIX, a ciência Russa conheceu um enorme desenvolvimento. Todos os
níveis educacionais foram melhorados, desde o elementar até as universidades. Somente a
educação primária continuou a ser um problema até o século seguinte. Até o final do século
XIX, a Rússia como nação esteve em uma posição atrasada do ponto de vista econômico e
político, quando comparada com os países ocidentais (Chakravanti, R. N. et al, 1987). No
entanto, do ponto de vista científico a distância foi significativamente encurtada.
No reinado de Alexandre I (1801-1825), foi criado o ministério da educação, como sendo um
importante passo para resolver os problemas educacionais. Em 1802, o ministério foi criado,
tendo permanecido até 1917. Com a Revolução, foi montado um novo sistema de escolas em
quatro níveis: o elementar, as escolas distritais, as escolas provinciais e as universidades. O
império Russo possuía somente uma universidade, a de Moscou, quando Alexandre subiu ao
trono e assim ele criou mais três universidades: a de Kazan, a de Kharkov (1804) e a de São
Petersburgo (1819).
O reinado de Nicolau I (1825-1855), caracterizou-se por seus aspectos conservadores por ele
ser um czar militarista, passando a defender e impor a vida intelectual Russa um rígido
controle burocrático. Paradoxalmente, neste período floresceu uma literatura original,
incluindo escritores como Pushkin (1799-1837), Lermontov (1814-1841), Gógol (1809-1852),
Dostoievski (1821-1881), Nekrasov (1821-1878) e Turgueniev (1818-1883). Na ciência uma
onda similar de eminentes cientistas e acadêmicos também apareceu: Lobachevski na
matemática, Struve (1793-1864) na astronomia, von Baer (1792-1876) na zoologia, Hess
(1802-1850) na química, Lenz (1804-1865) na física e muitos outros.
Ainda no reinado de Nicolau I, as reformas do Conde S. S. Uvarov (1786-1855), introduziram
muitas mudanças no sistema educacional russo. Ele promoveu o renascimento da Academia
de Ciências com um novo sistema de bolsas nas universidades. Além disso, criou a tradição
da excelência para avaliar o desempenho dos estudantes e apoiou fortemente os estudos de
matemática.
Um segundo período de reformas na ciência Russa veio com a guerra da Criméia durante o
reinado de Alexandre II (1855-1881). Esta guerra explicitou para todos a fraqueza tecnológica
Russa, significando para o mundo uma debilidade contrária ao que a Rússia tinha mostrado
para o mundo durante o período Napoleônico. O governo concluiu então que somente
profundas mudanças sociais e econômicas poderiam reverter essa situação e que uma
modernização sem elas era impossível. Por outro lado, as reformas educacionais promovidas
em períodos anteriores mostraram sua eficácia na produção científica. As admissões nas
universidades aumentaram significativamente, apesar da manutenção de muitos privilégios de
classe, implicando numa diminuição da participação dos estudantes nas ciências aplicadas.
Viagens ao estrangeiro foram novamente permitidas, enquanto o incentivo a entrada de
mulheres no sistema educacional foi criado, principalmente até o nível secundário. Novas
regras para o ensino universitário foram estabelecidas em 1863, eliminando-se a maioria das
restrições criadas pelas regras introduzidas em 1835.
Alguns reformadores propuseram a admissão de mulheres nas universidades, mas esta
sugestão não foi aceita. Ao invés disso, alguns anos depois, cursos especiais de alto nível
foram criados para mulheres, especificamente em faculdades separadas das universidades.
Nos anos 1860 e 1870, uma notável geração de mulheres russas passou a procurar os níveis
mais avançados de formação naqueles cursos ou na Europa ocidental. Isto acabou por motivar
as mulheres russas a cursarem programas de doutorado em diversos campos científicos. A
matemática Sofia Kovalevskaia (1850-1891) tornou-se uma líder no campo das equações
diferenciais parciais (James, 2002). Ela foi a primeira matemática famosa da Rússia e uma das
mais importantes desde a antiguidade.
2.1 Grandes Cientistas do Século XIX
Nikolai Ivanovich Lobachevsky (1792-1856)
Lobachevsky (Dictionário, 2007) nasceu em Nizhni Novgorov, atualmente Gorki, em 2 de
Dezembro de 1792 e morreu em Kazan em 24 de Fevereiro de 1856. Seus pais foram
Maksimovich Lobachevsky e Praskovia Alexandrovna Lobachevskaia. Por volta de 1800, sua
mãe mudou-se com os três filhos para Kazan. Em 1807, Lobachevsky ingressou na
Universidade estudando com Martu Bastels, um amigo de Gauss, e obteve em 1812 o MSc
em matemática e física. Em 1824 tornou-se professor assistente em matemática e ciências
físicas, começando a ensinar matemática e mecânica.
O primeiro trabalho importante de Lobachevsky foi a Geometriya, escrito em 1823, apesar de
somente ter sido publicado em sua forma original em 1909. Esses estudos conduziram-no a
sua mais importante descoberta, a geometria não-Euclidiana, também conhecida como
geometria hiperbólica e explicada pela primeira vez em: Exposition succinte des príncipes de
la geometrie avec une demonstration rigoureuse du théorème des paralleles. Este artigo foi
apresentado ao Departamento de Física e Matemática da Universidade de Kazan em um
encontro ocorrido em 23 de fevereiro de 1826.
FIGURA 1: Nikolai Lobachevsky
A geometria não-Euclidiana de Lobachevsky foi o resultado de dois mil anos de crítica aos
Elementos de Geometria de Euclides (Euclides, 2009). Historicamente, os matemáticos
vinham criticando constantemente o quinto postulado de Euclides cujo enunciado é: Se um
segmento de reta intercepta duas linhas retas formando dois ângulos interiores do mesmo
lado, tal que sua soma seja menor do que dois ângulos retos, então as duas linhas, se
estendidas indefinidamente, se cruzam naquele lado nos quais a soma dos ângulos é menor
do que dois ângulos retos. Isto fica claro com auxílio da Fig. 2.
FIGURA 2: Quinto postulado de Euclides
Em suas aulas Lobachevsky tentou provar o quinto postulado de Euclides, mas em vão. Sua
geometria deriva então da conclusão que uma nova geometria seria possível, na qual todos os
postulados de Euclides seriam válidos, exceto o quinto e que não continham nenhuma
contradição. Ele chamou este sistema de geometria imaginária, usando uma analogia com os
números imaginários. Se existem, muito mais números em geral, onde as leis aritméticas de
números reais podem ser justificadas, então nesta sua geometria imaginária nós podemos
também esperar que ela seja mais geral. Consequentemente, ele rejeitou a unicidade da
geometria Euclidiana, sendo esta um caso particular de um sistema mais geral. Assim, na
geometria de Lobachevsky, para uma dada linha reta A e um ponto a não pertencente a ela é
possível traçar através de a mais do que uma reta coplanar que não intercepta A.
O Trabalho de Lobachevsky não foi bem recebido pelos matemáticos de seu tempo. Mesmo
na Rússia, seus contemporâneos, como o matemático M. V. Ostrogradsky da Academia de
Ciências de São Petersburgo, não entendeu seus resultados e publicou um relatório criticando-
o: Sobre os Princípios Geométricos. Somente Gauss que recebeu o livro de Lobachevsky,
Pesquisas Geométricas, concordou com sua eleição para membro da Sociedade de Ciências
de Göttingen.
Pafnuty Lvovich Chebyshev (1821-1894)
Chebyshev (Dictionário, 2007) nasceu em Okatovo, no dia 6 de Maio de 1821, e morreu em
São Petersburgo em 8 de Dezembro de 1894. Seus pais, Lev Pavlovich Chebyshev, era um
oficial reformado do exército russo e que havia lutado na guerra contra Napoleão. Sua mãe
Agrafena Ianovna Pozniakova, teve nove filhos, sendo o mais novo Vladimir Lvovich um
famoso general e professor da Academia de Artilharia de São Petersburgo.
FIGURA 3: Pafnuty Lvovich Chebyshev.
Em 1832, a família de Chebyshev mudou-se para Moscou, onde ele completou seus estudos
secundários. Aprendeu matemática com P. N. Pogorelski (1782-1836), autor de muitos textos
populares de matemática elementar.
Em 1837, Chebyshev ingressou no Departamento de Física e Matemática da Universidade de
Moscou. Nessa época, quem ensinava matemática na Universidade eram N. D. Brashman
(1796-1866) e N. E. Zernov. O primeiro teve uma grande influência no desenvolvimento
científico de Chebyshev. Em carta endereçada ao último, ele agradece a importância de sua
orientação na sala de aula, bem como, pelas muitas conversas e discussões com ele mantidas.
Ainda na condição de estudante, Chebyshev escreveu Vychislenie Korney Uravneny (Cálculo
de raízes de Equações), no qual propõe um método iterativo e original para o cálculo
aproximado de raízes reais de equações algébricas y = f (x) = 0. O método era baseado no
desenvolvimento em série da função inversa x = F(x). Em termos dos resultados numéricos
obtidos, comparando a primeira ordem de aproximação, é equivalente, ao bem conhecido
método de Newton-Raphson. Além disso, seu método também fornece uma estimativa dos
erros envolvidos.
Na primavera de 1841, Chebyshev recebeu seu diploma em matemática pela Universidade de
Moscou, mas continuou seus estudos sob a orientação de Brashman. Ele começou seu
programa de MSc em 1843 e ao mesmo tempo publicou um artigo sobre a teoria das integrais
múltiplas no Journal des Mathématiques Pures et Appliquées, editado pelo famoso
matemático francês Liouville (1844). Outro artigo sobre a convergência das séries de Taylor
apareceu no Journal für die reine und angewandte Mathemati. Em 1846, ele apresentou sua
dissertação de mestrado: Opyt elementarnego analiza teorii veroyatruostey (Ensaio e análise
da teoria elementar das probabilidades).
Nessa época ele mudou-se para Universidade de São Petersburgo como professor assistente.
Em setembro de 1847 Chebyshev começou a ensinar álgebra avançada e teoria dos números.
Ele também ensinou outras disciplinas incluindo cálculo integral, funções elípticas e cálculo
de diferenças finitas. Neste mesmo tempo começou a trabalhar com Bunyakovski (1804-
1889) na edição dos trabalhos de Euler sobre a teoria dos números. Isto veio como uma
demanda da Academia de Ciências da Rússia. Este trabalho foi publicado com o nome de L.
Euleri Commentationes Arithmeticae Collectae, em 2 volumes (1849). Este projeto englobava
não somente os artigos de Euler sobre teoria dos números, mas muitos arquivos e manuscritos
fornecidos pela Academia. A teoria dos números foi uma de suas especialidades. Ele
mergulhou fundo neste assunto e desenvolveu uma teoria da congruência que motivou o
assunto para sua tese de doutorado, defendida em São Petersburgo em 1849.
Em 1850, Chebyshev foi eleito professor extraordinário em matemática na Universidade de
São Petersburgo. Em 1860, professor integral. É importante enfatizar que foi durante este
período que ele escreveu seus famosos estudos sobre mecanismos significando importantes
avanços nessa teoria. Esses estudos em mecanismos conduziram-no á Universidade de
Moscou, onde aumentou seu interesse em problemas tecnológicos, especialmente em
engenharia mecânica. Entre 1848-1851, ele ministrou cursos de mecânica aplicada no
Departamento de Conhecimento Prático, uma espécie de Departamento de Engenharia, na
Universidade de São Petersburgo.
Entre os problemas de engenharia mecânica estudados por Chebyshev, estão a máquina a
vapor e os mecanismos de propulsão usando barras articuladas. Como consequência, ele
começou a desenvolver uma teoria geral dos mecanismos, chegando a alguns problemas
analíticos ainda não conhecidos ou mesmo estudados por seus contemporâneos. Esses estudos
também impulsionaram a matemática correlacionada com esses problemas.
O nome de Chebyshev é importante na História das Ciências não somente por seus trabalhos
em matemática, mas também devido a fundação de uma grande escola de matemática. Esta
escola é muitas vezes conhecida como Escola Chebyshev, mas frequentemente chamada de
Escola de São Petersburgo, devido a maioria de seus representantes pertencerem a Academia
de Ciências de São Petersburgo. Alguns de seus contemporâneos mais antigos, como
Bunyakovski e Ostrogradski (1801-1862), também ensinaram nessa escola de matemática.
Contudo, foi Chebyshev quem fundou a escola, guiando-a e inspirando-a por um longo
tempo, influenciando suas linhas de investigação.
Dimitry Ivanovich Mendeleev (1834-1907)
Mendeleev (Dictionário, 2007) nasceu em Tobolski, atualmente Tyumen Oblat, uma cidade
Siberiana, em 8 de Fevereiro de 1834 e morreu em São Petersburgo em 2 de Fevereiro de
1907. Foi o 14º. e o mais jovem filho de Ivan Pavlovich Mendeleev, professor de literatura
russa, e Maria Dmitrievna Kornileva, descendente de uma antiga família de mercadores e
proprietários de uma fábrica de vidros perto de Tobolski. Aos sete anos entrou no Ginásio
Tobolski, onde graduou-se em 1849. Por muito anos viveu perto da fábrica de vidros, onde os
problemas industriais chamaram sua atenção.
FIGURA 4: Dimitry Ivanovich Mendeleev
Em 1850, Mendeleev entrou para a Faculdade de Física e Matemática de São Petersburgo,
vinculada ao Instituto Pedagógico. Ele teve os seguintes professores: A. A. Voskresensky
(1809-1880), que lhe ensinou química e encorajou-o a realizar experimentos; o geologista e
mineralogista Kutorga (1809-1886), quem apresentou-o aos métodos de pesquisa. Mendeleev
graduou-se no Instituto em 1855 com brilhantes resultados. Ele então escreveu o texto:
Izomorfizm y svyai s drugimi orno sheniami formy k sostavu (Isomorfismo com associação
com outras formas relacionadas a composição), publicado em Gorny Zhurnal (Revista de
Mineração), em 1856. Este trabalho levou-o a realizar um estudo comparativo sobre as
propriedades químicas das substâncias.
Sua tese de mestrado teve o título: Udelnye obemy (Volumes específicos), com o peso natural
dos artigos anteriores nos quais ele investigava as relações entre as propriedades químicas e
cristalográficas das substâncias e seus volumes específicos. Nesta época, começou a
incorporar uma série de preocupações industriais em sua pesquisa, na qual problemas
econômicos eram também considerados.
O pensamento de Mendeleev concordava em grande medida com o de Gerhardt (1816-1856),
pois ambos refutam a teoria eletrolítica de Arrhenius (1859-1927), rejeitando o conceito de
que um íon era um fragmento molecular eletricamente carregado e não reconhecendo a
existência do elétron. Assim, ele se opunha completamente a ideia que as ligações químicas
estavam relacionadas á eletricidade, e dessa maneira ele considerava a proximidade da
química com a física, sendo ela uma espécie de ciência da massa. Esta visão era teoricamente
fundamentada pela correlação das propriedades químicas com os pesos atômicos dos
elementos. De um ponto de vista metodológico ele não era um químico mecanicista, pois via
esta disciplina como uma ciência independente, uma ciência física.
Em 1856, depois de apresentar uma nova tese, ele foi promovido a posição de privatdozent na
Universidade, uma posição para a qual ele teria também que apresentar uma dissertação. O
assunto escolhido foi compósitos de silicone. No começo de 1857, ele começou a ensinar
química para ajudar pesquisadores nos laboratórios da Universidade. Em 1859-1860,
Mendeleev trabalhou na Universidade de Heidelberg, onde entrou em contato com Bunsen
(1811-1899). Em 1860, descobriu o fenômeno da temperatura crítica – a temperatura na qual
um gás ou vapor pode tornar-se líquido somente com o aumento da pressão – a qual ele
chamava de temperatura de ebulição absoluta. Esses estudos então levaram-no a considerar
uma vez novamente as relações entre as propriedades químicas, as partículas e suas massas.
Além disso, ele estava convencido que a força de afinidade química era idêntica ás forças de
coesão. Como consequência, seu campo de pesquisa pode ser considerado como físico-
química, um campo onde química, física e matemática se encontram.
Mendeleev participou do I Congresso Internacional de Química, realizado em 1860 em
Karlsruhe. Idealizado pelo famoso químico Kekulé (1829-1896), seu principal objetivo era
padronizar os conceitos básicos da química, tais como pesos atômico e molecular devido ao
uso de uma variedade de pesos atômicos, criando muitas dificuldades para o desenvolvimento
da química. Durante o Congresso, Mendeleev encontrou muitos químicos famosos, com
Dumas (1800-1884), Wurtz (1817-1884), Zinin (1812-1880) e Canizzaro (1826-1910). Este
último também concordava com as ideias de Gerhardt, muito próximas das de Mendeleeev.
Em 1865, Mendeleev apresentou sua tese de doutorado: O soedinem spirta s vodoyn (Sobre os
compostos de álcool e água) e pela primeira vez ele desenvolveu a ideia que soluções são
compostos químicos tais que a diluição de uma substância em outra pode ser considerada
como idêntica a outras formas de combinação química. Nesta sua tese ele também aceitou os
princípios da química atomista.
As origens da classificação dos elementos químicos de Mendeleeev, são atribuídas ao ano de
1867, ano em que ele se tornou catedrático de química na Universidade de São Petersburgo.
Ele concluiu que não existia nenhum livro-texto aceitável para os estudantes seguirem em sala
de aula. Então, começou a escrever o seu próprio livro-texto no qual os elementos químicos
eram organizados em grupos de acordo com suas valências com respeito ao hidrogênio. Os
elementos típicos eram: Hidrogênio (1), oxigênio (2), nitrogênio (3) e carbono (4). O livro
tinha o título: Osnovy khimii (Princípios de Química). A primeira parte do livro, que termina
com os halogêneos, foi concluída no final de 1868. Em janeiro e fevereiro de 1869, ele
escreveu que os primeiros dois capítulos da segunda parte – sobre os metais alcalinos e o
calor específico. Ele organizou os metais halogêneos e alcalinos de forma tal que as relações
químicas contrárias eram enfatizadas, ambas apresentavam a mesma valência. O que estava
faltando era organizá-los de acordo com outra variável quantitativa: o peso atômico.
É fácil perceber que o trabalho inicial de Mendeleev – seus estudos sobre as propriedades
químicas das substâncias, os pesos específicos e suas relações com os pesos atômicos e
moleculares, estudos do peso atômico e suas correlações com os elementos – de fato
prepararam-no para o mais importante trabalho de sua vida: a grande síntese representada pela
Tabela Periódica dos Elementos.
Em primeiro de Maio de 1869, Mendeleev obteve a resposta sobre qual grupo de elementos
poderia ser colocado em sua tabela após os metais alcalinos. O princípio da atomicidade
levou-o a concluir que o cobre e a prata deviam ser tratados como um grupo de transição,
devido ao fato de que eles virem de substâncias como CuCl e AgCl, respectivamente e assim,
logicamente deveriam ficar perto dos metais alcalinos devido a sua semelhança em termos de
suas propriedades químicas. Mendeleev estava procurando uma base quantitativa para
justificar esta transição, quando teve a ideia de fazer um arranjo dos grupos de elementos por
ordem do peso atômico em uma sequência que deu a ele um arranjo na forma de uma tabela.
O trabalho de Mendeleev, Princípios de Química, conduziram-no a tabela periódica,
formulada em Março de 1869. De acordo com ele: Quando arranjados de acordo com o valor
do peso atômico, os elementos apresentam uma clara periodicidade das propriedades. O
primeiro relatório escrito sobre sua descoberta, foi lido por N. A. Menshutkin (1842-1907),
para a Sociedade Russa de Química em Março de 1869, com Mendeleev ausente.
Essa lei periódica é dependente de uma relação quantitativa entre o peso atômico, como uma
variável independente e as propriedades físicas e químicas dos elementos. Em 1870,
Mendeleev estudou o problema de como desenvolver um Sistema Natural dos Elementos.
Aplicou então a dedução a fim de alcançar algumas consequências lógicas, tal que checando
essas consequências ele podia confirmar a lei. A subsequente descoberta de 3 elementos
novos, previstos por ele, foi crucial para a aceitação de sua Tabela Periódica.
Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936)
Pavlov (Dictionário, 2007) nasceu em Ryazan, em 27 de Setembro de 1849 e morreu em
Leningrado, hoje São Petersburgo, em 27 de Fevereiro de 1936. Filho de Pyotr Dmitrievich
Pavlov, sendo sua mãe Varvara Ivanova. Aos onze anos foi enviado para a escola religiosa de
Ryazan. Após a conclusão do curso entrou para o seminário da cidade, onde começou seus
estudos em ciências naturais. Nesta época descobriu o trabalho Refleksy Golovuogo Mozga
(Reflexos Cerebrais), escrito por I. M. Sechenov além dos trabalhos de D. I. Pisarev (1840-
1868). Pavlov não concluiu seus estudos no seminário.
Em 1870, Pavlov entrou para o Departamento de Ciências Naturais de Física e Matemática da
Faculdade de São Petersburgo. Este curso estimulou-o ao estudo de psicologia. Nessa época
ele foi premiado com uma medalha de ouro devido a um trabalho acadêmico escrito com M. I.
Afanasiev (1875).
Com a finalidade de melhorar seus conhecimentos em fisiologia, ele começou um curso de
três anos na Academia de Medicina Militar, após graduar-se na universidade (1875). Este
curso novo tratava basicamente de medicina teórica. No laboratório de fisiologia da Academia
ele passou a realizar pesquisas em fisiologia da circulação do sangue o que tornou possível
seu contato com S. P. Botkin. Posteriormente ele passou a percorrer os laboratórios de
fisiologia e a atuar na clínica de Botkin (1879-1890), o que deu a ele a oportunidade de
investigar a digestão, bem como, a fisiologia da circulação sanguínea. Em 19 de Dezembro de
1879, ele recebeu o grau de doutor em medicina. Em 1881, ele se casa com Serafina
Vasilievna Karachevskaya.
FIGURA 5: Ivan Petrovich Pavlov
Em 1883, Pavlov tornou-se Privatdozent em fisiologia na Academia de Medicina Militar e em
1890 foi nomeado professor do Departamento de Farmacologia. Ao mesmo tempo ele tornou-
se diretor de fisiologia no Instituto de Medicina Experimental e assim pode conduzir uma
interessante pesquisa sobre fisiologia da digestão, publicando um artigo sobre este assunto em
1897.
Em 1895, após a aposentadoria, de I. R. Tarkhanov (1846-1908), Pavlov transferiu-se para o
Departamento de Fisiologia, no qual ele permaneceu e foi seu chefe até 1925. Ele construiu
sua carreira acadêmica pelo resto de sua vida em três instituições: O Instituto de Fisiologia da
Academia Soviética de Ciências, no Instituto de Medicina Experimental e em uma estação
biológica em Koltusky, hoje Pavlovo, perto de Leningrado, hoje São Petersburgo.
O trabalho científico de Pavlov foi reconhecido internacionalmente. Em 1907, ele foi eleito
para Academia Russa de Ciências. Em Agosto de 1935 foi convidado para ser o presidente do
XV Congresso Internacional de Fisiologia, realizado em Leningrado e Moscou.
A contribuição de Pavlov á fisiologia e ás ciências naturais foi de fundamental importância.
Ele introduziu uma nova metodologia na ciência da fisiologia. Para ele o organismo vivo era
um sistema complexo cujo funcionamento era necessário entender corretamente, usando
ambos os métodos, o analítico e o sintético em suas pesquisas científicas. Contudo, o
problema principal na pesquisa experimental era estudar as influências recíprocas entre o
meio-ambiente e o organismo.
As investigações de Pavlov, podem ser classificadas em três áreas principais: fisiologia da
circulação do sangue (1874-1888), fisiologia da digestão (1879-1897) e fisiologia cerebral
como uma atividade nervosa superior (1902-1936). Suas primeiras pesquisas em fisiologia da
circulação sanguínea, concentraram-se nos mecanismos que regulam a pressão sanguínea. Em
sua tese de doutorado, ele mostrou que a função do coração é regulada por quatro nervos, os
quais respectivamente inibem, aceleram, enfraquecem e intensificam seu movimento. Esta
pesquisa foi publicada em 1888.
A pesquisa que ele conduziu em fisiologia da digestão (1897-1906) resultaram em preparar
novas técnicas, as quais mudaram os métodos usuais de trabalho na área.
Após o trabalho em fisiologia da digestão, Pavlov voltou sua atenção para a fisiologia do
comportamento. No começo do século XX, muitos fisiologistas, zoólogos e psicólogos
realizaram experimentos para estudar o funcionamento do cérebro, mas as informações não
eram suficientes e na maioria das vezes incompletas. Pavlov então voltou-se para a teoria da
evolução de Darwin, que enfatizava a continuidade psicológica e fisiológica, para a
reflexologia de Sahenov, e com isto ele criou as bases para o desenvolvimento de sua própria
teoria do comportamento. Pavlov comunicou publicamente sua teoria dos reflexos
condicionados em 1903, no XIV Congresso Internacional de Medicina, realizado em Madri.
Ele encontrou nos reflexos condicionados um mecanismo de adaptação individual existente
no mundo animal. De acordo com ele: Uma conexão nervosa temporária é um fenômeno
fisiológico universal no mundo animal e ele realmente existe em nós mesmos. Ele identificou
nos hemisférios cerebrais o lugar onde essas atividades responsáveis pelos reflexos
condicionados são produzidas e provou que o centro dessas atividades pode ser encontrado no
córtex.
Finalmente, Pavlov criou uma grande escola baseada na pesquisa, que em certos períodos
empregou cerca de 300 fisiologistas e médicos. Além disso, organizou vários núcleos de
pesquisas, incluindo o Departamento de Fisiologia do Instituto de Medicina Experimental, o
Instituto de Fisiologia da Academia Soviética de Ciências, bem como a estação biológica em
Koltushy. Com o impulso dado por ele ao desenvolvimento da fisiologia na Rússia, a
Sociedade Russa de Fisiologia, passou a chamar-se de Sociedade Fisiológica I. P. Pavlov, a
partir de 1917.
3. A Ciência Russa depois da Revolução de 1917
As duas revoluções que aconteceram no ano de 1917 na Rússia, em Fevereiro e Outubro,
respectivamente, tiveram efeitos diferentes sobre as atividades científicas e educacionais na
Rússia. Em Fevereiro, durante o governo provisório, de curta duração, as pressões sofridas
pelo novo governo foram sempre no sentido de mudanças mais urgentes do que nas políticas
científicas de longo prazo. Nos primeiros meses de 1917, quando os liberais e os sociais-
democratas estavam no poder, algumas reformas foram feitas e chegaram a influenciar o
futuro poder soviético. As universidades adotaram novas estruturas e novas formas de gestão
e as sociedades profissionais adquiriram mais independência, em relação ao controle do
estado. A Academia de Ciências, pela primeira vez na história elegeu seu presidente, o
geólogo A. P. Karpinski (1846-1936). O secretário perpétuo da Academia, S. F. Ol´denburg
(1863-1934), serviu ao governo provisório na condição de ministro da educação. Ambos,
presidente e secretário perpétuo mantiveram seus cargos ainda por muitos anos (Graham,
1993).
Nos primeiros meses após a Revolução de Outubro e mesmo nos primeiros anos de poder
soviético, grupos de intelectuais e especialistas passaram a expressar publicamente sua
desaprovação ao novo regime, chegaram a declarar algumas greves e boicotes, muitas vezes
ignorando as ordens emanadas do regime. O sistema de transportes foi frequentemente
interrompido e alguns hospitais foram fechados em sinal de protesto. Essas manifestações
ocorriam principalmente em Moscou e São Petersburgo. Os bolcheviques viam esses focos de
descontentamento e de oposição como uma forma de sabotagem e responderam com medidas
repressivas (Montefiore, 2005). Os intelectuais suspeitos de organizar qualquer tipo de
resistência ao novo regime eram sumariamente executados.
A situação na Academia de Ciências e em algumas instituições de pesquisa era muito
diferente. O trabalho dos acadêmicos era de não fazer uma oposição nem demonstrar
hostilidade aos novos governantes, mas ficava caracterizada sua intenção de reivindicar
liberdade de pesquisa. Eles seguiam o princípio de deixar a ciência fora da política, o que
também era uma das características das universidades da Europa Central (Broke, 2006). Essa
política de “neutralidade” era como se quisessem dizer que o regime soviético não deveria se
intrometer com a ciência, e a contrapartida era que os cientistas não se intrometeriam com a
política. Dessa forma, as propostas que negavam a legitimidade do regime soviético, não
tiveram a aprovação na Academia de Ciências, pelo menos no início do processo
revolucionário.
Em poucos meses, no entanto a situação mudou radicalmente, principalmente com a
implantação da política de “Comunismo de Guerra (1918-1921)”, quando todas as empresas
foram nacionalizadas e foi tentada a criação de um comando unificado na economia. Em
pouco tempo a Academia de Ciências seria atingida e identificada com o regime czarista, de
forma semelhante ao que aconteceu com a Revolução Francesa, quando a Academia foi
fechada e identificada com o “ancien regime”. A posição da Academia russa foi defensiva e
entendeu que a melhor defesa era tentar demonstrar ao novo governo a utilidade da ciência e
assim exibir uma postura de acomodação frente ao governo soviético. Devido a isto, a direção
da Academia sofreu muitas críticas e uma oposição séria por parte dos acadêmicos
antissoviéticos. Seu presidente Karpinski entendia que este era o preço pago para salvaguardar
os interesses da ciência neste novo contexto.
Muitos planos de reorganização da ciência russa surgiram nessa época. Talvez o mais
ambicioso de radical tenha sido o do próprio Comissariado da Educação, comandado por
Anatolii Lunacharskii (1875-1933). O objetivo desse projeto era “ganhar a ciência para o
proletariado”, com a finalidade de destruir a “fetichização da ciência pura”, o que o novo
regime alegava acontecer com as instituições científicas. Certos setores mais radicais
chegaram a propor a própria abolição da Academia de Ciências e em seu lugar a criação de
uma rede de novas instituições, para as quais o ensino seria a tarefa fundamental. Essas novas
instituições estariam voltadas para a “unidade da escolaridade com o ensino do trabalho”. A
direção dessa rede de instituições seria centralizada em todos os níveis governamentais,
concentrando-se em um Departamento de Ciências Proletárias do Trabalho.
Apesar do surgimento de muitas propostas no bojo do governo revolucionário, elas não
puderam ser implementadas. A Rússia Soviética foi impactada pela guerra civil, pela crise
econômica e a fome em muitas regiões do país. A tarefa de encontrar uma nova estrutura para
a ciência na Rússia foi dando lugar a outras prioridades. Assim, uma grande transformação no
panorama científico foi adiada.
4. Comentários Finais e Conclusão
O objetivo principal deste trabalho é fazer uma análise histórica, mesmo que sucinta, da base
científica existente na Rússia quando irrompe o processo revolucionário em 1917. Sua
importância se deve a necessidade de conhecer os meios materiais e culturais disponíveis pela
Revolução no sentido de planejar e implementar suas políticas de C&T indispensáveis ao
desenvolvimento do país.
Antes de 1917, a ciência russa como um todo estava atrás dos países mais desenvolvidos da
Europa Ocidental, mas notava-se um processo de desenvolvimento no qual certos setores e
em certos aspectos este processo era acelerado e comparável ao dos países mais
desenvolvidos. Podemos ressaltar as áreas de matemática, fisiologia, astronomia e em alguns
ramos da física, biologia e química, onde os cientistas russos demonstraram sua capacidade
no plano internacional. As biografias resumidas que apresentamos de Lobachevski,
Chebyshev, Mendeleev e Pavlov, ilustram bem a relevância dessas áreas no cenário científico
internacional, ocupando os espaços e construindo um prestígio considerável na história das
ciências.
Se compararmos as associações e sociedades científicas, a Sociedade Russa de Físico-
Química, fundada em 1869, era comparável com as sociedades científicas similares fora da
Rússia. Também, nessa época no império russo existiam universidades. A mais antiga de
todas era a Universidade de Moscou, fundada em 1755. Por outro lado, a Academia Imperial
de Ciências produzia pesquisas de alto nível, através do século XIX e durante os primeiros
anos do século XX. Este contexto e estas instituições deram a Revolução Russa o necessário
apoio para o desenvolvimento futuro em C&T.
Nos primórdios da Revolução Russa tanto as universidades como as associações profissionais
afirmaram sua independência em relação ao controle do estado. Em um segundo momento,
grupos de intelectuais e especialistas expressaram seu descontentamento com o novo regime e
foram severamente reprimidos. Esta nova fase, de fato, inicia uma nova história da Revolução
Russa e de suas políticas em relação a C&T, obviamente fora do escopo deste trabalho.
Referências:
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