FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA
TRABALHO FINAL DO 6º ANO MÉDICO COM VISTA A ATRIBUIÇÃO DO
GRAU DE MESTRE NO ÂMBITO DO CICLO DE ESTUDOS DE MESTRADO
INTEGRADO EM MEDICINA
ANA CLÁUDIA CARDOSO QUEIRÓS HENRIQUES DA
SILVA
COMPORTAMENTO CLÍNICO E
FUNCIONAL NA DPOC
O novo paradigma
ARTIGO DE REVISÃO
ÁREA CIENTÍFICA DE PNEUMOLOGIA
TRABALHO REALIZADO SOB A ORIENTAÇÃO DE:
PROFESSOR DOUTOR CARLOS MANUEL SILVA ROBALO CORDEIRO
DOUTORA SARA ELIZABETE MARTA OLIVEIRA SILVA FREITAS
MARÇO/2013
2
COMPORTAMENTO CLÍNICO E
FUNCIONAL NA DPOC
O novo paradigma
Ana Cláudia Cardoso Queirós Henriques da Silva (1)
(1) Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Correspondência:
Ana Cláudia Cardoso Queirós Henriques da Silva
Mestrado Integrado em Medicina – 6º ano
Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Morada: Rua Manuel Henriques Alvega, lote 5, 2490-799 Ourém, Portugal
E-mail: [email protected]
3
ÍNDICE
LISTA DE ABREVIATURAS / SIGLAS
RESUMO
ABSTRACT
I. INTRODUÇÃO
II. MATERIAIS E MÉTODOS
III. DESENVOLVIMENTO
1. O estudo funcional respiratório na DPOC
2. A necessidade de uma avaliação mais ampla da DPOC
3. Sintomatologia
3.1. A relação entre estado de saúde e função pulmonar
3.2. A importância da avaliação do estado de saúde
3.3. A dispneia como determinante de estado de saúde
3.4. Questionários de sintomas e estado de saúde
4. Risco de exacerbações
4.1. O impacto das exacerbações
4.2. A identificação dos doentes com risco acrescido de exacerbações
5. Comorbilidades
6. Avaliação clínica combinada
IV. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
9
12
13
15
17
17
20
21
23
29
29
32
37
40
46
47
4
LISTA DE ABREVIATURAS / SIGLAS
BODE – Body-Mass Index, Airflow Obstruction, Dyspnea, and Exercise Capacity
CAT – COPD Assessment Test
CCQ – Clinical COPD Questionnaire
COPD – Chronic Obstructive Pulmonary Disease
CVF – capacidade vital forçada
DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica
ECLIPSE – Evaluation of COPD Longitudinally to Identify Predictive Surrogate
Endpoints
FEV1 – forced expiratory volume in 1 second
Fig. - figura
GOLD – Global Initiative for Obstructive Lung Disease
ISOLDE – Inhaled Steroids in Obstructive Lung Disease in Europe
mMRC – Modified Medical Research Council
SGRQ – St. George Respiratory Questionnaire
TORCH – Towards a Revolution in COPD Health
VEMS – volume expiratório máximo no 1º segundo
5
RESUMO
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é uma doença heterogénea e
multifactorial muito prevalente com manifestações pulmonares e sistémicas, que tem sido
tradicionalmente avaliada de acordo com parâmetros espirométricos. As novas guidelines
GOLD publicadas em 2011 introduzem alterações significativas quanto à abordagem da
DPOC, tendo sido proposta uma nova classificação da gravidade que assenta na avaliação
combinada da função pulmonar, sintomatologia, história de exacerbações e comorbilidades.
Este estudo propõe-se assim a analisar a relevância da alteração da classificação da gravidade
da DPOC, aferindo a relação existente entre o comportamento clínico e funcional nesta
doença.
Apesar de a função pulmonar constituir um marcador essencial para o diagnóstico e
avaliação da DPOC, a análise unidimensional do VEMS não reflecte a complexidade da
DPOC, registando fraca relação com a sintomatologia, qualidade de vida relacionada com a
saúde, exacerbações e comorbilidades. De facto, doentes com o mesmo grau de limitação do
fluxo aéreo podem registar uma heterogeneidade de manifestações clínicas, frequência de
exacerbações e comorbilidades. O novo sistema de categorização multidimensional GOLD
2011 permite então uma optimização da avaliação da DPOC e uma adaptação das
recomendações terapêuticas a um contexto mais personalizado, enfatizando a importância da
avaliação da sintomatologia, risco de exacerbações (função pulmonar e história de
exacerbações) e comorbilidades.
A nova classificação GOLD representa um inegável avanço e uma mudança de
paradigma. Todavia, é fundamentada em construções teóricas e observacionais recentes que
carecem de validação e as suas implicações práticas são ainda largamente desconhecidas.
6
Assim, esforços devem ser feitos no sentido de validar e eventualmente restruturar este
sistema de categorização através de ensaios clínicos prospectivos.
PALAVRAS-CHAVE: DPOC, Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica, GOLD, classificação,
avaliação, gravidade
7
ABSTRACT
Chronic Obstructive Pulmonary Disease (COPD) is a very prevalent heterogeneous
and multifactorial disease with pulmonary and systemic manifestations that has been
traditionally evaluated according to spirometric parameters. The new guidelines GOLD
published in 2011 introduce significant changes related to the management of COPD and a
new severity classification has been proposed, which is based on the combined assessment of
lung function, symptoms, exacerbation history and comorbidities. Thus, the aim of this study
was to analyze the relevancy of the changes in COPD severity classification and the relation
between clinical and functional behavior in this disease.
Although lung function represents an essential marker for the diagnosis and evaluation
of COPD, the unidimensional analysis of FEV1 does not reflect the complexity of COPD,
showing poor relation with symptoms, health related quality of life, exacerbations and
comorbidities. The new GOLD multidimensional categorization system allows an
optimization of the assessment of COPD and an adaptation of the therapeutic
recommendations to a more personalized context, emphasizing the importance of the
assessment of symptoms, exacerbation risk (lung function and exacerbation history) and
comorbidities.
Therefore, the new GOLD classification represents an undeniable advance and a
change of paradigm. However, it is based on theoretical and observational theories that need
validation and the practical implications are still largely unknown. As a result, efforts should
be made in order to validate and eventually restructure this categorization system through
prospective clinical trials.
9
I. INTRODUÇÃO
A Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC) é uma condição crónica e complexa,
caracterizada por um declínio acelerado e irreversível da função pulmonar e por
exacerbações.1 A limitação progressiva do fluxo aéreo resulta da inflamação e remodelação
das vias aéreas e está frequentemente associada a sintomas, tais como dispneia, intolerância
ao exercício, tosse e produção de expectoração. O factor de risco mais bem estabelecido para
a DPOC é a exposição ao fumo de tabaco, embora outros factores incluam a poluição dentro
de casa, exposição ocupacional a poeiras, gases ou fumos e influências genéticas.1
Sabe-se que aproximadamente 210 milhões de pessoas têm DPOC a nível mundial
apesar do elevado número de casos não diagnosticados.2 A prevalência da DPOC tem vindo a
aumentar nas últimas décadas1,2 e a Global Burden of Disease Study estimou que, em 2030,
esta doença constituirá a 4ª principal causa de morte e a 7ª principal causa de incapacidade a
nível mundial.3
A DPOC tem vindo progressivamente a ser reconhecida como um desafio major de
saúde pública.4,5 Constitui uma das principais causas de morbilidade e mortalidade a nível
mundial,6 o que resulta num impacto substancial e crescente a nível socioeconómico.3 Este
impacto traduz-se em termos de custos directos associados à utilização de recursos de saúde e
custos indirectos devido à perda de produtividade resultante da doença, incapacidade e morte
prematura.7 Na União Europeia, estima-se que os custos directos em doenças respiratórias
constituem 6% dos custos totais em cuidados de saúde, com a DPOC contando cerca de 56%
destes custos em doenças respiratórias.8
As guidelines da Global Initative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) são
orientações reconhecidas internacionalmente para a DPOC. Dez anos após a publicação da
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
10
primeira estratégia GOLD (Global Strategy for Diagnosis, Management and Prevention of
COPD),9 a nova revisão1 publicada online em Dezembro de 2011 e a sua mais recente
actualização10 de Fevereiro de 2013 representam a evolução de uma série de recomendações
baseadas na melhor evidência científica disponível para o diagnóstico e tratamento da DPOC,
apresentando alterações significativas, principalmente no que respeita à abordagem
diagnóstica, avaliação clínica e planeamento terapêutico da DPOC.
O diagnóstico de DPOC deve ser suspeitado com base na clínica e na história de
exposição a factores de risco. No entanto, o estudo funcional ventilatório passou a ser
considerado fundamental no diagnóstico de DPOC, que necessita sempre de confirmação
espirométrica.
Os objectivos do tratamento da DPOC foram sumarizados em dois pontos principais: o
alívio da sintomatologia do doente e a redução do risco de complicações (progressão da
doença, exacerbações e mortalidade).
Uma das alterações mais significativas nas guidelines GOLD 20111 prende-se na
avaliação da gravidade da DPOC. As edições de 20019 e 200711 propunham uma avaliação
com base no estudo funcional respiratório representado pelo volume expiratório forçado em 1
segundo (VEMS). Esta nova edição estabelece um novo modelo de classificação da gravidade
da DPOC, que inclui avaliação por espirometria, abrangendo ainda a história de exacerbações
do doente bem como o espectro de manifestações clínicas. Os objectivos desta avaliação da
DPOC são determinar a gravidade da doença, o seu impacto na qualidade de vida do doente e
o risco de complicações (exacerbações, admissões hospitalares ou morte) de forma a orientar
a terapêutica1 e estabelecer um prognóstico, bem como uniformizar ensaios clínicos e estudos
epidemiológicos.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
11
Contudo, sendo que este novo modelo de avaliação da DPOC foi recentemente
introduzido, urge o desenvolvimento de estudos que analisem o fundamento e pertinência
desta alteração e as consequências da sua implementação. Este estudo propõe-se assim a
analisar a relevância da alteração da classificação da gravidade da DPOC, aferindo a relação
existente entre o comportamento clínico e funcional nesta doença.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
12
II. MATERIAIS E MÉTODOS
Foi realizada uma revisão bibliográfica qualitativa e randomizada entre os meses de
Setembro de 2012 e Fevereiro de 2013. A maioria dos artigos foi acedida através da base de
dados B-On e através dos websites de revistas científicas e especializadas em doenças
respiratórias. Alguns artigos com mais difícil acessibilidade foram adquiridos através de
requerimento ao departamento de documentação da Biblioteca Central dos Hospitais da
Universidade de Coimbra, tendo sido prontamente cedidos.
Após análise de uma totalidade de 183 publicações, foram seleccionadas 100 (57
artigos científicos, 28 artigos de revisão, 2 editoriais, 3 comunicações orais e 10 outras
publicações). Esta selecção foi feita de acordo com a revisão proposta e de acordo com
relevância e pertinência dos estudos.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
13
III. DESENVOLVIMENTO
1. O ESTUDO FUNCIONAL RESPIRATÓRIO NA DPOC
A DPOC é caracterizada por um declínio acelerado e cumulativo da função pulmonar
ao longo de muitos anos.12 Deste modo, a função pulmonar tem sido tradicionalmente usada
para indicar a progressão da DPOC, tendo sido mesmo considerada o marcador isolado mais
importante para determinar a gravidade da doença e o algoritmo de tratamento.13 De facto, um
dos grandes pontos fortes da estratégia GOLD original9 foi a proposta simples e intuitiva da
classificação da gravidade da DPOC com base exclusivamente em parâmetros objectivos
obtidos por espirometria. Assim, as novas guidelines GOLD 20111 recomendam que se
mantenha a avaliação espirométrica da função ventilatória como uma etapa de inquestionável
importância no diagnóstico da DPOC, assim como na classificação da gravidade.
A espirometria é essencial para o diagnóstico da doença no contexto clínico, sendo que
uma razão volume expiratório máximo no 1º segundo/capacidade vital forçada (VEMS/CVF)
< 0.70 confirma a presença de limitação persistente do fluxo aéreo e, assim, de DPOC.1
Posteriormente, através da percentagem de VEMS esperada são identificados quatro graus
GOLD de gravidade de limitação do fluxo aéreo.1 (Quadro 1)
Quadro 1 - Classificação da gravidade da limitação do fluxo aéreo na DPOC - baseada no VEMS pós-
broncodilatador (GOLD 20111)
Em doentes com VEMS/CVF < 0.70:
GOLD 1: Ligeira VEMS ≥ 80% esperado
GOLD 2: Moderada 50% ≤ VEMS < 80% esperado
GOLD 3: Grave 30% ≤ VEMS < 50% esperado
GOLD 4: Muito grave VEMS < 30% esperado
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
14
Em 1977, Fletcher e Peto14 reportaram uma forte correlação entre sobrevida e
limitação da função pulmonar representada por VEMS. Posteriormente, outros
investigadores15 descreveram um aumento progressivo do risco de mortalidade com o declínio
de VEMS, ocorrendo um ponto de aumento pronunciado do risco quando o nível de VEMS é
inferior a 50% do valor esperado. Apesar ter o VEMS sido considerado o melhor
determinante individual de risco de mortalidade,16 o seu valor preditivo parece ser fraco
quando este é superior a 50% do esperado.17 Outro estudo18 confirmou uma correlação
estatisticamente significativa mas fraca a moderada entre VEMS e mortalidade.
O VEMS parece não registar ainda boa correlação com outros parâmetros
clinicamente importantes na DPOC, tais como dispneia, qualidade de vida, tolerância ao
exercício ou exacerbações.12
Além disso, sendo que na DPOC o valor de VEMS pós-broncodilatação é por
definição largamente irreversível, avaliar a eficácia da terapêutica com base neste parâmetro
constitui um paradoxo.19 A dificuldade de alterar a taxa de declínio da função pulmonar
representa ainda um problema em ensaios clínicos que seleccionam doentes que não
respondem a broncodilatadores, apesar muitos estudos focarem este parâmetro fisiológico.17
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
15
2. A NECESSIDADE DE UMA AVALIAÇÃO MAIS AMPLA DA DPOC
Actualmente considera-se a DPOC como uma doença complexa, heterogénea e
multifactorial com manifestações clínicas, funcionais e sistémicas altamente variáveis entre
doentes com o mesmo grau de limitação da função pulmonar.20
As estratégias GOLD 20019 e 200711 baseavam a avaliação da gravidade da DPOC em
parâmetros espirométricos apesar de referirem que a classificação proposta deveria ser
encarada como um instrumento educacional e uma orientação geral para abordagem da
doença, considerando que a selecção do tratamento deve ser predominantemente determinada
pela apresentação clínica e sintomatologia do doente. De facto, as prévias guidelines
GOLD9,11 sempre reconheceram a particular importância da avaliação da sintomatologia e
incluíam como objectivos do tratamento o alívio sintomático, a melhoria da tolerância ao
exercício e da qualidade de vida, a prevenção de exacerbações e a redução da mortalidade.
Contudo, paradoxalmente, as recomendações terapêuticas não reflectiam estas considerações,
sendo orientadas pelo VEMS. Urgia, deste modo, o surgimento de uma solução
revolucionadora.
Apesar de constituir um marcador crucial, o VEMS reflecte uma única variável
biológica – a função pulmonar. Inúmeros investigadores17–25 realçaram que o VEMS
representa de forma incompleta a complexidade das consequências clínicas da DPOC e
questionaram o seu uso como melhor parâmetro individual de avaliação, assinalando a
necessidade de uma melhor caracterização e avaliação sistemática dos doentes com DPOC.
Celli19 e Huib26 apontaram a necessidade de um sistema de estadiamento mais amplo que
permitisse uma melhor categorização da população heterogénea de doentes com DPOC. Além
disso, o VEMS carece de medidas adicionais de modo a avaliar correctamente o benefício
clínico de agentes terapêuticos.13
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
16
Assim, na tentativa de contornar as limitações do VEMS, têm sido propostos vários
instrumentos multidimensionais para avaliar a gravidade da DPOC, indicar o prognóstico e
orientar o tratamento. Com base na evidência crescente que sugere que a mortalidade se
associa a uma multiplicidade de factores,27 Celli e colaboradores22 desenvolveram o índice
BODE que combina informação de quatro variáveis: índice de massa corporal (B de Body-
mass index), grau de obstrução do fluxo aéreo (O de airflow Obstruction – VEMS), dispneia
(D de Dyspnea – escala mMRC ou Modified Medical Research Council) e capacidade de
exercício (E de Exercise capacity – prova da marcha de seis minutos). Este instrumento
provou ser um melhor indicador de risco de mortalidade do que qualquer um dos seus
componentes isolados.22 Uma vez que doentes com VEMS semelhantes podem representar
diferentes fenótipos subjacentes,23 uma estratégia alternativa reside na identificação de
fenótipos de doentes com DPOC que permitam classificar os doentes em subgrupos com
prognóstico e indicações terapêuticas distintas para fins clínicos ou de investigação. Têm sido
sugeridos fenótipos distintos de doentes com base nas manifestações clínicas ou fisiológicas,
na caracterização radiológica e na presença de exacerbações ou comorbilidades.23,28 Contudo,
a etapa mais decisiva no sentido de uma abordagem multidimensional da DPOC foi a recente
estratégia proposta nas guidelines GOLD 2011,1 que recomenda que os seguintes aspectos da
doença devem ser considerados separadamente: sintomatologia, risco de exacerbações e
comorbilidades.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
17
3. SINTOMATOLOGIA
Os doentes com DPOC são frequentemente sintomáticos, o que pode ter repercussões
no seu estado de saúde.
Jones29 enfatizou a importância de distinguir entre qualidade de vida e qualidade de
vida relacionada com a saúde (estado de saúde). Enquanto a limitação da qualidade de vida
reflecte o impacto da doença no doente, a medida do estado de saúde fornece uma
quantificação estandardizada do impacto da doença.
Apesar de o estado de saúde ser provavelmente o aspecto mais importante da DPOC
na perspectiva do doente30 e de a melhoria sintomática e do estado de saúde serem dos
principais objectivos das recomendações terapêuticas da DPOC nas guidelines GOLD de
edições anteriores,9,11 o impacto da doença no doente não era contemplado na classificação da
gravidade da doença. A sua avaliação era considerada um processo complexo, sendo
praticamente relegada para o universo dos ensaios clínicos,31 circunstância que se alterou com
a publicação das novas guidelines GOLD 2011,1 onde passou a constituir uma etapa
fundamental.
3.1. A relação entre estado de saúde e função pulmonar
Vários estudos já compararam o estado de saúde com o VEMS pós-broncodilatador.
Um grupo de investigadores suecos32 observou uma forte correlação entre estado de saúde e
limitação da função pulmonar. No entanto, de acordo com outros estudos,29,33–35 apesar de o
VEMS se correlacionar estatisticamente com o estado de saúde, a correlação negativa é
modesta e não linear e a deterioração do estado de saúde demonstra fraca relação com o
declínio da função pulmonar (Fig. 1).
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
18
Figura 1 – Relação entre estado de saúde, VEMS pós-broncodilatador e a classificação espirométrica
GOLD (adaptado de Jones29 e GOLD 20111)
Um estudo recente36 verificou uma deterioração do estado de saúde num período de
três anos, bem como uma tendência a pior estado de saúde em doentes com maior limitação
da função pulmonar. Contudo, não foram encontradas diferenças significativas quando os
doentes com diferentes graus de limitação do fluxo aéreo foram comparados. Outra
publicação recente de Jones e colaboradores37 para o grupo TORCH (Towards a Revolution in
COPD Health) observou que a deterioração do estado de saúde parece ser mais rápida em
doentes com limitação grave da função pulmonar. No entanto, apesar de ter registado
diferenças estatisticamente significativas no estado de saúde entre diferentes graus de
obstrução das vias aéreas, em cada grau os doentes exibiram uma heterogeneidade de scores
de estado de saúde. Também em cada quartil de índice BODE22 parece haver uma grande
variação quanto ao nível de estado de saúde,34 o que pode constituir uma das limitações da
sua utilização.
Um estudo38 realizado na Suécia verificou que, apesar de o estadiamento da DPOC de
acordo com o VEMS corresponder a diferenças significativas no estado de saúde, os padrões
Estado de saúde
(score SGRQ)
Limite superior
do normal
Bom
Muito
pobre
VEMS (% esperado)
GOLD 2 GOLD 3 GOLD 4 100
80
60
40
20
0
80 70 60 50 40 30 20 10
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
19
de estado de saúde se sobrepõem forma marcada entre graus de limitação do fluxo aéreo.
Demonstrou ainda que o estado de saúde dos doentes se mantém relativamente normal até o
VEMS ter um declínio abaixo de 50% do valor esperado.38 Assim, foi sugerido que a
transição entre os actuais graus GOLD 2 e 3 de limitação do fluxo aéreo corresponde a um
ponto dramático de declínio acelerado do estado de saúde,37,38 o que enfatiza a importância de
prevenir a progressão da DPOC. Importa referir que parece não haver diferenças significativas
entre outros graus consecutivos.38 Um estudo de 201239 observou que o estado de saúde
agrava com o aumento da gravidade espirométrica mas os scores de estado de saúde foram
altamente variáveis em cada grau espirométrico, o que apoia informação anteriormente
publicada por Agustí e colaboradores para o grupo ECLIPSE (Evaluation of COPD
Longitudinally to Identify Predictive Surrogate Endpoints).20 Isto revela que a que a função
pulmonar não é boa indicadora de estado de saúde, não fornecendo a imagem real do bem-
estar do doente.
De facto, as novas guidelines GOLD 20111 descrevem que em qualquer categoria
espirométrica, os doentes podem ter estado de saúde relativamente bem ou mal preservado.
Alguns doentes podem ter estado de saúde muito pobre apesar de limitação ligeira da função
pulmonar, enquanto outros doentes com obstrução grave das vias aéreas podem ter pouco
distúrbio na vida diária. Uma grande variação na deterioração do estado de saúde é observada
em cada grau de VEMS, indicando que ambas as medidas clínicas e de estado de saúde
devem ser consideradas na avaliação destes doentes.
Assim, a obstrução do fluxo aéreo contribui para uma minoria da variância explicada
do estado de saúde, o que aliado à grande variabilidade inter-individual no estado de saúde em
cada grau de limitação do fluxo aéreo, demonstra claramente que o estado de saúde não pode
ser inferido a partir do grau de limitação do fluxo aéreo e deve ser sistematicamente avaliado
em cada doente.38
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
20
3.2. A importância da avaliação do estado de saúde
O estado de saúde reflecte ainda outros parâmetros clínicos importantes na DPOC.
Segundo Jones,29 o estado de saúde é um indicador de mortalidade independente da idade e do
VEMS. Pobre estado de saúde está também associado a maior risco de exacerbações.40,41
Outros estudos42,43 consideram o estado de saúde como melhor indicador de admissão
hospitalar e mortalidade do que o VEMS, indicando que doentes com pobre qualidade de vida
têm maior risco hospitalização em todos os níveis de limitação fisiológica. A avaliação do
estado de saúde pode ainda capturar o potencial impacto das comorbilidades e de factores
psicossociais.39,44 Os sintomas depressivos, por exemplo, são muito frequentes em doentes
com DPOC e têm forte associação com o estado de saúde.44 Além disso, a avaliação da
eficácia terapêutica não deve ser baseada exclusivamente na espirometria, requerendo
avaliação de outros parâmetros clínicos relevantes, tais como o estado de saúde.45 De facto,
um agente terapêutico pode resultar numa melhoria do estado saúde ainda que curse com
alteração nula no VEMS.45 Mesmo na ausência de melhoria da função pulmonar, quando a
qualidade de vida melhora, há diminuição da utilização de recursos de saúde com diminuição
do número de consultas não programadas e hospitalizações.42 Em ensaios clínicos, a avaliação
do estado de saúde pode fornecer informação da medida do benefício global a nível
sintomático obtido com um específico tratamento.33 O estado de saúde tem, assim, adquirido
importância na avaliação da eficácia global da abordagem da doença e do sucesso das
intervenções, mesmo quando não há melhoria fisiológica, tendo um impacto significativo na
tomada de decisões clínicas.36,37,42
O estado de saúde tem sido progressivamente reconhecido como um importante
parâmetro aquando da avaliação de doentes com DPOC.1 Demonstrou-se que os indicadores
de estado de saúde não se modificam num período de três anos36 e que a limitação do estado
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
21
de saúde está associada a mais do que um parâmetro, reflectindo aspectos da DPOC que se
estendem além da função pulmonar e podem abranger os efeitos pulmonares e sistémicos da
doença.36 Isto reforça a hipótese de que a função pulmonar e o estado de saúde expressam
diferentes aspectos da gravidade da doença na DPOC. Assim, considera-se que as medidas de
estado de saúde complementam os parâmetros espirométricos na avaliação de doentes na
prática clínica de rotina,33,43 pelo que se sugeriu que o estado de saúde deve ser
indubitavelmente incluído como parte de uma classificação mais ampla para avaliar a
progressão da doença,36 adicionando valor clínico às medições multidimensionais e
complexas do estado de saúde.
3.3. A dispneia como determinante de estado de saúde
A dispneia tem sido progressivamente reconhecida como um dos factores que mais
contribui para a incapacidade associada à DPOC,30 sendo, na perspectiva dos doentes, um dos
principais sintomas com impacto na sua qualidade de vida.46 Num estudo português de
2012,47 a dispneia foi o sintoma que mais frequentemente levou à suspeita do diagnóstico de
DPOC (55%), tendo sido ainda considerado o sintoma mais problemático referido com maior
frequência pelos doentes (82,6%) em todos os graus de limitação do fluxo aéreo, o que realça
a importância de a considerar como objectivo primário de tratamento e está em concordância
com a literatura.13 Outro estudo36 observou que a dispneia é o componente do índice BODE
com maior associação com o estado de saúde e que a deterioração do estado de saúde
clinicamente significativa se relaciona com um aumento da percepção de dispneia.36 De facto,
vários estudos36,39,40 observaram uma forte associação entre dispneia e estado de saúde,
apoiando a hipótese de que a dispneia tem potencial de fornecer informação acerca do
impacto da limitação respiratória no estado de saúde do doente.30
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
22
Além disso, a dispneia contribui em grande parte para uma redução adaptativa da
actividade física e, em contrapartida, descondicionamento físico e agravamento da dispneia.48
Em última instância, este ciclo vicioso culmina na limitação do estado funcional em doentes
com DPOC, representada pela (in)capacidade de realizar actividades da vida diária. A par da
sintomatologia, a limitação do estado funcional é um dos principais contribuintes para o
agravamento do estado de saúde em doentes com DPOC.48
Assim como o estado de saúde global, a presença de dispneia é largamente
independente da gravidade da DPOC baseada nos parâmetros espirométricos.13,47 A
incapacidade por dispneia tem fraca correlação com a função pulmonar, podendo variar
consideravelmente para o mesmo grau de limitação do fluxo aéreo.20,49,50 De facto, alguns
doentes com DPOC com grau grave de VEMS são minimamente dispneicos, enquanto outros
com pouca disfunção objectiva têm grande incapacidade por dispneia, o que denota uma
complexa relação entre dispneia e obstrução das vias aéreas.
Numerosos autores18,30,49–51 sugerem a inclusão da dispneia como complemento do
VEMS na avaliação sistemática dos doentes com DPOC. De facto, algumas publicações
sugerem que categorizar os doentes com DPOC com base no nível de dispneia é mais
discriminativo e correlaciona-se melhor com a sobrevida aos 5 anos18 e com o estado de
saúde46,49 do que a classificar a gravidade da doença com base na percentagem do valor
esperado de VEMS. Deste modo, o nível de dispneia pode fornecer informação mais ampla,
adicional e complementar à obtida por espirometria, sendo um bom indicador prognóstico18 e
de estado de saúde.46,49 Além disso, sendo que a dispneia é um sintoma potencialmente
modificável, a sua avaliação tem valor na avaliação dos benefícios do tratamento.30,51
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
23
3.4. Questionários de sintomas e estado de saúde
Como anteriormente referido, uma etapa crítica da abordagem do doente com DPOC é
obter informação acerca do impacto da DPOC no seu estado de saúde. Como conceito de alta
complexidade, o estado de saúde é avaliado indirectamente através da aplicação de
questionários13 que quantificam o impacto global da DPOC na vida diária e no bem-estar na
perspectiva do doente, fornecendo uma estimativa fiável, válida e estandardizada deste
impacto. Estes auxiliam no planeamento da abordagem da DPOC e na tomada de decisões
terapêuticas através do rastreio e priorização dos problemas do doente.52
Os questionários de estado de saúde melhoram a comunicação médico-doente,
optimizando a abordagem terapêutica.53 Já que os doentes tendem ficar mais relutantes em
fornecer informação voluntária acerca do impacto emocional da doença do que acerca dos
sintomas,54 os questionários de estado de saúde podem constituir uma forma de abordar áreas
de distress para os doentes.42 Assim, a avaliação do estado de saúde através destes
questionários oferece a possibilidade de identificar e direccionar intervenções a doentes com
pobres estratégias de coping,42 nomeadamente apoio psicológico.
Além dos instrumentos genéricos, que podem ser utilizados para avaliar a qualidade de
vida em qualquer população, há ainda instrumentos específicos para aplicação em doentes
com DPOC.52 Uma vez que os questionários específicos de doença demonstraram uma mais
forte evidência positiva,52 recomenda-se a sua utilização para avaliar o estado de saúde em
doentes com DPOC.
O St. George Respiratory Questionnaire (SGRQ)55 é provavelmente o mais conhecido
questionário de avaliação do estado de saúde em doentes com DPOC. É muito fiável e foi
validado em doentes com asma e DPOC, sendo amplamente usado em ensaios clínicos destas
doenças respiratórias. Contém 50 itens divididos em três domínios: sintomas, actividade e
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
24
impacto psicossocial. Os scores variam de 0-100, sendo que um score mais elevado indica
pior estado de saúde. Demonstrou-se uma forte correlação entre o SGRQ e outras medidas da
actividade da doença, tais como a tosse, dispneia e a prova de marcha de seis minutos.
Todavia, sendo um instrumento longo e complexo, tem uma aplicabilidade limitada na prática
clínica diária.13
Na última década, têm sido efectuados inúmeros estudos e investigações no sentido de
desenvolver e validar novos questionários. Actualmente está disponível uma grande variedade
de questionários validados para este efeito. As guidelines GOLD 20111 recomendam a
utilização do COPD Assessment Test (CAT)53 ou da escala modificada Medical Reseach
Council (mMRC)49. A nova actualização de 2013 da estratégia GOLD10 considera também a
aplicação do Clinical COPD Questionnaire (CCQ).56
O CAT53 é um instrumento específico de doença que permite a avaliação da limitação
do estado de saúde na DPOC. É conciso e completo para uso na prática clínica de rotina,57
fornecendo uma medida fiável do estado de saúde da perspectiva do doente53 e permitindo
uma abordagem mais ampla do impacto da DPOC na vida diária e bem-estar dos doentes.1 O
CAT cobre uma grande diversidade de efeitos da DPOC no estado de saúde dos doentes,53
apesar de consistir em apenas oito itens (Fig. 2). Cada item é apresentado como uma escala
diferencial semântica de 0-6 pontos e a pontuação total do CAT pode variar entre 0-40. Um
estudo recente57 criou cenários descritivos como forma de clarificar o impacto da doença
correspondente a diferentes scores CAT, concluindo que scores de 0-10, 11-20, 21-30 e 31-40
representam um impacto clínico ligeiro, moderado, grave ou muito grave, respectivamente.58
Assim, um score CAT ≥ 10 está associado a limitação muito significativa do estado de
saúde,57 sendo este o cutpoint utilizado pelas guidelines GOLD.1 A utilização do CAT é
recomendada por ser um instrumento consistente, responsivo e válido quanto à estrutura e
conteúdo.52 Demonstrou também pouca variabilidade entre diferentes países59 e foi
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
25
desenvolvido para ser aplicável a nível internacional, estando disponíveis traduções validadas
em diversas línguas. O CAT é acessível e pode ser preenchido online, sendo gratuito para
médicos e doentes. Tem ainda excelentes propriedades discriminativas e boa correlação com o
SGRQ,53,59 sendo preferível em relação a este já que é prático e de fácil utilização, podendo
ser completado num máximo de dois minutos.34 Além disso, vários estudos60–62 demonstraram
que o CAT é sensível a alterações do estado de saúde associadas a reabilitação pulmonar,
conseguindo distinguir entre diferentes categorias de resposta. É também sensível a alterações
registadas no decurso de exacerbações.62,63 De facto, os scores do CAT tendem a ser
significativamente mais altos em doentes com exacerbações da DPOC comparando com os
que têm doença estável.59 No entanto, o CAT aguarda ainda validação para a população
portuguesa.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
26
Nunca tenho tosse
Estou sempre a tossir
Não tenho nenhuma
expectoração (catarro) no peito
O meu peito está cheio de
expectoração (catarro)
Não sinto nenhum aperto no
peito
Sinto um grande aperto no
peito
Não sinto falta de ar ao subir
uma ladeira ou um lance de
escadas
Quando subo uma ladeira ou
um lance de escadas sinto
bastante falta de ar
Não sinto nenhuma limitação
nas minhas actividades em casa
Sinto-me muito limitado nas
minhas actividades em casa
Sinto-me confiante para sair de
casa, apesar da minha doença
pulmonar
Não me sinto nada confiante
para sair de casa, por causa da
minha doença pulmonar
Durmo profundamente
Não durmo profundamente
devido à minha doença
pulmonar
Tenho muita energia Não tenho nenhuma energia
Figura 2 – COPD Assessment Test (CAT) para avaliação do estado de saúde em doentes com DPOC
(http://www.catestonline.org/english/index_Portugal.htm)
A escala mMRC49 foi desenvolvida como um método simples, válido e estandardizado
de categorizar os doentes com DPOC relativamente à incapacidade por dispneia (Fig.3).49,13
Foi sugerida a utilização desta escala como complemento do VEMS na classificação da
gravidade da DPOC. 49 Tem associação significativa com outras medidas de estado de saúde,
tais como o SGRQ.49 Contudo, um estudo recente observou uma fraca correlação entre o
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
0 1 2 3 4 5
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
27
mMRC e o SGRQ com uma grande variedade de scores SGRQ em cada grau mMRC.25 As
novas guidelines GOLD1 consideram limitação respiratória significativa um score mMRC ≥
2.
0 Ausência de dispneia, excepto durante exercício físico extenuante
1 Dispneia com marcha rápida em plano horizontal, ou subida de um plano inclinado
2 Dispneia condicionando marcha lenta em plano horizontal
3 Dispneia causando paragem após marcha de ± 90 m, ou poucos minutos em plano horizontal
4 Dispneia impedindo a marcha e desencadeada pelos cuidados de higiene
Figura 3 – Escala modificada Medical Research Council (mMRC) para avaliação da incapacidade por
dispneia
O CCQ56 é um instrumento específico de doença que se destina a avaliar o estado de
saúde em doentes com DPOC. Inclui 10 itens distribuídos por três domínios (sintomas, estado
funcional e estado mental) (Fig. 4). Cada item é escalado de 0-6, sendo que um score mais
elevado é indicativo de pior estado de saúde. Estão disponíveis versões para avaliação
semanal64 e diária65 da DPOC. É um questionário curto e fácil de administrar e estudos
comprovaram a sua validade, fiabilidade e responsividade.56,66 Foi demonstrada correlação
significativa com o SGRQ.56 Ainda não há, contudo, evidência científica da sua capacidade
discriminativa na detecção de exacerbações e das implicações práticas dessa aplicação.67 As
novas guidelines GOLD10 consideram limitação significativa do estado de saúde um score
CCQ ≥ 2.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
28
Em média, nos últimos
7 dias, com que
frequência se sentiu:
Nunca Quase
nunca
Algumas
vezes
Bastantes
vezes
Muitas
vezes
Muitíssimas
vezes
Quase
sempre
1. com falta de ar
quando não está a
fazer nenhuma
actividade física?
0 1 2 3 4 5 6
2. com falta de ar
quando faz
actividades que
requerem esforço
físico?
0 1 2 3 4 5 6
3. preocupado(a) em
ficar constipado ou
que a sua respiração
piorasse?
0 1 2 3 4 5 6
4. triste (em baixo)
devido aos seus
problemas
respiratórios?
0 1 2 3 4 5 6
Em geral, nos últimos
7 dias, com que
frequência:
5. tossiu? 0 1 2 3 4 5 6
6. teve expectoração? 0 1 2 3 4 5 6
Em média, nos últimos
7 dias, até que ponto
se sentiu limitado(a)
nestas actividades
devido aos seus
problemas
respiratórios:
Na
da
lim
ita
do
(a)
Mu
ito
lig
eir
am
en
te
lim
ita
do
(a)
Lig
eir
am
en
te
lim
ita
do
(a)
Mo
de
rad
am
en
te
lim
ita
do
(a)
Mu
ito
lim
ita
do
(a)
Ext
rem
am
en
te
lim
ita
do
(a)
To
talm
en
te
lim
ita
do
(a)
ou
inca
pa
z d
e a
s
faze
r
7. actividades que
requerem um esforço
físico considerável
(tais como subir
escadas, apressar-se,
fazer desporto)?
0 1 2 3 4 5 6
8. actividades físicas
moderadas (tais como
andar, fazer tarefas
em casa, carregar
coisas)?
0 1 2 3 4 5 6
9. actividades diárias
em casa (tais como
vestir-se, lavar-se)?
0 1 2 3 4 5 6
10. actividades sociais
(tais como conversar,
estar com crianças,
visitar
amigos/familiares)?
0 1 2 3 4 5 6
Figura 4 – Clinical COPD Questionnaire (CCQ) para avaliação do estado de saúde em doentes com
DPOC (http://ccq.nl/?wpsc-product=ccq-portuguese-portuguese-week-version)
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
29
4. RISCO DE EXACERBAÇÕES
As exacerbações são comuns em doentes com DPOC, interrompendo a história natural
da doença. Estes episódios associam-se a um aumento da inflamação das vias aéreas e são
frequentemente desencadeadas por infecções virais ou bacterianas. 68,69
Há múltiplas definições de exacerbação da DPOC. Apesar de não haver uma definição
universalmente aceite do que constitui uma exacerbação da DPOC e de estas variarem entre
estudos clínicos, baseiam-se geralmente na apresentação clínica e/ou utilização de recursos de
saúde.68–72 As guidelines GOLD1 definem exacerbação da DPOC como um episódio agudo
caracterizado por um agravamento da sintomatologia respiratória do doente além das
variações diárias normais e que conduz a uma alteração da medicação.
4.1. O impacto das exacerbações
As exacerbações são reconhecidas como episódios importantes na história natural da
DPOC.1
As exacerbações da DPOC têm um impacto importante no estado de saúde dos
doentes.29,40,69,73 Num estudo74 que explorou a compreensão e o reconhecimento das
exacerbações pelos doentes, a maioria dos doentes admitiu sentir-se pior durante as
exacerbações em comparação com a doença estável e reconheceu que estas têm um impacto
considerável em diferentes aspectos, nomeadamente ao nível das actividades da vida diária.
Além disso, as exacerbações tiveram um impacto psicológico substancial com consequências
adversas nas relações pessoais e familiares dos doentes e que tende a ser subvalorizada. As
exacerbações têm também consequências significativas a nível das actividades de vida diárias,
contribuindo para o declínio acelerado do estado funcional dos doentes.69,74 A aplicação
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
30
sistemática de questionários que avaliam o estado de saúde tem facilitado a compreensão da
maneira como os doentes percepcionam as exacerbações e como estas os afectam.68 Apesar de
as exacerbações terem uma influência adversa prolongada no estado de saúde dos doentes,68
aproximadamente 50% dos episódios não são reportados pelos doentes.40 Isto ocorre
presumivelmente por uma aceitação da sua condição e/ou adaptação à flutuação dos sintomas
à medida que a doença evolui40 ou por não compreensão do seu significado.74 Doentes que
não reportam as suas exacerbações e não são tratados prontamente registam pior estado de
saúde e maior taxa de hospitalização de emergência.75 Estes factos realçam a importância do
tratamento precoce e do esclarecimento dos doentes quanto à sua doença, com particular
ênfase nas exacerbações.
Um estudo observou que doentes com história de exacerbações frequentes revelam
pior estado de saúde.40 Posteriormente, o estudo TORCH37 reportou uma alteração do estado
de saúde ao longo de três anos em doentes com DPOC que se relacionou significativamente
com a taxa de exacerbações registadas, sendo que os doentes sem exacerbações apresentaram
melhor estado de saúde. Esta informação é apoiada pelos resultados da publicação de Spencer
e colaboradores para o grupo ISOLDE (Inhaled Steroids in Obstructive Lung Disease in
Europe).41 Este estudo revelou que exacerbações frequentes estão independentemente
associadas a pior estado de saúde e a mais rápida taxa de deterioração do estado de saúde,
tendo sugerido que as exacerbações exercem um efeito cumulativo no estado de saúde.
Seemungal76 demonstrou que as repercussões das exacerbações da DPOC na sintomatologia
podem levar semanas a recuperar. No entanto, 14% dos doentes com exacerbações da DPOC
ainda não tinham recuperado até ao nível basal de sintomas 35 dias após a instalação e uma
pequena proporção dos doentes não teve uma recuperação sintomática completa, o que
reflecte a imprevisibilidade das exacerbações e contribui para a considerável morbilidade
associada. Assim, tendo em conta o considerável e prolongado efeito de uma exacerbação
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
31
isolada no estado de saúde,68 é compreensível que na presença de uma elevada frequência de
exacerbações, se o doente não recuperar completamente o estado de saúde após cada
exacerbação, um efeito do tipo cumulativo possa contribuir para uma deterioração progressiva
do estado de saúde. Esta deterioração parece ser tanto mais rápida quanto mais frequentes são
as exacerbações.73
No estudo ISOLDE,41 a taxa de exacerbações foi um determinante de estado de saúde
ao longo de três anos, influenciando o estado de saúde ao longo do tempo, aspecto em
concordância com a literatura.36 Assim, a frequência de exacerbações justifica a deterioração
de scores de estado de saúde no mesmo doente ao longo do tempo,41 bem como algumas das
diferenças de estado de saúde entre doentes.40
Além disso, intervenções farmacológicas com impacto na diminuição da taxa de
exacerbações parecem reduzir o declínio do estado de saúde.68 O estudo ISOLDE41 observou
que a diminuição da taxa de deterioração do estado de saúde após três anos nos doentes
medicados com propionato de fluticasona se deveu principalmente à prevenção de
exacerbações.
Um corpo crescente de evidência científica sugere a existência de uma espiral viciosa
de exacerbações, sintomas e declínio da função pulmonar.77 Importantes estudos78–80
constataram que as exacerbações têm uma contribuição inegável no declínio acelerado da
função pulmonar, exercendo um pequeno mas significativo efeito cumulativo no VEMS. Tal
como ocorre com a sintomatologia, as repercussões na função pulmonar podem levar semanas
a recuperar, podendo ocorrer uma incompleta resolução fisiológica numa proporção
significativa das exacerbações,76 o que, aliado a uma taxa aumentada destes episódios,
provavelmente contribui para o declínio de VEMS. De facto, os doentes com exacerbações
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
32
mais frequentes têm um declínio da função pulmonar estatisticamente maior em cerca de 25%
e mais rápido do que doentes com menos exacerbações.78 Celli e colaboradores81 confirmaram
estes resultados num estudo para o grupo TORCH, demonstrando que uma elevada frequência
de exacerbações está associada a um mais rápido declínio de VEMS. Outro estudo sugeriu
uma associação entre exacerbações frequentes e um aumento da inflamação e alterações
fisiopatológicas que culminam num declínio acelerado da função pulmonar.77
As exacerbações estão também intimamente associadas a aumento do risco de
hospitalização e mortalidade.72 Demonstrou-se que doentes com exacerbações frequentes
são mais vezes admitidos no hospital com estadias mais prolongadas78 e que a sobrevida de
doentes com DPOC está relacionada com a frequência e intensidade das exacerbações.17 Além
disso, tendo em conta que são a principal causa de hospitalização de doentes com DPOC, as
exacerbações têm um impacto socioenómico substancial, sendo responsáveis por uma grande
proporção dos custos de cuidados de saúde associados à DPOC.68,70,73
4.2. A identificação de doentes com risco acrescido de exacerbações
Seemungal e colaboradores40 sugeriram que a identificação precoce de doentes com
risco particular de exacerbações pode reduzir consideravelmente a morbilidade e mortalidade
associada às exacerbações da DPOC. De facto, a taxa de exacerbações varia
consideravelmente entre doentes.20,82 Alguns doentes não apresentam exacerbações, enquanto
outros desenvolvem exacerbações frequentes. Sendo que um dos principais objectivos da
terapêutica da DPOC1 é a prevenção das exacerbações, torna-se muito importante identificar
os doentes com maior risco de exacerbações frequentes e graves.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
33
A maioria dos ensaios clínicos considera a mediana do número de exacerbações
registadas como cutpoint para categorizar os doentes com exacerbações mais ou menos
frequentes.40,41 Soler-Cataluña82 e Hurst83 simplificaram e uniformizaram este conceito,
definindo frequent exacerbators (exacerbadores frequentes) como doentes com duas ou mais
exacerbações num ano.
As guidelines GOLD 20111 salientam a importância da classificação espirométrica da
função pulmonar, representada pelo parâmetro VEMS, na avaliação do risco de exacerbações.
Segundo vários autores,14,20,35,68 o agravamento da função pulmonar representada pelo
VEMS está associado a um aumento do risco de exacerbações. Usando informação da grande
coorte observacional ECLIPSE, Hurst e colaboradores83 examinaram a frequência de
exacerbações em doentes com DPOC e confirmou esta informação, concluindo que as
exacerbações se tornaram mais frequentes à medida que a gravidade da DPOC aumentava:
22% nos doentes com grau GOLD 2; 33% no grau GOLD 3; e 47% no grau GOLD 4 tiveram
2 ou mais exacerbações no ano de follow-up. De facto, apesar de 22% dos doentes com grau
GOLD 2 terem tido exacerbações frequentes, a proporção de doentes grau GOLD 4 com
exacerbações frequentes foi mais do que o dobro relativamente aos doentes grau GOLD 2.
Também num estudo recente84 realizado em Portugal com 45 doentes, os doentes com maior
limitação da função respiratória (VEMS < 50%) foram os que mais frequentemente
apresentavam exacerbações, apesar de as pequenas dimensões da amostra influenciarem a
significância estatística. Estes resultados estão em concordância com as guidelines GOLD
2011,1 que referem que a frequência de exacerbações está significativamente aumentada nos
graus GOLD 3 e 4, considerando alto risco de exacerbações a presença de um VEMS inferior
a 50% do valor esperado.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
34
Além disso, os doentes com a limitação mais grave da função pulmonar estão mais
susceptíveis a exacerbações mais graves70,83 e com maior probabilidade de necessitar de
admissão hospitalar.68
No estudo de Hurst,83 mais de 22% dos doentes GOLD 2 tiveram exacerbações
frequentes que requereram tratamento e 29% dos doentes GOLD 4 pareceram ter resistência a
exacerbações. Além disso, durante os três anos do estudo ISOLDE,35 20% dos doentes com
DPOC grau GOLD 2-4 não registaram exacerbações. Assim, apesar de as exacerbações
serem, no geral, mais frequentes e graves à medida que a DPOC progride, foi sugerida a
existência de um fenótipo específico de doentes susceptível de desenvolver exacerbações
frequentes, independentemente do grau de limitação do fluxo aéreo.20,83 Parece não haver
diferenças significativas na idade, sexo e hábitos tabágicos entre doentes com diferentes taxas
de exacerbações41,78,83 Apesar de a razão pela qual alguns doentes têm exacerbações
frequentes não ser clara, sugeriu-se a possibilidade de uma susceptibilidade aumentada a
infecções respiratórias virais85 ou de uma combinação de inflamação sistémica e das vias
respiratórias, comorbilidades e factores genéticos num fenótipo específico.82
O grupo de doentes com exacerbações frequentes pode ser identificado com base na
história individual de exacerbações prévias já que o principal determinante independente de
exacerbações frequentes em todos os graus GOLD é a história de exacerbações e há evidência
que uma exacerbação aumenta a susceptibilidade a outra subsequente.40,69,83 As exacerbações
são mais frequentes em doentes com história de exacerbações frequentes no ano anterior.40,79
Assim, uma história de exacerbações frequentes é o melhor factor preditivo de futuras
exacerbações.83 Além disso, o fenótipo de exacerbações frequentes parece manter-se parece
manter-se relativamente estável num período de um a três anos.40,83,78
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
35
O facto de mais de 20% dos doentes GOLD 2 terem exacerbações frequentes que
requereram tratamento83 constitui uma observação importante já que estes doentes, que teriam
doença moderada de acordo com critério VEMS, poderiam não ser identificados para
intervenções para reduzir exacerbações. De facto, já que a DPOC grau GOLD 2 é mais
prevalente do que a DPOC grau GOLD 4,86 o impacto global de exacerbações pode mesmo
ser maior na limitação moderada da função pulmonar.
Já que os doentes com exacerbações frequentes constituem um grupo definido e
estável com pior prognóstico, as guidelines GOLD 20111 introduziram a avaliação da
frequência de exacerbações nos últimos 12 meses como factor de risco de exacerbações em
adição ao critério espirométrico, sendo considerado alto risco a presença de 2 ou mais
exacerbações no último ano. A última actualização em 2013 da estratégia GOLD10 considerou
ainda a sugestão de dois investigadores,87 admitindo que a história de pelo menos uma
admissão hospitalar no último ano motivada por uma exacerbação é suficiente para a inclusão
de doentes na categoria de alto risco de exacerbações.
Interessa realçar que, mesmo na ausência de uma história de exacerbações frequentes,
doentes com graus GOLD 3 ou 4 de limitação do fluxo aéreo devem ser incluídos na categoria
de alto risco já que a presença de um VEMS inferior a 50% do valor esperado reflecte não só
um patamar de aumento do risco de exacerbações como também de declínio acelerado do
estado de saúde37,38 e de aumento considerável do risco de mortalidade.15 Posto isto, e tendo
em conta que as exacerbações têm grande impacto socioeconómico,68,70 no estado de
saúde36,40,41,74,83 e no declínio da função pulmonar78–81 e são causa importante de admissão
hospitalar70,76 e de morbimortalidade,17,72 a avaliação do risco de exacerbações pode ser
considerada como uma avaliação do risco global de poor outcomes.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
36
Está bem estabelecido que a prevenção das exacerbações é um elemento-chave nas
estratégias de abordagem da DPOC.1,21 De facto, estratégias para a prevenção e tratamento
das exacerbações da DPOC parecem ter impacto no estado de saúde e na morbimortalidade.78
Deste modo, através da avaliação do risco de exacerbações, é possível optimizar a abordagem
de doentes com exacerbações frequentes, direccionando métodos preventivos como meio de
minimizar essa frequência82 e o risco de poor outcomes no geral.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
37
5. COMORBILIDADES
Existe uma forte evidência científica de que, devido ao seu carácter crónico, a DPOC
coexiste frequentemente com outras doenças ou comorbilidades.88,89 Num estudo recente com
2164 doentes com DPOC, Agustí verificou que 38% tinham pelo menos uma comorbilidade.20
Apesar de a DPOC afectar primariamente os pulmões, o processo inflamatório crónico tem
repercussões extrapulmonares, associando-se a inflamação sistémica que pode contribuir para
o estabelecimento ou agravamento de doenças concomitantes.90 Além disso, tendo em conta
que a maioria dos doentes com DPOC, particularmente aqueles em estádios mais avançados
da doença, são idosos, é de esperar que apresentem com frequência comorbilidades que
requerem atenção médica.91 Contudo, têm sido feitos esforços na tentativa de combater a
percepção generalizada de que apenas os idosos apresentam múltiplas condições crónicas,1
sendo que a prevalência das comorbilidades activas tem vindo a aumentar em doentes mais
novos e com diagnóstico recente de DPOC.87,88
Num estudo47 realizado em Portugal, as comorbilidades mais frequentemente
reportadas foram as doenças cardiovasculares (49% dos doentes), gastrointestinais (20%),
metabólicas (16%) e respiratórias (14%). Entre as comorbilidades mais frequentes constaram
a hipertensão arterial e a diabetes mellitus. Está, de facto, bem estabelecido que a DPOC se
associa a comorbilidades crónicas importantes como doenças cardiovasculares, diabetes
mellitus e hipertensão arterial.89 Outras comorbilidades descritas são malnutrição e disfunção
musculo-esquelética, síndrome metabólico, anemia normocítica, osteoporose, doença do
refluxo gastroesofágico, cancro do pulmão, depressão e ansiedade.90
Um estudo muito recente39 acerca do impacto das comorbilidades no estado de saúde
constatou que, na presença de dispneia e exacerbações, a depressão foi a variável mais
importante associada ao score SGRQ global, reforçando a hipótese de que o diagnóstico e
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
38
tratamento precoce da depressão pode melhorar o estado de saúde de doentes com DPOC. Um
estudo português prospectivo92 apoia esta informação, sugerindo uma nítida relação entre
depressão, qualidade de vida, utilização de recursos de saúde e prognóstico. De facto, vários
estudos já constataram que as comorbilidades contribuem para a gravidade global da DPOC,
podendo resultar em limitação do estado funcional, agravamento da dispneia e redução do
estado de saúde em doentes com DPOC,90 bem como no aumento significativamente o risco
de mortalidade e hospitalização,89,91,93 assim como dos custos de cuidados de saúde.90,93 Um
estudo extenso com base populacional sugere que doentes com DPOC apresentam um risco
duas a três vezes superior de mortalidade cardiovascular face aos grupos controlo.93 Verificou
ainda que a doença cardiovascular e o cancro do pulmão são, além da falência respiratória,
causas major de mortalidade, sendo as principais causas de mortalidade em doentes com
DPOC menos grave. É ainda importante ter em conta que, além de as comorbilidades
poderem complicar a abordagem da DPOC, também as intervenções farmacológicas na
DPOC podem vir a complicar as comorbilidades.87
Apesar de Mannino89 considerar que o agravamento da função pulmonar está
associado a maior risco de comorbilidades, mais recentemente no estudo ECLIPSE, Agustí e
colaboradores20 observaram que as comorbilidades são largamente independentes do grau de
limitação do fluxo aéreo, o que demonstra que estas condições podem ocorrer precocemente
no decurso da DPOC, aspecto em concordância com a literatura.38,94
A importante prevalência e impacto das comorbilidades e a sua fraca correlação com a
função pulmonar enfatizam a necessidade de uma abordagem mais proactiva não só no
diagnóstico de comorbilidades em doentes com DPOC como também no sentido de identificar
DPOC em doentes com outras condições crónicas.47,87 Assim, a avaliação clínica de doentes
com DPOC deve irrefutavelmente incluir a pesquisa e caracterização de eventuais
comorbilidades.1
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
39
Instrumentos multidimensionais, tais como questionários de estado de saúde e o índice
BODE22, têm benefícios relativamente a abordagens baseadas em parâmetros isolados, em
parte porque têm estes a capacidade de captar o impacto de várias comorbilidades, que podem
ser subclínicas no momento da avaliação do doente com DPOC.93 Deste modo, uma avaliação
mais ampla pode reflectir a enorme complexidade de mecanismos subjacentes associados à
DPOC e fornecer orientação terapêutica e informação prognóstica adicional.
A comunidade científica tem-se debruçado também na identificação de biomarcadores
que facilitem a avaliação individual da gravidade da DPOC.95 Parâmetros inflamatórios como
a proteína C-reactiva estão elevados na circulação sistémica de doentes com DPOC.27
Contudo, não há ainda evidência científica que apoie a utilização destes marcadores
biológicos na estimativa da progressão da doença.
As novas guidelines GOLD1 incluem assim a avaliação sistemática das comorbilidades
como parte fundamental da orientação da DPOC. Referem ainda que as comorbilidades
devem ser tratadas independentemente do tratamento da DPOC subjacente.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
40
6. AVALIAÇÃO CLÍNICA COMBINADA
O novo modelo de classificação proposto nas guidelines GOLD 20111 introduziu
alterações muito significativas na avaliação da DPOC, baseando-se na combinação da
avaliação do impacto da sintomatologia no doente e do risco de exacerbações, complementada
pela avaliação de potenciais comorbilidades.
Para avaliar a sintomatologia, deve ser aplicado um questionário: mMRC, CAT ou
CCQ. É desnecessário usar mais do que uma escala e é considerado elevado nível de sintomas
um score CAT ≥ 10, um grau mMRC ≥ 2ou um score CCQ ≥ 2.
Para avaliar o risco de exacerbações, são propostas 2 variáveis (gravidade da
limitação do fluxo aéreo e frequência de exacerbações). Considera-se alto risco a presença de
um VEMS inferior a 50% do valor esperado (GOLD 3 ou 4) e/ou uma história de 2 ou mais
exacerbações nos últimos 12 meses, sendo que a história de pelo menos uma hospitalização
motivada por exacerbação deve também ser considerada alto risco. No caso de haver
discrepância entre risco de exacerbações determinado por espirometria e pelos antecedentes
de exacerbações, deve ser considerada a variável associada a mais alto risco.
Com esta nova classificação da gravidade da DPOC, são identificadas quatro
diferentes categorias de doentes (A, B, C e D), combinando sintomas (poucos ou muitos) com
risco (baixo ou alto) (Fig. 5). Importa sublinhar que a avaliação das comorbilidades é de
extrema importância e deve ser feita independentemente de não constarem directamente neste
sistema de categorização.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
41
Figura 5 – Nova classificação da gravidade da DPOC (adaptado de GOLD 201310). Na avaliação do
risco, considerar a variável associada a mais alto risco: grau GOLD ou história de
exacerbações. *Uma ou mais hospitalizações devido a exacerbações deve ser já
considerada alto risco.
D
A B
Categoria Características Classificação
espirométrica
Exacerbações
por ano* mMRC CAT CCQ
A Menos sintomas,
menos risco GOLD 1-2 ≤ 1 0-1 < 10 0-1
B Mais sintomas,
menos risco GOLD 1-2 ≤ 1 ≥ 2 ≥ 10 ≥ 2
C Menos sintomas,
mais risco GOLD 3-4 ≥ 2 0-1 < 10 0-1
D Mais sintomas,
mais risco GOLD 3-4 ≥ 2 ≥ 2 ≥ 10 ≥ 2
C
RIS
CO
(Cla
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(últim
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no
)
IMPACTO
(Sintomas)
1
2
3
4 ≥ 2
0
1
mMRC < 2 CAT < 10
CCQ < 2
mMRC ≥ 2 CAT ≥ 10
CCQ ≥ 2
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
42
A alteração mais evidente e revolucionadora instituída com o surgimento das novas
guidelines GOLD 20111 foi a metamorfose de um sistema unidimensional de classificação da
gravidade da DPOC (limitação do fluxo aéreo) em multidimensional (sintomas, espirometria,
exacerbações e comorbilidades). Sendo que a DPOC é uma doença multifactorial com
manifestações pulmonares e sistémicas,20 faz todo o sentido que a sua abordagem se faça
numa perspectiva mais abrangente. Além disso, está bem estabelecido que a análise isolada da
função respiratória previamente usada para estadiar a DPOC não captura a heterogeneidade da
doença devido à sua fraca correlação com o grau de dispneia, tolerância ao exercício, estado
de saúde, frequência de exacerbações e presença de comorbilidades.20,25 Esta nova abordagem
complementada pela avaliação das comorbilidades enfatiza a importância da avaliação da
sintomatologia, história de exacerbações e comorbilidades e tem o potencial de reflectir
melhor a complexidade da DPOC, mantendo ainda uma conexão com as anteriores estratégias
GOLD9,11 através da inclusão do teste espirométrico.
Em pequenos estudos decorridos em Portugal, verificou-se que, com a implementação
do novo modelo GOLD 2011, os doentes foram preferencialmente classificados nos grupos
com maior impacto sintomático,84 observando-se ainda uma distribuição dos doentes com
comorbilidades com predomínio nos grupos mais sintomáticos (B e D).94 Isto traduz as
repercussões significativas embora tendencialmente subvalorizadas que a DPOC e as
comorbilidades têm na qualidade de vida dos doentes e cuja valorização é muito facilitada
pela aplicação do novo sistema GOLD proposto.
Importa referir que esta nova abordagem da DPOC não requer tecnologia sofisticada,
sendo aplicável em qualquer situação e local. Além disso, este novo modelo usa evidência que
demonstra que as terapêuticas actuais têm o potencial de reduzir a taxa de declínio da função
pulmonar, melhorar a sintomatologia e o estado de saúde e reduzir a frequência e gravidade
das exacerbações.37,41,45,72,75,81,96–99 As recomendações terapêuticas adaptam-se agora a cada
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
43
uma das categorias A, B, C e D. Deste modo, há a possibilidade de situar o tratamento da
DPOC num contexto mais personalizado que se aproxima mais das necessidades individuais
de cada doente, representando uma alteração considerável nas recomendações terapêuticas da
DPOC. Num pequeno estudo100 realizado em Portugal, a aplicação desta nova classificação
GOLD traduziu-se na alteração das indicações farmacológicas em 21,5% dos 65 doentes da
amostragem, o que reforça a importância da sua utilização.
Esta abordagem multidimensional tem ainda o potencial de fomentar e facilitar a
exploração e identificação de subgrupos de doentes com DPOC com características diferentes
e que podem ter benefício numa terapêutica individual direccionada por fenótipos. O
roflumilast é o exemplo de um fármaco com aprovação recente num alvo específico de
doentes com DPOC (doentes com tosse crónica e expectoração e com história de
exacerbações).87 Outros novos fármacos têm sido estudados de forma a potencialmente virem
a integrar-se no novo modelo de recomendações terapêuticas proposto.
Todavia, algumas limitações foram já apontadas a este novo modelo.
Ryan87 argumenta que os instrumentos recomendados para avaliar sintomas não são
equivalentes. É um facto que apesar de na prática clínica a vantagem da escala mMRC ser a
sua brevidade, esta apenas avalia a disfunção causada pela dispneia, enquanto o CAT53
abrange um espectro mais alargado de sintomas, avaliando o impacto da DPOC na rotina e
bem-estar diários do doente. Com base num estudo prospectivo de coorte recente, Han
considerou que a escolha do instrumento de avaliação dos sintomas pode influenciar a
atribuição da categoria, apesar de apenas terem sido aplicados o mMRC e o SGRQ,
considerando este último equivalente do CAT.25 Neste estudo foi reportada uma correlação
imperfeita e pouco surpreendente entre mMRC e SGRQ.25 De facto, o CAT pode
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
44
potencialmente colocar os doentes com DPOC numa categoria de maior risco comparado com
o mMRC,87 já que tem maior potencial de capturar os problemas dos doentes. Um pequeno
estudo português reforça esta conjectura, já que com a aplicação do CAT 82% dos doentes da
amostra foram colocados nas categorias mais sintomáticas (B e D), ao invés de apenas 73%
com a aplicação do mMRC.84 As guidelines GOLD 20111 não parecem indiferentes a esta
hipótese já que, apesar de referirem ser desnecessário o uso de mais de uma escala, alegam
que a utilização do CAT é preferível porque possibilita uma avaliação mais abrangente do
impacto sintomático da doença, considerando a aplicação do questionário mMRC apenas na
ausência do CAT. Han25 sugeriu como aperfeiçoamento ideal do novo esquema de
classificação GOLD a recomendação de um único instrumento de avaliação dos sintomas.
Uma alternativa reside na alteração do cutpoint do mMRC de 2 para 1, já que um mMRC de 1
corresponde a um score SGRQ de 26, o qual por sua vez, se encontra mais próximo do
cutpoint recomendado para o CAT (um score CAT de 10 corresponde a um score SGRQ de
25).25 Esta solução melhoraria a probabilidade de os doentes serem incluídos no mesmo grupo
e facilitaria a comparação entre doentes independentemente do método utilizado.25
Han25 observou também que o número relativo de doentes na categoria C é baixo,
correspondendo a cerca de 7,9% dos 4484 doentes incluídos na análise, o que sugere que é
incomum doentes com alto risco de exacerbações não reportarem sintomas significativos.
Além disso, apesar do pequeno número de doentes na categoria C, o aparente risco de
exacerbações desta categoria não pareceu ser substancialmente diferente da categoria B.25
No seu estudo, Han25 dividiu os doentes das categorias C e D em três subgrupos
consoante a variável que determinou alto risco de exacerbações: C1 e D1 (função pulmonar);
C2 e D2 (história de exacerbações); C3 e D3 (função pulmonar e história de exacerbações).
No geral, os doentes na categoria D tiveram maior número de exacerbações e exacerbações
mais graves. Contudo, observou-se uma variabilidade significativa na taxa de exacerbações
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
45
entre D1, D2 e D3, o que denota uma heterogeneidade substancial no risco de exacerbações
dependendo da variável considerada para inclusão na categoria de alto risco.25 Tendo em
conta que a história de exacerbações e o VEMS não se comportam identicamente na previsão
do risco, Han25 aborda a dificuldade da utilização de mais do que um estratificador de risco,
referindo ainda que o VEMS agrava esta complexidade por se relacionar não só com o risco
como também com os sintomas. De facto, os doentes estratificados em D3 registaram as mais
altas taxas totais de exacerbações e de exacerbações mais graves, estando já a ser tratados
mais intensivamente.25 Isto deixa subjacente que os médicos tendem a apostar numa
terapêutica mais agressiva para estes doentes apesar de as actuais recomendações GOLD não
focarem este ponto. Um método sugerido por Han25 para apurar as potencialidades do novo
modelo GOLD de avaliação combinada seria a subdivisão da categoria D tal como foi feito no
seu estudo. Recomendou ainda uma atenção especial por parte dos clínicos nos doentes com
muitos sintomas, fraca função pulmonar e história prévia de exacerbações (grupo D3) devido
ao seu maior risco.
Além disso, sendo uma construção teórica observacional recentemente introduzida, a
categorização A, B, C e D carece ainda de validação adequada através de ensaios clínicos
prospectivos.87 Todavia, apesar de as suas implicações na prática clínica serem ainda
largamente desconhecidas,100 o novo modelo proposto constitui um inegável avanço no
sentido de uma optimização da abordagem de doentes com DPOC.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
46
IV. CONCLUSÃO
O novo modelo GOLD 2011 de classificação da gravidade da DPOC representa uma
evolução notória no conhecimento científico e na avaliação clínica da doença. De facto, sendo
uma doença complexa e multifactorial com manifestações pulmonares e sistémicas, a
heterogeneidade da DPOC não é completamente capturada pela avaliação unidimensional da
função pulmonar (VEMS), a qual constituía a base da avaliação da DPOC de acordo com as
prévias guidelines GOLD. Há, de facto, uma evidência científica crescente da fraca relação
entre função pulmonar e outros parâmetros clínicos importantes como a sintomatologia, as
exacerbações e as comorbilidades. Assim, urgia a proposta de um método revolucionador de
estadiamento da DPOC que culminou na nova estratégia GOLD. Esta baseia-se na avaliação
combinada da sintomatologia, risco de exacerbações (função pulmonar e história da
exacerbações) e comorbilidades, sendo identificadas quatro diferentes categorias de doentes
com diferentes indicações terapêuticas. Assentando uma perspectiva multidimensional, este
sistema de classificação tem o potencial de reflectir a complexidade da DPOC, optimizando a
avaliação da sua gravidade e situando as recomendações terapêuticas num contexto mais
personalizado.
Apesar de algumas limitações já apontadas a este modelo e de as suas implicações na
prática clínica serem ainda largamente desconhecidas, o novo modelo proposto constitui um
inegável avanço e pode ser verdadeiramente considerada uma mudança de paradigma. Um
dos pontos fortes desta nova estratégia é o desafio lançado aos profissionais de saúde para
pensarem na DPOC numa perspectiva mais multidimensional. Ainda assim, esforços devem
ser feitos no sentido de validar e eventualmente restruturar este sistema de categorização
através de ensaios clínicos prospectivos.
Comportamento Clínico e Funcional na DPOC – O novo paradigma
47
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