Clínica Psicossocial: construção de saberes na perspectiva da atuação na
assistência à Saúde Mental no âmbito do SUS.
Resumo
No Brasil, as propostas de Reformas Psiquiátricas ao longo dos últimos 30 anos
trouxeram contribuições e pautas para os que lutam pelo direito a saúde digna, assistida,
autônoma e não mais tutelada, outorgada. É nesse contexto que CAPS, campo de meu
estudo e estágio, se constitui enquanto serviço de atenção a saúde mental, no setor
público. Portanto insere-se em um novo contexto sócio-político e ético-cultural de
cuidados ao portador de sofrimento psíquico. Meu estágio em psicologia teve o objetivo
de realizar atendimentos no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), visando
possibilidades que favoreçam a construção de subjetividades e inserção à cidadania,
através de trabalhos interdisciplinares, socioterápicos e de caráter preventivo em saúde
mental. Diante da especificidade da atuação, no âmbito interdisciplinar da saúde mental,
orientados pelo conceito da desinstitucionalização e princípios da saúde pública,
optamos por abordagem teórico-metodológica que levou em conta à visão de sujeito em
sofrimento e que tenta romper com o conceito de doença nessa dialética. Igualmente,
ressaltamos o valor dado aos “sentidos”, enquanto produção de significados e
compreensão do outro. Assim, a participação das atividades junto aos usuários,
majoritariamente, em grupos foi de fundamental importância, pois no CAPS essa
atividade ocupa lugar central para ao que se chama de alternativa socioterápica. O
atendimento individual interligado a rede de cuidados e exercício da prática
interdisciplinar apareceram em meu estágio também como um objetivo alcançado, e
explicitado no estudo de caso, fomentando possibilidades de saídas ao sofrimento. O
CAPS, assim, se mostrou campo de atuação para um novo posicionamento clínico na
formação em Psicologia, mesmo diante de algumas lacunas na própria formação ainda
existentes. Por fim, constato nesse relatório a necessidade de que o campo exige
constante implicação e reflexão sobre a prática, o que nos orienta a uma perspectiva que
não distancie Clínica de Política, Singularidade e Coletividade.
Palavras-chave: Saúde Mental; Psicologia Clínica; Interdisciplinaridade.
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Clínica Psicossocial: construção de saberes na perspectiva da atuação na
assistência à Saúde Mental no âmbito do SUS.
Autor: Pedro Renan Santos de Oliveira
Orientador: Prof. Benedito Dantas Medrado
Banca Examinadora: Prof. Rubenilda Rosinha Barbosa
Prof. Willher Nogueira
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1. INTRODUÇÃO Este trabalho analisa de forma descritivo-reflexiva a minha experiência no
estágio em Psicologia Clínica na especificidade da atuação em serviços substitutivos aos
hospitais psiquiátricos. O objetivo desse estágio, por sua vez, apontou na direção de
construir, durante essa vivência, uma atuação refletida criticamente nas teorias que
respaldam esta prática, com foco no desenvolvimento de possibilidades que favoreçam a
construção de subjetividades e inserção à cidadania, através de trabalhos
interdisciplinares, socioterápicos e de caráter preventivo em Saúde Mental. Prática esta
que é contextualizada e direcionada na atuação da Psicologia no âmbito das Políticas
Públicas na área da Sáude.
Meu campo de estudo e ação, a Saúde Mental, no contexto brasileiro, é
influenciado sócio-politicamente pelas perspectivas reformistas sanitárias e
psiquiátricas. A primeira trata-se de mudanças do modelo da assistência da saúde e
acesso a cidadania no Brasil, indagada, sobretudo na década de oitenta, no ardor da
redemocratização do país. A ampliação da organização popular trouxe como principais
conseqüências o aumento das demandas sobre o Estado e um forte movimento social,
que lutava pela universalização do acesso à saúde e pelo reconhecimento desta como
direito universal e dever do Estado. A segunda refere-se a transformações éticas,
políticas, sociais e culturais no lidar com a loucura introduzida através da estratégia da
desinstitucionalização no âmbito das políticas públicas na saúde mental (BEAKLINI,
2001).
Foi através do Movimento da Reforma Sanitária que profissionais de saúde e
diversificados segmentos sociais construíram a proposta de sistema de saúde que
garantisse a saúde enquanto direito social, numa perspectiva mais ampla de construção
da cidadania. Assim o SUS, Sistema Único de Saúde, nasce1 como fruto das
reivindicações desse movimento e se caracteriza pelos marcos da universalidade,
equidade, integralidade, descentralização, hierarquização/ regionalização.
No Brasil, os Movimentos de Luta Antimanicomial e de Reformas Psiquiátricas,
surgidos por volta de 1978, trouxeram contribuições e encamparam bandeiras e pautas
para os que lutam pelo direito a saúde digna, autônoma e não mais tutelada, outorgada.
Essas reivindicações se concretizaram através da Conferencia sobre Reestruturação da
Atenção Psiquiátrica na América Latina convocada pela OMS (Organização Mundial de
1 Gerido e construído na 8ª Conferência Nacional da Saúde e inserida ao texto constitucional em 1988.
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Saúde) – em Caracas, 1990 – pois nela preparou-se um documento que serviu de base
para inicio das transformações das legislações e políticas públicas dos países latino-
americanos. Fato que se solidificou nas mudanças das políticas públicas assistenciais
que se constituíram como conquistas desses movimentos.
As políticas públicas que guiam o campo da saúde mental são implementadas a
partir da lei 10216 de 26/04/2001 do Ministério da Saúde (MS) e portaria nº 336/2002
(MS) que inserem os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), como estratégia de
cumprimento de ações que respondam ao novo modelo político de Saúde Mental
definido e estabelecido (BRASIL, 2002 e 2005).
As principais mudanças concernem em priorizar o atendimento comunitário do
paciente em detrimento da internação asilar: do tratamento da doença mental no
hospício para a inserção social do usuário na comunidade (BATISTA E SILVA, 2005),
ou seja, não se concentrará a terapêutica numa instituição total, como caracteriza
Goffman (1974). Essa instituição que retiraria do sujeito sua identidade, restringiria seu
espaço sócio-cultural, remove-o do seu meio social, negando direitos e oprimindo
desejos.
Goffman, Foucault, Castel2, mostram em suas obras desde os efeitos
cronificantes do longo internamento psiquiátrico, ao advento da loucura no ocidente
como construto social e das relações do poder para afirmar o pensamento racional
hegemônico. Deste modo demonstram como o pensamento psiquiátrico usou da
alienação como maquina de exclusão social com o pretexto de cuidar desse ser
supostamente desprovido de razão.
Os estudos do italiano Franco Basaglia são marcos para o entendimento da
mudança do foco do estudo da doença mental para o sujeito em sofrimento
(AMARANTE, 2005). Basaglia trouxe, portanto, a contribuição da
desinstitucionalização da reforma psiquiátrica italiana, a qual fazia crítica enfática à
psiquiatria como prática de segregação e violência. Desinstitucionalização como
sinônimo de desconstrução, configurava-se operacionalmente como um “processo de
desmontagem no interior das estruturas manicomiais realizado ao mesmo tempo no
plano do conhecimento, desconstruindo concepções científicas, técnicas e
administrativa” (BEAKLINI, 2001: 22).
2 Manicômios, prisões e conventos (1972), História da loucura na idade clássica (1974), A idade de ouro do alienismo (1991), respectivamente.
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O conceito de desinstitucionalização, enquanto saber referencial da prática
antimanicomial, atua através da negação da psiquiatria como construção ideológica e na
desmontagem dos aparatos que se edificaram sobre o conceito de doença mental
(AMARANTE, 1994). O lugar do doente substitui-se pelo papel do cidadão em situação
de sofrimento e que merece ser cuidado com todos os seus direito assegurados.
Através de trabalhos (dispositivos de saúde) comunitários que a desconstrução
de estigmas, e superação da noção de segregação pela noção de cuidado que se pode
chegar a relações horizontais e dignas de uma vida social inclusiva. Portanto a prática
desinstitucionalizante é uma nova prática que muda o modelo de assistência, mas,
sobretudo desconstrói o conceito estigmatizante de doença mental e propõe uma
mudança cultural no lidar com o fenômeno da loucura. Prática político-ética que
favorece ,a partir do entendimento do ser em sofrimento, produção de espaços para
subjetividade emancipatória (GUIMARÃES, 2001).
Os princípios reformistas brasileiras, muito influenciadas, portanto, pela reforma
italiana, seguem o referencial de que os serviços de atenção à saúde mental preconizem
a função terapêutica libertadora, inclusiva aos direitos, num processo com perspectiva
de tratamento que supere a dialética da exclusão/inclusão fornecendo-se subsídios para
o rompimento da função excludente, e que culmine numa função inclusiva.
Esses serviços são os ditos substitutivos e surgem como principal dispositivo do
atendimento comunitário no contexto hospitalocêntrico dominante. Os CAPS visam
atendimento em saúde mental numa perspectiva psicossocial que procura atender a
demanda de cuidados psíquicos de forma que o usuário permaneça em seu meio social,
em sua rede comunitária, e que ele seja autônomo em exigir e reivindicar direitos.
É nesse contexto que CAPS, campo de trabalho e estudo do referente estágio, se
constitui enquanto serviço de atenção à saúde mental de referência no setor público e
que se insere no contexto sócio-político e ético-cultural de cuidados ao portador de
sofrimento psíquico. O serviço é um dispositivo da reforma psiquiátrica substitutivo do
hospital psiquiátrico, e que tenta superar o modelo asilar.
Diante da análise da atuação do técnico psicólogo no serviço de saúde mental
que pude observar a importância do conhecimento psi na prática da
desinstitucionalização e da assistência cidadã ao usuário.
Por isso que aqui dialogo também com os objetivos de uma psicologia social
(comunitária), como apontado por Silvia Lane (1996:32), pois assumo a crença que o
CAPS oferece assistência à saúde, sobretudo num entendimento da inclusão social,
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devido à condição intrínseca da loucura ser um fenômeno sócio-comunitário que exclui
cidadãos:
“Assim devemos estudar condições (internas e externas) ao homem que o impede de ser sujeito numa comunidade ou seja, compreender o homem a partir das condições e contingências culturais, na construção de sua personalidade, de sua individualidade crítica, ou da consciência de si (identidade) e de uma nova realidade social.”.
Trazer a implicação de valores políticos como sendo inseparável da atuação profissional
parece ser um exercício árduo para os profissionais que majoritariamente não convivem
em seu cotidiano com o não reconhecimento de sua cidadania, com o estigma, com a
exclusão (antagonicamente colocada em cheque quando se trata de loucura).
Além disso, como explicito por toda essa introdução, no campo da saúde mental
o trabalho está diretamente ligado a um pensamento hegemônico que é o saber
psiquiátrico sobre a loucura. Isso por si revela um grande problema teórico-prático, pois
a atuação nesses serviços demanda a necessidade cotidiana de atenção para não cair em
contradição com os objetivos propostos pela reforma. O pensamento patologizante
sobre o sofrimento mental, o não reconhecimento da identidade dos sujeitos em
sofrimento devido à própria “doença” não perpassa apenas pelos profissionais, mas a
própria população que representa a loucura como “doença nervosa”.
Aqui também posso ressaltar as dificuldades inerentes ao atendimento em
serviços públicos. O entendimento da rede de saúde (SUS) nem sempre está claro para
os próprios servidores e também a população que sócio-historicamente não tiveram seus
direitos reconhecidos, entram nessa corrente. Outro problema é a grande demanda que
em processo de reforma dos serviços de saúde o sistema aponta para a formação de um
afunilamento: as internações não são mais praticadas diariamente, fecham-se os leitos
em hospitais que sempre foram referencias na rede e ao mesmo tempo não aumentam os
números de CAPS II e tão pouco dos CAPS III (caracterizado pelo atendimento 24 h.).
Ainda, como problematização introdutória, discuto a atuação do psicólogo
nesses serviços com poucos referenciais teóricos específicos que amparem e construam
esse novo papel nos serviços de saúde comunitária. Cabe ao psicólogo, regido por
questões éticas que perpassam a sua atuação, prezar pelo bom senso ao escolher
abordagens e teorias que dêem conta da peculiaridade que é o atendimento em CAPS,
atento ao sofrimento do usuário - mas também sócio-comunitário - pois o serviço de
saúde mental é o lugar onde se trabalha com estigmas, representações sociais e,
sobretudo, com exclusão social.
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2-APRESENTAÇÃO DO LOCAL E CONDIÇÕES NAS QUAIS A ATIVIDADE
DE ESTÁGIO ACONTECEU
2.1. O CAPS
O estágio foi realizado em um dos CAPS da cidade do Recife, entre setembro de
2007 e Junho de 2008. Caracteriza-se como uma instituição pública de atenção
comunitária à saúde mental, vinculada ao SUS através da gestão municipal, que
funciona em 2 expedientes, de segunda a sexta, de 8 às 17hs. Ele pertence à categoria de
CAPS II, devido a sua complexidade e abrangência da demanda, ou seja, devido à
quantidade de moradores no Distrito Sanitário3 de sua atuação.
Promove acolhimento, tratamento e cuidado à saúde de pessoas em crise4 através
de atividades socioterápicas e escutas individuais, além de visitas domiciliares e ações
junto a famílias; promove, também, oficinas, atividades culturais, lúdicas, recreativas,
esportivas, com o intuito de reintegrar socialmente o usuário. Atividades essas que serão
mais exploradas no item “Descrição dos Trabalhos”.
O CAPS referido tem como público alvo os residentes do Distrito Sanitário II
(DS II) que se beneficiam dos atendimentos pessoas com mais de 15 anos, de ambos os
sexos, que se encontram em situação de intenso sofrimento psíquico, majoritariamente
diagnosticados como “psicóticos” ou “neuróticos” graves.
O tratamento dos usuários admitidos nesses serviços seguem os moldes
intensivos, semi-intensivos e não-intensivos5. O cuidado intensivo é a prestação de
assistência a saúde de forma mais extensa, fazendo com que o usuário participe de
atividades do CAPS diariamente durante manhã e tarde, mas quando em situação de
crise (que impossibilite o deslocamento) ou para orientação familiar, a equipe oferece
atendimento domiciliar. Os tratamentos semi-intensivos referem-se a cuidados diários a
usuários, mas que devido ao seu grau de sofrimento mais brando e perspectiva de
permanência na família e inclusão social, ele volta para casa no final de um turno. Já no
não-intensivo o usuário está inserido em atividades específicas do serviço e não tem a
necessidade de freqüentar todos os dias as atividades socioterápicas.
3 Divisão político administrativa do município do Recife 4 Entendimento adotado de crise nesse trabalho corrobora com o conceito dado pela instituição, através de seu Projeto Terapêutico, que define todo o momento de vida do sujeito em que as relações e sociais e afetivas são rompidas bruscamente, mudando o curso da vida como se dava antes de tal momento. 5 Modalidades de tratamentos instituídas pela Portaria do Ministério da Saúde 336/2002, que institui e regulamenta os CAPS, no âmbito do Sistema Único de Saúde.
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Essas modalidades, portanto, não dizem respeito só a quantidade de turnos no
CAPS, mas da demanda de cuidados ao usuário. Cuidados que baseiam-se na idéia de
que o usuário deve permanecer o menor tempo possível no CAPS.
Os cuidados ou tratamentos, porém, se tornam singulares na medida em que os
usuários se referenciarão em projetos terapêuticos individuais (PTI’s), ou seja,
respeitando as singularidades dos sujeitos e dos sofrimentos dos mesmos.
“A noção de projeto (do latim projetu, particípio passado de projicere, "lançar para diante") remete a um plano-ação, em desconstrução institucional, que engloba uma visão global da situação sócio-existencial e de saúde mental do(s) usuário(s) e meios operacionais susceptíveis de responder à(s) sua(s) demanda(s). Esse plano-ação orienta, em termos gerais, as decisões e se configura como um "lançar para diante" práticas em invenção, preocupadas com a inserção social e a qualidade de vida do(s) usuário(s).” (VIEIRA FILHO E NÓBREGA, 2004: 07)
Esses projetos visam o planejamento, em equipe, das atividades que o usuário
participará e qual a ênfase que se precisa dar no tratamento daquela demanda de
sofrimento: convocar a família para perto do tratamento, ou conscientizar o usuário da
importância da adesão medicamentosa; prepará-lo para a convivência coletiva em uma
Residência Terapêutica6, são exemplos.
2.2. O CAPS e a interdisciplinaridade
O CAPS busca atuar de forma interdisciplinar com equipe multiprofissional, ou
seja, no serviço substitutivo o que vemos é a inversão da lógica do saber-poder. Não é
mais o psiquiatra, como víamos na instituição asilar, que têm um saber que pode curar
alguém que domina e é prevalente no espaço. Todos os técnicos da assistência à saúde
atuam e constroem o seu olhar contribuindo em conjunto para o entendimento do
sofrimento do sujeito demandante. Portanto, as distintas áreas do saber, Psicologia,
Psiquiatria, Serviço Social, Enfermagem, constituirão uma equipe.
A orientação interdisciplinar da prática da equipe no CAPS, se configura como
uma forma de olhar para o sujeito e para o serviço de um modo multireferencial onde
cada profissional pode contribuir com as características de sua profissão, mas,
principalmente, atuam interdisciplinarmente. Coaduna, portanto, com essa orientação, o
objetivo da equipe técnica terapêutica, descrito no projeto técnico dessa instituição: “o
objetivo da equipe terapêutica é constituir-se de modo a acolher a intensa angústia de
6 Domicílio subsidiado pelo estado e caracterizado como um dispositivo da reforma psiquiátrica que atua diretamente na reinserção do usuário portador de transtorno mental.
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aniquilamento vivido pelo paciente que é considerado em toda a sua dimensão
humana”7.
A equipe da instituição era composta por 1 gerente geral, 1 gerente clínica,
enquanto corpo gestor. 4 psicólogos, 2 assistentes sociais, 3 psiquiatras, 1 terapeuta
ocupacionais, 2 enfermeiras, enquanto funcionários da assistência. Ainda, 2 auxiliares
de enfermagem, 1 arte educador, 1 educador físico, compondo a equipe que subsidia a
assistência. Mas a equipe da assistência ainda conta com a “equipe de retaguarda” ou
equipe de ação avançada, que se trata de um conjunto composto de 2 psicólogas e 1
psiquiatra, com objetivo de articular as ações na comunidade quando necessários nos
casos de crise e pactuação com familiares. Como técnicos de funções administrativas do
CAPS havia: 2 agente administrativos e 3 funcionário de serviços gerais.
O psicólogo, não é um técnico que atua na assistência com o seu saber a serviço
da inserção social. O papel do psicólogo, com a peculiaridade da escuta, enquanto
clínico, é de cuidar do outro através de atendimentos e atividades grupais. Portanto, no
CAPS não se atua com enquadre clínico tradicional uma vez que o olhar clínico não
necessariamente é aquele que se faz dentro de um enquadre. Como afirma Levy (2002),
é uma abordagem de um sujeito, ou de conjunto de sujeitos às voltas com um
sofrimento, ou seja, uma abordagem que o profissional (pesquisador-interventor) se
desloca fisicamente, mas, principalmente, mentalmente, para o sofrimento do outro.
O psicólogo atua, portanto, dentro dessa perspectiva de cuidados clínicos
focados na inserção social, facilitando atividades grupais, fazendo escutas
individualizadas em alguns momentos, principalmente quando solicitado. Assim
tecendo significados sobre o adoecer com o usuário e observando a evolução do usuário
no decorrer da vivência de seu projeto terapêutico.
2.3. O Psicólogo e a rede
O profissional da Psicologia está, sobretudo, no contexto da atuação em rede.
Rede no que se refere ao atendimento no contexto do sistema público de saúde, mas
também na relação profissional-institucional. Vale aqui ressaltar o conceito de Rede a
que me refiro e que faço referências como uma “colaboração solidária entre
profissionais, usuários e comunidade, no contexto de políticas públicas de não abandono
ao usuário e de desconstrução do circuito hospitalocêntrico em saúde mental” (VIEIRA
FILHO & NÓBREGA, 2004: 03).
7 P. 11 do Projeto Técnico da instituição. Disponível no próprio CAPS.
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A atuação do psicólogo no contexto público, portanto, pode ser compreendido
enquanto assistente de um serviço macro (estruturalmente) que tem limitações
(burocráticas e administrativas). Assim, as demandas têm destinatários, e quando é de
conhecimento do profissional essa rede que pode aparar o usuário facilitará a assistência
cidadã do mesmo.
Através do olhar de que o usuário está em sofrimento mental, mas também
sócio-familiar, na perspectiva de que não se adoece isoladamente, podemos entender
que a atuação numa prática dialógica é um caminho que leva ao acesso a construção de
subjetividades, pois considera os diversos saberes. Essa perspectiva guia o Saber psi de
forma não absoluta, mas como em processo contínuo de construção. Assim, a sintonia
do profissional com o entendimento de sujeito dos outros profissionais oferece abertura
ao trabalho em rede dentro da própria instituição enquanto profissional de uma área,
exercitando a interdisciplinaridade, requisito solicitado no CAPS.
2.4. Clínica Psicossocial
A clinica não mais é entendida como campo para estudo da doença. A clínica
que emerge do contexto da saúde mental é ampliada – equipe multidisciplinar e que
supra as necessidades do cidadão (BEAKLINI, 2001). Isto posto, o objetivo da clínica
no contexto dos cuidados propostos pelo CAPS é psicossocial: assim o objeto não mais
é a doença como dissemos acima, e sim o sujeito em sofrimento portador de direitos,
cidadão. Como afirma Vieira Filho (1998, p.41) sobre a clínica psicossocial, o objeto é
o “sujeito-social em situação de demanda de cuidado a saúde”.
Por conseguinte o profissional tem o entendimento desse sujeito enquanto total,
biopsicossocial. Observa-se, portanto os aspectos intrapsíquicos, expresso na fala (ou
símbolos, ou sinais, ou sintomas) no que se refere as suas ansiedades, desejos. O social,
atento para a história de vida e as relações que se estabelece no mundo, assim como os
condicionantes sociais que o colocam em determinada situação econômica, além do
biológico, que é abarcado observando as alterações orgânicas. E, interconectadas, as
demandas surgem e ao clínico cabe a observação e escuta dessa demanda complexa.
Portanto baseada na complexidade e dialogicidade que se dá a orientação da
clínica psicossocial, que se faz a escolha de se fundamentar nesse capítulo dois aparatos
teóricos (abordagens) que podem compor e auxiliar a compreender a fundamentação
teórica das atividades mais a frente discutidas.
2.5. Atendimento Terapêutico e a Nova Clínica
11
Nos serviços substitutivos, como os CAPS, ao psicólogo não é atribuída a
clássica administração da psicoterapia, ainda que sirva-lhe de ferramenta. Ao psicólogo
é atribuido a função de atender usuários em situação de crise quanto ao sofrimento
mental (as ditas psicoses e neuroses graves). Atendimento esse que pode ser em grupo,
individual, através de tarefas, ou escutas, ou técnicas que viabilizem a assistência a
saúde mental ao usuário do sistema.
Para falar de abordagens e enfoques ou técnicas como forma de acessar o
sofrimento do usuário preciso primeiro definir o que nos referimos como atendimento
em serviços como esse. Vieira Filho & Nóbrega(2004:26) nos fornece subsídio para
definirmos esse conceito no contexto do trabalho em rede da saúde mental: “Trata-se de
um topo instituído, um espaço-lugar da relação terapêutica, inserido obviamente nas
relações de poder, administráveis pela mediação dialógica e por meio de estratégias
colaborativas e comunitárias” e ainda complementa com a idéia de Schinitman
(1999:18): estratégias que “favoreçam o respeito às diferenças, a coordenação na
complexidade e contradição, a estruturação de acordos e a construção cultural de
práticas democráticas não-restritas exclusivamente a esperas".
O atendimento em CAPS não é um simples receber a demanda, mas a recepção
com cortesia, acolhimento, a escuta atenta da pessoa humana no que se refere a sua
problemática existencial, familiar, social e principalmente de saúde mental (VIEIRA
FILHO & NÓBREGA, 2004). O atendimento não é reparatório, mas sim em rede e
interdisciplinar, pois não procura-se corrigir o mau-funcionamento orgânico do sujeito
objetificado como doente mental, mas sim prestar uma assistência de cuidados integrais
e no sentido de entendimento do significado daquele sofrimento emergente. O que
importa é a eficácia dialógica-terapêutica da comunicação entre técnico e usuário.
“Atender significa também: atentar, observar, notar, com uma metodologia
apropriada ao campo do saber/fazer prático clínico.” (VIEIRA FILHO E NÓBREGA,
2004:28). Portanto essa visão de atendimento permite a dialogicidade e prática
multireferencial do que concernem enfoques teóricos para abordagens no atendimento
aos usuários.
O que tentamos discutir é uma construção de possibilidades de entendimento do
atendimento terapêutico, orientado pela perspectiva psicossocial supracitada, a luz de
enfoques que possam dialogar diante da demanda posta: a situação de crise e sofrimento
mental.
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3. DESCRIÇÃO DO TRABALHO
Para discutir as atividades que desenvolvi ao longo desse estágio em formação
em psicologia clínica listo todas elas trazendo o seu objetivo constato em projeto
institucional e confrontaremos com a nossa prática in loco. Assim, como ao longo de
todo o texto, não apenas descrevo as atividades, mas sim reflito criticamente.
As atividades de estágio não representam apenas aquelas relacionadas ao
atendimento (individual, grupal, aos familiares) no serviço, mas também em atividades
de discussões, estudo e formação. Assim divido essas experiências de estágio em dois
eixos didaticamente: atividades práticas junto aos usuários do CAPS; atividades de
estudo e formação; e, acrescido a isto, ainda retomo, no final deste item, um estudo de
caso de forma a deixar claro as possibilidades de atuação na formação em psicologia.
Entre as atividades práticas no CAPS, orientados pelo atendimento com olhar
psicossocial, que o psicólogo realiza encontram-se o acolhimento, tratamento e cuidado
de usuários em crise através de atividades socioterápicas, escutas individuais e
atendimentos psicoterapêutico, além de ações junto a famílias. Houve também as
atividades que viabilizam a reintegração social como passeios terapêuticos, atividades
culturais, lúdicas e recreativas.
Aqui estruturo esse eixo nos seguintes itens: i. Triagens; ii. Escutas
Terapêuticas; iii. Circulação/ Prontidão; iv. Atendimentos individuais; v. Atividades
grupais; vi. atividades diversas; vii. Atividades extra-CAPS (Passeio Terapêutico); viii.
Atividade de atenção a família (Grupo Família) e; ix. Atividades de Decurso e Registro
em livros e Prontuários.
Além das atividades ditas de formação, incluí os espaços de discussão em
diversos momentos e lugares, ou seja, desde reuniões entre orientandos em supervisão
na UFPE à reunião de Supervisão institucional no CAPS. Portanto o que nos faz criar
essa categoria é a orientação teórica que construí em diálogo com as diversas
abordagens, metodologias e saberes, portanto numa prática interdisciplinar.
Assim estruturo esse segundo eixo nos seguintes itens: i. Sessões de supervisão
institucional no CAPS; ii. Reunião técnica com a equipe CAPS; iii. Mini-reunião clínica
com equipe de meu turno de referência no CAPS; iv. Reunião de Estagiário no CAPS;
v. Sessões de Orientação na UFPE; vi. Outras reuniões extra-institucionais.
No estudo de caso, meu objetivo é apresentar a experiência do atendimento a um
dos usuários do serviço enquanto ferramenta válida implicada no contexto do
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referencial psicossocial, com o enfoque subsidiado pela psicanálise, que nos realça a
importância da subjetividade na vivência do sofrimento mental.
O processo incluiu atendimentos individuais, que na construção teórico-
metodológica do caso me fez ficar atento a singularidade do sujeito em estudo, e o
entendimento da história de vida do usuário também se deu com as vivências nos
diversos grupos com ele realizado. A estruturação desse subitem contará com: i.
Identificação e chegada ao CAPS; ii. Cuidado à saúde ; iii. Atendimento individual –
psicoterapia; iv. A rede – complexidade; v. Possibilidades; vi. Sensações.
3.1. Eixo das atividades práticas junto aos usuários
Como já disse acima, englobo os itens descritos como pertencentes a prática psi
no campo. Alguns itens que dividimos para melhor discriminação das distintas
atividades/tarefas/atribuições no CAPS poderão ser discutidos conjuntamente enquanto
outros poderão ser vastamente discutidos à parte devido à complexidade e nuances
contido em tal prática.
Antes, porém, da descrição qualitativa das atividades, começamos com uma
breve exposição quantitativa das atividades desenvolvidas no estágio. O quadro a seguir
expressa a distribuição de horas entre as atividades práticas junto aos usuários e também
esboça já a distribuição das atividades desenvolvidas que concernem o item 3.2.
referente ao eixo de estudo e formação. Além disso, expomos a carga horária
despendida durante primeiro e segundo semestre de estágio e o total durante o ano.
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Quadro I.
Alguns dos dados expressos merecem comentários. As atividades grupais estão
subdivididas em: Atividades Grupais Terapêuticas no CAPS; Atividades Grupais
Lúdicas; Atividade grupais extra-CAPS: Passeio Terapêutico.; Atividade com Grupo de
Familiares; Outras atividades (Grupos). Essas atividades nas descrições abaixo virão
comentadas a parte e por isso no quadro optamos por deixá-las separadas. Entretanto
Descrição da atividade / Horas gasta I sem II sem Total ATIVIDADES PRÁTICAS DE ESTÁGIO Triagens
Nº de horas 9 5 14Escutas Terapêuticas (diálogos)
Nº de horas 31 23 54Atendimentos individuais Nº de horas 23 23Circulação/prontidão (horas) 5 2 7Atividades Grupais Terapêuticas no CAPS
a.Hora do Conto 24 36 60 b.Grupo Operativo 8 14 22 c.Grupo Acolhimento 4 - 4 Nº de horas totais 36 50 86
Atividades Diversas Nº de horas 22 20 42
Atividade grupais extra-CAPS: Passeio Ter. Nº de horas 21 19 40
Atividade com Grupo de Familiares Nº de horas 10 10 20
Atividade de Evolução 43 50 70Total Atividades práticas junto aos usuários 187 202 389ATIVIDADES DE ESTUDO E FORMAÇÃO Sessões de supervisão institucional
Nº de horas 21 18 39Reunião técnica com equipe CAPS
Nº de horas 18 31 49Mini reunião clínica (equipeCAPS)
Nº de horas 19 19 38Reunião estagiários CAPS
Nº de horas 10 1 11Sessões de Orientação UFPE
Nº de horas 45 36 81Outras reuniões institucionais
Nº de horas 10 22 32Total Atividades de estudo e formação no Estágio 123 127 250
Total nº de horas total no Estágio 310 329 639
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vale salientar que é a atividade mais realizada no CAPS, despendendo 99 das 187 horas
destinadas as atividades junto aos usuários.
Portanto, exposto inicialmente esse quadro guia para a nossa análise, seguinte,
qualitativa, poderemos nos referir as horas despendidas no estágio nos referindo ao
quadro I acima.
I. Triagens
Triagem é o procedimento inicial para a recepção do usuário e do familiar no
serviço. Nesse espaço se acolhe, se escuta a demanda, se encaminha ou se realiza a
admissão na instituição. A atividade é realizada no serviço em cada turno de
funcionamento, diariamente, por um técnico e um estagiário, seguido de discussão do
caso entre os que fizeram a triagem. O intuito é de que todos os profissionais passem
por esse rodízio e também para que isso não se torne atribuição de uma função no
serviço, e sim de todos os saberes.
Nas triagens que observei e realizei tínhamos a presença dos familiares. Isso
aponta para a prática do serviço à luz da integralidade, pois o sujeito é visto como um
todo, inclusive com o olhar da família. Essa participação da família corrobora para a
apropriação do familiar em relação a instituição à pactuação do tratamento entre o
usuário, instituição mas, sobre tudo, a família.
Na triagem, observamos (eu sozinho ou acompanhado) se o usuário demanda
cuidados de crise (demande típica de CAPS), mas também se necessita de cuidados
quanto a situação social de risco, pois assim a ação terá o objetivo de intervir para que
ele seja atendido em seu bem estar biológico, psíquico e social. Ou ainda, se o usuário
não for demandante de atendimento no serviço, temos que encaminha-lo para o serviço
que dê conta da sua demanda. Por isso que ainda que o usuário não seja admitido
preenchemos ficha de primeiro atendimento e contra-referenciamos o mesmo para outro
serviço mostrando resposta institucional à demanda.
Os usuários que não são admitidos nos serviços são encaminhamos para o setor
da rede que dê conta daquele sofrimento são marcados por nós mesmos. De forma que
ele ao sair de lá já sabe dia e hora em que deve comparecer a outro serviço.
Se o usuário, ao ser acolhido, apresentar demanda que o técnico da triagem não
consegue saber se a melhor ação é admiti-lo ou encaminhá-lo para outro serviço, admiti-
se e depois discuti-se na equipe o melhor tratamento para o usuário. Em alguns casos,
por exemplo, em que se confunde a história do alcoolismo com os sintomas psicóticos,
a equipe admite e então depois de avaliar os sintomas preponderantes e discutir o
16
melhor projeto terapêutico para o usuário, encaminha-se para outra unidade de saúde
adequada ao seu tratamento.
No meu caso realizei 9 triagens no primeiro estágio e 5 no segundo - maior parte
delas acompanhadas da preceptora de estágio e algumas de forma autônoma. Tal
diferença quantitativa se explica por dois motivos: o próprio plano de estágio previa
uma diminuição em detrimento da participação de outras atividades; e durante a própria
prática notamos a importância da triagem como uma técnica que precisa ser exercitada,
mas que devíamos dar ênfase a outras atividades mais assistenciais e que precisasse de
mais exercícios e prática das mesmas
II. Escutas terapêuticas – Acolhimento.
O psicólogo no serviço atua dentro da perspectiva de cuidados clínicos focados
na inserção social, fazendo escutas individualizadas em alguns momentos,
principalmente quando solicitado. Mesmo não se trabalhando aspectos de ordem
psicoterápicas, a escuta (obviamente respondida e acolhida por falas) a atuação é da
ordem dos cuidados com o conteúdo de sofrimento do outro.
Portanto não se constitui essa escuta como um atendimento individual
propriamente dito. O atendimento individual sistematizado é uma atribuição que será
paulatinamente desenvolvida no semestre seguinte. Nesse período do estágio o que se
faz aqui é a livre escuta e fala (conversação) com o usuário, acolhendo-o.
Uma grande parte das horas destinadas, cerca de 50, às atividades no CAPS foi a
realização dessas escutas sistematicamente ou mesmo espontaneamente. Essa atividade
mereceu destaque e lugar prioritário no CAPS na minha atuação por se trabalhar a
demanda do subjetivo.
Para exemplificar as atividades de escuta de acolhimento e seu lugar no
entendimento da demanda subjetiva no serviço, quatro exemplos são trazidos à titulo
ilustrativo. O casos de A.é um exemplo que prova como a escuta é importante para
saber o que eles estavam sentindo em relação aos seus tratamentos e sua volta às
atividades da vida social.
A. havia dado entrada no serviço há 3 meses através da policia. Tinha sido detido
pois agredira um usuário de ônibus depois de fato “banal” (SIC). Vinha com delírios
persecutórios (auto-referentes) e chegou até mesmo matar um cavalo que saíra de uma
moita, confundindo com alguém humano que em seu delírio o perseguia. Sofria muito
com esses impulsos de agressividade, mas em algumas conversas que tivemos, ele já
apresentava uma organização psíquica, além de seu nível intelectual, com acesso a
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escola quando jovem, e profissão estável na fase adulta, o fazia ter um pensamento
reflexivo elevado. Nessas conversas reconstruíamos todas essas histórias e
permeávamos sentidos a elas. Ele tem total convicção da associação da agressividade
contida em toda a sua vida (mesmo com os impulsos que afirma tê-los há tempo) com o
uso de drogas para mantê-lo acordado enquanto dirigia várias madrugadas em seu
emprego de motorista de ônibus. Claramente o nível de eficácia terapêutica pela
palavra/escuta em situações como essa são significativas, mesmo com o recente
episódio de desorganização que lhe acometeu.
Assim com caso de A. pude em conjunto com a equipe refletir sobre sua
terapêutica e associar então a vinda ao CAPS e a adesão a psicoterapia no ambulatório
da rede. Portanto, associadas as escutas com conversas com os seus Técnicos de
Referência (TR’s) podemos conferir se a terapêutica adotada estava dando certo e
também para alertar a novos sinais de pioras que fatalmente acontece no cotidiano do
CAPS.
No decorrer da experiência no CAPS, ficou notório como a falta de escutas e de
espaços para esse espaço do diálogo da demanda individualizada reflete nas demais
atividades, principalmente nos grupos terapêuticos. Por exemplo, em grupo operativo
houve um momento típico, reflexo da falta de escuta no serviço. Naquele momento
estávamos com uma enorme quantidade de usuários em sistema intensivo de cuidados e
a equipe sem discutir altas, os técnicos não conseguiam ter os momentos de escuta dos
usuários. O que aconteceu no grupo, então, mostrou a necessidade de ser escutado
individualmente. O grupo elegeu o tema auto-controle, mas na realidade só se falou em
sofrimentos de ordem pessoal, fatos relevantes das vidas pessoais e que precisavam ser
escutadas individualmente. O movimento de transformar aquelas demandas de escuta
em conteúdo grupal se tornou muito mais árdua.
Movimentos como esses, resultaram em discussões sobre projetos terapêuticos
de usuários por parte da equipe terapêutica. Ou seja, reformulações e reflexões sobre
altas e principalmente na reflexão de como priorizar no serviço o espaço das escutas.
A escuta é o exercício da prática clínica e visa o cuidado e a prevenção da saúde
mental da pessoa. Assim o simples conversar pode valer a prevenção de uma nova crise
(ou de processos como o citado acima) , seja reformulando as questões que emergem,
tecendo significados sobre o adoecer, ou através da sensibilidade, pelo diálogo e
observação da evolução psicopatológica. Ou até mesmo dialogar para simplesmente
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perceber que um medicamento pode não está fazendo bem e aí articular com o médico
as possibilidades de mudança da terapêutica farmacológica.
III. Circulação
Já no que se refere à circulação, essa atribuição, ou possível atividade do técnico
é uma tarefa que é destinada em programação prévia de atividades do Serviço. Trata-se
do profissional não ter uma atividade grupal previamente marcada sob sua
responsabilidade de coordenação, mas cabe a ele ficar de prontidão para as
intercorrências dos usuários e fazer as escutas ou até mesmo atendimento dependendo
do caso. Por isso aqui as aglomero pois, apesar de na prática serem diferentes espaços,
uma tarefa (a circulação ou prontidão no horário) leva a outra ação (escuta)8.
A circulação, durante o período de vivência, foi desde o principio do estágio
substituída, com naturalidade a partir da detecção da demanda durante o estágio pela
atividade da escuta e acolhimento individual. Assim a atividade tal qual descrevemos
acima, caracterizando-a, foi realizada apenas 5 horas no primeiro semestre de estágio,
enfaticamente nas primeiras semanas, e apenas 2 no segundo semestre.
Esse também um espaço proposto na grade horária de atividade da instituição
que serve para a conversa e entendimento das singularidades dos sujeitos, mas em nossa
prática foi perdendo espaço e vemos que os técnicos do serviço também não realizam
por motivos que podem ser apontados para a sobre-tarefa dos mesmos.
V. Atividades Grupais
Englobo nesse item várias das atividades ditas socioterápicas, conforma projeto
institucional, no qual percebe-se mais claramente a função das atividades em grupos no
serviço. As atividades grupais ocorrem através de trabalhos direcionados a temas,
tarefas e reflexões sobre conteúdos relacionais, de vínculos e de estabelecimento de
contatos sociais.
Os grupos que observamos nessa etapa do estágio são: os “Hora do Conto”,
“Grupo Operativo” e “Grupo Acolhimento”. Cada um desses grupos têm objetivos e
enfoques distintos e são facilitados por técnicos diferentes.
a. “Hora do Conto”
Esse grupo tem o objetivo de estimular nos usuários a expressão de seus conflitos
inconscientes e a projetar os conteúdos simbólicos de delírios e alucinações (naqueles 8 Em algumas ocasiões os usuários estão todos em grupos, ou estão em atividades com outros usuários autonomamente o que acarreta numa prontidão sem nenhuma atividade. Tão raro isso acontecer que ou dedicamos esse horário para uma outra atividade burocrática ou o profissional vai auxiliar algum técnico em uma atividade grupal.
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que se apresentam com esses sintomas). Acontecia nas terças-feiras com duração de 2hs
e são utilizadas fábulas, conto de fadas, mitos, lendas, etc. A condução foi da psicóloga
preceptora.
Começo com comentários específicos a esse grupo, pois é a atividade grupal que
mais participei. Vale salientar o que já havia citado anteriormente quanto ao papel da
atividade grupal no CAPS: nesse grupo foram utilizadas 60 horas das nossas atividades,
das 86 horas despendidas a grupos e 389 a atividades junto aos usuários, conforme
quadro I.
O mote de trabalho ao longo desse período de estágio foram desde histórias dos
Irmãos Green (A guardadora de gansos,) à “Olhos pra dentro e mãos de vento”; também
audições de contos populares (Jessier Quirino) à leitura de contos bíblicos (sobre a
gêneses, nascimento de Cristo, multiplicação de peixes de Jesus). Além dessas histórias
houve também momentos de se contar com metodologias interativas em que os usuários
eram chamados a contar suas próprias histórias imagéticas e também em outros
momentos contruí-las através de desenhos.
Nesses temas diversos posso afirmar que os alvos que teórico-metodológicos
que atingimos no que concernem à mobilização de dinâmicas inconscientes foram: o
papel do bem e do mal, a ambigüidade de sentimentos, as brigas e conflitos parentais,
traição.
Dou visibilidade aqui a alguns fragmentos dos grupos para facilitar compreensão
dessa atividade realizada. Em uma sessão de atividade grupal, por exemplo, tivemos
(estagiário e preceptora) como questões emergentes depois da leitura de uma história
bíblica um grande debate sobre as relações maritais tanto de C. quanto de L. Eles
falaram (desabafaram) bastante sobre o que estão passando nas suas relações conjugais
e aí o trabalho feito teve o intento de converter aquela situação para uma discussão
grupal sobre as dificuldades do grupo de se relacionar com os respectivos
companheiros. Assim chega-se sempre a alentadora conclusão de que todos passam por
dificuldades e que não existe a forma correta de sair-se de uma situação conflituosa.
Porém, num espaço de atenção aos usuários, nosso foco será a saúde mental e a
autonomia. E o principal empecilho é o controle para não dar conselhos mesmo quando
as situações parecem tão claras e fáceis de ser resolvido por qualquer um.
Outro sessão ilustrativa foi na audição das narrações populares de Jessier
Quirino em que em um conto o personagem hipotetisava como seria a conversa com um
amigo compadre que passava por uma situação vexatória com sua mulher que o traia e
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só ele não sabia. S. é um usuário, como quase todos, com história de dezenas de
internações e que vive com a mãe numa relação em que ele se vê com a tarefa principal
de sua vida cuidar dela. Quanto aos seus relacionamentos afetivos, expõe-se demais e
acaba por pagar o preço. A sua atual namorada, é de público conhecimento, tem
mantido relações com ele apenas devido ao dinheiro de sua aposentadoria (benefício por
“invalidez”). Nesse grupo, não podia ser diferente os outros usuários identificaram o
“amigo do compadre” como o S. Ele, para se defender psiquicamente nega o fato e diz
não estar entendendo aquela comparação.
Quanto ao grupo o que nos coube foi tentar sair da saia justa, pois o resto do dia
o usuário foi chamado de “diadema de vaca” (objeto que o “corno” usaria para mostrar
o chifre). Mas isso individualmente trouxe conversas sobre a sua vontade de ter alguém
pra transar já que atualmente ele se vê com dificuldade com ereção “e não qualquer uma
menina nova que quer um cara assim” (SIC). Então trabalhar valores básicos de auto-
estima e apoio a escolha mais saudável pra ele naquele momento que se via impotente
mas com desejo sexual. “... eu tenho é que arrumar uma mulher mais velha mesmo.
Com mais cabeça. Porque ficar saído com menina mais nova que só quer sair, gastar
dinheiro não dá não” (SIC). Uma solução que parecia dar conta da demanda e ter uma
pessoa companheira ao seu lado, que não quisesse só sexo, e que não gastasse tanto
dinheiro. Assim o problema da impotência pode ser trabalhado com menos pressão e
articulando ações com o médico e também trabalhando a autonomia de sair só e buscar
(se abrir a) pessoas novas que parece ser um problema pra ele.
Na “hora do Conto” ainda pude desenvolver metodologias de leituras grupais
muito interessantes como: divisão em grupos para leituras e posterior leitura para os
demais membros do grupo; apresentação para o grupo da compreensão do texto, em
relação aos seus sentidos.
As dificuldades que o sofrimento mental pode trazer englobam desde a atenção à
memória comprometida, com pouco poder de fixação, às falas que não acompanham o
raciocínio (aceleração do pensamento). Assim o grupo com esses moldes (com
atividades em duplas, por exemplo) tende a trabalhar valores para além dos conteúdos
inconscientes, mas também do convívio com as próprias limitações e contingências, da
cooperação, e controle democrático, do respeito às falas.
A participação de N. e U. nos dois momentos em que a atividade ocorreu dessa
forma é claro momento de exercício desses valores. N. logo que admitido no CAPS
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passava pelo ciclo da mania (no transtorno bipolar que alterna de forma cíclica entre
mania e depressão) e a participação dele nos grupos era motivo de preocupação dos
técnicos devido a sua inquietude, agitação psicomotora e logorréia. Numa atividade em
que ele tinha de resumir a história lida para que o grupo todo entendesse a sua dupla, O,
mostrou toda a paciência do mundo em tentar repetir as partes que ele se perdia e o
grupo, com exceção de alguns impacientes escutavam o seu relato. E O por sua vez
também em estado de humor também em mania (nessa época já um pouco mais
moderada).
U já não tem a logorréia que o N tinha em seus estados de mania mas tem uma
séria agitação psicomotora, cheio de movimentos repetitivos (“tiques”) e pouco recurso
lingüístico (é diagnosticado como portador de um leve retardo mental) para expressar o
que sente e também o que entende. Em uma outra atividade em que duplas tinham que
passar a compreensão da história ele estava junto ao A. De forma surpreendente U teve
grande poder de síntese e sem fugir ao tema. Principalmente, o U teve uma grande ajuda
e atenção do A.. Eles trabalharam numa cooperação que fez com que o U tivesse toda a
confiança de falar ao grupo sobre o que leu.
Todas essas atividades ainda são acompanhadas de posterior momento para
desenho ou expressão de arte por escritas ou até mesmo manuseio de massa de modelar.
Aqui o objetivo é liberar os conteúdos que foram despertados (latentes), mas que não
foram falados ao grupo no momento da discussão.
Assim foi com o desenho de R. A história do dia falava de 2 garotinhos amigos e
que um deles era cego mas que tinha “os olhos do espírito”. A discussão do grupo
pautou-se então, na fé e em como devemos respeitar as diferenças. Então, pediu-se para
que todos fizessem com massa de modelar, com os olhos fechados (fazendo alusão à
história) Ainda pediu-se no grupo pra se fazer obras de massa de modelar (fazendo
alusão a historinha em que o menino era cego mas pelo tato e sensibilidade tudo ele
reconhecia). R fez um baú. Um baú e uma cobra pra proteger esse tesouro que estava
guardado com ele a sete chaves.
Um outro dia em que foi pedido que ele desenhasse livremente, ele desenhou
novamente um baú como se imerso nas águas do oceano e sendo guardada por um
guarda com roupas à prova de água. Assim, os desenhos, os contos, o manuseio e
expressão na massa de modelar podem revelar enigmas e dinâmicas do psiquismo que
lentamente podem ser trabalhados na fala. Os símbolos do baú e guardiões do tesouro
pode nos auxiliar a encontrar e descobrir em conjunto um possível tesouro guardado em
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R. que já passou por tantas internações, já sofreu tanto as perdas (enfaticamente a morte
de sua mãe quando jovem ainda), que tanto calejou seus pés com andanças (nos seus
surtos) em busca de algo que não se encontra, que não se vê, que não se chega.
Porém, em algumas ocasiões observei a inquietação de alguns ao trabalharem
determinado tema no grupo, mas por falta de tempo (devido, em situações como essa,
de dar conta de todos os usuários) não pude trabalhar individualmente aquele conteúdo
que emergiu no usuário. O caso de F. é ilustrativo dessa situação: na historia que falava
de uma menina e seus dramas sentimentais tipicamente humanos e o que fazer para
melhor conhece-los e conviver com eles, a usuária, ao escutar uma menina discutir com
a mãe e impor os seus desejos (personagem principal dessa estória), se revoltou e disse
que era um absurdo uma pessoa como aquela. Era um absurdo uma menina falar aquelas
coisas, “ela ta pensando o que?” (SIC). E saiu do grupo.
b. Grupo Operativo
Tem por objetivo através das trocas e convivências permitir aos seus membros o
reconhecimento de si mesmo e do outro, criando possibilidades de simbolização e
elaboração para o usuário de resignificar e integrar suas experiências emocionais, a
partir de suas necessidades e conflitos. Aconteceu nas quintas-feiras e com duração
entre 1h e 1,5h.
Na prática o técnico (facilitador do grupo) tem o papel de coordenar o fluxo de
expressões através do incentivo para que os usuários possam se sentir a vontade para
trazer suas demandas ao grupo. Inclusive viabiliza a votação de temas para que o grupo
possa sempre escolher, ele mesmo, a sua demanda para trabalho.
Esse grupo foi vivenciado de formas radicalmente distintas nos dois semestres
do estágio. Em relação ao primeiro estágio nossa participação foi de observação e
apenas em 5 grupos estávamos lá. Justamente nessas cinco atividades que discutimos
aqui os conteúdos lá trabalhados e depois retornaremos ao segundo semestre de estágio.
Ao longo das observações vimos alguns pontos a serem discutidos. Esses
conteúdos residem em resultados terapêuticos no que concerne o desenvolvimento do
poder de escolha dos usuários, assim como processos psíquicos básicos como o de
atenção, fala, e aspectos como juízo crítico.
Mas o ponto crítico esteve na colocação do grupo enquanto porta-voz da
instituição no que concerne ao pacto com o tratamento medicamentoso. Um exemplo
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disso foram nos temas “auto-controle e família” quando escolhidos pelos usuários para
a discussão.
Quando o tema escolhido pelo grupo foi a “família” a possibilidade de reflexão
parecia fundamental. Muitos usuários falaram da vivência com sua família e como é a
dinâmica específica daquele microcosmo. Muitos usuários mantêm relações de conflitos
ou ao menos ambigüidades com suas famílias e logo gera sofrimento para a construções
de vínculos. Assim, a proposta era incentivar a autonomia, pois o processo cronificador
que é submetido o louco ao longo dos internamentos podem o colocar em papel de
passividade e pouca motivação para agir no mundo. É em situações como essas que
inserimos o mote “se os usuários também se cuidam e cuidam daqueles que os cuidam”.
Assim a família continua tendo significado de apoio mas também faz com que usuários
se coloquem no lugar ativo na própria família.
O grupo é o espaço institucional em que os vínculos familiares podem ser
reconstruídos, as demandas psíquicas podem ser canalizadas, a sociabilidade exercitada,
a autonomia construída. Mas sobre tudo, institucionalmente o espaço grupal é aquele
em que o CAPS pode avançar (com sua ideologia antimanicomial) e romper com o
sistema asilar, fazendo com que de fato esse serviço da saúde pública possa ser visto
como um serviço de assistência que é direito do cidadão em situação de sofrimento
mental. Portanto, para alem das criticas já tecidas acima, o grupo é o principal canal de
comunicação institucional entre família e CAPS, entre usuário e CAPS e entre CAPS e
sociedade. O grupo se constitui como espaço político e ético nesse serviço de saúde.
VI. Atividades diversas
Aqui englobo as demais atividades grupais realizadas no serviço e que não havia
sido previsto em sistematização no plano de estágio e outras que haviam sido previstas e
a sua realização seria complementar do cronograma de atividades. A saber, foram as
atividades lúdicas, além dos grupos “Saúde e Cidadania”, “Terapêutico”, “Grupo de
Medicamento”.
Atividades lúdicas se referem ao desenvolvimento de práticas terapêuticas que
estão envolvidas com o lúdico surgiu como demanda espontânea (não programada em
plano de estágio) na prática do CAPS. Devido, principalmente, a falta de atividades que
tanto usuários quanto funcionários de função administrativa do CAPS reclamavam.
Então em uma reunião técnica da equipe decidiu-se implantar a prática e incentivo a
brincadeiras de bingo, dominó, desenho livre e uso do violão. Os estagiários foram os
facilitadores desse momento.
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Assim as atividades que surgiram como paliativos para dar conta da falta de
técnicos na equipe pode ser de fato inserido na programação do CAPS se planejada
previamente pode se tornar relevante dentro de um espaço de saúde mental.
O Grupo Saúde e Cidadania tinha o objetivo de discutir de temas escolhidos
pelos usuários ou pelos técnicos. Esse grupo foi conduzido por uma enfermeira e aborda
temas principalmente sobre prevenção de doenças e os deveres e responsabilidades dos
usuários diante das problemáticas da saúde.
Ao contrário dos grupos descritos acima, os seguintes não fizeram parte da
programação de estágio. O Grupo Terapêutico foi observado em três oportunidades e
foca as atividades na escolha de um tema a ser discutido no grupo. Um dos momentos,
por exemplo, discutiu-se “auto-controle” e a reflexão girou em torno do como podemos
prevenir algumas situações em que se sente que a crise se aproxima. “Qual a tarefa a se
fazer?” reflete sobre o conhecimento que os usuários tem sobre a rede de cuidados
institucionais e apoio familiar.
O “Grupo Medicamento” também não estava previsto no plano e foi observado
também o decorrer das atividades. O objetivo do grupo é discutir em que o
medicamento pode ajudar no transtorno mental, quais efeitos colaterais dos
medicamentos típicos e atípicos, os efeitos de interações medicamentosas, por exemplo,
quando um dos usuários indaga sobre a possibilidade de tomar viagra associado a
medicamento psiquiátrico.
Tive, portanto, uma quantidade significativa de horas destinadas a essas
atividades grupais diversas (42 horas), aumentando ainda mais o total de horas de
atividades desse cunho desenvolvida no CAPS.
VII. Atividades extra-CAPS;
Nesse segmento de atividades incluí as atividades culturais de cinema no CAPS
e de Passeios Terapêuticos além das visitas domiciliares e a Residências Terapêuticas.
A inclusão se dá pelo fato de observar em evidência a ação avançada do serviço nessas
atividades. Ou seja, o CAPS extrapola os muros da instituição e foca na inserção social
e atendimento em contexto local de vivência dos usuários.
a. Participação nas atividades culturais de cinema no CAPS e de Passeios
Terapêuticos
O Passeio Terapêutico tem com proposta de inserção nas atividades de cultura e
de lazer. O passeio visa o acesso à cultura local e também familiarização com as
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atividades sociais. Essas atividades alternam-se nas quartas-feiras com duração de 3hs
com a coordenação da preceptora.
Os lugares visitados nessa etapa do estágio foram: Paço Alfândega no Recife
Antigo; Metrô do Recife; Horto de Dois Irmãos; Oficina de Francisco Brennand na
Várzea; Feiras do Alto da Sé em Olinda; Praia de Olinda. Visita ao Sítio Histórico de
Olinda; além dos Shopping’s Recife e Tacaruna. Ainda tivemos visita ao Espaço
Ciência, a Hiper-Magazines e ao Aeroporto.
Nessas atividades observei o foco na inserção dos usuários em lugares
culturalmente importante e com histórias importantes para a reconstrução da própria
história subjetiva do seu lugar de residência (o seu território). Usuários que viam acesso
a esses espaços culturais como impossível devido a sua condição de “portador de
transtorno mental”, começam a vislumbrar possibilidades de visita sozinhos em outros
momentos. Assim foram as falas de S., C., D. que diziam voltar a lugares como Alto da
Sé, Sítio His´torico em Olinda, Oficina de Brennand.
Mas também observaei a realidade estigmatizante quando visita a Shopping’s. O
centro de compras de Boa Viagem, especialmente, pude observar alguns seguranças
observando com mais atenção alguns dos usuários (com roupas visivelmente
discrepantes das usadas pelos visitantes classe-média desse lugar).
b. Visitas domiciliares e as Residências Terapêuticas (RT)
As visitas tinham como objetivo conhecer o serviço (RT) e entender o contexto
dessa modalidade de atendimento na Reforma Psiquiátrica, além de agir enquanto
equipamento de saúde comunitária quando demandado atendimento na comunidade.
Essas atividades não são de responsabilidade de facilitação da preceptora apesar de estar
no plano de estágio enquanto atividade que será exercida no decorrer do estágio.
No decorrer dessa primeira etapa de estágio apenas as RT’s (masculina e
feminina) foram visitadas. O acompanhamento foi da técnica dessas residências. Lá
observamos os usuários que não tem família (ou difícil contato com as mesmas) em
convívio coletivo e sob a atenção dos cuidadores, funcionários que trabalham em
regime de plantão nas casas e que estão 24hs por dia em prontidão auxiliando nas
atividades de inserção dos usuários na comunidade.
As RT’s são equipamentos desinstitucionalizantes da reforma psiquiátrica e
ficam sob responsabilidade de cuidados (através da TR) do CAPS do Distrito Sanitário
referente.
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Em relação às visitas domiciliares não fizemos nenhuma e devido a grande
demanda dentro do próprio CAPS (falta de técnicos para melhor distribuição das
tarefas) foi uma atividade programada para o próximo semestre.
VIII. Atividade com grupo de familiares (Reunião de Família);
O acompanhamento e participação nas atividades de grupo com família insere-se
nas atividades fornecidas pela instituição que visam dar conta da dialogicidade com a
rede significativa do usuário que é a família. O objetivo do chamado “Grupo Família” é
acolher as famílias no que se refere à situação vivenciada pelo usuário ressaltando o seu
papel enquanto apoio do usuário.
Essa atividade foi realizada nas quartas-feiras e tinha 2hs de duração. A
coordenação na primeira etapa do estágio foi de uma das psicólogas da casa no turno da
manhã e um estagiário sempre a acompanhava. Na segunda etapa de estágio facilitamos
como coordenador essa atividade. Operacionalmente o grupo se dá através da escuta da
demanda do sofrimento da família e dúvidas práticas sobre o “adoecimento” do
familiar.
As falas da psicóloga giraram em torno do esclarecimento do papel importante
da família no acompanhamento do tratamento do usuário, corespozabilizando-os, e
principalmente sobre a importância de inserir adesão medicamentosa nos usuários
(família ajudar no entendimento do usuário no uso do medicamento).
As maiores discussões são sobre o convencimento dos familiares de que os
usuários estão no estado de “doença” e por isso estão ali, merecem cuidado e precisam
aderir ao medicamento. A desmistificação da loucura também é pauta dos grupos
quando alguns familiares trazem em suas falas conteúdos que dizem respeito a alguma
incapacidade do usuários de fazer algumas atividades ou não serem mais ouvidos em
casa por estarem “doentes”.
Enquanto facilitador me deparei com a angústia por parte dos familiares de ter
pela primeira vez algum ente com transtorno mental, além da assunção do papel e
responsabilidade de se cuidador e participe do tratamento.
IX. Atividades de Decurso e Registro em livros e Prontuários.
Essas atividades de ordem mais burocráticas são realizadas todos os dias após
atividades ou após qualquer observação relevante sobre os usuários individualmente.
Aqui se dá conta do preenchimento dos livros e prontuários de usuários (evoluções),
realizado após as atividades individuais e grupais pelos técnicos e os estagiários, bem
como os documentos de encaminhamentos do tratamento previsto ao usuário.
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Apesar de ter um caráter burocrático devido a obrigatoriedade, a evolução do
paciente é fundamental para que mesmo depois de uma atividade coletiva, possamos
treinar o olhar individual sob os usuários. Além disso, no serviço como o CAPS, o qual
o prontuário tem que ser visto todos os dias, aponta para um olhar que preza a
singularidade.
Outro fato interessante é a escrita desse prontuário com o preenchimento das
evoluções serem feitas pelos mais distintos profissionais da instituição. Assim,
praticamos o exercício da interdisciplinaridade.
Mas assim como em outros espaços no CAPS, em que pude perceber o olhar
psiquiátrico psicopatológico sobressaindo diante do foco da reinserção social, nos
prontuários não é diferente. A descrição de aspectos psicopatológicos e clínicos
psiquiátricos acabam por ser prioridade, mesmo em atividades socioterápicas de cunho
majoritariamente sociabilizante.
3.2. Eixo das Atividades de Estudo e Formação
Trato nesse eixo de atividades de formação não só nos espaços acadêmicos
tradicionais (faculdade, universidade), por isso englobamos também as reuniões no
campo de estágio e em lugares diversos que dão a formação o sentido amplo, dialógico
e interdisciplinar.
Como presente no quadro I, 248 horas (~40%) das 310 horas totais gastas no
Estágio I referiu-se a atividades de estudo e formação.
I. Sessões de supervisão institucional no CAPS;
São atividades de discussão teórico- prática com a equipe, a realizadas uma vez
a cada 15 dias (semanas alternadas) às sextas-feiras, mas que poderão ocorrer em
situações especiais quando forem solicitadas. A supervisora institucional era de
formação psicanalítica.
Operacionalmente esse momento acontecia refletindo sobre a prática da
assistência, discutindo-se casos clínicos eleitos pela equipe para trazer àquele momento,
e as inter-relações institucionais, através de discussões práticas sobre posicionamentos
diante das problemáticas que ocorrem no CAPS.
A discussão dos casos clínicos se deu priorizando o enfoque psicanalítico
articulando o psicodinamismo com a proposta da re-inserção social numa clínica que se
propõe psicossocial.
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Assim que se torna possível fazer a junção das partes que pereciam retalhos,
durante a semana, da história do sofrimento das pessoas. Ali se construiu um olhar
interdisciplinar, através dos pequenos pedaços que cada profissional (com seu olhar
próprio sobre o sofrimento) tem do usuário, constrói-se o todo do sujeito (sofrimento
visto sob vários prismas e perspectivas das distintas disciplinas e saberes).
A outra etapa da reunião, as relações são discutidas: problemas de convivência,
falta de técnicos, colaboração no serviço, comprometimento profissional.
Sobretudo esse momento de supervisão os princípios e valores eram
reafirmados. Em uma das reuniões a reflexão proposta pelo supervisor apontava para o
CAPS enquanto dispositivo que instala uma cultura de reinserção. No antigo modelo o
louco era previamente concebido como impossibilitado de criar vínculos familiares e
sociais. E o que resta aos técnicos do CAPS, no fazer do dia-a-dia é trabalhar pra que o
modelo do manicômio não se reinstale, e isso se faz com o diferencial desse serviço seja
a escuta do que é subjetivo.
II. Reunião técnica com a equipe CAPS;
Reunião semanal (nos dias em que não existia supervisão), sextas-feiras no turno
da tarde, em que se faziam presentes todos os trabalhadores e estagiários dos CAPS,
além da equipe retaguarda e pessoas que contribuem o CAPS apenas com oficinas
específicas (habilidades manuais, atividades físicas). A facilitação da reunião técnica é
do gerente clínico ou institucional (geral).
Discutiu-se casos clínicos e questões institucionais, ou seja, soluções práticas
pensadas conjuntamente para os problemas cotidianos. No momento da clínica dava-se
ênfase a discussão interdisciplinar e preferencialmente tanta-se discutir o maior número
possível de casos deixando os mais “complicados” para a supervisão. Por ser
permanente, essa reunião, assim como a supervisionada e a orientação na UFPE (item
V) despendeu boa parte da carga horária de estágio (49 horas), ou seja, devido a
importância um dia exclusivo de toda semana é destinado a reuniões como essas.
Tanto na reunião técnica como na supervisão o que vi foi a construção do saber
sobre a saúde do usuário. A farmacoterapia que aparece em outros grupos e espaços de
discussão com forte afirmação e alternativa terapêutica aqui é colocado como aliado e
mais uma opção no tratamento. As várias disciplinas da saúde constroem um saber
sobre o sofrimento do outro com o objetivo de propor uma terapêutica adequada.
III. Mini-reunião clínica com equipe de meu turno de referência no CAPS;
29
A mini-reunião ocorre nas terças-feiras no caso do turno da minha equipe, pela
manhã, e tem o intuito de desafogar as reuniões técnicas geral do CAPS (nas sextas-
feiras). A reunião restringe-se a casos clínicos e é priorizada a apresentação dos casos
de usuários que a equipe do turno ainda não conhece, além de pequenos ajustes na
medicação e publicização à equipe de fatos relevantes do cotidiano do serviço. Assim
nessa reunião os estagiários contribuem devido a maior contato (disponibilidade) com
os usuários.
A prioridade dessas reuniões na grade de atividades do CAPS deram o caráter
interdisciplinar a equipe e mostrou-se de suma importância para o dinamismo da
instituição no que se refere ao conhecimento dos usuários do turno.
Ainda saliento que juntando-se as 4 horas de reunião da sexta-feira com mais
essas reuniões no decorrer da semana, faziam-se 5 horas destinadas a discussão em
equipe dos casos em atendimento.
IV. Reunião de Estagiário no CAPS;
Como consta em “plano de estágio”9, são atividades de discussão teórico- prática
entre os estagiários e preceptoria, que deveriam ser realizadas uma vez na semana, mas
que por motivos operacionais já citados no eixo 3.1. não foi possível ser praticado
sistematicamente.
Ao decorrer do estágio fizemos discussões de casos e textos para aprimorar o
olhar clínico em duas semanas. Nesses espaços discutimos textos psicanalíticos e
fenomenológicos além de termos discutido sobre as dificuldades da prática no serviço.
Porém, as orientações específicas para o relatório foram dadas de forma mais ampla e
com disponibilidade e apoio da preceptora. Assim, em quatro semanas seguidas foram
realizadas as orientações para a elaboração do relatório de estágio.
Ainda ocupa um lugar de destaque para a analise a queda de horas (de 10 para
1hora) despendida a essa atividade no segundo semestre, justamente quando foram
implementados os atendimentos individuais psicoterápicos, fazendo assim ficar evidente
a carência de orientações específicas.
V. Sessões de Orientação de Estágio na UFPE;
Em sua definição, são reuniões teóricas e de suporte acadêmico-científico
semanais na universidade. As reuniões são permanentes com duração de três horas e se
9 Projeto construído para atuação no estágio requerido pela instituição formadora.
30
realizaram nas segundas-feiras. Elas se subdividem em orientações pedagógicas,
seminário de estágio, reunião com supervisores, painel de práticas em psicologia.
A metodologia da reunião de orientação pedagógica permitiu a troca de
experiências e vivências de estágio e discussões teóricas sobre a prática no CAPS, tendo
em vista que todos os estudantes dessa reunião de orientação fazem o estágio nesse tipo
de serviço. O instrumento de facilitação de trocas foi a leitura do chamado
“mapeamento semanal de atividades realizadas”, que se trata de um mini-relatório de
atividades semanais no campo10 e de um cronograma com as atividades efetivamente
realizadas, sua periodicidade e carga horária despendida para facilitação da descrição
quantitativa do estágio em Psicologia Clínica.
Os seminários de estágios aconteceram também sistematicamente e de forma
que todos os estudantes que estão em conclusão de estágio se apresentassem e
contribuíssem para a formação dos que acabaram de começar o estágio. São
apresentações de 4 em 4 estudantes, ou esporadicamente de 8 em 8 (totalizando 12 dias
destinados a apresentações), das distintas áreas de especialização em psicologia (clínica,
hospitalar, organizacional e escolar) em forma de mesa redonda e coordenada por um
professor orientador com o intuito de fomentar o debate ao fim do momento. Os
seminários também são experiências que contribuíram para a formação na medida em
que não só expõe o estágio como também refletem teoricamente sobre eles.
O painel de práticas em Psicologia foi contemplado nos dois semestree pelo II e
III colóquio com temas “A nterdisciplinaridade na prática psicológica” e “Reflexão
Ética na prática psicológica” respectivamente. As convidadas foram psicólogas, em um
total de cinco, com atuação em distintos serviços no Recife. O intuito do momento era
discutir a interdisciplinaridade permeada nas ações da psicologia na contemporaneidade
e assim contribuir para as distintas áreas da pré-especialização do curso. Para o nosso
campo de atuação de saúde mental, o debate foi especialmente rico e produtivo do ponto
de vista da fundamenta cão e troca de experiências do exercício da prática dialógica.
Porém o último momento previsto que concerne o memento de discussão entre
orientadores da universidade e preceptores no campo, no que se refere ao primeiro
semestre não aconteceu por motivo desconhecido, e no segundo a coordenação
promoveu, mas a preceptora não pode comparecer por motivos de fórum íntimo.
VI. Outras reuniões extra-institucionais.
10 Autoria do professor orientador.
31
Nesse agrupamento de atividades incluí atividades não previstas no plano de
estágio. Essas atividades tiveram objetivos distintos, embora ligadas ao caráter dessa
seção que compreende atividades voltadas a estudos ou formação ampliada, e elas
compõem a carga horária desse eixo (30 horas). Foram elas a reunião com a
Coordenação de Saúde Mental (CSM), Reunião com as cuidadoras das RT’s, visita ao
sanatório, além da participação no Encontro dos CAPS do Recife.
Dentre eles, exemplifico o último.O Encontro dos CAPS do Recife tinha os
objetivos de reunir produção bibliográfica dos técnicos dos serviços, incentivar a
reflexão crítica sobre a prática, além de produzir espaço de diálogo entre coordenação,
trabalhadores e universidade. O CAPS não incentivou a produção de material para a
discussão no encontro, mas devido à produção de pesquisa autônoma no âmbito do
estágio pudemos apresentar a obra.
3.3. Estudo de Caso: abordagem psicossocial, atendimento e a prática complexa
Os atendimentos visaram um espaço de escuta singular (individualizado), à
procura de melhor entendimento da demanda trazida pelo usuário em seu aspecto
também intra-subjetivo, numa abordagem que entende o homem em suas relações
(psicossocial) mas que tem a possibilidade de, através de enfoque, escutar o sujeito
dinâmico. Para tanto, usamos da escuta do inconsciente, em um exercício de posterior
ao reconhecimento dos desejos inconscientes, fomentar possibilidades de um melhor
convívio com esses desejos em maioria ambivalentes e dar vazão a novos significados,
re-significações, para as dinâmicas ditas patológicas.
Para tal empreitada e antes de nos debruçarmos sobre o caso, retomar algumas
noções básicas da teoria psicanalítica se faz necessário para o leitor entender a
construção dos atendimentos. Entretanto, trazê-la ganha sentido se contextualizo essa
abordagem enquanto útil para o nosso entendimento de reforma psiquiátrica.
Psicanálise e loucura
A clínica psiquiátrica por mais de dois séculos produziu um conhecimento
acerca do fenômeno humano da loucura e nele sobrepôs seu poder médico
normatizador. O louco é tratado como doente e merece ser internado, tutelado, excluso
para um tratamento real (em vez da mendicância vista até então). Em Pinel a loucura
ganha um status de curabilidade, porém ainda arraigada de moralidade, assim resulta no
32
que Foucault nos relata como o tratamento moral11. Portanto, o louco é libertado das
prisões dos desviantes sociais para novamente se prender aos Hospitais Gerais.
A psiquiatria fundamenta a exclusão social com a Doença Mental. Ou seja, nas
palavras de Tenório (2003, p77):
“nascida do mandato social de exclusão da loucura, a clinica psiquiátrica estaria fadada a corroborar a vinculação entre cidadania e razão e o aprisionamento e domesticação da loucura no registro da negatividade, como, por exemplo, pelas categorias da psicopatologia, que corroboram a idéia de um padrão único de subjetividade normal, por relação ao qual o patológico é um. desvio”.
Em um cenário construído durante séculos, através da hegemonia do pensamento
cartesiano, vingada pelo iluminismo do século XVII e XVIII que a razão universal (ou
com status de tal) emerge enquanto característica que estabelece grandes marcos para as
normas sociais e subjetivas (TENÓRIO, 2003). Nesse contexto nasce a psicanálise entre
o século XIX e XX.
A contribuição de Freud questiona o cerne do pensamento vigente, pois destitui
da razão a motivação humana. O Inconsciente na proposta psicanalítica é o grande
propulsor da vida humana e ele através das pulsões sexuais e agressivas dinamizam o
homem. Na clinica o seu pensamento também veio na contramão do pensamento
cientifico predominante, pois estabelece a escuta no lugar da punição. Os sintomas
psicopatológicos saem do lugar dos desvios para a ocupar um papel de comunicador do
Inconsciente com o mundo. No lugar da falta de subjetividade do louco (a desrazão), o
lugar de subjetividade estruturada em personalidades.
Mesmo em uma construção de um teoria que postula o sofrimento mental, ou a
psicose, como uma falha no desenvolvimento da personalidade e que existe uma causa
psicodinamica para tal estrururação, a psicanálise também aponta para a possibilidade
de terapêutica sofrimento dito psicótico12.
A analise, ou escuta do inconsciente, por ele é tido como técnica de acesso a
libertação de dinâmicas enlouquecedoras. A terapia é não só medicamentosa mas
também na ordem do ouvir e da resignificação de conflitos.
A escuta
A escuta na psicanálise se torna arte majoritaria da terapêutica. A escuta
psicanalítica é a do Inconsciente. O que queremos dizer é que é uma escuta dos desejos, 11 Michel Foucault em seu III capítulo da História da Loucura (1972). 12 Autores brasileiros como Jurandir Freire Costa e Joel Birman, são exemplos de autores que aplicam a psicanálise na clínica da reforma psiquiátrica.
33
do que se quer dizer, quando se diz algo. Trata-se da leitura do interdito, do lugar de
onde vem a fala ou de que lugar se deseja falar.
Terapeuticamente o que fazemos dessa escuta é, depois do reconhecimento dos
desejos inconscientes, criar condições de possibilidades de um melhor convívio com
esses desejos tão ambíguos e dar vazão a novos significados para as dinâmicas
adoecedoras.
Na escuta, não só no ato de fala-ouvir, mas através de meios clínicos
(operativos, laborativos, grupais) busca-se que, através de expressão de seus conflitos
inconscientes, projetem-se os conteúdos simbólicos de delírios e alucinações. São esses
os conteúdos que podem ser trabalhados na escuta de enfoque psicanalítica, pois eles
constituem a subjetividade do dito louco, do sujeito em sofrimento mental.
Sendo assim, retomo o caso. O mesmo foi sistematizado com a tentativa de
deixarmos claro não só o histórico clínico do usuário, mas também a construção de sua
vida e rede sócio-afetiva, assim como a sua experiência subjetiva e a construção de
possibilidades terapêuticas de convívio pós-tratamento. A construção teórico-
metodológica, nessa perspectiva, tentará não perder de vista o olhar atento a
singularidade do sujeito em estudo.
Ainda saliento que a construção da história de vida do usuário se deu com os
atendimentos e vivências nos diversos grupos com ele realizado, assim como os
materiais disponíveis no cotidiano da instituição, a saber: prontuários, livro de registros
das atividades e de o comunicação entre equipes.
i. Identificação e chegada ao CAPS
O usuário, aqui chamado de Carlos – nome fictício criado a fim de preservar a
sua identidade – tem 38 anos, nascido em Recife, reside no Alto do Céu em Beberibe,
bairro do distrito II, Zona Norte da capital pernambucana. Morava com a mãe e o avô
qunado foi admitido no serviço, atualmente mora apenas com a mãe devido a recém
morte do avô. Na composição familiar ainda conta com irmã por parte de mãe, casada e
que mora em casa própria. Seu pai é divorciado da mãe e mora também em outra
residência com os pais.
Carlos é solteiro, evangélico não-praticante. Ele tem experiência escolar,
formalizada com o 1º grau incompleto (cursando até a 4ª série do ensino fundamental).
De acordo com a mãe, também freqüentou dois anos de sua experiência escolar em
“turma especial” (destinada a pessoas com “retardo mental”), não sabendo especificar
34
quais séries do ensino ele ficou em tal turma. Porém é referido que a leitura só foi
concretizada nas salas especiais, enquanto que na normal ele apenas “dormia”.
Sua chegada ao CAPS – primeiro tratamento em clínica psicossocial – aconteceu
em setembro de 2007, e o que caracterizou sua acolhida ao serviço foram os sintomas de
insônia e rituais psicomotores com agressividade, de forma repetitiva a objetos da
residência, utensílios domésticos. Atos compulsivos também eram presentes como:
trancar fechaduras várias vezes, entrar e sair da casa repetidamente. Esse quadro
caracterizou-se assim, pelo diagnóstico feito pelo psiquiatra, como transtorno obsessivo-
compulsivo (CID 10 – F 42.1), com a presença patológica de tiques (CID-10 – F 95.1).
Em seus antecedentes clínicos referentes à saúde mental constam de três
internamentos psiquiátricos, que foram justificados pela mãe devido a sua “agitação e
agressividade”. Enfim, seu encaminhamento veio de sua última entrada em serviço de
saúde, o CAPS Esperança, assim referenciado para atual devido à proximidade de sua
residência.
As principais queixas trazidas pela genitora falavam da sua agitação e
agressividade com todos em sua residência, heteroagressivo, assim como a “troca da
noite pelo dia”, portanto insone. Diz que é “brabo, fica contando” referindo-se à
compulsividade de falar os números sem parar, diante de sua ansiedade. A queixa
também refletia a alta dependência dos autos-cuidados e higiene. Carlos também se
referia com freqüência ao sentimento de um “ferro entrando na minha cabeça”.
ii. Cuidado à saúde
Carlos foi indicado, no início do seu tratamento, para o acompanhamento
intensivo, tendo de vir todos os dias ao CAPS e participando das atividades dos dois
turnos. Em seu PTI (Projeto Terapêutico Individual) deveria o seu cuidado ser voltado
para o estímulo a atividades de forma contínua, e melhora do quadro psicopatológico.
Ao longo dos dois primeiros meses de tratamento, Carlos teve dificuldades para
participar das atividades grupais, não indo mesmo depois de convites, ou com agitação
psicomotora durante as mesmas. Aos poucos, alguns dos seus tiques foram
desaparecendo e a medicação psiquiátrica ajustada para doses eficazes, porém mais
baixa.
Gradativamente a equipe começa a perceber em Carlos um potencial intelectivo
significativo para quem tinha histórico de suspeita de “retardo mental”. Assim, já com
uma participação maior nas atividades grupais, passamos a estimulá-lo mais e em
contra-partida encontramos Carlos com participações efetivas nos grupos.
35
A mãe de Carlos em seu cuidado tem também papel significativo. Ela se mostra
partícipe do tratamento e tem efetiva presença nas reuniões de família. Nesse espaço os
principais conteúdos trabalhados com ela dizem respeito ao esclarecimento sobre o que
Carlos enfrenta: o transtorno mental.
É interessante relatar que nas duas primeiras participações da genitora, já depois
de um mês de tratamento de seu filho, ela chora copiosamente nas reuniões. Diz que o
choro se dá por ouvir pela primeira vez falarem que o que Carlos faz não é por
“ruindade”. Ela diz: “agora eu vejo que é a doença”.
Esse movimento de esclarecimento proporciona conforto à família, que atribuira
tudo a personalidade do usuário. Em contrapartida foi notório que a concepção de
doença pôde dar caráter determinista a toda ação de Carlos, a partir de então, o que em
sua terapêutica dificultava avanços. É assim que a questão da possibilidade de
autonomia de Carlos começa a ser pensada – diante da representação de doença, que
anula a autonomia.
Passado alguns meses e já (re)pensando o processo de alta do usuário, se começa
a investir na gradativa diminuição de turnos para Carlos no serviço. Paralelo a isso,
acontece o internamento de seu avô, que muito idoso carece de especial atenção de sua
filha, mãe de Carlos. É aí que o CAPS serve também como apoio operacional a Carlos,
ultrapassando a função de atenção à saúde e funcionando como apoio ao usuário em sua
problemática singular. Nessa parceria, a mãe de Carlos conta com a instituição que
passa nesse período a freqüentar em sistema intensivo o tratamento.
Notamos aí o atordoamento de Carlos em relação à eminente morte do avô.
Carlos, que sempre convivia com o deambular de um lado para outro na varanda do
CAPS, passa a apresentar sintomas mais e mais severos acompanhado de discursos
negativistas. A mãe queixa-se de problemas de inapetência concomitantes a isso, e
também da insistência nos conflitos com ela. É assim que fica clara a repercussão da
internação do avô, e a situação atual da família exacerbava conflitos afetivos em Carlos.
Depois de meses em sofrimento com o avô moribundo, veio este ao óbito. Carlos
não penou em processo de luto, entretanto esporadicamente falava da falta do seu avô.
Em meados de fevereiro, Carlos passou a freqüentar o CAPS em sistema semi-intensivo
e em março é pensado como mudança preparatória para a sua alta a implementação do
processo psicoterápico.
O psiquiatra da equipe acreditava que Carlos ainda permanecia com os sintomas
de delírios. Delírios esses de conteúdos místicos-religiosos ou persecutórios, além dos
36
tiques motores e vocais (repetir algumas palavras) embora brandos. Assim, junto à
problemática relacional com a mãe, o tratamento acrescentado em seu PTI com a
psicoterapia poderia viabilizar melhor resolução de conflitos, devido ao espaço
projetado para a elaboração.
iii. Atendimento individual – psicoterapia
O primeiro encontro de atendimento a Carlos aconteceu no meio de março e
previamente tinha sido perguntado a ele sobre o seu interesse em ter acrescido em seu
tratamento essa modalidade de tratamento. A sua mãe, figura que se responsabiliza pelo
seu cuidado junto ao CAPS enquanto ele ali estava, também tinha sido partícipe dessa
decisão.
Os primeiros encontros deram conta do estabelecimento do contrato terapêutico
e escolha paulatina do que seria possível trabalhar naquele espaço. Falas como “Aqui é
um espaço para você falar tudo o que você quiser. (...) toda semana às 10:40h depois
do grupo, teremos esse espaço para conversarmos” (1º encontro) ilustram o
estabelecimento do setting. Em relação aos objetivos de nossos encontros, no segundo
encontro ele traz “eu acho que eu to bom... to pensando em falar com o médico pra ir
embora”. Refletimos, assim, se aquele poderia ser o objetivo, então, do tratamento:
“podemos então, Carlos, pensarmos nesse estar bom, e falarmos dessas coisas que
temos conversado para pensarmos na alta?”.
Quanto aos conteúdos, Carlos trouxe várias vezes “sinto uma agonia na cabeça,
uma agonia”, referindo-se aos pensamentos que ele julga fora de si e atribui a entidades
demoníacas esses sintomas. “A minha boca tem gosto de pus. Deve ser por causa de um
câncer no meu cérebro, dentro da cabeça”.
Nas duas primeiras sessões de atendimento falou de uma espécie de bloqueio
mental. Ele diz: “esse lado aqui [o esquerdo] é bloqueado e eu não lembro de nada”.
Seu estado mental durante as sessões, importante contextualizar, mostrava um discurso
acelerado, tiques motores acentuados, hipertímico.
Ele também remete-se ao inimigo (símbolo relacionado ao demônio – o mal –
nas religiões cristãs) como invasor de sua mente. No terceiro encontro ele fala “o
inimigo é que faz eu pensar nessas coisas” referindo as coisas ruins que ele pensa:
“jogar as coisas no chão... dá vontade às vezes, de quebrar as coisas todinhas dentro de
casa”.
Os ditos pensamentos obsessivos diziam respeito a punições como “tenho hora
que dá uma vontade de cair no chão, de me jogar, se machucar na frente dos carros”.
37
Em alguns momentos, percebe que tem desejos que não podem acontecer como ver
“homem coisando com mulher na televisão”, e isso é caracterizado por ele como coisas
“mundanas”.
Para Freud, em sua análise da neurose obsessiva compulsiva, através do estudo
clínico do “Homem dos ratos” “as idéias obsessivas, como bem se sabe, têm uma
aparência de não possuírem nem motivo nem significação, tal como os sonhos” (1909,
p. 109), e ainda complementa, referindo a outra obra (1896) as idéias obsessivas são
como “autocensuras transformadas que reemergiram da repressão” (p.126). Claro, para
Freud, vale salientar que essa autocensura refere-se aos conteúdos da dinâmica sexual
humana.
O diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo corrobora, como articulado
acima, em sintomas trazidos nos atendimentos. Assim, podemos entender a dinâmica
dos conflitos das ideações obsessivos e atos compulsivos a partir das contribuições
freudianas dessa neurose.
Ainda, como parêntese necessário para o entendimento psicodinâmico,
salientamos que sua estrutura psíquica caracterizar-se-ia como um aparato subjetivo
mais neurótico que psicótico. Isso, pois “o tipo de engajamento do psicótico em seus
sintomas não deixa espaço para a dúvida. Segundo Freud, ‘A criação da incerteza é um
dos métodos utilizados pela neurose a fim de atrair o paciente para fora da realidade e
isolá-lo do mundo, o que é uma das tendências de qualquer distúrbio psiconeurótico’.”
(SOUZA-LIMA & DIAS, 2003, p. 4). Assim, seria o sujeito puxado para fora dessa
“realidade” social compartilhada, mas diferente da forma psicótica, a qual a dúvida não
estaria presente.
Importante para o entendimento dos mecanismos de defesa, em especial para o
entendimento desse caso, é o esclarecimento que Freud (1909, p. 127) faz sobre o lidar
consigo próprio do sujeito com pensamentos obsessivos: “as estruturas obsessivas
podem corresponder a toda sorte de ato psíquico. Elas podem ser classificadas como
desejos, tentações, impulsos, reflexões, dúvidas, ordens ou proibições”. E ainda
continua explicando essa dinâmica patológica: “Os pacientes esforçam-se, geralmente,
por amenizar tais distinções e encarar aquilo que fica desses atos psíquicos após terem
sido destituídos de seu contexto afetivo simplesmente como `idéias obsessivas’.”, assim,
tenta reduzir um desejo “ao nível de uma mera corrente de pensamento”.
Diante desses pensamentos, desejos e tentações mais profundas, que Carlos
produz nessa perspectiva o seu pensamento obsessivo. A persistência desses sintomas
38
aparecerá destarte em todas as sessões, de forma mais amenas em umas e em outras de
forma severa.
Os três atendimentos seguintes aos acima discutidos foram compostos por
severas resistências, agora ao tratamento. E enquanto relato de estágio, saliento
resistência nossa também (claro, a nossa de outra ordem e mais discutida no item iv).
No quarto encontro ele traz conteúdos como “tem hora que dá vontade de
quebrar toda a casa...” e “tem hora que eu quero é me matar andando na rua” e julga
esses pensamentos como ruins. As intervenções tentam investigar o que ele quer
exatamente quebrar (que objetos, ou alguém), e o que sente (motiva) para fazer isso. Ao
fim do encontro depois de se falar sobre outros assuntos como alta (extremamente
relevante para o que nos propomos nos atendimentos), fecho com a proposta de que
deveríamos entender esses pensamentos ruins, ou seja, fazer um esforço racional para o
que deveria ser espontâneo.
De alguma forma, não podemos atribuir relação causal, Carlos veio nas semanas
seguintes com um aumento do quadro psicopatológico, envolvendo novamente
agressões – motivo que caracterizou a crise que o trouxe ao CAPS. Nas sessões, o seu
comportamento era hostil e não aparentava qualquer motivação de estar ali. Nas demais
atividades do CAPS, apesar da agitação psicomotora, participava, vindo a maior queixa
demandada pela mãe.
No sexto encontro, Carlos estava em um quadro ansioso e depois de dizer que
não queria mais tratamento na unidade de saúde, e que “já ta bom já”, retomamos
algumas de suas falas sobre o estar ali e repito o motivo de enquanto instituição
trabalharmos naquelas sessões para a sua própria melhora. Assim, não adiantava a
repetição do que ele fazia em casa (irritações e hostilidades) ali no CAPS, porque o
nosso papel era outro.
Neste discurso achamos especificamente relevante, pois algum tempo depois,
olhando em perspectiva as sessões anteriores, observarmos que pôde fazer efeito
trabalhar na e com a própria transferência realizada por Carlos sobre o nosso papel
(terapeuta) e o que a mãe ocupara (recebia as hostilidades e agressividade).
Apesar de, como deixado claro no inicio desse capítulo, o objetivo não ser
estabelecer o setting para uma psicanálise, e sim construir possibilidades de um melhor
convívio com os próprios desejos, além de dar vazão a re-significações, analisar a
transferência nas sessões numa perspectiva psicanalítica é fundamental. Esse manejo
39
pode também mostrar a atenção do terapeuta aos processos inconscientes do sujeito em
atendimento.
O que salientamos é que Carlos, ao repetir a hostilidade, pareceu transferir ao
terapeuta os sentimentos ambivalentes destinados à mãe. Quando, então, pudemos
construir uma interpretação – não direta, mas na ordem da contra-transferência –
podemos situar as diversas figuras simbólicas nos distintos lugares. Ou seja, foi chegada
a conclusão que ali quem estava era o terapeuta, não a mãe.
Assim, fica claro que o nosso manejo não visa o estabelecimento da análise
através da transferência posta, mas da manobra (no bom sentido) da transferência
enquanto aliada para se conseguir trilhar entender os próprios desejos, frutos de
dinâmicas inconscientes.
Myriam Fernández (2005) comenta que quando acontece a constatação por parte
do sujeito em terapia de que “não há que esperar do analista respostas sobre questões
que são suas, que ele mesmo terá que construí-las, embora necessitando do analista
como causa e testemunha do seu trabalho. Há agora uma transferência instaurada;”,
assim, de fato, “começou uma análise” (p. 55).
Porém para nós, com o foco estabelecido para os atendimentos, ficamos atentos
para o que a mesma autora refere-se também a afetividade envolvida no processo
transferencial: “‘transferência de sentimentos’ se dá no discurso, através da articulação
de significantes – é falando que o analisando se dirige ao analista.” (FERNÁNDEZ,
2005, p.52). Vislumbramos em última instância ao invés de responder diretamente às
perguntas que são formuladas ao terapeuta, questionar o sujeito, “no sentido de que este
mesmo possa se perguntar sobre o que lhe acontece, sobre o que ele próprio tem a ver
com o seu sintoma: Por que faço isso? Por que sinto isso? Afinal, quem sou eu? O que
querem de mim?” (FERNANDEZ, 2005, p.53).
O encontro sétimo parece ter aberto um novo ciclo de conteúdos trabalhados.
Carlos sempre trouxe os conflitos com sua mãe, algumas das vivências da época em que
morou com sua avó – mãe do seu pai – além dos latentes desejos sexuais reprimidos.
Porém a partir daqui podemos dedicar mais energia a essa escuta.
Carlos, à medida que o tempo foi passando, foi se tornando mais disposto a falar,
depois de algumas sessões em que se recusava, e isso facilitou a possibilidade de criar
sentido para a “recaída” que ele estava passando. Ele começa a pensar em refletir sobre
os próprios conflitos de “sua cabeça”. Além dos conflitos de sua casa com mais
40
detalhes: ele começa a pensar no por que gosta e odeia a mãe concomitantemente. E
esse fato, parece ter efeito mais adiante.
De forma muito significativa nesses encontros, sétimo e oitavo, ele começa a
apontar possibilidades de resgate do convívio com os familiares no interior, depois de
indagado sobre os lugares que ele tinha o desejo de ir – antes sempre remetendo-se a
casa e ao CAPS, ou no máximo a igreja.
Aqui já vale retomar um pouco mais sobre os seus conteúdos ambivalentes em
relação à mãe. Carlos, não surpreendentemente, ao trazer suas dinâmicas relacionais,
traz também os “pensamentos ruins” e a influência “do inimigo” em seu
comportamento. A partir dessa consecução de pensamentos repetidos em freqüência nas
sessões começamos a perceber que pode existir mais do que espontânea associação
entre conteúdos.
Sem arriscar “achar”, ou analisar, núcleos de tramas afetivos em que se encontra
Carlos, podemos ao menos notar que ele deseja em sua mãe uma mulher ideal que a ele
se submeta e cuide eternamente, sem se quer poder fazer suas atividades rotineiras,
como ir à igreja. Ao mesmo tempo a mãe de Carlos o desaponta várias vezes. Os relatos
de xingamentos são constantes e o aparente desejo de livrar-se dele, “garoto doente”, o
ofende. Ofende a ponto de colocar esse amor em xeque.
Assim também foi a dinâmica relacional com o seu avô falecido. Carlos guarda
dele boas lembranças. Porém essa é uma construção recente, feita nas últimas sessões.
Nos atendimentos iniciais, a imagem do avô era trazida com afetos negativos, e apesar
de não termos trabalhado especificamente o conteúdo de disputa por sua mãe, Carlos
apresentou notórios discursos em outras atividades sobre o sentimento por seu avô.
Nas últimas sessões de atendimentos13 foram trabalhadas questões acerca das
implicações de suas ações (p. ex. pensamentos de destrutividade, auto-agressividade,
hetero-agressividade) não como confrontações racionais, mas na perspectiva dos
próprios desejos em jogos nessas situações. Objetivou-se, assim, a criação de sentido
para o que pode, aparentemente, não ter sentido na dinâmica inconsciente dos seus
pensamentos “proibidos”.
Carlos também ventilou nos últimos atendimentos a possibilidade de cooperação
nas atividades domésticas, pensamento que nunca acontecera nem nas atividades
13 Vale dizer que ao fim do estágio, os atendimentos de conclusão de tratamento ainda permaneceram, mas como já supracitado com objetivos específicos e claros.
41
grupais em que participara. Assim, (re)habilitação pôde ser iniciada enquanto
possibilidade terapêutica.
Por fim, durante os encontros ele pôde falar abertamente sobre o ódio à mãe,
mas também pelo seu avô. Além disso, ele já pôde remeter-se a esses pensamentos
como seus, atribuindo menos às entidades demoníacas o domínio do seu juízo. Isso
pode ter efeito de permissividade a esses sentimentos reprimidos. Espera-se, e isso não
pertence mais ao terapeuta, mas a vida autônoma de Carlos, que ele crie sentido para as
possibilidades de amar e odiar sua mãe.
iv. A rede - complexidade
As “Reuniões de Família” e do grupo operativo mereceram especial destaque na
construção do caso de Carlos sob vários aspectos, mas com destaque na possibilidade de
articulação de cuidados e re-significação do sofrer de Carlos para a sua mãe e na
construção terapêutica de saídas para conflitos para o próprio usuário.
Nos grupos operativos, Carlos pode entrar em contato com alguns conflitos de
forma mais direta e dentro do próprio grupo era intimado a achar saídas para alguns
problemas, assim como si implicar na temática debatida. Um dos episódios de destaque
se refere ao dia em que o tema discutido centrava-se na infidelidade. Carlos pareceu
sentir o tema muito distante de si fazendo poucas colocações, mas quando o tema foi
extrapolado das relações de traições sexuais para as afetivas e para as traições a si
mesmo por não conseguir seguir os desejos, assim ter de lidar com as frustrações,
Carlos pode expressar seu dilema. Nesse episódio ele começa falando do seu sentimento
depois de ter dito que “minha mãe me traiu” e a partir daí foi convidado a pensar sobre
o que se espera da figura materna e repercussões desses desejos.
Nas reuniões de família a mãe de Carlos pode se integrar ao serviço e a partir daí
ter participação efetiva na dinâmica do serviço. Nesse grupo os conteúdos mais
significativos trabalhados foram as pactuações do não internamento de Carlos, freqüente
demanda de sua fala, e desmistificação da experiência do adoecer de Carlos. Mas
enfaticamente destacamos a possibilidade de reconstrução de história de Carlos. E isso
com importância para a mãe resignificar alguns de seus conflitos com o filho, mas
também como fonte de informações para o terapeuta sobre a história de vida dele.
O atendimento a Carlos, portanto, foi permeado por questões desses grupos e
serviram de contribuição fundamental para o entendimento da singularidade de Carlos.
Assim, o que prezamos nessa dialogicidade entre atendimentos individuais e
42
atendimentos grupais é a possibilidade de entendimento mais rico e conectado a rede de
sentidos do próprio usuário.
O atendimento, como já discutimos acima, não é reparatório, mas sim em rede.
Atendimento conectado com a rede do próprio serviço de saúde e sobretudo com a rede
afetiva que o usuário está imerso. O que se visa é assistência de cuidados integrais e no
sentido de entendimento do significado daquele sofrimento emergente. “O que importa
é a eficácia dialógica-terapêutica da comunicação entre técnico e usuário” (VIEIRA
FILHO & NÓBREGA).
v. Possibilidades?
O que percebemos não é a terapia como mudança de uma estrutura psíquica. Os
objetivos do atendimento no CAPS e especificamente na psicoterapia dizem respeito
muito mais a valorização da singularidade e reconstrução de possibilidades a autonomia.
O entendimento do subjetivo é ferramenta auxiliar para o contexto em que o
contrato terapêutico é permeado pelo institucional. Sobretudo, o espaço da psicoterapia
permite a (re)elaboração de conflitos que podem desencadear numa melhor
resolutividade dos desejos conflitantes, como no caso de Carlos.
Beaklini (2001) traz a construção das normas e ordens para a própria vida como
um símbolo na vida prática do usuário, em que a autonomia vem paulatinamente sendo
reconquistada. Carlos, porém ainda tem muito a construir sobre parâmetros para a sua
própria vida. Normas, inclusive para serem rompidas, ainda estão por vir. O convívio
com sua mãe traz benefícios e acomodações que não o levam a independência.
Mas o espaço psicoterapêutico trouxe benefícios claros e significativos
enfaticamente no que se refere à viabilização e elaboração de planos/ações para a sua
própria trajetória de vida. Carlos põe-se a refletir sobre os próprios desejos, até então
negado não só por problemas inter-relacionais, mas também subjetivos.
Arriscaria dizer que Carlos começa a traçar o caminho de “ser desejante”, menos
coisificado pela doença mental. O caminho é longo, mas a cidadania, que passa pelo
direito ao desejo, é reconstruída processualmente.
vi. sensações
Como este relato também trava um experiência de construção de uma identidade
profissional, aqui a descrição e elaboração de alguns sentimentos vivenciados durante o
atendimento pode enriquecer o estudo clínico e apontar os diversos vieses de análise
susceptíveis nesse estudo.
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Quanto a meu interesse em oferecer esse atendimento, passou desde o
cumprimento de atividade que estava acordada em meu plano de estágio, ao meu desejo
de exercitar o olhar mais voltado à singularidade do sujeito em tratamento psicossocial.
Mas, enfaticamente, o que me motivou a tais atendimentos foi identificação com o
usuário desde o início de sua passagem pelo CAPS.
A sensação de “troca efetiva” era concreta a princípio com a capacidade de falar
da sua vida (respeitada as devidas resistências e limitações do tempo e focalidade dos
nossos encontros), o que não esperávamos, devido a seu aparente déficit intelectivo.
Claramente muito do que se avançou nos atendimentos deve-se a sua disponibilidade de
fala.
Mas foi angustiante o período em que Carlos teve comportamento de
hostilidades no atendimento. Percebi que em alguns momentos o desejo do tratamento
era mais meu que dele e que ele é dono dos desejos dele, ora.
A superação disso, em contra-partida a justa “contra-transferência” me
mobilizou para significar e poder com ele entender o momento. Depois de entendermos
os lugares ali naquele encontro, tanto ele como eu (por que não?) podemos traçar os
caminhos para o futuro, proposta que guiara nossas sessões.
4. APRECIAÇÃO SOBRE O DESENROLAR DAS ATIVIDADES E DOS
DESAFIOS ENFRENTADOS
Nessa etapa articulo criticamente os objetivos iniciais do estágio com as
atividades desenvolvidas, salientando as atividades mais praticadas e justificando as não
desenvolvidas. Também discuto a psicologia nesse serviço, como na prática se organiza
e atua, além das angústias evocadas a partir do estágio, assim como retomo propostas
que podem ser fomentadoras do debate da psicologia aplicada à saúde mental. Por fim,
diante de uma análise da instituição enquanto estagiário, faço apreciação sobre o CAPS
enquanto serviço substitutivo e dispositivo reformista de atenção a usuários em
sofrimento mental.
Vários foram os objetivos específicos da prática no CAPS. Todos, porém,
guiados na premissa de que esse campo de atuação poderia fomentar e viabilizar
conhecimentos teóricos sobre as práticas (sociais) inclusivas no âmbito da psicologia
clínica. Essa referência me fez constatar que o modelo de integralidade do SUS não tem
sido tomado pelos profissionais em saúde mental como parâmetro para as suas atuações.
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Os próprios profissionais apontam para essa deficiência e assumem como ponto
crítico do sistema: a formação para atuação em saúde pública. As políticas de
assistência, não enquanto diretriz do Estado-patrão, mas enquanto norteadoras de
princípios e ação localizadas em um campo teórico-ideológico, não são apropriadas
pelos profissionais que atuam na própria assistência.
A participação em grupos foi de fundamental importância, pois no CAPS essa
atividade ocupa lugar central para ao que se chama de alternativa socioterápica. Assim,
o objetivo da prática psicológica em atividades que compõe a atenção psicossocial foi
apreciado e suscitou a necessidade de estudo e também desenvolvimento de teorias
psicoterápicas específicas conforme o contexto (metodologia) de atuação em grupos
nesse tipo de serviço.
Quando suscito o espaço do grupal enquanto atuação do psicólogo, o que mais
se discute é como se pode trabalhar a demanda do subjetivo nesse campo. O lugar do
subjetivo, como já apontamos, é o diferencial do CAPS em relação ao manicômio,
serviço tutelar.
É o entendimento de que a história de cada um é única e que diante disso a
proposta terapêutica para cada um dos usuários deva ser diferenciada, que reside o olhar
ao singular. A evolução e melhora do ponto de vista clínico-psicológico se dá por
conseqüência com a construção de sentidos para o “adoecimento” ou sofrimento mental
e construção de uma autonomia cidadã como alternativa de subjetividade.
Em minha prática, em especial no decorrer do segundo semestre de estágio, este
atendimento individual pode ser trilhado e construído na prática. Como havia previsto, a
escuta mais sistematizada da demanda individual (apesar de já prioritariamente ser
realizada no grupo) se dá enquanto atuação do Técnico de Referência (TR) do usuário:
assim pude gradativamente construir uma habilidade de escutas e diálogos que visavam
o acolhimento, e então ficar apto ao atendimento individual de cunho psicoterápico.
Obviamente, esses atendimentos marcaram definitivamente o fim do estágio e
propuseram a prática do olhar a singularidade do sujeito em sua rede institucional e
sócio-afetiva.
Mas ao mesmo tempo em que esse olhar marcou a construção do estágio,
observo a dificuldade de implementação do atendimento individual enquanto prática
sistemática no serviço por parte dos técnicos por motivos diversos. Desde ao fator
institucional que aponta para a grande demanda de usuários e falta de técnicos na equipe
quanto ao excesso de tarefas burocrático-administrativas. Este último com especial
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crítica e freqüente reclamações dos técnicos que se vêem engessados em sua prática por
uma demanda institucional.
O que avalio, portanto, dessa conjuntura institucional é o reflexo que tais
comprometimentos de trabalho podem gerar até mesmo nas atividades grupais e nas
escutas individualizadas. A gravidade do fato merece especial destaque por parte de
quem pratica a assistência para, diante da dificuldade, não emaranhar-se nas teias da
aranha da burocratização da clínica.
Outro aspecto também ligado ao fazer clínico que avalio se refere à prática
interdisciplinar. Esta apareceu em meu estágio também como um objetivo almejado.
Essa prática aliada à ação política são árduas e tem como principal meta, como
expressado em dado momento pela supervisora institucional, desconstruir a prática
(mono)disciplinar da psiquiatria calcada no modelo bio-químico (médico) hegemônico.
O espaço em que percebi como típico de uma prática interdisciplinar é o momento das
reuniões técnicas e de supervisão. As reflexões clínicas trazidas pela supervisora sempre
dialogaram propostas clínicas dos diversos profissionais da saúde do CAPS com o
conteúdo subjetivo do usuário. Nela reflete-se a demanda sendo vista do ponto de vista
singular para o coletivo.
Enfim, o CAPS se mostrou campo de treinamento para o posicionamento
clínico, apesar de todas as lacunas ainda existentes na própria formação muitas vezes
não enviesada para os serviços e políticas públicas, pois o posicionamento clínico em
abordagem psicossocial corrobora com a clínica de atenção psicossocial do centro.
Percebi que o conhecimento psicossocial ajuda e referencia o entendimento de
clínica. Abordagem essa que deve levar em consideração e ser agente facilitador dos
diversos enfoques possíveis nas abordagens no serviço.
A perspectiva psicossocial, desta forma, se colocará em prática como um saber
que sempre precisará de reflexão e amadurecimento. Reflexão necessária, pois um
enfoque que leva em conta a multidimensionalidade humana precisa de constante
atualização do que é experiência e sentido de saúde para cada subjetividade. Assim a
concepção objetiva de doença/saúde entendidas como estanques não corrobora com o
processo subjetivo e interacional de saúde que essa perspectiva propõe.
Enfim, pontuo ainda o que considero a crítica mais significativa da prática
observada na instituição nesse primeiro período de estágio. O que sustenta em diversos
momentos o saber-prático dos técnicos da equipe divergente em algumas práticas dos
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objetivos da clínica psicossocial e do entendimento de sujeito que a reforma traz em seu
bojo, é o conceito de doença.
A equipe nos espaços cotidianos e nos grupos (família, saúde e cidadania, entre
outros) trazem a doença como o grande mote do tratamento dos usuários. Assim, a
doença une todos eles ali e justifica a adesão a terapêutica farmacológica, socioterápica,
laborativa. Em alguns espaços é afirmada ao usuário a sua condição enferma (que
remete a passividade) e aos familiares a idéia imperativa de cuidado medicamentoso já
tendo em vista essa condição doente.
O conceito de doença como afirma Basaglia (1991) coloca a pessoa em
sofrimento entre parênteses, e a perspectiva reformista coloca a pessoa em evidência. O
foco se torna a produção de uma subjetividade saudável, além de entendimento do
adoecer como sofrimento mental.
O conceito de sofrimento liberta, enquanto a doença limita. A compreensão do
sofrimento humano a partir das condições e contingências culturais, na construção de
sua personalidade, de sua individualidade crítica, ou da consciência de si (identidade),
que as práticas assistencias na comunidade se legitima.
Na prática no serviço observei, através das discussões em reuniões e
principalmente com as contribuições de quem foi nos locais de moradia do usuário, as
condições (internas e externas) ao homem que o impede de ser sujeito numa
comunidade. Apesar de não ter realizado nenhuma visita a comunidade propriamente
dita – apenas articulei visitas a outros serviços de saúde mental – e isso ter ficado
agendado com a equipe de ação avançada, ainda vejo que nem todos os profissionais se
dispõem a irem à comunidade.
O papel da psicologia, proponho, deve está imbricado no conceito de
comunidade. A inserção do conceito de comunidade na formação para a atuação no
público e no contexto da exclusão social pode fomentar a compreensão da realidade
especifica estudada e implicar o ator (profissional psi) com a mudança social.
“É preciso, para isso, comprometer-se, de início, com a perspectiva de reconhecimento do campo social como espaço de intervenção do psicólogo, tendo em vista que este espaço se constitui num dos determinantes do processo saúde/doença. (...) Se o profissional se retira diante das resistências da sociedade em conviver com a loucura, ele se exime daquilo que representa o grande pilar da luta antimanicomial: a desconstrução do estigma social da doença mental.” (FIGUEIREDO E RODRIGUES, 2004:180)
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Quando aponto para o problema da formação e a carência do discurso
desinstitucionalizante ou de comprometimento com o setor e saúde pública não
queremos chegar à conclusão simplista da culpabilização da instituição formadora ou do
psicólogo no serviço. Queremos sim chamar a atenção que é necessário mudar os
parâmetros da formação para as atuais demandas do psicólogo na sociedade em especial
no serviço público, e também chamar a atenção para que o psicólogo indague a sua
atuação permanentemente.
Nesse estágio avaliamos que o campo exige constante implicação e reflexão
sobre a prática. A saúde mental no paradigma reformista em situação de sensibilização a
quem sofre. É pelo significativo fato das ações influenciarem pessoas e contexto em que
vivem que a reflexão ganha ainda mais importância. Os processos de em Saúde Mental
é algo em constante reconstrução e um paradigma que por si só pressupõe uma
dialogicidade e uma caráter democrático em suas ações, reformulações e
problematizações.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebo que fica a sede e desejo de dar continuidade as ações construídas
(através da aprendizagem característica do estágio) para concretizar atuações e dialogar
possíveis alternativas para os pontos avaliados como críticos no serviço, como já citado,
em um futuro de trabalho esperado.
Ao me colocar nesse papel, não pressuponho que minhas posições são corretas
ou que quem não segue essa postura dita reformista (condizentes epistemologicamente
com as práticas desinstitucionalizantes) são culpados. O círculo vicioso de
culpabilização em nada muda a situação atual do serviço de psicologia nos dispositivos
de saúde comunitário se não assumirmos cada um a própria responsabilidade na
sociedade. As questões sociais/econômicas merecem ações sistemáticas tão complexas
quanto elas são em seus meandros. Para isso devemos nos colocar enquanto
construtores de conhecimento e agentes reflexivos de nossa própria prática.
Ao fim do estágio, a título de conclusão saliento, após tarefa cumprida e com o
permanente olhar crítico a própria atuação, a noção de implicação, agora mais clara. A
partir dessa compreensão que percebi em minha experiência a neutralidade como meta
não só impossível, mas inútil. A implicação, em contrapartida, nos responsabiliza pelas
próprias ações, em detrimento da busca da isenção que retira o aspecto fortemente
influenciador das nossas ações.
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Percebo, por fim, que o compromisso com a mudança social não só não
atrapalha a prática clínica, mas pode auxiliar o Cuidar. A prática implicada é a
ferramenta que nos faz sensível a um compromisso ético com a ciência (psicológica)
que representamos e com as pessoas que nos propomos a oferecer caminhos mais
saudáveis, cidadãos e justos. Reafirmo, a formação implicada, portanto, com a oferta
dessas possibilidades de caminhos passam pela construção de perspectivas que não
distanciem clínica de política, singularidade e coletividade, que revejam a Psicologia
cotidianamente.
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7. RESUMO
No Brasil, as propostas de Reformas Psiquiátricas ao longo dos últimos 30 anos
trouxeram contribuições e pautas para os que lutam pelo direito a saúde digna, assistida,
autônoma e não mais tutelada, outorgada. É nesse contexto que CAPS, campo de meu
estudo e estágio, se constitui enquanto serviço de atenção a saúde mental, no setor
público. Portanto insere-se em um novo contexto sócio-político e ético-cultural de
cuidados ao portador de sofrimento psíquico. Meu estágio teve o objetivo de realizar
atendimentos no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), visando possibilidades
que favoreçam a construção de subjetividades e inserção à cidadania, através de
trabalhos interdisciplinares, socioterápicos e de caráter preventivo em saúde mental.
Diante da especificidade da atuação, no âmbito interdisciplinar da saúde mental,
orientados pelo conceito da desinstitucionalização e princípios da saúde pública,
optamos por abordagem teórico-metodológica que levou em conta à visão de sujeito em
sofrimento e que tenta romper com o conceito de doença nessa dialética. Igualmente,
ressaltamos o valor dado aos “sentidos”, enquanto produção de significados e
compreensão do outro. Assim, a participação das atividades junto aos usuários,
majoritariamente, em grupos foi de fundamental importância, pois no CAPS essa
atividade ocupa lugar central para ao que se chama de alternativa socioterápica. O
atendimento individual interligado a rede de cuidados e exercício da prática
interdisciplinar apareceram em nosso estágio também como um objetivo alcançado, e
explicitado no estudo de caso, fomentando possibilidades de saídas ao sofrimento. O
CAPS, assim, se mostrou campo de atuação para um novo posicionamento clínico na
formação em Psicologia, mesmo diante de algumas lacunas ainda existentes. Por fim,
constato nesse relatório a necessidade de que o campo exige constante implicação e
reflexão sobre a prática, o que nos orienta a uma perspectiva que não distancie Clínica
de Política, Singularidade e Coletividade.