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Brasil – Argentina:

A Visão do Outro

Soberania e Cultura Política

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Ministério das Relações Exteriores

Ministro de Estado

Embaixador Celso Amorim

Secretário-Geral

Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães

Fundação Alexandre de Gusmão - Funag

Presidente

Embaixadora Thereza Maria Machado Quintella

Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - Ipri

Diretora

Embaixadora Heloísa Vilhena de Araujo

Fundação Centro de Estudos Brasileiros - Funceb

Presidente

Monica Hirst

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A Visão do Outro

Soberania e Cultura Política

Carlos Henrique Cardim

Monica HirstOrganizadores

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As idéias, opiniões e propostas apresentadas neste livro são de responsabi-lidade exclusiva dos autores, não expressando, necessariamente, o pensa-mento ou as posições do Ministério das Relações Exteriores (MRE), ou daFundação Alexandre de Gusmão (FUNAG).

Editoração eletrônica e capa: André Luís Pires de Carvalho

Direitos de Publicação reservados ao:

Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais - IPRI

Esplanada dos Ministérios, Bloco “H”, Anexo I, s. 70870.170-900, Brasília - DFTel.: (61) 411.6800/6816Fax: (61) 224.2157www.mre.gov.br/[email protected]

Brasil - Argentina: a Visão do Outro:Soberania e cultura política / Carlos Henrique Cardim,Monica Hirst orgs. - Brasília: IPRI/FUNAG, 2003

ISBN 85-7631-004-X

1. Soberania. 2. Argentina - Política e governo. 2. BrasilPolítica e governo. 3. Argentina - Relações Exteriores -Brasil. 4. Brasil - Relações Exteriores - Argentina. I.Cardim, Carlos Henrique, org. II Hirst, Monica, org. III.Título: A Visão do Outro.

CDU: 341.211(82)

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Sumário

Introdução .................................................................................. 9

Thereza Maria Machado Quintella

Notas Biográficas ................................................................... 13

Sobre a Soberania

I . História

José Carlos Chiaramonte ........................................................... 23La cuestión de la soberanía en la génesis y constitución delEstado Argentino.

Affonso Carlos Marques dos Santos ........................................... 57A construção do Estado Imperial no Brasil: soberania elegitimidade.

II . Economia

Gilberto Dupas ........................................................................ 89Identidade, Soberania e Integração sob o impacto das novastensões econômicas globais.

Roberto Frenkel ..................................................................... 125El costo financiero de la soberanía.

III . Política

Francisco Delich ...................................................................... 143Soberanías acotadas, legitimidades cuestionadas.

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Sobre a Cultura Política

I . História

Luis Alberto Romero................................................................... 161La nueva Argentina y la vieja Argentina. Una mirada al siglo XX.

Jose Murilo de Carvalho.............................................................. 197Política brasileira no século XX: o novo no velho.

Comentários

Boris Fausto ........................................................................... 217

II . Dimensão Econômica

João Paulo de Almeida Magalhães................................................ 221Condições para uma estratégia de desenvolvimentoconjunto do Brasil e Argentina.

Bernardo Kosacoff - Adrián Ramos ............................................. 245El caso Argentino: La desorganización económica actual y laidentificación del sendero de crescimiento.

Comentários

Sergio Besserman Vianna ....................................................... 277

Felipe de la Balze ................................................................... 285

Mônica Baer ........................................................................... 291

III . O Universo Político

José Nun................................................................................... 299El Proceso Democrático en la Argentina

Maria Hermínia Tavares de Almeida............................................ 329A Democracia Brasileira nos anos 90

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Comentários

Walter Costa Porto ................................................................. 344Renato Lessa .......................................................................... 346João Almino de Souza Filho ................................................... 356

Carlos Henrique Cardim ......................................................... 361

IV . Política Externa

Roberto Russell / Juan Tokatlian................................................. 371

El lugar del Brasil en la política exterior argentina:

la visión del otro.

Monica Hirst / Maria Regina Soares de Lima .............................. 405Contexto Internacional, Democracia e Política Externa.

Comentários

Denilde Holzhacker ............................................................... 431

Carlos Perez Llana ................................................................ 434

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É uma grande satisfação para mim fazer a apresentação destevolume, que reúne as contribuições apresentadas em dois semináriosda série Brasil – Argentina: a Visão do Outro, iniciada em maio de1997, e que é uma iniciativa conjunta da Fundación Centro de EstudosBrasileiros (FUNCEB) de Buenos Aires, e do Instituto de Pesquisa deRelações Internacionais (IPRI), da Fundação Alexandre de Gusmão(FUNAG), de Brasília. É política dessas entidades editar os anais dosseminários que promovem, para que fiquem registrados e cheguem aum público mais amplo os excelentes textos especialmente preparadospara eles.

Os intelectuais, por meio da História, revelam-nos o caminho.Não é fácil essa tarefa que lhes cabe e é importante que estejamconscientes do papel fundamental que têm a desempenhar naconstrução das relações entre o Brasil e a Argentina, como tambémfunção de buscar disseminar os resultados do seu esforço de reflexão.

Essa série de seminários tem reunido diplomatas, políticos,cientistas políticos, economistas e historiadores para examinar tanto aevolução de cada um dos dois países, que são irmãos e sócios igualmenteempenhados na conformação de um futuro comum, quanto a história deseu inter-relacionamento. Esse hoje é muito estreito, mas já atravessoufases de dificuldades provocadas por uma rivalidade herdada, ainda noperíodo colonial, das respectivas metrópoles. Como lembra o EmbaixadorSebastião do Rego Barros na apresentação do volume em que estãoreunidos os textos dos três primeiros seminários da série, virou passado

o impulso de rivalidade e diferenciação que caracterizou até meadosda década de 1980 as nossas respectivas histórias nacionais e orelacionamento entre nossos países. Esse impulso, graças à iniciativados presidentes Alfonsín e Sarney, foi substituído por um espírito decooperação, pelo trânsito de pessoais, informações, bens, serviços einvestimentos, por uma atração recíproca, por interesses convergentes epela busca da complementariedade.

Através de um maior conhecimento do outro, procuramos chegarao fortalecimento de uma identidade compartilhada em várias dimensões:

Introdução

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política, econômica, social e cultural. Como disse no primeiro seminárioo vice-ministro argentino Andrés Cisneros: “quando olhamos as coisas daperspectiva aberta pelo Mercosul, começamos a ver que, em muitossentido, o outro somos nós próprios e necessitamos compartilharnossas visões para enriquecer-nos mutuamente.”

O primeiro seminário foi dividido em duas partes: a primeiraem Buenos Aires e a segunda em São Paulo, realizadas ambas em 1997.Nesta etapa analisou-se a Formação da Identidade Nacional nosdois países. O seguinte, ocorrido em 1998, em Buenos Aires, intitulou-seBrasil-Argentina na Transição ao Século XX: da Consolidação das

Nacionalidades à Construção de Projetos Civilizatórios e deuseguimento às reflexões comparativas de caráter histórico.

Na mesma direção orientou-se o seminário de 1999, no Rio deJaneiro, Brasil-Argentina, os Anos 30: Reflexos e Vínculos. Um doscomentários feitos neste seminário e que provocou uma atenção especialfoi feita pelo cientista político Jorge Caldeira, que ao apontar o ineditismodesses encontros de intelectuais para falar um do outro e citando umintelectual uruguaio: “o que se passa aqui é que os políticos fizeram oMercosul e agora nos chamaram para ver como explicar e justificar asações deles.” Qual foi a motivação, e se foi mesmo esta, parece-memenos importante do que o resultado, que tem sido brilhante e decrescente relevância.

No presente volume estão reunidas as contribuiçõesapresentadas nos seminários Brasil-Argentina – A Visão do Outro;

uma Aproximação Interdisciplinária em torno à Questão da

Soberania (Buenos Aires, dezembro de 2002) e A Visão do Outro:

A Cultura Política (Brasília, abril de 2002). Ambos em muitocontribuíram para adensar o nosso conhecimento recíproco e esperoque esta publicação só venha a reforçar estes aspectos.

O presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu segundodiscurso de posse, em 1999, enfatizou o caráter estratégico e de irmandadeprofunda do relacionamento Brasil-Argentina e apontou – como umaobviedade que era importante repetir – o fato de ser o Mercosul a pedrade toque da política externa brasileira. Mantém-se vivo e prioritário noBrasil o propósito de dar prosseguimento à construção da aliança

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estratégica com nossos irmãos e vizinhos argentinos, fator decisivo paraa preservação e o fortelecimento do Mercosul. Para isso recorreremos,quanto e quando necessário, às adaptações criativas a que se temreferido o ministro Celso Lafer em alguns de seus discursos, quandofala dos atuais desafios enfrentados pela Argentina ou da fase difícilque atravessa o Mercosul.

Não pode haver dúvida de que as relações Brasil-Argentina têmimportância única e fundamental para ambos os países e constituem,ainda nas palavras do ministro Celso Lafer, “uma parceria de grandealcance que os fortalece mutuamente, facilita sua inserção no mundoe constitui um dado-chave da estabilidade política e do crescimentoeconômico sustentável da América do Sul.”

Gostaria de terminar com uma nota pessoal e emocionada paralembrar que a Argentina – e mais especificamente a cidade de BahiaBlanca – foi meu primeiro posto diplomático. Nessa cidade portuáriateve o Brasil, até fins dos anos 1960, um pequeno Consulado, que tiveo desafio de chefiar com toda a minha inexperiência e auto-suficiência dejovem diplomata. Primeiro posto é como primeiro amor: uma iniciaçãoque nos marca indelevelmente para toda a vida. Dos dois anos quepassei na Argentina ficou-me muito carinho por aquele país e por sua gentee uma grande confiança no futuro do nosso relacionamento bilateral.

Thereza Maria Machado Quintella

Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão

Brasília, julho de 2002

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NOTAS BIOGRÁFICAS

Afonso Carlos Marques dos Santos

Professor Titular de Teoria e Metodologia da História do Instituto de Filosofia

e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e

Coordenador do PROCULT – Programa de Teoria, Historiografia e História

da Cultura da mesma universidade. Autor, entre outros trabalhos, de “NoRascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro”, “O Rio de Janeiro de Lima Barreto”,“O Paço da Cidade: biografia de um monumento”, “A Academia Imperial de Belas Artese o projeto civilizatório do Império”, “Nação e História: Jules Michelet e a criação daHistória Nacional na França” e “Invenções do Brasil”.

Bernardo Pedro Kosacoff

Argentino, Economista de la Universidad Nacional de Buenos Aires. Director

de la Oficina en Buenos Aires de la CEPAL-Naciones Unidas) . Profesor

titular de Organización Industrial en la Universidad Nacional de Buenos Aires

(desde 1984) y de Política Económica en la Universidad Nacional de Quilmes

(desde 1993). Presidente del Instituto Desarrollo Econômico y Social (IDES).

(desde 1999).

Boris Fausto

Professor aposentado do Departamento de Ciência Política da Universidade

de São Paulo e presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Análise de

Conjuntura Internacional (Gacint) da mesma Universidade. Entre suas obras

mais recentes, encontram-se “Negócios e ócios - Histórias da imigração”;

“História do Brasil” e “O pensamento autoritário brasileiro”.

Carlos Pérez LLana

Profesor de “Relaciones Internacionales Contemporáneas”. Maestría de

posgrado en RR.II. Universidad T. Di Tella. Profesor de “Relaciones

Internacionales” y “Agenda Internacional”.

Universidad de San Andrés. Ex-Embajador de la Rep.Argentina en Francia

( 2000-2002 ) Último libro: “El Regreso de la Historia. La política internacional

de la posguerra fría”. Editorial Sudamericana. Bs.As, 1998. Último artículo:

“Argentina: destination Mercosur”. Politique Internationale; nª 95 - printemps

2002. Paris, 2002.

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Denilde Holzhacker

Pesquisador no Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade

de São Paulo. Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo,

2001. Doutoranda do Departamento de Ciências Políticas da USP, com

trabalho sobre as Percepções das Elites e da Opinião Pública sobre a Política

Externa Brasileira.

Felipe De la Balze

Académico, empresario y especialista en temas internacionales. Secretario

General del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI).

Ha publicado numerosos libros entre los que se incluyen recientemente, “El

Futuro del Mercosur. Entre la Retórica y el Realismo”, CARI, Buenos Aires;

“The Remaking of the Argentine Economy” con el Council of Foreign

Relations de Nueva York y ha sido coautor de “Paths to Regional Integration.

The Case of Mercosur”, Woodrow Wilson International Center for Scholars.

Autor, asimismo, de numerosos artículos sobre la inserción de la Argentina en

la economía y la política internacional, publicados en revistas internacionales

como Foreign Affairs (USA), Foreign Affairs (Español), Internationale Politik

(Alemania), Politica Internazionale (Italia) y Archivos del Presente (Argentina).

Profesor de Economía Internacional en el Instituto del Servicio Exterior del

Ministerio de Relaciones Exteriores, en el Curso Superior del Estado Mayor

Conjunto de las Fuerzas Armadas, en FLACSO (Fundación Latinoamericana

de Ciencias Sociales) y en la Universidad Torcuato Di Tella.

Francisco Delich

Se graduó como Abogado en 1961 en la Facultad de Derecho de la Universidad

Nacional de Córdoba. Diploma en Economía y Sociología de la Universidad

de París, junio de 1964. Doctor en Derecho y Ciencias Sociales, Universidad

Nacional de Córdoba, agosto de 1968. Doctor Honoris Causa de la

Universidad Mayor de San Marcos, Lima, Perú (1991). Doctor Honoris Causa

de la Universidad de Nottingham, Inglaterra (1993). Doctor Honoris Causa

de la Soka University de Tokio, Japón (1994). Elegido miembro del Consejo

Superior de la Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales. Período 1996-

2004.Director de la Biblioteca Nacional 2000 – 2004 Director de la Carrera

de Sociología de la Universidad Siglo 21desde marzo de 2002.

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Gilberto Dupas

Coordenador geral do Grupo de Conjuntura Internacional(GACINT - Uni-

versidade de São Paulo), presidente do Instituto de Estudos Econômicos e

Internacionais - IEEI, ex-membro do Conselho Deliberativo do Instituto de

Estudos Avançados (IEA - USP) e professor da FDC junto ao European

Institute of Business Administration - Insead (França) e à Northwestern

University - Kellogg (EUA). Autor, entre outros livros, de “Crise Econômica

e transição democrática”, “Alca e os interesses do Mercosul”, “Economia glo-

bal e exclusão social”, “Ética e poder na sociedade da informação” e de

“Hegemonia, Estado e Governabilidade”.

João Almino de Souza Filho

Diplomata e escritor. Entre seus livros se incluem, na ficção, A Trilogia de Brasília,integrada pelos romances Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo, Samba-Enredoe As Cinco Estações do Amor, e, na não-ficção, Os Democratas Autoritários, A Idadedo Presente, Era uma vez uma Constituinte, O Segredo e a Informação, Naturezas Mortase Brasil/EUA Balanço poético. Doutor pela École des Hautes Etudes en Sciences

Sociales (Paris), foi professor da UNAM (México), da UnB e das Universida-

des de Berkeley e de Stanford. Foi Conselheiro na Embaixada do Brasil em

Washington, Cônsul-Geral em São Francisco e Lisboa, Ministro-Conselheiro

em Londres e é Diretor do Instituto Rio Branco.

João Paulo de Almeida Magalhães

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro –

1950. Doutor em Ciências Econômicas ( doutorado de estado ) Universidade

de Paris I –1953. Livre docente de Economia Política da Universidade de São

Paulo – 1958. Professor Titular de Economia da Universidade Federal do

Rio de Janeiro 1964. Professor Titular de Economia da Universidade do Es-

tado do Rio de Janeiro 1994. Economista –chefe do Núcleo de Planejamento

Econômico do Governo Jânio Quadros 1961. Membro do Comitê de Peri-

tos da Aliança para o Progresso -1967. Presidente do Instituto de Economia

do Rio de Janeiro 1998. Coordenador da Comissão de Política Econômica

do Conselho Federal de Economia 2003

José Carlos Chiaramonte

Profesor Honorario de la Universidad de Buenos Aires; Director del Instituto

de Historia Argentina y Americana “Dr. Emilio Ravignani”de la Facultad de

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Filosofía y Letras de la misma Universidad; Investigador del Consejo Nacional

de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET).

Entre otros trabajos, autor de: Nacionalismo y liberalismo económicos en Argentina,1860-1880, Buenos Aires, Solar-Hachette, 1970; Formas de sociedad y economía enHispanoamérica, México, Grijalbo, 1983; La Ilustración en el Río de la Plata, Culturaeclesiástica y cultura laica durante el Virreinato, Buenos Aires, Punto Sur, 1989;

Mercaderes del Litoral, Buenos Aires, F.C.E., 1991; Ciudades, provincias, Estados:Orígenes de la nación argentina (1800-1846), Buenos Aires, 1997.

José Murilo de Carvalho

Doutor em Ciências Políticas (Universidade de Stanford), professor titular de

História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seu último livro

publicado é ‘‘Cidadania no Brasil. O longo caminho”.

José Nun

Director del Instituto de Altos Estudios Sociales de la Universidad Nacional

de General San Martín e Investigador Principal del CONICET. Entre sus

principales libros se cuentan: América Latina - La crisis hegemónica y el golpe

militar; La rebelión del coro - Ensayos sobre la racionalidad política y el

sentido común; Ensayos sobre la transición democrática en la Argentina (con

Juan C. Portantiero); Crisis económica y despidos en masa; Marginalidad y

exclusión social; Averiguación sobre algunos significados del peronismo;

Democracia: ¿gobierno del pueblo o gobierno de los políticos?; El gobierno

de Alfonsín y las corporaciones agrarias (con Mario Lattuada).

Juan Gabriel Tokatlian

Director de Ciencia Política y Relaciones Internacionales de la Universidad de

San Andrés (Victoria, Provincia de Buenos Aires, Argentina). Fue Profesor

Asociado (1995-1998) de la Universidad Nacional de Colombia (Bogotá),

donde se desempeñó como investigador principal del Instituto de Estudios

Políticos y Relaciones Internacionales (IEPRI). Fue co-fundador (1982) y

director (1987-94) del Centro de Estudios Internacionales (CEI) de la

Universidad de los Andes (Bogotá).

Luis Alberto Romero

Investigador Principal del CONICET. Profesor de la Universidad de Buenos

Aires y de la Maestría en Ciencias Sociales de la Facultad Latinoamericana de

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Ciencias Sociales Recientemente ha publicado “Sectores populares, cultura y

política: Buenos Aires en la entreguerra” (con Leandro H. Gutiérrez, 1995),

“Qué hacer con los pobres. Elite y sectores populares en Santiago de Chile en

el siglo XIX” (1996), “Argentina. Crónica total del siglo XX” (2000), “Buenos

Aires, historia de cuatro siglos” (2da edición, 2000), y “Breve historia

contemporánea de la Argentina” (2da ed. 2001) y “A History of Argentina in

the Twentieth Century.” The Pennsylvania State University Press, Pennsylvania,

2002. Dirige la colección “Historia y cultura”.

Maria Hermínia Tavares de Almeida

Professora titular do Departamento de Ciência Política da Universidade de

São Paulo, membro do Comitê Executivo da Latin American Studies

Association (LASA), do Conselho Superior da CAPES, do Comitê de Ciênci-

as Humanas e Sociais da Fapesp e do Comitê Acadêmico da Associação Na-

cional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS). Foi Tinker

Visiting Professor na Stanford University. Autora do livro “Crise econômica e

interesses organizados” e de artigos sobre políticas públicas no Brasil.

Maria Regina Soares de Lima

Professora titular e pesquisadora do IUPERJ e professora do Instituto de

Relações internacionais (IRI) na PUC-Rio. Autora de vários ensaios críticos e

trabalhos de pesquisa sobre política externa em revistas especioalizadas.

Monica Baer

Sócia-Diretora da MB Associados, empresa de consultoria especializada em

análises macroeconômica e setorial, ex-Professora-Doutora do Instituto de

Economia da Universidade de Campinas/UNICAMP, foi pesquisadora do

CIDE e do CEBRAP, exerceu cargos junto às Secretarias de Planejamento de

São Paulo e do Rio de Janeiro e junto à Secretaria de Política Econômica do

Ministério da Fazenda, prestou serviços de consultoria a vários órgãos

internacionais e regionais como PNUD, ALADI, ILPES/CEPAL e SELA.

Tem vários artigos e trabalhos publicados sobre questões financeiras

internacionais e economia brasileira, destacando-se os livros, “Políticas globales

en el capitalismo”, “A internacionalização financeira no Brasil”, “Fundo

Monetário Internacional e Banco Mundial - Estratégias e políticas do poder

financeiro”, “Rumo perdido - A crise fiscal e financeira do Estado Brasileiro”.

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Monica Hirst

Directora Ejecutiva de la Fundación Centro de Estudos Brasileiros (FUNCEB),

Profesora en la Universidad Torcuato Di Tella y en el Instituto del Servicio

Exterior de la Nación (ISEN). Autora de libros y trabajos sobre las relaciones

internacionales de América Latina, con especialización en el Mercosur; la Política

Exterior de Brasil; Integración Regional; y Cuestiones de Seguridad

Internacional.

Renato Lessa

Professor titular de Ciência Política no Iuperj e na Universidade Federal

Fluminense. Foi professor visitante em diversas instituições nacionais e interna-

cionais, tais como a Universidade de São Paulo, The Queen’s University of

Belfast (Irlanda do Norte), Universidad de la Republica (Uruguai) e The

American University (Washington, DC). De 1997 a 2000 ocupou a Secretaria

Executiva da Associação Brasileira de Ciência Política. No ano de 2002 foi

presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

(FAPERJ). Desde 1999 pertence ao Conselho da Sociedade Brasileira para o

Progresso da Ciência (SBPC). Assessor especial da Fundação de Amparo à

Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no programa de implantação e

acompanhamento dos Núcleos de Pesquisa, Inovação e Difusão e membro

do Conselho do Programa de Estudos Judaicos da UERJ e do Núcleo de

Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra.

Roberto Frenkel

Miembro de la Task Force on Capital Market Liberalization, coordinada por

Joe Stiglitz y José Antonio Ocampo. Initiatives for Policy Dialogue, University

of Columbia, New York (desde mayo 2002). Director del Banco de la

Provincia de Buenos Aires (desde diciembre 1999). Investigador Titular en el

Centro de Estudios de Estado y Sociedad (CEDES), Argentina (desde 1977).

Director del Programa de Especialización en Mercado de Capitales. Convenio

UBA – MERVAL – Bolsa de Comercio de Buenos Aires (desde 1991).

Profesor de la Maestría en Economía, Facultad de Ciencias Económicas,

Universidad de Buenos Aires (desde 1993).

Roberto Russell

Director de la Maestría en Estudios Internacionales de la Universidad Torcuato

Di Tella y profesor del Instituto del Servicio Exterior de la Nación, Buenos

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Aires, Argentina. Ha escrito extensivamente sobre Teoría de las Relaciones

Internacionales, Relaciones Internacionales de América Latina y Política Exterior

Argentina. Su último libro, junto a Deborah Norden es The United States and

Argentina: Changing Relations in a Changing World, Nueva York-Londres:

Routledge, 2002.

Sergio Besserman Vianna

Presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE e da

Conferência Estatísticas das Américas. Foi Diretor de Planejamento do Banco

Nacional de Desenvolvimento Economico e Social. Autor do livro Política

Ecônomica no Segundo Governo Vargas - (1951-1954) e publicou diversos

ensaios sobre Globalização e Desenvolvimento Sustentável.

Walter Costa Porto

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília. Foi Ministro

do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Autor de vários livros entre os quais “O

Voto no Brasil” e “Dicionário do Voto”.

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SOBRE A SOBERANIA

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LA CUESTIÓN DE LA SOBERANÍA EN LA GÉNESIS Y CONSTITUCIÓN

DEL ESTADO ARGENTINO

José Carlos Chiaramonte1

¿QUÉ FUE ANTES, LAS PROVINCIAS O LA NACIÓN?

La cuestión de qué fue anterior, la nación o las provincias, eltodo o las partes, ha sido un problema delicado para la historia consti-tucional argentina, particularmente porque de la respuesta dada a lamisma se podía fundar, o negar, el derecho de cada parte a separarsedel conjunto. Se trataba de un riesgo muy sensible en el siglo XIX, talcomo lo mostraron, entre otros incidentes, la segregación de BuenosAires en 1852 y los sucesos del 80, así como también lo avivaba elejemplo de un conflicto exterior, el de la guerra civil norteamericana.Ese riesgo se había desvanecido ya en el siglo actual, pero sus efectoscondicionantes en el constitucionalismo argentino seguían vigentes.2

El problema provenía de que tanto la preexistencia de lasprovincias con anterioridad a la constitución de 1853, como suparticipación en calidad de entidades soberanas en el Acuerdo de SanNicolás, en 1852 _y fue en toda esa década Buenos Aires la más aferra-da a su condición de Estado independiente y soberano_, no podían serignoradas fácilmente. De modo que conciliar esa realidad con el princi-pio constitucional de que la nación argentina está formada por un con-junto de provincias que son producto de ella y que sólo ejercen ciertasatribuciones soberanas que, a través de la constitución, la nación les haconcedido, no era cosa sencilla.

La voluntad de «poner» la nación ab initio ha sido fuerte en losconstitucionalistas, que unen así el recurso convencional propio del1Agradezco las observaciones de los investigadores del Instituto, Nora Souto, Pablo Buchbinder

y Roberto Di Stefano, así como también los comentarios de Alfonso Marques dos Santos, Hilda

Sábato, y demás participantes del Simposio.

2 Problema no ajeno tampoco al caso del Brasil. Véase un reciente reexamen en Manuel Correia

de Andrade, As raízes do separatismo no Brasil, São Paulo, Unesp/Educ, 1999.

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régimen representativo liberal de imputar la soberanía a un sujeto dederecho político denominado nación, con un supuesto histórico discutible.Tal como se observa en este texto de uno de los más importantesconstitucionalistas argentinos contemporáneos, Carlos Sánchez Viamonte:

«...en el proceso histórico, las provincias son anteriores a laConstitución de 1853, pero posteriores a la existencia de la NaciónArgentina, nacida de la Revolución de 1810 y con plena independenciay soberanía desde 1816.»3

Y más claramente en el siguiente:

“La NaciónArgentina había comenzado por ser una unidad enla Colonia, durante el Virreinato, y siguió siendo así después de laRevolución de Mayo [...] las provincias no actuaron nunca como Esta-dos soberanos independientes, sino como entidades creadas dentro dela Nación y como partes integrantes de la misma, circunstancialmenteafectadas por conflictos internos.”4

El argumento adoptado en la historiografía respectiva con mayorfrecuencia para justificar la preexistencia de la nación es, así, suponerladesde al menos el momento inicial del proceso de Independencia.5 Lamisma tesis es recogida más recientemente por otro destacadoconstitucionalista, quien sostiene que mientras en EE. UU. laconfederación unió a colonias independientes, en Argentina el procesocomenzó con

3 Cit. en Jorge R. Vanossi, Situación actual del federalismo, Buenos Aires, Depalma, 1964, pág. 11.

Según la constitución argentina, las provincias están subordinadas a la voluntad soberana de

todo el pueblo cuando éste opera como poder constituyente. En este sentido la fórmula de una

sentencia del chief justice Chase, pronunciada con motivo del caso «Texas v. White», por la cual

el Estado federal es «una unión indestructible de Estados indestructibles», no es aplicable al caso

argentino, según Sanchez Viamonte, quien sostiene que las provincias no son destructibles para

el gobierno ordinario, pero sí para la voluntad constituyente del pueblo de la Nación Argentina:

Jorge R. Vanossi, «La influencia de la constitución de los Estados Unidos de Norteamérica en la

Constitución de la República Argentina», Revista Jurídica de San Isidro, Diciembre 1976, pág. 18.

4 Carlos Sánchez Viamonte, Historia Institucional Argentina, Segunda edición, México, F. C. E.,

1957, págs. 196 y 197 [la primera edición es de 1948]

5 Un punto de vista parcialmente diferente es el de Germán J. Bidart Campos, que observa la

inexistencia de una nacionalidad argentina en 1810, aunque la supone preexistente al acto

constitucional de 1853. Germán J. Bidart Campos, Historia Política y Constitucional Argentina, 3

tomos, Buenos Aires, EDIAR, 1976, t. III, págs. 134 y 139.

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«...una entidad nacional única, heredera del virreinato, que luegode atravesar por un largo período de anarquía y desorganización, devino

en la forma constitucional descentralizante de 1853/1860.»6

Si las provincias que concurrieron al nacimiento del actual Es-tado nacional argentino en 1853 eran Estados independientes y sobe-ranos que pactaban su fusión en un Estado federal o sólo eran partesremanentes de una nación previa que se había disgregado luego de 1810o 1819 y que desde entonces habían intentado reunirse sin éxito, con-forma un problema de capital importancia, no sólo para el derechoconstitucional sino también para la historia rioplatense del siglo XIX.Pues también entre los historiadores ha sido preocupación predomi-nante. Un excelente ejemplo de las tesis sobre la existencia de la naciónen 1810, así como una muestra bastante traslúcida de la voluntadcreadora del mito, los ofrece la Historia del Derecho Argentino de RicardoLevene. Especialmente desde su primera página, en la que afirma laexistencia de un “Derecho Patrio” que si bien se desprende del DerechoIndiano, «...desde sus orígenes es vertebral, formativo de una nacionali-dad y no un derecho intermedio al decir de Alberdi, como si carecierade naturaleza propia.» [Derecho intermedio: el francés que va de 1789al Código de Napoleón de 1804] Se trata en cambio de un «DerechoPatrio Argentino» precodificado, antes de 1853, y codificado luego deesa fecha. El Derecho Patrio Precodificado corresponde

«...a un período nuevo que se inicia con la Revolución de 1810,cuyo plan consistió en fundar la Independencia de una Nación,convirtiendo el vínculo jurídico del vasallaje en el del ciudadano queintegra la soberanía, y que además de la Independencia, organizaba laRepública democrática...»7

Nuestro criterio es que lo que puede considerarse una “ficción”jurídica, en el sentido de una convención aceptada como un postulado6 Jorge R. Vanossi, Situación actual del federalismo, Buenos Aires, Depalma, 1964, pág. 11.

7 Ricardo Levene, Historia del Derecho Argentino, Tomo IV, (desde la Revolución de Mayo a la

Asamblea de 1813-15), Buenos Aires, Kraft, 1948, págs. 11 y 12. Sobre la formación de la

historiografía constitucional argentina, véase José Carlos Chiaramonte y Pablo Buchbinder,

«Provincias, caudillos, nación y la historiografía constitucionalista argentina, 1853-1930», Anua-rio IHES, Instituto de Estudios Histórico-Sociales, Universidad del Centro de la Provincia de Buenos

Aires, Nº 7, 1992.

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para la organización de un Estado, ha sido convertida en una tesishistoriográfica que vela la comprensión del proceso abierto por laIndependencia. La comentada tesis constitucional no coincide con lorealmente ocurrido en el proceso de organización estatal rioplatense,cuando las primeras entidades soberanas fueron posteriores a 1810 yconsistieron en las ciudades con Ayuntamiento. Posteriormente, seconvirtieron en cabeceras de provincias, las que tratarían de organizarsecomo Estados soberanos e independientes y actuarían en calidad detales, independientemente del mayor o menor logro de esos intentos deorganización estatal, de dispares resultados en el conjunto rioplatense.8

La cuestión de qué fue antes, la provincia o la nación, es deespecial interés y es útil observar, según veremos más adelante, cómose instaló también en el debate constitucional norteamericano porque,como ya advertimos, de la forma en cómo se la resuelva depende laposibilidad de una mejor comprensión del proceso histórico que va de1810 a 1853. Pero para un examen no anacrónico del problema en estecaso, no anacrónico retrospectivamente, en el sentido de no proyectarsobre el pasado la imagen de nuestros conflictos contemporáneos, esimprescindible advertir que el conflicto y su interpretación giransustancialmente en torno al concepto de soberanía y al general predominiodel derecho natural y de gentes como fundamento de las ideas y prácticaspolíticas de la época.9

Al respecto, y antes de continuar con lo ocurrido en el Río de laPlata en la primera mitad del siglo XIX, creo oportuno efectuar algunasconsideraciones sobre la historia de la noción de soberanía, no con elpropósito de discutir la teoría al respecto, cosa ajena al propósito deeste trabajo, sino para comprender mejor las modalidades de su uso de

8 Véase, al respecto, nuestros trabajos «El federalismo argentino en la primera mitad del siglo

XIX» , en Marcello Carmagnani (comp.), Federalismos latinoamericanos: México/Brasil/Argentina,

México, El Colegio de México/F.C.E., 1993, y Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la naciónargentina (1800-1846), Buenos Aires, Ariel, 1997.

9 Respecto de la función del Iusnaturalismo como fundamento de la política del período y no

como mero capítulo de la historia del derecho, véanse nuestros trabajos «La formación de los

Estados nacionales en Iberoamérica», Boletín del Instituto de Historia Argentina y Americana «Dr.Emilio Ravignani», 3a. Serie, No. 15, Buenos Aires, 1997, y “Fundamentos iusnaturalistas de los

movimientos de independencia”, Congreso Internacional “Los Procesos de Independencia en la

América Española”, Instituto Nacional de Antropología e Historia/El Colegio de Michoacán;

Morelia, Mich., México, 1999, en prensa en las actas del Congeso.

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10 Joaquín Varela Suanzes-Carpegna, La teoría del Estado en los orígenes del constitucionalismo hispánico(Las Cortes de Cádiz), Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1983, págs. 66 y 67.11 Pedro Bravo Gala, «Estudio Preliminar», en J. Bodin, Los seis libros de la república, Madrid,

Tecnos, 1985, pág. LVII.

época, algo imprescindible para la inteligencia de la historia de laorganización del Estado nacional argentino.

LA NOCIÓN DE SOBERANÍA EN EL DERECHO DE GENTES

Se ha señalado que una diferencia sustancial entre las doctrinasescolástica y moderna sobre el origen y naturaleza del poder, es quepara la primera existe un dualismo en la concepción de la soberanía,una soberanía radical y otra derivada. La doctrina escolástica suponeque el dualismo comunidad/príncipe (ateniéndonos a una de las tresformas de gobierno definida ya por Aristóteles, la monarquía) subsisteluego del traspaso del poder, lo que se refleja en otro dualismo, el de unpoder originario o virtual de la comunidad, y un poder en función, eldel príncipe. Estas dos consecuencias son comunes a todas las varian-tes de las doctrinas pactistas de la Escolástica, pero mientras en Suárezo Vitoria, una vez transferido el poder al príncipe la comunidad carecíaenteramente de él mientras no lo recobrase por razones de excepcióncomo la tiranía del príncipe en Mariana y otros autores «el poder seguiríaconjuntamente en ambos», lo que daba lugar a la concepción de unejercicio de la soberanía conjunto por “rey y reino”, fórmula que, sibien no exitosa en España, tendría buena acogida en los mediosautonomistas iberoamericanos antes de las independencias, pero queimplicaba una contradicción con la doctrina de la indivisibilidad de lasoberanía, que Bodino y otros autores modernos encarecían como fun-damento imprescindible del Estado.10

En cuanto respecta a la noción de soberanía, podrían encontrarseantecedentes, antes de Bodino, en conceptos políticos formulados enlos siglos XII en adelante, pues se ha advertido que ya entonces seusaba el término, aunque no totalmente en el mismo sentido con quese lo emplearía luego, o se utilizaban conceptos que como los de auctoritas

y potestas contienen algunas de las notas posteriormente propias delconcepto de soberanía.11 Pero en su uso actual, el concepto se acuña en

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el siglo XVI para dar cuenta del ejercicio del poder político en un con-texto que niega el poder de las dos grandes potencias universales de laEdad Media, la Iglesia y el Imperio. Ejercicio del poder político, estoes, del poder del Estado otro concepto acuñado en el mismo siglo_entendido como supremo poder de mando, no sometido a ningún otroy no eludido por ningún individuo, grupo o corporación del territorioen que se ejerce. Un concepto, el de soberanía, que tiene asimismo,como una de sus funciones fundamentales, la de conciliar poder yderecho, esto es, la de proporcionar legitimidad al monopolio de la fuerzacaracterístico del concepto del Estado moderno.

Para el propósito de indagar los fundamentos de las tendenciascentralistas y confederales en la historia iberoamericana, es útil recor-dar que Bodino puede ser considerado, efectivamente, punto inicial dela tendencia moderna a fundar la estabilidad y éxito de un Estado en launidad e indivisibilidad de la soberanía, mientras Altusio lo sería de laopuesta concepción de la coexistencia de distintos poderes soberanosen el marco de una misma asociación política. Pues uno de los proble-mas centrales del concepto de soberanía era el de su unidad. Frente alas doctrinas del Estado mixto, de antigua data, que hacían centro en lanecesidad del consenso de los grupos intermedios de la sociedad feu-dal para la legislación, y que tendrá en Altusio (1557-1638) un nuevo yfuerte partidario, la que habrá de ser considerada doctrina moderna delEstado tuvo en juristas como Bodino (c. 1530-1596) una radicalafirmación de la indivisibilidad de la soberanía.12

El objetivo de dotar a la monarquía de todo el poder necesariopara instaurar un orden de concordia y justicia, que Bodino juzgaba nopodían alcanzar los grupos sociales intermedios, lo llevaba a atacar lospoderes feudales y estamentales y a acentuar el del príncipe, de unaforma que no estuviese trabado por ninguna clase de fiscalización. Enotros términos, como efecto de la ruptura de un orden social basado en

12 Bodino hacía pie en una tradición cristiana que se remonta a los Papas Bonifacio VIII e

Inocencio IV, a quien Bodino elogia: «Tras su rigurosa construcción lógica de la soberanía, está

presente, debidamente secularizada, la vieja teoría política cristiana, de acuerdo a la cual es

preciso reconducir la diversidad del orden jurídico a la unidad (omnis multitudo derivat ab uno),según la forma en que ha sido expuesta por Bonifacio VIII e Inocencio IV, a quien Bodino, poco

amigo de prodigar elogios, se refiere, sin embargo, como celui qui a mieux entendu que c’est depuissance absolue.» P. B. Gala, ob. cit., pág. LVIII.

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las relaciones de dependencia personal entre señores y vasallos, laimputación de la obligación política era desplazada de los poderesintermedios (señores, Iglesia, ciudades, corporaciones varias...) al Es-tado, cuyo poder excluyente, manifestado a través de las leyes, es loque denomina Bodino soberanía.13

El concepto de la unidad de la soberanía llevaba a Bodino acondenar sin atenuantes la forma del Estado mixto:

“Si la soberanía es indivisible, como hemos demostrado, ¿cómose podría dividir entre un príncipe, los señores y el pueblo a un mismotiempo? Si el principal atributo de la soberanía consiste en dar ley a lossúbditos, ¿qué súbditos obedecerán, si también ellos tienen poder dehacer la ley? ¿Quién podrá hacer la ley, si está constreñido a recibirla deaquellos mismos a quienes se da?”14

Pero mientras Bodino se empeñaba en asentar el poder absolu-to, de una forma que, sustancialmente, prevalecería en la historia de lasmonarquías de la Europa continental, el proceso inglés se encaminabahacia otra forma de ejercicio de la soberanía, más cercana a la antiguanoción del Estado mixto. Pues a diferencia de lo ocurrido en monarquíascomo la francesa y española, en las que la soberanía se imputaría a lapersona del monarca, en la Inglaterra de fines del siglo XVI, a partir deantecedentes medievales, se terminó de formular la doctrina de lasoberanía del Parlamento al atribuírsele la capacidad de aprobar leyes ras-go esencial de la soberanía según Bodino.15

En opinión de los partidarios de imputar la soberanía al Parla-mento, en Inglaterra la corona estaba sometida al derecho que ella mismahabía establecido de consuno con aquél y según el cual, por ejemplo, se

13 “En este proceso de objetivación del poder, el concepto de soberanía se reveló como el

instrumento adecuado para la integración de los poderes feudales y estamentales en una unidad

superior, el Estado. Ahora bien, en la medida en que la soberanía aparece necesariamente

vinculada a su titular, éste se identificó con el Estado, pues sólo a través de él cobra el Estado

realidad.» Id., págs. LIV y LV.

14 J. Bodin, ob. cit., Libro Segundo, Cap. I, pág. 89.

15 Joaquín Varela Suanzes-Carpegna, “La soberanía en la doctrina británica (de Bracton a Dicey)”,

en Fundamentos, Cuadernos Monográficos de Teoría del Estado, Derecho Público e Historia Constitucional,1/1998, Soberanía y Constitución, Oviedo, Instituto de Estudios Parlamentarios Europeos de la

Junta General del Principado de Asturias, 1998.

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requería el consentimiento del mismo para aprobar impuestos. Es ciertoque la monarquía dualista estamental también existía en la Europacontinental, como en Francia y en España. Pero en Francia los Esta-dos Generales dejaron de convocarse en 1614. Y en España, dondelas Cortes de Castilla y las de León había surgido casi cien años antesque el Parlamento inglés, durante los siglos XVI y XVII la soberaníase imputó al monarca y las Cortes fueron prácticamente neutraliza-das. En Castilla, luego de 1538, debido al rechazo de los nobles a unimpuesto que pretendía establecer el rey, éste excluyó a la nobleza yal clero de la convocatoria a Cortes. Las Cortes de Castilla quedaronasí integradas por los representantes de las pocas ciudades (fuerondieciocho) con voto en Cortes, las que entendiendo que esarepresentación conformaba un privilegio, no la compartían con otrasciudades. En cambio, en Inglaterra las cámaras de los lores y loscomunes fueron activos protagonistas políticos, aún frente al parale-lo fortalecimiento de la monarquía.

Por otra parte, es de interés notar que la tendencia absolutistaen el continente se apoyó en algunas normas del derecho romano y delderecho canónico, que favorecían la interpretación de la monarquíacomo creadora de la ley en vez de órgano sujeto a ella. Mientras que, encambio, en Inglaterra -no así en Escocia, la circunstancia de que lainfluencia del derecho romano había sido menor que en el continenterecuérdese la fuerza allí del derecho consuetudinario, favoreció laatribución de la soberanía al Parlamento.16

Otro lugar donde siguió teniendo acogida la admisión de ladivisibilidad de la soberanía fue Italia, donde Maquiavelo había ya ma-nifestado la conveniencia de que el poder se distribuyese entre distin-tos grupos sociales, para que cada uno sirviera de control de los otros.Varios autores, además de Maquiavelo, se pronunciaron por un criteriocontrario al de Bodino, sosteniendo que la soberanía podía ser divididay repartida entre varias instancias de poder dado que “su indivisibilidadera un falso axioma” y, sobre esta base, defendieron el principio delestado mixto. Mientras que en España, con excepción de posturas comola de Juan de Mariana, si bien la doctrina del estado mixto tuvo cierta

16 Id., págs. 96 y 97.

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difusión, no logró hacer pie en la literatura política dado el peso de lamonarquía absoluta.17

En cuanto a los teóricos de la unidad de la soberanía, y pese a susdiferencias, tanto Rousseau como Hobbes, Locke y Kant, entienden lasoberanía como única e indivisible, y admiten un sólo sujeto soberanoque corresponde a su concepción unitaria del Estado. De manera que lasoberanía es concebida en ellos como «una cualidad originaria, perma-nente, inalienable y perpetua.” No algo concedido a plazo, limitadamente,«...sino que reside y sigue residiendo originaria y esencialmente en el sujetoa quien se atribuye, ya sea el Monarca o la Voluntad General.» Los teóri-cos modernos del Estado, por partir de su idea del estado de naturaleza ydel carácter artificial del Estado, afirman que al mismo tiempo que loshombres deciden libremente entrar en la sociedad civil «se someten a laautoridad política por ellos creada.» No hay pues dos partes previas conautoridad propia sino sólo individuos en estado de naturaleza. Ellos pactanun Estado que una vez pactado se coloca por encima de ellos.18

Pero existe una diferencia importante entre Hobbes y Rousseau,que proviene de su diferente concepto del sujeto de imputación de lasoberanía y que curiosamente coloca al segundo más cerca de losneoescolásticos. Mientras en el autor del Leviathan la soberanía es con-cedida al monarca, que la conserva para siempre, «de un modoirrevocable y perpetuo», sin compartirla con quienes se la han concedi-do, en Rousseau la soberanía es inalienable y debe ser ejercida por elsoberano mismo. El pueblo no puede enajenar la soberanía, lo que sig-nifica también que el soberano no puede ser representado sino por símismo. Esta concepción, que reedita a fines del siglo XVIII el conceptode la democracia directa, será fuente de vivos conflictos cuando la in-fluencia del autor del Contrato Social se haga sentir en las Independenciasiberoamericanas y se enfrente a los proyectos de organización deregímenes representativos.19

17 José A. Maravall, Estado moderno y mentalidad social, siglos XV a XVII, 2 tomos, Madrid,

Revista de Occidente, 1972, t. 1, págs. 328 y 329.

18 J. Varela Suanzes-Carpegna, La teoría del Estado..., ob. cit., págs. 68 y 69.

19 J. J. Rousseau, ob. cit., Libro II, Capítulo primero, “La soberanía es inalienable”, pag. 863.

Sobre el conflicto entre democracia directa y régimen representativo en Buenos Aires, véase

nuestro libro Ciudades, provincias, Estados..., ob. cit., págs. 169 y sigts.

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En cuanto a Bodino, si bien es la piedra angular de uno de losrasgos fundamentales de la teoría moderna del Estado, la indivisibilidadde la soberanía, sin embargo estaba aún lejos de abandonar la tradiciónescolástica. Él es exponente de una conjunción del nuevo pensamientopolítico correspondiente a la emergencia de los Estados monárquicoscon tradiciones escolásticas, conjunción que es particularmente acen-tuada en el caso español.

Respecto de éste, advierte Maravall que la noción de Estadoun Estado «ordinariamente llamado todavía República por nuestrosescritores del siglo XVII» se gesta en oposición a la de Imperio, en elsentido del ideal de un imperio universal, como el Sacro Imperio Ro-mano. Frente a él, se va formando la visión de un conjunto de entida-des soberanas. Paradójicamente, la voz que da cuenta del poder delImperio universal, precisamente imperium, se aplicará al poder de cadauno de esos Estados.20 La noción de Estado que se puede registrar enlos autores españoles une generalmente el criterio de Aristóteles porsu concepto de autarquía y suficiencia- con el de Bodino -por la notaesencial de la soberanía. La definición más completa en este sentidoes la de Diego Tovar y Valderrama, de 1645, que llama República a«‘un agregado de muchas familias que forman cuerpo civil, con dife-rentes miembros, a quienes sirve de cabeza una suprema potestadque les mantiene en justo gobierno, en cuya unión se contienen mediospara conservar esta vida temporal y para merecer la eterna’.»21

El concepto de Estado de los españoles del XVII prolongaaquí todavía la noción organicista medieval, que metafóricamenteconcibe un cuerpo político a imagen del cuerpo humano. Pero en él noson individuos los que se relacionan entre sí, sino las familias. Bodinohabía ya introducido esta mediación entre individuo y Estado. De ahí lo

20 «La ilusión del Imperio, brote tardío de la tradición medieval en el Renacimiento español, pasa

rápidamente. Lo que juristas y políticos tienen ante sí es la gran creación moderna del Estado. En

Europa, un sistema de entidades estatales, independientes, soberanas, ha empezado a actuar.

Durante cerca de tres siglos, y en ellos plenamente comprendido el XVII, los Estados serán los

protagonistas de toda la historia europea, hasta que el romanticismo y la revolución los desplacen

con el advenimiento de los pueblos nacionales. De la existencia de aquéllos quedará fundamen-

talmente condicionado el pensamiento político de la época.” José Antonio Maravall, La teoríaespañola del Estado en el siglo XVII, Madrid, Instituto de Estudios Políticos, 1944, pág. 94.

21 Cit. en Id., pág. 99. Ver definiciones españolas de ciudad y de República, en págs 97 y sigts.

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toman los españoles, lo mantienen y lo acentúan. Aún más, el Estadoserá concebido como compuesto de otras más amplias...

«...congregaciones de individuos caracterizados por los dife-rentes ministerios y oficios. Es la concepción estamental, viva aúnen la doctrina como en la realidad política de los países, hasta quela disuelva la crítica social y la reforma económica a que abocará elsiglo XVIII.»22

Un destacado ejemplo de la conciliación de tradiciónescolástica y concepciones modernas es, en una etapa muy posterior,a comienzos del siglo XIX, el del español Francisco Martínez Marina,quien las combina, aparentemente, sin percibir su disparidad. En sudoctrina de la soberanía muestra una extraña mezcla de individualis-mo y corporativismo territorial y reúne conceptos tomados de laDeclaración de los derechos del hombre de 1789 con los de autorestomistas del siglo XVII y otros escolásticos.23 Comenta al respectoMaravall que aunque Marina sabe que la soberanía es permanente yperpetua, acude a un antiguo criterio estamental para concebir a éstacomo divisible y sostener que los individuos y las provincias lacomparten. Así escribe afirmaciones como la siguiente: “los pueblos(así, en plural; se refiere a las ciudades con voto en Cortes), en virtudde la porción de la soberanía que les compete.” La persistencia derestos de pensamiento tradicional hace que para él el concepto depueblo refiera a un conjunto de ciudades y villas, resabio estamentalque no le permite comprender la forma de la representación nacionalen régimen representativo y que lo lleva a a interesarse particular-mente por las entidades municipales... “Influido por el ejemplo de las

22 Y añade Maravall: «Tovar enumera esos miembros o estamentos, que reduce a ocho: los

religiosos, los magistrados y jueces -predomino de la ‘nobleza togada’, característica del gran

Estado administrativo-, los soldados, los nobles, los labradores, los comerciantes y mercaderes,

los oficiales liberales y mecánicos, y sobre todo, como principal ‘miembro’, la suprema potestad,

que causa la amistad, unión y obediencia en el cuerpo del Estado, es decir, que le da vida como

tal. ‘Sin ella no puede un cuerpo nombrarse vivo’. Id., pág. 100.

23 José Antonio Maravall, «Estudio Preliminar» a Francisco Martínez Marina, Discurso sobre elorigen de la monarquía y sobre la naturaleza del gobierno español, Madrid, Centro de Estudios

Constitucionales, 1988, págs. 56 y 59. El Discurso... apareció en Madrid en 1813, fue reeditado

en el mismo año como prólogo a la obra mayor de Martínez Marina, Teoría de las Cortes, y se

reimprimió como Estudio Preliminar de esa misma obra en 1820. Id, pág. 7.

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Cortes medievales y llevado de su individualismo, en lugar derepresentación nacional, se atiene al sistema de mandato imperativo.”24

El caso de Martínez Marina es congruente con la trayectoria delreformismo español del siglo XVIII y también con lo ocurrido enIberoamérica luego de las independencias, sincretismo de influenciasilustradas y otras corrientes, algunas muy anteriores. Hemos comenta-do en otro lugar cómo el guatemalteco José Cecilio del Valle definía, en1825, lo que entendía por nación, cuando fundamentando un proyectoconstitucional manifestaba que quería que, respecto del

«...origen de las sociedades se pusiese la base primera de quetodas son reuniones de individuos que libremente quieren formarlas; quepasando después a las naciones se manifestase que éstas son sociedades

de provincias que por voluntad espontánea han decidido componer untodo político...»25 [subrayado nuestro]

Respecto de España, como lo advirtió Richard Herr, en cuantoa cómo se conforma y evoluciona el derecho natural y de gentes en elámbito hispanoamericano, es de notar que cuando el impacto de laRevolución Francesa pone en situación difícil a los reformadoresespañoles, éstos reaccionan combinando diversas tradiciones, unas ibé-ricas y otras no, entre ellas las del derecho natural y de gentes:

«De su interés por la historia nacional, de su estudio del derechonatural y de gentes y de su conocimiento del tema general de los escri-tos de Montesquieu, confeccionaron la tradición liberal. España,descubrieron (según algunos ya habían sospechado), tenía una antiguaconstitución que estipulaba restricción popular sobre el rey a través delas Cortes representativas.»26

24 Id., págs. 55, 57 y 66. Mientras Sieyès excluye del pueblo a los estamentos privilegiados,

Marina, que los critica duramente, no lo hace. De la antigua concepción estamental queda un

corporativismo territorial que lleva a Martínez Marina a sostener “que las provincias y los reinos

de que se compone la Monarquía, son parte de la asociación general, y si alguna de ellas faltara

en el momento del pacto o de su renovación no quedaría obligada en tanto que no ratificara el

acuerdo» Id., pág. 55.

25 José Cecilio del Valle, «Manifiesto a la nación guatemalteca, 20 de mayo de 1825», en Ídem,

Obra Escogida, Caracas, Ayacucho, 1982, pág. 29.

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LA “ESCISIÓN DE LA SOBERANÍA”: FEDERALISMO E IUSNATURALISMO

26 R. Herr, ob. cit., pág. 369. A esta observación sobre la tradición política que se conforma en

España, el mismo autor agrega, respecto de la tradición eclesiástica española, que a la desconfianza

respecto de la política regalista reciente, suscitada por la resurrección de la Inquisición por

Floridablanca, añadían el disgusto por el dominio total del clero por el pueblo, como se había

instituido en Francia. De manera que «...en su lugar, añadieron a la receta de la nueva tradición

liberal una antigua sazón galicana, puesta recientemente a la venta en Pistoia, y llegaron al

convencimiento de que la Iglesia tenía también una verdadera constitución que confería a los

obispos la soberanía, con autoridad sobre los herejes. En sus mentes, la monarquía absoluta, la

Inquisición y la supremacía papal aparecían ahora reveladas en su forma verdadera: llagas

gangrenosas de formación reciente.” Id., lug. cit.27 Respecto de esta confusión en la historiografía iberoamericana, véase nuestro trabajo «El

federalismo argentino en la primera mitad del siglo XIX» , ob. cit.

Pero si la corriente predominante en la teoría políticaiusnaturalista moderna fue la que afirmaba la indivisibilidad de lasoberanía, corresponde interrogarse sobre cuál habría sido, entonces, elsustento doctrinario de las tendencias “federales” (esto es, confederales)desarrolladas luego de las independencias iberoamericanas?

La cuestión es más compleja que lo aparente debido a laconfusión entre confederación y Estado federal que llevaba consigo eluso de época del vocablo federalismo.27 Pese a que la respuesta másfrecuente a la pregunta que acabamos de formular remite al ejemplodel federalismo norteamericano, es preciso recordar que los letradosiberoamericanos estaban al tanto de la difundida discusión de las virtu-des y defectos de la confederación en la literatura política de los siglosXVI a XVIII, desde autores iusnaturalistas aún parcialmente inmersosen la tradición medieval, como el ya mencionado Altusio, hasta el mismoMontesquieu. Y que, asimismo, eran por demás conocedores de loscasos de las uniones confederales de los Países Bajos, de las ciudades,provincias y reinos alemanes, y de la misma Suiza. De manera que lamuy recordada “influencia del federalismo norteamericano” refiere enrealidad a sólo uno de los casos históricos de los tantos que conocíanlos letrados de la época. Y, por otra parte, a un caso mal interpretadopor quienes, casi sin excepción, no advertían la radical diferencia entrela confederación resultante del Acta de Confederación y el Estado federalnacido con la Constitución de Filadelfia.

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29 «Continúan las observaciones sobre la facción federal», La Gaceta de Buenos Ayres, miércoles

2 de mayo de 1821.

La observación recogida más arriba señala a Altusio como unaaislada emergencia del federalismo en el seno del Iusnaturalismo moderno.Si bien sería absurdo ver en su obra el fundamento de las tendencias federalesiberoamericanas, es útil observar que las características de su sistema polí-tico corresponden a una tradición que hunde sus raíces en el medioevopero que, con variantes a veces de magnitud, perdurarán a lo largo de laEdad Moderna. Y, por otra parte, que esas características son indicadoresde formas de vida social que en alguna medida tienen similitud con elmundo iberoamericano. Por ejemplo, en el capítulo en que Altusio trata dela “consociación o confederación”, la diversidad de entidades políticas quemenciona como capaces de unirse en confederación “reinos, provincias,ciudades, pagos o municipios”28 es un rasgo en cierta medida no extraño almundo iberoamericano, correspondiente a la emergencia de soberanías deciudades y provincias en tiempo de las independencias, y a la inmediatareivindicación de soberanía por parte de poblaciones menores. Tal comoen un artículo periodístico de 1821 un enemigo del federalismo lo reflejabacon tanta elocuencia como indignación:

“En segundo lugar pretende la facción federal, que para formarfederación, se despedace el cuerpo político en mínimas secciones; que larepública federativa se componga de tantas partes integrantes cuantasciudades y villas tiene el país, por miserables que sean; pretende que cadapueblo, en donde hay municipalidad, aunque no tenga cincuenta vecinossea una provincia y un estado independiente. Así vemos que en el día sellaman provincias, y tiene gobierno separados las ciudades mas pequeñas,mas pobres y mas despobladas, en donde siempre ha habido gran dificultaden hallar un alcalde ordinario. [...] Por este orden, si cada pueblo tiene derechoa ser independiente y soberano dentro de un mismo estado, cada familiapretenderá derecho a ser independiente y soberana dentro de un mismopueblo, y enseguida cada persona querrá serlo dentro de una misma familia,hasta dar en tierra con toda apariencia de sociedad civil y caer en el estadode naturaleza. Que delirio!”29

28 Juan Altusio, La Política, Metódicamente concebida e ilustrada con ejemplos sagrados y profanos,Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1990, pág. 179. Siguen a esto numerosas

consideraciones sobre formas, modalidades y disposiciones de las uniones confederales. La

importancia de Altusio como antecedente de las concepciones federales fue recordada por

Richard Morse en El espejo de Próspero, México, Siglo Veintiuno, 1982, pág. 57.

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Altusio elaboró una complicada clasificación de las asociacionesque prolongaba un criterio, de frecuente presencia en los textos políticosde la Edad Media, tendiente a lograr un esquema definitivo de la articulaciónde las organizaciones sociales que, entre el individuo y el Imperio, agrupabana los seres humanos en una disposición concéntrica. Más allá de las dife-rencias que se encuentran entre los diversos autores medievales, observabaOtto Gierke que eran cinco los “grupos orgánicos” que en el pensamientopolítico medieval estaban situados por encima del individuo y de la familia:la comunidad local, la ciudad, la provincia, el pueblo o Regnum y el Imperio.Se trataba de una “construcción federativa del todo social” a la cual se fueoponiendo lentamente, primero en el terreno eclesiástico y luego en el es-tatal, la tendencia centralizadora que habría de imponerse en la teoría polí-tica moderna.30

En el conjunto de asociaciones delineado por Altusio, que difiereparcialmente de la recién apuntada, éste distingue dos comunidades priva-das, la familia, fundamento natural de la sociabilidad, y el colegio o compañía,un especie de asociación voluntaria tal como la corporación de oficio. Detal manera, los individuos participan en una comunidad mayor como inte-grantes de una comunidad primaria que, como la comuna o la ciudad, re-sulta un agregado de grupos y no de ciudadanos. Lo mismo ocurre en elsiguiente escalón, la provincia, integrado por los órdenes o colegios generales

(clero, nobles, burgueses, campesinos), en cuya cúspide el príncipe ocupaun lugar equivalente al del alcalde de una ciudad. Por último, el Estado esconcebido por Altusio como una federación de regiones y ciudadesautónomas.31

Mientras la obra de Bodino refleja el contexto de un reino queunido en torno a una dinastía vive un proceso de concentración delpoder, la de Altusio corresponde a la peculiar geografía política de tierrasgermanas, en donde predominan las autonomías locales y provincialesy en donde las repúblicas urbanas defienden esa autonomía frente alavance del Estado. Una autonomía que Altusio defiende sin por esodejar de preocuparse por preservar la unidad del Estado, resultando su

30 Otto von Gierke, Teorías políticas de la Edad Media (Edición de F. W. Maitland), Madrid, Centro

de Estudios Constitucionales, 1995, págs. 116 y 117. Véanse diversas variantes de este tipo de

clasificación en la nota 64 de la página 116.

31 Jean Touchard, Historia de las ideas políticas, Madrid, Tecnos, 5a.ed., 1983, pág. 233.

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federalismo una especie de conciliación entre poderes superpuestos,tal como se observaría en los cantones suizos o en las Provincias Uni-das liberadas del dominio español.32

“FEDERALISMO” O CENTRALISMO: ¿DIVISIBILIDAD O

INDIVISIBILIDAD DE LA SOBERANÍA?

32 Id., pág. 235 y 232. Por otra parte, una tal concepción del estado en que ciudades y provincias

se obligan por medio de una ley común resultaba poco adaptada a las condiciones de Francia e

Inglaterra, donde se habría de elaborar lo principal de la teoría política de los siglos XVI y XVII,

razón por la cual la historia de la teoría política moderna pareció olvidarse de Altusio. George

H. Sabine, Historia de la teoría política, México, FCE, 3a. ed., 1994, págs. 326 y 327.

El estallido de las independencias iberoamericanas abrió una historiade conflictos que en buena medida provenían de la existencia también enestas tierras de una variedad de entidades políticas que reclamarían unstatus de soberanía independiente. Esos conflictos han sido por lo generalmal interpretados por dos razones que poseen una estrecha conexión. Unade ellas, la inadecuación de nuestro actual esquema “binario” de paísesindependientes y colonias (más la eventual situación intermedia de“dependencia”). Otra, la no percepción de la legitimidad de tales reclamos,que emergía del derecho político de la época.

En 1834, un texto de Andrés Bello, el famoso publicista venezolanoresidente en Chile, enumeraba una variedad de posibles formas estatales, alas cuales les cabía la calidad de independencia soberana, que refleja unasituación histórica en que las formas de independencia soberana no sereducían a las del referido esquema de nación independiente/colonia. Luegode definir el concepto de nación, a la manera del Iusnaturalismo del sigloXVIII esto es, como sinónimo de Estado desprovisto de toda nota de etnicidad

(«Nación o Estado es una sociedad de hombres que tiene por objeto laconservación y felicidad de los asociados; que se gobierna por las leyespositivas emanadas de ella misma y es dueña de una porción de territorio.»),Bello señalaba que como el conjunto de los individuos que componen lanación no pueden obrar en masa, se requiere una persona o un grupo deellas encargada de «administrar los intereses de la comunidad y derepresentarla ante las naciones extranjeras». Este sujeto, individual ocolectivo, es lo que llamamos el soberano. “La independencia de la nación

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agregaba consiste en no recibir leyes de otra, y su soberanía en la existenciade una autoridad suprema que la dirige y representa.»33 Por lo tanto cualquiernación “que se gobierna a sí misma, bajo cualquiera forma que sea y tienela facultad de comunicar directamente con las otras, es a los ojos de éstasun estado independiente y soberano.» Y a continuación, Bello enumerabalos diversos casos de independencia estatal soberana que recogía de lahistoria moderna europea:

“Deben contarse en el número de tales aún los estados que se hallanligados a otro más poderoso por una alianza desigual en que se da al pode-roso más honor en cambio de los socorros que éste presta al más debil; losque pagan tributo a otro estado; los feudatarios, que reconocen ciertasobligaciones de servicio, fidelidad y obsequio a un señor; y los federados,que han constituido una autoridad común permanente para la administraciónde ciertos intereses; siempre que por el pacto de alianza, tributo, federacióno feudo no hayan renunciado la facultad de dirigir sus negocios internos, yla de entenderse directamente con las naciones extranjeras. Los estados dela Unión Americana han renunciado a ésta última facultad, y por tanto,aunque independientes y soberanos bajo otros aspectos, no lo son en elderecho de gentes.”34

Como apuntamos más arriba, la variedad de “soberanías” emer-gentes del proceso de las independencias en el mundo iberoamericano eratambién un fenómeno en cierta medida similar a la de esta diversidad decomunidades políticas que podían ser portadoras de pretensiones deindependencia soberana. El panorama de posibles soberanías independientesque traduce el texto de Bello que no es otra cosa que resumen de latratadística del derecho de gentes que manejaba su autor permitecomprender que esa proliferación de pueblos soberanos desatada por las

33 Andrés Bello, Derecho Internacional, I, Principios de Derecho Internacional y Escritos Complementarios,Caracas, Ministerio de Educación, 1954, págs. 31 y 32. [Primera edición: Principios de Derecho deGentes, por A. B., Santiago de Chile, 1832; otras ediciones: Caracas, 1837; Bogotá, 1839; Madrid,

1843. Principios de Derecho Internacional, Segunda edición corregida y aumentada, Valparaíso,

1844]

34 Id., pág. 35. Bello sigue al pie de la letra a Vattel: [Emmer du] Vattel, Le Droit de Gens ouPrincipes de la Loi Naturelle apliqués a la conduite e aux affaires des Nations et des Souverains, Nouvelle

Edition, Tome I, París, 1863 [la primera edición era de Leyden, 1758], págs. 123 y sigts. Sobre

la influencia de Vattel en Iberoamérica véase nuestro trabajo citado más arriba, “Fundamentos

iusnaturalistas de las independencias iberoamericanas...”

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independencias iberoamericanas no era una aberración de “mezquinosintereses locales” sino algo compatible con las perspectivas políticas quetenían los hombres de esa época. “Pueblos” soberanos _villas, ciudades,provincias... que al mismo tiempo que intentaban afirmarse en tal calidad,buscaban afanosamente alguna forma de asociación política que lespermitiese compensar su debilidad mediante ligas, alianzas oconfederaciones.

Pero este proceso, que aflora en todo el continente, desde laindependencia de las colonias angloamericanas hasta la delhispanoamericano Río de la Plata, no era el único que hacía colisión con eldogma de la indivisibilidad de la soberanía. La calidad unitaria e inalienablede la soberanía, defendida con tenacidad por una parte de los líderes de lasindependencias, los llamados centralistas o unitarios según los lugares,también tendía a ser negada por la variedad de “poderes intermedios” in-ternos a un Estado que, como legado de la desaparecidas monarquías me-tropolitanas, aún persistían en las ex colonias ibéricas y retenían distintasporciones de las atribuciones de la soberanía, tales como las corporaciones,la más importante de ellas el ayuntamiento cabildo o camara. También eneste punto la historia iberoamericana de la primera mitad del siglo XIXposee cierta similitud con la europea de los siglos XVI a XVIII. Observe-mos, si no, este párrafo de Norberto Bobbio que se podría aplicar sinsustancial corrección al conflicto de unitarios y federales:

“La lucha del Estado moderno es una larga y sangrienta lucha porla unidad del poder. Esta unidad es el resultado de un proceso a la vez deliberación y unificación: de liberación en su enfrentamiento con unaautoridad de tendencia universal que por ser de orden espiritual se procla-ma superior a cualquier poder civil; y de unificación en su enfrentamientocon instituciones menores, asociaciones, corporaciones, ciudades, queconstituyen en la sociedad medieval un peligro permanente de anarquía.Como consecuencia de estos dos procesos, la formación del Estado mo-derno viene a coincidir con el reconocimiento y con la consolidación de lasupremacía absoluta del poder político sobre cualquier otro poder huma-no. Esta supremacía absoluta recibe el nombre de soberanía. Y significa,hacia el exterior, en relación con el proceso de liberación, independencia; yhacia el interior, en relación con el proceso de unificación, superioridad delpoder estatal sobre cualquier otro centro de poder existente en un territorio

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determinado. De este modo, a la lucha que el Estado moderno ha libradoen dos frentes viene a corresponderle la doble atribución de su poder sobe-rano, que es originario, en el sentido de que no depende de ningún otropoder superior, e indivisible, en el sentido de que no se puede otorgar enparticipación a ningún poder inferior.”35

Como se puede inferir, la analogía no consiste solamente en laafirmación de los nuevos Estados ante una autoridad externa (que en eltexto de Bobbio es el papado, pero que podemos suplantar en nuestro casopor las metrópolis), sino también en el conflicto con los “poderesintermedios”, entre los cuales las ciudades americanas, y sus cabildos, sibien los más importantes, no fueron los únicos. No otro fue el argumentoesgrimido por el ministro de gobierno del Estado de Buenos Aires,Bernardino Rivadavia, en diciembre de 1821, para defender la supresiónde los cabildos, supresión que inauguró una serie de medidas similares entodas las provincias rioplatenses, entre 1821 y 1837.36 Y, asimismo, el prin-cipio de la incompatibilidad de un soberanía indivisible con la existenciade “cuerpos intermedios” está en el fundamento de las reformas quesuprimieron los fueros corporativos.37 La reducción de la reforma eclesiástica35 Norberto Bobbio, Thomas Hobbes, México, F.C.E., 1992, pág. 71.

36 Véanse los argumentos de Rivadavia en Carlos Heras, «La supresión del Cabildo de Buenos Aires»,

Humanidades, Universidad Nacional de La Plata, T. XI, 1925, págs. 31, y en Marcela Ternavasio, “La

supresión del cabildo de Buenos Aires: ¿Crónica de una muerte anunciada?”, Boletín del Instituto deHistoria Argentina y Americana «Dr. Emilio Ravignani», 3ra. Serie, N° 21, 1er. semestre de 2000.

37 Heineccio, uno de los autores de derecho natural más utilizado en la España borbónica escribía:

«Uno de los principales derechos de la soberanía que el supremo imperante ejerce dentro de su

república es el derecho acerca de las cosas sagradas, o acerca de la Iglesia, tomada en particular; por

la cual entendemos aquí una sociedad o reunión, cuyo objeto es la religión: y como todas las

reuniones o sociedades menores o más simples deben estar subordinadas a las más compuestas, de

manera que nada puedan hacer en justicia que se oponga manifiestamente a la sociedad mayor, se

sigue que la iglesia particular de un estado debe estar subordinada en lo temporal a su gobierno, y

que por lo mismo los que mandan tienen derecho sobre la iglesia, en lo que concierne solamente a

lo temporal: lo que se prueba sólidamente por la razón de que en la república no debe haber más que

una voluntad y no sucedería así si la iglesia en alguna nación no estuviese sujeta al gobierno en lo

temporal, y pudiesen los particulares al formar esta sociedad religiosa, constituirse en una sociedad

libre e independiente del gobierno en las cosas temporales. Y como son propios de la soberanía

todos aquellos derechos sin lo cuales no se puede conseguir la seguridad de los ciudadanos y acredita

la experiencia que con el pretexto de religión se suele perturbar en gran manera esta seguridad, no

hay duda que compete a los príncipes el derecho de procurar que se mantenga la religión en toda su

pureza, y de castigar a los que intenten introducir novedades contrarias a la verdadera religión.» J.

Gottlieb Heineccio, Elementos del Derecho Natural y de Gentes, traducidos del latín al castellano por

el Presbítero Don Juan Díaz de Baeza, catedrático interino de Filosofía Moral en los Estudios de

S. Ysidro de Madrid, Madrid, 1837.

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bonaerense de 1822 a una forma de anticlericalismo es una interpretaciónprejuiciosa de un fenómeno que ya había generado similares conflictosen la España borbónica.38

LAS “SOBERANÍAS” RIOPLATENSES

38 Sobre la reformas eclesiástica rivadaviana y la cuestión de la soberanía en el ejercicio del

patronato, véase nuestro trabajo Ciudades, provincias..., ob. cit., págs 189 y sigts. Asimismo,

Roberto Di Stefano y Loris Zanatta, Historia de la Iglesia Argentina, Buenos Aires, Grijalbo/

Mondadori, 2000, págs. 206 y sigts.

39 La sinonimia de provincia y Estado se comprueba en numerosos textos de la época, como éste

de Artigas que forma parte del juramento exigido a los funcionarios de su gobierno: «¿Juráis que

esta Provincia, por derecho debe ser un Estado libre, soberano e independiente, y que debe ser

reprobada toda adhesión, sujeción y obediencia al Rey, Reina, Príncipe, Princesa, Emperador o

Gobierno Español, y a todo otro poder extranjero...» El texto del juramento dejaba luego a salvo

la posibilidad de integrar una confederación con el resto de los pueblos rioplatenses. Cit. en

Arturo Ardao, Artigas, Bautista de la República Oriental, Montevideo, Cuadernos de Marcha, 1994,

pág. 6.

En vísperas del Pacto Federal de 1831, el más destacado de losque invoca como fuentes el Preámbulo de la Constitución de 1853, lasllamadas “provincias” se consideraron Estados soberanos que buscabanuna forma de unión que al tiempo que creara un nuevo Estado nacio-nal les permitiese conservar su estatuto de independencia soberana.De allí que la forma confederal fuese la preferida, incluso y sobre todopor Buenos Aires.39

Mientras duraron las tratativas de la primera década revolucio-naria, las ciudades actuaron de hecho, implícitamente, como entidadessoberanas calidad que se manifestó, entre otros aspectos, en la formade representación (mandato imperativo) vigente en las reuniones ycongresos del período, transferida luego a las provincias que se fuerondefiniendo en esos años. Pero después de la llamada “anarquía del año20", las provincias fueron asumiendo explícitamente su independenciasoberana, al tiempo que persistían en tentativas de unión. La serie de“pactos interprovinciales”, inaugurada por el Tratado del Pilar de febrerode 1820, si bien se mira, traduce tal realidad, dado que los pactos son,justamente, formas de relación entre entidades soberanas. Mientras queen la mayoría, la promulgación de textos constitucionales, a partir delReglamento Provisorio santafesino de 1819, traducía también la

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necesidad de reglamentar el ejercicio de las atribuciones soberanas deesas provincias-Estados.

Esta realidad la había anunciado el Cabildo de Buenos Aires alos demás ayuntamientos como consecuencia de los sucesos del año20. «...Todas las [provincias] de la Unión están en estado de hacer porsí mismas lo que más convenga a sus intereses, y régimen interior....»40

Similar criterio se hizo público en una Declaración del gobierno deBuenos Aires, del 1 de setiembre de 1821, en la que se afirma quehasta tanto se reuniese el congreso constituyente, era necesario «...abriruna senda nueva por la que reconcentrándose cada provinciamomentáneamente en sí misma, pueda reparar los quebrantos de tan-tos infortunios...»41 El lenguaje con que la provincia de Córdoba describíala situación, en un documento en el que prevalece la identidad ameri-cana en protestas de fraternidad con las “Provincias de Sud América”,era más explícito. En una “Declaración de los móviles patrióticos queinspiraron a los Representantes con relación a la soberanía eindependencia de la Provincia [...] Los Representantes aprueban ysancionan la declaración de la independencia hecha por el M[uy].I[lustre]. C[abildo]. de esta Ciudad el 17 de Enero de 1820”,

“...declarando en la forma más solemne que la soberanía de estaProvincia reside en ella misma y por su representación en esta Asamblea,entre tanto se arregla su constitución; que como tal Provincia libre y sobe-rana no reconoce dependencia, ni debe subordinación a otra; que miracomo uno de sus principales deberes la fraternidad y unión con todas, y lasmás estrechas relaciones de amistad con ellas, entre tanto reunidas todas,en Congreso General, ajustan los tratados de una verdadera federación, enpaz y en guerra, a que aspira, de conformidad con las demás...”42

40 «Reasunción de facultades por parte de las Provincias», Sala Capitular de Buenos Aires,

Febrero 12 de 1820, Registro Oficial de la República Argentina, Tomo I, 1810-1821, pág. 542.41 «Manifiesto sobre las proposiciones que el gobierno ha presentado a la sanción de la H. J. sobre

el congreso general, y objetos a que deben contraerse los diputados para él, existentes en

Córdova, [1 de setiembre de 1821]», [Emilio Ravignani, comp.], Asambleas Constituyentes

Argentinas, 6 vols., Buenos Aires, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires,

Buenos Aires, 1937, vol. I, págs. 743 a 749. La cita «...reconcentrándose cada provincia

momentáneamente en sí misma...» en pág. 746.

42 Archivo de la H. Cámara de Diputados de la Provincia de Córdoba, Córdoba, 1912, Tomo I, 1820-

1825, “Sesión del 18 de Marzo de 1820", pág. 9 y sigts.

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Entre las más celosas de la independencia y soberanía se contabaSanta Fe, cuyo gobernador Estanislao López, en 1826, instruyó a susdiputados al Congreso constituyente, José Elías Galisteo y Pedro PabloVidal, para que «...poniendo en ejercicio todos los derechos quecompetan a esta Provincia...», propusieran

«...de acuerdo con los demás miembros del Cuerpo Soberano, lanueva y mejor organización de las Provincias elevándolas a EstadosSoberanos, y las Constituciones que los deban regir en Confederación,bajo la libertad e independencia de cada uno que proclamamos, y todocuanto conduzca al bien y prosperidad común de los Estados Confede-rados, y al particular de cada uno...”43

Afirmándose en este terreno, las provincias adoptaron las nor-mas que el Congreso de Viena había estipulado respecto a la calidad delos representantes de un Estado ante Estados extranjeros, y pasaron acalificar a sus diputados de “agentes diplomáticos” y definiendo sureuniones como reuniones diplomáticas.44

Esto ya había sido percibido por historiadores pertenecientes ala renovación historiográfica de comienzos de siglo XX, tal como seaprecia en este párrafo del constitucionalista Juan A. González Calderónquien, si bien imposibilitado de admitir la tesis de la plena independenciasoberana de las provincias por participar del supuesto de la nacionalidadpreexistente, refleja con bastante aproximación aquella realidad:

«Entre la situación política de los Estados norteamericanos con-federados (1778-1787) y la de las provincias argentinas confederadas(1831-1852) hay mucha analogía, aunque no haya identidad. Lacomparación puede hacerse sin exagerar la concordancia. Desde luego,el fundamento, la base, de esas dos confederaciones fue el pacto, lo quesignifica que las partes contratantes, Estados o Provincias, eran enti-dades jurídicas con absoluta capacidad o plenitud de poder para obligarse,43 Archivo Histórico de la Provincia de Buenos Aires, Documentos del Congreso General Constituyentede 1824-1827, La Plata, 1949, pág. 435.

44 Véase E. Ravignani (comp.), Relaciones Interprovinciales, La Liga del Litoral, (1829-1833),Documentos para la Historia Argentina, Tomo XV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones

Históricas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1922, págs. 347-349;

Idem, Asambleas Constituyentes Argentinas, t. IV, Buenos Aires, Instituto de Investigaciones His-

tóricas, Facultad de Filosofía y Letras, Universidad de Buenos Aires, 1937, pág. 10.

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y delegar voluntariamente, a una autoridad común, los derechos yatribuciones cuyo ejercicio en particular no les convenía reservarse.»

Y afirma de las provincias que «cada una era una entidad cuasi-soberana, cercada con bayonetas y con aduanas, y en cuyos negociosparticulares nadie, sino ella misma, podía inmiscuirse»45

Asimismo, Carlos Ibarguren, en su biografía de Rosas escribía en1929:

«En ese momento [comienzos del primer gobierno de Rosas] nohabía una Nación propiamente dicha; los Estados provinciales estabanseparados y el sentimiento nacional quedaba subordinado al localista.Las provincias eran entidades soberanas o independientes en guerra unascontra otras, o en coaliciones beligerantes recíprocas.»

Y agregaba:

«El 31 de Agosto de 1830 los `Agentes Diplomáticos’ de nueveprovincias: Mendoza, San Luis, San Juan, Salta, Tucumán, Santiago, Cór-doba, Catamarca y La Rioja, celebran un pacto de unión y alianza ynombran al general Paz ̀ Jefe Supremo’ hasta la instalación de la autoridadnacional.»46

Entre las provincias que asumieron su calidad de Estado sobera-no independiente sobresalió Buenos Aires. Ya en una de las reunionessecretas en que la Junta de Representantes discutió el Tratado del Lito-ral, en enero de 1831, el presidente de la comisión encargada de la revisióndel tratado, Félix de Ugarteche, declaró que las provincias eran equiva-lentes a naciones independientes y se regían por las normas del derechode gentes.47 Asimismo, en febrero del año siguiente, el representante deBuenos Aires en la Comisión Representativa de la Liga del Litoral, RamónOlavarrieta, subrayó ante sus colegas de Corrientes, Entre Ríos y Santa

45 Juan A. González Calderón, Derecho Constitucional Argentino, Historia, Teoría y Jurisprudencia de laConstitución, Tomo I, Buenos Aires, Lajouane, 1930, págs. 187 y 189.

46 Carlos Ibarguren, Juan Manuel de Rosas, su tiempo, su vida, su drama, 2a. ed. [la primera es de

1929], Buenos Aires, Roldan, 1930, págs. 222 y 223.

47 Reunión secreta de la Junta de Representantes de la provincia de Buenos Aires, 22 de enero de

1831, en E. Ravignani [comp.], Relaciones Interprovinciales, La Liga del Litoral (1829-1833),Documentos para la Historia Argentina, Tomo XVII, Buenos Aires, Peuser, 1922, pág. 83.

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Fe que ese organismo era de carácter diplomático, calidad en la queacordaron todos, si bien diferían en los alcances prácticos de talcondición.48

El sorprendente hecho de que Buenos Aires, que fuera la másfirme sede de las corrientes centralistas, hasta haber sido identificadacon el unitarismo por gran parte de la historiografía argentina, pasaraa ser la más firme defensora del confederalismo, es sólo una aparenteparadoja. Sucede que luego de la brutal agresión que sufriera suintegridad durante la presidencia de Bernardino Rivadavia, cuando elpartido unitario en el poder decidió expropiarle la ciudad capital ygran parte del territorio para dar sede al gobierno nacional, la adhesiónal unitarismo sufrió una seria crisis. En términos generales podríainterpretarse que mientras aquellos porteños que habían sido unitariospor razones de convicción política persistieron en su postura, los quehabían sido centralistas por las ventajas que un Estado unitarioreportaría a la “antigua capital del reino” no encontrarían otra defensacontra semejantes amenazas, que se sumaban a las más antiguas delresto de las provincias demandas de nacionalización de las rentas dela Aduana de Buenos Aires, libre navegación de los ríos y regulacióndel comercio exterior, que asumir plenamente su independencia encalidad de Estado soberano y propugnar, para su relación con lasdemás Estados rioplatenses, una unión confederal. Política queencontraría en Juan Manuel de Rosas su exitoso ejecutor.

Retrospectivamente, en 1846, Tomás Manuel de Anchorenaexplicaba a Rosas que él había previsto ya esta contingencia. En car-ta a Rosas recordaba que en 1814 en Buenos Aires no se podía hablarde federación:

“Entonces el que un porteño hablase de federación era uncrimen. A mí me miraban algunos de los diputados cuicos y provinci-anos con gran prevención, porque algunas veces les llegué a indicarque sería el partido que tendría al fin que tomar Buenos Aires para preservarse

de las funestas consecuencias a que lo exponía esa enemistad que manifestaban

contra él. El grito de federación empezó a resonar en las provincias

48 Vigésima cuarta reunión de la Comisión representativa..., 17 de febrero de 1832, en E.

Ravignani (comp.), Relaciones Interprovinciales..., ob. cit., págs. 347 y sigts.

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interiores a consecuencia de la reforma luterana (sic) que emprendiódon Bernardino Rivadavia...”49

Pero si durante mucho tiempo el “federalismo” pareció ser unaaberración para la mayor parte de los hombres públicos de la provincia,los sucesos que arrancan de la presidencia de Rivadavia precipitaron lamudanza y la antigua campeona del unitarismo se convirtió en la másfirme base del confederacionismo, afianzándose en su autonomía so-berana, en un marco confederal hasta la caída de Rosas y, posterior-mente, hasta 1860, en plena independencia.

La nueva postura de Buenos Aires fue claramente expuesta en1832 por el principal vocero del gobierno de Rosas, Pedro De Ángelis,así como también por “El Porteño” aparentemente, José María Roxas yPatrón_ en su polémica contra las pretensiones nacionalizantes delgobernador correntino Pedro Ferré. En un artículo publicado en el Lucero,Pedro de Ángelis afirmó, rotundamente, que “la soberanía de las provinciases absoluta y no tiene más límites que los que quieren prescribirle susmismos habitantes...”. Por su parte, el autor amparado en el seudónimode “El Porteño”, en otro artículo enviado al editor de La Gaceta Mercantil,

fue más explícito al declarar que Buenos Aires, como «toda sociedadpolítica, libre e independiente», poseía un derecho exclusivo sobre suterritorio. Ese derecho, afirmaba, implicaba, por una parte, el dominio,fundamento del usufructo de sus ventajas naturales, y, por otra, el imperio

o «derecho del mando soberano». Y continuaba arguyendo que era

“un principio proclamado desde el 25 de mayo de 1810, portodos los habitantes de la República, que cada una de las provinciasque la componen es libre, soberana e independiente de las demás...»,principio en virtud del cual Buenos Aires podía disponer libremente desu territorio, sus costas, puertos, etc. y «sacar de ellas toda la utilidadde que sean capaces.» Y además...

«...puede comerciar con los que quieran prestarse a ello, y puedepermitir el comercio a otros estados, bajo las condiciones que tenga a

49 Tomás Manuel de Anchorena a Rosas del 4 de diciembre de 1846, en Enrique M. Barba,

“Orígenes y crisis del federalismo argentino”, Unitarios y Federales, Revista de Historia, N° 2,

Buenos Aires, 1957, pág. 4. (Barba no aclara si el subrayado es suyo, aunque por lo del “(sic)”, que

no puede ser de Anchorena, se infiere que es suyo.)

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bien imponerles, y de consiguiente fijar los impuestos que deban pagaren su aduana los frutos y efectos de importación y exportación...»

Por tales razones, concluía, era «...exclusivamente la verdaderadueña de todos los lucros que reporte tanto de sus costas y puertos,como del comercio que haga con otros estados», incluido el productode los derechos de aduana.50

LA ORGANIZACIÓN CONFEDERAL

50 [Pedro de Ángelis], «[Acusaciones formuladas en] El Lucero [contra el gobernador de Corrientes,

D. Pedro Ferré, al juzgar éste la conducta de Buenos Aires]» y [¿José María Roxas y Patrón?],

«[Defensa de la conducta de Buenos Aires, por] El Porteño [y ataque de la observada por Ferré]

[Año 1832]»,documentos reproducidos en E. Ravignani [comp.], Relaciones Interprovinciales..., ob.cit., Apéndice Segundo, “Impresos Publicados por los Gobiernos de Buenos Aires y Corrientes

relativos a la Liga Litoral, /Colección / de / Documentos [publicados por el Gobierno de

Buenos Aires]”, pág. 133 y sigts. Las citas del texto la tomamos de las págs. 591 y 593 del

apéndice documental de nuestro libro Ciudades, provincias, Estados: Orígenes de la nación argentina(1800-1846), Buenos Aires, Ariel, 1997.

Desde el Pacto Federal de 1831 hasta la Constitución de 1853,las “provincias” rioplatenses se rigieron por el supuesto de su condiciónde independencia soberana, unidas en una débil confederación quereunía a las partes independientes de una nación argentina, entendidaen su fundamento contractual, no en clave étnica. Como es sabido, laposibilidad de un órgano de gobierno de esta confederación fuerápidamente bloqueada por Buenos Aires, al lograr disolver la ComisiónRepresentativa de las provincias del Litoral, surgida del tratado entrelas cuatro provincias litorales convertido en Pacto Federal alincorporarse las demás provincias. Y la única atribución soberana quelas provincias resignaron, transitoriamente, no definitivamente, era larepresentación exterior, encomendada al gobernador de Buenos Airesdada la inexistencia de una Dieta o Consejo confederal. Por lo demás,las provincias continuaron ejerciendo su independencia soberana en laorganización de sus fuerzas armadas, en el régimen aduanero, en elejercicio del patronato eclesiástico, etc.

Si bien a partir de la prédica de los hombres de la generaciónromántica de 1837 el concepto de nacionalidad como fundamento de unEstado nacional comenzó a difundirse, los cimientos contractualistas

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de la organización política persistirían largamente, e incluso seyuxtapondrían a la posterior predominante visión de la historia políticaargentina fundada en el principio de las nacionalidades. Esos supuestos deuna calidad soberana de las provincias y de una organización pactadaen forma confederal, y por lo tanto reversible por voluntad de esospueblos soberanos, estuvo en la base de las alianzas de algunas provinciascon países extranjeros, tales como la que formó Corrientes en 1838con Francia para combatir a Rosas y, asimismo, las que Corrientes yEntre Ríos formaron con Brasil y Uruguay para derrocar a Rosas en1851. Y también, como ya observamos, fue el asidero de Buenos Airespara justificar su rechazo del Acuerdo de San Nicolás y su segregaciónentre 1852 y 1860.

El notable discurso que en junio de 1852 pronunciara BartoloméMitre para impugnar, en defensa de los intereses de Buenos Aires, elAcuerdo de San Nicolás, se apoya reiteradamente en el derecho natu-ral, fundamento de la concepción contractualista del origen de la nacióny del carácter soberano de las entidades de las que recibían susinstrucciones los diputados. Si bien se manifiesta partidario de que larepresentación política a definirse en la futura constitución su funde enel carácter de los legisladores como diputados de la nación y no comoapoderados de las provincias, en lo que respecta a la situación que estáanalizando lo hace con plena asunción del carácter soberano de lospueblos representados en el Acuerdo, aunque impugna la legitimidaddel mandato de muchos de los gobernadores que concurrieron al mismopor considerarlos usurpadores de la representación legítima.

“La autoridad creada por el acuerdo de San Nicolás no se fundasobre el derecho natural, desde que es una autoridad despótica. [...] Inter-rogue cada cual su mandato y contésteme si se cree autorizado para ello[para crear una autoridad despótica]. Yo interrogo mi mandato y veo quehe sido enviado por el pueblo a este lugar para hacer la ley y para hacerlacumplir. [...] Lo juro por la organización definitiva de nuestra patria, quees lo que más anhelo, y por la noble y desgraciada República Argentinaque todos amamos, yo no estoy autorizado para dar mi voto en favor deun poder que está en abierta contradicción con mi mandato popular.”51

51 Bartolomé Mitre, «Discurso contra el acuerdo de San Nicolás, Junio 21 de 1852», en Arengas,Tomo Primero, Buenos Aires, Biblioteca de «La Nación», 1902, págs. 14 y 16.

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En el alegato de Mitre Buenos Aires seguía escudándose en sucondición soberana para defender sus intereses contra el embate de lasdemás provincias y acusando de despotismo, violador del derecho na-tural, a la autoridad encarnada en Urquiza.

“Esa autoridad puede disponer de las rentas nacionales sinpresupuesto y sin dar cuenta a nadie.

Puede reglamentar la navegación de los ríos como si fuera uncuerpo legislativo y soberano.

Puede ejercer por sí y ante sí la soberanía interior y exterior, sinnecesidad de previa o posterior sanción.” Etc.52

Pero la defensa de la independencia y soberanía de Buenos Airesno estaba pensada por Mitre aunque sí por otros hombres de BuenosAires_ como definitiva. Su perspectiva era la de ir a una nación argentinasoberana en la que los intereses de su provincia no resultasenmenoscabados. Y en este sentido su perspicacia respecto a las relacionesde provincia y nación en uno y otro contexto, confederal o federal, sontambién notables. Dos años más tarde, ya Buenos Aires segregada, sediscute la constitución de la provincia. Es la primera vez en la historiaque Buenos Aires va a darse una constitución, pues desde los años 20 enadelante, durante gobierno unitario o bajo el gobierno de Rosas, carecióde ella. Como el proyecto debatido abordaba la cuestión de la ciudadanía,Mitre rechazó que la constitución de Buenos Aires debiera ocuparse dela ciudadanía, porque tal cosa era competencia de la nación.

“...o somos nación o somos provincia, es decir, parte de un grantodo. Los señores de la comisión dicen terminantemente que somos ‘par-te de una nación’. Y entonces, ¿con qué derecho legislamos sobre laciudadanía?”

Pero lo más notable de su alegato es el discernimiento de la dife-rencia entre confederación y federación y su percepción, rara en la época,de la calidad federal de la constitución de Filadelfia. Esto es, la radicaldiferencia, en lo que concierne a la cuestión de la soberanía, entre la relaciónde Estados independientes en una confederación, en la que conservan52 Id., pág. 15.

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su personalidad internacional, y la pérdida de esa condición de sujetos dederecho internacional cuando forman parte de un Estado federal. ComoSarmiento lo había también subrayado, al percibir, alborozadamente, quela constitución de 1853 definía un Estado federal, no una confederación,pese a que el país con capital en Paraná conservara aún la designación deConfederación Argentina.53

Mitre impugna el abordaje de la cuestión de la ciudadanía en laconstitución de Buenos Aires por considerarlo “una violación de losprincipios del derecho público federativo, del cual no se encontrará pre-cedente alguno en la historia”. Y añade:

“La única nación federal que conocemos en el mundo, adviértaseque digo nación, el único modelo que puede citarse en este caso, la únicarepública federal que puede hacer autoridad en esta materia, puesto quetodas las demás que así se llaman son confederaciones, son pueblosfederados, no repúblicas federativas; la única repito, son los Estados Uni-dos de América, que a la vez de formar una verdadera nación, en que laspartes conservan cierto grado de independencia en medio de la armoníadel gran todo, el todo se subordina a ciertas reglas fundamentales, queson del resorte exclusivo del poder nacional.”54

Y con la cita de Mitre volvemos a la ya mencionada similitud deldebate rioplatense y norteamericano sobre la prioridad de la soberanía delas provincias, o Estados, y de la nación.

EL PROBLEMA EN LA HISTORIOGRAFÍA NORTEAMERICANA

53 Sarmiento, D. F., Comentarios de la Constitución, Buenos Aires, Luz del Día, 1948. [1a. ed.:

Comentarios de la Constitución de la Confederación Argentina..., Santiago de Chile, Imprenta de Julio

Belín y Ca., Setiembre de 1853], págs. 55 y sigts.

54 Id., pág. 31.

55 «Whether the States were independent soveraignities before the adoption on the Constitucion

has long been a subject of controversy.» R. Berger, ob. cit., cap. segundo, “Nation or Sovereign

States: Which Came First?”, pág. 21. Las siguientes referencias están tomadas de este capítulo,

págs. 21 y sigts.

Ya muy tempranamente surgió en los Estados Unidos lacuestión de si la constitución era producto de la d ecisión de treceEstados independientes o del pueblo de un solo Estado. La cuestiónera fundamental para los reclamos de los Estados sobre sus derechos.55

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Un amplio conjunto de comentaristas han considerado que el CongresoContinental (1774-1776), y no los Estados, fue soberano. El principal deellos fue el Juez Joseph Story. Sin embargo, al independizarse de GranBretaña, las colonias devinieron entidades independientes sin vínculospolíticos entre ellas. Más aún, sus relaciones fueron frecuentemente noamistosas, y sólo la amenaza británica las unió. Las colonias estaban sepa-radas por orígenes y tradiciones distintas y, sobre todo, por las distancias, yse consideraron Estados independientes y no Estados Unidos, según lasinstrucciones provistas a sus delegados al Congreso Continental. ElCongreso Continental fue, según escribió en 1787 uno de sus principalesorganizadores, John Adams, «only a diplomatic assembly» expresión quehemos visto utilizar por las provincias rioplatenses hacia 1830, y susmiembros no olvidaron nunca que estaban allí en calidad de diplomáticosde gobiernos extranjeros. Es de notar, también, que las citadas declaracionesde independencia estatal de Virginia y Rhode Island al par que proclamanel carácter soberano e independiente de esos Estados, incluyen, comoalgunas de las constituciones rioplatenses, el propósito de una confederacióncon las otras colonias.

Por otra parte, la independencia fue declarada por algunos Estados porseparado (Rhode Island, 4-V-776; Massachussets, 15/V/776) antes de ladeclaración del Congreso (4/VII/776). El sentimiento de independencia tuvofuerte expresión en las Constituciones de Pennsylvania (1776) y de Massachusets(1780), que asentaron explícitamente el carácter independiente de los Estados.Y es de interés observar también que el título original de Jefferson para laDeclaración de la Independencia, que era «A Declaration by the Representativesof the United States of America, in General Congress assembled», fue cambi-ado por «The unanimous Declaration of the thirteen united States of America»,y que la ratificación de la Constitución no fue por el pueblo de la Unión sino porel pueblo de cada Estado.

Los testimonios opuestos son escasos. El Juez Story fue el que montóun ataque vigoroso, ya desde antes de la Declaración de la Independencia,a la tesis del carácter soberano independiente de los Estados. Estos nohabrían sido soberanías independientes durante el dominio británico, aducía,y luego lo fueron en un sentido limitado, dado que la mayoría de los Esta-dos actuando en Congreso podía controlar y dominar a la minoría. Opiniónque contradicen las propias ex colonais, como Rhode Island o Virginia que

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declararon en 1776 su independencia de Gran Bretaña. La Constitución deMassachussets de 1780 expresa así su soberanía: «The people of thiscommonwealth have the sole and exclusive right of governing themselvesas a free, sovereign and independent State...» y ejercer todo poder,jurisdicción y derecho no delegado a los Estados Unidos de América reuni-dos en Congreso.

CONSIDERACIONES FINALES

Pero, independientemente de estas sugestivas similitudes cuya evi-dencia es amplia, hay otro rasgo común en el proceso de las independenciasanglo e hispanoamericanas que me parece interesante formular como me-recedor de ulterior análisis. Y es que en ambos casos la soberanía de cadaEstado, o cada ciudad o provincia en el caso hispanoamericano, no ha sidoadmitida unánimemente y fue asunto de discusión. El hecho de que puntosde vista como los de Story o los de Alberdi y otros, que suponen unasoberanía preexistente a los Estados y provincias, aunque los considere-mos erróneos, hayan existido, tengan o no algún soporte válido, indica quela tesis de la soberanía e independencia de los Estados no es suficiente-mente evidente por sí misma.

Observando las cosas más de cerca, la explicación estaría en algoque tienen en común los casos angloamericano e hispanoamericano: quese trataba de Estados de muy reciente origen. De manera que lo que enrealidad estamos discutiendo no es la calidad soberana de una entidad po-lítica firme y reconocida desde hace mucho tiempo, sino de entidades po-líticas recién nacidas, en la que la afirmación de soberanía e independenciaes una postulación de los «fundadores» -esto es, de las élites políticas decada Estado-, una tesis a ser avalada por hechos futuros. Por eso, cuandoautores como Berger afirman que la tesis de Story no refleja el pensamientode los “fundadores”, su afirmación, y toda la evidencia reunida,corresponden al criterio político de los actores del momento, no a laexistencia real de esos Estados soberanos, cuya calidad de tales es otrotipo de problema.

Esto significaría que la definición de confederación en el Derecho PolíticoInternacional no es totalmente adecuada a los casos históricos que nos ocupan:afirmar que la confederación está formada por Estados soberanos e

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independientes, con plena personalidad en las relaciones internacionaleses insuficiente, por cuanto debería agregarse, para corresponder másajustadamente a estos casos históricos, que se trata de Estados de recienteformación, que se supone han recuperado una soberanía que hasta esemomento residió fuera de ellos. Estados cuya subsistencia por separadoes difícil no sólo por su posible debilidad económica, política o bélica,sino por la débil legitimidad en su condición de tales. Es, en sustancia, unproblema de legitimidad lo que está implícito en ese debate de si esprimero la nación o la provincia, el Estado federal o los Estados,cuestión que los gobiernos de la época analizarían según las normas delDerecho de Gentes.56

La falta de legitimidad de la soberanía independiente de cadaEstado o provincia fue argumento de quienes consideraban posible eimprescindible una sola organización estatal que englobase a todas laspartes del ex-dominio metropolitano. Es cierto que no podían invocaruna anterior soberanía legítima para ese conjunto, dado que ella nohabía existido mientras fueron parte de la nación inglesa o española.Pero sí una cuestión de legitimidad de herencia o traspaso de la soberanía.En el caso de los líderes centralistas que se afirmaban en el papelhegemónico de Buenos Aires, el argumento consistió, en un primermomento, en convertir la calidad de cabeza administrativa del territorioen cuestión, de «antigua capital del reino» según la expresión de eseentonces, en sustento de su función dirigente y unificadora, comotambién ocurrió en otros casos hispanoamericanos, como los de Méxi-co o Caracas. Y, posteriormente, en la postulación de una nación creadaen algún momento del pasado, fuera el 25 de mayo de 1810 o el 9 dejulio de 1816.

56 Véase, al respecto, [Emmer du] Vattel, Le Droit de Gens..., Tomo I. No sólo, como ya observa-

mos, Vattel fue ampliamente utilizado en Iberoamérica luego de las independencias, sino también

en los Estados Unidos, donde además de circular las ediciones europeas se lo editó en 1796:

Emerich de Vattel, The Law of Nations: or, Principles of the Law of Nature..., etc., [...] First

American Edition, corrected and revised from the latest London edition, New York, 1796 (dato

tomado de: “American Bibliography by Charles Evans, A Chronological Dictionary of all Books,

Pamphlets adn Peridodical Publicatios Printed in th United States of America”, [de 1769 a

1820], Vol. 11, 1796-1797, New York, 1942.)

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La alternativa de un origen contractual basado en el supuestode la calidad soberana de las provincias o étnico basado en el supuestode una nacionalidad preexistente al acto constitucional y determinantedel mismo_ volvió a instalarse en el centro de los conflictos políticoshacia 1880, cuando una parte de la elite política de Buenos Aires intentóuna última resistencia al poder nacional.57 Pero, a partir de entonces, lanoción de una originaria nacionalidad predominó en las interpretacionesde la historia política del siglo XIX, si bien entendemos que no se ajus-ta, como sostenemos en este trabajo, a lo ocurrido en esa historia.

57 Sobre esa alternativa y su incidencia en ese conflicto, véase J. C. Chiaramonte y P. Buchbinder,

ob. cit.

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A CONSTRUÇÃO DO ESTADO IMPERIAL NO BRASIL:

SOBERANIA E LEGITIMIDADEAfonso Carlos Marques dos Santos

A história da formação do Estado nacional no Brasil possui gran-de especificidade em relação ao processo de constituição da soberanianos países da América hispânica. Contudo, a particularidade do pro-cesso brasileiro não pode ser compreendida apenas pela flagrante dife-rença entre a forma republicana adotada no lado hispano-americano ea forma monárquica assumida na América portuguesa. Duas outras di-mensões acompanham essa questão: a unidade territorial e os padrõesde legitimidade adotados. No caso brasileiro a unidade foi construída apartir da implementação de um projeto de Império que teve a sua ori-gem nos quadros do próprio aparelho de Estado metropolitano, con-tando com a participação de letrados de procedência colonial. A opçãomonárquica na definição do processo, por sua vez, permitiu garantiruma legitimidade incontestável ao exercício do poder autônomo. Casoúnico de apropriação da simbologia do velho reino colonizador na cri-ação do novo Estado e da nova Nação, o que foi possível graças àdecisão do herdeiro do trono lusitano em permanecer na América enão se subordinar às decisões das Cortes de Lisboa. José Bonifácio deAndrada e Silva, ao justificar a opção monárquica e traçar as caracte-rísticas aristocratizantes do mundo da propriedade no Brasil de então,registrou após a separação política que “sem a monarquia não haveria um

centro de força e união, e sem esta não se poderia resistir às cortes de Portugal e

adquirir a Independência Nacional”1 .

O PROJETO DE IMPÉRIO LUSO-BRASILEIRO

A discussão em torno da idéia de Império, no mundo luso-brasileiro do final do século XVIII e início do século XIX, tem sidoobjeto de alguns equívocos de abordagem. O mais freqüente é a

1 José Bonifácio de Andrada e Silva. “Notas Íntimas”, em Obra Política, vol. II. Brasília: Senado

Federal, p. 119.

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confusão entre a noção de império colonial e o significado do projetopolítico que concebeu um império luso-brasileiro. Este projeto aparecenas formulações dos estadistas portugueses desse período, em textoselaborados por atores da expressão de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho- o futuro Conde de Linhares - e do jurisconsulto Silvestre PinheiroFerreira. Nestes textos, a noção de império assume um caráter diferen-te do uso tradicional, vinculado aos domínios coloniais. Trata-se agorade tentar uma reforma, de caráter geopolítico, do Estado monárquicosob a égide da Casa de Bragança. Este projeto é atravessado pelas vi-cissitudes enfrentadas por Portugal face às alterações na política euro-péia, especialmente após a Revolução Francesa.

A história política desse período ainda carece de maior atenção,tanto no lado português como no brasileiro. Para a história lusitanatrata-se de uma fase traumática, aquela que corresponde ao reinado deDona Maria I e à regência e reinado de Dom João VI, quando a dinastiaé ameaçada, a autonomia do Reino é atingida pela invasão estrangeira,a sede da Corte é transferida para a América e verifica-se o que Olivei-ra Lima chamou de “a inversão brasileira”. Como observou o Viscondede Porto-Seguro, “em meados de 1820, era já toda esta região [do Amazonasao Prata] a sede de um Império maior que os dois romanos, o qual estendia o seu

poderio pelas cinco partes do globo terrestre, tendo no Portugal hispânico uma

simples regência [...].”2 Do lado brasileiro desta história a opção pela for-ma monárquica, na construção do Estado autônomo, deveria colocarestas questões no centro das investigações sobre a Independência, nãoapenas pela singularidade do fenômeno no continente americano, maspelo que pode ser elucidado acerca do modelo de Estado adotado. Háinúmeros aspectos simbólicos que não devem ser desprezados e quesão fundamentais para compreender a época e o processo. Afinal, tra-ta-se também de estudar aquilo que, no movimento da história, dizrespeito não ao material, mas ao “ideal”, para usar a expressão queGeorges Duby recupera de Maurice Godelier3 .

2 Francisco Adolfo de Varnhagen (Visconde de Porto-Seguro). História da Independência do Brasil(até ao reconhecimento pela antiga metrópole, compreendendo, separadamente, a dos sucessos ocorridos emalgumas províncias até essa data). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917 (Tomo LXXIX da

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro), p.32.

3 Georges Duby. A História Continua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed./Ed. da UFRJ, 1993, p.81.

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Por outro lado é necessário observar que a questão do Estadoneste período, antecede, mais do que nunca, à questão nacional. É deleque partirá o fomento a uma produção simbólica que, após a Indepen-dência, transforma a Nação num autêntico projeto de Estado. Este,por sua vez, não é nem território, nem população, nem corpo de regrasobrigatórias. Georges Burdeau assinala que apesar destes dados sensí-veis não lhe serem estrangeiros, o Estado os transcende. A sua existên-cia não pertenceria, nesta perspectiva, à fenomenologia tangível, fa-zendo parte da ordem do espírito. O Estado é, no sentido pleno dotermo, uma idéia; o que permite a Burdeau considerar que “não tendooutra realidade senão conceptual”, o Estado “só existe porque é pensa-do”4 . Para Burdeau esta afirmação deve ser entendida no pé da letraisto porque o Estado não seria uma “construção do espírito” destinadaa dar conta de uma realidade preexistente, mas uma realidade concebi-da. Daí a necessidade de procurar compreender a gênese do Estadoautônomo no Brasil a partir do mundo das idéias, onde a construção darealidade atravessa ambiguidades e contradições - um processo doloro-so de separação não apenas política, mas onde será preciso romperlaços identitários profundos.

Não foram poucos os autores que apontaram para as caracte-rísticas peculiares da autonomia política brasileira. Caio Prado Jr.,por exemplo, lembrou que “até às vésperas da independência, e entreaqueles mesmos que seriam seus principais fautores, nada havia queindicasse um pensamento separatista claro e definido. O próprio JoséBonifácio, que seria o Patriarca da Independência, o foi apesar delemesmo, pois sua idéia sempre fôra unicamente a de uma monarquiadual, uma espécie de federação luso-brasileira”5 . A Independêncianão seria, portanto, o resultado ascendente da insubordinação doscolonos da América portuguesa, mas algo inevitável, encerrando “emseu contexto o espírito de conciliação” apontado por PauloMercadante6 .

4 Georges Burdeau. L’État. Paris: Seuil, 1970, p.14.

5 Caio Prado Jr. Formação do Brasil Contemporâneo. Sào Paulo: Livraria Martins Editora, 1942,

p.364.

6 Paulo Mercadante. A Consciência Conservadora no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Saga, 1965, p.57.

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A Independência define-se pela constituição de um novo Esta-do politicamente autônomo e que, no caso do Brasil, resulta num Esta-do monárquico-constitucional: o Império do Brasil. Porém, este novoEstado já possuía, desde 1815, o estatuto de reino, Reino do Brasil -unido a Portugal e Algarves. A opção pela forma monárquica deveria,diante deste fato anterior, ter conduzido à separação dos reinos, per-manecendo o Reino do Brasil como designação adequada para o terri-tório autonomizado da antiga América portuguesa. Contudo, a formaadotada foi Império do Brasil e não Reino, como se poderia esperar. Noque se refere ao uso da designação Império, é necessário recuar no tem-po a algumas formulações anteriores, pelo menos e mais diretamenteàquelas oriundas do final do século XVIII e às que surgem no debateacerca da permanência da família real portuguesa no Brasil.

O tema da Independência, as alternativas políticas e ideológi-cas do período, o debate de idéias, bem como as opções vencedorasconstituem um dos momentos mais ricos e significativos da históriapolítica brasileira. Daí partirão algumas das definições fundamentaisno delineamento do Estado, na organização da sociedade e nas práti-cas políticas. Neste sentido, é sempre oportuno revisitar o tema e asrepresentações deste período de transição do absolutismo para o siste-ma liberal. Como introdução a estas questões destacamos aqui duasdimensões do que chamamos de projeto de Império: aquela que apare-ce nas iniciativas de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho e a que encami-nha, sob a influência direta de José Bonifácio de Andrada e Silva, aseparação política para a constituição do Império do Brasil. Estas no-tas acerca da opção monárquica, na verdade nos remetem à reflexãoacerca do rascunho do Estado, possível de ser identificado nos frag-mentos de idéias e ações da época.

É importante assinalar que estamos considerando, de acordocom o historiador alemão Hagen Schulze, que os conceitos de Estadoe Nação “constituem projetos culturais que nasceram no decurso dahistória européia e se foram modificando constantemente ao longo dahistória”7 . Esta posição remete-nos também para pensar os fenômenosculturais e políticos na América a partir de uma história marcada porum processo de ocidentalização, onde os parâmetros intelectuais são

7 Hagen Schulze. Estado e Nação na História da Europa. Lisboa: Editorial Presença, 1997, p.17.

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dados pela experiência histórica das matrizes européias ocidentais. Tra-ta-se aqui de pensar esses projetos no quadro da transição de um mun-do ordenado pelos valores do Antigo Regime para novas formas deconceber a organização da sociedade e do poder político.

“Sob o genérico nome de Brasil”: o projeto de Dom Rodrigo de SousaCoutinho

O projeto de construção de um Império luso-brasileiro, que vi-ria a se constituir na base da elevação do Brasil a Reino Unido a Portu-gal e Algarves, tem um significativo delineamento num importante do-cumento da autoria de D. Rodrigo de Souza Coutinho, conhecido comoMemória sobre os Melhoramentos dos Domínios de sua Majestade na América8 .Este texto foi escrito quando D. Rodrigo ocupava a pasta da Marinha eUltramar e deve datar de 1797. D. Rodrigo assumira, em setembro de1796, a responsabilidade governativa de lidar com os problemas relati-vos à conservação e ampliação da marinha e da navegação mercantilportuguesa e à direção administrativa, política e econômica das colôni-as. Neste segundo aspecto das suas novas responsabilidades, destaca-vam-se os domínios da América, ou melhor, “as províncias da Améri-ca”, na expressão do próprio estadista, ao acrescentar: “que se de-nominam com o genérico nome de Brasil”9 . Em outra oportunidade

8 Este texto foi publicado, várias vezes, a partir de cópias existentes em Portugal e no Brasil,

como é o caso do Arquivo Histórico Ultramarino, de Lisboa, (A.H.U., Papéis Avulsos, Rio de

Janeiro, 1797), e da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (B.N.R.J., Coleção Linhares: Mss. I -

29-13-16),onde surge com o título de “Discurso pronunciado perante a junta de ministros e

outras pessoas”. Marcos Carneiro de Mendonça, no seu livro O Intendente Câmara, ao publicar a

trancrição do documento, usou o manuscrito da Biblioteca Nacional e, mais recentemente,

Andrée Mansuy Diniz Silva utilizou o manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino na magní-

fica edição, de textos de D. Rodrigo, que dirigiu para o Banco de Portugal, dentro da Coleção de

Obras Clássicas do Pensamento Econômico Português. Também há trancrição integral, desta

Memória de D. Rodrigo, na revista Brasília , vol. IV, 1949, p. 383-422, com introdução de

Américo Pires de Lima e transcrição parcial na biografia de D. Rodrigo de Sousa Coutinho da

autoria do Marquês do Funchal. Este documento tem sido objeto das considerações de Fernando

Antonio Novais. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial. São Paulo: HUCITEC, 1981,

p. 117-118; José Luís Cardoso. O Pensamento Económico em Portugal nos finais do século XVIII: 1780-1808. Lisboa: Editorial Estampa, 1989, p. 191-203 e Kenneth Maxwell. A Devassa da Devassa.A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal (1750-1808). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, Capítulo

8, p. 233-271), entre outros.

9 Já havíamos chamado a atenção para esta frase no livro No Rascunho da Nação. Inconfidência noRio de Janeiro. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura: Biblioteca Carioca, 1992, p. 112.

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já havíamos apontado para essa apreensão metropolitana das partes daAmérica portuguesa e para o fato de que o Estado Absolutista lusitanodetinha o que chamamos de uma espécie de monopólio da percepçãodo todo. A esta percepção seria possível opor uma outra apreensão doterritório objeto da colonização e que se daria a partir do âmbito inter-no do espaço colonial: uma apreensão fragmentada e regionalizada. Doponto de vista dos próprios colonos luso-brasileiros contemporâneosda conjuntura das inconfidências o horizonte político não teria sidopercebido, nessa perspectiva, muito além dos limites da Capitania.

Essa Memória de Dom Rodrigo foi considerada, por FernandoNovais, ao analisar as manifestações da crise do Antigo Sistema Colo-nial, como um “vasto e articulado plano de fomento da exploraçãoeconômica do Brasil”10 . Novais trata o documento como uma tentati-va de remover obstáculos ao “pleno funcionamento do sistema coloni-al na nova conjuntura”, chamando a atenção para o uso da expressão“sistema” no texto de D. Rodrigo, onde o estadista procuraria definir,de maneira vantajosa, as relações entre Portugal e seus “domínios”.

Por outro lado, a historiadora portuguesa Graça Silva Dias, aoexaminar a “ruptura cultural” e a “ruptura política” nas origens do libe-ralismo em Portugal, reduz o futuro Conde de Linhares a uma dimen-são muito próxima de vários manuais de História do Brasil, isto é, àcondição de “político anglófilo”, caracterizando-o como um letradodado à “moderação” e à “conciliação”, “vivendo a duas velocidades: aaceleração cultural e o ralenti político”11 . Esta avaliação de Dom Rodrigovincula-se, principalmente, à sua ação como Ministro de D. João, noRio de Janeiro, após a transferência da Corte, onde assumiria a posiçãode “principal e corifeu do partido inglês” como também o identificouOliveira Lima12 . Estas visões, contudo, mostraram-se insuficientes parapermitir uma ampla compreensão da importância deste estadista na

10 Novais, F. A., op.cit., p. 117.

11 Graça Silva Dias. “Ruptura cultural e ruptura política nas origens do liberalismo” in OLiberalismo na Península Ibérica na primeira metade do século XIX (org. por Miriam Halpern Pereira).

Lisboa: Sá da Costa Editora, 1982, 2o. vol., p. 220.

12 Manuel de Oliveira Lima. Dom João VI no Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio Ed., 1945, 1o.

vol., p. 187.

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história luso-brasileira da fase identificada, por Fernando Novais, comoa conjuntura de crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808).

O historiador inglês Kenneth Maxwell compreendeu, de formamais adequada, a inserção de D. Rodrigo na história política dessa con-juntura, dando uma atenção maior ao significado da “Memória sobreos Domínios da América”, apontando para o que chamou de “um pro-grama muito mais amplo” e que visava a “reconciliação imperial”13 .Maxwell considerou o plano para o Império como audaz e examinou-oà luz das atitudes tomadas por D. Rodrigo no trato da questão dasinsurgências coloniais, reveladas nas devassas contra as inconfidênciasde Minas Gerais, em 1789, Rio de Janeiro, em 1794, e Bahia, em 1798.Maxwell observou, de maneira inovadora, a estratégia de D. Rodrigodiante do fracasso das idéias autonomistas, apontando para o fato deque a “atmosfera estava receptiva para reformas que evitassem o riscode um levante social”14 . Neste sentido D. Rodrigo teria percebido, “commaior sensibilidade do que a maioria, as oportunidades que a situaçãooferecia e a necessidade de fazer ajustes inteligentes para evitar umarevolução destruidora”15 .

A perspectiva de Maxwell aproxima-se da posição que defende-mos ao analisar o que identificamos como a derrota da “vertenteautonomista nacional” e onde atribuíamos o fracasso desta tendência adois aspectos básicos: de um lado à violência da repressão, como foi ocaso do movimento baiano de 1798, e de outro aos limites de consci-ência dos letrados e da elite colonial - sensíveis, que foram, aosaliciamentos do Estado português, responsável por um verdadeiro tra-balho de cooptação de quadros na elite letrada da América portugue-sa16. Maxwell lembrou que a severidade do tratamento dado aos insurretosbaianos de 179817 foi acompanhada e sucedida de favores que a adminis-tração metropolitana continuava a conceder aos brasileiros diplomados

13 Maxwell, K., op.cit., p. 238.

14 idem, p. 254.

15 idem, p. 254.

16 Afonso Carlos Marques dos Santos. No Rascunho da Nação. Inconfidência no Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura [Biblioteca Carioca],1992, p. 142.

17 Ver o livro de István Jancsó. Na Bahia, contra o Império. História do Ensaio de Sedição de 1798. São

Paulo: HUCITEC-EDUFBA, 1996.

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pela Universidade de Coimbra. Estas atitudes, capitaneadas por D. Rodrigo,no entender de Maxwell, “indicavam com clareza seus pontos de vista”.

Contudo, apesar das evidências contidas na teoria e na ação de esta-distas como Dom Rodrigo e apesar da documentação explorada por Maxwell,pela nossa investigação já mencionada e pelos estudos referentes ao casobaiano, surgiu recentemente uma outra versão, diferente da nossa, desenvol-vida pelo historiador português Valentim Alexandre numa alentada tese dou-toral18 . Este autor procura despolitizar a análise do período, a partir dadescaracterização da crise do Antigo Sistema Colonial e privilegiando osaspectos econômicos. A crise não teria existido no império luso-brasileironos anos que antecedem à ruptura do regime do pacto-colonial. Assim, paraValentim Alexandre, não haveria no Brasil “qualquer indício de contestaçãogeneralizada do domínio português”. No seu entender, “as duas únicas ‘in-confidências’ que ganham alguma expressão, a de Minas Gerais e a da Bahia,são a manifestação, no primeiro caso, das tensões específicas de uma zona jáentão marginal do império, e, no segundo, de contradições internas da socie-dade colonial. Por seu lado, o poder metropolitano continua a confiar nasformas tradicionais de defesa das colônias, entregue fundamentalmente àsforças locais”19 . Para este autor, portanto, o aumento das tensões não vem deuma crise do sistema que se manifestaria no perigo da sublevação generaliza-da em todo o território colonial, mas viria das “ameaças externas, das pertur-bações que sacodem o sistema internacional: é para esse lado que teremos deolhar, se quisermos compreender os problemas que vão conduzir à desagre-gação do império, a partir de 1808”20.

Valentim Alexandre procura desqualificar análises como as deKenneth Maxwell e de autores brasileiros como Carlos Guilherme Mota,notadamente na ênfase que dá a inexistência da crise. Para ele, as autorida-des metropolitanas consideravam “que a solidariedade da colônia para coma metrópole era um dado natural”21 e que os colonos e as autoridades esta-vam muito mais preocupados com a defesa contra inimigos externos. Tal

18 Valentim Alexandre. Os Sentidos do Império. Questão Nacional e Questão Colonial na Crise do AntigoRegime Português. Lisboa: Edições Afrontamento, 1993, cap. 2, p. 77-89.

19 idem, p. 89.

20 idem, p. 89.

21 idem, p. 83. Valentim Alexandre critica o livro de Carlos Guilherme Mota Atitudes de Inovaçãono Brasil: 1789-1801. Lisboa: Livros Horizonte, s.d.

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concepção colocaria num segundo plano as possíveis tensões entre brasilei-ros e europeus. Para confirmar a sua tese, Alexandre tenta sustentar-se emaparentes evidências documentais, como, por exemplo, quando afirma que,apesar da “questão da ordem pública interna” não estar totalmente ausenteda correspondência oficial, o seu peso seria muito reduzido na fase quecorresponderia aos cinco anos em que D. Rodrigo de Souza Coutinho foiministro da Marinha e do Ultramar (1796 a 1801). Neste período, segundoAlexandre, apenas um “aviso”, de 29 de julho de 1797, e um ofício, de 12 demarço de 1801, mandam fazer uma vigilância especial sobre os suspeitos deprofessarem idéias políticas e religiosas.

Contudo, o recorte temporal feito por Valentim Alexandre parece-nos bastante equivocado, bem como o alcance das suas evidências docu-mentais. Alexandre limitou-se a citar códices relativos ao Brasil existentes noArquivo Histórico Ultramarino, mas deixa de lado a ampla documentaçãopolítica e administrativa existente nas inúmeras caixas de documentos avul-sos do mesmo arquivo e que, apenas para o período 1789 a 1801, no que serefere ao Rio de Janeiro, compreendem mais de 50 caixas com documentosque expressam opiniões e reclamações dos colonos, além das querelas deordem administrativa e jurídica. Alexandre, por desconhecer a documenta-ção originária da colônias, deixou de perceber o contexto do Império portu-guês, ignorando, por exemplo, a linha de ação, no Brasil, do vice-rei Conde deResende22 . Rezende, que governa de 1790 a 1801, promoveu o quechamamos de “administração do medo” na capital da América portuguesa esua atuação correspondeu ao mesmo tipo de preocupação, por vezes exage-rada, evidenciada nas ações do Intendente Geral de Polícia de Lisboa, PinaManique, e na correspondência diplomática estudada por Graça e J. S. daSilva Dias em Os Primórdios da Maçonaria em Portugal23 .

Caracterizamos este período como um tempo tomado pelo “ter-ror universal”, onde o medo da sublevação estava sempre presente,como também o medo da proliferação das “idéias francesas”. Estassignificavam não apenas a crítica ao sistema colonial, mas a crítica ao

22 Cf. o Capítulo 2, do livro No Rascunho da Nação , que tem como título “A Adminstração do

Medo”. Neste capítulo abordamos o clima de repressão e arbítrio existente no Rio de Janeiro

durante o governo do Conde de Resende, examinamos o seu raio de ação e o contextualizamos

na política do Estado português nesta conjuntura de crise.

23 Graça e J. S. da Silva Dias. Os Primórdios da Maçonaria em Portugal . 4 vols. Lisboa, Instituto

Nacional da Investigação Científica, 1980. Em especial o vol. I, tomo I.

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Absolutismo, às bases do direito divino e a todas as estruturas do An-tigo Regime. O fato da inconfidência de Minas Gerais ter ficado restri-ta ao âmbito da Capitania e às articulações com o porto do Rio deJaneiro, não retira do movimento a sua importância para compreenderas possibilidades de insurgência na Colônia. Valentim Alexandre in-corre no mesmo erro daqueles que procuraram associar a inconfidênciaao processo de separação política do Brasil24 . O que importa não édiscutir o seu insucesso, mas inseri-la na conjuntura, para tentar com-preender as atitudes mentais dos colonos - que, de fato, até então seviam como portugueses do Brasil. As nuanças da difícil opção por umanova identidade e um novo status não são percebidas pela visãoeconomicista de Valentim Alexandre. Os colonos que, no interior daAmérica portuguesa, ousaram pensar a construção da autonomia e orompimento não apenas com a metrópole, mas com a sua “pátria mãe”,o que possui uma dimensão psicológica profunda, tinham clareza doperigo que corriam ao se reunirem para discutir os acontecimentos in-ternacionais, as idéias de liberdade, os desdobramentos do direito na-tural e os planos, mesmo que incipientes, de insubordinação contra opoder metropolitano.

A verdade é que as inconfidências fracassaram tanto pela re-pressão, como pela cooptação realizada sobre os letrados oriundos daColônia. Para compreender a conjuntura e, no seu interior, o ministroDom Rodrigo de Sousa Coutinho, é necessário atentar para o fato deque ele assume o ministério da Marinha e Ultramar em 1796 e realiza,a partir daí, um processo de acomodação e aliciamento em relação aosestudantes brasileiros. É o outro lado da moeda e que fica bem claro noprocesso de libertação dos “inconfidentes” do Rio, onde o Conde deResende é colocado na parede pelo ministro e se vê forçado a dar porencerrado o caso da Sociedade Literária, libertando, por falta de pro-vas, os indiciados fluminenses. Valentim Alexandre perde as sutilezasdesta trama ao minimizar as possibilidades de expansão das idéias se-paratistas e da generalização da insurreição.

24 Como é o caso do historiador brasileiro João Capistrano de Abreu que minimizou e secundarizou

a Inconfidência, excluindo-a dos seus Capítulos de História Colonial. Capistrano, preocupado com

as bases de constituição da nacionalidade, não percebeu que as devassas abertas contra os

letrados constituem uma janela aberta para a compreensão das formas de pensamento e dos

limites da consciência dos colonos.

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É também importante lembrar que, dois anos antes da prisãodos letrados mineiros, na distante Goa, na Índia portuguesa, as autori-dades metropolitanas detectaram um plano de sublevação reagindo comgrande violência. Foram quinze condenações à morte e dez ao degredoe galés, acompanhadas de atitudes simbólicas mais severas que a exe-cução exemplar do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, no Rio, em1792. Em Goa os condenados ao degredo foram obrigados a assistir àexecução de seus companheiros. Todos os enforcados tiveram suas ca-beças decepadas e pregadas em postes altos nos lugares donde eramnaturais, lá permanecendo até que o tempo as consumisse. Tudo issoainda foi acompanhado de um terrível espetáculo onde as ruas de Goaforam banhadas de sangue.

Nada se compara, sem dúvida, no caso dos mineiros efluminenses, com o que ocorreu na Índia portuguesa. Porém os letra-dos mineiros e fluminenses não tinham condições para avaliar que omesmo não se repetiria aqui. Até o último momento todos aguardavama condenação máxima, como resultado da sentença contra os inconfi-dentes de Minas Gerais. No caso de Goa, dois tenentes, da legião dePondá, foram arrastados a caudas de cavalos pelas ruas da cidade até olugar das forcas e, juntamente com um cirurgião-mor e um cabo deesquadra da mesma legião, tiveram ainda em vida suas mãos decepa-das. Os dois primeiros foram esquartejados e todos tiveram as partesamputadas expostas pelos lugares públicos das ilhas de Goa, e provín-cias de Salcete e Bardez e nas aldeias de Candolim, Nerul, Pilerne,Piedade, Mandur e Nagoá. Acrescente-se, ainda, que 14 padres foramdeportados presos para Lisboa.

Apesar de já ter narrado esses fatos em trabalho anterior, julgoimportante mencioná-los nesta discussão. Infelizmente tanto ahistoriografia brasileira como a portuguesa costumam desprezar, coma exceção dos estudos de história das relações internacionais, tudoaquilo que foge ao autocentramento na “história nacional”, como senão existisse um contexto mundial e pluricontinental a ser considera-do. No caso do império colonial, entretanto, a questão é mais grave ainda,porque leva a reproduzir visões extremamente fragmentadas, regionalizadase aprisionadas aos limites territoriais da América portuguesa, desconhe-cendo a dinâmica do império colonial e a sua real dimensão.

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Para compreender a gestão e as medidas de Dom Rodrigo no mi-nistério da Marinha e Ultramar, a partir de 1796, é preciso justamenteidentificar a ruptura nos procedimentos da governação e as divergênciasde atitude existentes no próprio aparelho de Estado metropolitano. Acorrespondência oficial do vice-rei Conde de Resende é bastante incisi-va nas seguidas proposições de obras e medidas de defesa do porto doRio de Janeiro e na preocupação em ampliar o poder de fogo de suasfortalezas. Resende, porém, não temia apenas o inimigo externo, masdedica-se, desde 1790, a farejar e perseguir toda e qualquer manifestaçãode descontentamento face à dominação colonial. Havia uma espécie de“rede de conspiração” invisível, tecida entre as capitanias de Minas Ge-rais e do Rio de Janeiro, e que torna a questão da insubordinação muitomais complexa do que supõe V. Alexandre. Ao negar as possibilidades darebelião e até mesmo de conspirações generalizadas na Colônia, este au-tor deixou de lado o exame de todo um clima persecutório e repressivo -que não se justificaria se não houvesse o efetivo perigo das idéias subver-sivas se alastrarem pelos domínios lusitanos na América.

John Barrow, que acompanhou Lord Macartney na primeira embai-xada inglesa para China e que aportou no Rio de Janeiro em 1792, exatamen-te no ano da condenação dos inconfidentes mineiros, encontrou, nas conver-sações que manteve com um rico negociante e proprietário de terras e escra-vos, o que identificou como uma clara consciência contra a dominação colo-nial. Barrow registrou que este “homem muito rico”, “reclamava muito gra-vemente da opressão que os habitantes da América do Sul sofriam da mãe-pátria; que os monopólios, as proibições e as taxas obstaculizavam o comércio,impediam a agricultura e destruíam o espírito de empresa e manifestava que ainsatisfação havia se tornado tão geral pelos encargos impostos e pelas restri-ções a que eram obrigados a se submeterem, que não se surpreenderia,...,se elesfossem levados finalmente, como seus irmãos na parte norte do mesmo conti-nente, a libertarem-se do jugo de Portugal e afirmarem sua independência”25.

No mesmo ano, portanto, da execução exemplar de Tiradentese da condenação dos letrados mineiros, ainda era possível encontrar,

25 John Barrow. A Voyage to Cochinchina, in the years 1792 and 1793. London: Cadell and Davies,

1806, p. 101-2. A passagem de Lord Macartney e sua comitiva pelo Rio de Janeiro, também foi

registrada por Aeneas Anderson, Samuel Holmes e George Leonard Staunton, além de Barrow.

Todos publicaram os seus relatos.

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na capital da América portuguesa, expressões vivas da transição pelaqual passavam as mentes coloniais. A consciência da desigualdade emrelação à Metrópole e a percepção de que o sistema colonial bloquea-va, nos colonos, o espírito de empresa fazia-se notar, ao menos nouniverso do comércio e da propriedade - lugar social de origem do queidentificamos, em outra oportunidade, como os “rebeldes invisíveis”.A conversa mantida pelo inglês Barrow com o colono fluminense indi-cava que nem mesmo a repressão aos mineiros fora capaz de impedirque idéias contestatárias e críticas ao sistema continuassem a circularentre os colonos.

Há outros indícios a recordar. Em 1793 o Conde de Resendemandou abrir uma devassa para investigar a autoria de uma carta anô-nima endereçada ao Juiz de Fora e Presidente do Senado da Câmara doRio de Janeiro, Baltasar da Silva Lisboa, onde este era convidado, porpotenciais rebeldes ocultos na anonímia, a assumir o governo civil emilitar da Capitania26 . O alvo do vice-rei acaba sendo o próprio Juiz deFora, com quem Resende vivia às turras em matérias jurídicas e admi-nistrativas. O Juiz era um letrado brasileiro que encontrava certo eco,nas autoridades de Lisboa, para as críticas que fazia aos desmandoslocais do vice-rei, daí o interesse em atingi-lo através da suspeita deenvolvimento com possíveis sublevações.

No ano seguinte, em 1794, Resende também mandaria abrir afamosa devassa contra os membros da Sociedade Literária do Rio deJaneiro que, mesmo postos em suspeição pelo vice-rei desde 1790, con-tinuavam a se reunir na casa do poeta e professor régio de retórica epoética Manoel Inácio da Silva Alvarenga. Esta devassa deveria escla-recer se, além dos “escandalosos discursos” proferidos na Cidade pelosletrados fluminenses, haviam os “mesmos indivíduos formado, ou insi-nuado algum plano de sedição”27 .

26 Tratei desta questão, com alguns detalhes, no livro No Rascunho da Nação, vide cap:. 2.

27Ofício do Conde de Resende para o Desembargador (e poeta) Antônio Diniz da Cruz e Silva.

Rio de Janeiro, 8 de dezembro de 1794. Autos da Devassa ordenada pelo vice-rei Conde de

Resende contra os membros da Sociedade Literária do Rio de Janeiro em 1794. Rio de Janeiro,

Anais da Biblioteca Nacional , 1941, vol. 61, p. 215. A devassa e a trama envolvida foi tratada,

por nós, no cap. 3 de No Rascunho da Nação , que recebeu o título “Procedendo à Devassa”, p. 77-

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A ação de Resende, no Rio da primeira metade da década de1790, correspondia, no espaço colonial, às funções cumpridas em Lis-boa pelo Intendente Geral de Polícia Pina Manique que, procurandoidentificar jacobinismo e maçonaria, via como uma luta única a per-seguição às “idéias francesas” e às sociedades secretas, já que ambaspunham em risco, a ordem social e política do Reino, como observouSilva Dias ao estudar o período em Portugal28. Pina Manique andaratentando apagar “na origem qualquer faísca de sedição que, sopradapelo espírito do século” pudesse “atear a faísca revolucionária”29.Resende, como tentamos mostrar em outra oportunidade30 , procuravacumprir no Ultramar a função de agente da contra-revolução, identifi-cando “faíscas” e exercendo uma ação preventiva - o que indica que aação repressiva na colônia não era isolada de uma prática mais globalno império colonial português. O “espírito do século”, como revelaraPina Manique, soprava suas faíscas por toda parte. Na verdade não eraapenas o sistema colonial que estava em crise, mas o próprio AntigoRegime, como acima mencionamos.

Alguma coisa muda, entretanto, após o início da gestão de DomRodrigo de Sousa Coutinho na pasta do Ultramar. No caso dos letradosdo Rio é notória a abertura para os seus apelos. Sousa Coutinho exigede Resende uma definição para o processo. Caso o vice-rei não desejas-se soltar os réus, estes deveriam ser remetidos para a Corte juntamentecom os autos contendo a relação dos seus crimes. A outra alternativaserá colocá-los em liberdade considerando que já haviam sido suficien-temente castigados com a prisão. As ordens de Lisboa nãodesautorizavam, de imediato, o Vice-Rei, mas deixavam-no sem esco-lha. Resende, apoiado em parecer do Desembargador Antônio Dinis daCruz e Silva, prefere soltá-los a se expor à verificação do poder metro-politano e, em especial, ao olhar arguto de Dom Rodrigo de SousaCoutinho.

28Graça e J. S. da Silva Dias, op. Cit., vol. 1, p. 340.

29Ofício do Intendente Geral da Polícia, Pina Manique, para o marquês de Ponte de Lima -

Lisboa, 8 de agosto de 1799. Apud Simão José da Luz Soriano. História da guerra Civil e doEstabelecimento do Governo Parlamentar em Portugal . Lisboa: 1866-1890, t. 3, p.70.

30 A. C. Marques dos Santos, op.cit., p. 100-107.

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Deixemos, por ora, o tema das possibilidades de insurreiçãona Colônia para abordar a outra dimensão apresentada pela conjuntu-ra: o projeto de reformas no império luso-brasileiro. Cabe ainda lem-brar que a esse plano se agrega uma prática de preparação de quadrospara a administração, oriundos da elite colonial, o que por vezes iden-tificamos como formas de cooptação, tema que mereceria estudosmais aprofundados e a análise das biografias dos letrados ajustadosao sistema e que participam de missões especiais do Estado metropo-litano.

Nesta altura cabe retomar o texto de 1797, onde Dom Rodrigomanifesta suas avaliações e perspectivas acerca das “províncias daAmérica”31. Venho chamando, certamente influenciado por K.Maxwell, de projeto de Império às idéias esboçadas, por Dom Rodrigo,em seus textos. E, neste sentido, parece bastante reveladora a avalia-ção acerca dessa personagem feita pela historiadora Andrée MansuyDiniz Silva na Introdução aos Textos Políticos, Econômicos e Financeiros

de Dom Rodrigo de Sousa Coutinho, publicados sob a sua orientação.Mansuy chama a atenção para uma carta de 1787, quando DomRodrigo, que então exercia missão diplomática em Turim, comentater recebido, de Lisboa, informações de que “geralmente me dão o nome

de projetista que com esta qualificação lançam sobre mim todo o ridículo

correspondente. Se um tal epíteto convém a quem lembrou alguns planos

para animar a nossa agricultura e indústria, deduzidos da imitação de

outras nações que tiraram já da sua adoção a maior utilidade, então convi-

rei que ele me convém, e de boa vontade me sujeitarei a todo o ridículo que

me querem dar”32 .

Estes comentários curiosamente correspondem ao papel queverdadeiramente Dom Rodrigo assumiria, na década seguinte, comoum dos principais agentes do plano geral de reformas do Reino, aoexercer as funções de Ministro e Secretário de Estado da Marinha eDomínios Ultramarinos (1796-1801), Presidente do Real Erário e Mi-nistro e Secretário de Estado da Fazenda (1801-1803), e Ministro da

31 vide nota 7.

32 Arquivo Nacional da Torre do Tombo, M.N.E., Legação Portuguesa em Turim, Caixa 864, ofício

nº. 4, de 24/01/1787, apud Andrée Mansuy Diniz Silva. “Introdução”. Textos Políticos, Econômicose Financeiros (1783-1811). Lisboa, Banco de Portugal, 1993, Tomo I, p. XII.

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Guerra e Negócios Estrangeiros (1808-1812)33 . Andrée Mansuy con-sidera Dom Rodrigo, na fase que vai da queda de Pombal em 1777 àRevolução liberal de 1820, como o estadista português que “mais con-victamente conduziu o país na via das grandes reformas administrati-vas e financeiras”, tendo orientado “a sua ação governativa no sentidoda mudança das mentalidades e da reforma das instituições, preparan-do assim a sociedade portuguesa e brasileira para a eclosão do liberalis-mo”34. Outros ainda, como o Cônego Fernandes Pinheiro, o identifica-ram como “o único homem da Corte de D. João VI que compreendeuas necessidades do Brasil”35.

D. Rodrigo teve uma clara consciência do papel dos domíniosda América para o trono português e soube definí-los no conjunto doimpério, defendendo a manutenção do enlace entre as partes, ao afir-mar que:

“Os domínios de Sua Majestade na Europa não formam senão a capital

e o centro das suas vastas possessões. Portugal reduzido a si só, seria dentro de um

breve período uma província de Espanha, enquanto servindo de ponto de reunião

e de assento à monarquia que se estende ao que possui nas ilhas de Europa e

África, ao Brasil, às costas orientais e ocidentais de África, e ao que ainda a

nossa Real Coroa possui na Ásia, é sem contradição uma das potências que tem

dentro de si todos os meios de figurar conspicua e brilhantemente entre as primei-

ras potências da Europa. Com uma extensão territorial na Europa três vezes

menor, com possessões inferiores às nossas, pôde a República das Províncias Unidas

33 Dom Rodrigo de Sousa Coutinho (nascido em 3 de agosto de 1755 e falecido, no Rio de

Janeiro, em 26 de janeiro de 1812, aos 56 anos). Era filho primogênito de D. Francisco Inocêncio

de Sousa Coutinho, importante figura da administração pombalina: Governador e Capitão-

General de Angola (1764-1772) e Embaixador em Espanha (17775-1780). D. Francisco des-

cendia de uma das mais antigas casas nobres de Portugal, a dos Condes de Redondo. É interes-

sante registrar que D. Rodrigo teve como padrinho de batismo, ninguém menos que Sebastião

José de Carvalho e Mello, então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra.

Também é importante observar a posição familiar de D. Rodrigo no âmbito da diplomacia

portuguesa. Em 1778, ao ser nomeado como Enviado extraordinário e ministro plenipotenciá-

rio na Corte de Sardenha, seu pai, D. Francisco, era Embaixador em Madrid e seu tio, D. Vicente

de Sousa Coutinho, Embaixador em Paris. Sua missão diplomática em Turim prolongou-se até

1796, num total de 17 anos, tendo coincidido com fatos como a Revolução Francesa e a invasão

do Piemonte pelo exército francês.

34 Andrée Mansuy Diniz Silva, op. cit., “Introdução”, p. LII.

35 Apud Max Fleuiss. História Administrativa do Brasil. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1923,

p.97.

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ter o maior peso na balança política da Europa, e figurar como a segunda entre as

pot6encias marítimas. A feliz posição de Portugal na Europa, que serve de centro

ao comércio do Norte e Meio-dia do mesmo continente, e do melhor entreposto para

o comércio da Europa com as outras três partes do mundo, faz que este enlace dos

domínios ultramarinos portugueses com a sua Metrópole seja tão natural, quanto

pouco o era o de outras colônias que se separaram da mãe-pátria; e talvez sem o

feliz nexo que une os nossos estabelecimentos, ou eles não poderiam conseguir o

grau de prosperidade a que a nossa situação os convida, ou seriam obrigados a

renovar artificialmente os mesmos vínculos que hoje ligam felizmente a monar-

quia, e que nos chamam a maiores destinos, tirando deste sistema todas as suas

naturais conseqüências.36

D. Rodrigo identificou as características do império português eprocurou dar aos colonos um estatuto de integração à uma única nacio-nalidade. Defendia o que chamava de “inviolável e sacrossanto princípio de

unidade, primeira base da monarquia, que se deve conservar com o maior ciúme”;com isto estabelecia o objetivo de “que o Português nascido nas quatro partes

do mundo se julgue somente português, e não se lembre senão da glória e da grandeza

da monarquia a que tem a fortuna de pertencer, reconhecendo e sentindo os felizes

efeitos da reunião de um só todo composto de partes tão diferentes que separadas

jamais poderiam ser igualmente felizes, pois que enquanto a metrópole se privaria

do glorioso destino de ser o entreposto comum, cada domínio ultramarino sentiria a

falta das vantagens que lhe resultam de receber o melhor depósito para todos os seus

gêneros, de que se segue a mais feliz venda no mercado geral da Europa”37. Destaforma, o “português do Brasil” deveria se sentir integrado ao todo damonarquia, esquecendo qualquer particularidade que o tornasse diferen-te do português metropolitano. Era uma forma de prever a integração doImpério impedindo a constituição de outras identidades.

O plano de D. Rodrigo, apresentado nesta Memória, compor-tava um conjunto de medidas que deveriam assegurar a articulaçãoentre as partes do império, definindo os papéis entre a metrópole eseus domínios ultramarinos, tanto do ponto de vista dos aspectoseconômicos, como administrativos. A quase totalidade das propostas

36 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. “Memória sobre o Melhoramento dos Domínios de Sua

Majestade na América” In Textos Políticos, Económicos e Financeiros (1783-1811). Vol. II. Lisboa,

Banco de Portugal, 1993, p.48.

37 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Op. cit., p.49.

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contidas no projeto não foram levadas a cabo, o que indica que, doponto de vista prático, a Memória não teria tido grande resultado.Contudo, deve ter repercutido de maneira favorável no universo le-trado da América portuguesa, exatamente no meio social onde D.Rodrigo também desejava obter adeptos para a causa do império, en-fraquecendo, pela via da incorporação dos letrados coloniais às açõesdo Estado, as possibilidades de oposição ao sistema monárquico. Assimé que buscava a eficiência do sistema, num quadro de crise e enfra-quecimento do Antigo Regime, buscando meios alternativos para pre-venir as dissidências e sublevações.

As considerações de D. Rodrigo sobre os domínios da Américase somaram aos inúmeros conselhos que o príncipe regente D. Joãoreceberia antes de transferir a Corte para o Brasil, efetuando uma ma-nobra política que imprimiu enorme singularidade ao processo deemancipação do Estado no caso brasileiro. Em 1803, o mesmo D.Rodrigo de Sousa Coutinho dirigiria para D. João uma memória sobre amudança da sede da monarquia portuguesa, justificando as razões dotraslado:

“Quando se considera que Portugal por si mesmo muito defensável, não é

a melhor, e mais essencial parte da Monarquia; que depois de devastado por uma

longa e sanguinolenta guerra, ainda resta ao seu soberano, e aos seus Povos o irem

criar um poderoso Império no Brasil, donde se volte a reconquistar, o que se possa

ter perdido na Europa, e donde se continue uma guerra eterna contra o fero inimi-

go, que recusa reconhecer a Neutralidade de uma Potência, que mostra desejar

conservá-la”38 .

Assim aconselhava D. Rodrigo o deslocamento da Corte para aempresa de “ir criar um poderoso Império no Brasil”. Dois anos antes, aidéia aparecera numa carta de 30 de maio de 1801, onde D. Pedro - omarquês de Alorna - expressava ao príncipe regente a sua avaliação daspossibilidades portuguesas naquela conjuntura:

“A balança da Europa está tão mudada que os cálculos de há dez anos

saem todos errados na era presente. Em todo caso o que é preciso é que Vossa

38 D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos:

Coleção Linhares: lata 2, apud Oliveira Lima, op.cit., p.54.

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Alteza Real continue a reinar, e que não suceda à sua coroa, o que sucedeu à de

Sardenha, à de Nápoles e o que talvez entra no projeto das grandes Potencias que

suceda a todas as coroas de segunda ordem na Europa. Vossa Alteza Real tem

um grande Império no Brasil, e o mesmo inimigo que ataca agora com tanta van-

tagem, talvez trema, e mude de projeto, se Vossa Alteza Real o ameaçar de que se

dispõe a ir ser Imperador naquele vasto território aonde pode facilmente conquis-

tar as Colônias Espanholas e aterrar em pouco tempo as de todas as Potências da

Europa. Portanto é preciso que Vossa Alteza Real mande armar com toda pres-

sa todos os seus Navios de guerra, e todos os de transporte, que se acharem na

Praça de Lisboa - que meta neles a Princesa, os seus Filhos e os seus Tesouros, e

que ponha tudo isto pronto a partir sobre a Barra de Lisboa, e que a pessoa de

Vossa Alteza Real venha a esta Fronteira da Beira aparecer aos seus Povos, e

acender o seu entusiasmo”39 .

O marquês de Alorna ainda observaria que, mesmo perdendo oterritório da metrópole européia para o inimigo invasor, estando naAmérica seria mais fácil resgatá-lo, mandando socorro. Sabia tambémAlorna do perigo das recomendações que fazia, mas não seria o único apensar nessa solução. Aí aparecem explicitamente as idéias da criaçãode um grande Império no Brasil e a transformação do monarca portu-guês em seu Imperador.

DO REINO UNIDO À INDEPENDÊNCIA

Os quatro primeiros anos da presença da Corte no Brasil, de 1808 a1812, pertenceram, como observou Max Fleiuss40 , ao Conde de Linharese à sua intensa atividade reformadora, mas caberá ao Conde da Barca,Antonio de Araujo e Azevedo a liderança do Gabinete na fase onde oBrasil foi elevado à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves.Apesar da conhecida atribuição dessa idéia ao príncipe de Talleyrand,que a teria sugerido ao conde de Palmela, a medida já fora proposta aD. João por um dos seus mais brilhantes conselheiros, Silvestre Pinhei-ro Ferreira, no ano anterior. Oliveira Lima considerou que a “elevação

39 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Marquês de Alorna, Carta de 30 de maio de 1801. Apud.

Oliveira Lima. Op. cit., p. 56.

40 Max Fleiuss. Op. cit., p. 88.

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42 Silvestre Pinheiro Ferreira. “Memórias Políticas sobre os Abusos Gerais e Modo de os Reformar

e Prevenir a Revolução Popular Redigidas por Ordem do Príncipe Regente no Rio de Janeiro em

1814 e 1815. Idéias Políticas. Rio de Janeiro, PUC/CFC/Ed. Documentário, 1976, p. 20-31.

41 Oliveira Lima, op. cit., p. 553.

do Brasil a Reino, além der ser uma afirmação solene da sua integrida-de territorial, foi a derivação lógica e a conseqüência necessária de umestado de coisas criado por circunstâncias fortuitas, mas não menosimperiosas”41 . Porém, é importante observar que o novo estatuto doBrasil, em 1815, correspondia àquela lógica projetista presente no pen-samento e na ação do Conde de Linhares que, falecendo em 1812, nãopode assistir ao novo passo na montagem do Império, luso-brasileiro,por ele sonhado.

Em parecer exarado a 22 de abril de 1814, Silvestre PinheiroFerreira apresentava uma proposta que abordava o problema do regres-so da Corte para Portugal e sugeria “providências convenientes para prevenir

a revolução” e “tomar a iniciativa na reforma política”. Para o conselheirotratava-se de “ suspender e dissipar a torrente de males, com que a vertigem

revolucionária do século, o exemplo dos povos vizinhos, e a mal entendida políti-

ca, que vai devastando a Europa, ameaçam de uma próxima dissolução e de total

ruína os estados de Vossa Alteza Real, espalhados pelas cinco partes do mundo,

quer seja pela emancipação das colônias, no caso de Vossa Alteza Real regressar

para a Europa, quer seja pela insurreição do reino de Portugal, se aqueles povos,

perdida a esperança, que ainda os anima, de tornar a ver o seu amado príncipe,

se julgarem reduzidos à humilhante qualidade de colônia”42 .

Silvestre Pinheiro Ferreira considerava que a conjuntura exigiaprovidências “grandes e extraordinárias” para enfrentar o perigo da revolu-ção nas duas principais partes do império. Era preciso “assegurar a integri-

dade da monarquia, sustentar a dignidade do trono, e manter o sossego e a felicidade

dos povos”. Com estes objetivos é que apresentava ao Príncipe Regente D.João um sumário das providências a serem tomadas, contendo leis, de-cretos e alvarás. No primeiro projeto de Lei recomendava que D. Maria Ifosse proclamada “imperatriz do Brasil e rainha de Portugal”, garantindo,para D. João, a regência do império do Brasil e dos domínios da Ásia e daÁfrica. Ao príncipe da Beira, D. Pedro, deveria ser entregue a regência dePortugal e ilhas dos Açores, Madeira e Porto-Santo, onde seria assistido

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pelo conselho de Estado até completar a idade de vinte anos. Recomen-dava, ainda, que após o falecimento da Rainha, D. João tomasse o títulode “imperador do Brasil, soberano de Portugal” e o príncipe da Beira o de “rei

de Portugal, herdeiro da coroa do Brasil, procedendo do mesmo modo a sucessão na

augusta descendência de Vossa Alteza Real”. O projeto recomendava, ainda,para as diferentes partes deste Estado multicontinental “uma só lei, e um só

legislador”, garantindo a sua unidade. Com isto, Silvestre Pinheiro Ferreiraprevia a definição de um novo estatuto para a América portuguesa, defi-nindo-a como Império e praticamente subordinando o Reino ao Brasil,uma vez que D. Pedro, como Rei de Portugal, deveria reinar sob a autori-dade de seu pai, Imperador do Brasil.

Na segunda lei proposta, o conselheiro sugeria a forma de divi-são dos domínios da coroa, estabelecendo uma ordem nobiliárquicapara a gestão do Império. Alvarás e decretos deveriam fixar as divisõesterritoriais dos títulos e as nomeações dos titulares. Também propu-nha, através de lei, a divisão administrativa e judiciária, abolindo “a

odiosa distinção de colônias e metrópole”. Com isto seria garantida a ascen-são aos títulos e cargos “sem distinção alguma de países”. Ao explicar, atra-vés de uma nota, os fins desta providência, Silvestre Pinheiro Ferreiraafirma:

“O primeiro é assegurar a Vossa Alteza Real e aos seus augustos suces-

sores no império do Brasil o exercício do poder legislativo no reino de Portugal,

sem que aqueles povos se julguem por isso reduzidos à categoria de colônia, ou de

algum modo minorados na independência, que de direito compete àquele reino. O

segundo fim é de estabelecer, por meio da promoção dos empregados de um tribunal

inferior a outro tribunal superior, seja do ultramar para o reino, seja do reino

para ultramar, uma rotação regulada e moderada, como consta da mesma lei, que

produz necessariamente uma extensa ramificação de interesses e de famílias, vín-

culo este que em toda a parte constitui a verdadeira idéia de pátria”.

O conjunto de medidas propostas incluía Alvarás e decretospara fixar as divisões territoriais mencionadas nas medidas anteriores eum Alvará com força de lei para regulamentar a administração da realfazenda, regulando o erário régio e o conselho da fazenda. É importan-te ressaltar que a “sede do império” não ficava estabelecida previamentena capital da antiga metrópole, devendo estar situada onde “o governo

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possa melhor acudir com providências à maior parte dos seus Estados; e donde

melhor possa paralisar a influência das potências estrangeiras, na parte que julgar

ser-lhe nociva”. Mais importante do que fixar a sede do Império pareciapara Silvestre Pinheiro Ferreira ser primordial “unir, de maneira indissolúvel,

as duas dinastias em uma só”. Com isto referia-se não apenas à casa reinan-te, mas à seqüência dinástica dos titulares que deveriam gerir as duaspartes do Império. A pedra angular de todo o edifício residiria em impedirqualquer distinção entre a América portuguesa e o velho Reino.

Ao procurar a reforma da monarquia, o Conselheiro buscavamodernizá-la, não com a adesão aos princípios liberais, de quem setornaria um dos maiores defensores e propagandistas, mas buscandoadaptar o novo estado às novas formas de ascensão social e política.Com isso considerava que “as instituições de nobreza devem variar, segundo

as leis, usos e costumes de cada nação, e de cada século”. Previa, então, que das“cinzas da antiga nobreza” deveria nascer “outra nova, cujas funções, honra e

vantagens sejam mais conformes aos usos e costumes do nosso século”. No senti-do de permitir a transição entre dois mundos e procurando adaptá-laaos novos tempos, permitindo a incorporação dos emergentes, admi-tia: “Cumpre combinar a nobreza hereditária com a de aquisição. É justo, que o

nascimento habilite. Mas é necessário, que, coeteris paribus43 , o merecimento pre-

fira”. Com isto Silvestre Pinheiro Ferreira defendia que “a promoção de

Portugal para o ultramar, e deste para aquele, forma estreito vínculo entre ambos

os países”. O Conselheiro parecia estar forjando um novo conceito dePátria e de Nação, ao idealizar um novo equilíbrio político sob umamonarquia dual, assentada numa aristocracia a ser plasmada a partir daaceitação da ascensão burguesa em coexistência com os direitos davelha ordem estamental. Seria uma forma de cooptar o mundo da em-presa, das finanças e da propriedade, no novo e no velho mundo, paraum projeto que visava impedir a eclosão da Revolução burguesa e po-pular nos dois mundos. Impedir o que viria a acontecer com o Vintismoe a Independência do Brasil. Contudo, no projeto do Conselheiro esta-vam, como no de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, as sementes da opçãomonárquica que daria a forma ao Estado autônomo brasileiro.

Kenneth Maxwell já havia nos alertado para as dificuldades enfren-tadas pelo projeto de império luso-brasileiro que talvez estivesse, desde o43 Expressão latina: em iguais condições.

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princípio, condenado a falhar. Para ele, “os conflitos fundamentais entreinteresses e ideologias e as tensões interiores à estrutura social e econômicado Brasil puxavam em muitas direções diferentes”44 . Maxwell apontou paraas dificuldades do processo, tendo em vista os obstáculos na alteração dasestruturas sociais básicas no Brasil, o que era um impedimento para a cons-trução de uma nova sociedade, observando ainda que, após a independên-cia, todas as alternativas para a transformação da organização econômicada mão-de-obra falharam. Suas análises, entretanto, apontaram para umaespecificidade na transição, dando relevo à atuação de letrados como JoséBonifácio de Andrada e Silva e ao que denominou de “geração de 1790”.Com isto também chamou a atenção para a especificidade das relaçõesentre o Brasil e Portugal a partir de meados do século XVIII, recuo funda-mental para a compreensão desta história comum aos dois países.

Há, todavia, uma dimensão insuficientemente estudada na transi-ção para a Independência e que corresponde às adesões ao modelo políticodo Reino Unido. Adesões no mundo letrado, do comércio e da proprieda-de, isto é, na base social do que virá a sustentar, em 1822, a própria auto-nomia. Um debate político impresso, revelado em folhetos que circularamdesde 1820, pode nos conduzir às atitudes de defesa da permanência dorei português no Rio de Janeiro.

Além dos folhetos impressos45 , há um conjunto de representações,no ano de 1821, onde o Senado da Câmara do Rio de Janeiro é tomadocomo uma espécie de via de acesso ao rei. Estas representações encami-nhadas pela Câmara exemplificam as adesões a uma concepção de trans-formação política que desejava conservar os reinos unidos e garantir apermanência de D. João VI no Brasil. Todas as representações são motiva-das pela iminência do retorno da família real a Portugal e se referem aodecreto de 7 de março de 1821. Na Representação dos habitantes do Rio de

Janeiro a D. João VI pedindo a sua permanência no Brasil46 , assim se expressamos signatários:

“Ao doloroso silêncio, que em nós, os habitantes do Rio de Janeiro, produ-

ziu o inesperado Decreto de 7 de março do corrente ano, sucedem necessariamente os

44 Kenneth Maxwell. O Império Luso-Brasileiro, p.383.

45 Seis folhetos foram reunidos, em fac-símile, no livro O Debate Político no Processo de Independên-cia. Introdução de Raymundo Faoro. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1975.

46 Bibliteca Nacional do Rio de Janeiro. Seção de Manuscritos: II-34,30,61.

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magoados gemidos, que agora exalamos aos Pés de Vossa Majestade cheios de

amor e respeitosa submissão, esperando que o melhor dos Soberanos não despre-

zará as súplicas do mais humilde e mais aflito de todos os povos, que sem preten-

der entrar nos Segredos da Alta Prudência do seu quase adorado Monarca, só

representa em lágrimas os motivos, que o fazem desaprovar a Real Determinação

de se mudar Vossa Majestade com a sua Corte para o antigo berço da Monarquia

Portuguesa, como uma calamidade particularíssima ao Brasil. O nosso cuidado

pela Augusta Pessoa de Vossa Majestade ainda mais que o nosso bem pela sua

Real Presença, neste País abençoado, obriga-nos as seguintes humildes representa-

ções, pouco ordenadas pela confusão da nossa dor, mal desenvolvidas pela rapidez

de uma mudança de tanta ponderação; porém muito sinceras e muito filhas do

nosso amor e respeito, que por tantas vezes havemos testemunhado, e que Vossa

Majestade tem feito público em eternos monumentos, que se difundem pela face do

mundo.

Quando no memorável Dia 7 de março do ano de 1808 Vossa Majesta-

de apareceu no seio deste povo, escapando felizmente a perfídia do usurpador dos

Tronos da Europa, nós, os habitantes do Brasil, vimos realizado o grande Plano

de alguns dos nossos antigos Monarcas, que conhecendo a pequenez dos Reinos de

Portugal e Algarves, em comparação com a magnanimidade de todos os seus habi-

tantes, consideraram sempre o Brasil como uma Égide da glória e do nome Portu-

guês. Os nossos aplausos por este rasgo da mais iluminada política de Vossa

Majestade foram respondidos na Europa por muitos e grandes Sábios, que então

viram erguer-se no Brasil um Império, que a Presença de Vossa Majestade fazia

grande e respeitável na geração presente, colossal e assombroso nos séculos futuros.

O céu pareceu igualmente confirmar este acerto de Vossa Majestade co-

brindo os nossos Bravos de imortais louros, em tantas e tão bem feridas batalhas,

que enriquecem as páginas da nossa história, mas ainda apressando-nos a Paz

Geral, tão necessária a verdadeira prosperidade dos Impérios, e muito principal-

mente aos que principiam a florescer. O rápido estabelecimento de tantos Tribu-

nais, e de tantas obras indispensáveis em uma Corte, obrigavam-nos a ver no

Brasil o mesmo quadro, que nos princípios do passado século a História nos

apresenta no Império da Rússia; a fundação da nova Capital de Petersburg pelo

grande Pedro, substituindo-a à velha Moscou, berço de quase todos os seus Czares,

não deixava a menor dúvida de que o estabelecimento do Trono Português no Rio

de Janeiro, depois de haver mudado de Lisboa, assegurava a Nação toda a mes-

ma, ou muito maior glória a face do mundo e dos Impérios os mais poderosos”.

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Esta representação dos habitantes da Corte tropical era assina-da por um grande número de sacerdotes, alguns ilustres como oMonsenhor José de Sousa Azevedo Pizarro e Araujo e o Cônego Januárioda Cunha Barbosa, que encabeçavam a lista ao lado de professoresrégios, advogados, militares, cirurgiões e comerciantes, gente do uni-verso letrado. Defendiam a permanência do Rei no Brasil utilizandouma retórica de súplica aos moldes do Antigo Regime, ao mesmo tem-po em que valorizavam o juramento do Rei à Constituição (no caso aespanhola) “que os povos pediram”, “reformando antigos abusos”. Argumen-tavam que para a manutenção dos três Reinos o Trono não precisavaestar na Europa, valendo mais que “ele se assente em um País mais amplo,

e mais suscetível de engrandecimento, como é o Brasil”, do que “num pequeno

País”. Apelavam para a paternidade real como “sinceros filhos” e assim sedefiniam: “Somos Portugueses, Senhor, somos fiéis e respeitosos vassalos, somos

interessados no bem do Monarca e da Nação; por isso chorando um futuro desgra-

çado e próximo, pela orfandade, em que seremos deixados, pedimos com amor e

com submissão, requeremos com justiça que viva sempre Vossa Majestade nos

braços dos seus fiéis habitantes do Rio de Janeiro, que tantos sacrifícios tem feito

por Vossa Majestade e que conhecendo o tesouro que possuem com a Pessoa do seu

Respeitado Monarca, empenham os seus corações, as suas vozes, e as suas lágri-

mas, para possuí-lo sempre defendido dos seus inimigos com a generosidade de

fiéis e honrados vassalos”.

O mesmo teor desse texto se repetirá nos demais, como aRepresentação da Corporação dos Ourives e Mercadores de Metais e Pedras

Preciosas e a Representação do Corpo de Comércio da Corte47 , que definia o“Brasil como o verdadeiro Corpo da Monarquia Lusitana”, apesar de reco-nhecer que o país devia “a Portugal sua existência, e vida”. Consideravam,ainda, os comerciantes que “Portugal hoje rico de Luzes, conhecendo o pouco

que vale, e pode por si só, devia sacrificar um pouco de seu melindre, como antiga

metrópole, ao bem de sua conservação, e grandeza, deixando-nos esta honrosa

qualidade, ou repartindo-a conosco de modo a se ajustar e decidir em Cortes”.Ambicionavam assim a manutenção da qualidade de sede da monar-quia para o Rio de Janeiro, recusando o retorno à condição de colôniae avaliando que o abandono do Brasil poderia levar à separação.A ausência do Rei conduziria às “querelas intestinas de independência e

47 BNRJ, idem.

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separação recíproca das Capitanias” e estas, por sua vez, “ensoparão de san-

gue este belo País, como ensangüentaram a América do Norte, e atualmente tem

desolado a América Espanhola”. Ressurgia também aí também um velhomedo, quando constatam: “nossa sorte será muito mais horrível por termos

um número imenso de bárbaros africanos entre nós”48 .

A defesa da união dos reinos também surgirá no expressivo Ma-

nifesto do Povo do Rio de Janeiro Sobre a Residência de Sua Alteza Real no

Brasil Dirigido ao Senado da Câmara, de 29 de dezembro de 198149 . Osujeito deste Manifesto é o “povo do Rio de Janeiro” que se dirige ao seu“legítimo representante” para que evitar que o Príncipe Regente D. Pedrotambém retornasse para a “antiga sede da Monarquia Portuguesa”. O tomdeste documento, porém, vai se distanciando das Representações ante-riores e a palavra “independência” aparece como o possível resultado daconvocação do Príncipe Regente pelas Cortes de Lisboa. O Manifesto

cita, em francês, a M. De Pradt50 na avaliação que fizera sobre a vindada Corte, seus condicionantes e resultados. O vocabulário e os argu-mentos usados no texto revelam uma rápida evolução, nas atitudes doscolonos, a partir do retorno do Rei. Os riscos da queda de status doReino do Brasil conduz a uma nova forma de utilização das palavras,em especial: nação, interesses nacionais, fraternidade nacional, prospe-ridade nacional e povo. Contudo, ainda é a união dos reinos que se querpreservar:

“O Brasil conservado na sua categoria, nunca perderá de vista as idéias

de seu respeito para com a sua ilustre, e antiga metrópole; nunca se lembrará de

romper esta cadeia de amizade, de honra, que deve ligar os dois continentes atra-

vés da mesma extensão dos mares que o separam; [...] este mesmo espaço nunca

será capaz de afrouxar os vínculos de nossa aliança, nem impedirá que o Brasil

vá ao longe com mais alegria, com a mão mais cheia de riquezas, do que ia dantes,

engrossar a grande artéria da Nação.51 ”

48 BNRJ, idem.

49 Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Caixa 740 - pac.4 - doc.3

50 Entre os vários textos que M. De Pradt escreveu sobre as colônias da América destaca-se DesTrois Derniers Mois de L’Amérique M’’eridionale et du Brésil. Paris: F.Bechet, Libraire, 2e. ed.,

1817.

51 ANRJ, idem.

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A idéia de rompimento, portanto, irá crescendo ao longo dosmeses e impondo novas atitudes. Os colonos potencialmente revolu-cionários, e alguns o foram, haviam se tornado súditos do impérioluso-brasileiro. Tratava-se agora de transitar para uma nova e difícilcondição, rompendo os laços com a Nação portuguesa. Os aconteci-mentos precipitaram-se conduzindo para a radicalização os que atéàs vésperas da Independência mantinham-se leais à monarquia lusi-tana. E este é o caso do próprio patriarca da Independência, JoséBonifácio de Andrada e Silva, cuja trajetória e importância é sempremerecedora de atenção. Bonifácio, ao proferir, em 24 de junho de1819, o seu último discurso na Academia de Ciências de Lisboa, àsvésperas da sua partida para o Brasil, já afirmava: “é forçoso deixar o

antigo, que me adotou, para ir habitar o novo Portugal, onde nasci. Assim o

requer a gratidão, e o ordena a vassalagem: assim o manda a honra, o instiga a

saúde, e a razão o exige”52 Vamos surpreendê-lo em dois momentos dasua correspondência aos Sousa Coutinho, seus protetores. Em 9 denovembro de 1803 escrevia José Bonifácio para o Conde de Linharesdefinindo-se como um bom servidor do Estado no cumprimento desuas obrigações, autodenominando-se como “bom português e fiel vassalo”,perfeitamente integrado à “nação” portuguesa e à sua história. Contu-do, na mesma correspondência, onde critica a conjuntura portuguesae o desrespeito às autoridades, aproveita para manifestar o seu desejode voltar ao Brasil para servir no posto de Intendente Geral das Mi-nas, pelo menos, no seu dizer: na administração das minas de Goiás,Mato Grosso e Cuiabá, onde teria, segundo ele, “campo mais vasto, e

menos dificuldades - em pouco tempo, trabalhando com sossego e prazer produ-

ziria muito mais, do que cá [Portugal]”53 . Ao avaliar o seu desejo deretorno à América, José Bonifácio confessava ao Ministro de D. João,seu amigo e protetor, que “saudades da pátria” foram avivadas “no ínti-

mo do meu coração”. Porém, quando o Andrada se expressava em docu-mentos oficiais, como na Representação ao Príncipe Regente [de 28 de julho

de 1811] acerca dos Estabelecimentos de Minas e Metais do Reino de

52 “Discurso Histórico Recitado na Seção Pública de 24 de junho de 1819 da Academia Real de

Sciencias de Lisboa pelo Secretário José Bonifácio de Andrada e Silva”. In Obras Científicas,Políticas e Sociais. São Paulo, 1963, vol.I, p.445.

53 BNRJ. Seção de Manuscritos. Coleção José Bonifácio: I - 4, 35.

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Portugal54 , os vocábulos Nação e Estado, como sempre, referem-se aPortugal e ao Reino e Pátria, com maiúscula, também a Portugal.

Outro momento significativo se daria após a morte do Condede Linhares quando José Bonifácio, ao escrever para um irmão de D.Rodrigo, afirma: “já estou velho e mal acostumado para ser sabujo e galopim de

ante-salas; mas, se me quisessem dar algum governilho subalterno, folgarei muito

em ir morrer na pátria e viver o resto dos meus dias debaixo do meu natural

Senhor pois sou português castiço”55 . Verificava-se aí a transição, ondepátria surgia como lugar de nascimento, ao mesmo tempo em que anacionalidade continuava a ser portuguesa. Com a radicalização doprocesso e o rompimento com as Cortes de Lisboa o discurso de JoséBonifácio, bem como o de seus contemporâneos também se radicaliza.Bonifácio passa a propor a D. Pedro um “basta” aos “insultos” e “despre-

zos da parte do Congresso de Lisboa” por parte dos “habitantes do Brasil” equestiona com energia:

“Porventura somos Escravos? Porventura o Brasil ainda está habitado

de hordas bravias sem civilização e sem política? Porventura a Providência fez

aparecer o Brasil, e depositou nas entranhas dos seus montes o ouro só para nutrir

o luxo, a magnificência, e orgulho europeu? Acaso somos mesmo ainda obrigados

a dissimular por motivos de gratidão? Que bens / não nos iludamos / que bens,

que favores tem o Brasil recebido de Portugal? Que cuidados, que desvelos, teve

nunca este Pai ingrato a respeito de um filho tão feliz disposição? Governá-lo por

mais de três séculos com um cetro de ferro? Um pai deve vigiar desveladamente

pela felicidade de seus Filhos: um Proprietário pelo aumento da sua propriedade,

e quando, em que época se pôde o Brasil lisonjear de ter exaltado esses sentimen-

tos, e gozado destas vantagens? Que ousem desmentir-nos: que apresentem os bens

que nos têm feito, e porem em imparcial balança os que do Brasil tem recolhido.

No decurso de tantos séculos só conhecemos a Portugal pelos males que dali

recebíamos; e agora, que havemos adquirido uma nova existência, havemos de

abjurá-la só pelo seu interesse?”56

54 ANRJ. Cod. 807, vol. 5, fls. 170-171.

55 Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva. Apud Hélio Vianna. “Correspondência de José

Bonifácio (1810-1820). Revista de História. Vol. 27. São Paulo, USP, 1963.

56 B.N.R.J. Seção de Manuscritos. Coleção José Bonifácio - I - 4,35.

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José Bonifácio prosseguia na radicalização, afirmando:

“Ah! Senhor, enquanto tivermos braços, enquanto tivermos corações, en-

quanto girar uma gota de sangue nas nossas veias, havemos de sustentar os nossos

Direitos à face da Nação, e do Mundo inteiro. A Independência ou a morte - eis

aqui a nossa divisa”.

Neste texto, o Andrada conclamava D. Pedro a aceitar o títulode Imperador do Brasil, “Imperador deste vasto, e riquíssimo Império”. A“nossa amada pátria” não exprime mais apenas o lugar de nascimento,mas o resultado de uma intenção política - voltada para o enfrentamentocom a velha metrópole e seus interesses. Para garantir direitos face ao“Mundo inteiro” seria preciso, todavia, atingir um padrão de legitimida-de para o novo Estado independente.

A autonomia se fez com o príncipe europeu tornado Imperador.Assim, o novo Estado apropriava-se da figura do herdeiro da dinastiados Bragança, apropriando-se também de todos os significantes quepoderiam permitir a sua legitimidade. Um indicador bastante interes-sante deste aspecto pode ser verificado na cerimônia da coroação esagração de D. Pedro como Imperador do Brasil realizada, na CapelaImperial do Rio de Janeiro, a 1º de dezembro de 1822, quando do ani-versário da aclamação de D. João IV como primeiro rei da dinastia deBragança. Com isto, dava-se, também, a apropriação da própria Histó-ria de Portugal e do passado monárquico da nacionalidade portuguesa,tomado aí como um instrumento eficaz para garantir o reconhecimen-to internacional da Independência. Daí não ser possível passar ao largoda dimensão simbólica da História, sem o estudo dos seus significados.A opção monárquica na formação do estado nacional no Brasil nãodeve ser entendida, portanto, como uma mera opção conservadora,mas uma escolha racional que procurava garantir um padrão de legiti-midade para a unidade territorial da América portuguesa. É obvio queesta dimensão não é auto-explicativa, estando irremediavelmente vin-culada aos interesses econômicos e políticos do mundo da propriedadena antiga Colônia.

Parece-nos, contudo, profundamente equivocado continuar areduzir a ação dos homens na história unicamente à condição de refle-xo dos interesses econômicos, perspectiva que vai se tornando cada

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vez mais insuficiente na análise histórica. É obvio que esses interessesmovem a vontade dos homens, mas num quadro de complexidade ondeos fatores de ordem ideológica cruzam-se com uma infinidade de as-pectos simbólicos. É preciso, nesta direção, compreender as constru-ções imaginárias instituidoras da própria sociedade e identificar os sig-nificados simbólicos do processo. No caso em questão tudo estava porconstruir: a unidade do território, a administração do novo estado in-dependente, as instituições estruturantes da sociedade, os padrõescivilizatórios e a própria nação. Tratava-se de um conjunto de tarefasdifíceis e polêmicas, onde a produção simbólica foi peça fundamental;daí a importância assumida pela escrita da história, pela produção lite-rária e pelas artes plásticas num processo que é fundador da Naçãocomo “comunidade imaginada”57.

O projeto de fundação da nacionalidade, é importante ressaltar,não se esgota na implantação do Estado independente. É preciso orga-nizar, para efeito interno e externo, uma nova rede simbólica que afir-me a soberania e a legitimidade do novo Estado nacional. É isto quetorna importante investigar as “invenções” da nacionalidade, bem comoas idéias de criação de um povo a caminho da civilização. Por outrolado, é sempre bom lembrar que estas reflexões em torno dos projetoshegemônicos de construção do estado e da nação ainda não abrangemas especificidades dos projetos de âmbito regional expressas, no casobrasileiro, nas revoltas do período regencial e da primeira fase do reina-do de D. Pedro II. Há muita coisa para ser estudada e reexaminada nahistória das províncias, antigas capitanias, e nos projetos alternativos,ou dissidentes, que nelas eclodiram. São os outros Brasis possíveis,que certamente teriam conduzido à fragmentação do território da anti-ga América portuguesa e ao surgimento de repúblicas, como ocorreuna parte espanhola do continente. Os elementos que reunimos nestetexto são indicadores de aspectos que precisam ser aprofundados erediscutidos.

Vamos recorrer, mais uma vez, ao Patriarca. Desta vez em 2 desetembro de 1823, por ocasião de uma entrevista no jornal de O Tamoio,

57 A expressão é usada aqui no sentido atribuído por Benedict Anderson em Nação e ConsciênciaNacional. São Paulo, Ática, 1989, p.13-16.

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publicada em forma de Carta ao Redator, onde ele mesmo constrói asua localização no processo histórico recente e justifica a opçãomonárquica:

“...eu tive a desgraça de ser o primeiro Brasileiro que cheguei aser Ministro d’Estado: isto não podia passar pela goela dos Europeus, eo que é pior, nem pela de muitos Brasileiros. Ajunte a isto que fui tam-bém o primeiro que trovejei das alturas da Paulicéia contra a perfídiadas Cortes Portuguesas: o primeiro que preguei a Independência e aliberdade do Brasil, mas uma liberdade justa e sensata debaixo das for-mas tutelares da Monarquia Constitucional, único sistema que poderiaconservar unida e sólida esta peça majestosa e inteiriça de arquiteturasocial desde o Prata ao Amazonas, qual a formara a Mão Onipotente esábia da Divindade”.

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IDENTIDADE, SOBERANIA E INTEGRAÇÃO SOB O IMPACTO DAS

NOVAS TENSÕES ECONÔMICAS GLOBAIS

Gilberto Dupas

INTRODUÇÃO

Após quase duas décadas de implantação de profundas refor-mas associadas à abertura e à integração de mercados, os grandes paí-ses da periferia do capitalismo têm tido medíocre desempenho do PIB,piora na concentração de renda e aumento da exclusão social. Comodecorrência, aparecem sintomas de erosão de legitimidade das repre-sentações políticas que sustentaram esses programas de reformas. Origor do cumprimento de metas de orçamentos públicos equilibradosacarretou uma redução significativa dos recursos alocados a programassociais e de emergência, justamente no momento em que a exclusãoacentua a demanda por esses programas. Esses países estão acuadoscom o atual nível de violência de suas sociedades e seus governos têmperdido capacidade de mediação dessas tensões utilizando os contro-les tradicionais. Os Estados nacionais manifestam progressiva dificul-dade de legitimarem-se com ações de comando e de organização. En-fim, as pressões das lógicas inerentes ao processo de globalização so-bre essas nações e sobre o espaço remanescente de governabilidadetêm feito crescer os problemas envolvendo preservação da identidade,exercício da soberania e, por decorrência, dificultando a viabilidade deintegrações regionais.

As políticas de blocos regionais têm se constituído em tentati-vas de articulação de políticas nacionais defensivas ou ofensivas, vi-sando ampliar hegemonias ou resistir a ataques hegemônicos, median-te processos de integração. Esses mercados comuns - em alguns casosprojetos supranacionais mais ambiciosos - podem se constituir em even-tuais proteções temporárias às tendências avassaladoras de globalizaçãodos mercados. No entanto, até aqui eles não tem garantido estruturas

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permanentes que permitam arranjos econômicos suficientementesinérgicos que compensem as limitações quanto às questões de sobera-nia e identidade.

Resumo, a seguir, a análise que pretendo fazer nesse texto: ini-cialmente examino as importantes forças que tem surgido como resis-tência às experiências de integração; em seguida as experiências da UniãoEuropéia e do Mercosul; por fim, a radical mudança nos atores queatuam na economia global e suas conseqüências para as questões deidentidade e soberania.

No mundo que emergiu depois do final da guerra fria e dosblocos Leste-Oeste reapareceram antigas fronteiras e surgiram fortespolicentrismo nos quais, em vários casos, os diferenciais ideológicosretrocederam em favor de antigos substratos culturais. A União Eu-ropéia, por exemplo, tem a pretensão de uma fusão monetária comforte homogeneização das políticas macroeconômicas, ampliando ho-rizontes nacionais e índices de produtividade sem perda de legitimi-dade política. Este início de novo século será um importante testepara os resultados dessa integração. Os desafios são imensos: épreciso garantir crescimento econômico e recuperação do euro, bai-xar o desemprego para aliviar as tensões sociais e modernizar a estru-tura da Comissão Européia, estabilizar a situação dos pequenos paí-ses da área e testar a tese alemã de incluir os países do leste. O queestá em jogo nessa aposta é a viabilidade de unidades políticas maio-res e regimes supranacionais que, sem necessariamente romper a ca-deia de legitimação democrática, possam compensar a perda de fun-ções do Estado nacional.

No continente americano o Nafta acabou constituindo-se numarranjo sinérgico e geopoliticamente adequado para os três parceirosenvolvidos. Bem diferente é o caso do Mercosul. O comércio internoentre seus parceiros havia evoluído de US$ 4 para US$ 20 bilhões entre1990 e 1998, sendo que 60% desse volume veio da troca intra-cadeiasindustriais. Porém o tão elogiado modelo de regionalismo aberto, ca-racterística do bloco, acarretou um novo desequilíbrio estrutural nabalança comercial de seus países. Enquanto as importações de fora daregião cresceram 146% naquele período, a exportações evoluíram

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apenas 61%. No ano típico de 1997, anterior ao início da crisedesencadeada pela desvalorização cambial brasileira, os déficits na áreade manufaturas para com o Nafta, a UE e o resto do mundo estiveramlonge de serem compensados pelos pequenos superávits na área doagribusiness, gerando um déficit comercial geral de US$ 25 bilhões parao bloco. Para tanto contribuíram razões intrínsecas de produtividadesistêmica, fortes restrições tarifárias e não tarifárias à entrada de pro-dutos da área nos EUA e pesados subsídios da UE aos seus produtorese produtos agrícolas.

De fato, a abertura econômica acentuou o desequilíbrio ex-terno estrutural na América Latina. A lógica das cadeias produtivasglobais exige mais importações do que permite exportações. A conse-qüência é um regime do tipo stop and go, que limita o crescimento aalgo entre 2 e 3%. Esse desequilíbrio não será resolvido pelo merca-do financeiro e provavelmente também não o será pela entrada maci-ça de investimento direto. Sua superação irá depender da condiçãode exportação de maior valor adicionado, incorporando localmenteetapas tecnológicas de agregação de valor, reforçando acompetitividade sistêmica e a eficiência individual e lutando tenaz-mente pelo acesso aos mercados internacionais restritos, especialmen-te no agribusiness.

A crise cambial brasileira e a desvalorização do Real em janeirode 1999 trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia dadefinitiva consolidação e ampliação do Mercosul. Se o desejar, o próxi-ma administração norte-americana implantará com facilidade a Alcainiciando pelo pequenos países - onde mínimas concessões de quotaspodem significar o equilíbrio tão almejado da balança comercial - ne-gociando acordos especiais com o Chile e a Argentina e isolando oBrasil.

Quanto aos atores da lógica global, o mundo tem assistido, emtodas as áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incor-porações motivado pela novo padrão competitivo que pressupõe sal-tos tecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resulta-do é que o volume de fusões e aquisições operado no mundo evoluiude 150 para 720 bilhões de dólares entre 1990 e 1999.

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Complementaridade e especialização são fatores que defi-nem as decisões estratégicas desses atores, as grandes corporaçõesglobais, em busca de maximização de seus lucros. É dentro destecontexto, informado pela lógica da fragmentação das cadeias glo-bais, que as decisões de investimento são tomadas. As grandes em-presas, atores principais que regem a nova economia mundial, con-centram-se cada vez mais. Isso não significa, porém, que o espaçodas pequenas e médias empresas irá desaparecer. Atualmente elasassumem um novo papel, associando-se aos líderes das cadeias pro-dutivas, graças à possibilidade de controle descentralizado da in-formação e de sua integração em um sistema flexível associado asuas estratégias globais.

Essa radical tendência de concentração das corporações naeconomia global, somada aos intensos processos de privatizaçãoque transferiram um imenso patrimônio produtivo das mãos dosEstados nacionais para o controle das grandes corporações, provo-cam uma rápida mudança dos atores do cenário econômico em vári-os dos grandes países da periferia do capitalismo mundial , comimportantes decorrências sociais, políticas e culturais. Uma novaelite econômica mais concentrada e internacionalizada assume acena. A questão fundamental relativa a essa radical mudança deatores é a percepção das diferenças de interesse dos Estados-nacio-nais e essas corporações globais. Quando situações futuras torna-rem esses interesses divergentes - indexações tarifárias, qualidadedos serviços públicos, remessa de lucros e questões tributárias, ape-nas para citar alguns exemplos - os governos desses países estarãopressionados por forças muito atuantes e gigantescos lobbies e pre-cisarão estar muito bem preparados para identificar e saber oporcritérios soberanos à pressão econômica, agindo no sentido do me-lhor interesse nacional.

No momento em que a dinâmica da globalização passa a mos-trar com nitidez a sua face socialmente perversa e uma crise de legiti-midade das representações políticas atinge até os países capitalistas demaior tradição de estabilidade democrática, introduzem-se importan-tes tensões entre os problemas de identidade, autoridade e igualdade.Torna-se uma questão obrigatória que as estratégias de crescimento,

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especialmente dos grandes países da periferia, contenham necessaria-mente políticas redistributivas que enfrentem a questão crônica da con-centração de renda e da pobreza. Nessas circunstâncias, do ponto devista da democracia, o desafio de reconstruir a governabilidade - o queeqüivale a reconstruir o próprio Estado - passa a ser crítico em função dadeterioração difusa do tecido social, da criminalidade e da violência ur-bana crescentes, com conseqüente surgimento de espaços onde a autori-dade estatal não tem tido condições de se fazer valer de modo efetivo.

Por outro lado, a reconstrução o Estado outorgando-lhe novospapéis condizentes com a exigência do mundo global tem como locus aredescoberta da identidade coletiva, ou seja, de uma nova visão com-partilhada do interesse comum “possível” em tempos de globalização.Identidades nacionais se formaram no contato e na interação com oOutro. Se a nação nasce de um postulado e de uma invenção, ela sóvive pela adesão coletiva a esta invenção, ou seja, por obra dainteriorização de uma cidadania, daquilo que é considerado o repertó-rio comum. Ressalte-se que os indivíduos continuam a projetar suasexpectativas, reivindicações e esperanças sobre as nações a que per-tencem. As nações e os Estados que as representam são e permanecemsendo indispensáveis instâncias públicas de intermediação com a po-pulação e com o mundo.

Uma das principais constatações vindas da observação da se-gunda metade do século XX é que um desenvolvimento econômicoauto-sustentado exige mercados ativos escorados por sólidas institui-ções públicas. Toda a economia de mercado bem-sucedida foi umamistura de Estado e mercado, “laissez-faire” e intervenções. Não é poroutra razão que os países que tiveram melhor desempenho foram osque liberalizaram parcial e gradualmente sua economia. A liberdadecrescente aos mercados tornou os Estados latino-americanos progres-sivamente inábeis e sem órgãos reguladores para enfrentar a turbulên-cia econômica mundial. É preciso, além disso, combinar as oportunida-des oferecidas pelos mercados internacionais com uma estratégia dedesenvolvimento doméstico que estimule o lado agressivo dos empre-endedores locais.

Um importante equívoco de alguns dos grandes países da peri-feria que se inseriram no comércio internacional foi terem confundido

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abertura com estratégia. A abertura econômica é uma mera circuns-tância da nova ordem internacional. No entanto, essa circunstânciatorna ainda mais importante a definição de uma estratégia. Aintegração de um país à economia mundial não substitui estratégiasde desenvolvimento.

Nos próximos itens procurarei detalhar vários dos conceitos aquiformulados.

AS FORÇAS DE RESISTÊNCIA ÀS INTEGRAÇÕES

As políticas de blocos e as crescentes pressões de liberação docomércio mundial convivem com forças simultâneas de dissolução eafirmação de identidades. De um lado, os mecanismos de mercadoscomuns regionais como tentativas de proteção parcial - e, provavel-mente, provisória - para algum espaço da soberania; de outro, odesencadeamento de forças de fragmentação e afirmação de identida-des nacionais, étnicas, religiosas e culturais. Um caso interessante so-bre a perplexidade gerada por essas forças contraditórias é o Canadá.Uma questão perturbadora para a opinião pública canadense no pós-Nafta é se o seu país sobreviverá como nação independente ou tornar-se-á, dentro de algum tempo, uma espécie de 51o. estado americano.Para John Gray, em seu livro Lost in North America, “o Estado-naçãoCanadá virou uma concha sem conteúdo. Se alguém encosta-lo no ou-vido conseguirá ouvir o oceano”. Os 80% dos canadenses que falaminglês lêem praticamente os mesmo livros, acompanham as mesmasligas esportivas e vêem os mesmos filmes e programas de TV dos ame-ricanos. Os burocratas dos dois países trabalham para harmonizar aimigração, a alfândega, as leis a circulação de bens no perímetro co-mum. Em recente pesquisa metade dos consultados apoiavam a idéiade elegerem representantes ao Congresso dos EUA e descreviam-secomo “essencialmente” iguais aos americanos. E um terço deles mani-festou-se favorável à transformação dos dois países em um só. No en-tanto, em grande parte do último século, as elites empresariais e políti-cas canadenses tentaram tenazmente criar uma identidade nacionalcultivando o anti-americanismo através do protecionismo e da políticaexterna independente. Hoje percebem que é a questão da afirmação de

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uma identidade nacional, submetida ás forças da globalização, trans-formou-se em algo mais sutil. A questão é verificar em que termos essaafirmação é ainda possível e necessária.

Pretendo, inicialmente, aprofundar a análise das forças que sur-gem como resistência importante às integrações. A imposição de uni-dades artificiais - ainda que legitimadas por consensos circunstanciais -tem um exemplo radical no fim do comunismo. Ele provocou osurgimento da separação, não da comunhão. Alain Finkielkraut lembraque “reapareceram antigas fronteiras, rugas esquecidas ressurgiram norosto da humanidade européia.” O desenrolar de crises no leste euro-peu nos dá a entender que, embora isso possa parecer irônico oudecepcionante, nos dias de hoje, por vezes, a única forma de chegar auma coexistência entre os povos consiste em separá-los.

O dilema para as pequenas nações parece mais grave, já queintegração muitas vezes pode significar desaparecimento; não é o seutamanho ou a sua superfície territorial que as caracterizam, é o seudestino. Pequeno, nesse caso, significa precário e perecível. Finkielkrautrecorda que a pequena nação é aquela cuja existência pode, não impor-ta em que momento, ser posta em dúvida; que pode desaparecer, e quesabe disso. Não é à toa que o hino polonês começa com : “A Polôniaainda não morreu.” Para compreender as nações pequenas é necessárioa experiência da fragilidade e a angústia do perecer.

Em 1930 o romancista húngaro Dezso Kosztolanyi escreveuuma carta aberta a Antoine Meillet, professor do Collège de France,autor do famoso Les langues dans l’Europe nouvelle, atacando sua idéiaque o velho mundo de múltiplas linguagens retardava o progressotécnico e adiava o espetacular avanço das comunicações na Europa.Ambos profundamente europeus, o moderno Meillet queria tornar aEuropa clara e distinta, impor-lhe regras precisas, racionalizá-la. ParaKosztolanyi, pelo contrário, a Europa é essa realidade obstinada quenão se deixa dissolver em pura funcionalidade. “Onde Meillet vê umescândalo, apresenta-se a Kosztolanyi um recurso e um dom”, dizFinkielkraut.

Apesar dos avanços, as maiores dificuldades atuais na integraçãoeuropéia vêm desses complexos paradoxos. Valulik lembra que a alma

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complicada da Europa procede do seu terreno, do contorno onduladode suas margens, da altura de suas montanhas, do clima e da direçãodos rios. Em cada enseada mandava um duque diferente; cada ilha ti-nha seu rei. E, como do outro lado de cada montanha falava-se umaoutra língua, era impossível estabelecer uma administração única. Ne-nhum conquistador pôde apoderar-se da Europa de uma assentada,esbarrava sempre num obstáculo que o fazia perder tempo e força; nosterritórios conquistados, deixava atrás de si comunidades insurretas que,apesar de suas dimensões, proclamavam-se Estado, faziam de seu dia-leto uma língua administrativa. Expulsos de um lugar, pregadores, pro-fessores, artistas, cientistas, instalavam-se um pouco mais longe, lá fi-cavam e ainda estão até nossos dias.

Faz parte, por exemplo, da identidade profunda francesa nãoexistir lugar para a atenção às particularidades. Enquanto na Alemanharomântica se é, em primeiro lugar, alemão e depois homem através desua qualidade de alemão, na França de Montesquieu, Voltaire, pensa-se espontaneamente que se é homem por natureza e francês por aci-dente. Para o cidadão francês seu país é a democracia, a república.Alguns deles dirão que a França mostrou ao gênero humano e ao mun-do o caminho dos direitos do homem e do cidadão. Valéry já observavaque a particularidade dos franceses é a de se crerem e se sentirem oshomens do universo.

A queda do muro de Berlim precipitou acontecimentos como acrise do golfo e a tragédia Kosovo. Eles evidenciam a importância dastradições culturais que dão suporte às sociedades em conflito porhegemonias regionais ou globais. O mundo que emerge depois do finalda guerra fria e dos blocos Leste-Oeste caracteriza-se por um fortepolicentrismo no qual os diferenciais ideológicos retrocederam em favordesses substratos culturais.

A visão de uma unidade européia pressupõe que o engajamentocom a própria realidade particular tenha como contraponto uma amplavisão universal. No momento atual, o renascimento dos Estados-na-ção ou de toda a plêiade de nações sem Estado candidatas a esse esta-tuto convive com uma pálida idéia europeísta entregue às cegas forçasda economia e da burocracia.

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A UNIÃO EUROPÉIA E SUAS TENSÕES

Na União Européia, a maior experiência mundial em integraçãoeconômica, essa política encerra conceitos mais amplos, tendo a pre-tensão de uma fusão monetária com forte homogeneização das políti-cas macroeconômicas, através do estabelecimento de metas e compro-missos de performance. O caso da UE é apontado por AnthonyGuiddens como um exemplo de operação ofensiva visando ampliar ho-rizontes nacionais e índices de produtividade sem perda de legitimida-de política.

No entanto, a União Européia continua a avançar em ritmo in-constante. No ano que passou a Europa ocidental, com menos de 7%da população e quase 31% do PIB mundiais, gerou 25% da nova rique-za global. Já os EUA, com PIB e população semelhante aos europeus,foram responsáveis por 46% desse acréscimo de riqueza. Numa déca-da que havia iniciado com a comemorada derrubada das fronteiras les-te-oeste e que terminou com a consolidação da União Européia, oscinco principais países da região, responsáveis por quase 70% do seuPIB (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Itália e Espanha) tiveram o cres-cimento econômico médio decepcionante de 1,6% ao ano. As esperan-ças de recuperação começaram a vir em 1999, quando esse númerosubiu para 1,9%. E estão presentes nas projeções para 2000, quando seprevê um salto para 3,0%. Quanto ao desemprego, depois de ter assus-tado a região ao evoluir de 7% no início dos anos 1980 para mais de11% em 1998, finalmente iniciou um declínio que espera-se possa per-manecer.

Agora com a Grécia sendo admitida como mais um país da “zonado euro”, restam apenas três membros da UE fora do sistema de moe-da única: Grã-Bretanha, Suécia e Dinamarca. O comportamento doeuro, no entanto, causa grande perplexidade com sua constante depre-ciação, tendo atingindo um novo recorde de baixa diante do dólar e doiene. Políticos e investidores continuam desorientados em relação àfraqueza da moeda européia. Ainda que seja consenso que ele tenhacomeçado sua vida como uma moeda superavaliada em relação aosfundamentos econômicos como custos relativos e desempenho das ex-portações - e que foi impulsionado artificialmente no final de 1998 por

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uma euforia pouco racional sobre as sinergias da integração e a pers-pectiva de uma depressão nos EUA - nos últimos meses esses funda-mentos melhoraram e a moeda não reagiu. Na verdade, depois que oeuro caiu abaixo de US$1,00; todos os países da Europa se tornaramcompetitivos com relação aos EUA, exceto a Alemanha. Agora, com aatual cotação abaixo de US$ 0,90; até a indústria alemã está recuperan-do sua competitividade.

Todas as questões e dificuldades já relatadas aparecem ao ana-lisarmos o quadro atual da integração européia e seus dilemas. O “nú-cleo duro” da UE - França e Alemanha - continua ensaiando divergên-cias e aproximações. Em agosto de 2000, na véspera de sua posse napresidência rotativa da UE, Jacques Chirac pediu apoio ao governoalemão para seu projeto de integração da Europa em “duas velocida-des”. Aqueles que queiram acelerar a integração deveriam estar livrespara fazê-lo, mantendo o direito de uma velocidade menor para aque-les que preferirem um processo mais lento. Esta parece ser uma respos-ta francesa à proposta do chefe da diplomacia alemã, Joschka Fischer,de acelerar a formação de uma federação européia. Chirac sugere queFrança e Alemanha avancem mais rápido na consolidação política eeconômica do “núcleo duro”. Tony Blair reagiu imediatamente dizen-do não se sentir isolado. No entanto sua oposição, em especial o líderdo Partido Conservador Francis Maude, acusou França e Alemanha depretenderem um superestado para empurrar a Inglaterra para as mar-gens da Europa.

Na França, a manutenção de uma excelente taxa de crescimen-to para os padrões europeus - 3,0% nos últimos 3 anos e 3,7% no perí-odo em curso, contra a média de 1,6% da década para o conjunto daregião - e uma queda razoável no alto nível de desemprego - 12,5% em1997 contra os atuais 9,8% - dão fôlego temporário a seus líderes paraposições mais amplas sobre a Europa e o mundo. Desde o último verãotem se elevado o tom da sociedade civil francesa contra globalização.Seu impacto na política francesa pode marcar alterações nocorporativismo agrícola usual. Um público cada vez mais em dúvidacontinua a pagar - contando com grande contribuição da Alemanhaatravés de fundo específico da UE - enormes subsídios à sua agricultu-ra, para preservar a atividade e a paisagem rural, além de não tantos

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empregos. Isto permite à França continuar a ser o segundo maior expor-tador agrícola do mundo. Mas o conceito de multifuncionalidade agríco-la, defendido pela nova geração, abrange um horizonte mais amplo, umavisão cultural e de saúde pública, projetando-se para a sociedade comoum todo e exigindo novos posicionamentos do lobby tradicional.

Cerca de 70% dos cidadãos franceses são agora a favor daintegração européia. Mas um percentual ainda maior cobra da UE aluta contra os efeitos da globalização. O ciclo francês da ConferênciaIntergovernamental, que agora se inicia, enfatizará a maior autonomiade seus membros e posições mais firmes da UE em relação aos EUA. EChirac também anuncia uma agenda social dando prioridade ao empre-go e uma carta de direitos fundamentais do cidadão europeu. PascalLamy, o comissário do comércio sucedeu um ultraliberal, o inglês LeonBrittan e é sensível a algumas posições francesas a favor damultifuncionalidade da agricultura, da competição multilateral e da ga-rantia de segurança alimentar. As posições originais francesas sobre aglobalização podem encontrar aliados em outras partes do mundo. Háinúmeras razões para o descontentamento com a imposição do padrãoglobal norte-americano, especialmente nos grandes países da periferiado capitalismo. E a UE, especialmente se conseguir superar suas pró-prias contradições, como o pesadíssimo subsídio agrícola que prejudi-ca as exportações dos países mais pobres, pode significar uma novaforça ideológica que equilibre as posições mais radicais de livre comér-cio exacerbado.

Quanto à Alemanha, a comemoração dos 20 anos de início dasnegociações para a reunificação e dos 10 anos da queda efetiva domuro se dão com sinais alentadores de retomada do crescimento. Elaconstituiu-se, sem dúvida, num dos mais ousados experimentos políti-cos, sociais e econômicos do século que passou. Com custos e ônusque superaram as expectativas, ainda assim o país cresceu tanto quan-to a França na última década, ainda que ambos os países tenham cres-cido a um modesto índice médio anual de 1,6%. Com o índice de de-semprego fortemente pressionado pela região leste, que ainda carregataxas de mais que o dobro do restante do país. Finalmente tem-se con-seguido reduzi-lo nos últimos 3 anos, com a ajuda da economia que seaquece mais um pouco e aponta para 2,6% em 2000. Os inevitáveis

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compromissos políticos, no entanto, causam pressões de ambos os la-dos de um país ainda marcado pela divisão. As projeções indicam que aAlemanha deverá se converter nas próximas 3 décadas na nação com amaior idade média do mundo. No entanto, ainda no último outono eu-ropeu o chanceler Schröeder mostrou-se sensível à reivindicação dossindicatos de reduzir a idade de aposentadoria de 65 para 60 anos,desde que conseguisse os fundos necessários. As projeções oficiais,porém, mostram que uma das condições para conter os déficits cres-centes na previdência alemã será de elevar as taxas de contribuição de19,3% dos salários brutos para 22% nos próximos 30 anos, bem comoreduzir os benefícios de 70% para 64%. São contradições que só pode-rão caminhar para a superação se a Alemanha continuar a crescer emconjunto com a UE.

Do outro lado do Mar do Norte, mais uma vez a práxis políticade regimes democráticos obrigados a enfrentar regularmente as urnasteima em desmentir os enunciados retóricos dos seus dirigentes. Emfunção da aceleração do seu crescimento econômico, que de modestos1,8% em 1999 - e média de 2,2% na década - aponta para 3,0% para2000, a Grã-Bretanha prevê o maior superávit orçamentário dos últi-mos dez anos. O governo Tony Blair anunciou que a maior parte desseganho inesperado será utilizado para aumentar os gastos com saúde eeducação, tentando uma vez mais atenuar as reações ao discurso da“terceira via”, que propõe uma inevitável redução dos programas dewelfare state. Essa pode ser uma resposta ao aumento das tensões soci-ais e da exclusão social em áreas do país, em especial regiões urbanasdeterioradas, o que faz do aumento do crime e do vandalismo umaansiedade nova para mais de 60% da população das cidades inglesas.

Finalmente a Itália, o quarto maior parceiro da União Européia,convive com sua crise recorrente e com um regime que já gerou, nopós-guerra, tantos primeiros-ministros quantos foram os anos desteperíodo. As reformas no sistema político operadas a partir de 1990foram cosméticas; desde lá o país estagnou, amargando o menor cresci-mento médio entre os grandes países da Europa, com apenas 1,2% aoano. Após a renúncia de Massimo D’Alema, têm aumentado as pres-sões para uma verdadeira reforma política que enseje a formação deconsistentes alianças eleitorais e um sistema bipartidário com maiorias

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sólidas. Mas ainda é cedo para saber quando a Itália conseguirá adotarpolíticas econômicas consistentes que permitam retomar seu cresci-mento auto-sustentado.

Este início de novo século será, pois, um importante teste paraos resultados da integração européia. Ao lado da anunciada recupera-ção do crescimento, ele terá que garantir a recuperação do euro, funda-mental à lógica da UE, que vem de contínua depreciação em relação aodólar desde sua criação. O desemprego precisa baixar mais para aliviaras tensões sociais e dar consistência à retórica da cúpula da UE demarço, em Lisboa, que garantiu uma política de “maior solidariedade ebusca do pleno emprego”. Finalmente, os planos de modernização daestrutura da Comissão Européia necessitam caminhar. Eles são essen-ciais para estabilizar a situação dos pequenos países da área e paraviabilizar a tese alemã, assimilada pela maioria, de ampliar seus mem-bros com a inclusão de países do leste, esse conjunto incerto de peque-nas nações entre a Rússia e a Alemanha, sempre em sobressalto porquesua existência parece precária e perecível. Trata-se, portanto, de umapauta imensa, plena de riscos. A hipótese de sucesso é que a UE possasuperar seus desafios e se viabilize com uma moeda forte e um novopoder real que equilibre uma hegemonia unipolar norte-americana po-tencialmente perigosa para o equilíbrio deste mundo global e plural.Mas ela não é a única. O que está em jogo nessa experiência é a viabi-lidade de unidades políticas maiores e regimes supranacionais que, semnecessariamente romper a cadeia de legitimação democrática, possamcompensar a perda de funções do Estado nacional. Porém, a política sóserá capaz de “ter precedência” sobre os mercados globalizados quan-do lograr produzir, a longo prazo, uma sólida infra-estrutura regulatóriaque não seja desvinculada dos processos de legitimação. Na realidade,a solidariedade cívica, hoje restrita ao Estado nacional, teria de se es-tender de tal forma que, por exemplo, portugueses e suecos se dispu-sessem a amparar uns aos outros.

Diante deste quadro complexo de desafios e possibilidades, oscenários de médio prazo para a Europa - segundo a Forward StudiesUnit da Comissão Européia - são variados e complexos. O sucesso daspolíticas de integração e do esforço institucional para sua legitimação,associado a um eventual período de crescimento econômico mundial,

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pode sustentar Governos e estruturas públicas renovadas implantandoreformas no mercado de trabalho e no welfare, incluindo pactos de gera-ção de emprego e mecanismos de estabilização cíclica, permitindo avan-ço simultâneo da globalização e dos regionalismos e consolidando aUE. Num cenário neoliberal mais agressivo, porém, com o eventualsucesso de medidas de flexibilização das políticas trabalhistas e tribu-tárias é provável um forte crescimento do crime organizado e dos pro-blemas ambientais. Sob comando de uma nova elite política, em confli-to com a burocracia e os sindicatos, a Europa poderá crescer mais rápi-do, mas com aumento da desigualdade e exclusão. Um outro cenáriopossível leva em conta uma redução do crescimento do comércio mun-dial. A exploração da biotecnologia pode ter forte oposição popular,com as grandes organizações, os governos centrais e a mídia globalprogressivamente hostilizados pela opinião pública e com grande ex-plosão de operações pessoais via redes eletrônicas. Várias regiões ecidades podem se atritar contra governos centrais, provocando grandescrises nos Estados-nação. Algumas funções públicas poderão passar aser exercidas por associações e organizações privadas trazendo de vol-ta a crença na solidariedade entre vizinhos e na auto-ajuda, juntamentecom uma onda de anti-consumismo e do-it-yourself, mas com grande ade-são às tecnologias de informação, com os valores “verdes” em alta.Multiplicar-se-ia o espaço das ONGs, mas a violência em muitas áreaspoderiam ficar fora de controle, com agravamento dos conflitos étni-cos na Europa Central e Oriental. Finalmente, um subproduto aindamais pessimista do cenário anterior pode ser vislumbrado caso hajauma forte recessão mundial, com a UE ficando em progressiva desvan-tagem na competição mundial, especialmente em alta tecnologia. Nes-te caso pode aumentar a intolerância e o racismo, crescer a preocupa-ção com estabilidade econômica , criminalidade urbana, máfias e guer-ras próximas. Os grandes países podem tender a aumentar sua seguran-ça para recuperar autoridade, deslocando o centro de gravidade políti-co para o populismo de direita e a re-legitimização via Estados fortes.Conflitos e tensões internas nos Estados da UE podem forçar a inter-venções militares, com grande instabilidade em suas fronteiras e umaperto geral das políticas de imigração. Todo esse quadro complexo decenários possíveis mostra o quanto é ainda prematuro apostar no su-cesso da integração.

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POSSIBILIDADES E LIMITES DA INTEGRAÇÃO NO CONTINENTE

AMERICANO

O primeiro olhar sobre o continente americano deverá ser lan-çado para as suas assimetrias, definidoras de poder econômico real, edos possíveis espaços para consolidação desse poder. Ou, alternativa-mente, para o surgimento de novas forças que busquem esse espaço apartir de oportunidades que se encaixem na lógica dominante dacomplementaridade e da especialização.

A atual situação hegemônica norte-americana está longe de serocasional ou definidora de um paradigma para as virtudes do livre merca-do. Vários fatores ligados ao desenvolvimento e o uso de novas tecnologiaspermitiram a este país a consolidação de uma fase virtuosa que lhe temgarantido um longo ciclo de crescimento - desigual se comparado ao res-tante da economia mundial - consolidando essa impressionante hegemoniatenazmente construída a partir dos dois últimos conflitos mundiais. Numarealidade onde os processos produtivos alcançaram uma integração plane-tária, a hegemonia econômica consiste na capacidade de determinar comose organiza e se leva a cabo essa produção. A conexão em redes globaisconstitui-se no elo final desse novo paradigma, já que as funções e os pro-cessos dominantes na era da informação estão cada vez mais organizadosem torno de redes. São redes os fluxos financeiros globais; o tráfico dedrogas que comanda pedaços da economia do mundo inteiro; a rede globalda nova mídia que define a essência da expressão cultural e da opiniãopública. As redes constituem a nova morfologia social de nossas socieda-des, e a difusão de sua lógica altera radicalmente a operação e os resultadosdos processos produtivos, bem como o estoque de experiência, cultura epoder. A nova economia está organizada em torno de redes globais decapital, gerenciamento e informação. As corporações e a sociedade norte-americana, que hoje lideram essas tecnologias, como decorrência domi-nam ferramentas-chave para a produtividade e a competitividade na era dainformação. Desde o início deste novo século, os EUA vêm experimen-tando uma nova e enorme aceleração das inovações em direção a umaumento de produtividade. A emergência extremamente rápida da Internete os efeitos ligados ao comércio eletrônico promete realimentar esseciclo virtuoso.

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Os fatores mencionados aqui apenas potencializam ainda maiso poderio econômico dos EUA sobre o restante da América, fazendodeterminante ao futuro da região a maneira pela qual este país definiráseus interesses estratégicos no futuro próximo, tema para o qual volta-remos no final desse texto. O Nafta acabou constituindo-se num arran-jo sinérgico e geopoliticamente adequado para as três partes. Nele asassimetrias se acomodaram com rara complementariedade e o bolsãode pobreza mexicana, fornecendo mão-de-obra de baixa qualificação aum custo quase dez vezes inferior ao dos EUA, foi um dado de realida-de muito oportuno para as duas partes, especialmente nessa de pro-funda expansão da economia hegemônica mundial. A vigorosa trocacomercial está suportada pela intensa atividade das maquiladoras, abrin-do espaço para uma troca comercial da ordem de 100 bilhões forte-mente centrada no mercado norte-americano. Apesar de algumas resis-tências iniciais de sindicatos norte-americanos, o pujante crescimentoeconômico daquele país e a manutenção de baixas taxas de desempre-go amenizaram essas tensões.

Outro é o caso do Mercosul. Estruturado a partir dodesanuviamento das relações políticas entre Brasil e Argentina, com a ade-são de Uruguai e Paraguai, esse bloco evoluiu com amplo sucesso até ofinal de 1998. Fruto de um momento de consolidação de regimes demo-cráticos e relativa estabilidade macroeconômica, o Mercosul cresceu rapi-damente e conseguiu elevar o comércio interno entre seus parceiros deUS$ 4 para US$ 20 bilhões entre 1990 e 1998. Um exame atento dessaevolução demonstra, no entanto, que cerca de 60% desse volume veio datroca intra-cadeias industriais. Isto quer dizer que foi intensa a aplicação dalógica da complementaridade e da especialização no processo deinternacionalização das economias locais, aproveitando-se da redução tem-porária das incertezas macroeconômicas e do benefício das tarifas e quotasentre países. Ao mesmo tempo que isso ocorria, no entanto, a mesma lógi-ca aplicada exigia uma grande elevação dos componentes importados des-sa produção local, justamente aqueles cujo custo de produção era sensivel-mente mais barato no exterior, especialmente os itens de maior valortecnológico adicionado. O tão elogiado modelo de regionalismo abertopode ser constatado pelo volume de importações de fora do bloco, quecresceu 146% no período 92-98, enquanto as exportações evoluíram ape-nas 61%, como se observa no Quadro 1.

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A UE e os EUA, pela ordem, foram os mais beneficiados poressa distorção, que ocasionou crescentes desequilíbrios comerciais nospaíses do Mercosul. Observando-se a pauta do ano típico de 1997 (Qua-dro 2), nota-se que os déficits na área de manufaturas para com o Nafta,a UE e o resto do mundo estiveram longe de serem compensados pelospequenos superávits na área do agribusiness, acumulando-se naquele anoum déficit comercial geral de US$ 25 bilhões no comércio externo daregião. Tal se deu, além de razões intrínsecas de produtividade sistêmica,pela permanência das restrições da entrada de produtos da área nosEUA, mediante forte política de barreiras tarifárias e não tarifárias, acres-centadas na UE aos subsídios aos seus produtores e produtos agrícolas.

Na realidade, a abertura econômica acentuou um desequilíbrioexterno estrutural na maior parte dos países da América Latina. A lógi-ca das cadeias produtivas globais exige para tais países mais importa-ções do que permite exportações e, toda a vez que os países da regiãocomeçaram a crescer, aumentaram os déficits comerciais. A conseqü-ência é um regime do tipo stop and go, que permite um crescimento deaté 2% a 3%. Esse desequilíbrio da América Latina não será resolvidopelo mercado financeiro e provavelmente não o será pela entrada ma-ciça de investimento direto, dado que seu regime depende fortemente

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do ciclo de privatizações. Tudo dependerá da condição de exportaçãode maior valor adicionado, incorporando localmente etapas tecnológicasde agregação de valor, reforçando competitividade e lutando tenaz-mente pelo acesso a mercados restritos, especialmente no agribusiness.

A crise cambial brasileira e a desvalorização do Real em janeirode 1999 trouxeram um agudo componente de fragilidade à idéia dadefinitiva consolidação e ampliação do Mercosul, baseada que estavana idéia da estabilidade dos preços relativos. A queda rápida do comér-cio intra-países em quase 30%, o movimento de transferência de insta-lações industriais da Argentina para o Brasil e introdução de forte ins-tabilidade na política cambial argentina são os indícios mais evidentes.

Por outro lado, é preciso levar em consideração as recentesfissuras em vários regimes democráticos da região, pressionados porum medíocre crescimento econômico das últimas duas décadas efragilizados por um processo de abertura econômica que, se de certomodo era inevitável e necessário, por outro aumentou o desemprego ea informalidade e fragilizou as bases já muito precárias do welfare state

dessas nações. A questão da crescente importância do narcotráfico edo crime organizado nessas economias é outro fator de instabilidade aconsiderar. Sem esquecer recentes episódios em favor da dolarizaçãode alguns desses países, tendência essa vista por enquanto com muitacautela pelas autoridades econômicas norte-americanas. O fato é que,se o desejar, a próxima administração norte-americana implantará comfacilidade a Alca “comendo pelas bordas”, ou seja, iniciando pelo pe-quenos países - onde mínimas concessões de quotas podem significar eequilíbrio tão almejado da balança comercial - negociando acordos es-peciais com o Chile e a Argentina e isolando o Brasil. Quanto maisfragilizado estiver o Mercosul, mais factível é essa hipótese. Para oBrasil, no entanto, a implantação acarretaria sérios inconvenientes.Apesar de sua adoção do câmbio flexível e da recente desvalorizaçãocambial, sua balança comercial continua ligeiramente deficitária. As-sim, o equilíbrio de sua balança de transações correntes está a depen-der totalmente da entrada anual de cerca de 24 bilhões de dólares deinvestimento direto internacional para compensar um déficitincomprimível de 17 bilhões em serviço da dívida e 7 bilhões de re-messa de lucros. A redução inevitável do fluxo maciço de privatizações

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aliado a um eventual desvio de investimento direto futuro para a fron-teira americana-mexicana aproveitando a vantagem da competitividadesistêmica, da mão-de-obra barata e da exportação com alíquota zeropara o Brasil, pode ter graves efeitos para esse país.

CONCENTRAÇÃO DE PODER E MUDANÇA DOS ATORES NO CENÁRIO

ECONÔMICO

Os fenômenos relacionados ao processo de internacionalizaçãoafetaram profundamente a condição de competição no mercado inter-nacional a partir de meados da década dos 70. Esse processo ganhoucaracterísticas inusitadas e um assombroso impulso com o enorme sal-to qualitativo ocorrido nas tecnologias da informação, que induziu àreformulação das estratégias de produção e distribuição das empresase a formação de grandes networks. A forma de organização da atividadeprodutiva foi radicalmente alterada para além da busca apenas de mer-cados globais; ela própria passou a ter uma lógica global.

A revolução tecnológica atingiu igualmente o mercado finan-ceiro mundial, cada mercado passando a funcionar em linha com todosos outros, em tempo real. Isso permitiu a mobilidade de capital requeridapelo movimento de globalização da produção. As empresas controla-das por capital local ou grupos internacionais com operações em cadapaís passaram a rever toda sua estratégia a partir dos novos paradigmasde competição. A abertura geral dos mercados iniciada nos anos 80,por sua vez, veio a transformar o conceito de internacionalização. Qual-quer operação, por mais restrita que fosse a um mercado nacional, pas-sou a ter como competidores concorrentes internacionais em busca deampliação do seu market share global.

O capitalismo atual é alimentado pela força de suas contradi-ções. De um lado, a enorme escala de investimentos necessários à lide-rança tecnológica de produtos e processos – e a necessidade de networks

e mídias globais – continuará forçando um processo de concentraçãoque habilitará como líderes das principais cadeias de produção apenasum conjunto restrito de algumas centenas de empresas gigantes mundi-ais. Essas corporações decidirão basicamente o que, como, quando, quanto

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e onde produzir os bens e os serviços (marcas e redes globais) utilizadospela sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, elas estarão compe-tindo por redução de preços e aumento da qualidade, em um jogo ferozpor market share e acumulação.

Simultaneamente, este processo radical em busca de eficiênciae conquista de mercados força a criação de uma onda de fragmentação –terceirizações, franquias e informalização –, abrindo espaço para umagrande quantidade de empresas menores que alimentam a cadeia pro-dutiva central com custos mais baixos. Tanto na sua tendência de con-centrar como na de fragmentar, a competição opera como o motor se-letivo desse processo.

Assim, ao mesmo tempo em que a cadeia produtiva globalizadase concentra no topo ela se fragmenta na base, induzindo também umamplo espectro de empregos flexíveis. Enquanto seleciona, reduz, qua-lifica – e, portanto, exclui – no topo, a nova lógica das cadeias inclui nabase trabalhadores com salários baixos e contratos flexíveis, quandonão informais. Por outro lado, na medida em que o processo da produ-ção global opera ganhos contínuos nos produtos mundiais, reduzindoseu preço e melhorando sua qualidade, acaba incluindo novos segmen-tos de mercado à sua cadeia.

Mais do que nunca, nessas últimas três décadas, as novastecnologias acabaram se transformando na essência da competição glo-bal, permitindo às empresas ampliar sua participação no mercado mun-dial e gerar caixa para permitir novos investimentos em tecnologia,realimentando o ciclo de acumulação. Uma das expressões mais impor-tantes dessa tecnologia atual é a morfologia das redes. A nova econo-mia está organizada em torno de redes globais de capital, gerenciamentoe informação. As corporações que lideram essas tecnologias de rededominam as ferramentas-chave para a produtividade e a competitividadena era da informação. As mais novas delas são a Internet e o comércioeletrônico. A brutal ampliação das pessoas, residências e empresasconectadas ao e-commerce são uma prova disso.

Na realidade, os grandes avanços de eficiência da sociedade nor-te-americana têm sido baseados no acesso à informação em tempo real,com a redução dos prazos e das horas de trabalho requeridas para a

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produção e entrega de toda sorte de bens, encurtando os ciclos de pro-dução e a necessidade de capital. Etapas intermediárias de produção eatividades de distribuição estão sendo reduzidas em grande escala e,em alguns casos, eliminadas. Prazos de projetos e custos têm caídodramaticamente à medida que a modelagem computadorizada tem eli-minado a necessidade de grandes equipes de projetistas. A tecnologiada informação aumenta a produção por hora no total da economia prin-cipalmente por reduzir horas de trabalho nas atividades necessárias aocontrole do processo produtivo, diminuindo as incertezas e as perdas.A relação entre fabricantes, comerciantes e seus clientes já está sendoradicalmente transformada pelo comércio eletrônico. As novastecnologias possibilitam novos bens e serviços com maior média devalor adicionado por hora trabalhada, operando verdadeiras revoluçõesnas áreas de biotecnologia, agribusiness e medicina.

Por conta das tendências de concentração assiste-se, em todasas áreas econômicas, a um violento processo de fusões e incorporaçõesmotivado pela nova lógica competitiva, que pressupõe saltostecnológicos e busca de mercados cada vez mais globais. O resultado éum enorme movimento de fusões e aquisições operado no mundo nosúltimos anos cujo valor evoluiu de 150 para 720 bilhões de dólaresentre 1990 e 1999. Isso não significa, porém, que o espaço das peque-nas e médias empresas irá desaparecer. Na economia global, as peque-nas e médias empresas manterão ainda um espaço importante, especi-almente via terceirizações, franquias e subcontratações; porém, basi-camente subordinadas às decisões estratégicas das empresastransnacionais – e integradas às suas cadeias produtivas.

Complementaridade e especialização são pressupostos que,viabilizados em escala planetária pela possibilidade da ampla fragmen-tação das cadeias produtivas, através das tecnologias da informação eem busca da composição dos fatores mais eficientes para cada uma desuas etapas de produção de bens ou serviços, definem as decisões es-tratégicas das grandes corporações globais em busca de menores cus-tos finais e, portanto, da maximização de seus lucros. Fatores de produ-ção são aqui entendidos no seu sentido mais amplo, sejam diretos, se-jam relativos às condições amplas do environment. Assim, abrangem eles:custo e especialização da mão-de-obra; atributos do capital – como

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taxa de juros, termo e mobilidade; vantagens tecnológicas – tipo clusters

e especializações; restrições ambientais mais ou menos favoráveis; res-trições fiscais mais ou menos flexíveis; escala do mercado interno; po-líticas tarifárias externas; estabilidade macroeconômica; etc. É dentrodesse contexto que as decisões de investimentos são tomadas, influin-do diretamente nas políticas governamentais dos países do continente,especialmente aqueles países que olham os mercados externos comofator fundamental de expansão ou consolidação hegemônica.

Os intensos processos de concentração das corporações na eco-nomia global associaram-se às privatizações, que transferiram um imensopatrimônio produtivo – e portanto de poder - das mãos dos Estadosnacionais para o controle das grandes corporações globais, provocandouma rápida e radical mudança dos atores do cenário econômico - e, pordecorrência, social, político e cultural - em vários dos grandes países daperiferia do capitalismo mundial.

No caso do Brasil, país com estrutura industrial muitodiversificada - gerando um PIB industrial equivalente à décima posiçãomundial - a melhor evidência dessa conseqüência é o crescimento e aalteração das posições das maiores empresas operando no país, sejapelo critério de patrimônio líquido seja pelo de receita operacional lí-quida. O Quadro 3 mostra que, tanto para as 20, 10 ou 5 maiorescorporações nacionais ou internacionais, os grupos internacionais, apósa abertura econômica, cresceram seu patrimônio entre 170 a 250%,enquanto os nacionais o fizeram entre 84 a 88%. Para a evolução dareceita operacional ocorre o mesmo. Para os grupos internacionais, entre179 e 253%. Fica evidente a concentração crescente do poder econô-mico no topo do setor privado, agora cada vez mais representada porgrupos internacionais.

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Mais claro ainda se desenha o profundo processo de altera-ção dos atores empresariais quando se examina a relação das em-presas que conseguiram se manter na posição de 20 ou 10 maioresdurante o curto período 1992-1999. Entre os grupos internacio-nais, mantinham-se entre os 20 maiores em 1999 apenas 6 dos queestavam nessa posição em 1992: Citicorp, Souza Cruz, Bunge, Saint-Gobain, Shell e Alcoa. Entraram na lista como novos maiores ato-res 14 outros grupos que não ocupavam antes essa posição: Telefô-nica, MCI, Fiat, ABN Amro, EDF, Bombril Cirio, Whirpool, Portu-gal Telecom, Sonae, SBHC Santander, BankBoston, Telecom Itália,Arbed e Praxair. Entre os 10 maiores a renovação foi total. Ne-nhum dos que estavam na lista em 1992 manteve essa posição em1999. Quanto aos grupos nacionais, a renovação foi menos intensamas, ainda assim, expressiva. Entre os 20 maiores, 9 mantiveram-se na posição: Itaúsa, Bradesco, Votorantim, Unibanco, AndradeGutierrez, Camargo Corrêa, C R Almeida, Gerdau e Odebrecht. Osdemais foram substituídos por Telemar, Vale do Rio Doce, BrasilTelecom, CSN, Aracruz, Organizações Globo, Usiminas, Pão de Açú-car, Jereissati de São Paulo, Copene e Acesita .Entre os 10 maioresde 1992, apenas 3 permaneceram na classificação em 1999: Itaúsa,Bradesco e Votorantim.

A questão fundamental relativa a essa radical mudança de ato-res - concentrando interesses e um estoque de riscos de investimentodireto superior a 200 bilhões de dólares - é a percepção das diferen-ças de interesse entre os Estados-nacionais e essas corporações glo-bais. Enquanto esses interesses coincidirem provisoriamente, assen-tados na prioridade à estabilidade e ao crescimento econômico, nãoparece haver tensões maiores. No entanto, quando situações futurastornarem esses interesses divergentes - indexações tarifárias, qualida-de dos serviços públicos, remessa de lucros e questões tributárias,apenas para citar alguns exemplos - os governos desses países estarãopressionados por forças atuantes e gigantescos lobbies e precisarãoestar muito bem preparados para opor conceitos soberanos à pressãode interesses econômicas privados, agindo no sentido do melhor in-teresse nacional.

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VI - GLOBALIZAÇÃO, IDENTIDADE E GOVERNABILIDADE

Após quase duas décadas de implantação de profundasreformas associadas à abertura e à integração de suas economias aomercado global, uma parte expressiva das nações - em especial osgrandes países da periferia do capitalismo - têm apresentado medíocredesempenho do PIB per capita e piora de sua concentração de renda. Osindícios de aumento da exclusão social estão por toda a parte. Estequadro, recentemente agravado pelas sucessivas crises internacionaisnos finais de 97 e 98 e pelo crescimento do desemprego e dainformalidade, tem provocado sintomas de erosão de legitimidade dasrepresentações políticas que sustentaram esses programas de reformas.Aumenta a dissonância entre o discurso oficial da necessidade doaprofundamento dos ajustes e a dúvida das populações desses paísessobre se, ao final de outros sacrifícios adicionais, poderá surgir de fatoum processo de crescimento acelerado e auto-sustentado que melhoresua renda e a empregabilidade. O rigor do cumprimento de metas deorçamentos públicos equilibrados, necessárias não só para a manutençãoda estabilidade monetária mas também devido a acordos e compromissoscom o FMI , acarretam uma redução significativa dos recursos alocadosa programas sociais e de emergência, justamente no momento em que aexclusão social aumenta e a demanda por esses programas se acentua.

Em função da complexidade de um quadro econômicomundial que agrava o desemprego, a informalidade e a exclusão, JürgenHalbermas constata: “Os Estados Nacionais têm manifestado pro-gressiva incapacidade de dar provas, com efeito legitimador, de açõesde comando e de organização: desaparece a integridade funcional daeconomia nacional, quer dizer, a confiável presença nacional daquelesfatores complementares - sobretudo capital e organização - de que de-pende a oferta de trabalho originada por uma sociedade, a fim de capa-citar-se à produção. Um capital isento do dever de presença nacionalvagabundeia à solta e utiliza suas opções de retirada como uma amea-ça. Os governos nacionais perdem, assim, a capacidade de esgotar osrecursos tributários da economia interna, de estimular o crescimento e,com isso, assegurar bases fundamentais de sua legitimação.”

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O Estado contemporâneo não se sente mais responsável pelaspolíticas de bem estar social e de emprego. As corporaçõestransnacionais, que definem os vetores tecnológicos que parametrizama empregabilidade, também não. Cada um que encontre sua oportuni-dade , corra o seu risco, seja um responsable risk taker. Quem está naperiferia do capitalismo mundial, que encontre seu lugar no informal,que invente seu emprego.

Os grandes países da periferia do capitalismo estão acuados como atual nível de violência de suas sociedades. A principal causa pareceestar nas tensões geradas pela crescente concentração de renda e ex-clusão social de grandes contigentes populacionais urbanos, conviven-do com uma mídia global que valoriza o comportamento anti-social eestimula padrões de consumo que poucos podem ter. Os Estados naci-onais e os partidos políticos passam a perder legitimidade e capacidadede mediação dessas tensões utilizando os controles tradicionais. É oque ocorre atualmente no Brasil na questão dos sem-terra e na descon-trolada criminalidade urbana, especialmente entre os jovens. E na Ar-gentina, com a intensa e inédita dualização social de um país cujahistória tinha sido marcada por certa prosperidade e equilíbrio social.

Todas as questões relatadas até aqui nos remetem novamenteaos temas de identidade e governabilidade, a partir das novas relaçõesde força entre os atores que comandam a cena dos processos globais enacionais. A identidade como dimensão propriamente “nacional” estáligada a aspectos profundos de natureza psicossocial ou cultural daidentidade dos cidadãos de um país. Ela tem a ver com a sensação decada um em sentir-se parte e estar representado sob a forma de coleti-vidade nacional que, por sua vez, pode esperar a lealdade de cada um.Já a questão da autoridade depende da estrutura administrativa e sim-bólica do Estado.

O poder do Estado para atuar em nome da sociedade envolveimportantes problemas de legitimidade. Estão nessa esfera três catego-rias de poder: o político, o ideológico e o econômico. Max Weber nosmostra que o “monopólio da força legítima” é condição básica para aexistência do Estado como poder político. O Estado pode renunciar aopoder ideológico, como ocorreu com a separação entre Estado e Igreja;

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pode renunciar ao poder econômico, como o fez o Estado liberal e dolaissez-faire; mas não pode renunciar ao monopólio do poder coercitivosem cessar de ser um Estado. Isso significaria o retorno à luta semregras, à guerra de todos contra todos, ao império da força individualmais poderosa. Também para Hobbes é atributo essencial do Estado ocontrole da paz interna, protegendo a vida dos indivíduos que neleconfiaram. O poder econômico, por ser o dono do capital, mantém ocontrole dos meios de produção que lhe permite obter trabalho emtroca de salário; o poder ideológico baseia-se na influencia que idéiasde pessoas ou grupos tem sobre a conduta da sociedade; o poder polí-tico, no entanto, funda-se na posse de instrumentos pelos quais se exercea força, teoricamente em benefício da sociedade . Para Bobbio, todasas três formas de poder instituem e mantêm coesa uma sociedade sem-pre constituída de desiguais, dividida que é entre classes econômicas,níveis de conhecimento, fortes e fracos. No entanto o uso da força éuma condição necessária mas não suficiente para a existência do poderpolítico. O governo de plantão deve deter a exclusividade do uso dessaforça em relação a todos os grupos que agem em um determinado con-texto social. E seu uso pelo Estado precisa ser considerado legítimopela maioria. Por aceitarem essa legitimidade, os indivíduos renunciamao direito de usarem cada qual sua própria força, para entregá-la nasmãos de um Estado que será o único a poder utilizá-lo no interessedeles.

No momento em que a dinâmica da globalização passa a mos-trar com nitidez a sua face socialmente perversa e uma crise de legiti-midade das representações políticas atinge até os países capitalistas demaior tradição de estabilidade democrática, introduzem-se importan-tes tensões entre os problemas de identidade, autoridade e igualdade.Fábio Wanderley Reis lembra: “O Estado nacional continua a prover ofoco decisivo quanto a questões de identidade. A referência aos ele-mentos sociopsicológicos e culturais da nacionalidade segue sendo oprincipal condicionante do sentido pessoal de identidade, e não há, noplano transnacional, nada que eqüivalha ao sentimento de inserção numacomunidade de maneira comparável à que se têm no plano nacional. Deoutro lado, porém, os termos em que se colocam os problemas de autori-dade e igualdade são dramaticamente afetados pela globalização. Esta-dos Nacionais vêem solapado seu poder de administração econômica e

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intervenção social, a resposta social-democrática ao problema da igual-dade tende a surgir como arcaísmo oneroso, cada qual se avenha comopossa com as asperezas do mercado.”

As conseqüências negativas da inserção na dinâmica daglobalização tendem a surgir como algo que se superpõe aos fatorestradicionais herdados da desigualdade histórica, em alguns como o doBrasil, de uma longa experiência escravista. Cristaliza-se, assim, umadistribuição de riqueza arcaica e profundamente injusta, não permitin-do às classes mais baixas a incorporação de eventuais vantagens quepoderiam advir da nova lógica de acumulação. No caso brasileiro, porexemplo, as últimas décadas têm consolidado uma longa tradição deintensa desigualdade de renda e enorme contingente de população ex-cluída. Em 1998, pelos dados da PNAD, 14% da população brasileira(21 milhões de pessoas) vivia na indigência. Essa categoria faz partedos 33% de cidadãos (50 milhões) que situavam-se abaixo da linha depobreza. O mais grave, porém, é a tendência à estabilidade dessespercentuais. Embora momentaneamente aliviados por períodos de cres-cimento e choques econômicos – é o que ocorreu logo após os planosCruzado e Real, quando o índice de pobreza recuou respectivamentepara 28% e 34% –, a tendência desses números parece ser retornaremsempre aos mesmos patamares médios vigentes no final dos anos 1970.Se adicionarmos a esse quadro a mudança de paradigma do mercadode trabalho pós-abertura econômica, com intensa automação eflexibilização da mão-de-obra, podemos perceber com toda extensão odesafio que o país terá de enfrentar para manter sua inserção global emclima de equilíbrio social e político. Desde 1990, os níveis de desem-prego cresceram de 5% para os atuais 7%, simultaneamente a um au-mento do trabalho flexível - em boa parte precário - de 42% para 56%do total da ocupação metropolitana. Já a Argentina vem de um históri-co relativamente igualitário, no qual não existiam abismos sociais. Como maior nível per-capita da América Latina - mais de duas vezes o brasi-leiro - ela assiste hoje a uma profunda deterioração das condições detrabalho e da sua estrutura de seguridade social. Somada a um nível dedesemprego que atinge 16% da população ativa, sendo que mais de55% dela submetida a jornadas anormais e trabalho precário, essa situ-ação causa um profundo impacto e desestrutura o seu tecido social.

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Como os atuais processos econômicos globais são naturalmen-te conflituosos e excludente, especialmente nos países pobres, pareceinevitável que a sobrevivência do espaço de ação dos Estados exija acompetência de se construir modelos de equilíbrio que –ainda quesempre baseados em tensão ou conflitos – apontem para algum cresci-mento econômico, políticas de emprego e certa desconcentração darenda.

Torna-se, para tanto, questão obrigatória que as estratégias decrescimento contenham necessariamente políticas redistributivas queenfrentem a questão crônica da concentração de renda e da pobreza.Até porque já sabemos que crescimento econômico é condição neces-sária mas está longe de ser suficiente para a redução da exclusão. Issoimplica desde aquelas medidas mais estruturais (redistribuição de ati-vos, educação, reforma agrária) até outras de caráter compensatório(programas de renda mínima). Isso exige, também, que os governosmantenham sua responsabilidade relativa a programas básicosabrangentes nas áreas de saúde, educação e promoção social geral, jáque o imenso contingente de pobres não terá renda disponível paracomprá-los no mercado privado. Em todos esses casos é fundamentalsaber de onde tirar os recursos sem estourar o orçamento público cadavez mais comprimido pelas metas comprometidas com o FMI conside-radas necessárias ao equilíbrio fiscal e à estabilidade monetária.

Do ponto de vista da democracia, o desafio de criargovernabilidade nessas circunstâncias passa a ser crítico. SamuelHuntington fala em “ingovernabilidade de sobrecarga” num quadro decrise fiscal do Estado e de demandas crescentes a ele dirigidas, poden-do destemperar o modelo social-democrático de um Estado aberto esensível à multiplicidade dos interesses. Essa situação pode abrir bre-chas para a saída pretoriana a partir do confronto direto dos interessesdiversos não mediados por instituições políticas com precária capaci-dade de processamento institucional desse confronto. Wanderley lem-bra a “ingovernabilidade hobbesiana”, a deterioração difusa do tecidosocial, da criminalidade e da violência urbana crescentes, do surgimentode espaços onde a autoridade estatal não tem condições de se fazervaler de modo efetivo, causando o comprometimento da capacidadede ação do Estado no plano da própria manutenção da ordem pública e

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da segurança coletiva. A própria população mergulhada na insegurançapassa a se sensibilizar por retóricas populistas e poderes ditatoriais:“Contra as ingenuidades do patriotismo tradicional, a melhor maneirade afirmar a identidade coletiva consistiria em levar a cabo as tarefasmateriais do desenvolvimento econômico e criar as condições para aautonomia nacional. A referência ao Estado continua a impor-se comoparte da inescapável referência ao nacional. O aparelho Estado nacio-nal segue sendo um instrumento indispensável e um objeto crucial dedisputa pelos diversos interesses setoriais.”

Celso Lafer julga ser a identidade um conjunto mais ou menosordenado de predicados por meio dos quais se responde à pergunta:quem sois? O ponto de partida da construção da identidade coletiva éuma visão compartilhada do interesse comum. Identidades nacionaisse formaram no contato e na interação com o Outro. Se a nação nascede um postulado e de uma invenção, ela só vive pela adesão coletiva aesta invenção, ou seja, por obra da interiorização, por uma cidadania,daquilo que é considerado o repertório comum. A tarefa da políticaexterna, por exemplo, constitui-se em traduzir necessidades internasem possibilidades externas para ampliar o poder de controle de umasociedade sobre o seu destino. O processo de globalização diluiu a re-lação entre o “interno” e o “externo” pela ação das complexas redes deinteração – governamentais e não-governamentais – que estruturam oespaço do planeta e a governança do mundo.

No entanto, apesar de todas as forças globais, Lafer lembra que“os indivíduos continuam a projetar suas expectativas, reivindicaçõese esperanças sobre as nações a que pertencem, como também o bem-estar da imensa maioria dos seres humanos segue intimamente vincula-da ao desempenho dos países em que vivem. As nações e os estadosque as representam são e permanecem sendo indispensáveis instânciaspúblicas de intermediação. Instância interna de intermediação das ins-tituições políticas do estado com uma população; instância externa deintermediação com o mundo. Esta intermediação externa parte de umavisão de identidade coletiva, de um nós assinalador de especificidades.Localização geográfica no mundo, a experiência histórica, o código dalíngua e da cultura, os níveis de desenvolvimento e os dados deestratificação social.”

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No caso do Brasil, sua identidade internacional começa com aescala continental de seu território, cuja origem está na expansão ultra-marina portuguesa. A ela se agrega os componentes da miscigenaçãoatravés de uma ação colonizadora que realizou-se por uma contínuaadaptação ao meio-ambiente, numa flexibilidade aberta a padrões pri-mitivos e rudes dos indígenas. A ação dos diplomatas complementou ados navegantes e dos bandeirante na delimitação do espaço nacionaldurante e depois do período colonial. A criação de um governo sobera-no no Brasil em 1822 é também um fio peculiar de continuidade, quediferencia seu processo de Independência de todos os demais paísesdas Américas. A monarquia constitucional, que se estendeu até 1889,manteve o Brasil unido no espaço do seu vasto território. Quanto àvizinhança, para o Brasil a América do Sul não é uma opção diplomáti-ca, e sim, a circunstância do seu eu. A visão brasileira escorrega facil-mente das clássicas fronteiras-separação para as modernas fronteiras-cooperação, num contínuo exercício de soluções conciliatórias. ParaLafer, “o Brasil está à vontade e em casa com o componente sul-ame-ricano de sua identidade internacional, que é uma força profunda, denatureza positiva, de sua política externa.

VII - ABERTURA ECONÔMICA, ESTADO E SOBERANIA

Todas essas considerações nos levam a inevitável revisão doconceito de Estado nacional em tempos de abertura econômica. A idéiade que mercado e Estado são complementares permitiu a prosperidadesem precedentes experimentada pelos Estados Unidos, Europa Oci-dental e alguns países asiáticos na segunda metade do século. No en-tanto, o conceito de que a iniciativa privada e a ação do Estado sãoigualmente necessárias para o êxito econômico foi fortemente abaladoa partir das reformas neoliberais recomendadas pelo que acabou sendodesignado de “consenso de Washington”, conjunto de princípios quetiveram forte apoio do FMI e induziram a direção daquelas reformasem muitos grandes países da periferia global. Eles incluíam: rígida disci-plina fiscal; redirecionamento dos gastos públicos para educação e saú-de; liberalização comercial com eliminação de cotas e rebaixamento ehomogeneização de tarifas; abertura para o investimento estrangeiro;

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privatização; desregulamentação da economia; segurança para osdireitos de propriedade.

Dani Rodrik lembra que essas reformas, fundamentadas no mer-cado, a princípio deram pouca atenção às instituições e àcomplementaridade entre as esferas pública e privada da economia. Opapel destinado ao governo se resumia a manter a estabilidademacroeconômica e a assegurar o acesso à educação. A prioridade eraafastar o Estado, não torná-lo mais eficiente. A conseqüência, paraalém da vitória expressiva no combate à inflação, foram o fracasso dasreformas na Rússia e a generalizada insatisfação com as reformas naAmérica Latina. E a crise financeira na Ásia, que expôs os riscos deliberar as finanças sem mecanismos reguladores. Em todos esses casos,pouca ou nenhuma consideração foi dada aos mecanismos de assistên-cia social e as chamadas “redes de segurança”.

Na verdade, o desempenho econômico a partir da década de 70dependeu da habilidade das instituições domésticas em lidar com osconflitos de distribuição deflagrados por choques externos. Hoje sabe-mos que os mercados de capitais internacionais têm dificuldades emdiscernir riscos. A capacidade de controlar os conflitos sociais domés-ticos deflagrados pela turbulência econômica na década de 70 acabourepresentando a diferença entre a manutenção do crescimento e o co-lapso econômico.

Quanto mais livres os mercados, maior é a tarefa dos órgãosreguladores. Essa é, aliás, uma das principais razões de sucesso da eco-nomia norte-americana. A liberdade crescente aos mercados tornou aAmérica Latina progressivamente inábil e sem órgãos reguladores paraenfrentar a turbulência econômica mundial. Hoje também já há con-senso que, particularmente na América Latina, as instituições fiscais emonetárias contribuíram para aumentar a instabilidade macroeconômica,em vez de reduzi-la.

Toda a economia de mercado bem-sucedida é uma mistura deEstado e mercado, “laissez-faire” e intervenções. Embora haja muitasdiferenças entre os arranjos institucionais possíveis, os países quetiveram melhor desempenho foram os que liberalizaram parcial e gra-dualmente sua economia. Não há provas de que a liberalização esteja

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sistematicamente associada a taxas de crescimento maiores. Nenhumpaís conseguiu desenvolver-se simplesmente abrindo a sua economiapara o comércio e para o capital estrangeiro. É preciso combinar asoportunidades oferecidas pelos mercados estrangeiros com uma estra-tégia de desenvolvimento doméstico que estimule o lado agressivo dosempreendedores locais.

Uma das principais constatações vindas da observação da se-gunda metade do século XX é que um bem-sucedido desenvolvimentoeconômico exige mercados ativos escorados por sólidas instituiçõespúblicas. O desenvolvimento econômico derivou basicamente de umaestratégia desenvolvida localmente, e não do mercado global. No casodos países em desenvolvimento deve-se adicionar o complicador adici-onal de serem esses mercados globais serem freqüentemente muito res-tritivos aos seus produtos de exportação, submetendo-os a inúmeras,barreiras tarifárias ou não.

Um importante equívoco de alguns dos grandes países da peri-feria que se inseriram no comercio internacional foi terem confundidoabertura com estratégia. A globalização é, de certo modo, irreversívelporque é um mecanismo sinérgico global que tem dado certo. A abertu-ra econômica, inevitável a essas nações que provavelmente teriam mai-ores perdas com o fechamento que com sua inserção na lógica das ca-deias globais - que almejam seus mercados e alguns bolsões de mão-de-obra barata - é uma mera circunstância da nova ordem internacional.Essa circunstância torna ainda mais importante a definição de umaestratégia, até porque as pressões internacionais lideradas pelos atoresprincipais do cenário global e seu aparato institucional (FMI, OMC,etc) dificultam crescentemente os espaços para o exercício de políticasindustriais nacionais. O acordo sobre TRIMs, por exemplo, determinaque os membros da OMC não devem aplicar medidas de incentivo ainvestimentos condicionadas a exigências de conteúdo local ou de de-sempenho de exportações. Discute-se ainda a ampliação de novosTRIMs, proibindo exigências de transferência de tecnologia, capitalmínimo nacional ou formação de “joint ventures”. Por outro lado, o acor-do sobre TRIPs prevê o estabelecimento de regras e disciplinas muitorígidas para proteção aos direitos da propriedade intelectual direitosautorais, marcas, patentes, “design” industrial e topografia de circuitos

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integrados, o que dificultará sobremaneira a condição de incorporaçãotecnológica a produções locais de países mais pobres.

Torna-se, portanto, cada vez mais imperioso que as estratégiasnacionais dos grandes países da periferia definam e incluam claros estí-mulos para especializações, clusterizações e políticas tecnológicas e in-dustriais consistentes com suas especificidades e prioridades. A integraçãode um país à economia mundial não substitui, pois, estratégias de desen-volvimento. Integração econômica global não é a principal fonte de cres-cimento para a maioria dos países. Países em desenvolvimento podemtirar vantagens do mercado internacional e dos fluxos de capitais, mas oprincipal dinamismo de seu crescimento virá sempre de seus empreende-dores e investidores. Acessar o mercado internacional e se beneficiar dosfluxos de capitais deve ser parte dessa estratégia, mas não um objetivocentral. É necessária uma sólida base institucional para investidores eempreendedores domésticos, formação de capital humano, de infra-es-trutura pública e vitalização do setor privado doméstico. Faz-se, portan-to, cada vez mais necessária uma estratégia própria que não se resuma ainserção internacional do país e envolva opções de estratégia industrial,de diversificação e especialização. É o caso do esforço indiano para habi-litar-se na exportação de software. Formando 68 mil profissionais da áreade computação a cada ano, a Índia tornou-se uma incubadora virtual detalentos infotécnicos cortejada pelo Ocidente. O governo dos EstadosUnidos deve ampliar seus vistos especiais de 115 mil para 200 mil nopróximo ano visando indianos. Empresas indianas continuam a crescerexportando programas de software a baixo custo, cujas exportações cres-ceram de US$ 734 milhões em 1999 para US$ 6,3 bilhões em 1999-2000.O objetivo para 2001 são US$ 9,5 bilhões. Cerca de 60 mil a 70 milindianos estão empregados no Vale do Silício no segmento high tech ; essefluxo intensificou-se em 1996-1997 por causa das oportunidades do bug

do milênio. A maioria dos cerca de 2 mil empresários indianos do Vale doSilício investiu no segmento de software da Índia. O caso da Finlândiatambém merece registro. De um pequeno país tradicional dependentedo mercado russo surgiu um líder mundial em telefonia de últimageração. O fim da URSS, com a qual a Finlândia tinha grande sinergiautilizando sua conveniente posição de neutralidade, fez o país perderseu grande cliente e entrar em grave crise econômica. Em dois anos oPIB contraiu-se 13%, com o desemprego passando de 3% para 17%.

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O espírito empresarial e a tecnologia de ponta acharam a solução. Asaltas tecnologias dominam as exportações sustentadas por um projetosocial-democrata que reduziu impostos. Vários outros exemplos poderi-am ser citados, alguns com especificidades mais radicais como a Coréia ea China.

Os governos dos países em desenvolvimento devem, portanto,ser capazes de colocar a globalização apenas como uma perspectiva ecentralizar sua atenção na construção de instituições domésticas e pro-jetos realistas de desenvolvimento, confiando mais em si mesmos emenos na economia global ou em projetos a ela ligados.

A necessidade de reconstruir Estados nacionais capazes do exer-cício maduro de uma soberania informada simultaneamente por umanova noção de identidade e pelas circunstâncias do mercado globalsurge, assim, como condição para que os grandes países da periferiapossam, eventualmente, através de alianças estratégicas e mercadosregionais, procurar um espaço de inserção que lhes preserve algumacondição de crescimento econômico e equilíbrio social.

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SOBERANÍA Y GLOBALIZACIÓN FINANCIERA (EL COSTO

FINANCIERO DE LA SOBERANÍA)1

Roberto Frenkel

I. INTRODUCCIÓN

1 El borrador de este artículo fue presentado en la conferencia Brasil-Argentina - A Visão do

Outro. Sobre a Soberanía. La versión aquí presentada fue escrita a pricipios de 2001 e incluí-

da como primera sección del artículo: Roberto Frenkel, “Reflexiones sobre el financiamiento

del desarrollo”, Revista de la CEPAL. Santiago de Chile, agosto de 2001.

A. El proceso de globalización financiera de AL

La inserción de AL en el proceso cumple veinticinco años,interrumpidos por la crisis de la deuda externa. Hay una reinsercióndesde comienzos de los noventa y la emergencia de tendencias quesugerían que AL se encontraba en un proceso de integración creciente.La transitoriedad de los efectos tequila pareció confirmar esastendencias. Sin embargo, después de la crisis asiática no se retornó aun proceso de creciente integración. No se trata tan solo de que lascrisis no son “cortas”, en el sentido de que sus consecuencias son per-sistentes en las economías que las sufrieron, sino de interrogarse sobrelas tendencias que manifestó el proceso de globalización financieradespués de la crisis asiática. Además, han aparecido fenómenosnovedosos, tales como la inestabilidad financiera en EEUU y suscontagios sobre los emergentes de AL. Hay una inestabilidad financierapotencial de EEUU que podría tener repercusión importante sobre laseconomías más frágiles. Recientemente, la reducción de la tasa de interésen EEUU ha tenido un impacto favorable y se proyectan mayoresreducciones con efectos semejantes. Este es un curso posible, pero cabetambién interrogarse sobre su probabilidad en el contexto post-1997,caracterizado por el “aprendizaje” que realizó el mercado en el últimotrienio y sin mayores innovaciones en las instituciones internacionales.También cabe abrir un interrogante sobre la magnitud de los renovadosflujos de capital. ¿Puede esperarse una réplica del “boom” de ingresos

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de 1996-97? Las necesidades de financiamiento de las mayoreseconomías de la región implican flujos de magnitud semejante a losrecibidos en esa oportunidad, para alcanzar tasas de crecimiento signi-ficativas. Si no se replica ese “boom”, Brasil y Argentina se encuentranen situaciones de gran fragilidad.

B. Cambios en la inserción financiera de los países

Uno de los aspectos novedosos con relación a la década de losnoventa son los cambios experimentados en las economías receptoras.La inserción de los países ha ido cambiando. La acumulación de deudaexterna e IED ha ido modificando la inserción. Los balances de pagostienen diferente estructura que al comienzo de la década. Los paísesaltamente endeudados enfrentan como principal problema el roll-overde sus deudas y el financiamiento de los déficit de cuenta corrientedeterminados por servicios del capital (intereses y utilidades). El défi-cit de balance comercial ha perdido importancia relativa frente al rígi-do y creciente déficit en las cuentas de servicios financieros y factoriales.En este aspecto, la situación se asemeja más a la de 1980 que a la de1990.

Se puede analizar la evolución diferencial de las economías enlos años noventa en términos de trayectorias de integración financierainternacional. La noción subyacente es que es que se trata de un procesocon hysteresis, en el cual las condiciones vigentes en un momentodependen de la historia previa. El ejemplo más evidente es el stock dedeuda externa. Ciertas trayectorias de integración financiera conducena situaciones de mayor vulnerabilidad relativa, más propensas a sufrircrisis. La CEPAL ha enfatizado este aspecto y discutido políticas paraevitar esas trayectorias. Sus recomendaciones están en buena medidafundadas en el análisis comparado de las trayectorias que siguieron lospaíses, las distintas políticas que confluyeron a determinarlas y laexperiencia que proporcionan los episodios de crisis (por dinámicapropia o por mayor propensión al contagio). Pero los países que siguieronlas trayectorias conducentes a mayor vulnerabilidad, aunque hayantenido y superado crisis financieras y cambiarias, exhiben, comoconsecuencias de su trayectoria pasada, situaciones “estructurales”actuales de mayor vulnerabilidad (relaciones Deuda Externa/PIB, Dé-

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ficit en Cuenta Corriente/PIB, DeudaExterna/Exportaciones, Déficiten Cuenta Corriente/Exportaciones, estructura de la cuenta corriente,estructura del sistema financiero).

Las altas primas de riesgo país que enfrentan esas economíasresultan de la apreciación realizada por el mercado de estas condicionesde mayor vulnerabilidad relativa. Al mismo tiempo, dicha apreciacióntiende a preservar o acentuar esas condiciones, por los efectos de lasaltas tasas de interés y menores flujos de capital sobre el crecimiento, elsector externo y las condiciones del sector financiero. Estos países estánestacionados en una trampa de financiamiento. Son más propensos alas crisis por desencadenantes internos o por contagio, pero su situaciónse ha prolongado sin devenir en una crisis cambiaria y financiera.

Brasil, por ejemplo, corrigió después de la crisis varios de loselementos que configuraron su trayectoria previa (devaluación,establecimiento de un régimen cambiario de flotación sucia, ajuste fis-cal). Sin embargo, el país no podía cambiar la herencia “estructural” desu trayectoria previa (por ejemplo, sus relaciones de endeudamiento yla componente predeterminada de su cuenta corriente). El mercadoaprecia estas condiciones con una prima de riesgo país alta y la economía,pese a que en el año 2000 tuvo un crecimiento, sigue presa en su trampade financiamiento.

Argentina superó su crisis de finales de 2000 con un rescateinternacional, pero sin ningún cambio de política con relación a la quedeterminó su trayectoria previa (ésta incluía en el año previo un ajustefiscal contractivo que no tuvo efecto sobre la prima de riesgo). El mer-cado obtuvo un reaseguro en el corto plazo, pero la prima de riesgosiguió reflejando condiciones de trampa.

C. Las propuestas de políticas

Si el diagnóstico no toma en cuenta las cuestiones que esbozamosarriba, las recomendaciones de la CEPAL pueden estar desactualizadaso resultar abstractas con relación a los problemas que enfrentan variospaíses. Los pros y contras de distintas líneas de política tienen queponderarse con las exigencias que resultan de los problemas queenfrentan los países. Podemos mencionar dos ejemplos. Un ejemplo es

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el énfasis que ha expresado la CEPAL con relación a las medidas desti-nadas a frenar los ingresos de capital en el auge, en circunstancias enque varios países necesitan financiamiento con urgencia. El otro ejemploes el argumento de moral-hazard (el incentivo a tomar riesgos excesivos)que suele formularse con relación a los mecanismos de “prestamista deúltima instancia”. El argumento teórico es correcto, pero los “riesgosexcesivos” están lejos de ser un problema actual para Brasil y Argenti-na. En cambio, es importante enfatizar los roles que debería cumplir elprestamista de última instancia.

D. Excesivo énfasis en las políticas de prevención de crisis

La CEPAL ha colocado gran énfasis en el problema en las crisis.Ciertamente son la crisis las que recortan el financiamiento externo,aumentan su costo y provocan recesión, desorganización de la economíay ajustes con efectos persistentes. Sin embargo, un argumento centradoen políticas para reducir riesgos en condiciones de auge no proveeorientaciones para la situación presente. Los elementos de política ori-entados a evitar las crisis son importantes y sintetizan bien la experienciaregional en la década pasada, pero deben complementarse conorientaciones más sincronizadas con los problemas actuales de las gran-des economías de la región.

II. SUGERENCIAS ARGUMENTALES

A. El riesgo de soberanía

La frontera nacional define una jurisdicción política y legal. Den-tro de esta jurisdicción rige la soberanía del gobierno y otras institucionesdel estado nacional. En determinadas circunstancias, las autoridadesde una nación pueden decidir o avalar el incumplimiento de ciertoscontratos. Este aspecto de la soberanía limita la capacidad de un agen-te económico extranjero de hacer cumplir el contrato que lo involucra.Este es un riesgo de soberanía irreductible. No hay razones para suponera priori que el valor de este riesgo resulte muy significativo, pero hayuna tensión entre el proceso de globalización financiera y lainstitucionalidad de los estados nacionales que puede resultar ensituaciones de integración financiera segmentada.

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B. El proceso de globalización financiera

Ese proceso está cerca de cumplir tres décadas. Parece razonablefechar su comienzo entre 1971 y 1973, cuando Estados Unidos liberóla atadura del dólar al oro y se adoptó la flotación de las monedas delos principales países desarrollados. Desde entonces tuvo lugar unasecuencia de liberalizaciones y desregulaciones de los movimientosinternacionales de capital y de los sistemas financieros nacionales. Lacompetencia en el mercado jugó un importante papel impulsor, de modoque los procesos de liberalización de los flujos entre países y de lossistemas nacionales se incentivaron mutuamente. La emergencia denuevos negocios internacionales puso presión para la reducción decostos y menores regulaciones en el plano nacional. A la inversa, nuevasoportunidades abiertas en algunos países impulsaron la desregulaciónde las transacciones entre países. En paralelo con la secuencia de refor-mas se verificó un rápido crecimiento del volumen de transaccionesfinancieras a través de las fronteras.

Este proceso de creciente integración involucró e involucra princi-palmente a los países desarrollados. Sin embargo, las mayores economíasde América Latina fueron parte del mismo desde sus primeros tiempos.Brasil primero y más adelante México, Venezuela, Argentina y Chile fueronimportantes receptores de capital en los años setenta. Los dos últimos,junto con Uruguay, fueron entonces pioneros de drásticas reformasliberalizantes que anticiparon las que se generalizaron en los años noventa.

La participación de la región en la globalización financiera tuvouna interrupción con la crisis de la deuda de los ochenta. La crisis impusoun hiato de unos ocho años, en los cuales desapareció el financiamientovoluntario. En los años noventa – digamos desde la firma del PlanBrady por parte de México, si queremos fecharlo – América Latina sereincorporó vigorosamente al proceso de globalización en sus dos pla-nos, a través de drásticas reformas liberalizantes y crecientes flujos (yreflujos) de capital.

C. El grado de integración financiera

En las formulaciones de las tempranas experiencias del ConoSur y más generalizadamente en los años noventa, la integración

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financiera internacional es el horizonte manifiesto de quienespromueven intelectualmente el proceso. La integración completa equi-vale al establecimiento de una intermediación financiera global dondeel rendimiento de las colocaciones del público, por un lado, y el costodel capital de los tomadores, por otro, se igualan para las transaccioneseconómicamente equivalentes (plazos, riesgos, garantías, etc.), conindependencia de la localización geográfica de ahorristas y deudores.

La integración completa supondría minimizar los costos deintermediación, reducir el costo del capital al nivel de los paísesdesarrollados y en la medida que nuestro menor desarrollo relativo im-plica mayores oportunidades de nuevos negocios, aseguraría lascorrientes de inversión y financiamiento que tenderían a cerrar la bre-cha de desarrollo.

En comparación con el aislamiento financiero que rigió desdela crisis del treinta hasta avanzados los años sesenta, es indudable queel proceso de globalización alcanzó un significativo grado de integraciónfinanciera entre los países desarrollados y también entre éstos y los quese constituyeron como mercados emergentes. Sin embargo, aún laavanzada integración financiera entre países desarrollados está lejos deser completa. La igualación entre las tasas de interés nominales solo severifica en los casos de operaciones aseguradas en los mercados decambios futuros. Las tasas de interés reales no tienden en general aigualarse. Los ciudadanos de cada país muestran una marcada preferenciapor activos de su propio país. Las tasas de inversión muestran una altacorrelación con las tasas de ahorro nacionales. En síntesis, aún habiendoalcanzado un alto grado histórico de integración, los mercadosfinancieros de los países desarrollados continúan exhibiendo una signi-ficativa diferenciación.

Menor aún es el grado de integración financiera entre paísesdesarrollados y subdesarrollados. No solo porque la globalizacióninvolucra una pequeña proporción de países con “mercados emergen-tes”, sino también por las características propias de la integración deestos mercados. Señalemos, en primer lugar, que aún en los momentosde boom, el volumen de los flujos es muchísimo más pequeño de loque cabría teóricamente esperar de una integración completa. En los

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países desarrollados, la inversión en mercados emergentes está con-centrada en agentes especializados y representa una pequeña proporciónde los activos de sus residentes.

D. El costo del capital

Para las mayores economías de la región, la mencionadareincorporación de América Latina al proceso de globalización en losnoventa tuvo como primer acto la conversión en los bonos Brady de ladeuda externa pública arrastrada en las negociaciones de los añosochenta. El reingreso al mercado voluntario se hizo simultáneamentecon la flotación de una importante masa de bonos públicos cuya tenenciase diversificó en un activo mercado secundario. Los bonos de deudapública se constituyeron así en el basamento del nuevo mercado deinversiones en la región desde su inicio. Ese mercado de deuda públicase engrosó posteriormente con las emisiones que realizaron losgobiernos.

Como representan compromisos en dólares, el único riesgo queconllevan los bonos de deuda externa pública es el de incumplimiento.El valor que el mercado atribuye a este riesgo – la prima de riesgo paíso prima de riesgo soberano – se mide como la diferencia entre elrendimiento que se obtendría comprando el bono a su precio actual y elrendimiento resultante de adquirir un bono de semejantes característi-cas financieras del gobierno de Estados Unidos – el deudor en dólaresde menor riesgo de incumplimiento.

La evolución de las primas de riesgo soberano no muestra evi-dencias de que el sistema internacional que se ha ido conformando conla globalización tienda a una integración financiera completa. Por elcontrario. La experiencia de los recientes tres años – el período que seinicia con la crisis asiática – sugiere que el sistema ha conformado unaintegración segmentada, en la cual el costo del capital para los emer-gentes de América Latina es sistemáticamente mucho mayor que en lospaíses desarrollados.

E. Las primas de riesgo país

Una tendencia convergente a una integración financiera com-pleta hubiera supuesto una continua reducción de las primas de riesgo

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país de América Latina. No ha ocurrido así. Tomamos como ejemplo laevolución en los noventa de la prima (medida por el EMBI+) de Ar-gentina, la economía financieramente más abierta y desregulada de laregión. La prima nunca cayó por debajo de un promedio mensual de280 puntos básicos y solo tocó ese mínimo en un par de ocasiones.Luego de reducirse desde principios de los noventa, alcanzó ese míni-mo en los primeros meses de 1994, para retomar una tendencia ascen-dente desde marzo de 1994, cuando EEUU aumentó sus tasas de interés.Luego, la media mensual se disparó a 1800 pb con el efecto tequila.Descendió gradualmente desde entonces para tocar nuevamente elmencionado mínimo en el mes previo a la devaluación de Tailandia.En adelante, desde la crisis asiática, las medias mensuales nunca cayeronpor debajo de los 400 pb y superaron los 1000 pb con las crisis rusa ybrasileña. En 1999 y 2000, en ausencia de nuevas crisis financieras ycambiarias nacionales, la prima nunca descendió por debajo de los 500pb y en el año 2000 tendió a incrementarse en correlación con otrosimpulsos, primero con la caída del NASDAQ y luego con el aumentodel precio del petróleo.

El gráfico 1 muestra las medias mensuales de las primas de riesgode Argentina, Brasil, Chile y México (medidas por el EMBI+). El nivelrelativo de las primas de riesgo de los emergentes latinoamericanosestá asociado con ciertas características estructurales de las economías,indicativas de su solvencia. Por ejemplo, tal como indica el Cuadro 1,puede constatarse que los niveles recientes de las primas de México yChile, de un lado, y Argentina y Brasil, por otro, están asociados con lasrespectivas relaciones deuda externa/exportaciones. También cabe men-cionar que ingredientes locales (tales como los episodios deincertidumbre política en Argentina), influyen en la variación relativade las primas latinoamericanas. Pero en el dibujo de su evolución a lolargo de los noventa, es nítida la fluctuación común asociada a losmencionados episodios de crisis nacionales y más recientemente, a brotesde incertidumbre de otras fuentes en el mercado de los paísesdesarrollados.

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F. Contagio y movimientos de manada

Tales fluctuaciones comunes son resultado de movimientos demanada por parte de los inversores. La misma posibilidad de estosmovimientos era desacreditada en la primera mitad de los noventa porla ortodoxia que predominaba entonces en los organismosinternacionales, los gobiernos y entre los analistas. Pero ese diagnósti-co ganó reconocimiento con la crisis de México y se impuso como unarealidad indiscutible con la crisis asiática y sus continuaciones.

La noción ganó status en el concepto de contagio, idea que ahoraestá incorporada en el diagnóstico del FMI y fundamenta algunas desus nuevas líneas de acción. Sin embargo, este concepto de contagio selimita a caracterizar los movimientos de manada inducidos por crisisnacionales. ¿Pero no representa un contagio semejante el detonado porla caída de las acciones tecnológicas que agrupa el NASDAQ, al cabode una prolongada burbuja? ¿No cabe en el mismo concepto el efectoobservado del aumento del precio del petróleo? El impacto sobre laprima de México ilustra este último punto. El aumento del precio delpetróleo beneficia la economía mexicana, sin embargo, su prima riesgosoberano subió junto con las del resto de la región.

El reconocimiento de que también los mencionados sonfenómenos de contagio es importante para el diseño y la promoción demedidas internacionales a favor de la estabilidad y el mejor funcionamientodel mercado globalizado, como argumentaremos más adelante.

Puede imaginarse cualquier escenario futuro, desde una crisisfinanciera generalizada y el retorno al aislamiento y la negociación delas deudas externas, hasta una estabilización de los mercados y la gra-dual convergencia a una integración financiera completa, porque esverdad que el futuro es irremediablemente incierto. Pero antes de ima-ginar el futuro debe reconocerse como un hecho que al cabo de unadécada de la reinserción financiera de AL, en los tres años que vandesde la crisis asiática, las primas de riesgo país determinan que el costode capital de las colocaciones gubernamentales de Brasil y Argentinaes - en las mejores condiciones de corto plazo experimentadas en elperíodo - aproximadamente el doble de la tasa de interés de EstadosUnidos y significativamente más alto que la misma en el caso de México.

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En AL solo la prima de Chile es semejante a las de Corea, Malasia,Polonia y Hungría, los mercados emergentes de menor prima de riesgosoberano.

G. El riesgo soberano se extiende más allá de la solvencia fiscal

Podría pensarse que bastaría tener equilibrio fiscal y no requerirnuevas colocaciones para esterilizar los efectos del riesgo soberano. Podríaargumentarse, y muchos lo hacen, que todo el problema reside en las finanzasdel sector público. No es así. Chile, por ejemplo, goza de superávit fiscal,pero su prima no es despreciable. ¿En qué reside el riesgo soberano en uncaso así? Las finanzas de un país pueden estar equilibradas o arrojar supe-rávit, pero eso no garantiza que su economía disponga de los recursos enmoneda extranjera necesarios para atender los servicios y las amortizacionesde la deuda en dólares. Más aún, el gobierno podría contar con los recursosnecesarios en moneda extranjera para atender sus propios requerimientos,pero no así el conjunto de la economía, de modo que podría no disponersede los dólares necesarios para servir la deuda externa privada. En estascondiciones, las autoridades pueden verse forzadas - o elegir hacerlo - asuspender la convertibilidad de la moneda doméstica (o suspender lospagos al exterior, en el caso de una economía dolarizada) y forzar elincumplimiento de los contratos. La soberanía faculta esta posibilidad. Elriesgo soberano se extiende más allá del riesgo de insolvencia fiscal.

H. La prima de riesgo país es determinante del costo del capital

para la economía

La tasa de interés en dólares que ofrecen los títulos de deudapública transados en el mercado secundario proporciona a todo el mer-cado una medida del riesgo país y es la base que tiende a determinar elcosto del capital de las actividades del país, en moneda extrajera y enmoneda local. En primer lugar, es el costo de oportunidad del capitalde la inversión extranjera directa. En segundo lugar, establece un pisodel costo de captación de recursos internacionales por parte de lasempresas nacionales. En tercer lugar, determina el piso del costo decaptación internacional de los bancos y consecuentemente, el piso delcosto marginal de quienes se financian localmente en moneda extranjera.Por último, también tiende a determinar el piso del costo del capital enmoneda local. Un breve desarrollo de este último punto da pie para

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señalar otras particularidades de la integración segmentada.

Indicamos más arriba que los inversores locales de los paísesdesarrollados evidencian una preferencia por activos de su propio país,denominados en su propia moneda. Aún con un alto grado deinterconexión financiera internacional, esta preferencia permite, en prin-cipio, que sus autoridades monetarias instrumenten políticas tendientesa determinar una tasa de interés en moneda local sistemáticamenteinferior a la tasa “internacional” (esto es, a la tasa que el inversorobtendría de una colocación en moneda extranjera). En nuestraseconomías, por varias razones que no cabe puntualizar aquí, laspreferencias son las inversas. Como la apertura financiera funciona enambas direcciones, los agentes locales están habilitados para arbitrarentre activos en moneda local y dólares. Por esta razón, salvo en el caso(excepcional) de una tendencia sistemática y predecible a la apreciaciónde la moneda local, la tasa de interés real en moneda local debe ser a lomenos igual y generalmente mayor que la tasa de interés en dólares.

I. Consecuencias de la integración segmentada

La persistencia de altas primas de riesgo país es un resultadoimpensado de la globalización financiera. Tiene varias consecuenciasnegativas. En primer lugar, las altas tasas de interés reducen la inversióny representan un freno al crecimiento. En segundo lugar, determinanuna tendencia regresiva a la distribución de los ingresos. En tercer lu-gar, imponen una transferencia de renta al exterior, directamente a tra-vés del servicio la deuda externa e indirectamente a través de las utili-dades de la inversión extranjera directa. Por último, en algunos casos –notablemente Argentina y Brasil – implican trayectoriasmacroeconómicas insostenibles, por la tendencia explosiva de lasobligaciones de la deuda externa.

Frente a esta situación podría sugerirse volver atrás, desembar-car al país del proceso de la globalización financiera. No parece existirun camino sencillo para instrumentar esta idea. La deuda externa pú-blica y privada es actualmente la principal ancla con el sistema financierointernacional. El servicio regular de la deuda absorbe la gran parte delos ingresos brutos de capital.

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A principios de los años noventa los países tenían cierto margende elección del tipo y grado de apertura financiera, frente a la presiónde los fuertes ingresos de capital. La situación es completamente dife-rente en la actualidad para varios países.Para éstos, el problema es ahoraprincipalmente la obtención de financiamiento para el giro regular de ladeuda y la imperiosa necesidad de obtenerlo a precios menores que losque se enfrentan. Consideremos los ejemplos de Brasil y Argentina. Aprincipios de los años noventa Brasil contaba con un superávit comer-cial de unos u$s 12 MM y un balance de cuenta corriente equilibrado.Ensayaba entonces medidas para frenar los ingresos de capital, por susefectos monetarios desestabilizantes. En 1999, luego de haberatravesado el proceso de estabilización y apertura comercial y financieray un año después de la crisis y las medidas correctivas, las cuentasexternas de Brasil muestran un balance comercial aproximadamenteequilibrado y un déficit de cuenta corriente del orden de u$s 25 MM,por intereses y servicios de factores. Entre principios de los noventa y1999, el saldo de la cuenta de servicios por intereses, utilidades y divi-dendos pasó de 22% a 40% de las exportaciones de bienes.Análogamente, Argentina a principios de los noventa contaba con undéficit comercial de unos u$s 2 MM y un déficit de cuenta corriente deu$s 6 MM. En 1999, en el piso de la recesión, el balance comercialarrojó un déficit de u$s 0.7 MM, mientras el déficit de cuenta corrientealcanzó u$s 12.3 MM, por intereses y servicios del capital. El saldo dela cuenta de intereses y servicios del capital, en proporción de lasexportaciones de bienes, pasó de 20% a 33%, entre principios de losnoventa y 1999.

J. Equilibrios múltiples

Los niveles relativos de las primas de riesgo reflejan la apreciacióndel mercado de distintos grados de vulnerabilidad y estáncorrelacionados con indicadores de solvencia, como señalamos arriba.La mayor vulnerabilidad relativa implica una mayor propensión a lacrisis, frente a un shock equivalente. La ocurrencia de una crisis (porcualquier factor desencadenante) puede racionalizarse como el pasajede un equilibrio a otro en un modelo de equilibrios múltiples (esta es laprincipal aplicación de los modelos de equilibrios múltiples en la litera-tura sobre el tema). Cualquier economía puede sufrir una crisis frente a

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un shock de suficiente entidad, pero hay configuraciones más propen-sas a experimentar crisis (a “saltar” de su equilibrio presente a unasituación de crisis). De esta manera, todas las economías tienen dos“equilibrios”: el equilibrio presente (sin crisis, el bueno) y el equilibriode la crisis. En algunas economías el equilibrio presente es más inestable,esto es, exhibe mayor vulnerabilidad.

La mencionada perspectiva puede enriquecerse con dosconsideraciones. La primera es razonar en términos de trayectorias,calificadas de acuerdo a sus potenciales de crecimiento y sostenibilidad,en lugar de concebir como un único “equilibrio” a cualquier situaciónno crítica. La economía puede situarse por un período más o menosprolongado en una trampa de altas tasas de interés, bajo crecimiento yalta vulnerabilidad. La economía está sobre una trayectoria no sosteniblea largo plazo (por la tendencia explosiva de las relaciones deendeudamiento), pero puede desenvolverse en esta situación por uncierto período sin enfrentar efectivamente una crisis. Esta configuraciónes resultado conjunto de cierta trayectoria previa de integraciónfinanciera internacional y de la apreciación que hace el mercado de susriesgos. Así, en lugar de la noción de dos equilibrios (crisis y no crisis)podemos distinguir entre dos trayectorias: la configuración de trampade bajo crecimiento y una trayectoria de crecimiento virtuoso.

La segunda consideración es que la ocurrencia o no de crisis y eltipo de trayectorias sobre la que evoluciona la economía no sonindependientes de la apreciación que hace el mercado, esto es, de laprima de riesgo que demanda y del volumen de activos del país queestá dispuesto a absorber. Por ejemplo, a igualdad del resto de lascondiciones, una economía puede encontrarse sobre una trayectoria detrampa o sobre una de crecimiento virtuoso, según la prima de riesgopaís y el flujo de capitales que recibe. La economía puede haber caídoen una trayectoria de trampa por un efecto de contagio, pero una vezsituada en esta posición, sus indicadores tienden a empeorar y laapreciación negativa del mercado es una profecía autocumplida. Labaja de la prima de riesgo país y mayor flujo de financiamiento podríareponer un crecimiento virtuoso, pero los inversores no modificaránsus expectativas sin una señal coordinadora.

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Con la perspectiva de equilibrios múltiples, una acción interna-cional para reducir el riesgo soberano (por ejemplo, la presencia de unafunción de prestamista de última instancia) puede racionalizarse comouna acción preventiva de la crisis, pues reduce la propensión a saltar alequilibrio crítico. Análogamente, la distinción entre tipos de trayectoriapermite racionalizar la intervención como la acción necesaria en deter-minados casos para (generar la posibilidad de) que la economía salgade una situación de trampa de bajo crecimiento a una trayectoria decrecimiento virtuoso.

K. Cursos de acción

En lo que sigue comentamos algunos mecanismos que apuntana la reducción del riesgo país.

El fundamento más profundo de las primas de riesgo soberanoes precisamente la soberanía de la cual gozan las naciones en nuestrotiempo. El proceso de globalización financiera podría haber dado otrosresultados, pero la situación en que se encuentra estaba dentro de loscursos probables. Frente a los hechos que configuran la integraciónsegmentada solemos razonar por analogía con los sistemas financierosnacionales para señalar las fallas del sistema conformado por laglobalización. Observamos que se conformó un sistema internacionalen el cual están ausentes gran parte de las instituciones que fueronconstruyéndose a lo largo del tiempo en los sistemas nacionales, paramejorar su funcionamiento y darles estabilidad. Estas instituciones yexperiencias nacionales sugieren el diseño de instituciones quedesempeñen funciones análogas en el plano internacional. En cada caso,el establecimiento de estas instituciones requiere la cesión de distintosatributos de la soberanía nacional. Ocurre así aún en el tema deproducción y disponibilidad de información fiscal y financiera, que esen el cual más se ha avanzado en las discusiones y acuerdos de laArquitectura Financiera Internacional (AFI). Mucho más en el caso delestablecimiento en el plano internacional de instituciones de supervisióny regulación prudencial, tema en el que poco se avanzó. Con relación aeste tema se expresaron resistencias por parte de países subdesarrollados,temerosos de que las previsiones por riesgo restrinjan los ansiados flujosde capital. Las discusiones internacionales de la AFI son importantes,

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pero creemos que no cabe esperar soluciones provenientes de ellas enun plazo corto. Las alternativas deberían buscarse por otros caminos.

En tanto el riesgo soberano es esencialmente un riesgo deincumplimiento de contrato motivado por la imposibilidad práctica deafrontarlo, tiende a reducirlo la existencia de garantías adicionales en laforma de fondos de acceso contingente, a disposición de países queenfrentan dificultades. Esta función es análoga a la de prestamista deúltima instancia que cumplen los bancos centrales en el plano nacionalen muchos países. Pueden imaginarse muchas instituciones para estafunción y NNUU debería continuar impulsando su discusión en losforos de la AFI. Pero considerando las posiciones que venía sosteniendoEstados Unidos y las que sostendrá probablemente su nuevo gobierno,parece claro que las funciones internacionales financieras seguiránconcentrándose en el plazo previsible en las instituciones de BrettonWoods.

El instrumento del FMI que más se acerca formalmente a lafunción de provisión garantías para la reducción del riesgo soberano esel CCL (Contingent Credit Line), recientemente reglamentado. Sin em-bargo, sus condiciones de acceso son tan exigentes que los países quelas cumplen no se sienten inducidos a requerirla, mientras que quienesmás la necesitan no alcanzan sus condiciones de acceso. En paralelo, elFMI ha instrumentado otra línea, la SRF (Suplementary ReservesFacility) de monto no definido y condiciones de acceso mucho másdiscrecionales. El FMI creó esta línea en la operación de rescate deCorea, la aplicó en las operaciones relacionadas con las crisis de Rusiay Brasil y la concedió recientemente a la Argentina.

Con la creación de esta línea, el FMI ha dado un paso significa-tivo en la dirección de acercar su función a la de un prestamista deúltima instancia en el plano internacional. Parece razonable procurar eldesarrollo de esta línea como el camino más viable, aunque no deberíaabandonarse la discusión de las condiciones de acceso al CCL. Pasosadicionales en la dirección de lograr un efecto significativo sobre lasprimas de riesgo requerirían aumentar los fondos disponibles y extenderlas circunstancias que definen su accesibilidad. Un acceso más abiertoresultaría, por ejemplo, de ampliar la noción de contagio, reconociendo

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los efectos derivados de brotes de incertidumbre de distintas fuentesen el mercado financiero desarrollado, como señalamos arriba.

Mayor disponibilidad de fondos - de origen público, o levantadosen los mercados con garantía indirecta de los gobiernos de los paísesdesarrollados - y condiciones de acceso más amplias y automáticas podríantener efecto significativo sobre las primas de riesgo y mejorarían elfuncionamiento del sistema porque reducirían las probabilidades de crisis.Pero difícilmente puedan lograrse esas condiciones sin cesiones adicionalesde soberanía a los organismos multilaterales, precisamente porque esacesión de soberanía opera conjuntamente con la mayor disponibilidad defondos contingentes para reducir el riesgo soberano. (Un ejemplo al nivelde los sistemas nacionales es la doble función del Banco Central: comoprestamista de última instancia y superintendente del sistema).

Un ejemplo de este tipo de efecto es la nula prima de riesgo quepaga la economía de Grecia, por ser país miembro de la Unión Europea.

En teoría, ceder soberanía a los organismos multilaterales nosignifica perderla sino ejercitarla en forma compartida, negociada. Sinembargo, el FMI y el Banco Mundial no están organizadosdemocráticamente. Las cesiones de soberanía sin contrapartida en unincremento de la participación de los países cedentes en el gobierno delos organismos están destinadas a confrontar una creciente (y legítima)conflictividad. En consecuencia, en paralelo con la orientación tendientea ampliar las funciones de prestamista de última instancia indicadasarriba, la agenda debería incluir en forma prioritaria la cuestión degobierno de los organismos multilaterales.

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SOBERANÍAS ACOTADAS, LEGITIMIDADES CUESTIONADAS

Francisco Delich

La soberanía del Estado/Nación nunca fue respetadaenteramente, durante los últimos cuatro siglos. Sin embargo se mantuvocomo principio organizativo de la convivencia pacífica entre los Esta-dos/Naciones. Nominalmente, los Estados/Naciones/Soberanosrecientemente (1945) se dieron una organización común, supraestatal,las Naciones Unidas con cierta capacidad para asegurar la convivenciagarantizando el respeto de aquellos. El reconocimiento de la Soberaníadel Estado Nación, aseguraba el reconocimiento del gobierno adminis-trador del mismo, independientemente de su legitimidad de origen y desu comportamiento. Hans Kelsen lo justificó en su Teoría pura delDerecho con extrema precisión.

El respeto a la soberanía nacional (externa) se extendía a lalegitimidad (interna). El respeto por la soberanía del Estado / Nacióndurante el siglo XX se convirtió, en América Latina, en un principio delegitimidad política y de sobrevivencia, de la propia existencia de losEstados Naciones. La experiencia del siglo XIX que comprobó la luchapor la independencia de las potencias coloniales, las guerras civiles quelo sucedieron en muchos casos entrecruzados por intereses externos ala región, y las dificultades en establecer fronteras definitivas entre losEstados (soberanos) después del desmembramiento virreynal fueronelementos y situaciones que forjaron una conciencia difundida deidentidad fundada en la demanda de autonomía y respeto por la soberaníanacional.

Las luchas por la organización jurídica del Estado, sujeto de laSoberanía y la invención de la Nación para asegurar la soberanía delsujeto colectivo y garante subjetivo de la soberanía objetiva, marcaronel difícil y dramático siglo XIX.

La soberanía del Estado y la identidad de la Nación fueronafirmándose como principios constitutivos tanto del Estado (repu-blicano) como de la subjetividad de la Sociedad Civil. El capitalismo

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emergente en la segunda mitad del siglo XIX en la mayoría de los paí-ses de América Latina, adoptó la forma del capitalismo nacional, acor-de con las demandas de soberanía y autonomía política.

La primera mitad del siglo XX fue testigo de la prolongación deesta tendencia. La legitimidad del Estado tenía fuente en la soberaníadeclamada como principio la identidad y era reforzada por la legitimidadde la Nación y aún del propio capitalismo, organizador del aparatoproductivo con identidad nacional: en la segunda mitad del mismo siglola estrategia de desarrollo industrial por sustitución de importaciones,implicaba la autarquía económica fundada en la soberanía del Estado yla Nación.

La soberanía de los Estados / Naciones fue el principio filosó-fico jurídico que permitió la convivencia pacífica tanto en los años dela post independencia y aún en los momentos más álgidos de la guerrafría. Incluso los Estados comunistas adoptaron como principio la defensade la soberanía y el respeto por la legalidad interna como autodefensa.

La soberanía del Estado fundaba la legitimidad y la legalidad decualquier orden interno, impedía que un Estado / Nación juzgue consus propios criterios el orden interno de otro. Se podía denunciar lasituación de un Estado pero no agredirlo militarmente y cuando estoocurrió se recibía la condena moral (en algunos casos) algo más, perono se reconocía la legitimidad de la agresión.

Las muchas intervenciones armadas de los USA en AméricaLatina fueron siempre provisorias y cuando podían, disimuladas:Guatemala en 1954 o Cuba en 1961 no eran invasiones abiertas comolo fueron en Panamá, Santo Domingo o Grenada. La violación de lafronteras de estados nominalmente soberanos eran presentados comoexcepciones, como circunstancias, como coyunturas reactivas. El prin-cipio del respeto por la soberanía no estaba en disputa en el ámbito delas relaciones interamericanas.

El temor de los pueblo más débiles por las invasiones externasera más fuerte que la aprehensión por los gobiernos locales. Unadictadura nacional-parecía- era siempre mejor que una intervenciónextranjera. La legitimidad política y social cruzaba todas las ideologías,

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los partidos, las clases y grupos sociales, las edades, las regiones. Unsólido, formidable principio de convivencia aseguraba un orden jurídi-co impuesto y asimétrico, pero al menos contenido por un principio delegitimidad común.

La guerra del Golfo – la primera guerra del siglo XXI por suscaracterísticas estratégico tecnológicas - reforzó la idea de soberanía:una intervención militar devolvió la soberanía a un Estado invadido(Kuwait) y restableció las fronteras en su status anterior, pero nomodificó las condiciones de legalidad interna del país agresor.

Para la siguiente y más esclarecedora, desde este punto de vista,fueron las acciones militares en Kosovo: se intervino militarmente enel interior de un Estado soberano (Yugoeslavia), invocando un princi-pio de respeto por el derecho de gentes, utilizado como referencia, unorden superior al Estado/Nación, un supra-Estado emergente escudadoen una nueva versión del derecho de gentes.

Más interesante aún, fue la detención del general Pinochet enInglaterra a pedido de un juez español. El gobierno de Chile reclamó -sin éxito – el respeto por la soberanía chilena y el derecho a juzgar asus propios súbditos. El destino posterior de Pinochet no cambia lanaturaleza del precedente. Pinochet regresa por razones ajenas al recla-mo de Soberanía.

Aunque menos espectacular la paciente construcción de laUnión Europea y lo más reciente del Mercosur muestran también eldesplazamiento de la soberanía del Estado / Nación a los organismospolíticos (parlamento, comisarios, Bancos) a un nuevo sujeto, el Esta-do multinacional, la aparición de dobles ciudadanías y de una dobleidentidad: nacional y europea.

Los principios que organizan las condiciones en el presente, estánsufriendo, de un modo pacífico o violento, explícito o implícito, unalenta regresión.

Ni el Estado, ni la Nación, ni ambos reunidos, constituyen enti-dades sin fisuras, no solamente en la práctica histórica, sino sobre todoen los principios de legitimidad. Cómo reunirlos con un concepto tanliso como el absoluto?

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a) El concepto de soberanía

Jean Bodin (Angers 1529 – Lyon 1596) definió, en el capítuloVIII del libro Primero (Los seis libros de la República) editado en 1576y que obtuvo un éxito inmediato. En 1583 aparece un “abregé” quesirve de referencia a las ediciones actuales. Bodin, tradujo él mismo eltexto al latin para presentarlo en Cambridge en 1581/82.

“La soberanía en el poder (puissance) absoluto y perpetuo deuna República que los latinos llaman majestatem, los griegos KurionPolitruma o Kuria Aveche, los: italianos señorío, palabra que usantambién hacia los particulares y hacia aquellos que manejan todos losasuntos de Estado de una república: los hebreos lo llaman el más gran-de poder de ordenar (commander):”

Así lo define porque a su juicio “no hay jurisconsulto ni filósofopolítico que lo haya definido aunque este será el punto principal y elmás necesario a ser comprendido en un tratado sobre la República”(Bodin 1583: reedición de Gerard Meiret 1993: 111. Traducción FD)

Las citas siguientes corresponden a esta edición y serán menci-onadas solamente como Bodin seguido de: y el número de página).También podría traducirse Puissance por autoridad, nomenclador queutiliza el propio Bodin en su primer libro en 1566 (método para unconocimiento fácil de las historias / donde señala la soberanía como“la autoridad suprema en lo que reside el principio de la República”(Simone Goyard - Fabre 1999:30).

Bodin mas erudito – aunque menos sagaz - que Maquiavelo, erano solamente un jurisconsulto formado en Toulousse sino tambiénabogado en ejercicio. Conocía muy bien el Derecho Romano, perotambién la organización política de los griegos y sorprendente paramuchos, de organización política de las primeras tribus que formaría laNación judía y particularmente desde David en adelante.

De modo que, Bodin no inventa el concepto de soberanía, sinoque lo sintetiza, como suelen hacer los sabios en una fórmula simple ydemoledora que ha perdurado cuatro siglos y contribuido a fundar elEstado laico que conocemos desde las revoluciones americana y francesa.

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La condición absoluta y perpetua no puede conferise a la personadel príncipe sino a la función del príncipe, a la República que gestiona.El príncipe es depositario del poder, pero es soberano dictando la ley;leyes que solo tiene como límites las leyes de Dios y de la naturaleza.

Bodin desprende el concepto de soberanía de cualquier otro po-der terrenal, incluyendo el poder del Papa, por entonces poder religiosoy terrenal. Esa es su actualidad.

Los dictadores – estima Bodin (:113) no tienen soberanía aunquedispongan de poder. Los dictadores romanos, señala solo tenían poderpara hacer la guerra o reprimir un estado de sedición, o reformar elEstado “ la soberanía no es limitada ni en poder ni en función, ni a uncierto tiempo”.

Absoluto y perpetua, sigue insistiendo Bodin utilizando ejemplosde Roma y Grecia. El único límite a la soberanía está en Dios y lanaturaleza. Cita a Marco Aurelio (Bodin:129) “los magistrados sonjueces de los particulares, los príncipes de los magistrados y Dios de lospríncipes”.

El principio absoluto y perpetuo reconoce la capacidad de norespetar ni sus propias leyes: si puede dictarlas ¿Cómo no podríaabrogarlas?

Pero estamos hablando del ejercicio del poder no de su alcance.Aunque superficialmente el razonamiento parece conducir a la idea depoder absoluto (y elogio del absolutismo) que no pocos críticos deBodin aprecian en su obra. Es difícil imaginarlo en esa dirección: todoel tratado De la República es un persistente llamado a la toleranciareligiosa, más cerca del humanismo y del posterior iluminismo que delas teorías totalitarias del poder. El príncipe dice Bodin “debe respetarlos contratos que ha hecho, porque … es el garante de los contratosformalizados entre otros … (:132).

Sin embargo la idea de absoluto es incompatible – en la políticademocrática con la tolerancia.

En el capítulo X “Los atributos (marques) de la soberanía” enprimer lugar la majestad que no debería interpretarse como arbitrariedad:

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el príncipe no puede tomar lo que no es suyo como lo señala Samuel ensu arega al pueblo judío (:152) los más grandes magistrados, losayudantes del rey, los regentes están obligados por las leyes (:155) “Elpríncipe creado a imagen y semejanza de Dios, no es igual a Dios” elúnico dispensador de soberanía (:157)

Detengámonos en este punto crucial del análisis. El Príncipe noes Dios. Fue creado por este – como todos los hombres – elegido paraejercer el poder disponiendo de una Soberanía sin límites; pero no esDios.

Un absoluto (la Soberanía) se subordina a otro absoluto (Dios).Hay un absoluto que es menos absoluto donde se cuelan restriccionesteóricas y prácticas.

Esta contradictio in termine nos permitirá más adelante plantearla redefinición de la Soberanía. Es parte de nuestro problema.

Su primer atributo es entonces: el poder para dictar la ley a to-dos y a cada uno en particular” (:160) El segundo atributo es unaespecificación poder para hacer la guerras y la paz. El tercero el poderde designar a magistrados y funcionarios, es la última instancia (dernierresort) Bodin:167) la quinta el poder de otorgar indultos más allá de lasdisposiciones vigentes” para atenuar el rigor de las leyes, por la vida,bienes o por el honor…” (:170) que como se advierte se mantiene aúnhoy como facultad del presidente de la República por encima de lasleyes de la República.

Volvamos al centro del razonamiento. La soberanía es la potestadde prevalencia de la voluntad (del príncipe) luego será del Estado, mástarde, del pueblo a través de sus representantes.

La voluntad tiene en la concepción de Bodin, igualmente límitesen las leyes de Dios y de la naturaleza como se ha dicho. En el Estadomoderno lo tendrá en la razón y de la pasión ( de la Sociedad Civil)

La soberanía es indivisible - escribía Cardin Le Bret “tanindivisible como el punto en geometría” citado por Simone Goyard-Fabre (1999:37) Pero la voluntad que la constituye es necesariamenteel producto de construcciones diversas.

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b ) Soberanía e Independencia

La soberanía absoluta y perpetua es una herencia, en los alboresdel Renacimiento mas que una propuesta. Es una comprobación ytambién su superación. “La existencia del príncipe era el presupuestomismo del Estado “, escribe con razón Shennan (1991:31) El Príncipedispone de poder no tanto por sus posesiones – que son importantes -como por la legitimidad que Dios le confiere, a su misión en la tierra yasí lo atestiguan en el siglo XV el Escorial en España (palacio,monasterio y tumba) la capilla de los Medici en San Lorenzo (Florencia)y el propio Ivan el terrible o la recuperación de Granada. El Príncipedebe aferrarse a los principios de justicia universales (cristianos)simultáneamente como sugiere Maquiavelo a la real politik. No es fácil,sí realizable.

Los intereses públicos y los intereses particulares del propio prín-cipe se confunden. El príncipe debe conformar su conducta política ala conveniencia del Estado y la privada a la moral. Comienza a esbozarse,la razón de Estado, y su infinita tensión con los códigos éticos quealcanza hasta nuestros días.

En el 1600 “la expansión del poder del príncipe interfiere conlos conflictos religiosos, transforma a tal punto el clima político enEuropa hasta mostrar que ni las pequeñas tiranías italianas, ni lasaspiraciones universales del Papa o del emperador eran un modelo aimitar” (Shennan 1991:93). Interferencia insoluble que se traducirá enuna crisis generalizada en Francia y los Países Bajos.

Aquí interviene el pensamiento de Bodin despersonalizando elpoder y separando la propiedad territorial de la actividad política. Elterritorio se convierte en bien público o privado.

La razón natural y el bien común, configuran, sin embargo unente absoluto, el Estado que recibirá (dos siglos después los atributosdel príncipe: la soberanía, asentada sobre “la unidad de lo múltiple ydel uno, entre gobernantes y gobernados”. Pero por qué insiste en elcarácter absoluto? Porque es un pre-requisito de la estabilidad políticasupone Shennan (1991:115 = comentando la propia crisis francesa yde los países bajos siglos XVI y XVII).

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Un elemento histórico debe incluírse para comprender mejor larevolución que el concepto de soberanía introduce para consolidar elnuevo concepto - premoderno del Estado: la expansión del comerciointernacional y la conquista de las Américas reclaman un orden dife-renciado con garantías para la actividad económica. El conflicto, laguerra y la negociación-, no se limitan a los Príncipes sino incluyencrecientemente un nuevo actor en la escena: los mercados.

La necesidad de separar teórica y prácticamente el poder po-lítico, las ideas religiosas de los intereses particulares económicos seabre camino: El Estado soberano es la respuesta a todos las deman-das de las sociedades en formación”: Es un absoluto abstracto quejustifica un dominio concreto. Todavía no hay Naciones en el sentidoactual ni Sociedades Civiles, ni Estados, ni Mercados. Mejor: existen,coinciden y se confunden pero todavía falta un siglo para la irrupciónde la modernidad que los define, y sobre todo, define sus espaciosespecíficos.

La independencia nacional, esto es, América libre de todadominación extranjera, es inseparable de esta concepción de soberaníadel Estado, es decir la voluntad de ejercer en el plano internacional unarepresentación absoluta necesaria para proteger al Estado naciente delas tendencias centrífugas asegurando el respeto de sus fronteras.

Los Estados Unidos forman parte del pequeño número de paí-ses independizados donde una distinción entre Soberanía y Estado estodavía – al menos teóricamente, posible en la medida en que los fun-damentos mismos de la República no fueran amenazados. Según laconstitución, los tratados con el extranjero son inseparables de las leyesnacionales, como lo hizo notar el juez James Wilson en 1793 “laConstitución de los Estados Unidos ignora completamente la nociónde soberanía” pero no la independencia, como es obvio.

Esta negación audaz y lúcida de la terminología tradicional ydel marco conceptual del Estado / Nación europea pertenece al pasado”.Arendt con pena comprueba que “la herencia la revolución americanaha sido olvidada. Para bien o para mal el gobierno americano ha hechosuyo el concepto europeo como patrimonio propio … (traducción deFD) Hanna Arendt (1972: 108)

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Para los iberoamericanos, sin embargo, el viejo concepto europeode Soberanía es funcional, protege la independencia su bien máspreciado.

c ) Soberanía y representación

La Revolución Francesa introduce el concepto de Nación einmediatamente la convierte en depositaria de la soberanía. La Nacióndesplaza a la monarquía., pero sobre todo despega el Estado de todometagarante (Dios, la tradición, la dinastía) para convertirlo en un úni-co depositario y garante de la soberanía legitimada por la sociedad. ElEstado (republicano) alcanza _ legitimidad fundado en la razón (y lafuerza) para asegurar su respeto a los valores: la igualdad, la libertad, lafraternidad. La Nación es su complemento: el sentimiento, la identidaddel todo social o popular, su legitimidad. “La soberanía no reside sinoen el todo reunido” dice Lally - Tollendal el 3 de julio de 1789. (CitadoP. Rosanvallon (2000:17) ilustra bien el criterio revolucionario. Sinembargo como anota a continuación P Rosanvallon, la soberanía de laNación es la misma que la soberanía del pueblo predicada por Rousseau?No lo piensa así el autor que estoy citando, ni nosotros tampoco. “Ladiferencia entre estos dos conceptos – comenta Rosanvallon – no hasido jamás imaginada” (2000:22).

Estas breves observaciones sugieren un concepto de Soberaníaalgo más complejo. Una Soberanía extraordinaria, y otra ordinaria, unconcepto legislativo y una concepción judicial (Rosanvallon 2000:20),una soberanía activa y una soberanía pasiva, etc. Un concepto máscomplejo es un concepto también incompatible con el carácter absoluto.

Pero estos matices alcanzan a la Sociedad Civil en tanto estaconstituye la fuente de legitimidad del Estado a quien a su vez legitimalas formas institucionales. También ésta se redefine por la complejidad,tanto en el sentido clásico de Durkhim como en el reciente de EdgardMorin.

En estas condiciones, en las sociedades contemporáneas no esfácil - sino imposible, separar el Estado de la Nación, ni la Nación de laSociedad Civil.

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Es analíticamente posible y necesario separar estos conceptos,sólo para reunirlos en su práctica histórica.

Seymour Martin Lipset en uno de sus primeros libros (1963)publicado por Eudeba treinta años después, (1993) reúneproblemáticamente la soberanía ligada a la legitimidad.

“un problema mayor- que deben atender todas las nacionesnuevas y las sociedades pre-revolucionarias es la crisis de legitimidad.El antigüo orden fue abolido y, con él, las creencias que justificaban susistema de autoridad (subrayado por FD) agrego “ el otro imperialistaal cual se le adjudicaban todos los males ha desaparecido y se produjouna convergencia en la gran fuerza unificadora, el nacionalismo, bajocuya bandera las diferencias particulares, étnicas, regionales y decualquier otra índole quedaban anuladas”. El nuevo sistema está enproceso de formación y por ello surgen los cuestionamientos: a quiense debe lealtad? Por qué?

La soberanía del nuevo Estado (en realidad un modelo federalde trece estados) Estaba claro a partir del triunfo militar sobre la antiguapotencia dominante. También el esquema institucional, la RepúblicaFederal, con un sistema político democrático-local. Los Estados Uni-dos organizaban su Estado desde los poderes locales hacia el podernacional, pero la Sociedad al revés, desde la identidad nacional haciatodos sus rincones geográficos. Esta es su diferencia mayor y definiti-va con los antigüos dominadores europeos. No había aristocracia nioligarquías, ni privilegios: una sociedad emergía y establecía sus con-sensos en torno a un líder carismático (como Washington) pero tambiéna un sistema de valores que definiría el american dream.

Los Estados Unidos se constituyen como una Nación nueva.Los latinoamericanos no pudieron o no supieron hacerlo. La revoluciónestadounidense fue radical en el sentido literal del término, en la cual lanueva soberanía se asentaba en una nueva Nación y en una sólidaSociedad Civil, como señalará Tocqueville, en los comienzos de losUSA.

Tres causas concurrentes erosionan el concepto de soberaníaabsoluta (estrictamente el ejercicio de la soberanía absoluta) ligada a la

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capacidad militar, de imponer por la fuerza su decisión, o de asegurarsu respeto, tal como lo había advertido Hobbes “sin la espada los pac-tos no son más que palabras”, pero constituiría un principio deorganización, de orden internacional hasta nuestros días, valioso comoseñalo.

En primer lugar el desarrollo tecnológico cuyo aplicación” noreconoce fronteras. La ex URSS lo sintió en carne propia cuando nopudo controlar las ondas que invadía de información y mensajes suterritorio.

La expansión comercial, el intercambio aéreo que requiere nor-mas comunes de seguridad sancionando la piratería aérea, cualquierafuese la motivación de los piratas. Países enfrentados como Cuba yUSA se comprometieron a respetar – y lo hacen – la seguridad en losvuelos.

La expansión de los mercados financieros, que operan,traspasando todas las fronteras, requiere no sólo permisividad sinotambién garantías.

Más recientemente una convención acerca de los derechos hu-manos reforzó y complementó la tendencia.

Este acotamiento de la soberanía se produce de tres maneras:por decisión propia del país soberano, por decisión externa del nuevopoder supra- Estatal (las N U) o bien por decisión de uno o variospaíses que, en nombre de legitimidad más importante que la soberanía(la libertad o el derecho a la vida) recortan la soberanía.

El primer caso pude ilustrarlo correctamente la Reforma de laConstitución Argentina en 1994. Allí se establece el predominio de lalegislación internacional sobre lo nacional cuando se trate de derechoshumanos. El segundo caso se corresponde con la guerra del golfo. UnEstado invade a otro Estado soberano, la ONU lo sanciona y restableceel status anterior a la invasión.

El tercer caso, la intervención de la OTAN en Yugoslavia puedeejemplificar bien la violación de la soberanía para dar fin a lasagresiones étnicas t asegurar el respeto de los derechos humanos.

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Es probable que la tendencia a aceptar una soberanía acotada orelativa se convalide en el futuro inmediato. En tal caso los Estadossolo podrán compensar esta pérdida de poder con un incremento de lalegitimidad en el ejercicio del poder ligado a una redefinición de larelación con la Sociedad Civil.

d ) Soberanía e Integración regional

El inexorable avance de la planetarización, probablemente con-solidará la visible tendencia a una mayor integración entre EstadosNacionales y Sociedades Civiles. Es también inevitable el abandonodel concepto de Soberanía Nacional? No. No necesariamente.

Es el atributo absoluto reiteradamente señalado que lo definiódurante estos siglos pasados el obstáculo mayor. Lógico para la épocaen que fue acuñado, por las razones que se señalaron, inconsistenteahora con los ordenamientos jurídicos vigentes como con los códigossociales predominantes.

No existen derechos absolutos en la legislación positiva. Nitampoco un orden (ranking) de valores absoluto. En consecuenciatampoco cabe la aceptación de una Soberanía absoluta del Estado haciaadentro o hacia fuera.

Por otra parte, la emergencia de una conciencia moral en lasSociedades está asentada por lo menos en dos dimensiones en las cualesno cabe el absoluto, no es imaginable ni la discrecionalidad, ni lainterpretación por parte del Estado Nacional: los derechos humanos yla protección del medio ambiente.

Ningún Estado puede incluir en su Soberanía la capacidad deproteger la violación sistemática de los derechos humanos o eludir susconsecuencias, ningún Estado tiene derecho a comprometer el futurode la humanidad destruyendo la naturaleza. Ningún Estado, en ejerciciode su Soberanía, puede tolerar las formas aberrantes de explotacióncomo la esclavitud.

Esta nueva conciencia humana, se expande como un elementounificador en Sociedades crecientemente complejas (en apariencia frag-mentadas) capaz de consolidar la vigencia de códigos plurinacionales.

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Estas Sociedades contemporáneas desafían además ycomplementariamente los criterios de legitimidad, ligados a la SoberaníaNacional. Los debates – en curso - acerca de la representación política,la articulación de intereses y la disputa por lo público así lo estándemostrando.

En cualquier caso, un nuevo concepto de Soberanía ligado auna revisión de los criterios de legitimidad, se está abriendo camino, nodemasiado lentamente, para conformar un nuevo orden planetario.

e ) La prospectiva federal

Las instituciones federales no fueran consideradas en el mo-mento de Machiavello (para decirlo como Pockock) ni tampoco en laRevolución Francesa: la soberanía absoluta era perfectamente consis-tente con la unidad del poder y con su centralización. El absolutosoberano,se expresa en un absoluto unitario temporal y especialmente,en una referencia perfectamente identificable, porque los atributoscoinciden en un lugar físico y en una persona física. Lo abstracto devieneconcreto sin mediaciones. La idea de absoluto no es incompatible conla idea de República. Es incompatible con la Democracia, pero eso esotro problema.

La tradición federal se impone-en la modernidad- desde laRevolución Americana, tal como lo registró Tocqueville, y se difundeen los países de mayor tamaño – nada casualmente – de nuestra región:México, Brasil y Argentina.

La crisis del absolutismo político, tiene entre otras razones, ladificultad, con predominio históricos de tecnológicas insuficientes, enla gestión de los grandes espacios.

Las razones de la rápida aceptación del federalismo en todaAmérica se explica históricamente porque su invención como Nacionesy Estados parte de una brusca ruptura con el centro (del poder absolu-to) es decir ruptura con la tendencia centrípeta que la corona generabay la necesidad de evitar la tendencia centrifugadora que la independenciainevitablemente registraría.

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El Estado Federal garantizaba igualdad formal y relativa equidadentre los estados federados, unidad nacional simbólica, mercado ex-tenso y abierto (libre circulación de mercancías, libre circulación enríos y caminos, unidad de moneda de cambio.

No obstante – como lo demuestra la historia latinoamericana – latendencia centrípeta de la monarquía colonial, se translada a la sede delpoder mal llamado nacional. La capital del Estado Federal (nacional) elasiento del poder político se convierte rápidamente en primus inter pares. Hacia allí tienden las migraciones masivas de la mitad del siglo XX enadelante en las ciudades de México, Río de Janeiro y Buenos Aires (tantocomo en los Estados Unitarios como Uruguay, Venezuela o Chile).

El estado federal originario se desdibuja en la regiónlatinoamericana, a medida que la distancia entre las disposicionesconstitucionales que lo regulan y la experiencia demográfica,urbanizadora y política, se amplía.

El cambio de sistema electoral que establece la ConstituciónArgentina de 1994 es ilustrativa en este sentido: al reemplazar lareelección indirecta del presidente y vice por el sistema de eleccióndirecta, rompe el equilibrio entre los estado federales mas o menospoblados, pero se corresponde a una práctica histórica que hace delganador en términos nominales y nacionales de la elección, quedeautomáticamente consagrado, reforzando la idea de una Democraciaplesbicitaria.

El traslado de la capital de Brasil de Río de Janeiro a Brasilia, secorrespondió con una visión no solamente federal, sino de una concepcióndel Estado/Nación cuyo rol integrador prevaleció sobre el riesgo de unahiperconcetracion de poder, trabajo, producción y riqueza.

La soberanía absoluta del Estado/Nación es compartida entreel Estado central y los Estados federales, entre el gobierno central y losgobiernos federales.

Los estados federados son soberanos en sus orígenes y producenuna delegación de poderes en el Estado central, reservándose otros(económicos, políticos y culturales) de modo que la soberanía absolutay perpetua esta condicionada en el Estado/Nación federal por su origen.

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No solo carece de metagarantes, sino que se sostiene en un pac-to político que obtiene rango constitucional y una vez en ejecución nopuede cancelarse. En este contexto la delegación de soberanía que unEstado/Nación realice en función de alguna forma de integración su-pra estatal (o supra nacional) solo es posible lógicamente si la prácticapolítica y jurídica se aparta de una concepción absoluta de la soberaníay asume una visión y un comportamiento que registre el cambio másimportante producido por la modernidad en las sociedades civiles: lareferencia a la razón tolerante.

Si Bodin, reclamaba un poder absoluto como garantía detolerancia, la tolerancia reconocida como necesidad / virtud, comocondición del nuevo orden planetario, debe pensarse que un nuevoconcepto relativo de soberanía se impone. Es nuestra próxima tarea.

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SOBRE A CULTURA POLÍTICA

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LA NUEVA ARGENTINA Y LA VIEJA ARGENTINA. UNA MIRADA

AL SIGLO XX.

Luis Alberto Romero1

La crisis argentina, de una profundidad sin precedentes, tienehoy para nosotros algo de inconmensurable e indescriptirle: problemasque nos parecían claves hasta ayer mismo, hoy han sido desplazadospor otros, más urgentes y a la vez más profundos. No confío en podersuperar ese obstáculo: escribir desde el fondo de un pozo seguramenteachata la perspectiva. Intentaré aquí explicarla, de modo sin duda par-cial, a partgir de un examen de los procesos históricos del largo sigloXX. He elegido hacer una presentación estilizada de algunos procesospolíticos, sociales y económicos, tomando un punto quiebre: el año1976, que en esta versión separa la vieja Argentina de la nueva. Heoptado por esta alternativa, desechando otro análisis igualmente rele-vante: buscar en el proceso anterior a 1976 las raíces de esa grantransformación. En beneficio de la estilización, he suprimido matices ytransiciones; hablaré de la Argentina en general, sin hacer hincapié enlas diferencias regionales, y de tendencias, sin referencias a los ciclos ycoyunturas, indispensables en otro tipo de análisis.2

I. LA VIEJA ARGENTINA, 1880-1876

1. La Argentina tuvo una economía próspera

1 Universidad de Buenos Aires. CONICET. Este trabajo se basa en investigaciones realizadas con

el apoyo del programa UBACYT y de la Fundación Antorchas.

2 Para un presentación más propiamente histórica de estos argumentos me permito remitir a mi

Breve historia contemporánea de la Argentina (2da ed. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica,

2000), y sobre todo a la excelente bibliografía en que se apoya, allí citada.

Esa tendencia secular fue el resultado de la articulación de dis-tintos ciclos de crecimiento. El primero, entre 1880 y la Primera Guer-ra Mundial, se sustentó en la exportación de carne y cereales. Hubo unóptimo aprovechamiento de las ventajas naturales de las praderas

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pampeanas y de las circunstancias de la economía mundial: consolidacióndel mercado, necesidades de alimentos, disponibilidad de capitales yde mano de obra europea dispuesta a emigrar. Como se dirá, el Estadohizo lo necesario para la confluencia de estas circunstancias. Laeconomía agraria para la exportación creció de manera espectacular, ysus beneficios se repartieron entre los inversores extranjeros, losproductores e intermediarios locales, las economías urbanas y hasta lasprovincias no favorecidas. Creció sobre todo la industria – elaboraciónde materias primas y manufacturas sencillas para el mercado interno –que siguió los ritmos de la economía exportadora.

Las dos guerras mundiales, y en el medio la crisis de 1929, marcaronel fin de esta etapa de crecimiento fácil y la incorporación a un mundomás complejo, caracterizado por los relaciones simultáneas con GranBretaña y Estados Unidos, la escasez de inversiones, la administraciónde las divisas, el déficit presupuestario. Aprender a manejarse en ese mundono fue fácil, lo que explica en parte las dificultades del primer gobiernoradical. La crisis de 1929 fue dura, pero benigna en términos relativos. Elpaís se recuperó con rapidez y a mediados de la década de 1930 inició unnuevo ciclo de crecimiento, basado en el mercado interno y en lasustitución de importaciones industriales, aunque sustentado en el co-mercio exterior. La base para este crecimiento – la existencia de consu-midores e industriales – había sido establecida en la etapa interior. LaSegunda Guerra Mundial mejoró aún más las condiciones para este camino,que la acción estatal profundizó durante el peronismo. Beneficiados coningresos de origen agrario, industriales, trabajadores y consumidorescrecieron a pasos parejos.

La crisis de 1952 mostró las limitaciones de este modo decrecimiento por sustitución de importaciones: debilidad agraria,ineficiencia industrial, escasa capitalización. También señaló elcomienzo de un nuevo rumbo en política económica, completado yprofundizado en 1958 y en 1967. Consistió en recurrir a las empresasde capital extranjero y concederles ventajas – privilegios fiscales, mer-cados cautivos – para el desarrollo de las ramas industriales complejas:petróleo y petroquímica, siderurgia, automotores. El nuevo ciclo, queculminó a principios de los setenta, se caracterizo por un espectacularcrecimiento de la industria y del campo, que recuperó el tiempo perdido

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desde 1914. También fue característica la fuerte desigualdad, entreregiones y entre ramas de la economía, y la liquidación de una buenaparte del sector industrial menos eficiente, que había prosperado en laetapa anterior. Pero a la larga, los beneficios de ese crecimientoalcanzaron a un sector significativo de las empresas nacionales, quemaduraron y pudieron desenvolverse razonablemente bien dentro delos estándares establecidos por las extranjeras.

En suma – otra vez, visto desde el pozo actual – hubo en estacenturia una tendencia al crecimiento, y en el tramo final, una economíacon problemas pero fuerte y con alternativas.3

2. La Argentina tuvo una sociedad abierta, móvil y democrática

La tendencia sostenida del crecimiento económico creó – entérminos de tendencia – permanentes oportunidades para laincorporación social. Fue inicialmente la inmigración externa: los itali-anos y españoles de la primera fase, y también los “turcos” (en generalbalcánicos) de la segunda. Desde 1930 fue la inmigración interna, atra-ída a las ciudades por la demanda industrial: los que venían de la “pampagringa” primero, y más tarde los del Interior tradicional, identificadoscomo “cabecitas negras”. Desde la década de 1950 o 1960 se sumaronlos migrantes de países limítrofes, así como contingentes menores peromuy visibles provenientes del Lejano Oriente.

La incorporación consistió inicialmente en tener empleo. Glo-balmente, y sin considerar ciclos y crisis, hubo trabajo para todos. Luegode 1955, cuando avanzan los procesos de racionalización laboral, elmantenimiento de la fuente de trabajo – el pleno empleo – se convirtióen la reivindicación principal de los trabajadores. A partir de esa basese abrían distintos caminos de ascenso. Uno consistió en acumular unpoequeño ahorrro y pasar a trabajar por cuenta propia en el comercio oel pequeño taller; esta vía funcionó bastante bien hasta mediados desiglo y luego se fue estrechando. Otro camino pasó por llegar a poseerla casa propia, en alguno de los nuevos suburbios que se agregaron a las

3 Dos cuestiones están deliberadamente ausentes en esta síntesis: la cuestión de los ciclos y

coyunturas, decisivos para entender la perspectiva y acción de los protagonistas, y el debate

sobre el momento del comienzo del declive, la oportunidad perdida y otras similares, una

pregunta que ha dado lugar a iluminadoras interpretaciones.

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ciudades. La vivienda, de material, era la base de un hogar establecido,modelo aceptadp para la incorporación de los sectores en ascenso.También significaba participar en una empresa colectiva: latransformación del espacio rural en urbanización, como ocurrió conlos barrios de las ciudades en las décadas posteriores a 1920, o de maneraalgo distinta en los asentamientos de emergencia en los ’60.

El otro gran mecanismo de ascenso fue la educación. Laexpansión del sistema educativo fue prioridad para todos los gobiernos:la “oligarquía”, el radicalismo y el peronismo. La educación fue el ins-trumento por excelencia para la incorporación en todos sus sentidos:de ella dependían tanto la posibilidad de un buen empleo como laconvicción de pertenecer a una nación cuyos significados simbólicosse aprendían allí. Sobre esas bases se desarrollaron luego los restantes“derechos sociales”: salario justo, jubilación, salud, vacaciones y todoaquello que constituía el “bienestar” de la sociedad.

La posibilidad de gozar de esos beneficios hizo que, durantemucho tiempo, los hijos habitualmente estuvieran en una situación mejorque sus padres, o aspiraran a ello y construyeran su vida en función deesa aspiración.4 Es difícil entender la sociedad argentina en términosde distintas “culturas de clase”. En cambio, operó una ideologíaespontánea, no teorizada, surgida de la experiencia y asentada en elsentido común: la de la movilidad social. Como señaló José LuisRomero5 , la ideología de la “justicia social”, ampliamente implantadapor el peronismo, no contradijo aquella sino que la confirmó: puestoque cada individuo tenía derecho a mejorar su posición personal, elEstado concurría a solucionar los problemas iniciales de los menos fa-vorecidos, para que luego cada uno hiciera su experiencia.

Fue en suma una sociedad móvil, donde los ascensospredominaron por sobre los descensos y conformaron la imagenaceptada. En las décadas iniciales perduró un sector que no fue afectado

4 No ignoro que hubo perdedores (por ejemplo los tres millones de inmigrantes que retornaron

entre 1880 y 1930, sin poder establecerse). Quiero decir que el número de los ganadores fue tal,

que definieron la imagen de la sociedad, las expectativas y los comportamientos.

5 José Luis Romero, Latinoamérica, las ciudades y las ideas. 2da ed., Buenos Aires, Siglo Veintiuno

Editores, 2001.

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por estos procesos. Se trata de la así llamada “oligarquía”, que semantuvo en la cima de la sociedad por razones no solo económicas,sino también de familia, educación, prestigio y consideración. Sin em-bargo, esta elite era en realidad mucho más abierta y móvil de lo queindicaba su propia imagen. Pero finalmente el proceso de esta sociedadmóvil y abierta terminó diluyendo ese fragmento de “Antiguo Régimen”,que después de la experiencia peronista perdió significación. Desdeentonces, las elites surgieron principalmente sobre la base del mérito,así fuera el del estraperlista hábil o el sindicalista corrupto. No se quieredecir que fuera una sociedad de iguales, sino que en ella habíagradaciones y no cortes tajantes, y que las diferencias no estaban con-solidadas en términos de nacimiento, de tez o siquiera de apariencia.Fue una sociedad de masas de clases medias.6 Este término, que hasido ampliamente utilizado en los análisis sociológicos, es poco útil sise considera a la “clase media” como un segmento de la sociedad, conatributos deducibles de su posición intermedia. Es sugestivo si se loconsidera desde la perspectiva de una sociedad móvil, donde cada unode sus miembros está de alguna manera en tránsito.

En las dos décadas anteriores a 1976 ya era visible que esetránsito era cada vez más lento, e inclusive que el carril de retorno seensanchaba. Desde mediados de la década de 1960 fue visible que untítulo universitario estaba lejos de garantizar una buena posición soci-al; que el obrero altamente calificado difícilmente se convertiría enpequeño tallerista, y que la anhelada casa propia ya no era una de lasque en 1920 se llamaban “casas baratas” (dos plantas, techo de tejas,pisos de roble de Eslavonia), sino una casilla mejorada. Como se verá,estos cambios se relacionan con una mayor crispación en los conflictossociales.

3. La Argentina tuvo un Estado potente

En las décadas anteriores a 1914 el Estado “liberal” no solocompletó el montaje de las instituciones relativas al establecimiento dela ley y el orden; también tuvo una activa participación en la6 La expresión en Manuel Mora y Araujo, “Las clases medias consolidadas”, en José Luis Romero

y Luis Alberto Romero, (directores), Buenos Aires, historia de cuatro siglos. 2da ed., Buenos Aires,

Altamira, 2000. Sobre la “oligarquía”, véase allí mismo: Francis Korn, “La gente distinguida”.

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transformación de la economía. Instrumentó el traspaso de la tierrapública a manos privadas, a bajo costo y en grandes extensiones;garantizó las inversiones extranjeras y se endeudó para realizar obraspúblicas; promovió activamente la inmigración; apoyó a los inversoreslocales con una política crediticia generosa y emitió moneda de manerapoco ortodoxa. Desarrolló con éxito un vasto y costoso programa deeducación básica y media, destinado a formar, a la vez, trabajadores yciudadanos. Encaró una vigorosa política de nacionalización, a la queconcurrieron el sistema educativo y el Servicio Militar Obligatorio, paraafrontar el desafío de una sociedad con nacionalidades heterogéneas,consolidar su lealtad al Estado y fortalecer su soberanía. Finalmente,formó una burocracia especializada en el análisis de los problemas, ypreparada para intervenir en su solución.

La Primera Guerra Mundial y el advenimiento de la democraciapolítica empujaron el desarrollo de nuevas funciones. Al principio hubotanteos y aprendizaje. Luego de la crisis económica de 1930, muyrápidamente, se montaron las instituciones necesarias para la direcciónde la economía: el Banco Central, las Juntas Reguladoras, el control decambios, los sistemas arancelarios, un financiamiento del Estadoindependiente de los ciclos del comercio exterior. En la segundaposguerra, durante el gobierno peronista, las funciones de intervenciónaumentaron: nacionalización del crédito bancario y de las empresas deservicios públicos y una presencia mucho más activa en la redistribuciónde ingresos, del agro a la industria y de los empresarios a los trabajadores.Por otra parte, bajo la bandera de la “justicia social” se desarrollaronlas instituciones propias del Estado de Bienestar – en una de susversiones – , a través de las cuales se garantizaron los derechos sociales.Sobre todo, el Estado se involucró plenamente en la regulación de laconflictividad social y en la instrumentación de mecanismos para suconcertación.

Caído el peronismo, el Estado no retrocedió en ninguna de es-tas funciones de intervención y regulación. Luego de 1955, además delmanejo rutinario del aparato heredado – por ejemplo, el control delciclo económico, la concertación de los conflictos laborales – sedesarrollaron ambiciosos proyectos de transformación o de incidenciaen la marcha general del proceso económico. Así ocurrió con Arturo

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Frondizi y su propuesta “desarrollista”, y con el general Onganía (y suministro Krieger Vasena) y el fuerte impulso al sector empresarial másconcentrado y “eficiente”; ambas políticas incluían propuestascorrelativas en lo social y lo político.

Por entonces, luego de 1955, había un Estado potente pero consignos de debilidad. La hegemonía norteamericana, la inclusión de laArgentina en la “guerra fría”, que la obligó a asumir el problema de la“seguridad interior”, y por otra parte la presencia recurrente del FondoMonetario Internacional para solucionar los problemas cíclicos de laeconomía indican una reducción importante de la autonomía estatal.La legitimidad de quienes gobernaban el Estado resultó muy cuestionadapor su origen en golpes militares o, cuando provenían de elecciones,por la proscripción del peronismo. La interpenetración de interesescorporativos y públicos – de la que se hablará en el próximo punto –debilitó la unidad de acción del Estado y fraccionó a su burocracia ensegmentos relativamente independientes. El deterioro salarial, lassecuelas del faccionalismo político y el clientelismo redujeron la calidadde la burocracia estatal.

Como se dirá, la reconstrucción del Estado fue el centro de lapropuesta de Juan Domingo Perón en 1973: orden, monopolio de lafuerza, dirigismo económico, concertación social. Por entonces, todavíaera imaginable la recuperación de la potencia del Estado.

4. Conflictividad social: las corporaciones y el Estado

Una parte de los conflictos de esta sociedad se debió a su carácterabierto y democrático, a la sucesiva y brusca irrupción de los gruposnuevos y la resistencia de los ya instalados. Se manifestaron sobre todocomo conflictos culturales: “oligarcas” y “descamisados”; quienes creíanen el respeto y la deferencia debida contra los que reclamaban la igualdady el derecho a la ciudad. Estos conflictos desaparecieron al promediarla centuria, con la ya mencionada licuación de la “oligarquía”.

Los conflictos de intereses, atenuados por la tendencia generalde la economía próspera y la sociedad abierta, tuvieron en cambio agu-deza cíclica y tendencia al crecimiento. Fueron más fuertes durante lacrisis de la primera posguerra; volvieron a crecer en intensidad en la

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década anterior a 1945, reaparecieron luego de 1955 y se agudizaron apartir de 1969. Sin embargo, siempre estuvieron imbricados con unafuerte tendencia a la negociación.

Los intereses se definieron en el marco de diversas asociaciones.Desde fines del siglo pasado, fue llamativa la capacidad de la sociedadargentina para generarlas, sobre todo aquellas que apuntaron a la ayudamutua y la defensa de los intereses de sus miembros. Hubo mutuales detipo étnico, cooperativas, sociedades de fomento vecinal, profesionales,y en menor medida patronales, de evolución más tardía. Finalmente lasmás importantes resultaron las sindicales. Desde 1920 el sindicalismode acción, de orientación anarquista, fue desplazado por el deorganización, que durante mucho tiempo tuvo como modelo a losgremios ferroviarios. En la década de 1930 la sindicalización fueimpulsada por el crecimiento industrial, y luego de 1943 por estímulodel Estado, a través de la Secretaría de Trabajo y Previsión. En 1945,los sindicatos tenían ya peso suficiente como para ser decisivos en lallegada al poder de Juan Domingo Perón.

En el marco de las asociaciones se definieron los interesessectoriales conflictivos. Tempranamente se apeló al Estado para quedefiniera las reglas, regulara los conflictos y garantizara los logros,franquicias y privilegios de cada corporación. Esa apelación coincidiócon el avance del Estado, para controlar y regular los distintos espaciosde la sociedad. Así, el crecimiento del movimiento corporativoacompañó, pari passu, el desarrollo del Estado.

Tomemos un caso: las “sociedades de fomento” surgidasespontáneamente en los barrios de Buenos Aires para mejorar lascondiciones del hábitat (aceras, iluminación, vigilancia, escuela). Es-tas sociedades pronto aprendieron a gestionar ante el Estado y aestablecer vínculos con la parte pertinente: el empleado, el funcionario,el concejal. Ante la proliferación de demandas, desde los años ’20 elgobierno municipal reglamentó la existencia y funcionamiento de lassociedades de fomento, creó el mecanismo del “reconocimiento” quelas habilitaba para gestionar y dividió la ciudad en sectores o “radios”:en cada uno, solo sería reconocida una sociedad fomentista. Algunasquedaron marginadas, o se dedicaron a otra cosa. Lo más importante es

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que, donde no las había, el reglamento las hizo surgir, estimuladas peroa la vez controladas por el Estado.

Mutatis mutandis, fue la historia de prácticamente todo elmovimiento asociativo organizado para defender intereses, y también lade los sindicatos. En la década de 1930 hubo esbozos de regulación y deconcertación estatal, y desde 1943 el Estado se volcó a resolver por esavía lo que proclamaba una amenaza para el orden social. La promociónde la sindicalización se acompañó del reconocimiento del peso gremial ypolítico de los sindicatos. La norma legal determinó la existencia delsindicato único por rama de industria, la “personería gremial” otorgadapor el Estado y el descuento de la cuota sindical por planilla. En los diezaños de gobierno peronista, el gobierno intervino ampliamente en laconformación de las direcciones sindicales, desplazando a aquellos diri-gentes que querían mantener una acción política o gremial independiente.

Durante el gobierno peronista los conflictos de intereses fueronfirmemente controlados por el Estado.7 Pero no fue solo verticalismo:los sindicatos participaron en la definición de las políticas estatales. Unbuen ejemplo de este balanceo e interpenetración es el fracaso del proyectogubernamental de seguro de salud único, bloqueado por los sindicalistasen favor de las incipientes “obras sociales”, que tomaban como modeloel Hospital Ferroviario.8 Cada sindicato tendría, a la larga, los beneficiossociales que pudiera pagarse con los aportes de sus afiliados o con lascontribuciones patronales que pudiera negociar. El Estado se plegó anteel vigor del interés corporativo, pese a que este régimen no equitativoponía en cuestión la propuesta de la “justicia social”.

Luego de la caída de Perón en 1955 hubo cambios importantes7 La “Comunidad Organizada”, una concepción organicista formulada por Perón, extendió al

conjunto de la sociedad, al menos idealmente, este modelo de organización corporativa, y le

agregó un ingrediente político ideológico: la unanimidad en torno de la “doctrina nacional

justicialista”.

8 A principios de la década de 1940 la Unión Ferroviaria, modelo de sindicato gestionado por

socialistas, había construido su Hospital Ferroviario. Desde 1943 obtuvo de Perón concesiones

varias: afiliación obligatoria de todos los trabajadores ferroviarios y descuento automático por

planilla. El ejemplo cundió, y muchas organizaciones, sobre todo de trabajadores estatales,

reclamaron un régimen similar, lo que hizo fracasar el proyecto de seguro de salud impulsado pro

el ministro Ramón Carrillo. Sobre el tema, Susana Belmartino, “Las Obras Sociales. Continuidad

o Ruptura en la Argentina de los años ’40.” En Mirta Lobato (ed.), Política, Médicos y enfermedades.

Buenos Aires, Biblos 1996.

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y continuidades sustanciales. Liberada del lazo político, la conflictividadsocial creció, impulsada por las políticas de racionalización capitalistaya mencionadas, que trajeron recortes en el poder sindical, retrocesoen los ingresos y reducción del empleo. Se sumó la proscripción políti-ca del peronismo, que le dio a la resistencia gremial una bandera y unaidentidad política de gran capacidad de agregación. Hubo otro saltonotable en 1969, luego del Cordobazo, tanto por la aparición de un tipode organizaciones sindicales “antiburocráticas” y “clasistas” como porla fácil agregación –bajo la consigna de la resistencia al imperialismo yla dictadura- de reclamos provenientes de los más variados interesessociales, en un contexto “revolucionario” del que se hablará luego. Elcrescendo en la conflictividad culminó poco antes de 1976.

Junto con este hilo de la historia, espectacular y heroico, hay otromenos visible pero igualmente importante. Luego de 1955 el Estadomantuvo los resortes para intervenir en la economía y en la sociedad. Ala sombra de su capacidad de regular y de conceder franquicias – queaumentó con la política “desarrollista” – se fortalecieron las corporaciones:las sindicales – recuperaron la ley que regulaba sus privilegios – , lasprofesionales, que avanzaron en la colegiación, o las patronales,desagregadas para la defensa de intereses sectoriales y agregadas para losgrandes combates sobre políticas estatales. Además de fijar el rumbogeneral, el Estado adoptó permanentemente decisiones coyunturales, paraenfrentar los ciclos económicos (devaluaciones, retenciones ygravámenes), que pusieron a las corporaciones en estado de permanentemovilización, para presionar, defender y negociar. Como se verá, el dete-rioro del escenario específicamente político trasladó el grueso de lanegociación social a la puja entre corporaciones.

El Estado se fue desgarrando en esta puja y no pudo defenderun interés general que trascendiera los intereses corporativos. Reto-mando el ejemplo anterior, en 1970 el Ministerio de Bienestar Socialextendió el sistema de obras sociales: todo trabajador debía aportarobligatoriamente a la de su sindicato. Según sus recursos, las habríaricas y pobres. Los dirigente sindicales recibieron una prebenda inmensa(desde entonces los fondos de las obras sociales financian las actividadesgremiales y políticas y alimentan una vasta corrupción), cuya defensapasó a ser el objetivo primero de la militancia sindical. Lo curiosos es

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que la decisión bloqueó el proyecto de creación de un seguro socialúnico, que la Secretaría de Salud Pública negociaba con la corporaciónde los médicos. Un segmento de la burocracia estatal, en acuerdo conlos dirigentes sindicales, logró un triunfo a costa de otro segmento, quenegociaba con la otra corporación implicada. Médicos y sindicalistascompitieron en el seno de un Estado que sacrificaba su autonomía y seconvertía en el premio mayor de la lucha.9

La relación entre el interés general y los intereses corporativosse manifestó también en la compleja interacción entre el Gobierno na-cional y los provinciales. Su origen se remonta a la consolidación de uncentro político con base en el Litoral próspero, a fines del siglo XIX,que se acompañó con variados subsidios a provincias pobres pero conpeso político. Así, se protegieron las industrias del azúcar y del vino enTucumán y Cuyo; los empleos públicos nacionales beneficiaron a lossectores educados locales; dirigentes provinciales complementaron sucarrera política capitalina con el enriquecimiento, por ejemploaprovechando los créditos de bancos estatales. Todas esas líneas sedesarrollaron ampliamente a lo largo del siglo.

Con el crecimiento del Estado se multiplicaron oficinas yestablecimientos; cada uno significó empleos, tanto más importantescuanto más pobre era la provincia, convertidos en prenda para elintercambio entre poderes nacionales y provinciales. En 1932 seestableció el sistema de coparticipación impositiva federal, y se asignóa cada provincia una porción fija de lo recaudado, en función de susnecesidades. La proporción asignada fue otra de las cuestiones a nego-ciar entre el gobierno nacional y las provincias. Se estableció un criteriode equidad pero a la vez se disoció la función de recaudación de la deejecución y gasto; libres de responsabilidad y control, los gobiernosprovinciales pudieron hacer un uso libre del presupuesto provincial confines de patronazgo. También desde 1930 se generalizó la protección delas economías regionales: el algodón, la yerba mate o el tabaco. Desde1958 se generalizó la promoción de actividades industriales, mediante laexención impositiva; el mecanismo servía tanto a las grandes empresas

9 Susana Belmartino, “Transformaciones Internas al Sector Salud: la ruptura del pacto corporativo”.

En Desarrollo Económico. N° 137, Buenos Aires, 1995.

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como a las provincias menos favorecidas, donde se abrirían nuevasfuentes de empleo.

Todos estos mecanismos, que implicaban la transferencia defondos del presupuesto nacional a los estados provinciales, eran ob-jeto de negociaciones políticas complejas, donde era factible elintercambio de favores. Los intereses tenían sus representantes enel seno mismo del gobierno. En los períodos de normalidadinstitucional estas negociaciones se desarrollaron principalmente enel Congreso, y sobre todo en el Senado, una institución clave en eljuego de los poderes, donde cada provincia tenía dos representan-tes. En los períodos militares los gobernadores designados se hicieroncargo con naturalidad de la gestión de estos intereses.

En suma: centralidad de la puja corporativa, fragmentacióne inequidad de los derechos sociales, y debilitamiento de un Estadocon alta capacidad de intervención y poca fuerza para definir unrumbo.

5. La democracia ilusionó, pero las instituciones democráti-

cas fueron débiles

Desde 1853 la Constitución había establecido el sufragio uni-versal masculino. Sin embargo, la participación electoral fue baja –inclusive considerando solo a los varones nativos – y en general fueronlos gobiernos quienes hicieron las elecciones, con un sistema que desde1880 redujo al mínimo la competencia entre máquinas electorales.Por otra parte, la práctica del gobierno acentuó un rasgo ya marcadopor la Constitución: la autoridad del Presidente, cabeza indiscutidadel sistema institucional y del partido de gobierno. Este ejercicio dela autoridad coincidió con la amplia vigencia de las libertades civilesy con la existencia de un activo espacio público de debate.

En 1912, la reforma política impulsada por el presidente SáenzPeña incorporó el carácter secreto y obligatorio del voto, el uso delpadrón militar y un sistema de representación de mayoría y minoría.Como casi todos los países por entonces, la Argentina avanzó en lademocratización de la vida política combinando lo conseguido porlas demandas de participación y lo concedido por las elites gobernantes.

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En la ecuación pesó aquí mucho más lo concedido,10 y más aún, loobligado: hubo un imperativo estatal para la transformación de habitan-tes en ciudadanos, que el presidente Sáenz Peña expresó con el imperati-vo “Quiera el país votar”. Como ha explicado Natalio Botana,11 más quepor la exigencia de la minoría disidente, que existió, la reforma se explicapor procesos internos de la propia elite: la ruptura de la unidad, lapreocupación por la legitimidad, la búsqueda de la integración de lasociedad en torno del Estado y la creencia en la potencia regeneradora dela competencia electoral, que concluiría, en sus erróneos cálculos, con lainclusión de un tercio minoritario.

De allí en más, la imposición se transformó en aceptación. Lasociedad comenzó el entusiasta aprendizaje de la democracia, y laconstrucción de un imaginario democrático que iba a soportar sin fisurasmuchas confrontaciones poco halagüeñas con las prácticas de la demo-cracia realmente existente. Las identidades políticas que se constituyerondesde entonces – la radical, y la peronista luego – tuvieron un arraigo yuna fuerza singulares que trascendió lo electoral, al punto que muchasde las prácticas sociales se politizaron profundamente.12

En una sociedad diversa, los aprendizajes de la práctica de-mocráticas fueron variados pero concurrentes. En las provinciastradicionales fue más superficial: las identidades políticas nacionalesse adecuaron al cuadro de las luchas facciosas locales, y los gobiernossiguieron decidiendo las elecciones, sobre todo mediante elpatronazgo, los empleos públicos u otro tipo de dádivas, distribuidascon más generosidad cuando lograban financiarlas con recursosaportados por el presupuesto nacional. En general, la identidad polí-tica se asoció con líderes, imágenes y signos identitarios: desde elmate o el pañuelo con la figura de Yrigoyen –frecuentemente asimiladocon un santón o con el mismo Jesús – hasta el retrato de Perón y

10 Al respecto, debe matizarse la versión –más bien un relato de identidad- que asigna un papel

primordial a la acción de la Unión Cívica Radical (UCR), como vocero de un extendido reclamo de

participación; hasta los primeros años del siglo XX la UCR fue un partido de dimensión reducida,

que creció rápidamente luego de que la ley abrió la perspectiva electoral.

11 Natalio Botana, El orden conservador. La política argentina entre 1880 y 1916. 2ª ed., Buenos Aires,

Sudamericana, 1994.

12 Esto ocurrió ya antes del peronismo: el señor Guereño, un fabricante de jabón, que a la vez era

dirigente político, presidente de una sociedad de fomento y de un club de fútbol, esperaba aumentar

sus ventas con un jabón de marca “Radical”.

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Evita, la “marcha peronista” o fórmulas abstractas pero convocantescomo “Apoye el Segundo Plan Quinquenal”.

Por otra parte, las asociaciones civiles resultaron verdaderas“escuelas de la democracia”.13 En mutuales, clubes deportivos, y sobretodo en sociedades de fomento, bibliotecas populares y cooperativashubo un aprendizaje de la participación: hablar en público, escuchar,proponer, consensuar, liderar, seguir. Estas prácticas espontáneasconfluyeron con una corriente cultural, originada en los sectoresintelectuales “progresistas” (los socialistas fueron los más visibles), quedifundieron ampliamente las ideas y valores propios del “ciudadanoeducado”, consciente, responsable y conocedor de los problemassociales y políticos y de las alternativas. Su rastro puede seguirse desdela década del veinte hasta la del cincuenta, cuando el peronismo impusootros ámbitos de socialización y otro modelo de ciudadano.

En el mismo proceso, la política de partidos y la construcciónde las maquinarias electorales, que permitía iniciar desde abajo un cursushonorum, conformó una nueva vía para la “aventura del ascenso”, quecomo se señaló constituye el rasgo más característico de esta sociedad.Así, las nuevas actividades ciudadanas se entrelazaron con las prácticassociales y se potenciaron recíprocamente.

En ese sentido, relacionado con la participación, la democracia fueun valor y una ilusión, que se mantuvo firme aún en períodos de prácticaselectorales fraudulentas. En 1931 el presidente Uriburu, especulando conel gran desprestigio de la derrocada UCR, jugó a una elección su proyectocorporativista (un dato de por si significativo) y recibió un contundenterechazo. En 1936, en pleno “fraude patriótico”, la bandera de la democra-cia unificó al menos transitoriamente un difícil “frente popular”; los sindi-catos comunistas y socialistas invitaron al ex presidente Alvear, jefe de laUCR, a participar en el acto del 1º de Mayo como “obrero de la democra-cia”. En 1946, en una elección decisiva y singularmente limpia, la UniónDemocrática reunió las voluntades de algo menos de la mitad del electorado;contra ellos, Juan Domingo Perón, triunfador en la ocasión, levantó a suvez la bandera de la “democracia real”.13 Leandro Gutiérrez acuñó la fórmula “nidos de la democracia”, que desarrollamos en varios

trabajos. Véase Leandro H. Gutiérrez y Luis Alberto Romero, Sectores populares, cultura y política.

Buenos Aires en la entreguerra. Buenos Aires, Sudamericana, 1995.

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Estos ejemplos de fervor cívico son llamativos en tanto la prácticademocrática no se había traducido hasta entonces en instituciones repre-sentativas eficientes. En parte puede atribuirse a la insuficiencia de la“revolución democrática” de 1916, la ya mencionada persistencia deamplios bolsones de “política criolla”, no beneficiados por la regeneraciónpolítica, y luego de 1930 a la práctica sistemática del fraude electoral,que algunos presentaron como virtuoso. Pero hay algo más.

Entre 1916 y 1955 la Argentina tuvo dos grandes experienciasdemocráticas, la radical (1916-1930), signada por la figura de HipólitoYrigoyen, y la protagonizada por Juan Domingo Perón (1946-1955). Lascredenciales democráticas respectivas son inobjetables, tanto en lo quehace a lo electoral como a su notoria popularidad: es difícil negar queambos dirigentes encarnaron el ideal de la “voluntad popular”. No sediscute aquí si desarrollaron o no una política “de interés popular”. Seseñala, en cambio, que uno y otro hicieron poco por construir institucionesdemocráticas en el sentido liberal y republicano, en las que en realidadcreían poco. Un primer dato es la escasa relevancia que para ambos tuvoel Parlamento. Durante la presidencia de Yrigoyen una mayoría normal-mente opositora se opuso a casi cualquier iniciativa presidencial, pero asu vez Yrigoyen, desde el primer día de su gobierno, decidió ignorarlo.Con Perón el gobierno tuvo amplia mayoría en las dos Cámaras, no habíabloqueo, pero el Parlamento se limitó a aprobar las iniciativas delEjecutivo. Desde 1958 el presidente Frondizi – una suerte de alma enpena, a merced de los militares y los gremialistas – , pese a disponer deuna amplia mayoría parlamentaria, no consideró la posibilidad de apelara esa institución para paliar en algo su inmensa horfandad política. Ensuma, lo que debía ser el centro de la política democrática, la discusión yel acuerdo en el Parlamento, nunca jugó un papel importante.

En cambio la autoridad presidencial, potenciada por la figura delcaudillo de masas, creció aún más. A medida que la organización delEstado se hacía más compleja, un numero mayor de funciones dependíandirectamente del vértice presidencial. La imbricación entre Estado y par-tido de gobierno continuó avanzando hasta extremos asombrosos.14 Más

14 En los diagramas del Movimiento Peronista que a Perón le gustaba diseñar (aunque raramente

ejecutar), en cada instancia de decisión la autoridad política correspondía al encargado respecti-

vo de la administración estatal: el gobernador en el nivel provincial, el intendente en el local; la

posibilidad de que alguna intendencia o gobernación fuera ganada por un partido opositor no

estaba contemplada.

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en general, el radicalismo, y luego el peronismo se definieron como“movimientos”, que encarnaban la representación del pueblo o de lanación, investidos con la misión de regenerar la sociedad, y no comopartidos que hacen parte de un conjunto. Se trataba de un pensamientodemocrático en estado puro, sin pizca de contaminación con la tradiciónliberal; no habría razonado de otro modo la mayoría de losrevolucionarios de 1789 o 1792. Ciertamente, la distancia entre losenunciados y las prácticas era grande; no fue lo mismo Yrigoyen quePerón, ni tampoco Perón obraba siempre de manera consecuente conesas ideas. Pero aún sin pasar a los hechos, lo cierto es que un discursopolítico de ese tipo no asignó a la oposición un lugar legítimo, como nofuera el de enemigo de la patria o el del antipueblo: el “régimen falaz ydescreído” de Yrigoyen o “la oligarquía” de Perón.

En esos términos, la nueva política democrática fue tan faccio-sa como lo había sido la política del siglo XIX, y mucho más, potenciadapor el imaginario de la política de masas. Lo verdaderamente asombrosoes que ese faccionalismo se desarrollara en una sociedad donde losconflictos de intereses se desplegaban de una manera extremadamentemesurada. Juan Carlos Torre ha subrayado hace poco esta paradójicacoexistencia entre una baja conflictividad social y una elevadísimaconflictividad política y cultural.15 Este dato cambió rápidamente luegode 1955, y correspondió tanto a una agudización de la conflictividadsocial – se señaló en el punto anterior- como a una politización de losconflictos.

Coincidieron luego de 1955 las políticas de racionalización ca-pitalista con la simple revancha, institucionalizada en una decisión deenorme trascendencia: la proscripción del peronismo. Con ella comenzóla decadencia acelerada del imaginario democrático16. Cuanto máspredicaban los herederos de la Revolución Libertadora acerca de lademocracia y la libertad, más vacías resultaban las instituciones,deslegitimadas por la proscripción. Por otra parte, esa misma proscripción

15 Juan Carlos Torre y Elisa Pastoriza, “La democratización del bienestar en los años del peronismo”,

en J.C. Torre (dir.). La época peronista. Nueva Historia Argentina, t. VII, Buenos Aires,

Sudamericana, 2002.

16 Que todavía en 1955 había servido para unir a los antiperonistas de siempre con lo recientemente

conversos, provenientes de un integrismo católico escasamente democrático.

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contribuyó a galvanizar la identidad peronista y a nuclearla alrededorde quienes, ausente el líder, resultaron la única voz del “puebloperonista”: los dirigentes sindicales. Su enorme poder en el escenariocorporativo, que se mencionó antes, se nutrió de esa representaciónvicaria.

La debilidad de las instituciones democráticas facilitó y justificóla presencia creciente de las Fuerzas Armadas, que pasaron delpretorianismo a la dictadura. Se hablará de esto en el próximo punto.Pero antes de 1966, la debilidad de las autoridades electas contribuyóal rápido desprestigio de la democracia, que fue total a medida que eseespacio de la ilusión era ocupado por la alternativa revolucionaria. Éstase nutría de la experiencia cubana, la guerrilla latinoamericana, losmovimientos estudiantiles, la prédica de los sacerdotes tercermudistas:lo propio del imaginario revolucionario consistió en hacer compatiblesmensajes tan diversos, y en muchos aspectos inconciliables, y ademásen fundirlos con un reclamo menos reflexivo pero hondamente arraiga-do en la experiencia: la “vuelta de Perón”, panacea de todos los males.Carlos Altamirano ha mostrado hace poco que el imaginariorevolucionario de los sesenta no se limitó al “campo popular” o a laizquierda, y que la experiencia protagonizada por el general Onganíapuede explicarse perfectamente en términos de “revolución”.17 Lo ciertoes que en 1966, cuando el general Onganía declaró suprimidos parasiempre los partidos políticos y las elecciones y anunció que, al finaldel camino, se ensayaría otra forma de democracia, funcional y orgánica,nadie lo lamentó: ni los que creían en esa propuesta, ni los que esperabanconducir su ímpetu regenerador por otras vías, ni quienes, desde elcampo popular y la izquierda, celebraron el fin del “opio burgués”.

La dictadura militar y el imperialismo, encarnados en Onganía yKrieger Vasena, fueron los enemigos contra los que se construyó, desde1968 o 1969, una amplia movilización popular. Su fecha de fundaciónfue el Cordobazo de 1969; la ola ascendente llegó hasta 1973, y con lallegada de Perón a la presidencia tuvo una inflexión, aunque conservósu vitalidad hasta quizás 1975. Fue un fenómeno social asombroso.Estaba ampliamente arraigada la certeza de que la sociedad ideal estaba

17 Carlos Altamirano, Bajo el signo de las masas (1943-1973. Buenos Aires, Ariel, 2001.

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al alcance de la mano: la realidad era plástica y moldeable por la voluntadpolítica, la diferencia entre los buenos y los malos era clara, tajante yconcluyente, y sobre todo, lo más personal de la vida de cada uno se fundíacon lo publico, en una realización que era individual y colectiva a la vez. Lacreatividad social de estos años fue notable, como lo fue la emergencia dela solidaridad, el sacrificio y otros valores igualmente estimables.

La concreción política en cambio fue particularmente pobre.Un factor importante fue el deterioro del imaginario democrático. En-tre tantas cosas que se pensaron para dar forma a ese inmenso caudalde voluntad participativa, las propuestas democráticas estuvieron au-sentes. Otras, ofrecidas, fracasaron. Solo había lugar para una quecombinara el imaginario “revolucionario” con la mítica aspiración ala vuelta de Perón. Es lo que logró Montoneros, una agrupación ar-mada cuyo acto fundacional fue el asesinato del general Aramburu,jefe del golpe de Estado que había derrocado a Perón en 1955. Através de ellos llegamos a otra dimensión de la política.

6. Nacionalismo, dictadura, violencia

Examinaremos el proceso político desde otra perspectiva.Aunque en el siglo XX no llegaron a formarse los “partidos de ideas”que preveía la reforma electoral, hubo grandes corrientes de ideas, quese manifestaron en la política. Una de ellas, que arranca de laOrganización Nacional, articuló el liberalismo republicano con la de-mocracia, la reforma social, el laicismo y el progresismo, que semencionó más arriba. Fue un arco amplio, complejo y a menudocontradictorio, cuya unidad se advierte más bien, en relación con lasmanifestaciones extremas de la otra corriente, en la que el nacionalis-mo ocupó un lugar central.

En las décadas finales del siglo XIX, la construcción de lanacionalidad fue una de las preocupaciones principales de la elite diri-gente, preocupada por desarrollar mecanismos de identificación eintegración de la sociedad en torno de un Estado que era, a la vez, elgarante de los derechos individuales. Como ha explicado Lilia AnaBertoni18 , se trataba de una nación de ciudadanos, en la que el vínculo18 Lilia Ana Bertoni. Patriotas, cosmopolitas y nacionalistas. La construcción de la nacionalidad argentina

a fines del siglo XIX. Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2001.

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político, primordial, se robustecía con una adhesión emocional yvalorativa a la “patria”. Tal preocupación, común a todas las culturasdemocráticas de entonces, era quizá más viva aquí debido al carácteraluvial de la sociedad, así como a la necesidad de fundamentaradecuadamente la soberanía internacional del Estado.

Progresivamente, la cuestión de la nacionalidad se fue haciendoconflictiva. Al igual que en la mayoría de los países, en la Argentina sedesarrolló una preocupación por encontrar un fundamento de la naciónque estuviera más allá de las contingencias históricas y de la voluntadde los ciudadanos: un imperativo que definiera la unidad, y que surgierade la raza, la lengua, el territorio (el “paisaje”, que destilaba esenciasnacionales) o quizá de un pasado histórico mítico, sin fechas precisas,tal que en Mayo de 1810 la Nación ya estuviera, como Palas Atenea,lista para nacer, con lanza y casco.

Ninguno de aquellos rasgos era evidente por si mismo, y en tor-no de su definición se libraron intensos combates, puesto que una uotra elección determinaba quien quedaba dentro del tronco principalde la esencia nacional y quien ocupaba un lugar marginal, residual ohasta antagónico: ¿el gaucho era un tipo residual y primitivo, o la esenciamisma del ser nacional? La tentación de imponer el propio criterio porun acto de autoridad fue grande. La unidad nacional fue traumática, yparadójicamente, lo que debía ser prenda de unión se convirtió en fuentede inacabables querellas.

En parte, esas querellas se manifestaron en la política democráti-ca. Como se acaba de señalar, los dos grandes partidos democráticosasumieron ser la expresión no solo del “pueblo” sino también de la nación:el radicalismo fue la “causa nacional”, y la “doctrina justicialista” devinoen “doctrina nacional”. Los adversarios políticos fueron no solo enemigosdel pueblo sino de la misma nación, y la política se hizo inevitablementefacciosa. Las querellas también se expresaron fuera de la política de par-tidos, pues quienes se consideraban los intérpretes, voceros o custodiosde “lo nacional” ubicaban esos intereses más allá y antes de la políticapartidaria, mera expresión de intereses particulares.

Lo hicieron los nacionalistas de corte maurrasiano, que en 1930animaron al general Uriburu. Pesaron poco. Más importancia tuvo la

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incursión de la Iglesia Católica en la definición de lo nacional; lo hizodesde 1910, y con más dedicación en la década de 1930, hasta concluirque la Argentina era una nación católica y que la Iglesia, dedicada a“instaurar a Cristo en todas partes”, poseía la clave para resolver todosy cada uno de los problemas de la sociedad. Un trayecto similar recorrióel Ejército (y progresivamente, todas las fuerzas armadas y de seguridad,hasta los boy scout). Desde principios de siglo el Ejército se consolidócomo institución y afirmó su presencia en la sociedad, cuyos miembrosvarones, jóvenes ciudadanos, debían pasar por sus filas. A la vez, definiósu posición respecto de la Nación: el Ejército, que nació con la patria,era el custodio y el garante de los supremos intereses nacionales. Comoha mostrado recientemente Loris Zanatta19 , Ejército e Iglesia sevincularon y potenciaron, en torno a la noción de Nación católica, tanfuerte en 1943 como en 1966.

Por otra parte, el Ejército incorporó las ideas de la soberaníaeconómica y la autarquía y la defensa de los intereses estratégicos. Final-mente, asumió la doctrina de la seguridad interior. “Masones”, “cipayos”y “subversivos” fueron algunas, entre otras, de las denominaciones delos excluidos por cada una de estas definiciones de la identidad nacional.1930 (todavía bastante parecido a 1890), 1943, 1955, 1966 y 1976 fueronlos jalones del avance del Ejército hacia el centro del poder del Estado;en cambio, dos presidentes militares que fueron electos – Justo y Perón –decidieron que el Ejército se circunscribiera a sus tareas profesionales.En cada episodio, ese avance clausuró el escenario político, y a la larga locorroyó insanablemente. En cambio, por acción u omisión, fortaleció elde la negociación corporativa.

El avance de las concepciones integristas de la nacionalidad yde las dictaduras militares estuvo acompañado de una presenciacreciente de la violencia en la política. Ciertamente, nunca estuvo au-sente. Pero desde 1880 – último episodio de las guerras civilesdecimonónicas – fue más episódica que constitutiva,20 y visto en la

20 La hubo en 1910, con los anarquistas y las “bandas blancas”, y entre 1917 y 1921, cuando la

Liga Patriótica acompañó la represión militar. También en 1930, con torturas y fusilamientos, y

en también durante los años de gobierno de Perón: torturas y un par de asesinatos, terrorismo

antiperonista y violencia de masas.

19 Loris Zanatta, Del estado liberal a la nación católica. Iglesia y Ejército en los orígenes del peronismo.

Bernal, Universidad Nacional de Quilmes, 1996.

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perspectiva de 1976 no fue mucho. Pero hay que agregar la crecienteviolencia discursiva, la apelación verbal a la violencia regeneradora,que corroyó la noción de derechos y garantías. Progresivamente se instalóla idea de que, dadas ciertas circunstancias, en política los finesjustificaban los medios.

En 1956 hubo un salto cualitativo: el Estado ordenó fusilar alos jefes de un levantamiento militar peronista – un episodio tanemblemático como el fusilamiento del gobernador de Buenos AiresManuel Dorrego en 1828 – , mientras de manera casi clandestina hacíalo mismo con un número indeterminado de civiles. Luego, a lo largo delos años sesenta, creció la guerrilla, inspirada en Cuba y en sus secuelas;también la contra insurgencia, que los militares aprendieron en la Escuelade Panamá, empujando al Estado al territorio de la clandestinidad. Eldesarrollo del criterio del fin y los medios avasalló cualquier principioacerca de derechos humanos inalienables: la violencia no solo sejustificaba por la violencia del enemigo; era sobre todo un instrumentoadecuado para el cambio. Un paso más en ese camino fue afirmar quela violencia era, no ya un instrumento sino la fundadora de la prácticarevolucionaria. Montoneros, la más exitosa en lo político de lasagrupaciones guerrilleras, nació como se dijo de un asesinato a sangrefría; durante su existencia practicó un verdadero culto de la muerteheroica. La revista El Caudillo, (asociada con J. López Rega, la Triple Ay otras organizaciones enemigas de Montoneros) tenía como epígrafe“El mejor enemigo es el enemigo muerto”. A diferencia de la décadadel cincuenta, cuando Perón proclamaba “al enemigo, ni justicia”, perono pasaba de allí, a comienzos de los setenta esas palabras se traducíanen actos, que al principio al menos, fueron ampliamente celebradoscomo justicieros; si no se conocía la causa, se concedía a sus ejecutoresel beneficio de la duda: por algo sería.

II. LA NUEVA ARGENTINA, 1976-

1. El “Proceso” llevó hasta sus últimas consecuencias tendencias

políticas preexistentes

En 1976 estaba claro el agotamiento de la tendencia expansivade la economía argentina, acechada tanto por los problemas del mundo

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como por sus propias y acumuladas dificultades: inflación, conflictosdistributivos, recurrencia a la recesión como remedio. Puede discutirsehasta que punto se trataba de una dificultad cíclica, en la que cabía unarecuperación, o insuperable en los términos vigentes; en cualquier caso,se traducía en dificultades crecientes para el secular proceso deampliación e incorporación, y en imposibilidad para satisfacer lasilusiones de 1973. Quienes habían creído en una vuelta a los felices ’40estaban desengañados.

Una manifestación fue la exacerbación de los conflictoscorporativos y la dificultad para acordar soluciones transaccionales. Afines de 1973 la crisis cíclica activó la clásica reacción de partes: presionaral Estado para arrancarle una solución satisfactoria y hacer valer elpoder logrado con el control de alguna de sus porciones. Sobre estemecanismo clásico operó la presión de las bases revolucionadas –unejemplo: las comisiones de fábrica, atraídas e impulsadas por la JuventudPeronista-, de modo que los dirigentes tuvieron un margen mucho másestrecho para lo suyo: negociar. Buena parte de la sociedad había puestosu fe en la capacidad del Estado para reconducir los conflictos, y sobretodo en el talento de Perón para volver a poner en pie al Estado.Plebiscitado en 1973, Perón utilizó la fórmula de 1945, el Pacto Soci-al, para constatar la estructural infidelidad de quienes, sin embargo, leofrecían el sacrificio su vida, pero no de sus intereses.

Allí -más que en el conflicto interno del peronismo- fracasó elgobierno peronista. A pesar de la espectacular ruptura con Montoneros,Perón consiguió mantener un precario equilibrio, que se derrumbó apoco de su muerte. Mientras la puja corporativa se desmadraba – en1975 la jerarquía sindical le hacía una huelga a la viuda de Perón – , sederrumbaron los escasos límites que mantenían dentro de parámetroscivilizados la lucha política que dividía al peronismo. La “política decalles”, vigentes desde 1972 y consistente movilizar y “ganar espacios”,dejó todo el lugar a la guerra de aparatos militares: Montoneros pasó ala clandestinidad; las Fuerzas Armadas reemplazaron a los grupos pa-ramilitares en la tarea de la represión clandestina y obtuvieron un éxitocontundente en el exterminio del foco guerrillero del trotzkista ERP enTucumán.

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En rigor, nadie gobernaba. Con su intervención en marzo de1976, las Fuerzas Armadas pusieron fin a la crisis, a su manera. ¿Erasolo de ellos? El Proceso de Reorganización Nacional aplicó unasolución desmesurada, pero no absolutamente novedosa. Trabajaroncon materiales conocidos, y lograron el consenso que necesitaban.

Es bien sabido – no hace falta abundar en referencias – quedesde marzo de 1976 la violencia ejercida de manera clandestina por elEstado alcanzó niveles nunca vistos. Hubo una cantidad inmensa demuertes y “desapariciones”; también campos de concentración, torturay exterminio, depredación de bienes y robos de niños. Ciertamente, lasdiferencias de cantidad hacen a las de calidad. Pero es indudable que laviolencia estaba ya ampliamente instalada en la vida política. La mayornovedad fue que desde 1976 la ejecutó principalmente un Estado clan-destino, que operaba de noche y aparentaba de día, y que además dematar derrumbaba la fe en las instituciones y las leyes, sistemáticamentevioladas por quienes debían custodiarlas. Otra vez, hay diferencia decantidad, pero en un rumbo ya conocido: las actividades del terrorismode Estado eran reconocibles y hasta aceptadas por muchos, en tantoarraigaban en tradiciones y prácticas políticas conocidas.21

El Proceso se caracterizó por la convicción de que un rígidoautoritarismo y la concentración del poder, no limitado por restriccionesjurídicas, solucionarían el problema de autoridad del Estado. No faltanprecedentes de esta idea, no solo en los períodos de gobierno militarsino en las etapas democráticas, que como se vio fueron escasamenterepublicanas. Aquí el Proceso (que continuó la tradición militar de de-nunciar el desgobierno en los civiles ignorando la anarquía en su propiocampo) fracasó contundentemente. No resultó el singular experimentode dividir el poder entre las tres Fuerzas, ni se logró nunca que tuvieraun punto de concentración: en general Videla fue un protagonistamediocre del Proceso, y sus sucesores mucho más. Cada fuerza se reservóun área de influencia, para el ejercicio de la represión y del gobierno, ylos jefes de cuerpos militares transformaron los gobiernos provinciales

21 Guillermo O‘Donnell dejó un vívido testimonio de esto al caracterizar a los diversos kappos

que encontró en Buenos Aires en los años del Proceso. Véase su “Democracia en la Argentina.

Micro y macro”. En Oszlak, Oscar (comp.), ”Proceso”, crisis y transición democrática. Buenos Aires,

CEAL, 1984.

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en feudos, de modo que los complejos procesos de negociación deintereses en el seno del Estado, continuaron de manera aún más espuria.

También caracterizo al Proceso su voluntad de identificarse ima-ginariamente con la Nación. Al declarar los gobernantes que asumíanla custodia de sus intereses supremos, las voces divergentes o alterna-tivas pudieron ser eliminadas, tanto física como discursivamente, ennombre de la Nación. El terror, la tortura y las desapariciones tambiénpermitieron a los militares no solo acallar toda otra voz sino hasta ne-gar su existencia legítima: cualquier disidencia era atribuible a la“subversión apátrida” y estaba, por definición, fuera de la Nación.Tuvieron éxito, porque machacaron en terreno conocido: es difícil ig-norar las profundas raíces que esta negación del otro tiene en nuestracultura política contemporánea.

Inclusive, apelaron con éxito a la pasión nacionalista, de largatradición, y a su habitual combinación de soberbia y paranoia: la Ar-gentina tiene un destino de grandeza, no alcanzado por la falta de templey por la colusión del enemigo externo y el interno. Ya en 1909 ManuelGálvez –obsesionado con los “mulatos”, que encarnaban lo antinacional-había recomendado una buena guerra con Brasil para robustecer la fi-bra nacional.22 Desde entonces, esa pasión estuvo muchas veces listapara emerger, apenas se frotaba la lámpara, para legitimar losautoritarismos. Los militares lo intentaron con el Mundial de fútbol, elconflicto con Chile y la Guerra de Malvinas. Con ésta casi tuvieronéxito: en 1982 produjo un momento de enajenación, cuando tantosargentinos creyeron que el destino nacional se asociaba con la aventuramilitar. Por cierto, la Guerra selló el destino militar, no tanto por elintento cuanto por el fracaso.

2. El “Proceso” introdujo novedades irrevocables

Esos aspectos del Proceso serán condenados desde 1982, y con-tra ellos se construirá la actual democracia, que los repudiará ritualmente.En cambio otras innovaciones, igualmente discutidas, se incorporaron

22 Con un destello de realismo, en un texto enajenado, declaraba preferir una derrota, por sus

virtudes regenerativas. Manuel Gálvez, El diario de Gabriel Quiroga. Opiniones sobre la vida argenti-

na. Estudio preliminar de María Teresa Gramuglio. Colección Nueva Dimensión Argentina,

Buenos Aires, Taurus, 2001.

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como datos permanentes. La más importante fue el giro sustancial dela política económica, asociado con el ministro Alfredo Martínez deHoz. Como se dirá enseguida, estuvo montado en las tendenciasneoliberales de su tiempo y del mundo. Pero además sirvió a los finesde la represión: quitar a los llamados “subversivos” su base, aplacarlos conflictos sociales y particularmente los industriales, la ríspida luchaentre corporaciones de patronos y trabajadores, que a juicio de losnuevos gobernantes derivaba tanto en enfrentamientos inmanejablescomo en asociaciones espurias y colusivas. El mercado debía discipli-nar la sociedad.

La solución –la apertura de la economía, el achique del Estado-sirvió para sangrar al enfermo, bajarle la fiebre pero a la vez dejarloexangüe. Se logró disminuir la potencia de los actores del conflictoindustrial y a la vez achicar el premio de la lucha: la capacidad deintervención del Estado, que empezó a ser desmantelado. Sin embargoeste camino fue recorrido solo a medias; los militares no renunciaron alucrar con sus empresas y de paso enriquecer a los empresarios queactuaban como contratistas: por entonces, grandes grupos económicosse constituyeron y crecieron exprimiendo al Estado.

La decadencia del Estado se profundizó por la corrupción desus instituciones. Amplios sectores de las Fuerzas Armadas y de seguridadparticiparon en la rapiña que acompaño el terror, e hicieron de las ar-mas estatales el instrumento de negocios privados. Perdidos los límiteséticos e institucionales, no renunciaron a hacerlo luego de 1983. Losacompañó una parte de los jueces, que aprendieron a tolerar, encubrir yparticipar, y ese camino siguieron muchos segmentos del funcionariado.Los empresarios se habituaron a jugar con estas reglas, y todo el procesode privatización posterior a 1989 les ofreció un amplio campo. Lacorrupción llegó a las mismas normas legales: el Estado, aún en suparte diurna y legal, hizo gala de la arbitrariedad, subordinando la nor-ma jurídica al ejercicio discrecional del poder.

De modo que a aquellas prácticas del terrorismo de Estado seagregó una segunda cadena de complicidades, que se hundió en lo pro-fundo de la sociedad y llegó a convertirse en hábito aceptado; dejó unaherencia de funcionarios, policías y jueces corruptos y acostumbrados

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a vivir en la corrupción, y una pobre idea del respeto a la ley, siempresubordinada a otras necesidades prácticas. Hubo una exitosa exitosapedagogía de la corrupción y la arbitrariedad. Después, fue mucho másfácil restablecer la fe colectiva en la democracia –ajena a los militares-que la credibilidad en el Estado que estos corrompieron.

Por otra parte, el Proceso y su ministro Martínez de Hoz seasociaron con el advenimiento del nuevo consenso económico neoliberal,triunfante en todo el mundo, caracterizado por la doble propuesta de lareforma y el ajuste. Según la nueva fe, las crisis recurrentes, juzgadasinsolubles, se superarían con la apertura de la economía, la eliminaciónde la protección y otros subsidios estatales, lo que provocaría el fin delos sectores ineficientes, sobre todo los industriales, y el crecimientode los eficientes. Esa reducción de subsidios era parte de una propuestamás general de ajuste de los gastos estatales – se juzgaba que laseconomías no estaban en condiciones de solventarlos de manera genuina– e incluía la eliminación de sus partes ineficientes e innecesarias, perotambién la retracción en campos vinculados con el bienestar social, yaún la educación y la salud, donde su acción solo debía ser subsidiaria.Se trataba de una línea de acción genérica, que en cada caso podíaejecutarse de maneras diversas, según se atendiera más o menos a lagradualidad, la previsión y la equidad.

La experiencia del Proceso mostró que era más fácil abrir laeconomía que achicar las funciones del Estado; de todos modos, elendeudamiento externo lo dejó fuertemente condicionado, de un modotal que era muy difícil volver atrás en el camino adoptado. Durante elgobierno de Alfonsín parece haber habido una coincidencia general conla propuesta de reforma y modernización, en su versión más gradual,previsora y equitativa; así lo indica el “discurso de Parque Norte”, quemuestra, por otra parte, la amplia gama de posibilidades existentes den-tro de esa propuesta general. Pero no encaró el problema hasta el últi-mo tramo de su gobierno, cuando ya no tenía fuerza política para ponerloen marcha. Menem asumió plenamente el programa de la reforma y elajuste, y lo aplicó en su versión más simple, tosca, brutal y destructiva;sin embargo, debió hacer innumerables concesiones – la “anestesia”que decía no utilizar – a empresarios contratistas, gobiernos provinciales,sindicalistas y hasta congresistas. Su éxito inicial correspondió, al igual

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que el de Martínez de Hoz, con un período de gran afluencia de capitalesexternos y fácil endeudamiento; como en aquel caso, el límite de suéxito lo marcó el final de la afluencia.

3. Economía, Estado y sociedad en la nueva Argentina

Fueron, en suma, tres golpes de volante para un “girocopernicano”. ¿Qué cambios produjo?23 En la economía, es mucho másclaro lo que en veinticinco años estos cambios destruyeron que lo queconstruyeron. Lo que mejor funcionó fue el sector orientado a laexportación -aunque desde 1991 sus beneficios estuvieron acotados porla sobrevaluación del peso- pero sus efectos sobre el resto de la economíafueron reducidos, sobre todo en materia de empleo. La convertibilidadhizo difícil las exportaciones industriales, pero el Mercosur fue una im-portante compensación. La reducción arancelaria y la supresión desubsidios24 liquidaron la industria ineficiente y afectaron también al seg-mento de las que se modernizaron y reequiparon. Unas y otrascontribuyeron a la pérdida de empleos, junto con las racionalizadas em-presas del Estado. Muchos grupos empresarios, antiguos contratistas delEstado, ingresaron en las empresas privatizadas, junto con operadores ygrupos financieros internacionales; no está claro cuánto hay allí de ma-nejo capitalista eficiente – es de temer que poco – , cuánto de apropiaciónde activos baratos y cuanto de nuevos negocios monopólicos.

En suma, un balance complejo, con algunos pocos ganadores ymuchos perdedores. En el mediano plazo, la pregunta es que lugar puedeocupar la Argentina en una economía mundial integrada. Qué hacemosmejor o más barato que otros. En segundo lugar, que capacidad tiene elreducido sector modernizado para influir en el conjunto, restablecer eldinamismo de la economía capitalista y eliminar los comportamientosprebendarios.

23 Aquí se impone un caveat. El pozo de la crisis no es el lugar más adecuado para evaluar estos

cambios. Nunca lo es: cualquiera que frecuente la historia sabe que quienes viven una crisis

perciben con claridad lo que ésta destruye, y rara vez lo nuevo que empieza a emerger. A mí me

basta recordar los ajustes, a veces bastante fuertes, que he debido hacer a mis “balances” a lo

largo de los últimos diez años.

24 Distó de ser total: se salvaron los industrias automotrices, y unas cuantas industrias fantasma,

en provincias que lograron conservar regímenes de promoción gracias a la “anestesia” del perío-

do de Menem.

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En el corto plazo, lo que más pesa es el endeudamiento externo.Desde 1976, las fases de prosperidad y las de contracción coincidieroncon el flujo y reflujo de fondos, en su mayoría especulativos, en partecompensados por los ingresos, por única vez, de las privatizaciones. Elresultado fue una impresionante deuda externa, que el Estado es abso-lutamente incapaz de pagar. Hay una permanente exigencia por partede los acreedores de ajuste de los gastos fiscales, siempre insuficiente.La modalidad del ajuste, los lugares donde se cortó y donde se mantuvola afluencia de fondos fiscales, así como la política impositiva, susrigideces y permisividad, han de ser, para quien sepa leerla, unaverdadera radiografía del Estado.

El Estado, actor principal de la fase de construcción yresponsable de sus virtudes y sus defectos, perdió protagonismo,iniciativa, y hasta unidad. El endeudamiento acotó su soberanía; elajuste afectó su funcionamiento, sin reducir su colonización por losintereses corporativos. Buscando ganar confianza, se ató las manoscon la convertibilidad. Buscando atenuar oposiciones y ganar alia-dos, los gobernantes concedieron mucho, a los grupos empresariosy a los dirigentes políticos, una corporación que se sumó a las res-tantes en la empresa de vivir del presupuesto nacional. Entre ellos,los dirigentes de los estados provinciales, y sus representantessenatoriales, se convirtieron en insaciables demandantes deprebendas, tanto mayores cuanto más débil era el centro del poderpolítico.

Mientras la crisis económica y la desocupación reducían la masade contribuyentes, el deterioro administrativo redujo la capacidad pararecaudar. Con menos ingresos, el Estado achicó un poco las prebendasy cortó drásticamente donde era más fácil: en la educación, la salud y laseguridad. Por otra parte, las secciones del Estado dedicadas al controlde los actores económicos privados se deterioraron, en parte pordecisiones deliberadas, en el caso de las privatizaciones, y en parte porla corrupción. Vieja como el mundo, ésta creció fuertemente en dosmomentos: el ya mencionado del Proceso y los diez años de gobiernode Menem, en los que el país estuvo dirigido por una banda depredadora.

En suma, en la nueva Argentina, y por una serie de factores

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concurrentes, el Estado ha resultado cada vez más incapaz parafinanciarse, para actuar autónomamente, para imponer normas, paradirigir. Además, ha sido sistemáticamente descalificado y convertidoen la bête noire, por razones legítimas e ilegítimas, pues fácilmente seha echado por el desagüe el agua sucia y el niño. Hoy, aún los mejoresgobernantes pueden hacer poco con semejante instrumento.

Desde hace mucho es difícil representar a la sociedad argentinacomo democrática, móvil e integradora. Del pleno empleo de los añoscincuenta hemos pasado a la desocupación, muy alta. Los sindicatos,expresión final de la Argentina democrática y corporativa a la vez,perdieron su relevancia y poco significan en el vasto mundo de la po-breza, donde los límites entre las “clases laboriosas”, los desocupadosy las “clases peligrosas” no son fáciles de definir. ¿Qué es exactamenteel saqueo a un supermercado? En términos de identidad y organización,el lugar de los sindicatos es ocupado por las organizaciones de“piqueteros”, capaces como aquellos de contener, lucharorganizadamente y negociar las migajas que aún tiene el Estado para laasistencia social.25 Por otra parte las clases medias, emblema de lasociedad democrática y móvil, están en plena licuación; ellas aportanel grueso de los emigrantes; muchos se suman al mundo de la pobrezay, uno tras otro, pierden los signos de su dignidad.

El segmento de los “ganadores” no es despreciable: son lo sufi-cientemente numerosos como para animar un mundo de consumo yvisibilidad. Pero deben encerrarse y protegerse. La sociedad móvil, con-tinua, sin cortes estamentales, es remplazada por otra donde lapolarización lleva a la segmentación. La ciudadanía social, el logro fi-nal de la Argentina próspera, ha sido arrasada. La violencia social y ladelincuencia llevan a los gobiernos a aplicar una “mano dura” quecuestiona seriamente la ciudadanía civil. ¿Qué ocurre con la ciudadaníapolítica?

4. La paradójica vigencia de la democracia

Lo curioso de esta historia es que, por primera vez, desde 1983la sociedad argentina conoció la política democrática representativa,

25 Muchos dirigentes vuelcan en su organización la experiencia acumulada en la actividad sindical.

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liberal y republicana, como nunca la había conocido antes la sociedaddemocrática en vías de extinción.

El Proceso militar fue decisivo para esta construcción de lademocracia. Quizá porque puso en evidencia, en su extremo, las lacrasde las experiencias políticas anteriores, tanto dictatoriales comodemocráticas. Quizá porque bastaba referirse a él para unir voluntades yminimizar diferencias. Lo cierto es que, de las ruinas de la dictaduramilitar, abatida por la derrota de Malvinas, surgió una nueva convicciónciudadana acerca de la capacidad de la democracia para restaurar laconvivencia pacífica y muchas cosas más, pues una de las característicasde esta nueva fe fue la enorme confianza en las potencialidades de lafórmula política. A la vez se desarrolló una convicción, también original,acerca de las bondades del pluralismo; la existencia de adversarios, quizá,pero no de enemigos políticos; la importancia de la diferencia y laconfrontación en la constitución del interés común. También hubo unanueva valoración de la ley y las formas institucionales. En primer lugar,fundamentándolo todo, un consenso acerca del valor absoluto de losderechos humanos y un rechazo total a la subordinación de los medios alos fines.

El entusiasmo cívico se tradujo en prácticas políticas pertinentes:la afiliación masiva a los partidos políticos, su organización formal, larenovación de dirigentes y también de ideas. Ninguno, ni siquiera elperonismo, pretendió ya ser la encarnación del pueblo y de la nación(por otra parte, las pasiones nacionalistas amenguaron y hasta pudimosconcluir las diferencias con Chile). Probablemente hubo entre lospartidos más búsqueda del consenso que debate a fondo sobrealternativas, y en los ciudadanos más reclamos de sus derechos queasunción de sus deberes. En un cierto sentido, se trató de una democracia“boba”.26 Pero es difícil imaginar que la democracia – al fin, un sistemapolítico profano, que debe fundarse en una convicción compartida –pudiera constituirse sin esta fe, quizá desmesurada.

En esos años iniciales – diría entre mediados de 1982 y mediadosde 1985 – los argentinos se tomaron un recreo para la utopía, como lo26 Tomo esta expresión de la experiencia de la primera república de Nueva Granada, idealista y

pacifista, liquidada en 1812; luego, Bolívar mostró la necesidad de respaldar la verdad con las

armas.

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habían hecho, en otro contexto, al comenzar los años setenta. Durante esebreve período pudo olvidarse no solo que la Argentina había cambiado demanera irrevocable luego de 1976; pudo creerse que los viejos y durosprotagonistas corporativos de los antiguos conflictos estaban domestica-dos, atrapados en la red de los partidos políticos, la representación y lacivilidad: el conjunto de hombres de buena voluntad que construían elinterés común. Pronto se descubrió que no era así.

El impulso progresista del primer gobierno democrático se detuvoante los sindicatos, que resistieron ser reformados, la Iglesia, que peleóduramente en el terreno del laicismo, y las Fuerzas Armadas, que toleraronel juzgamiento de sus antiguos jefes, ya retirados – el Juicio a las Juntas fueel logro más importante de la civilidad – pero resistieron con éxito aljuzgamiento de oficiales en actividad. El gobierno fracasó en sus intentosde revisar la deuda externa o de organizar un frente de países deudores. Encuanto a los grupos económicos, cumbres del nuevo ordenamiento de laeconomía, ni siquiera se insinuó la batalla. Hacia 1987 el impulso habíaencontrado su freno, y el primer gobierno democrático convocaba a inte-grar el gabinete a los representantes de los grandes intereses corporativos.

En realidad, se habían constatado dos limitaciones: la del instru-mento de acción, el Estado, sin la capacidad de otrora para modificar elorden espontáneo de las cosas, y la de la civilidad, un actor político deenorme potencialidad en algunas acciones pero inútil para otras. Todo surespaldo no alcanzó para que, en la Semana Santa de 1987, el Presidenteencontrara un solo oficial del Ejército dispuesto a disparar contra sus ca-maradas rebelados.

Allí se rompió la ilusión ciudadana. Quienes se negaban a aceptarque la realidad era tal cual era, echaron culpas, naturalmente, al gobierno,que claudicaba ante los enemigos del pueblo. El fin de esta “primavera delos pueblos”, efímera como todas, dejó lugar a una relación más normal,menos apasionada, de la sociedad y sus actores con sus gobernantes. Fue elcomienzo de un desapego que se convirtió a la larga en apatía – salvo elbreve entusiasmo mesiánico despertado por Menem en 1989 – y en elúltimo tramo en descontento y furia.

Pero antes de eso, el sistema democrático había arraigado, con-vertido en práctica normal, que podía prescindir de las manifestaciones

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cotidianas de apoyo. Sus éxitos no son despreciables: elecciones regu-lares, al menos cada dos años, tres gobiernos de signo opuesto que sesucedieron en menos de veinte años, y algunos datos un poco más fol-clóricos: el peronismo, el partido-pueblo, perdiendo una elección presi-dencial en 1983, y otra como oficialismo, en 1999. Instituciones quefuncionaron, parlamentos que legislaron y jueces que juzgaron conalguna autonomía son logros significativos si se los compara con lasexperiencias militares anteriores, y no solo con ellas, aunque lógicamentelas imperfecciones son abrumadoras si se las compara con el deber sero la letra constitucional. Pero cualquier democracia realmente existen-te es inferior al modelo.

¿En qué se apartó esta democracia realmente existente del mo-delo democrático-republicano contra el que eligió medirse? En primerlugar, se plegó a la realidad, admitió que las instituciones sustentadasen el sufragio y fundadas en el interés común, que gobernaban un Esta-do desarmado, no podían modificar mucho de los rasgos ya definidosde la economía y la sociedad gobernada. Esta aceptación de la realidad,visible ya en la segunda parte del gobierno de Alfonsín, fue plena en elde Menem que exageró un poco, para que le creyeran. Las institucionesdemocráticas, aunque algo hicieron, cumplieron mal su papel de balan-cear los poderes corporativos.

En segundo lugar, se alteró el equilibrio de poderes propio de laRepública. Los gobernantes debieron gobernar en medio de las tor-mentas: todo lo señalado en el punto anterior, y lo no dicho, como lashiperinflaciones de 1989 y 1990; en medio de las turbulencias, ennombre de la gobernabilidad, el Ejecutivo avanzó sobre los otros po-deres, alterando el equilibrio republicano. Ayudado por la críticacoyuntura con que empezó su gobierno, y también por las tradicionesperonistas, Menem avanzó mucho por este camino y su jefatura, caside príncipe, se alejó bastante de la tradición republicana; pero en losmomentos oportunos el Parlamento, ya que no la Corte Suprema, recordóque había algunos límites.

En tercer lugar, la llamada clase política no lució. Por cierto, enlo suyo fue eficiente y profesional. Los partidos produjeron eleccionesaceptables, con bajos costos en materia de enfrentamientos y

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polarizaciones; los representantes fueron flexibles a la hora de realizaracuerdos. Todo se hizo muy profesionalmente: puede comparárselo –no hay otra coyuntura similar- con el período 1916-1930. Por otra par-te, no era exactamente una “clase política” como la pensó Mosca: notenía tradición de gobierno, ni ejemplos y valores con los queconfrontarse. En materia de funcionarios, lo que había detrás de elloseran las prácticas del Proceso, ya establecidas en las instituciones (laPolicía Bonaerense es al respecto paradigmática). Pasado el impulsoinicial, desatenta la sociedad que los miraba de lejos, los políticos, quienmás quien menos, se corrompieron, es decir se comportaron exactamenteigual que sus congéneres en las prácticas civiles, y hasta generaron supropio corporativismo. Es cierto que con Menem se instaló una bandadepredadora organizada, pero actuó sobre un terreno ya preparado. Ensuma, no fueron ni mejores ni peores que la sociedad de donde venían.Tampoco fueron eficaces administrando, pero no veo cómo podríanhaberlo sido.

5. Final

Lo singular del caso argentino no está –me parece- en estasimperfecciones, sino en la coexistencia entre esta democracia políticaque funcionaba con una sociedad que ya no era democrática, pero que,a diferencia de otras, lo había sido, y todavía podía recordarlo. Duranteunos años muchos especulamos acerca de cuanto podía durar ese di-vorcio: un sistema político democrático en una sociedad que se vaciabade ciudadanía; un sistema fundado en la igualdad política –un hombre,un voto- pero que era incapaz de modificar la tendencia de la sociedadhacia la desigualdad creciente. Es posible que un sistema de partidoseficiente y aceitado pueda funcionar sin la participación cotidiana de laciudadanía. Es más difícil imaginar que se sostenga si falta, entre losrepresentados, el fuego sagrado de la fe, sobre todo si no es compensa-do con alguna valoración de la eficacia gubernamental. El 19 dediciembre de 2001 se produjo el pasaje del desapego a la furia, yefectivamente todo el andamiaje se conmovió. Asistimos hoy a un nuevoacto de esta historia, pero todavía es demasiado pronto para que unhistoriador lo incluya aquí.

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POLÍTICA BRASILEIRA NO SÉCULO XX: O NOVO NO VELHO

José Murilo de Carvalho

INTRODUÇÃO

O tema da política brasileira no século XX é por demais com-plexo e vasto para permitir tratamento sistemático dentro dos limitesdeste papel. Por comodidade e prudência, opto por abordagem algoinformal e fragmentada do assunto. Apresento notas em torno do temada cultura e do comportamento político, sem tentar sistematizaçãoteórica. Espero que a estratégia adotada não prejudique a finalidade dotexto que é a de provocar ou, pelo menos, sugerir, o debate.

Dentro da opção feita, recorro, como ponto de partida, a epi-sódio recente ocorrido com candidata à presidência da República. Tra-ta-se da entrada da polícia federal no escritório de firma pertencente àcandidata e a seu marido, feita em obediência a mandado judicial e deque resultou a apreensão de documentos e de R$ 1,3 milhão em paco-tes de notas de R$ 50,00. Análise do episódio e de seus desdobramen-tos pode revelar características que de longa data vêm marcando nossapolítica e também dimensões novas que começam a despontar graças amudanças profundas verificadas na sociedade nacional, sobretudo apartir da década de 1930. O episódio nos fala de um estilo de política,a oligárquica, em fase de desaparecimento; de mudanças nas relaçõesentre os poderes; do surgimento de um poder novo e agressivo, o doMinistério Público; da alteração no padrão de impunidade das elites;do surgimento de uma opinião pública atenta e exigente; da permanên-cia de uma característica até agora constante, a superposição do velhoe do novo em combinações que se renovam mas não desaparecem.

UMA TIPOLOGIA DA POLÍTICA BRASILEIRA

Para a análise das características indicadas acima, recupero textode agudo sociólogo que escreveu a maior parte de sua obra na décadade 1960, quando já se faziam sentir as grandes mudanças sociais por

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que passava o país. Refiro-me a Guerreiro Ramos, que desenvolveu em1961 uma caracterização da política brasileira inspiradametodologicamente nos tipos ideais de Max Weber e historicamentenas análises de Oliveira Viana e Gilberto Amado. Guerreiro Ramosconstruiu cinco tipos de política: a política de clã, a política de oligar-quia, a política populista, a política de grupos de pressão e a políticaideológica.

A política de clã correspondia, segundo ele, à situação pré-política, característica do período colonial. Nela inexistia o direito pú-blico, dominava apenas o poder de grupos familiares, limitados às loca-lidades. A política de oligarquia, predominante até 1930, significavaum passo adiante. Estendia-se do domínio local para o provincial e onacional, congregava clãs familiares em alianças para conquista e ma-nutenção do poder. Mas nela o Estado era ainda utilizado apenas parafins clientelísticos privados. Após 1930, deu-se grande transformaçãona política nacional: o povo entrou em cena, dando origem à políticapopulista. Nesse tipo de política, superava-se o domínio familístico eoligárquico, o fundamento do vínculo político passava a ser a lealdadepessoal ao líder populista, sustentada por benefícios que ele distribuíaa seus seguidores. Começava a se formar uma opinião pública indepen-dente. O populismo teria florescido nas décadas de 40 e 50. Nessamesma época, teria também surgido a política dos grupos de pressão,marcada pela atuação de setores organizados da sociedade, sobretudoos sindicatos patronais e operários. Na década de 60, finalmente, opaís já estaria, segundo Guerreiro Ramos, preparado para uma formasuperior de política, a ideológica, sustentada sobre classes sociais orga-nizadas e capazes de formular projetos políticos próprios, e sobre opi-nião pública amadurecida.

Dentro do espírito da época, Guerreiro Ramos acreditava noevolucionismo histórico. Seus tipos se sucediam uns aos outros, o pos-terior superando o anterior, até atingir o ponto culminante e aparente-mente final da evolução, a política ideológica. A abordagem é tambémtipicamente sociológica. A passagem de um tipo para outro, à exceçãodo primeiro para o segundo, é determinada por mudanças demográficase sociais. O populismo surgiu quando a urbanização e a industrializa-ção permitiram a emergência de setores urbanos médios e operários, os

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grupos de pressão apareceram quando a divisão de trabalho permitiu aorganização de interesses diversificados, a política ideológica se tor-nou possível com a melhor definição e a conscientização das classessociais.

Evolucionismo e sociologismo são tidos hoje como posturasanalíticas ingênuas. Mas não se pode dizer que sejam totalmente equi-vocados. É perfeitamente aceitável apontar avanços nas práticas po-líticas se se tomam como parâmetros certas variáveis, como a amplia-ção da participação eleitoral, a honestidade das eleições, a redução dacorrupção, a liberdade e independência do eleitor, etc. Igualmente, se-ria tolo não admitir que transformações radicais na demografia e naestrutura social sejam elementos importantes na transformação de com-portamentos políticos. A vinculação das políticas de clã e oligárquicaao mundo rural e a dos outros três tipos ao mundo urbano é bastanteóbvia, embora não sejam óbvias as formas que ela pode assumir.

MUDANÇAS RADICAIS

O analista de hoje, com o benefício de 40 anos de perspectiva,não discordaria de Guerreiro Ramos quanto às grandes mudanças quecomeçaram a acontecer a partir de 1930. Até essa data, as transforma-ções sociais tinham sido poucas e muito lentas. A partir de 1930, otempo social acelerou-se. Houve alteração radical no tamanho, locali-zação e ocupação da população. A população do país quintuplicou en-tre 1920 e 2000, passando de 30 para 160 milhões. O Brasil de 1930tinha menos habitantes que o estado de São Paulo de hoje. Além disso,houve deslocamento maciço de pessoas do campo para a cidade. Seem 1920 menos de 20% da população moravam nas cidades, em 1960já eram 45%, em 1980, 68%, e no ano de 2000 mais de 80%, subindopara 90% no Sudeste do país. Inverteu-se completamente a relaçãorural-urbano, o Brasil passou a ser um país urbano, comparável nesseponto aos Estados Unidos. O grosso da população reside hoje emmegalópoles e em médias e pequenas cidades. Como conseqüência,alterou-se também radicalmente a composição do emprego. Em 1920,70% da população ativa ocupava-se na agricultura, pecuária e extração.Hoje, cerca de 80% dos brasileiros ocupam-se nos setores de serviço,

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comércio e indústria, quando não engrossam o contingente de desem-pregados e subempregados.

No campo econômico, a crise de 1929 e, 10 anos mais tarde, aSegunda Guerra Mundial, aceleraram muito o processo de substituiçãode importações, iniciado durante a Primeira Guerra. O país teve queproduzir os bens industrializados que antes sempre importara. O pro-cesso não mais se interrompeu, expandindo-se na década de 50 viaimplantação da indústria automobilística e aprofundando-se na décadade 70 graças à produção de máquinas e equipamentos. O Brasil deixoude ser um país essencialmente agrícola, como na primeira metade doséculo. O café, responsável pela maior parcela das exportações duranteum século, hoje ocupa papel modesto no comércio externo. Há aindaprodutos importantes de origem rural, como a carne, a soja e o suco delaranja, mas eles não representam o grosso da exportação, que se loca-liza em bens industrializados, como carros, máquinas, eletrodomésti-cos, aviões, além de minérios e bebidas. Mesmo a exportação de pro-dutos agropecuários depende hoje da agroindústria mecanizada, combaixo componente de mão-de-obra. O contexto social de produçãodessas mercadorias é totalmente distinto daquele em que se dava aatividade agrícola do velho Brasil.

A ENTRADA DO POVO NA POLÍTICA

A intuição de Guerreiro Ramos também estava correta quandoafirmou que, do ponto de vista político, um elemento importante, senão o mais importante, da mudança que teve início em 1930, foi aentrada do povo em cena. De fato, desde a proclamação da Repúblicaaté 1945, a participação eleitoral não passou de 5% da população.Durante toda a Primeira República (1889-1930), período áureo da po-lítica de oligarquia, só houve uma eleição presidencial, a de 1930, emque o número de votantes ultrapassou os 5% da população. Essa elei-ção foi invalidada pelo movimento revolucionário que então se verifi-cou. Em algumas das eleições presidenciais da Primeira República, asde 1906, 1918, 1919, a participação não chegou a 2% da população.Literalmente, tratava-se de uma república sem povo. A partir da de-mocratização de 1945, o crescimento do eleitorado foi rápido e

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constante, mesmo, e ironicamente, durante os governos militares, quan-do fora suprimida a liberdade política. A Constituição de 1988, ao per-mitir o voto do analfabeto, mais de cem anos depois que ele foi exclu-ído, e ao baixar para 16 anos a idade mínima para votar, deu o impulsofinal à democratização do voto. Hoje estão alistados quase 70% dosbrasileiros, porcentagem que se compara favoravelmente com as dospaíses de mais longa tradição democrática. Em termos absolutos, ha-via 1,4 milhão de eleitores em 1933; em 1998, época da última eleiçãopresidencial, o eleitorado ultrapassava 106 milhões de cidadãos. Emnúmeros, pelo menos, trata-se de dois países totalmente distintos.

A CONVIVÊNCIA DE TEMPOS HISTÓRICOS DISTINTOS

Outro ponto útil da análise de Guerreiro Ramos é a rejeição deum evolucionismo simplista. Ele aceita, é verdade, a idéia de evoluçãode um tipo para outro, talvez inspirado na sucessão de modos de pro-dução do esquema marxista. Mas tempera o evolucionismo com a idéiada superposição de fases e tipos políticos. Um tipo não desaparece,pelo menos de imediato, quando outro se inaugura. Em cada momentodado, há um tipo predominante que convive com resíduos de tiposanteriores. Assim é que, segundo ele, em 1961 predominava a políticapopulista, mas sobreviviam em várias partes do país a política de oli-garquia e até mesmo restos da política de clã, ao mesmo tempo em queo país já pedia a política ideológica. A idéia da sobreposição de épocase estilos políticos, de grande utilidade analítica, foi talvez buscada emum autor da década de 1930, Martins de Almeida, que escreveu, falan-do da economia: “Um dos aspectos mais característicos do nosso país éessa desconformidade de etapas evolutivas da nossa economia geraldentro da mesma unidade de tempo” (Almeida, p. 47-48).

O conceito foi elaborado por Inácio Rangel em 1957, com aajuda de uma expressão sintética e elegante de W. Pinder. Ao defen-der a tese da existência de uma dualidade básica na economia brasilei-ra, Rangel afirmou que o Brasil era marcado pela contemporaneidadedo não-coetâneo. Com isso queria dizer que conviviam nacontemporaneidade da época fenômenos sociais, práticas e valores,que pertenceriam a momentos históricos passados. Naturalmente, a idéia

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de não-coetâneo implica concepção que pode ser consideradaevolucionista. Inácio Rangel refere-se explicitamente ao evolucionismomarxista. Mas nada impede que se aproveite a idéia jogando fora suaconotação evolucionista, isto é, a concepção de movimento em direçãoa objetivos pré-definidos. Basta admitir a noção, pouco controversa, demudança, de dinâmica histórica. O Brasil, e talvez todos os outros paí-ses, sobretudo os que passam por rápido processo de mudança social,seria, nessa visão, uma espécie de museu sociológico, em que várias épo-cas poderiam ser visitadas ao mesmo tempo. Inácio Rangel usa imagemgeológica, comparando o país a uma formação rochosa em que váriosestratos, pertencentes a eras distintas, estariam visíveis ao olho do ob-servador contemporâneo (Rangel, p. 33).

A idéia de convivência de práticas e valores pertencentes a con-figurações históricas distintas é uma constante nas principais análisesmacro-sociológicas do país, pelo menos desde Euclides da Cunha. Emgeral, ela se apresenta na forma dicotômica, como observou WanderleyG. dos Santos (Santos, 1970). Haveria, nessa perspectiva, dois brasisconvivendo em harmonia ou em conflito. Em Euclides era o litoral e osertão; em Gilberto Freyre, a casa grande e a senzala; em Sérgio Buarque,o público e o privado; em Nestor Duarte, a família e o Estado; emFaoro, o Estado e a sociedade, o estamento e a classe; em HélioJaguaribe, a modernidade e o atraso; em Roberto da Matta, o indivíduoe a pessoa; em outros autores, o campo e a cidade, a elite e o povo, ocapitalismo e a escravidão, a nação e a anti-nação, o nacional e o glo-bal. Colocada, no entanto, em termos dicotômicos, a análise perde ca-pacidade explicativa. O próprio Rangel, embora parta de uma dualidadebásica (título de seu livro) termina a análise recorrendo ao símile daestratificação geológica, que tem a vantagem de admitir a coexistênciade várias camadas e não de apenas duas. A desvantagem dessa imagemé que ela sugere a separação dos estratos, ou tipos, sociais, quando ariqueza da idéia da sobreposição dos tempos está exatamente em per-mitir o exame de sua iteração.

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ATUALIZANDO GUERREIRO RAMOS

Há, no entanto, como era de esperar, pontos em que a análisede Guerreiro Ramos perdeu utilidade. Sua tipologia era boa para o mo-mento em que escreveu. Os dois primeiros tipos ele os tirou de Olivei-ra Viana e se adaptavam bem ao Brasil até a década de 1930. Igual-mente, o populismo já era fenômeno conhecido e analisado quandopublicou seu livro. Os dois últimos tipos, no entanto, são menos úteis.A política de grupos de pressão é conceito tirado da prática políticanorte-americana. Interpretada nessa direção, supõe uma organizaçãode interesses forte mas fragmentada, baseada em lobbies junto ao Exe-cutivo e o Legislativo, voltada para resultados práticos. Mesmo no Bra-sil de hoje seria difícil pensar nesse tipo de política como dominante.Nossos grupos de interesse vêm de outra tradição de organização soci-al, a corporativa e a clientelista. Além disso, a pressão entre nós seexerce muito mais sobre o Executivo que é de onde se distribuem asbenesses do poder. Interpretado o conceito grupos de pressão em sen-tido mais amplo, como era talvez a intenção de Guerreiro Ramos, abran-gendo organizações sindicais, profissionais, e de outra natureza, ele seaproxima do tipo ideológico de política e perde especificidade e, por-tanto, utilidade analítica.

O olho de Guerreiro Ramos estava voltado principalmente parao estilo político europeu, no qual via a predominância dos partidosideológicos representativos de classes sociais e não de grupos de pres-são e de interesse. Era outro tributo que pagava ao pensamento domi-nante na esquerda da época. Por culpa ou não dos governos militaresque interromperam a experiência democrática iniciada em 1945, da qualGuerreiro Ramos foi engajado militante, a política ideológica não dei-tou raízes entre nós. Embora tenha havido e continue havendo parti-dos que se pautam por princípios ideológicos, eles são minoria e não seenraízam necessariamente nas tradicionais classes sociais. A reaçãonegativa generalizada a decisão recente do Tribunal Superior Eleitoralobrigando os partidos a manterem nos níveis estadual e local a mesmacoalizão feita no nível federal é sintomática. O TSE partiu da premissade que os partidos deveriam ser ideológicos, baseados em princípios,como queria Guerreiro Ramos. Se o fossem, não haveria reação negativa,

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pois nada mais natural que as alianças fossem coerentes e consistentes.A reação mostrou o que todos sabem: a grande maioria dos partidosnão é ideológica. Trata-se de agrupamentos políticos voltados sobretu-do para a disputa do poder e para a fruição de suas benesses. As alian-ças variam de acordo com as condições de cada estado ou município.

Segue daí que para o período recente seria necessário pensar emoutra tipologia. Por falta de melhor termo, utilizo o de política de mas-sas, combinando dois sentidos dessa palavra, a ampla participação doscidadãos via eleições e opinião pública, e o grande peso dos meios decomunicação de massas. Os dois aspectos estão profundamenteconectados, uma vez que a formação da opinião pública não pode serdesvinculada, para o bem ou para o mal, da atuação da mídia.

OS PACOTES DE NOTAS DE R$ 50,00

No episódio mencionado no início do texto, o país se chocou (ese divertiu) com a foto dos pacotes de notas de R$ 50,00, totalizando 1,3milhões de reais. Sublinho a seguir algumas características do episódioque esclarecem o que mudou e o que permanece na política nacional,sobretudo nos valores e práticas relacionados com o exercício do poder.

A PERSISTÊNCIA DO CLIENTELISMO

A investigação que levou à busca no escritório tinha a ver como uso fraudulento de verbas públicas da Superintendência do Desen-volvimento da Amazônia (SUDAM) pelas oligarquias de alguns esta-dos. Já resultara em 2001 na abdicação do presidente do Senado, acu-sado de se enriquecer graças a tais falcatruas. Desde a década de 30, ogoverno federal vinha criando agências de desenvolvimento regionalque serviam sobretudo para cooptar e enriquecer oligarquias estadu-ais. O uso fraudulento dos recursos dessas agências era conhecido etolerado sempre que servisse à necessidade de criar e sustentar alian-ças políticas. A novidade no caso em questão está no fechamento daSUDAM e na investigação das fraudes. O travo de ambigüidade resideno fato de que por muito tempo os beneficiários das fraudes foramaliados e protegidos do governo federal.

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A REAÇÃO OLIGÁRQUICA

O totalmente velho, o não-coetâneo do episódio, foi a reaçãodos investigados, sobretudo da candidata e de sua família, aí incluídoum ex-presidente da República. Traços típicos das velhas oligarquiaseram a apropriação privada de recursos públicos e a convicção da im-punidade. O fato de que a polícia federal, obedecendo a ordem judici-al, tenha entrado no escritório foi visto pelos suspeitos como arbítrio,ilegalidade, perseguição. No vocabulário dos oligarcas, arbítrio é a apli-cação a eles das leis penais que só deveriam valer para os inimigos. Acandidata investigada reafirmou ingenuamente os valores oligárquicosao reclamar do governo por não ter sido avisada previamente da açãoda polícia. A única explicação possível admitida por essa velha elitepara investigação de seus atos é a perseguição por parte dos adversári-os, jamais sua própria culpabilidade. O Partido da Frente Liberal (PFL),tido como moderno e profissional, revelou sua cara tradicional ao serender à chantagem de sua candidata e reagiu atacando o governo, semexigir dela o que a opinião pública pedia: a explicação da origem dospacotes de notas de R$ 50,00.

A AÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A autonomia do Ministério Público, conferida pela Constituiçãode 1988, redundou em mudança radical na atuação dessa organização.Libertos do controle do Executivo, jovens promotores, imbuídos de es-pírito missionário, talvez inspirados na operação Mãos Limpas empreen-dida pelos juizes italianos, iniciaram uma cruzada contra o crime que nãotem respeitado status, riqueza e poder. Por vezes arrogantes, arbitráriose desastrados, já foram responsáveis por fatos inéditos na história dopaís, como a visão de um ex-presidente do Senado ser conduzido, alge-mado, à prisão. A ação da polícia no escritório da candidata se deveu àinvestigação desses promotores, em andamento desde 1997. Embora aindaseja cedo para avaliar todas as conseqüências da mudança na atuação doMinistério Público, pode-se dizer que ela aponta em direção revolucionária:o fim da cultura de impunidade que beneficia as elites nacionais. Um juizde tribunal superior foi para a cadeia, três influentes senadores de parti-dos aliados ao governo foram forçados a renunciar, dois deles com rápi-

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da passagem pela cadeia, e submetidos a investigação. Vários outros po-líticos, ex-ministros, empresários, estão sob investigação.

UMA OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL

Outro componente do episódio indicador de mudança foi o pa-pel da opinião pública. A entrada do povo na política via eleição apartir de 1945 teve seu impacto democratizante interrompido, para nãodizer viciado, pelos governos militares (1964-1985). Durante a ditadu-ra militar, o país experimentou algo parecido com o que se passava nospaíses comunistas: alta participação eleitoral sem liberdade de impren-sa e de organização. Entre 1960 e 1986, a participação eleitoral cres-ceu 161%. Em números absolutos, isso significa que 53 milhões debrasileiros, cifra eqüivalente à população total do país em 1950, come-çaram a votar durante um período em que não havia liberdade de mani-festação de pensamento, em que os partidos eram mutilados e censura-dos, o Congresso funcionava para legitimar atos do Executivo, os polí-ticos da oposição estavam sob permanente ameaça de perder os direi-tos políticos. Pode-se perguntar que sentido tinha o ato de votar paraos cidadãos que assim o exerciam. Certamente não era o do exercíciodo direito de determinar o destino político do país. O esvaziamento doato eleitoral seguramente ainda persiste em parcelas do eleitorado, comose pode verificar na eleição e reeleição de políticos reconhecidamentedesinteressados de qualquer outra coisa que não a promoção de seuganho pessoal.

O que representa avanços maiores na democratização da polí-tica é a formação de uma opinião pública nacional mais informada emais exigente. A força dessa opinião se tem manifestado em váriosepisódios. A primeira eleição popular de um presidente desde 1960colocou Fernando Collor no governo em 1989. Três anos depois, evi-dência de vasta corrupção no governo gerou manifestações de massaque forçaram o Congresso a votar o impedimento do presidente. Maisrecentemente, políticos influentes alvos de denúncias de corrupção oucomportamento inadequado têm sido forçados à renúncia para evitarprocessos de perda de mandato. Como no caso de Collor, o Congressosó tem agido contra os denunciados por receio de piorar ainda mais sua

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péssima imagem diante da opinião pública. Um político corrupto podefacilmente enganar seus eleitores nos estados, mas dificilmente enga-nará a opinião nacional. Mesmo que mantenha influência local, suaimagem nacional fica irremediavelmente comprometida.

O PAPEL DA MÍDIA ELETRÔNICA

A criação dessa opinião pública nacional ajuda a reduzir o índi-ce de “não-coetaneidade”, na medida em que esta última é gerada pordistâncias sociais e geográficas. O fator principal na criação de umaopinião nacional é sem dúvida a mídia eletrônica, sobretudo a televi-são. É conhecida a enorme influência que a televisão exerce no país,devida em boa parte aos baixos índices educacionais. Cerca de 30% dapopulação de 15 anos ou mais são analfabetos funcionais, isto é, pes-soas com menos de quatro anos de escolaridade. No Nordeste, o anal-fabetismo funcional na mesma faixa de idade chega a 50% da popula-ção. Para essa população, o acesso à informação se dá via rádio e tele-visão. Na área urbana, mais de 90% da população possui televisão emcasa, na área rural mais de 50%. Devido ao maior atrativo das progra-mações televisivas, sobretudo das telenovelas, vistas indistintamentepor ricos e pobres, é esse o meio que exerce maior influência nacional.

Pesquisa feita em 1996 na Região Metropolitana do Rio de Janei-ro, onde os níveis educacionais altos para o padrão nacional, indicou que26% da população nunca liam jornal, ao passo que apenas 9% nuncaassistiam aos noticiários da TV (naturalmente, muitos desses 9% viamoutros programas que não os noticiários). Essa última porcentagem su-bia a 11% entre os analfabetos funcionais. Isto é, quase 90% dos analfa-betos funcionais assistiam ao noticiário, quando apenas 48% liam de vezem quando um jornal (CPDOC-FGV/ISER, p. 25-34). Pesquisa nacio-nal do IBGE no mesmo ano, indicava que 59% da população usavam atelevisão como fonte de informação política, contra 15% que preferiamo rádio e 27% os jornais (IBGE, p. 63). Fica óbvia a importância dosnoticiários da TV como fonte de informação, inclusive política.

Mas é preciso acrescentar, como dado negativo, que, no que serefere aos noticiários, há enorme predomínio de um canal de televisão,a Globo. Na pesquisa do Rio de Janeiro, acima referida, 63% dos

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entrevistados assistiam ao Jornal Nacional, produzido por esse canal.Somando outros noticiários da mesma emissora, a porcentagem subiapara 80%. Tais números conferem à Rede Globo supremacia poucosaudável na formação da opinião pública. O predomínio é ainda maisacentuado quando se leva em conta a enorme audiência conseguidapelas telenovelas produzidas por esse canal. Muitas das telenovelasincluem explicitamente temas políticos e exercem influência talvez maiordo que a dos noticiários sobre a formação da cultura política.

Outra ressalva a ser feita é que a ambigüidade do sistema semanifesta também no papel exercido pela mídia. Os canais nacionaisajudam a formar uma opinião pública nacional pautada por valoresque poderíamos chamar de modernos, como democracia, honestidade,transparência, eficiência administrativa. Essa opinião nacional moder-na vai aos poucos desmontando estilos e valores tradicionais da polí-tica oligárquica e populista. Mas sucede que essas mesmas emissorasformam suas redes nacionais associando-se a canais estaduais. Essesúltimos são quase sempre controlados por oligarquias. As concessõesde rádios e tevês pelo governo federal sempre constituíram instrumen-to clássico de clientelismo político. Com isso, os canais nacionais, atevê Globo à frente, se vêem muitas vezes em situações ambíguas,obrigados, de um lado, a fornecer informação objetiva ao público naci-onal e constrangidos, de outro, por suas conexões estaduais quando ointeresse das oligarquias estão envolvidos.

O episódio que venho comentando é ilustrativo. A Rede Globo,em seus noticiários nacionais, tinha que atender às exigências da opiniãopública nacional que exige postura isenta. Mas sua repetidora no Maranhãopertence à família da candidata suspeita de fraude. A repetidora estadualse viu obrigada a veicular o Jornal Nacional da emissora, cuja cobertura eradesfavorável a seus donos. Esse o lado positivo do papel da mídia. Mas ocompromisso político com a oligarquia levou à contenção das críticas emesmo à parcialidade nos próprios programas nacionais. A parcialidadeficou óbvia no tempo concedido no Jornal Nacional ao discurso agressivocontra o governo feito no Senado pelo pai da candidata, muito maior doque o concedido à resposta dada por aliado do governo. A mesma parcia-lidade esteve presente no jornal escrito, pertencente ao mesmo grupo. Adecisão do Superior Tribunal de Justiça validando as investigações do Mi-

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nistério Público sobre a empresa da candidata e seu marido, por exemplo,foi publicada discretamente na quinta página do jornal do grupo, quando oassunto era manchete de primeira página em outros grandes jornais.

Isto significa que o não-coetâneo, as oligarquias, não apenas convi-ve com o contemporâneo, a mídia, como se alia a ele em pactos que redu-zem o ritmo de transformação e conferem sobrevida às velhas elites.

ELITE E POVO

O tardio ingresso do povo na política e a interrupção do pro-cesso democrático entre 1964 e 1985 geraram povos políticos distin-tos. O povo das eleições vota maciçamente, por exigência legal, mastem contribuído apenas modestamente para alterar a natureza das polí-ticas governamentais. Nos níveis estadual e local, ele tem mesmo aju-dado a sustentar grupos oligárquicos e populistas. Há outro povo quetambém vota, mas que, além disso, se organiza em sindicatos e outrasmodalidades de associação. O poder de pressão desses grupos, sobre-tudo dos sindicatos, foi maior na época em que escreveu GuerreiroRamos, uma conseqüência da própria política populista e da naturezacorporativa da legislação trabalhista. A pluralidade de organização sin-dical, a redução do peso do Estado na economia, e a abertura comerci-al, têm reduzido substantivamente o poder de fogo desses grupos, àexceção do Movimento dos Sem-Terra (MST), cuja militância, até omomento, tem tido grande eficácia. Há um terceiro povo, que tambémvota, que não é organizado, mas que se manifesta politicamente emreações de rua. Trata-se da massa urbana desvinculada do mercadoformal de trabalho. É um setor que pode ser decisivo em momentos decrise mas cuja ação é episódica e vulnerável a políticas paternalistasdo Estado. A novidade em termos de ação popular é o surgimento demilhares de organizações não-governamentais, muitas das quais se têmrevelado capazes de alterar a natureza das políticas públicas no sentidode favorecer a redução da desigualdade.

Parece haver tendência na direção de crescente unificação dopovo político, possibilitada, conjuntamente, pela ação da mídia eletrô-nica, pelo avanço da educação popular, e pelo aprendizado político

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verificado graças à vigência das liberdades próprias ao sistema demo-crático. A redução drástica da ocupação rural, o crescimento modestodo setor secundário, e o grande avanço do emprego terciário não per-mitem prever uma divisão do povo político ao longo do modelo clássi-co das classes sociais, apesar da grande incidência de desigualdade eco-nômica. No máximo, seria possível falar em uma polarização entre po-bres e ricos. Mas, a haver tal polarização, ela não se cristalizou empartidos políticos. O Partido dos Trabalhadores (PT) tem boa parte deseus adeptos entre funcionários públicos e setores da população demais alta escolaridade. Muitos pobres ainda se voltam para liderançasresiduais do populismo localizadas no Partido Democrático Trabalhis-ta (PDT). Outra razão que dificulta a união dos pobres é a atração doconsumismo. O simples barateamento dos telefones celulares permi-tindo seu uso até mesmo a camelôs gera efeito simbólico extraordiná-rio no sentido de arrefecer a mobilização política dos pobres.

Por seu lado, as elites se diversificaram tendo o cuidado de evi-tar grandes conflitos internos, em outra manifestação dacontemporaneidade do não-coetâneo. Setores oligárquicos se aliaram aelites nacionais modernas, que se aliaram a grupos internacionais. Ofenômeno é típico de países sem revolução, em que setores da elite, oumesmo das classes dominantes, se sobrepõem uns aos outros, seinterpenetram, sem se eliminarem mutuamente. Ele confere às elitesuma extraordinária capacidade de sobrevivência, reforçada pela tardiaincorporação do povo.

PARA ONDE?

Uma pergunta que se coloca a essa altura é se é possível apontartendências, direção, no campo móvel e fluido de valores e comporta-mentos que procurei desenhar. Não basta diagnosticar a mistura do ve-lho e do novo, a contemporaneidade do não-coetâneo, é preciso tentarprognosticar, com todos os riscos inerentes à tarefa. Guerreiro Ramosapostava no surgimento e consolidação da política ideológica. Se nãopodemos contar com ela pelas razões indicadas, será possível perguntarem que outra direção caminhará nossa política? Imagino que sim, desdeque evitemos a perspectiva evolucionista, isto é, o estabelecimento

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apriorístico de percursos necessários. A sobrevivência de traços arcaicosnão tem impedido que a cultura e a prática da política tenham estado emconstante mutação. Há nelas elementos dinâmicos que as empurram emnovas direções. Podemos perfeitamente indagar da probabilidade da cons-trução de um sistema estável de governo que consiga conciliar liberdadepolítica e justiça social, seja qual for o nome que lhe queiramos dar.

Lendo o processo político-social brasileiro em perspectiva tal-vez excessivamente otimista, resumo a seguir os pontos positivos docenário que me parece aos poucos se delinear.

Mudanças na opinião pública

Verifica-se constante e consistente ampliação e consolidação daopinião pública nacional informada por valores de justiça social e deidentificação do bem público como distinto do interesse privado. Trata-se de um progressivo distanciamento das práticas e valores patrimonialistase clientelistas, tradicionalmente adotados tanto pela elite como pelo povo.Se permanece a visão de que cabe ao Estado cuidar do bem-estar doscidadãos, muda a percepção dos métodos a serem utilizados. O aumentoda competição pelos favores do Estado, possibilitado pela educação es-colar e cívica, vem tornando clara a necessidade de se estabeleceremregras impessoais de distribuição dos bens públicos, validando o velhodito atribuído a Rui Barbosa: ou todos nos locupletamos ou instaure-se amoralidade. Como agora são muitos ao candidatos às benesses, não há osuficiente para locupletar a todos, restando a alternativa da moralidade.Cria-se, então, a consciência da ilegitimidade dos métodos clientelistas ecresce a intolerância à corrupção. Essa modificação na opinião públicarequer, para sua consolidação, o aumento da competição no campo damídia eletrônica e uma drástica alteração nos indicadores de escolarida-de. As duas coisas se têm verificado nos últimos anos.

Mudanças no Ministério Público e no Judiciário

Pode-se com razoável segurança supor a continuação e amplia-ção da atuação agressiva do Ministério Público no sentido de levar origor das leis aos altos escalões da sociedade. A isso se deve acrescen-tar a reforma do Judiciário, até agora mais discutida do queimplementada. Mas é grande e crescente a pressão por sua efetivação.

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A reforma do Judiciário se faz necessária para a inclusão dos pobres nadistribuição dos benefícios da lei. Levar o rigor da lei aos ricos e seusbenefícios aos pobres significa, no final, a garantia dos direitos civis dapopulação com o conseqüente aumento de sua adesão ao sistema e desua capacidade cívica. Esse componente das mudanças mantém umarelação de reforço mútuo com o fortalecimento da opinião pública. Emminha hipótese otimista, as duas forças continuariam a minar as práti-cas oligárquicas e clientelísticas e a depurar o mundo político dos re-presentantes dessas práticas, conferindo aos poderes da República arepresentatividade e a credibilidade de que tanto carecem.

Mudanças nos indicadores sociais

Verifica-se retomada da tradição de ênfase nos direitos sociaisiniciada nos anos 30 por Vargas via introdução da legislação trabalhista eprevidenciária. Os setores da elite brasileira posteriores a 30 não domi-nados por concepções ortodoxas do liberalismo sempre compreenderama importância da política social como mecanismo eleitoreiro e como táti-ca de cooptação política. A grita pelo social é hoje geral. Isso não éexclusivo do Brasil, mas entre nós a tradição de estadania, de esperar doEstado a solução de todos os problemas, faz da política social um ele-mento central do êxito político. Nas condições de hoje, a atenção aosocial por parte dos governos, sobretudo do federal, se dirige sobretudoaos benefícios indiretos trazidos pela melhoria dos serviços públicos nasáreas da educação, saúde, saneamento, segurança e lazer. As estatísticastêm demonstrado a sistemática melhoria desses indicadores sociais, comreflexos positivos nos índices de mortalidade infantil e de esperança devida. Até mesmo iniciativas de conotação populista, como a constru-ção do piscinão na praia de Ramos, no Rio de Janeiro, atendem a legítimacobrança do direito ao lazer e podem afetar a visão do Estado na popu-lação de bairros periféricos. O único indicador social que tem piorado é oda segurança pública, não por acaso transformado em item prioritário dacampanha presidencial e preocupação central dos cidadãos e governosdas grandes cidades.

Mudanças na qualidade da representação

A serem verdadeiras as mudanças acima apontadas, pode-se esperar também alteração no comportamento do eleitorado. Aos

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poucos, o ato de votar, que se esvaziara de sentido durante os gover-nos militares e que antes disso exibia características clientelísticas epopulistas, adquire conotação mais próxima da representação coletivade interesses e da cobrança de eficiência e correção no comportamen-to dos eleitos. O teste definitivo dessa alteração deverá acontecer naseleições locais, mais protegidas da pressão da opinião pública nacionale mais sujeitas aos vícios das velhas práticas. Casos de impedimento deprefeitos e cassação judicial de mandatos de vereadores já têm aconte-cido e a probabilidade é que eles se multipliquem.

CONCLUSÃO: O DESAFIO DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DA DEMOCRACIA

O conteúdo positivo de todas essas mudanças pode, no entanto,ser anulado pela teimosa persistência das desigualdades sociais. Apesarde ser a undécima economia do mundo, em termos de Produto InternoBruto, o Brasil se coloca entre os países mais desiguais, entre aqueles emque é maior a distância entre ricos e pobres. Em 1998, os 50% maispobres detinham apenas 11% da renda nacional. Nos últimos 20 anos, arenda geral da população cresceu, mas a distância entre ricos e pobresnão diminuiu. Tudo muda no país, exceto a desigualdade.

A desigualdade incide mais pesadamente sobre os grupos dapopulação vitimados ao longo da história, os descendentes dos escra-vos, os trabalhadores rurais, as mulheres, os nordestinos. Ela se verifi-ca na distribuição da renda e da educação. O analfabetismo dos não-brancos é duas vezes superior ao dos brancos. Os últimos têm doisanos a mais de escolaridade do que os primeiros. Igualmente, a rendamédia dos brancos é o dobro da dos não-brancos. As mulheres conse-guiram eliminar sua desvantagem no campo educacional onde atémesmo superaram os homens. Mas os salários pagos para igual trabalhoainda é menor para elas. Segundo o Censo de 2000, o salário médio dasmulheres ainda eqüivalia naquela data a apenas 71% do salário médiodos homens. A pobreza rural se reflete nas estatísticas de educação erenda. A taxa nacional de analfabetismo em 2000 era de 12,8%, masnas áreas rurais subia para 28%. A renda média urbana era de R$ 854,00,contra R$ 327,00 da renda rural. As desigualdades regionais tambémsão dramáticas. O analfabetismo no Nordeste em 2000 era de 26%,

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mais do dobro do nacional. O analfabetismo funcional atingia 50% dapopulação nordestina. Cálculos da Organização Mundial da Saúde para1997 indicavam que havia no Brasil 54% de pobres (definidos comoaqueles que recebiam 70 dólares ou menos de renda mensal). No Nor-deste, a porcentagem subia para 80% da população.

Em outras culturas políticas, tal distância entre ricos e pobrespoderia facilmente levar ao fortalecimento de partidos ou grupos radi-cais, ou mesmo a explosões de radicalismo político. Mas entre nós pre-visões nessa direção têm fracassado sistematicamente. Lembrando umestudo de Barrington Moore, Jr, pode-se dizer que nossa cultura, à se-melhança da indiana, contém alta dose de tolerância à injustiça (MooreJr., 1978). O PT tem crescido, mas tudo indica que sua possibilidadede chegar ao poder está vinculada ao abandono de posições radicais.O MST é o movimento que mais se aproxima de movimento radicalhoje, mas padece da limitação oriunda do fato de mobilizar parcela dapopulação que perde rapidamente seu peso numérico no quadro naci-onal. Mas, mesmo na ausência de tradução política dos efeitos da desi-gualdade, permanece a pergunta de como poderá o país lidar com agrande massa de pobres e miseráveis que povoa as grandes cidades.Sintoma perturbador é a expansão do crime a níveis nunca antes verifi-cados. Graças à presença do tráfico de drogas nas comunidades, nos-sas metrópoles se tornaram inseguras, apresentando índices de homi-cídios comparáveis aos de países em guerra civil. O enfrentamentodesse problema ultrapassa em muito medidas de reforma policial e ju-diciária. Não se pode excluir de antemão a possibilidade de organiza-ção política dessas massas marginalizadas ao longo de linhas radicaisou mesmo de sua manifestação em explosões tópicas, como já aconte-ceu no passado. Mesmo que tal não se dê, a simples expansão do gover-no paralelo dos comandos do tráfico, abrangendo territórios cada vezmaiores das grandes cidades, já significa perda irreparável para as liber-dades civis e, portanto, para a qualidade da democracia.

O grande teste de nossa democracia política, e isso vale tam-bém para quase todos os outros países da América Latina, será suacapacidade de promover a democracia social, de produzir e implementarpolíticas que reduzam a desigualdade que nos separa e a violência quenos amedronta. Internamente, militam a favor de um cenário positivo

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as mudanças apontadas, sobretudo a cobrança da opinião pública, oaperfeiçoamento da representação, os investimentos na melhoria dascondições de vida. Militam contra, entre outros fatores, a dificuldadede retomar índices satisfatórios de crescimento econômico, a dívidapública, a baixa eficácia das máquinas governamentais, a resistênciadas elites em abrir mão de privilégios, a oposição das corporações poli-ciais e judiciária à reforma de suas entidades e atribuições. Externa-mente, joga a favor o apoio generalizado aos regimes democráticos.Jogam contra, entre outros, o impacto negativo da abertura comercialsobre a geração de empregos, as limitações aos investimentos sociaisdecorrentes da exigência de disciplina fiscal, a dívida externa, os ata-ques especulativos do capital financeiro internacional.

O impasse poderia ser descrito da seguinte maneira: a desigualda-de social pode ser reduzida diretamente pelo aumento do emprego ou indi-retamente por política sociais compensatórias, ou, idealmente, pelas duascoisas ao mesmo tempo; as disciplinas fiscal e monetária, exigências danova ordem internacional, freiam o crescimento econômico e reduzem osrecursos para investimento social; investimento social sem novos recur-sos implica um jogo distributivo de soma zero, isto é, o que se aloca emuma rubrica tem que ser tirado de outra; tal redistribuição para ser feita emescala significativa exige políticas públicas só possíveis na presença de for-te representação política dos pobres; uma das características de nossospobres é não serem capazes de se representar politicamente.

Nas sociedades que tiveram êxito na construção de democraciassólidas, a democratização da política ou se deu concomitantemente à dasociedade, ou esta precedeu àquela. Quando a ação política democrati-zou a sociedade, caso dos países que passaram por revoluções socialistas,ela o fez por métodos não democráticos. As mudanças apontadas acimacaminham na direção de tornar o sistema político mais sensível às neces-sidades sociais. Continuará sendo, no entanto, tarefa árdua, que desafianosso otimismo, a de reformar nossa sociedade por métodos democráti-cos, sobretudo na presença de uma herança social tão negativa como aque construímos.

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Comentários

Boris Fausto: Em primeiro lugar, me chamou muito a atenção– é uma coisa óbvia, mas que vale à pena ser ressaltada – o clima men-tal, por assim dizer, em que esses dois papers foram escritos.

Eu diria, provocadoramente, que o paper de Luís Alberto refle-te a situação social de um país que está dentro de um poço; ele sepergunta como sair desse quadro tão difícil.

O papel de José Murilo me parece bafejado por uma onda deotimismo. Eu seria das últimas pessoas a desmentir o otimismo. Mas,em todo caso, é um otimismo que, partindo dele – mente quase semprecrítica muito aguçada – chega a surpreender.

A partir dessa primeira observação “climática”, acho útil com-parar as culturas políticas brasileira e argentina, com relação a um lon-go período histórico. Há algo muito visível, no período 1890-1930, queé a diferença dos sistemas políticos. Com todos os seus problemas,com as suas deficiências, a Argentina levava uma enorme vantagemsobre o Brasil, em termos de constituição do sistema partidário, parti-cipação da população, comparecimento às eleições etc.

Não vou insistir no que era o Brasil oligárquico mas lembro, noplano institucional, a diferença com a Argentina, sobretudo a partir daLei Saenz Peña, de 1912. Lembro a riqueza da disputa partidária entreconservadores, União Cívica Radical, socialistas e por aí vai.

Ora, tenho a impressão de que devemos marcar isso, mas deve-mos salientar também uma coisa que o Luís Alberto colocou, que é umvício, digamos assim, da cultura política argentina, não obstante o avan-ço das suas instituições, formalmente liberal-democráticas. Estou mereferindo ao que ele chamou de coexistência de baixa conflitividadesocial com elevadíssima conflitividade política e cultural, durante umlongo período da história argentina.

Penso que a conflitividade política argentina vem de longe. As-sumiu aspectos dramáticos, a partir das ditaduras militares. Mas é algoque ocorre já na vigência de um sistema democrático aberto, onde nun-ca se estabeleceu um consenso básico, entre as diferentes correntes.

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Isto é, se as regras formais democráticas de alguma maneira fun-cionaram, houve ao mesmo tempo um espírito de exclusão do outro,traduzido, a partir dos anos 20, no radicalismo, no anti-radicalismo, naveneração de Hipólito Yrigoyen e na correspondente execração dessafigura política. E, depois, segue-se, começando em meados dos anos40, o peronismo e o anti-peronismo, como sombras que percorrem aHistória argentina dos anos mais recentes.

Alguém diria: “Bom, mas no Brasil nem tudo são flores”. Certa-mente, não são flores. Até porque me parece que uma das razões damenor conflitividade no Brasil reside no fato de que houve aqui umaemergência muito menor do povo, na vida social e na vida política. Háuma baixa pressão sobre as elites. E, de algum modo, as elites puderamchegar a um entendimento, maior ou menor, ao longo dos anos.

Creio que o exemplo mais nítido são os casos de Perón e Vargas.A sombra de Perón permanece, na História argentina, depois da pri-meira queda, reemergindo a figura do general em um segundo governo,a partir de 1973. Mais do que isso, em toda a História argentina dosanos mais recentes, a presença fantasmática, pode ser, mas a presença,de qualquer forma, de Perón permanece, pelo menos até o início dosanos 90, quando Meném se propõe então, como peronista, a desfazeras idéias, realizações, fracassos e mitos peronistas.

No caso brasileiro, podemos dizer que a presença varguista, apresença getulista, como se dizia no meu tempo, é muito menor.A sombra de Getúlio, em última análise, depois da ditadura militar, vaiter um último eco, com Brizola. E, hoje, Brizola é apenas um simulacrode líder populista.

Entre outros fatores, a existência de um consenso básico relativo– que pode ir água abaixo – torna o quadro político brasileiro relativa –ano do chegada ao poder do general Videla e do início do chamadoprocesso de reorganização nacional – pode ser tomado como referênciabásica de uma bifurcação de caminhos entre o Brasil e a Argentina.

Por que digo isso? Porque, a meu ver, a ditadura implantada em1976, na Argentina, teve um caráter bem mais deletério do que aditadura militar brasileira, apesar desta ter tido uma longa duração no

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tempo. Não preciso dizer que não estou fazendo o elogio da ditadurabrasileira, mas quero assinalar que, a partir de meados dos anos 70,ocorre um envolvimento total das forças armadas argentinas numa ofen-siva visando à destruição física dos adversários ou inimigos políticosdo regime, acompanhada de um gradativo processo de desmoralizaçãodas instituições do país.

No Brasil, não chegamos a tanto. As Forças Armadas, bem ou mal,preservaram certas instituições, ou se viram obrigadas a preservá-las.

Para ficar num exemplo expressivo, vejam o caso da Universi-dade. Quando se fala em repressão nas universidades brasileiras, du-rante o regime militar, não me parece que devamos identificá-la, nãoobstante seus enormes males, como uma repressão maciça. A não exis-tência de um quadro totalitário, permitiu a permanência e a formaçãode novos quadros universitários, apesar da atmosfera de medo e dasaposentadorias compulsórias dos nomes em maior evidência. Além dis-so, vale a pena lembrar que o regime militar perdeu a batalha ideológi-ca no âmbito universitário, pois as idéias democráticas e as idéias deesquerda permaneceram como idéias dominantes.

Em suma, apesar de tudo, não ocorreu um desmantelamentoinstitucional, como aconteceu na Argentina. Com a ressalva de que, nocaso argentino, os males já vinham de longe, começando, a partir doperonismo, se não estou enganado, a partidarização da vida universitária.

É evidente que as diferenças de cultura política da Argentina edo Brasil não se prendem apenas ao enfoque que, breve e algo irres-ponsavelmente, procurei sugerir. Mas creio que há um campo impor-tante por explorar, na linha da maior ou menor conflitividade sócio-política e cultural, na linha da formação ou não de um consenso bási-co, a partir da qual talvez possamos entender um pouco mais os dile-mas complicados dos dias que correm.

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CONDIÇÕES PARA UMA ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO

CONJUNTO DO BRASIL E ARGENTINA

João Paulo de Almeida Magalhães

Ao assinarem o Tratado de Assunção, o Brasil e Argentinafizeram opção por estratégia de desenvolvimento conjunto. Comisso obedeceram à tendência da conclusão de acordos de integraçãoregional, que se difunde rapidamente no mundo. O objetivo do pre-sente documento é indagar a melhor forma de traduzir em açõesconcretas a opção por política de desenvolvimento conjunto,corporificada no MERCOSUL. Para tanto, começaremos por tra-çar as linhas básicas de estratégia capaz de proporcionar a elimina-ção do atraso econômico dos dois países, passando depois a indagarde que forma esta pode ser implementada e qual o papel doMERCOSUL nesse contexto.1

O assunto será dividido em três seções: na primeira, se farárecapitulação das análises recentes que indicam as condicionantesbásicas de política eficaz de desenvolvimento; na segunda, se inda-gará as causas do pouco sucesso, nas última décadas, das políticaseconômicas implementadas nos dois países passando–se, em segui-da, a propor os meios e modos de corrigir tal situação e, na terceira,serão propostas as grandes linhas de política destinadas a transfor-mar o MERCOSUL no instrumento básico para se alcançar o obje-tivo de desenvolvimento conjunto.

1 No curso da exposição as referências e análises se basearão, algumas vezes, somente na situação

brasileira sobre a qual dispomos de mais informações. Na maioria das vezes ,contudo, as

observações e conclusões propostas valem igualmente para a Argentina. Quando se falar do

MERCOSUL as referências serão apenas a esses dois países, seja pelo seu maior peso relativo,

seja por constituírem eles o objeto principal do presente texto. Assinale –se, finalmente. Que

muitas das idéias aqui expostas já foram por nós desenvolvidas em outros textos pelo que

preferimos , em vez de onerar o trabalho com citações e referência bibliográficas, remeter o

leitor diretamente aos textos pertinentes.

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I – CONDICIONANTES PRINCIPAIS DE MODELO EFICAZ DE

DESENVOLVIMENTO

1 – A melhor forma de enfocar a questão consiste em indagarporque existem países subdesenvolvidos. A resposta parece, emprincípio, simples. Até fins do século XVIII e princípios do XIX,inexistiam países subdesenvolvidos. Estudos disponíveis mostram, defato, que a diferença, em termos de produto por habitante, entre pobrese ricos não ia além de 1 para 2. A grande disparidade atual surgiu coma chamada Revolução Industrial, em que progresso tecnológico, rápidoe contínuo, tornou possível constante aumento de capital portrabalhador, com o resultante incremento no produto por habitante.Os países que aproveitaram essas oportunidades são os hojedesenvolvidos e os que se abstiveram de fazê–lo, se viram relegados àcondição de subdesenvolvimento.

Esse fato fez com que as medidas propostas para eliminar oatraso econômico se concentrassem na perspectiva da oferta. Ou seja,o necessário e suficiente para os subdesenvolvidos seria levar poupançasa nível que permitisse seu capital por trabalhador crescer maisrapidamente que o dos desenvolvidos. Com isso, após algum tempo, seeliminaria o hiato existente entre países ricos e pobres, em termos deproduto por habitante2.

Nesse contexto, cabe observação importante. A tendência aenfocar o problema pelo lado da oferta vai se refletir amplamente nasteorias do crescimento econômico. Tanto em estudos neoclássicos,como de Solow (1956) quanto nos trabalhos mais recentes sobre ocrescimento endógeno, o mercado é simplesmente ignorado. A exceçãorepresentada pelo modelo Domar – Harrod (1957) é apenas aparente.Ele incorpora, de fato, o aspecto da demanda monetária que nada tema ver com o mercado ou demanda real3. O mesmo abandono daperspectiva do mercado acontece nas análises sobre o desenvolvimento

2 Alguns estudos brasileiros recente conferem grande importância à produtividade total dos

fatores nas políticas de desenvolvimento. Em Magalhâes ( 2000) sustentamos que tal posição

não é confirmada nem pelos fatos e nem pela literatura especializada.

3 A diferença entre demanda monetária e mercado ( ou demanda real) é explicitada em Maga-

lhães ( 1974)

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econômico, como a que conferiu a Lewis (1958) o prêmio Nobel deEconomia. Ou seja, a chamada lei de Say , segundo a qual a oferta cria suaprópria procura, era implicitamente aceita por toda literatura. A inadequaçãodesse enfoque somente vai ser reconhecida nos escritos de Rosenstein–Rodan (1961) e Nurkse (1955) que, contudo, não fizeram escola.

Análises recentes sobre o caso de sucesso dos países do Lesteda Ásia, introduziriam radical mudança nesse estado de coisas. Oprimeiro passo nesse sentido foi dado pelo relatório do Banco Mundial“East Asian Miracle”(1993). Mostrou ele que, ao contrário dogeralmente aceito, não era o aumento da poupança que determinava oincremento mais rápido do PIB, mas sim o aumento deste último queelevava as poupanças. Ou, colocando a questão em outros termos,verificou –se registrarem todos países da região elevadas taxas depoupança ( em torno de 30% do PIB) sem que fosse possível identificarpolítica uniforme capaz de determinar esse resultado.

Tal fato levou os analistas a aceitarem que, diferentementedo suposto até agora, a simples existência de mercado (ou deoportunidades de investimento) se traduzia em aumento daspoupanças4. Ou seja, a condição básica do sucesso das políticas dedesenvolvimento deixava de ser a existência de poupanças de nívelsuficiente, para se tornar a disponibilidade de mercado de dimensão edinamismo adequados.

O mercado como condicionante principal das políticas de de-senvolvimento teve, aliás, interessante confirmação no Brasil em situ-ação que segundo a CEPAL (1995) vale para toda a América Latina.Nos últimos anos ingressaram no país grandes montantes de poupançaexterna (em nível anual de 20 a 30 bilhões de dólares) sem que apercentagem de investimentos sobre o PIB registrasse qualquer elevação(mantendo–se ancorada na percentagem de 19% do PIB). A interpreta-ção desse fato, em termos do enfoque analítico aqui proposto, ésimples. Diante de estratégia de desenvolvimento que não proporcionavamercado capaz de viabilizar grandes investimentos, a entrada da poupançaexterna nada mais fez que deslocar para o consumo quantidade equiva-lente da poupança interna, sem qualquer ganho para o desenvolvimento.4 Esse aspecto é examinado com profundidade em Magalhães (2002 A)

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Em termos da gíria econômica a poupança interna foi “crowded out”pela externa

Em suma, na inexistência de mercado das dimensões requeridaspela política de desenvolvimento, não adianta elevar poupanças. Emsentido oposto, se o mercado existir nenhuma ação especial é requerida:as poupanças se formarão espontaneamente. Donde se conclui que oaspecto básico a ser considerado em estratégia conjunta de desenvolvi-mento Brasil - Argentina é a disponibilidade de mercado5.

Esse fato não deveria, aliás, ser considerado surpreendente vis-to que, em toda literatura, os modelos de desenvolvimento sempre fo-ram classificados pelo tipo de mercado em que se apoiavam. Tivemos,assim, no Brasil, o modelo primário – exportador , baseado no mercadoexterno de produtos agrícolas, o modelo de substituição de importa-ções, explorando o mercado interno de manufaturas e se tenta hojeimplementar modelo de “integração competitiva no mercado mundi-al”, cujo sucesso depende, fundamentalmente da exportação de mon-tante adequado de produtos industrializados.

A par disso, em todos os casos, o fracasso (ou abandono) dosmodelos foi determinado pela insuficiência de mercado. O primeiro,foi deixado de lado porque o mercado internacional para bens primári-os crescia lentamente sendo incompatível com a necessidade de cresci-mento acelerado dos países subdesenvolvidos. O segundo modelo es-tagnou ao se esgotar o mercado representado pelas oportunidades desubstituir importações e, finalmente, os maus resultados do atual mo-delo econômico são atribuídos à insuficiente penetração das mercado-rias brasileiras no mercado mundial.

2- Estabelecida a garantia de mercado como a condicionantebásica das políticas de desenvolvimento conjunto Brasil–Argentina, faz-se necessário indagar se o mercado a ser explorado é o interno ouexterno. Ou seja, se a preferência deve ser dada ao crescimento para

5 O fato de a disponibilidade de mercado assumir papel central nas políticas de desenvolvimento

não autoriza, todavia, ignorar o aspecto da oferta. De pouco valerá, de fato, a existência de

mercado se o país não contar com empresariado dinâmico, capacitação tecnológica , mão – de -

obra de nível adequado e instituições capazes de orientar a disponibilidade de poupanças para

aplicações prioritárias

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dentro ou para fora. A pergunta é importante porque, dispondo o Brasilde um dos dez maiores mercados internos do mundo, importantecorrente de especialistas defende a adoção de estratégia de crescimen-to para dentro. E essa tese ganha força com a integração do mercadobrasileiro com o da Argentina.

Em favor da estratégia de crescimento para dentro temos osbons resultados do modelo de substituição de importações. No casobrasileiro este proporcionou, nas três décadas seguintes à Segunda GuerraMundial incremento do PIB na média anual de 7%. Não seria possívelrepetir esses bons resultados ? Para bem responder à pergunta faz-senecessário indagar as causas do estancamento do modelo de substituiçãode importações. Nos debates ocorridos no Brasil no início dos anos 60( quando o modelo apresentou seu os primeiros problemas) a opinião,praticamente unânime, era de que se estava diante de dificuldade ligadaà insuficiência de mercado. As sugestões para contornar a dificuldadelançaram mão do pouco que se dispunha, na literatura especializada,sobre a insuficiência da demanda como obstáculo ao crescimento.Assim, com base no paradigma keynesiano se propôs grandesinvestimentos governamentais e, a partir da visão marxista6, foramsugeridas amplas medidas de distribuição de renda.

Na verdade, contudo, a interpretação correta é a baseada emRosenstein-Rodan e Nurkse. O problema era de indivisibilidade, ouda dimensão mínima imposta às atividades produtivas pela modernatecnologia. Enquanto existiram oportunidades de substituição deimportações estas, mais o crescimento vegetativo do PIB, contornavamo problema. Do momento, no entanto, que se esgotaram asoportunidades de substituir importações, o simples crescimentovegetativo do PIB se revelou insuficiente, em setores de vitalimportância, para viabilizar a criação de novas unidades produtivas.Com isso o modelo substituidor entrou em colapso.

Ou seja, diferentemente do que se supunha, não foi possívelpassar automaticamente da substituição de importações para o

6 Observe–se que a posição de Marx constitui exceção na literatura sobre o crescimento ao

considerar a insuficiência do mercado ( entendido corretamente como demanda real) importan-

te obstáculo ao crescimento, situação manifestada seja nas crises de subconsumo, seja mo

colapso final do capitalismo

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crescimento auto sustentado. Tal evolução só ocorreria se a substi-tuição de importações houvesse proporcionado PIB de dimensões taisque seu simples crescimento proporcionasse o mercado necessáriopara viabilizar a manutenção dos investimentos no nível anterior. Oque não aconteceu7.

Como, de então para cá, o PIB brasileiro cresceu em ritmorelativamente lento, a situação não se modificou. A pergunta rele-vante torna-se, então, a seguinte: não teria a integração dos merca-dos brasileiro e argentino, proporcionada pelo MERCOSUL, modi-ficado a situação? A resposta é negativa porque, se tal fosse o caso,após meia década de existência do Acordo, pelo menos os primeirossintomas da volta a crescimento acelerado deveriam se ter mani-festado.

A conclusão a que se chega, portanto, é dever programa con-junto de desenvolvimento Brasil - Argentina adotar como base o mer-cado externo. Isto é, ser do tipo crescimento para fora.

3 - Essa modalidade de crescimento é defendida tanto pela“mainstream economics” como pelas agências internacionais. Em seufavor se alega não só a experiência de sucesso dos países do Leste daÁsia, como as seguintes vantagens específicas: (a) eliminação do pro-blema da indivisibilidade decorrente da pequena dimensão do mercadointerno dos subdesenvolvidos, (b) exigência de elevados níveis de pro-dutividade para permitir o rápido aumento das exportações e suportara concorrência das importações e (c) viabilizar o apoio ao processodinâmico pela poupança externa. Este último aspecto deve serexplicitado.

O investimento estrangeiro entra no país em função da rentabi-lidade esperada e da garantia da conversibilidade, significando esta úl-tima a possibilidade de transferir os ganhos obtidos para moeda dopaís de origem do capital. Nos modelos de crescimento para fora, aconversibilidade não constitui problema pois quanto mais capitalestrangeiro entra no país, mais crescem as exportações e , portanto,mais rapidamente se elevam as disponibilidades de divisas. O modelo

7 Esse aspecto e aprofundado em Magalhães ( 1974 )

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de substituição de importações, se não aumenta, pelo menos economi-za a moeda estrangeira viabilizando, dessa forma, o serviço da dívidaexterna. O crescimento auto-sustentado, que configuraria o novo tipode crescimento para dentro, não aumenta nem economiza divisas, ge-rando o problema da conversibilidade, incompatível com apoio da pou-pança externa.

Aspecto importante a ser sublinhado é que, embora programade desenvolvimento conjunto do Brasil-Argentina deva se basear fun-damentalmente no mercado externo, o mercado interno não pode serignorado. Isso por três motivos motivos.

Em primeiro lugar porque, economicamente unificados, os doispaíses disporão de grande mercado interno e a experiência demonstraque nações com essa característica não exportam mais que 20% doPIB. Isto significa que os investimentos destinados a atender o mer-cado interno serão significativamente mais altos do que os destina-dos ao mercado externo. Isto significa que, embora as exportaçõesconstituam o setor dinâmico básico, seu impacto positivo sobre odesenvolvimento só será maximizado por programas orientados parao mercado interno.

Em segundo lugar, a experiência demonstra que uma das for-mas mais eficazes de elevar a produtividade aos níveis requeridos pelaexportação, consiste no atendimento inicial do mercado interno,viabilizado este inclusive através de medidas protecionistas.

Finalmente, o mercado externo revela - se muitas vezes ina-cessível em função de custos – país inelimináveis ou mesmo demedidas protecionistas de terceiros países. Nesse caso a única solu-ção disponível consiste em explorar o mercado interno. E essa al-ternativa encontra em grandes mercados internos, como o constitu-ído pelo Brasil e Argentina integrados, condições especialmente fa-voráveis.

II- LINHAS BÁSICAS DE POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO CONJUNTO

BRASIL – ARGENTINA

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1 - A proposta de estratégia de crescimento para fora, a seradotada pelo Brasil e Argentina, se defronta, de imediato, com im-portante indagação. Com base no Consenso de Washington e em fun-ção de pressões exercidas por organismos internacionais, esses doispaíses já vinham implementando estratégia de crescimento para fora,sem qualquer sucesso. Não seria esse fato demonstração suficiente,conforme afirmam alguns defensores do crescimento para dentro, dainconveniência desse tipo de estratégia? A ilação correta não é estamas simplesmente de que, não basta optar por crescimento com baseno mercado externo, mas faz - se indispensável que a estratégia ado-tada obedeça a determinadas características. O que não ocorreu nocaso dos dois países.

Colocando a questão sobre outro ângulo, e baseado no esquemaanalítico da seção anterior, diríamos que as políticas implementadasnos dois países, da modalidade “integração passiva” na economiamundial, não foram capazes de proporcionar–lhes mercado de dimen-sões e dinamismo adequados. Isso por três motivos básicos.

Em primeiro lugar, inspirados pelo neoliberalismo do Consen-so de Washington, os dois países abriram rápida e unilateralmente suaseconomias. A expectativa era de que as coisas se passariam da maneiraque segue. Liberadas as importações, a concorrência dos fornecedoresestrangeiros faria com que as empresas locais atingissem níveis inter-nacionais de produtividade. Feito isso, a simples procura damaximização de lucros as lançaria em agressivas políticas exportado-ras. O que de fato sucedeu foi o lento crescimento das vendas externase a explosão das importações.

Isso aconteceu porque os proponentes dessa política não levaramem conta um fato básico (a análise refere–se aqui especificamente aoBrasil) a saber: a industrialização do país representou, para as empresasestrangeiras e importadores nacionais de manufaturas um “second best”Teriam preferido continuar importando o produto acabado. Diante,todavia, da escassez de divisas e medidas protecionistas viram–seobrigados a produzir no país.

Do momento, porém, que a economia foi amplamente aberta àsimportações, era lógico e normal que evoluíssem para o first best voltando

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a trazer o produto acabado do exterior, transformando gradualmentesuas empresas locais em simples distribuidoras. Isso foi, em boas parte,o que aconteceu. Ou seja, em função do modelo adotado, o Brasil nãosomente deixou de conquistar parcela significativa do mercado externocomo perdeu para o fornecedor estrangeiro margem significativa dointerno.

A segunda causa do insucesso registrado foi a passividade doGoverno. Inspirado pela visão neoliberal, ele se absteve de qualqueresforço de apoio ao produtor local. Com isso, o país se especializou emsetores nos quais gozava de vantagens comparativas naturais, a saber,abundância de recursos naturais e mão-de-obra relativamente barata.Ou seja, o Brasil (e isso vale também para a Argentina) se especializouna exportação de “commodities” agrícolas e industriais (papel e celulose,aço, produtos petroquímicos etc). Ora esse setor, por ter mercado delento crescimento, registrar aixo valor adicionado por trabalhador e seraltamente competitivo, não se ajusta à estratégia de crescimento parafora8. Novamente por esse motivo, a política adotada esbarrou nabarreira da insuficiência de mercado.

Em terceiro e último lugar, tivemos o problema das empresasmultinacionais. Elas desempenharam papel relevante no modelo desubstituição de importações e, segundo algumas estimativas, são hojeresponsáveis por cerca de 40% do faturamento da indústria brasileiraA título de comparação pode–se lembrar que tal percentagem não vai,na Coréia do Sul, além de 11%. Outro ponto importante é que elas empre-sas controlam exatamente os setores de maior dinamismo no mercadomundial.

Essas empresas entraram no Brasil e Argentina para atender aomercado interno. Os grandes mercados mundiais ( Japão, Estados Unidose União Européia) lhes estão fechados por já serem atendidos por suasmatrizes. Tal fechamento se acha, aliás, amplamente comprovado nocaso do Brasil. As estatística mostram, de fato, serem suas exportaçõessignificativas somente para os mercados, relativamente pequenos epouco dinâmicos, do MERCOSUL e países vizinhos. Ou seja , o peso

8 Esse faro foi amplamente reconhecido tanto na literatura brasileira como internacional, con-

forme se mostra em Magalhães ( 2000)

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das filiais de multinacionais em setores de grande dinamismo no co-mércio mundial, ao limitarem os mercados à nossa disposição, consti-tuiu o terceiro fator negativo no modelo brasileiro–argentino de cresci-mento para fora.

Em suma, conforme acima se disse o fracasso da política dedesenvolvimento dos dois países decorreu fundamentalmente de nãoterem conseguido equacionar o problema do mercado.

2 – Essas três falhas apontam claramente para o que se deve fazerem modelo de desenvolvimento conjunto Brasil - Argentina. Trata-se, emúltima análise, de evoluir do modelo de “integração passiva” no mercadomundial para modelo de “integração ativa” onde o papel do Estado é im-portante. Este deve se desdobrar dentro de três linhas principais.

Em primeiro lugar, o Poder Público deve contribuir de formaimportante para a criação de vantagens comparativas em setoresdinâmicos do mercado internacional. A literatura especializada mostra,de fato, que muitos dos principais casos de sucesso nas exportaçõesse basearam em vantagens comparativas criadas, e mantidas atravésdo tempo, mediante contínuo esforço para defender a competitividadeobtida.. Em países desenvolvidos, as próprias empresas se encarregamda tarefa . Nos subdesenvolvidos a criação de vantagens comparativasdepende, porém, de ação ampla e permanente do Estado.

Complementarmente o Governo deve lançar-se em políticaindustrial cujo objetivo precípuo é aproveitar as vantagenscomparativas, criadas em setores de alto valor adicionado portrabalhador e mercado internacional dinâmico, para lançamento dopaís em agressiva política exportadora . Isso não significa, obviamente,abandonar o setor de “commodities” onde os dois países têmvantagens comparativas naturais. Elas devem ser aproveitadas nosentido de apoiar o esforço principal levado adiante nos segmentossupra referidos.

A segunda medida , a exemplo do ocorrido nos países do LesteAsiático, deve ser de condicionar a abertura às importações ao suces-so da política exportadora. Isso, não apenas evitará o agravamentodos gigantescos déficits de contas correntes dos dois países, como

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permitirá que qualquer perda de mercado interno para fornecedoresalienígenas, seja compensada por ganhos equivalentes no mercadoexterno.

A par disso, não se pode ignorar os graves problemas, não só decontas correntes como de desnacionalização e desindustrialização, re-sultantes da abertura excessivamente rápida das duas economias e dacolocação do produtor local em condições desvantajosas relativamen-te ao concorrente estrangeiro (em função de impostos em cascata, ju-ros elevadíssimos etc.). Para corrigir essas distorções programa de subs-tituição de importações deve ser previsto. O objetivo deste será, toda-via, apenas corrigir os efeitos indesejáveis da abertura da economia nascondições em que foi levada adiante. Medidas protecionistas se farãoeventualmente necessárias evitando-se, contudo, repetir o erro deviabilizar atividades de custos injustificadamente elevados9.

Será, por fim, necessário definir –se que empresas terão a seucargo o comando do processo. Mostramos acima que as multinacionaisse abstiveram da entrada nos grandes mercados mundiais, já atendidospor suas matrizes A verdade, porém, é que o Governo brasileiro (epossivelmente o argentino) não fez qualquer esforço para modificaresse tipo de comportamento. Cumpre, portanto, verificar previamenteaté que ponto as multinacionais seriam capazes de (ou se interessariampor) assumir, no novo modelo de desenvolvimento, o mesmo papel deponta do passado. A aceitação deste, constituiria, sem dúvida, a me-lhor solução dado que já dispõem da tecnologia requerida, do acessoaos grande capitais necessários, além de amplo conhecimento do mer-cado mundial.

Poder-se-ia colocá–las diante do seguinte problema: segundo es-timativas disponíveis, o Brasil (e algo semelhante deve valer igualmentepara a Argentina) a fim de voltar ao crescimento acelerado (e resolverseu problema de contas externas) deve aumentar suas exportações à taxa

9 Quaisquer medidas protecionistas encontrarão resistência da OMC. Hoje já se generaliza,

todavia, a opinião de que as regras destas, como as do FMI, se inspiram mais na conveniência dos

desenvolvidos do que nas necessidades das economias retardatárias. Deve –se, assim, esperar

abrandamento dessas regras diante da pressão dos prejudicados. . Sobre o protecionismo como

instrumento de desenvolvimento veja –se Magalhães (2001 )

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anual de 15%. Aceitariam as multinacionais assumir essa responsabilida-de? Que medidas oficiais de apoio necessitariam para tanto?

Embora provavelmente concordem (dadas determinadas van-tagens e estímulos) em aumentar os nichos que já nos proporcionamem setores dinâmicos dos mercados internacionais, dificilmente irãoalém disso. Sendo assim, o comando do processo deverá caber a em-presas de capital nacional dos dois países , isoladamente ou em “joint ventures”. E, nesse caso, Governo terá papel importante atra-vés de fundos de investimento, de apoio à pesquisa tecnológica e àformação de mão de obra de alta qualificação, de criação de infra-estrutura adequada , de reservas de mercado etc. O apoio financeiroà empresa nacional pode ser feito de diversas formas. Uma delas con-sistiria na subscrição pelo Poder Público da parcela do capital que serevelar necessária deixando, porém, o controle do empreendimentoaos sócios privados. O capital do Governo seria posteriormente es-coado no mercado ou vendido ao grupo controlador. Essa fórmulatem a vantagem de não determinar a volta atrás na privatização, dadoque as empresas ficariam sob controle de particulares.

Não se deve, contudo, rejeitar liminarmente modelos como oda EMBRAER, em que o Governo assume integralmente o empreen-dimento transferindo-o posteriormente a particulares.

Nessa política o BNDES (e sua contrapartida argentina exis-tente ou a ser criada), que é um dos dois maiores bancos de desenvol-vimento do mundo, terá importante papel a desempenhar . Sua formade operar deverá, para tanto, sofrer substanciais alterações. Caber–lhe-á, assim, financiar indiscriminadamente empresas situadas no Bra-sil, ou na Argentina. A par disso, num mundo em que as empresasbem sucedidas são “global players” deverá, sempre que necessário,apoiar investimentos fora do país de empresas de controle brasileiroe argentino. Finalmente, deverá ser autorizado a subscrever qual-quer percentagem do capital de empresas privadas.

O comando por firmas privadas nacionais do novo modelo dedesenvolvimento não exclui importante papel do capital estrangeiro.Este continuará atendendo ao mercado interno e regional, tanto emsetores de infra–estrutura como em atividades diretamente produtivas,

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além de investir no setor de “commodities” onde o problema de con-corrência com as matrizes tem menor significado.

III – MERCOSUL COMO INSTRUMENTO DE DESENVOLVIMENTO

CONJUNTO BRASIL – ARGENTINA

As dificuldades para levar o MERCOSUL a bom termo sãoconhecidas. Estas devem, porém, ser contornadas qualquer que seja oesforço necessário. Isso equivale a dizer que, mais do que opçãoeconômica, o MERCOSUL deve ser considerado decisão política.

A globalização é usualmente considerada aspecto central damoderna economia. Para que isso fosse inteiramente verdade eladeveria, contudo, tomar a forma da abertura comercial de cada paíspara todos os outros, sem exceção. Ora, o que de fato tende a predominarsão aberturas regionalmente restritas. Isto é, o fenômeno central daeconomia moderna é menos a globalização do que a regionalização.Nesse contexto, países que não se inserirem em processos de integraçãocorrem o risco de se verem marginalizados. Donde a importância doMERCOSUL, não só na abrangência atual como até, epreferencialmente, ampliado. A indagação é, portanto, até que pontoele se ajusta à estratégia de desenvolvimento conjunto acima proposta.

O Tratado de Assunção, da maneira por que foi formulado e domodo como está sendo implementado apresenta, desse ponto de vista,quatro falhas graves.

Em primeiro lugar, traduz a aceitação implícita de uma estratégiade crescimento para dentro. Ele configura o que poderíamos chamar depolítica supra nacional de mercado interno.10 Ou seja, da mesma formaque a ALALC dos anos sessenta ele facilita o desenvolvimento enquantoproporciona ao investidor mercado mais amplo, capaz de atender àexigência de tamanho mínimo das unidades produtivas e de proporcio-nar economias de escala.

10 As integrações podem ser chamadas de políticas de mercado interno porque seu objetivo é

permitir a livre circulação de mercadorias e fatores de produção dentro de dado espaço geográ-

fico. Exatamente como acontece no interior de um mesmo país.

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Quando foi lançada, a ALALC tinha como objetivo facilitar eestimular o modelo de crescimento para dentro, da modalidadesubstituição de importações, em curso na região. Ora, da forma porque se acha colocado, o MERCOSUL só pode (a exemplo da ALALC)ser entendido como tentativa de viabilizar modelo de crescimentopara dentro. Apenas que este do tipo auto sustentado.

Nesse contexto, a pergunta relevante é a seguinte: unidoscomercialmente Brasil e Argentina oferecem mercado das dimensõesnecessárias a um crescimento auto sustentado? Essa pergunta já foiantes respondida negativamente. A conclusão é, portanto, clara: postoque a integração Brasil-Argentina signifique substancial aumento nomercado interno conjunto dos dois países, ela não é suficiente paraviabilizar novo modelo de crescimento para dentro.

O segundo defeito é que o MERCOSUL se coloca, claramente,dentro da visão neoliberal. Dessa perspectiva, os resultados positivosdele esperados resultariam simplesmente da abertura comercial.Realizada esta, a simples ação das forças de mercado proporcionariao aproveitamento das novas oportunidades surgidas. Em nenhummomento se pensou, assim, em política industrial conjunta capaz depermitir inserção mais ampla do dois países no mercado internacionalou mesmo de atender melhor ao mercado interno ampliado.

O terceiro defeito, e esse de especial relevância, pode ser melhorentendido recorrendo-se à experiência da ALALC. Esta, no primeiromomento, se apresentava extremamente promissora, tendo recebidoadesão da maioria dos países da região, inclusive do longínquo México.O Tratado previa a total abertura do comércio entre os participantesno prazo de doze anos. Esta deveria ser alcançada através de doismecanismos de negociação. Em primeiro lugar, reuniões anuais. emque seriam aprovadas concessões tarifárias ou “listas nacionais”. Estaspoderiam ser retiradas se o país concedente julgasse estar sendoprejudicado algum setor de sua economia. A par disso, a cada trêsanos se achava prevista a aprovação de “listas comuns” que,contrariamente, não admitiam volta atrás. Aí vai surgir o problema.Os países da região temiam a concorrência do parque industrial, econtornar corolários negativos de medidas adotadas por um dos

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membros. Mudanças na taxa de câmbio ilustram bem esse tipo deproblema.

Colocada a inflação sob controle, o Brasil adotou taxa de câmbiopraticamente fixa, o mesmo ocorrendo com a Argentina. Quando oBrasil decidiu liberar o câmbio o real, em pouco tempo, se desvalorizouem relação ao peso em mais de 50%. Com isso, o exportador brasileiroregistrou substancial vantagem no mercado argentino, acontecendo ooposto com as exportações daquele país para o Brasil. Isso provocougrandes protestos do prejudicados, com sério risco para o Acordo .Recentemente a situação se inverteu com vantagem para o exportadorargentino e perda para o brasileiro. Ora, a repetição desse tipo de pro-blema pode comprometer o MERCOSUL com a exclusão, para todosefeitos práticos, de qualquer política de desenvolvimento conjunto, doqual constitui peça fundamental. Vejamos o que se pode fazer paracorrigir essas distorções.

2 – O MERCOSUL deverá, antes de mais nada, deixar de sersimples abertura comercial, destinada a aumentar o mercado internode seus participantes, se tornando a base de política industrial conjuntado Brasil e Argentina. O objetivo desta seria criar vantagens compa-rativas em setores do mercado mundial dinâmico e de maior valoradicionado por trabalhador, com a consequente ruptura da especiali-zação em “commodities”. Esse programa poderia ser comandado porempresas multinacionais instaladas em tais setores. A maior probabili-dade, todavia, (pelos motivos anteriormente expostos) é de ficar oprocesso a cargo de empresas nacionais, argentinas, brasileiras ou mistas.Em suma, o MERCOSUL deixaria de ser um fim em si mesmo, para setornar instrumento viabilizador de estratégia de crescimento para fora,levada adiante, conjuntamente, pelos dois países.

Outro ponto de importância básica é a adoção de medidasdestinadas a fazer com que as atividades de maior valor adicionado portrabalhador se distribuam equitativamente pelos dois países. Fórmulapossível para se chegar a esse resultado foi a proposta no Tratado deCartagena, que criou o Grupo Andino. Com o fracasso da ALALC, paísesde porte médio da região lançaram processo de integração incorporandomedidas destinadas a evitar que atividades de maior dinamismo e valor

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adicionado por trabalhador se concentrassem em um, ou alguns dosparticipantes. Da perspectiva de longo prazo, o sucesso de política dedesenvolvimento conjunto Brasil-Argentina dependerá da adoção deinstrumento desse tipo . Poder-se ia adotar sistema de reserva de mercadocom base no qual atividade designada para um país não seria permitida emoutro. Ou se optar por sistema menos agressivo aos mecanismo do mercadoconsistente em se estabelecer que os instrumentos de apoio e estímuloprevistos na política industrial conjunta só beneficiariam empresas instaladasem país para o qual o setor houvesse sido designado.

Medidas desse tipo são habitualmente criticadas por se estar aban-donando localizações ótimas que seriam as escolhidas no caso de livrefuncionamento das forças do mercado. Ora, num mundo em que acompetitividade pode resultar de vantagens comparativas criadas, proble-mas decorrentes de localizações infra-ótimas poderiam ser neutralizadosatravés da adoção de medidas apropriadas.

Finalmente, é necessário definir instrumentos destinado a neutrali-zar os efeitos negativos de medidas de política econômica adotadas porum dos participantes do MERCOSUL. Ocorrências desse tipo podem serde diferentes modalidades. Limitar-nos-emos ao caso, anteriormente refe-rido, de desvalorizações decididas unilateralmente por uma das partes. Oexemplo é importante por ter sido esse tipo de problema que criou gravescrise dentro do sistema.

A literatura sobre as relações econômicas internacionais mostraque os efeitos de uma desvalorização cambial podem ser reproduzidosatravés de subsídios às exportações e tributação das importações. Su-ponhamos que dado país julgue necessário desvalorizar de 20% a taxade câmbio para equilibrar suas contas externas. Ele pode conseguir osmesmos resultados através de subsídio dessa percentagem às exporta-ções e gravame tributário do mesmo nível sobre as importações. Nocaso de balança comercial equilibrada, o sistema é, inclusive, auto-financiável.

Quando, nas circunstância supra referidas, o real se desvalorizoude mais de 50%, os justos protestos argentinos poderiam ter sido evitadosse se autorizasse aquele país a tributar o produto importado brasileiro ea subsidiar suas exportações para o Brasil em igual percentagem. Isso

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não foi feito e, no momento presente, com desvalorização do peso osprotestos passarão a ser das empresas brasileiras

3 – A par das iniciativas acima, destinadas a tornar oMERCOSUL instrumento adequado de desenvolvimento conjunto ar-gentino-brasileiro, outras decisões importantes devem ser tomadas decomum acordo. A mais significativa delas se refere à ALCA.

Alega-se em favor desta, que nos daria livre acesso ao mercadodos Estados Unidos, o maior do mundo. Dentro do esquema analíticopor nós adotado, que coloca a disponibilidade de mercado no centro dapolítica de desenvolvimento, tal vantagem parece especialmente pro-missora. Contra esse otimismo existem, no entanto, análises que apon-tam riscos na integração econômica entre países em níveis muito dife-rentes de desenvolvimento. A disparidade máxima aceitável entre osprodutos por habitante dos participantes de acordos desse tipo seria de1 para 3. Observe-se que, na União Européia, essa diferença entrePortugal , um dos participantes economicamente mais atrasados , e aItália e Inglaterra é de 1 para 2. A mesma relação entre o conjuntoBrasil-Argentina e Estados Unidos é de cerca de 1 para 6.

O problema resulta, em última análise de que, na integraçãoentre desenvolvidos e subdesenvolvidos, os primeiros monopolizam asatividades de maior valo adicionado por trabalhador e mercado maisdinâmico. Ou seja , na prática a ALCA consolidaria a especialização doBrasil e Argentina na exportação de “commodities” o que, como vi-mos, é incompatível com modelo de crescimento capaz de proporcio-nar a eliminação do nosso atraso econômico.

A dificuldade de se perceber tal fato resulta de, na fase inicialdo processo de integração, os países economicamente mais atrasadosregistrarem ganhos importantes, ao atraírem atividades intensiva de mão-de-obra. Tal como no caso das “ maquiladoras” mexicanas. O problemaé que, a médio e longo prazos, eles se especializam nessas atividades, oque significa serem condenados a situação de permanente semi-desenvolvimento.

A rigor a implementação da ALCA deveria ser precedida de pro-grama do tipo Aliança paro Progresso que reproduziria, ao nível das

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Américas. o que se fez na Europa com o Plano Marshall. A diferençaem termos de produto per capita entre os Estados Unidos e seu vizi-nhos do Sul se reduziria rapidamente, gerando condições para proces-so de integração igualmente vantajoso para todos envolvidos .

Ao lado da ALCA ,e um pouco em consequência dela, surgiramas propostas da União Européia para a abertura do comércio com oMERCOSUL. A vantagem principal alegada no caso seria a aberturapara os participantes do grande mercado europeu de produtos agrícolas,hoje protegido por toda sorte de barreiras. Na verdade, porém, o esquemanos colocaria diante de novo tipo de “dutch disease”, em que evoluçãoà primeira vista favorável registra, a prazo mais longo, resultadosnegativos importantes11. O desaparecimento do protecionismo agrícolaeuropeu viabilizaria, de fato, o rápido aumento de nossas exportaçõesprimárias e a retomada de desenvolvimento acelerado, reforçando avisão neoliberal de abstenção do Poder Público. A par disso, a aberturada economia para as manufaturas daquela região, debilitaria nossoparque fabril. O resultado final seria que, após fase de rápido incrementodo PIB, o MERCOSUL evoluiria para situação de lento crescimento,em função do baixo dinamismo (ou da pequena elasticidade-renda dedemanda) do mercado para produtos agrícolas. Como no caso da ALCA,o resultado final seria a especialização em “commodities” com asconsequências já referidas.

Na verdade, porém, é politicamente inexequível e mesmoeconomicamente indesejável a simples recusa a considerar essaspropostas. Concentraremos nossa análise no caso da ALCA queconfigura a situação de maior risco.

Em termos econômicos poderíamos, em princípio, (a referênciaé aqui especificamente ao Brasil) obter nas negociações a imediataeliminação das atuais barreiras americanas contra produtos como oálcool, aço e suco de laranja. O importante é, assim, as negociaçõesserem conduzidas tendo em mente o interesse maior do desenvolvimentoconjunto Brasil-Argentina.

11 Bhagwati (1996) referindo –se a esse tipo de problema nos Estados Unidos mostra que a

entrada de grandes capitais japoneses valorizou o dólar com as repercussões negativas de

dificultamento das exportações e aumento das importações

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Há diversas maneiras de atender a essa condição. Uma delasconsistiria em definir previamente política industrial conjunta para osdois países, cujo objetivo final, como acima proposto, seria alcançar opleno desenvolvimento através do rápido aumento das exportações emsetores dinâmicos e de alto valor adicionado por trabalhador. Essapolítica, seria levada às negociações da ALCA fazendo-se de suaaceitação requisito básico para o MERCOSUL (ou o Brasil e Argentina)participar no processo. Resposta americana favorável eliminaria qualquerobjeção à ALCA. A provável resposta negativa confirmaria os temoresde que a aceitação desta, nos conduziria ao semi-desenvolvimento.Colocação do problema nesses termos apresenta a vantagem de elidirintermináveis, e ideologicamente viesadas, discussões dos prós e contrasde abertura na escala do continente americano.

Cumpre fazer referência final à ALCSA, processo de integraçãoabrangendo todos países da América do Sul. Em 2001, o Presidente doBrasil convocou chefes de Governo dos países da região para discutiro assunto. Todos compareceram e foi unanime a aceitação das vantagensda ALCSA. Depois disso pouco ou nada se fez, o que nos leva a examinarrapidamente as providência a serem eventualmente tomadas paradesencadear o processo.

Antes de mais nada, caberia garantir aos participantes de menorpeso econômico não pretenderem o Brasil e Argentina monopolizar asatividades mais dinâmicas e de maior valor adicionado por trabalhador.A menos que seja apresentada proposta realista e confiável nesse sentidoeles jamais aceitarão participar do processo. Pelos simples fato de que,sem ela, ser-lhes-ia mais vantajoso ingressar na ALCA.

Outro obstáculo importante para a ALCSA é a precariedade dosistema de transporte entre os potenciais participantes. Esta se traduz,na prática, em elevado custo para o deslocamento de mercadorias, custoesse que pode tornar inócuas quaisquer reduções tarifárias. A eliminaçãodessa dificuldade caberia essencialmente ao Brasil, que tem fronteiracom todos países da região, exceto Chile e Equador.

Esse tipo de problema , cujas raízes se acham nas característicasespecíficas da colonização ibérica, existiu também na AméricaPortuguesa, fato reconhecido pelos analistas ao se referirem ao

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“arquipélago brasileiro”. Esse “arquipélago” desapareceu quando suas“ilhas” foram unificadas por extensa malha rodoviária. Presentementese desenvolve importante esforço no sentido de aperfeiçoá-la ecomplementá-la através de hidrovias e ferrovias. No caso de firme opçãopela ALCSA, cumpriria ao Governo brasileiro considerar satisfatória aatual rede interna de transporte, passando a priorizar as ligações compaíses vizinhos. Nada disso se fez, ou se tentou fazer, até o momento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mostramos, nas páginas anteriores, que a estratégia dedesenvolvimento conjunto do Brasil e Argentina deve ser do tipocrescimento para fora. Mostramos, igualmente, que a modalidade decrescimento para fora, adotada em toda América Latina, não tevesucesso. 12 Em sentido oposto, esse tipo de estratégia apresentouresultados excepcionalmente favoráveis no Leste Asiático região que,em termos de recursos naturais, tamanho de mercado interno e nívelinicial de industrialização, apresentava condições bem menos favoráveisque o Brasil e Argentina. Surge, então, então a pergunta: serão oseconomistas daquela região mais competentes que os nossos, tendosido capazes de definir para seus países políticas econômicas eficazes,o que não conseguimos fazer? A explicação é outra.

Países subdesenvolvidos não criam paradigmas científicoscapazes de orientar a ação concreta. Eles os importam. Em termosespecíficos de política econômica, o que eles fazem é copiar casos desucesso, transformando-os no que se poderia chamar de seus“padrões miméticos”. Ora, os padrões miméticos normalmenteadotados são os de países bem sucedidos da mesma região, com históriacomum ou inter relacionada, cultura semelhante etc. Isto significaque o padrão mimético dos asiáticos foi o Japão e da América Latinaos Estados Unidos.

Acontece que, ao iniciar em meados do século XIX seudesenvolvimento, o Japão era país medieval. Foi, diante disso, forçadoa lançar mão de interferência sistemática do Governo na economia,

12 Cabe reconhecer a exceção representada pelo Chile.

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através da criação de empresas (posteriormente transferidas aparticulares), de esforço de atualização tecnológica e formação de mão–de-obra qualificada, de estímulo geral a atividade produtiva e assimpor diante. Ou seja, o Japão fez tudo aquilo que se revela, hoje,necessário para que país subdesenvolvido elimine seu atraso econômico.

Os Estados Unidos jamais foi subdesenvolvido, no sentido,geralmente aceito. de registrar diferença entre seu produto por habitantee o dos países ricos superior à relação 1 para 2. Já antes da suaindependência a Inglaterra nomeava inspetores, cuja tarefa era proibirmanufaturas americanas que ameaçavam concorrer com as dametrópole. Sua prosperidade de base agrícola, já em meados do séculoXIX, foi substituída por rápido surto industrial. Ou seja, o país cresceue prosperou com base exclusivamente nos mecanismos do mercado13 .Não se revelou, portanto, necessária para ele qualquer ação pública dotipo requerido pelas políticas de desenvolvimento.

Ou seja, enquanto o padrão mimético japonês valorizava asmedidas requeridas para eliminar o atraso econômico, o americanoapontava exatamente no sentido oposto. Por valorizar o padrãoamericano, e contrariamente do que ocorreu no Leste da Ásia, aceitamossem maior resistência, os ditames do Consenso de Washington. Oresultado final foi nossa semi estagnação em flagrante contraste com aprosperidade asiática.

A melhor solução para o Brasil e Argentina não é, todavia,transferir nossa preferência para o modelo japonês. A dimensão dosmercados internos dos dois países, abundância de seus recursos naturais,a forma de ocupação do seu território e mesmo seus traços culturaisdiferem de tal forma dos bem sucedido asiáticos que a cópia daexperiência seria solução pelo menos simplista.

Se em termos de ciências sociais a cópia de paradigmascientíficos gerados no Primeiro Mundo não encontra maiores objeções(a cura da aids e do câncer descoberta na Europa ou nos Estados Unidosserão eficazes igualmente no Hemisfério Sul) o mesmo não vale para a

13 A exceção foram as medidas protecionistas adotadas sempre, sem qualquer hesitação, sempre

que requeridas pelos interesses do país.

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ciências sociais. A solução correta para o Brasil e Argentina seria,portanto, de realizar esforço comum para encontrar soluções ajustadasa sua realidade deixando de importar fórmulas cujos maus resultados jánão deixam hoje qualquer dúvida. O simples reconhecimento de que(contrariamente do que afirma a mainstream economics) a disponibilidadede mercado constitui o requisito principal de qualquer estratégia bemsucedida de desenvolvimento, já constitui importante passo nessesentido.

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Bernardo Kosacoff – Adrián Ramos

El colapso del régimen económico configurado en los años no-venta profundizó la crisis y generó una desorganización de la actividadeconómica hasta en sus elementos más básicos. Tras una década deconvertibilidad, Argentina enfrenta el desafío de rediseñar prácticamentedesde la nada las reglas centrales del juego económico, en sus aspectoscambiario-monetarios, fiscales y financieros. Previo a cualquierconsideración acerca del crecimiento de largo plazo hace falta querestablezca cierta “normalidad” en el funcionamiento del sistemaeconómico. En este sentido, recuperar los atributos que dan cuenta dela existencia de una moneda (ser unidad de cuenta, medio de cambio y,como objetivo futuro, reserva de valor), reconstituir la trama de relaci-ones contractuales y relanzar un sistema financiero que pueda adminis-trar las transacciones, captar parte del ahorro local y retomar elotorgamiento de crédito aparecen como objetivos básicos.

La forma que adquiera la resolución de la actual crisis de confianzay desorganización del sistema económico depende tanto de las reformasde política fiscal, monetaria y financiera que implemente el gobierno comode la asistencia financiera internacional (no sólo en cuanto a la provisiónconcreta de recursos, sino en términos de generar expectativas sobre laviabilidad de la economía). En la actual situación es muy difícil que segenere credibilidad “internamente”. De cualquier modo, pasan a serfundamentales los resultados que se vayan observando, en particular, entérminos de la tasa de inflación, la cotización de la divisa estadounidense,la performance del nivel de actividad y la evolución de la emergenciasocial. En lo inmediato, la Argentina debe evitar caer en una situación deinestabilidad extrema (del tipo de la hiperinflación). Este desafíoconstituye una condición necesaria para que se recupere un sendero decrecimiento sostenido en los próximos años.

EL CASO ARGENTINO: LA DESORGANIZACIÓN ECONÓMICA

ACTUAL Y LA IDENTIFICACIÓN DEL SENDERO DE CRECIMIENTO

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Uno de los problemas centrales de economías como la Argenti-na, caracterizadas por una historia de considerable volatilidad económicaes la dificultad que aparece para identificar y extrapolar tendenciasindividuales o agregadas de ingreso y producto. Si se observa laevolución del producto por habitante en dólares constantes, como unindicador del poder de compra de los ingresos generados internamentey de la capacidad de gasto de los agentes económicos, se verifica queen 1980 (por cierto en un estado de sobrevaluación cambiaria) los ar-gentinos generaban un PIB similar al que hoy tienen países como España,en torno a los 15 mil dólares del año 2000. Esta situación se mostróinsostenible y un par de años despúes el producto por habitante seubicó alrededor de los 5 mil dólares. La inestabilidad de fines de losaños ochenta que culminó en los episodios hiperinflacionarios colocóel nivel en un mínimo, superando apenas los 3 mil dólares por habitan-te, un valor inferior al de muchos países latinoamericanos. Pero pocotiempo después, en los años noventa, la Argentina alcanzó y mantuvodurante casi una década un PIB con valores que oscilaban alrededor delos 8 mil dólares per cápita.

En estas circunstancias, los “parámetros fundamentales” de laeconomía no pueden considerarse fijos. Los agentes económicos tomandecisiones haciendo conjeturas acerca de la futura evolución e intentanaprender sobre cuál es el comportamiento del entorno en el que actúan.Pero a la vez, el propio accionar de estos agentes en el conjunto modi-fica la performance económica y por lo tanto, influye también sobre laspercepciones que tienen acerca del grado de certeza de sus proyeccionesy decisiones (Heymann y Sanguinetti, 1998). En este sentido, la déca-da de los años noventa aparece como un período donde estecomportamiento de revisión de expectativas trajo consecuencias deprimer orden sobre las fluctuaciones cíclicas observadas y donde lasdecisiones económicas que fueron adoptadas en base a previsiones decrecimiento de los ingresos futuros que después no se confirmaron,terminaron provocando la crisis económica.

No es imprudente sostener que la Argentina de hoy se parecemuy poco a lo que se podría haber proyectado pocos años atrás. Perotampoco lo es, que el país de los años noventa no se parecía a las

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percepciones sobre el futuro que presumiblemente se habían generadolos agentes económicos en medio de la hiperinflación. En cualquiercaso, parece quedar en evidencia que prever el futuro no es una tareasencilla en economías como la Argentina.

LA POLÍTICA ECONÓMICA EN LOS AÑOS NOVENTA Y EL PROCESO DE

REFORMAS ESTRUCTURALES

El inicio de la década de los noventa se produce en simultáneocon una etapa de cambios políticos y económicos significativos, tantoa nivel nacional como en el contexto regional e internacional. Los im-pulsos provenientes de factores externos desempeñaron un papelprotagónico, en particular, el aumento notable de la oferta de créditointernacional para los países denominados emergentes y los mayoresprecios para los productos de exportación. Sin embargo, la década secaracteriza principalmente por las reformas de política doméstica en-caradas. A lo largo de los años noventa Argentina implementó una seriede profundas reformas económicas que tuvieron como ejes laestabilización de precios, la privatización o concesión de activos públi-cos, la apertura comercial para amplios sectores de la economía local,la liberalización de buena parte de la producción de bienes y la provisiónde servicios y la renegociación de los pasivos externos (Heymann, 2000).

La política monetaria fue uno de los ámbitos objeto de grandescambios. En 1991, mediante la sanción de una ley, se estableció unesquema de convertibilidad con tipo de cambio fijo entre la monedalocal y el dólar estadounidense (a razón de 1 peso por dólar). Se reformótambién la Carta Orgánica del Banco Central para adecuarla al nuevoesquema, limitando a la entidad en el financiamiento al gobierno y enel otorgamiento de redescuentos. Asimismo, en 1992, el gobierno naci-onal alcanzó un acuerdo con los acreedores externos por el cual sereemplazaba la deuda de capital e intereses atrasados con los bancospor bonos públicos de largo plazo con garantía, en el marco del deno-minado Plan Brady.

Luego del inicio del programa económico, la tasa de inflaciónmostró una discontinuidad hacia abajo y siguió disminuyendo gradual-

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mente. Esta ruptura con el pasado inflacionario se constituyó en unelemento crucial para la evolución de las actividades económicas, dadasu importancia para la formación de precios y la demanda de activos.La ampliación del horizonte de las decisiones inducida conllevó uncambio de primer orden para la formación de capital.

La estabilización de precios estuvo acompañada por un aumen-to apreciable del volumen de crédito, denominado tanto en dólares comoen pesos convertibles. Pronto se pudo notar que el funcionamiento delmercado de crédito, y de un modo más general el conjunto de las rela-ciones contractuales, en gran medida se basaban en expectativasrespecto a la continuidad del régimen cambiario. De ese modo, estecomportamiento de los agentes económicos determinaba un aumentode los costos percibidos y efectivos de salida del régimen deconvertibilidad.

En relación a la reforma del funcionamiento y alcance del Esta-do, se sancionó una ley que declaró sujetas a privatización o concesióna un amplio conjunto de empresas y actividades del sector público.Este proceso se desarrolló con suma celeridad: en el año 1990 fuerontraspasadas al sector privado las empresas de telefonía (ENTel) y deaeronavegación (Aerolíneas Argentinas). A ellas siguieron áreas y otrosactivos petroleros (1991 y 1992), las empresas de electricidad y gas(1992), la siderúrgica estatal SOMISA (1992) y la petrolera YPF (1993),entre otras operaciones.

El comportamiento de la política fiscal a lo largo de los añosnoventa es aún debatido. Cuando se compara con la década preceden-te, la gestión fiscal presenta mejoras apreciables. Sin embargo, lasustentabilidad del régimen cambiario requería como condiciónnecesaria que la reducción del déficit no se interrumpiera al promediarla década, sino que los esfuerzos por aumentar la solvencia del sectorpúblico se reforzaran aún más. Inicialmente, los efectos sobre losingresos públicos del desempeño del producto agregado y de lasprivatizaciones dieron lugar a un aumento del gasto público queacompañaba la revaluación real de la economía. Al tiempo, seconcentraba la estructura impositiva en pocos gravámenes y se ampliabala base imponible. Posteriormente, los ingresos se vieron afectados por

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las propias reformas estructurales (en particular, la reforma del sistemade seguridad social que no motivó por parte de los agentes económicoscomportamientos “ricardianos”) y la crisis financiera originada en Mé-xico. A partir de ahí, en un contexto recesivo desde mediados de 1998,se inicia un período caracterizado por las tensiones crecientes entre lasdemandas de gasto público, la caída en la recaudación y los intentos desolucionar parte de los problemas de precios relativos a través de lagestión fiscal.

La política de comercio exterior en los años noventa tuvo en laapertura comercial y la integración regional a dos de sus pilares. Lareducción de aranceles y barreras no arancelarias a las importaciones yla eliminación de impuestos a las exportaciones modificaron los incen-tivos a la producción y a la demanda de bienes. El proceso de integraciónregional en el Mercosur se intensificó en la década y junto con la aperturacomercial condujo a un aumento notable de los flujos de comercio en-tre los países miembros. En ciertos momentos, las políticas comercialesy la actitud hacia el proceso de integración se vieron severamenteafectadas por los problemas de competitividad de los bienes transablesinternacionalmente, particularmente a partir de la devaluación brasileñaa comienzos de 1999.

El desempeño macroeconómico de inicios del decenio de losnoventa se caracterizó por un aumento notable de la demanda interna,impulsada por el crecimiento de la oferta de crédito local e internacio-nal. El origen de este comportamiento se vincula con las expectativaspositivas de ingresos futuros derivadas del cambio del régimeneconómico que impulsan aumentos en el consumo y generan nuevasoportunidades de inversión. La menor restricción financiera se verificabano sólo en la recuperación del crédito bancario, producto de unamonetización creciente, sino también en el auge del mercado decapitales donde se emitían títulos de deuda y acciones por montos sig-nificativos. El aumento de la demanda agregada fue difundido en losdistintos sectores de la economía, aún cuando hay que notar que elelevado ascenso del producto manufacturero fue inferior que el delproducto total. El escaso impacto de la expansión de la producciónsobre la ocupación, derivado de los efectos negativos de lareestructuración productiva, contribuyó a elevar el desempleo. El abrup-

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to aumento en las importaciones de bienes, sumado a exportacionesque no respondían del mismo modo, generaron saldos comerciales ne-gativos de magnitud considerable. Asimismo, los déficit en la cuentacorriente del balance de pagos comenzaban a suscitar algunas dudasrespecto a la sustentabilidad del esquema macroeconómico, aunqueeran cubiertos y en exceso por los ingresos de inversión extranjera, losreflujos de fondos de los residentes y las operaciones de crédito inter-nacional.

En este contexto, los incrementos de la tasa de interés interna-cional y la devaluación mexicana provocaron una crisis financiera en1995. Este shock derivado de la retracción en la oferta de crédito tuvoun impacto inmediato sobre el nivel de actividad y el desempleo, yafectó severamente al sistema financiero. Es probable que la rápidasuperación de la crisis, sustentada en mejoras en los preciosinternacionales, en el crecimiento de la demanda brasileña posterior allanzamiento del Plan Real y en reformas regulatorias en el sistemafinanciero, haya contribuido a reafirmar las percepciones positivas so-bre el crecimiento de los ingresos y la solidez de un esquemamacroeconómico que ahora incrementaba las exportaciones, el ahorroy el empleo.

Desde 1998, la economía argentina estuvo afectada por variosshocks negativos en forma simultánea. Los efectos de la crisis rusa so-bre el acceso al financiamiento y las tasas de interés en los países emer-gentes, la posterior devaluación y modificación del régimen cambiarioen el principal socio comercial, la abrupta caída en los precios de losproductos que exporta el país, la persistente fortaleza del dólar respectoa otras monedas del mundo y el continuo desplazamiento del sectorprivado de los mercados de financiamiento interno por parte del sectorpúblico, constituyen los ejemplos más destacados de lo ocurrido. Afines de la década, el inicio de un largo período dominado por la recesióny la deflación de precios generó tensiones crecientes y modificó lasexpectativas respecto al potencial de crecimiento de la economía y lasolvencia del sector público, provocando por último el colapso defini-tivo del régimen económico.

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ESTRATEGIAS PRODUCTIVAS Y TRANSFORMACIONES EMPRESARIALES

EN EL DECENIO DE LOS NOVENTA

Desde comienzos de la década del noventa las empresas argen-tinas se encontraron frente a un escenario en donde a lastransformaciones que se sucedían en el plano internacional, se agregabael cambio radical en las reglas de juego que enfrentaban previamenteen el mercado doméstico. En respuesta a una nueva configuración delmarco competitivo local, caracterizada por el desmantelamiento delviejo régimen regulatorio que sustentó la etapa de la industrializaciónsustitutiva de importaciones (ISI) y la puesta en marcha de un progra-ma de reformas estructurales “pro-mercado”, comenzaron a desplegarsefuertes procesos de reconversión, en los cuales se alteran tanto lasestrategias como el peso relativo de las distintas actividades y agenteseconómicos, así como las prácticas productivas, tecnológicas ycomerciales.

La dinámica microeconómica de los noventa es el resultado deestrategias puestas en práctica por los agentes económicos y fundadasen el desarrollo de capacidades adquiridas en el pasado y en los límitesimpuestos por un entorno económico en transición. En este proceso,las distintas respuestas de las firmas determinaron resultadoscontrapuestos que se pueden estilizar en dos grandes grupos deconductas empresariales. Por un lado, aparecen las denominadas“reestructuraciones ofensivas” que se caracterizan por haber alcanzadoniveles de eficiencia comparables con las mejores prácticasinternacionales y que abarcan a un grupo reducido de alrededor de 400empresas. Aunque se pueden encontrar casos en casi todo el entramadoproductivo, predominan particularmente en las actividades vinculadasa la extracción y procesamiento de recursos naturales, las ramasproductoras de insumos básicos y en parte del complejo automotriz.Por otro lado, el resto del tejido productivo, cerca de 25 mil firmas si nose consideran las microempresas, se caracterizó por llevar a cabo losdenominados “comportamientos defensivos” que a pesar de los avan-ces en términos de productividad con respecto al propio pasado estánalejados de la frontera técnica internacional y mantienen vigentes ciertosrasgos de la etapa sustitutiva, tales como una escala de producciónreducida o escasas economías de especialización (Kosacoff ed., 2000).

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Se puede afirmar que el proceso de estabilización económicaencarado en los noventa aumentó la capacidad de prever la evoluciónde las principales variables macroeconómicas de modo notable e implicóuna ventaja incomparable para la organización de las actividadesproductivas. Sin embargo, surgió un nuevo tipo de incertidumbre, quepuede denominarse estratégica, y que se corresponde con la modificacióndel entorno competitivo de las firmas y con las nuevas reglas de juegoque determinan qué van a producir las empresas y cómo lo van a hacer.Decisiones sobre inversión en activos específicos, incorporación oreemplazo de líneas de producción, calificación de recursos humanosen la firma o el sendero a seguir de aprendizaje tecnológico adquierenuna dimensión inasible y de difícil evaluación con los esquemas predo-minantes en una economía semicerrada. Estas nuevas tendencias esposible ejemplificarlas al considerar las diferentes perspectivas queconfluyen en el traspaso de firmas locales a manos de filiales de empre-sas transnacionales. Razones de índole financiera, tecnológica yorganizativa jugaron un papel destacado a la hora de tomar una decisiónde compraventa. Pero también, pasó a ser decisiva cierta incapacidadpara responder de manera adecuada al desafío de operar en contextosde economía abierta y fuerte internacionalización, donde elposicionamiento estratégico definido por la casa matriz de latransnacional fue clave para aminorar las incertidumbres.

Uno de los aspectos centrales de las transformacionesestructurales fue la reconfiguración del perfil empresario respecto delvigente durante el proceso sustitutivo. Un panorama general indicaríaque a la retirada de las empresas estatales, y cierta involución de laspequeñas y medianas empresas, se suma la reorganización de los con-glomerados económicos locales y el liderazgo y sostenido dinamismode las empresas transnacionales.

Dentro del universo de empresas productivas hay que destacaren primer lugar el comportamiento de las empresas transnacionales,cuyas estrategias principales están asociadas a los flujos de inversiónextranjera directa que ingresaron durante los años noventa. Hacia finesdel decenio de los ochenta comenzó una recuperación en los flujos deIED que alcanzó niveles notables y crecientes en la década siguiente.Según estimaciones oficiales entre 1990 y 2000 ingresaron 78 mil

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millones de dólares de IED, por lo cual el acervo de capital extranjerocreció a tasas anuales superiores a 20% y superó los 80 mil millones enel año 2000 (Kulfas, Porta y Ramos, 2002).

La inversión extranjera lideró el proceso de reconversiónproductiva de los noventa en especial en aquellos aspectosmodernizadores del proceso y se destaca la elevada correlación entrelos sectores más dinámicos de la producción local y el aumento de laparticipación del capital extranjero en dichos sectores. Aún en el marcode estrategias destinadas en buena medida al aprovechamiento del mer-cado doméstico o subregional, las filiales realizaron inversionestendientes a utilizar más eficientemente sus recursos físicos y humanosy, mucho más selectivamente, a integrarse de un modo más activo en laestructura internacional de la corporación.

Es posible identificar dos etapas en el comportamiento de losflujos de IED hacia la Argentina. Entre 1990 y 1993, más de la mitadde los ingresos de inversión extranjera corresponden a operaciones deprivatización y concesión de activos públicos. Con posterioridad, lasfusiones y adquisiciones de empresas privadas adquiere el rol centralen el crecimiento de las inversiones extranjeras en el país. En suma, adiferencia de períodos anteriores, la mayor parte de los fondos de IED(al menos el 56% de los flujos totales entre 1992 y 2000) se destinarona la compra de activos existentes, tanto estatales como privados.

El proceso de fusiones y adquisiciones de empresas en Argenti-na acumula entre 1990 y 1999 un monto de más de 55 mil millones dedólares, de los cuales el 88% corresponde a desembolsos de empresasde capital extranjero. La ventaja decisiva de las filiales de transnacionalessobre las empresas locales residió en el control de los aspectostecnológicos, en las habilidades ya acumuladas para operar en economíasabiertas y en la capacidad de financiar la reconversión. Sin embargo, elaporte de las firmas de capital extranjero a la generación deencadenamientos productivos, a la difusión de externalidades y a unainserción activa en redes dinámicas de comercio internacional siguiósiendo débil.

Una tercera parte de los flujos de IED hacia la Argentina entre1992 y 2000 se concentran en el sector petrolero y un 23% tiene como

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destino a la industria manufacturera (donde se destacan las actividadesproductoras de alimentos, el sector químico y el complejo automotriz).Los servicios públicos privatizados o concesionados (electricidad, gas,agua, transporte y comunicaciones) alcanzan el 21% del total y el sectorfinanciero el 11% de los flujos de IED del período.

El hecho más destacado en cuanto al origen geográfico de laIED es el notable aumento de la inversión de empresas españolas porel cual España es el principal inversor extranjero durante los noventaen Argentina. El conocimiento de aspectos culturales, linguísticos, odel sistema legal y administrativo son los fundamentos de inversionesque comprenden casi el 40% del total de los flujos de IED del período1992-2000 y el 28% del stock de IED en el último año (sólo superadopor Estados Unidos). Otros países con inversiones destacadas son losEstados Unidos (con el 25% de participación en la década), Francia,Chile, Italia, Países Bajos, Alemania y Reino Unido.

Los años noventa marcaron un cambio de rumbo en la dinámicade los conglomerados económicos locales en Argentina. Las nuevascondiciones económicas abrieron múltiples oportunidades de negociosen un clima de estabilidad y crecimiento, pero al mismo tiempo losenfrentaron a la contestabilidad de la competencia internacional. Porun lado, su articulación previa con el Estado les permitió, asociados ainversores y bancos extranjeros, un ventajoso posicionamiento en lasprivatizaciones y concesiones de activos públicos. Tiempo despuésmuchos de estos conglomerados locales vendieron sus participacionesaccionarias a los inversores extranjeros. Por otro lado, la apertura ydesregulación económica a la vez que significó el acceso a los merca-dos financieros internacionales debilitó significativamente las bases paraacumular exclusivamente y con cierto poder monopólico en el merca-do local. Las condiciones de liquidez internacional facilitaron elendeudamiento para adquirir compañías estatales y diversificar suinversiones, incluyendo inversiones localizadas en el exterior.

A diferencia de etapas anteriores en la historia económica ar-gentina, la conducta de los conglomerados locales en los años noventaes altamente heterogénea y cambiante. El tipo de producción, el gradode diversificación inicial, el tamaño relativo respecto a los competidores

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internacionales, la conducta de la demanda, la etapa de cambiogeneracional por la que transita el grupo económico incidirán de mododeterminante para conformar distintos senderos de ajuste. Sin embar-go, las estrategias que siguieron poseen algunos rasgos comunes: unatendencia a la especialización en un conjunto más reducido deactividades respecto al pasado, una expansión hacia terceros mercadosmediante la inversión directa y la concentración de las actividadesproductivas en sectores con mayores ventajas naturales o menortransabilidad y escasa presencia en los sectores más dinámicos interna-cionalmente basados en el conocimiento y la innovación tecnológica.

Como fuera señalado anteriormente, surge como un elementodistintivo del posicionamiento estratégico de los conglomerados larealización de inversiones directas en el exterior, con una intensidad yuna modalidad muy distinta que la verificada en la etapa de la ISI. Lamayor parte de las inversiones en el exterior se destina a otros paíseslatinoamericanos, aún cuando existen casos de inversiones directas enEstados Unidos, Europa o el Este Asiático. Los conglomeradoseconómicos locales conducen este proceso basados en capacidades demanagement, conocimiento y manejo de tecnologías maduras, acceso arecursos financieros o la capacidad de operar en entornos culturalessimilares o el conocimiento de condiciones específicas de ciertos mer-cados próximos. Algunos grupos nacionales buscan mediante este tipode estrategia alcanzar el liderazgo mundial o regional en segmentos demercado específicos. Para otro grupo de empresas, lainternacionalización a través de la inversión directa es indispensablepara la propia supervivencia y expansión en el nuevo contextoeconómico (Kosacoff, 1999).

Existe un cierto consenso en que los rasgos predominantes delas PyMEs argentinas durante la ISI eran la centralización de la gestiónen la figura del dueño, la inserción externa poco significativa, elpredominio de estrategias defensivas, el amplio mix de producción, laescasa especialización productiva, la reducida cooperación con otrasfirmas, la escasa relevancia de las actividades de innovación y elreducido nivel de inversión. Estas características, que en gran medidapersistieron en el transcurso de los años noventa, condicionaron lasrespuestas que pudieron implementar frente a las reformas estructurales.

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Se pueden identificar tres grupos de PyMEs con característicasy demandas específicas propias: i) un grupo minoritario de firmas deelevado posicionamiento competitivo (5% del total) que exhibía ras-gos de excelencia productiva y comercial y con perspectivas favorablespara adaptarse a las nuevas reglas del juego; ii) un grupo numeroso dePyMEs (30% del total) con un reducido posicionamiento competitivoy escasas posibilidades de sobrevivir en el escenario de los años noven-ta y iii) la mayor parte de las PyMEs, de “conductas estratégicas defen-sivas” que enfrentaban un desafío refundacional.

En este contexto, la dificultad de definir una estrategiaproductiva adecuada durante el proceso de transformación económicaabarcó al conjunto de PyMEs, independientemente de su especializaciónproductiva. El nuevo “ambiente económico” aumentó la incertidumbrede las firmas y la cantidad y calidad de la información que debíanprocesar. La preocupación por la situación y perspectivas de las PyMEsse expresó en la proliferación de distintas iniciativas gubernamentales -en las áreas de financiamiento, asistencia técnica, información, etc.-(las cuales, en general, han tenido, por distintas razones, grandesdificultades para cumplir sus objetivos), en la actuación y propuestasde las distintas cámaras empresarias, así como en los reclamos que,desde el ámbito social y político, apuntaban a la protección y promociónde las PyMEs.

La creciente tendencia a la adopción de tecnologías de productode origen externo con niveles cercanos a las mejores prácticasinternacionales fue en desmedro de la generación de esfuerzosadaptativos locales. Esto implicaba una brecha menor en términos detecnologías de producto, pero una pérdida significativa en la adquisiciónde capacidades domésticas mediante actividades de investigación ydesarrollo. Sin embargo, la fuerte incorporación de máquinas y equiposimportados necesariamente estuvo acompañada de cambiosorganizacionales y de mayores inversiones en capacitación. Asimismo,la tendencia hacia la desverticalización de la producción se afianzófundamentalmente a través de la incorporación de partes y piezas im-portadas, reduciendo la probabilidad de conformar redes de producciónbasadas en la subcontratación local.

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En resumen, los principales elementos que caracterizan aldesempeño de la microeconomía en los años noventa son la disminucióndel número de establecimientos productivos, el aumento del grado deapertura comercial (con énfasis por el lado de las importaciones), unproceso de inversiones basado la adquisición de equipos importados,el aumento de la concentración y la extranjerización de la economía yla caída abrupta del coeficiente de valor agregado. Asimismo, hubo unamayor adopción de tecnologías de producto de nivel de “fronteratecnológica” y de origen externo, un abandono de la mayor parte de losesfuerzos tecnológicos locales en la generación de nuevos productos yprocesos, una desverticalización de las actividades basada en lasustitución de valor agregado local por abastecimiento externo, unareducción en el mix de producción junto con una mayorcomplementación con la oferta externa, una creciente externalizaciónde actividades del sector servicios, una mayor internacionalización delas firmas y la importancia de los acuerdos regionales de comercio enlas estrategias empresariales. Pero quizás el rasgo más saliente de laconformación productiva en los años noventa sea la hetoregeneidad.Es indudable que no todos los agentes económicos elaboraron de igualmanera el desafío que presentaba el paso del “taller a la empresa”:nuevas estrategias productivas en donde la producción local, se combinócon la importación de insumos y de bienes finales, con el fin deaprovechar las nuevas reglas del juego económico.

En los últimos años el retorno a la extrema volatilidad del en-torno condujo a que las decisiones de producción e inversión se vierangravemente afectadas y a dudas crecientes respecto a la solvencia deun grupo numeroso de empresas. Los problemas actuales de la economíaargentina aún generan notables perturbaciones financieras y comerciales.Las consecuencias negativas en el plano empresarial todavía se estándesplegando y aún no surge con claridad cúales serán las respuestasdominantes de los agentes económicos ante el regreso de una elevadaincertidumbre macroeconómica.

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PATRÓN DE ESPECIALIZACIÓN Y CRECIMIENTO ECONÓMICO DE LARGO

PLAZO

La riqueza económica de un país, como la de cualquier empresa oindividuo, surge de los ingresos que generan y generarán en el futuro losactivos con los que cuenta. En el caso particular de un país, la cantidad ycalidad de los recursos humanos que posee, el acervo de maquinarias yequipos de producción, los recursos naturales que se encuentran en elterritorio que lo contiene, la infraestructura física que desarrolló en elpasado constituyen los principales activos a considerar. Pero aquello quees significativo para el bienestar de la población no es sólo el nivel actualde producción sino particularmente su capacidad de aumento en el tiempo.

Debido a la incorporación de nuevos desarrollos conceptuales yde un herramental econométrico y de procesamiento de datos que noestaba disponible en épocas anteriores, la teoría económica nos enseñaque el crecimiento de largo plazo se explica en gran medida por lacapacidad que tienen las economías para la generación e incorporaciónde conocimientos y tecnologías, por la educación y el entrenamiento dela mano de obra, por los cambios en la organización de la producción ypor la calidad institucional. Pero también nos enseña que para que lospaíses puedan aplicar de modo efectivo las nuevas tecnologías y cierrenlas brechas de productividad que los separan de las naciones avanzadasdeben realizar esfuerzos endógenos de desarrollo de capacidades localesy de fortalecimiento institucional.

Una parte significativa de la competitividad de la producción sebasa en las formas de articulación entre las diversas etapas de produccióny comercialización: desde el insumo básico hasta el consumidor final.Para ello, es preciso generar y fortalecer las redes productivas medianteel estímulo al desarrollo de eslabonamientos de proveedores y de cadenasde comercialización, la coordinación de inversiones en activoscomplementarios en la trama y promoviendo la incorporación de mejorasde calidad a través de la interacción entre firmas, una información com-partida y la identificación conjunta de mejoras productivas. El impulso ala conformación de estas redes productivas tiende a romper con los fal-sos dilemas de la empresa grande vs. la pyme y del sector agropecuariovs. la industria vs. los servicios.

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Argentina es un país que posee una dotación relativa de activosabundante en recursos naturales. Estos recursos además tuvieron unavance notable en los últimos años, no sólo en los agropecuarios, sinoen los energéticos, forestales, mineros, pesqueros. Abundantes recur-sos naturales aumentan el nivel de la riqueza de un país y favorecen lascapacidades potenciales de crecimiento económico, pero no garantizanel crecimiento sostenido. La “Argentina pastoril” es un mito del sigloXIX que hoy no tiene sustento. Las políticas de subsidios al sectoragroindustrial en los países centrales y los problemas vinculados a lavolatilidad de los precios de exportación de las commodities son sóloalgunos ejemplos de los problemas a los que debe hacer frente un paíscomo la Argentina. De cualquier modo, el desafío de aumentar la calidaddel patrón de especialización productivo incorpora el mejoraprovechamiento de los recursos naturales.

El actual patrón exportador argentino refleja el grado decompetencia que se alcanzó en las producciones basadas en los recur-sos naturales (agrícolas, energéticos, forestales y mineros) y en laproducción de insumos básicos (aluminio, petroquímica y siderurgia).Pero, a su vez, nos ilustra sobre el potencial aún no desarrollado paraavanzar con estos productos. La posibilidad de utilizar los recursosnaturales y los insumos básicos en cadenas productivas con mayor va-lor agregado, transitando al mundo de los productos diferenciados esuna alternativa que permitiría superar algunas dificultades. Este avan-ce solo se puede generar a partir de una fuerte articulación entre la baseprimaria y los servicios técnicos de apoyo a la producción,comercialización, distribución, logística, transporte e industria (insumosy producción de maquinaria).

La industria manufacturera posee potencial para el desarrollode algunos sectores de bienes de consumo intensivos en el uso de diseño.Sustentados en una trama productiva de proveedores y subcontratistastal sería el caso de las confecciones, zapatos, muebles, artefactos deiluminación, industria gráfica. Sería factible el crecimiento deactividades caracterizadas por series cortas de producción, enmetalmecánica y química fina. La reestructuración del complejoautomotriz tiene un lugar central en el rediseño productivo. Lasactividades turísticas aparecen con una gran oportunidad para su

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expansión, así como la producción de software y servicios informáticos.En cualquier caso, este camino requiere de un uso intensivo de lacalificación de los recursos humanos y del fortalecimiento del sistemainnovativo nacional.

La tarea de construir el mercado, a partir de igualar las oportu-nidades, mejorar las capacidades, desarrollar las instituciones y replantearel papel de la “empresa” en el sistema económico, permitiría crear unnuevo entorno para fortalecer el progreso económico. En este sentido,las políticas productivas en el nuevo siglo parecen tener tres ejes claveque las ordenan: fortalecer las capacidades de la economía, mediante elfomento del entrepreneurship y la innovación, la inversión en educación,y el mejor funcionamiento de los mercados de capital; estimular lacooperación intra y entre firmas e instituciones, en términos sectoriales,regionales y locales; y por último, fomentar la competencia, a través dela apertura de mercados y la transparencia.

Las políticas públicas, con instrumentos distintos a los empleadosen el pasado, debieran actuar como catalizadoras de los procesos detransformación, respetando algunos requisitos básicos sin los cualespierden efectividad. El primero de ellos es que estén insertas en unaestrategia económica de irrupción en el mercado mundial; en segundolugar, que se garantice la continuidad en el tiempo de las políticas; entercer lugar, que exista coordinación y consistencia con el resto de laspolíticas públicas; y en cuarto lugar, la creación de instancias institucionalesdel estado y de la sociedad civil con contrapesos para la ejecución de laspolíticas de modo que reduzcan el riesgo de captura rentística.

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Sérgio Besserman Vianna: Obrigado, Mônica. Sinto pela fal-ta de protocolo, mas, dessa forma, podemos aproveitar melhor o tem-po, dada a minha limitação. Agradeço muito ao Instituto, ao MinistroCardim pela oportunidade de estar numa sessão em companhia de FelipeBalze, do Professor Kosacoff e da Mônica Baer.

Para mim, esta é uma oportunidade de poder tirar um pouco ochapéu de Presidente do IBGE. Presidentes de institutos de estatísti-cas oficiais no Brasil, na Argentina, em qualquer lugar do mundo, nãofazem projeções. Nessa função, me escudei nessa característica do pos-to. Mas, já estava com vontade de falar um pouco para a frente e essa éuma oportunidade muito boa.

Vou procurar ater meu comentário ao excelente texto do Pro-fessor, à sua brilhante exposição. Acho que tivemos uma descrição muitoacurada, tanto dos principais processos macroeconômicos como dosprincipais processos microeconômicos, na Argentina. Vou procurar fa-zer um comentário com uma linha mais permanente, ao invés de ob-servações pontuais. Trata-se da relação entre a estabilidademacroeconômica e a instabilidade nas expectativas dos atores econô-micos e sociais. Talvez até mais do que uma grande instabilidade, trata-se de uma variância enorme nas expectativas, entre outras razões, por-que não reagem sincronicamente às mudanças de conjuntura

A incerteza muito alta, como foi antes acentuado é o principalfator de busca de flexibilidade e, portanto, de liquidez. No final dotexto do Professor Kosacoff, nós temos observações muito significati-vas, sobre esse aspecto, numa conclusão bastante sintética, mas forte,onde quatro temas são levantados. O primeiro, a necessidade de defi-nir um caminho para inserção na economia mundial. Desde o esgota-mento do modelo baseado na substituição de importações, em meadosda década de 70, o grande tema das economias latino-americanas temsido definir, escolher, trabalhar por um tipo de inserção. Isso é umaescolha, isso é uma visão de futuro. Uma visão de futuro que exige umavisão da própria sociedade e uma visão do que se passa no mundo.

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O outro tema é continuidade das políticas. O terceiro, a coorde-nação e consistência das políticas públicas e o quarto, a institucionalidade.

O Professor, na sua fala final, desenvolveu um pouco o tema depor que a Argentina entrou na conversibilidade. E mencionou, o queme parece correto, que, na verdade, essa escolha decorre menos deuma inevitabilidade nas opções de política econômica (mesmo numcontexto de processo hiperinflacionário, a experiência histórica dospaíses que venceram uma hiperinflação sugere que a âncora cambial éo principal mecanismo, o mais utilizado, mas não, necessariamente, oúnico), e, mais, a busca de uma espécie de contrato social sem contra-to. Um contrato social imposto por uma espécie de disciplina externa.

Estou de acordo e acho que vale a pena comentar o debateocorrido após o início da segunda fase de conversibilidade, pós-95,pós crise mexicana. Eu não consigo descrever – nem vou procurar ten-tar – o tamanho do meu espanto com a natureza do debate pós-crisemexicana na sociedade argentina.

É claro que é correta a observação do Professor, de que a con-versibilidade parecia bem sucedida e capaz de enfrentar esses desafios,porque ela teve êxitos de curto prazo. Mas isso me parece pouco, por-que no pós-95 o mundo entra numa trajetória de choques externos,evidentemente relacionados entre si; no pós-95, pouco a pouco, o regi-me de conversibilidade cambial vai se tornando, como finalmente aca-ba se tornando, singular, ou seja, num determinado momento restrito àArgentina e a Hong Kong.

A aderência ao modelo pode explicar porque não se abriu, nasociedade argentina, ainda que houvesse vozes, mas muito poucas epouco contundentes, um debate sobre a conversibilidade, ainda no de-correr do seu êxito. Mas, não explica porque não se abriu o debatesobre as exigências, do ponto de vista da política fiscal e da expansãodo crédito, como o texto nos mostra.

Andaram na direção oposta aos requisitos necessários para amanutenção da conversibilidade. No mínimo, esse debate: “Ok, nósdecidimos manter a conversibilidade. O mundo abandona a conversi-bilidade. Os países, não muitos, que a adotavam a abandonaram. Mas

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nós decidimos mantê-la e, para isso, temos a seguinte agenda”. Mas é aausência de debate, que considero um fato merecedor da mais profun-da análise.

Não consigo deixar de pensar num grande escritor argentino enum outro grande dramaturgo brasileiro. Primeiro, penso em Borges,quando ele indagava se nós vivemos a vida ou a sonhamos. E, depois,penso em Nelson Rodrigues, que lembrava que “toda unanimidade éburra”. É impossível não ser.

O mais incrível é que a conversibilidade é uma opção estratégi-ca. E uma opção estratégica exige uma análise do que está ocorrendono exterior. Ela exige uma análise do comportamento dos que compe-tem, dos que cooperam e assim por diante. A necessidade dessa análiseé óbvia na América Latina.

Trabalhei um pouco em História econômica, na década de 50no Brasil, e me detive na mudança da política do Presidente Trumann,com seu famoso ponto 4 e sua abertura para o desenvolvimento naAmérica Latina, a partir da qual surge todo um conjunto de expectati-vas e de atos de política e de condução econômica em vários países daAmérica Latina, inclusive e principalmente no Brasil com a fundaçãodo BNDES, instalação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e assimpor diante. Mais a frente há uma solução de continuidade, porque oPresidente deixa de ser Trumann passa a ser Eisenhower, que mudacompletamente a política que havia definido grande parte dos nossosatos.

Bom, a Argentina chegou à conversibilidade, e sai Clinton, en-tra Bush. A eleição americana estava marcada há muito tempo, ela ti-nha uma data. Eu torcia muito para o Gore ganhar. Aparentemente,ganhou, mas não se tornou o Presidente. Mas não se pode fazer umaopção estratégica, não se pode construir toda uma ação de políticapública e, muito mais do que isso, de comportamento dos atores combase numa determinada visão de futuro, que é o que em estratégia querdizer, sem considerar essas possibilidades.

Há um ditado – os ditados populares, são pouco úteis porquesempre tem um ditado popular para dizer “A” e tem um ditado popular

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para dizer o oposto de “A”. E, às vezes, eles são mal redigidos. Mas euvou usar um, que diz assim: “O pior cego é aquele que não quer ver”.Não é isso, todo cego quer ver. Mas, há uma verdade profunda, aqui. Apior cegueira, (e é isso que as pessoas entendem, desse ditado) é aquelaque recai sobre o objeto que a gente não quer ver, ou que a gente nãoquer aceitar. Isso é válido para cada um de nós, como indivíduos. Oque que é mais difícil para a gente ver? Precisamente aquele aspectodas neuroses que cada um de nós tem, obrigatoriamente. É o óbvio, é oevidente e é o que mais aparece na nossa vida todo o tempo, mas éaquilo para o qual nós, para enxergarmos, temos que nos esforçar muito.

Isso é válido para o indivíduo, e é válido também para as Nações.É válido para os Estados Unidos da América do Norte, hoje. Talvez apior cegueira dos Estados Unidos é não quererem enxergar como o exer-cício da hegemonia mudou. Na medida em que não há mais um oponen-te do porte da União Soviética, as ponderações na fórmula gramscianade coerção mais consenso, para o exercício da hegemonia, obrigatoria-mente tem que se alterar. É preciso mais consenso e menos coerção.

Eu sou judeu. Estou profundamente comovido com os aconteci-mentos atuais no Oriente Médio. Sou partidário do movimento “PazAgora”. Não consigo deixar de pensar numa frase de um grande escritorisraelense Amos Oz, na Folha de São Paulo, há dois anos atrás, que dizia:“Quanto tempo nós vamos levar, e os nossos vizinhos vão levar, paraentender o que nós, sociedade israelense, realmente somos: um bando derefugiados, traumatizados e sobreviventes”. Se isso não se torna cons-ciente, somos capazes de cometer atos da mais profunda miopiaestratégica.

No Brasil, há, também, uma cegueira. Eu tive há pouco a opor-tunidade de conversar com um dos meus amigos economistas argenti-nos. Ouvi, com profundo espanto, de um excelente economista, a se-guinte observação: “Nós precisamos do Brasil. Nós precisamos do Brasil,não por essas razões que nós estamos discutindo aqui. Mas nós preci-samos do Brasil porque nós precisamos da disciplina de vocês. Vocêssão a Alemanha da América do Sul”. Bom, eu sei, pelo amor de Deus,que nós somos, no Brasil, muitas coisas, mas disciplina germânica,definitivamente, não é um traço nosso.

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Mas o que que é que, na cabeça de uma pessoa muito inteligente,pareceu ser disciplina germânica? Eu acho que é o seguinte: a nossa neu-rose, a nossa cegueira, a cegueira da sociedade brasileira, ela está sendovencida devagarinho, aos pouquinhos. Eu estou falando da desigualdadesocial e dos vários tipos de populismo que dela se aproveitam.

Não desejo tratar do fato e sim da aceitação de sua realidade. Apalavra “desigualdade” estava fora do debate brasileiro, há poucos anosatrás. Nós somos uma sociedade em que 1% se apropria de uma fatiada renda equivalente à dos 50% mais pobres. Costuma-se dizer que oBrasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo, e é verdade.

Há uma farsa embutida nessa colocação, porque não se notaque existe uma outra sociedade muito mais desigual que o Brasil: asociedade do mundo. Se vivemos numa época globalizada, temos quepensar em termos globais. O mundo é muito mais desigual do que oBrasil. E o mundo é desigual pelas mesmas razões que o Brasil é, por-que o mundo gera riqueza, mas quem se apropria é uma parcela pequena.

A nossa desigualdade é um fato ao qual fomos cegos no passa-do, utilizando um instrumento excelente para o exercício da miopia,que é o crescimento econômico. Então, se nós crescemos, vivemosembalados por “brasileiro, profissão esperança”, “Brasil, o país do fu-turo”, e assim por diante. A desigualdade era uma questão que o pró-prio crescimento nublava tanto do ponto de vista do cidadão comum epobre como do ponto de vista das elites. Um crescimento de 7% aoano, como tivemos de 30 a 80, igualado apenas, talvez, pelo Japão,escondia a realidade da desigualdade.

Depois, a catarata que levava à cegueira, passou a ser, de umlado, a falta de democracia, a ditadura e, de outro lado, a falta de esta-bilidade econômica. Com um processo hiperinflacionário, quando nin-guém enxerga nem uma semana à frente, quanto mais um mês, não hácomo pensar em redistribuição de ativos.

Hoje, estamos assumindo esse drama histórico. E assumindocom o corolário inevitável, que ele não é superável por magia. É umarealidade que nós estamos, junto já com 14 anos de democracia,assumindo.

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O Ministro Malan disse, há pouco tempo, uma frase e o Presi-dente Fernando Henrique repetiu: “O problema do Brasil não é o futu-ro, é o passado”. A frase é absolutamente verdadeira, mas ela mereceuma seqüência com a qual, tenho certeza, o Ministro Malan e o Presi-dente concordariam, que é, como diz Goethe, em “Fausto”: “Se queresa herança do teu pai, compre-a”. A herança não vem de graça, tem quecomprar a herança, assumi-la.

Nós precisamos “comprar” o nosso passado. Nós estamos fa-zendo isso, comprar o nosso passado é comprar a desigualdade.

Disso resultou, mesmo numa sociedade cujo estoque é muito piordo que o da sociedade argentina, em termos de indicadores sociais, apossibilidade de um contrato, que se reflete na Lei de ResponsabilidadeFiscal, na institucionalidade com que certos comportamentos são rejei-tados... enfim, em maiores dificuldades para o populismo prosperar.

Então, a minha pergunta é: qual a cegueira, qual a neurose daArgentina? Ninguém se sinta ofendido com isso, todos os países têmuma neurose, todos os países têm uma cegueira de algo que eles nãoquerem ver. O nosso caso, muito mais dramático que o argentino, é adesigualdade social brutal.

Mas, o que os argentinos, e a Argentina, tem que ver e não queremver, para superar seus desafios? Eu não tenho resposta. E é bom que nãotenha, um psicanalista francês disse que “La mailheur de la question c’estla response”. É muito melhor a pergunta do que a resposta.

Mas, eu vou me atrever a fazer sugestões. Eu sou judeu, então,posso responder a uma pergunta com três perguntas. Será que é o fatode que a Argentina é América Latina e são fantasias os sonhos de serItália, de ser Espanha... O Uruguai já quis ser a Suíça da América Lati-na. Será que por detrás da projeção dos indicadores macroeconômicos,não se esconde essa ilusão?

Será que é o fato de que em termos relativos, pelo menos, oempobrecimento argentino da segunda metade do Século era, no meumodo de ver, uma inexorabilidade histórica?

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E é muito difícil aceitar o empobrecimento, seja por empresas,famílias, países, Governos. A gente sempre tem em mente que se fossediferente... No senso comum brasileiro e, provavelmente, na opiniãode cada um dos brasileiros aqui, nós teríamos ganho todas as Copas doMundo de Futebol, não fossem os dirigentes. Porque os jogadores e osnossos times são suficientes, e todo mundo aqui acha isso, para ganhar,com facilidade, todas as Copas do Mundo, o que, evidentemente, não éverdade, é uma ilusão. Outro dia, o Zizinho, jogador que jogou tantoquanto o Pelé – dizem os que viram, eu nunca vi – dizia que o time doUruguai, em 1950, era melhor do que o brasileiro. Para quem nasceuem 57, como eu, e ouviu a história da Copa de 50 incontáveis vezes,isso parece inconcebível. Será que um empobrecimento relativoinexorável, independente dos dirigentes, é tão inaceitável mentalmen-te que nubla a realidade, da mesma forma como nos recusamos a acei-tar que alguém possa jogar futebol melhor que nós?

Finalmente, será que a Argentina não é mais um Chile grande(quem dera que o Brasil pudesse ser o Chile, ninguém se sinta, de novo,ofendido) do que o México ou um Brasil? será que importa tanto otamanho? Para a vida do povo, para a vida dos cidadãos, para a vidados indivíduos, isso não importa a mínima. O Brasil é uma economiamuito maior do que a do Chile e todos nós, aqui, estaríamos dispostosa atos de heroísmo, para que pudéssemos ser como o Chile, institucionale socialmente. Alguns aspectos à parte, porque eles, como todos, tam-bém têm os seus.

A diferença não é uma suposta disciplina brasileira mas, sim,que, realmente, nos últimos 14 anos, nós avançamos mais emsubstantivação da democracia, em transparência, em fazer frente à nossacegueira, que é a desigualdade.

Meu tempo encerrou, eu gostaria de fazer apenas mais dois co-mentários. Primeiro, as exportações argentinas para o Brasil já são cer-ca de 10% do PIB argentino, não das exportações, do PIB argentino.Eu acho que não é possível desconsiderar essa realidade como algoestrutural.

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E, um último comentário, talvez o mais importante dessa mi-nha fala. Eu li com muito interesse no paper, o trecho das reestruturaçõesofensivas. Tem sido o meu trabalho, porque eu sou funcionário dosquadros do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

No final da década de 80 e início da década de 90, no Brasil,quando se discutiu reforma tributária, uma das perspectivas era acabarcom o FAT, que é a poupança fiscal, que provê 40% do funding doBNDES. E, na verdade, havia, também, na agenda, a intenção claracontra a qual eu lutei, de acabar com o Banco Nacional de Desenvolvi-mento Econômico e Social.

Na época, fizemos estudos, mostrando que mesmo países cujoúltimo dos problemas seria a ausência de capital, falta de capital, comoa Alemanha o Japão, tinham instrumentos de poupança fiscal, tinhaminstrumentos de poupança compulsória.

Ao ler no paper que a reestruturação, principal fonte de espe-rança para o povo e o futuro da Argentina, dependeu e depende apenasde capital estrangeiro como fonte de financiamento, eu me pergunto:seria diferente a História da Argentina, teríamos motivos para um oti-mismo maior, se a Argentina tivesse um instrumento para alavancar areestruturação produtiva semelhante ao BNDES?

O Professor Kosacoff insistiu num ponto muito interessante: opapel dos instrumentos e das políticas públicas, na década de 60 e 70,nessa reestruturação. E agora ela depende, em seu financiamento, doimponderável.

E Banco de Investimento é a construção do futuro, é a visãoestratégica. De modo que eu não tenho como deixar de pensar em comosomos felizes, no Brasil, por termos esse instrumento de construçãodo futuro, de financiamento de parte do investimento e, portanto, dealguns meios para viabilizar uma determinada concepção estratégica.Obrigado.

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Felipe de la Balze: Buenas tardes. Muchas gracias al IPRI y aMónica Baer. Yo trataré de cumplir mis diez minutos de presentaciónhasta que llegue el próximo conferencista.

Yo creo que el trabajo del Doctor Kosakoff, es un trabajo muyimportante, muy claro, que cubre prácticamente todas las áreas que sepueden analizar desde el punto de vista de la evolución de la economíaargentina durante los últimos diez años.

Ahora, si yo tuviera un alumno de economía y me preguntaracómo hago para entender la crisis argentina, en estas circunstanciasparticulares, yo no lo mandaría a estudiar economía a Harvard, enrealidad la mandaría a estudiar los “clásicos” a Oxford. En otras palabras,la dimensión de la crisis argentina tiene más que ver con lo mitológico,con lo bíblico en este momento, que con lo puramente económico.

¿Por qué digo esto? Lo digo por lo siguiente. Argentina es unpaís que se construyo material y simbólicamente a partir del deseo deprogreso individual. Pedro de Mendoza, el primer fundador de BuenosAires, llegó con la idea de encontrar El Dorado, y el último comercian-te coreano recién llegado, que algunos de ustedes vieron en televisióngolpeado por los saqueadores de supermercados durante el proceso decaída del ex-Presidente Fernando de la Rua, que llegó hace tres años yabrió una frutería, también llegó como Pedro de Mendoza, con el obje-tivo de ganar plata, de tener un éxito material rápido.

Dados estos antecedentes simbólicos y de expectativas si unoreflexiona sobre lo que ha pasado en la Argentina en los últimos seismeses, lo que ha pasado es de unas proporciones absolutamente mito-lógicas para un pueblo donde el progreso material y la propiedadpersonal es tan prioritaria en el imaginario colectivo.

Primero, los títulos públicos cuyos principales detentores sonlos bancos locales, los fondos de pensión y los fondos comunes localesy las personas de altos ingresos (aproximadamente el equivalente a US$150.000) millones pasaron en el mercado de valer $100 a valer $20 enun periodo de menos de 6 meses.

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Segundo, al poco tiempo las empresas de servicio público,mayoritariamente en manos de capitales extranjeros (aproximadamen-te unas 40 empresas en los sectores de agua, electricidad, gas y energía),descubrieron que la moneda argentina se había depreciado de mas del200% en un corto periodo de tres meses y que ellas no podían ajustarsus tarifas, y que en un período de tiempo tendrían que entrar en default

con sus acreedores externos, cosa que ya han comenzado a suceder, y quesus balances y el de sus casa matrices tendrían que incorporar cuantiosasperdidas en un periodo muy corto de tiempo.

Tercero, poco tiempo después los depósitos de los ahorristas(aproximadamente U$S 80.000 millones; mayoritariamente la clase me-dia) fueron congelados. Varios millones de personas y sus familias vieronsus sueños (la casa, la jubilación, el viaje a Europa, la educación de unhijo) simbólicamente desaparecer.

Cuarto, el número de desempleados aumentó de un millón amás de tres millones de personas en un período relativamente corto.

Quinto, once millones de personas que tienen empleo, que gananentre 500 y 2.500 pesos por mes (que eran dólares equivalentes hastamediados de enero del año 2002) van a sufrir durante los próximossesenta a noventa días pérdidas de entre el 30 y el 50% de sus ingresosen términos de poder adquisitivo.

Ahora, si volvemos a Pedro de Mendoza y al coreano y analizamoslo que yo les acabo de decir, realmente la macroeconomía no puede res-ponder este desafío, es un desafío de la política, es un desafío de la cultu-ra y es un desafío de un impacto emocional muy difuso y muy grande.

El segundo tema que quería comentar es que el Estado argenti-no tiene en este momento un déficit primario significativo (si incluimosel déficit cuasi-fiscal del Banco Central que se exterioriza principal-mente en redescuentos al sistema financiero). En otras palabras, susingresos corrientes no cubren sus egresos corrientes, mismo sin pagarla deuda externa. En otras palabras, dejamos de pagar la deuda externase generó una corrida bancaria y tenemos un déficit operativo incluyendoel déficit cuasi-fiscal del Banco Central relativamente importante (apro-ximadamente de más de mil millones de pesos por mes).

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¿Qué quiere decir esto? Hay solo tres soluciones: o se financia,cosa que parece imposible después de haber confiscado los depósitos,repudiado la deuda, sacado el derecho de que la gente transforme elpeso en dólar, o se emite moneda espúrea o se confisca. Las crisis fiscalesdel siglo XIX, que son las más relevantes para la situación que viveArgentina, muestran que en realidad, si uno no puede financiar unotiene que confiscar. Y ya hemos confiscado varias cosas en Argentinaen los últimos cuatro meses. Comencemos por los dólares, que no erandel Banco Central eran de la población. Los 27 mil millones de dólaresque había en el Banco Central, eran de los argentinos que tenían pesos.Seguimos con los depósitos, luego la inflación (que no será menos de100% en el año). Finalmente el Banco Central emite moneda y potenciael proceso inflacionario y/o cuasi monedas emitidas por los gobiernosprovinciales.

¿Qué más queda por confiscar? ¿O qué impuesto se puede ponerhoy? Bueno, podemos poner retenciones a las exportaciones, es la últi-ma que queda. Los siguientes pasos son confiscaciones mucho másdifíciles, porque pasan del terreno de lo intangible al terreno de lotangible. Es mucho más fácil quedarse con un título o quedarse con undepósito, o emitir moneda o cuasi monedas que ir a la casa de la gentey vender sus muebles, como se hizo en la Revolución Francesa.Cualquiera de ustedes que haya ido a los grandes palacios ingleses en-contrará maravillosos muebles franceses, que fueron comprados enremates públicos en las puertas de Versalles y del Louvre por testaferrosde las familias más importantes inglesas entre 1792 y 1795, dondedespués de haber guillotinado a la clase dirigente francesa, los mueblesse vendían en remate público al mejor postor.

Argentina está muy cerca de tener que, o ajustar de una formamuy brutal y muy poco eficaz su gasto público, o emitir (que es elcamino a la hiperinflación) o seguir confiscando, que es el camino quelleva a la disolución de la sociedad civil y a crecientes grados deviolencia anárquica.. Porque una vez que yo comienzo a sacarle a ustedessu propiedad privadas, sus depósitos, sus muebles, sus haciendas, lomás probable es que ustedes se defiendan. Vuelvo a repetir, es muchomás fácil quedarse con depósitos o no pagar la deuda que quedarse concosas físicas, tangibles.

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Por lo tanto la crisis argentina no es una crisis económica, esuna crisis económica y es una crisis del sistema político. Es unacombinación de la crisis financiera y bancaria que produjo el Tequila,agravado por el default, más una crisis donde gran parte de la poblaciónpone en duda la legitimidad de grandes segmentos de la clase política.La prueba de eso es que miles de personas salen a las calles, de izquierda,de derecha, del centro o sin opinión política, pidiendo “que se vayan” o“ que dejen de robar”. Y después están todos los que no salen a la callepero que expresan de una u otra forma un profundo rechazo a la clasepolítica.

Quedarnos simplemente al nivel del análisis económico no nospermitiría explicar ni lo que está pasando ni lo que va a suceder; por-que lo que va a suceder no se puede explicar solo con los instrumentosque nos han enseñado en las clases de economía.

Si algunos de mis colegas economistas pudo predecir laespeculación de Internet y su caída posterior, hubiera sido millonario,personalmente no conozco a ninguno. ¿Por qué? Porque lo de Internettuvo que ver con pasiones desatadas, la codicia desatada. No hay mo-delo macroeconómico que explique ese tipo de comportamiento. Loque está sucediendo en Argentina, políticamente, culturalmente yeconómicamente no puede ser explicado solamente con modeloseconómicos.

Ahora, ¿cuáles son las cosas positivas? Porque después de haberdicho esto ustedes pueden llegar a la conclusión que la Argentina va aentrar en una hecatombe – y es posible. No digo que es probable, perono es imposible. ¿Cuáles son las cosas positivas? Primero hay unareacción en la sociedad civil absolutamente extraordinaria. Yo tengouna hermana que es muy buena chica pero es súper egocéntrica, quierenada más que a su novio y a su perro. Es bióloga, es muy difícil tener unbuen salario siendo bióloga, es joven, tiene 29 años y hace 30 días mellama y me dice: Felipe, ¿qué puedo hacer? Esto se está yendo al diablo.Yo dije: Mirá, andá a la iglesia, que queda aquí a dos cuadras, hay unlugar donde dan sopa, ofrecete todos los días, andá a servirle sopa a lospobres. Y mi hermana, desde hace un mes, va a la iglesia todos los díasa servir la sopa a los pobres. Y eso mismo está pasando en muchos

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estratos de las clases medias y de las clases altas de Argentina. Yo creoque es una respuesta de la sociedad civil, que vamos a ver crecer en lospróximos meses, y que nos va a sorprender. Y eso es el resultado de 18años de democracia. En otras palabras, la democracia, a pesar de susdefectos, a pesar de haber sido bastante corrupta, a pesar de haberenfatizado demasiado las elecciones y demasiado poco las instituciones,ha creado un área de responsabilidad de respuesta civil que yo creo queva a ser muy valiosa en la recuperación de la Argentina.

La segunda dimensión positiva es lo que dijo el profesorKosakoff sobre la genuina modernización de vastos sectores de laeconomía nacional. Yo agregaría a lo que él dijo un elemento adicional,que es que Argentina hoy en día tiene una muy buena infraestructura,en otras palabras, las rutas funcionan, los teléfonos funcionan, el gasfunciona, la electricidad funciona, cosa que hace diez años no teníamos.Es decir, que agregaría a los tres puntos que hizo el Dr. Kosakoff, queme parecieron muy relevantes, este punto adicional.

El punto siguiente es un recuerdo de Pinochet y de la teoría dela “convergencia” (el “catch up”). Mucho nos han dicho en los últimos15 años que Chile creció sostenidamente al 7% por 20 años, porquePinochet con la mano dura generó 25% de desempleo, destruyó unabuena parte del capitalismo prebendario, corporativista chileno ypermitió, con estabilidad política, un crecimiento económico más efi-ciente de nuevos sectores de la economía. Bueno, fíjense ustedes,nosotros sin Pinochet, simplemente por virtud de nuestra clase políti-ca, estaremos llegando antes de fin de año al 25% de desempleo y hay20 mil empresas que están quebrando por mes.

Ahora, lo que es un horror es también la fuente de un potencialcrecimiento extraordinario eficiente. Lo más difícil en economía paracrecer no es ahorrar, ahorrar es un sacrificio, ahorrar es un esfuerzo,¿quién quiere ahorrar? Es una obligación.

Lo más difícil en una economía es asignar eficientemente losrecursos, es hacer que aquel que es buen profesor sea profesor y aquelque es buen almacenero sea almacenero. La circunstancia argentina estan adversa - de 25% de desempleo antes de fin de año; similares a la

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gran depresión; con miles y miles de empresas quebradas -que si Ar-gentina tiene estabilidad política e implementa buenas políticasmacroeconómicas, el crecimiento economic (el “cath up”) va a ser ab-solutamente espectacular.

Lo que quise hacer con este corto comentario fue evadirnos unpoco del análisis puramente económico y traer de vuelta la economía aldebate después de haber realizado un corte transversal de camino através de lo psico-social y lo mitológico; volver a la escuela de economíade Harvard después de haber hecho una pequeña parada para releerlos “clásicos” en Oxford.

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Mônica Baer: Eu queria, rapidamente, fazer dois comentários quehavia preparado, tentando inclusive fazer uma ponte entre a exposição e odocumento que o Bernardo Kosacoff apresentou e o paper que o Dr. JoaoPaulo apresentou sobre a economia brasileira.

Bernardo Kosacoff levantou uma questão importante para nos-sos países, ao diferenciar o que é de “responsabilidade”, da conduçãoda política econômica, do sistema político, da gestão da economia edessa sociedade daquilo que são, na realidade, choques externos, dian-te dos quais estes países estão mais ou menos vulneráveis. Essa é umaquestão que permeia, praticamente, todas as economias da AméricaLatina. Diante dos condicionantes externos, o raio de manobra quecada uma dessas economias tem, para enfrentar estes choques autôno-mos, depende dos aspectos internos mencionados.

O tema deste Seminário é, exatamente, avaliar o percurso, com-parativamente, das economias dos dois países, Brasil e Argentina, aolongo da década de 90. Mas, mesmo se olhassemos um pouco maispara trás, identificaríamos processos muito parecidos. Por exemplo, jána década de 70, tanto o Brasil como a Argentina procuraram umainserção internacional, que teve uma dimensão financeira significativa,da qual resultou, no início dos anos 80, a crise da dívida externa. Em-bora os processos dos dois países apresentassem características dife-rentes, o choque externo, decorrente da reversão do cenário internaci-onal, implicou o mesmo tipo de crise externa nos dois países. Passamosa década 80 inteira, praticamente, sob uma forte restrição de financia-mento internacional, todos tentando enfrentar os processos inflacioná-rios crônicos. Foi quando se iniciaram as tentativas heterodoxas de com-bate à inflação, tanto na Argentina como no Brasil.

Entramos na década de 90, condicionados por um cenário in-ternacional de financiamento mais favorável, que viabilizou um pro-cesso de combate à inflação, baseado em uma estratégia de valorizaçãoda moeda local. Quer dizer, a característica específica das políticas deestabilização da década de 90, tanto na Argentina como depois no Bra-sil, foi a âncora cambial, que esta mudança no cenário internacionalviabilizou. No caso do Brasil, ela só foi implementada em 1994 e nocaso da Argentina já em 1991, com o modelo de conversibilidade.

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Da mesma forma, quando olhamos o processo de privatização,tanto a Argentina como nós o tivemos. Também todo o debate emtorno da disciplina fiscal.

Então, o que diferencia as duas experiências? A sensação que setem vai um pouco na direção do que o Sérgio quis colocar e do que foilevantado hoje de manhã, do ponto de vista político. A diferença entrea Argentina e o Brasil é que, no fundo, os modelos ou as políticas, nasua natureza, são bastante parecidos. Mas, as experiências, no modeloargentino, parecem ser levadas ao extremo, ao passo que no Brasil nun-ca são implementadas na sua total magnitude. Parece que no caso des-te último, diante dos problemas que se vão enfrentando, há mais flexi-bilidade para reorientar a política.

Não sei se fica muito claro o que eu estou querendo dizer. Porexemplo, na conversibilidade, a Argentina persistiu no modelo por umperíodo muito longo, a pesar de todas as contradições que se manifes-tavam. Obviamente, isso tem a ver com a dolarização desta economia,as hiperinflações que teve, que foram anteriores a esta crise argentina.No Brasil, ao contrário, o debate em torno das contradições do câmbiosobrevalorizado, base da estratégia de estabilização, nunca parou. Querdizer, sempre teve, de uma ou de outra maneira, vozes dissidentes,vozes críticas. E o debate em torno do que fazer, como mudar de rota,nunca se estancou. A sensação que dá, no modelo argentino, principal-mente depois da conversabilidade e o seu aparente sucesso, nunca selevantaram críticas abertas.

Na Argentina, comparado com o Brasil, todas as experiências etodas as etapas são mais extremas. Se fôssemos mapear o processo eco-nômico, chegaríamos à conclusão de que temos trajetórias muito pare-cidas, mas que a intensidade e os contrastes no caso Argentino sãomaiores, extremos.

Por quê isso? Do que discutimos aqui, fica claro que essa ques-tão não se esgota no econômico. Nesse sentido, acho que as discussõesda manhã de hoje, a través de algumas colocações do Professor Romeroe do Professor Murilo, contribuíram para esclarecer que há característi-cas políticas importantes que condicionam estes processos de maneiradiferenciada.

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Entretanto, do ponto de vista estritamente econômico, apesarde trajetórias parecidas, me fica uma dúvida que eu gostaria de com-partilhar com vocês. A dúvida se refere a como caracterizamos o “mo-delo econômico” destes países. É fácil tachar os modelos: o neoliberal,o de substituição de importações, todos eles tiveram os seus proble-mas. O Professor João Paulo, em seu paper, também entra nessa discus-são, ao debater o crescimento para fora versus o crescimento para dentro.

Caricaturas à parte, de fato, nós continuamos não tendo claro,substantivamente, que tipo de modelo nos leva a uma trajetória decrescimento sustentado. No Brasil, foi uma surpresa positiva que te-nhamos conseguido sair do regime de câmbio fixo, com relativo êxito,pelo menos do ponto de vista do controle inflacionário. Mas, no médioprazo, continuamos discutindo se, da forma como a gente vem, ele ésustentável ou não, do ponto de vista do crescimento. Portanto, o mo-delo continua em xeque, e o que que é este modelo, que tipo de políti-cas que a gente pode enfrentar?

E, neste sentido, eu queria fazer uma observação ao Bernardo:acho que nós estamos olhando, hoje, a Argentina no fundo do poço e,realmente, não vendo saída. Fiquei positivamente surpreendida queVocê é mais otimista quanto à capacidade dos agentes produtivos emreagirem, após o colapso do modelo. Há remodelações, háreestruturações, Com uma nova relação de preços relativos, empre-sas/setores vão reagir.

Então, na sua opinião, já há sinais positivos. A dúvida que fica,é se esses setores/agentes serão capazes de colocar a Argentina numatrajetória de crescimento razoável, que é fundamental, inclusive doponto de vista político. Aí é que eu fico na dúvida, e ela não é trivial.

O segundo aspecto que eu gostaria de colocar ao Bernardo équanto às dificuldades de curtíssimo prazo. E, nesse sentido, mesmoque você tenha setores que estão reestruturados, que estão, digamos,em condições de competir internacionalmente, no curto prazo, há, pra-ticamente, uma destruição dos instrumentos básicos da política eco-nômica. Você mesmo confirmou isso. O sistema financeiro acabou. Acrise financeira, como o próprio Felipe colocou, é muito profunda. Nofundo, é uma crise de credibilidade total. Nenhum argentino, por muito

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tempo, vai recompor a confiança e voltar a botar o seu dinheiro nosistema financeiro argentino. Não estamos nem falando de sistema fi-nanceiro apto para dar crédito. Essa é uma outra etapa. Nós estamosfalando de um sistema que não dá nem conta do sistema de pagamen-tos, da troca, do funcionamento elementar de uma economia monetá-ria. Porque, do jeito que está, tenho a sensação de que a Argentina,neste momento, não tem nem mais moeda. Estão em circulação váriasmoedas e funciona, mal e mal, a troca.

A quebra dos contratos e a crise das instituições é tão profunda,que retomar uma certa normalidade vai levar algum tempo. E este tem-po será maior, porque, além das dificuldades internas, a Argentina tam-bém está sendo laboratório de experimento de uma nova política, deuma nova postura internacional, liderada pelo Governo norte-america-no. Em 1998, o Brasil necessitou de ajuda financeira internacional de41 bilhões de dólares para não ter uma crise de liquidez externa. Se,naquele momento, não tivéssemos no final do Governo Clinton e ti-véssemos sido tratados sob o novo prisma do governo Bush, “a pão eagua”, provavelmente nossa situação se aproximaria à da argentina,pelo menos do ponto de vista das contas externas.

Eu diria, na situação atual dos processos económicos/políti-cos, o Brasil tem mais raio de manobra que a Argentina, mas isso nãosignifica que esse raio seja ilimitado. E com corte absoluto do financi-amento internacional, como é o caso da Argentina neste momento, ficadifícil para qualquer país, pois até o comércio dos produtos nos quais opaís é competitivo, fica difícil.

Em suma, eu diria que sou mais pessimista quanto àsconsequências de curto prazo sobre a economia Argentina do que oBernardo. Acho que não é uma questão de semanas, nem de meses. E areconstruturação dos instrumentos/insitutuições econômicos e da suaconfiabilidade é extremamente difícil e lenta.

Além disso temos que ter clareza que o cenário internacional éoutro, muito mais difícil, pelo menos do que se percebe neste momen-to. E a gente tem que ter isso em mente, no balizamento da situaçãodas nossas economias. Posso ousar fazer mais um comentario, a títulocomparativo dos dois papers apresentados.

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Em seu trabalho, o Doutor João Paulo é muito propositivo. Comtoda a coragem, ele volta, no fundo, a priorizar: “Olha, nós precisamospensar no desenvolvimento”. Embora o debate no Brasil ainda seja omais ativo no âmbito da América Latina, eu acho que ainda estamoslonge de conseguir uma visão completa do que significa o desenvolvi-mento, prospectivamente. Enfatizamos temas específicos, estabiliza-ção, vulnerabilidade externa, etc., mas não temos uma visão completae integrada do assunto.

O Dr. João Paulo, em seu documento resgata coisas interessan-tes do passado. Mas, se quisermos com a proposição do desenvolvi-mento participar ativamente do debate, acho que temos que ter cora-gem de aprofundarmos as questões tanto nos aspectos positivos, comonos negativos. Porque, toda a história da substituição de importações,todo o debate de crescer para fora ou para dentro, e mesmo toda aatuação do Estado, no passado, não são possíveis de serem reproduzi-dos no futuro. Principalmente, se pensarmos em termos dascondicionantes financeiras.

Para ilustrar este ponto, gostaria de resgatar algumas coisas dodocumento do Bernardo. Ele mostra que, apesar de todas as adversida-des macroeconômicas e políticas, houve setores, agentes e experiênci-as microeconômicas de recuperação e reestruturação positiva. Tería-mos que reformular o enfoque analítico nesta direção e avaliar , emque condições, que setores serão capazes de se ajustar. O debate “cres-cer para fora x crescer para dentro” perde essa riqueza.

Só quero dar mais um exemplo neste sentido. Outro dia, numareunião, apresentei uma tabela de um estudo recente da FUNCEX, emque eles comparam a evolução das exportações brasileiras, por nível dedinámica internacional. E o Brasil, apesar de todas as adversidades,cresce em setores dinámicos a nivel internacional, coisa que não seimaginaria, a priori.

Ou seja, acho que teremos que ter coragem para repensar ascategorías analíticas. Temos que enfrentar o desafio da heterogeneidade.Além disso, a classificação tradicional dos setores, também está sobjúdice. Dizer que o primário é atrasado e que o setor de serviços é oavançado, é no mínimo questionável. Porque você tem, no primário,

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setores de altíssima tecnologia e setores absolutamente estancados. Damesma maneira, você tem nos serviços ainda o informal e você tem oserviço de alta tecnologia, todos eles classificados como serviços.

Então, eu sou uma defensora da retomada do debate do desen-volvimento. Mas, acho que precisamos atualizar as categorías analíti-cas à dinâmica económica que estamos presenciando. Da mesma ma-neira, temos que rever o que é, hoje, uma postura ativa do Estado, emtermos de formulação de políticas? Acho que elas podem ser muitodiferenciadas, dependendo do tipo de setor que estejamos falando, comopode ser muito diferenciada uma política ativa na área social, porqueas realidades são muito diferentes.

Além disso, se voltarmos a resgatar o conceito de desenvolvi-mento, deveremos fazê-lo não na sua dimensão estritamente econômi-ca, mas incluindo a questão social. No Brasil, hoje, o debate é o seguin-te: precisamos de crescimento econômico, precisamos reduzirvulnerabilidade externa, etc. No diagnóstico há bastante consenso etambém de que não podemos continuar tão vulneráveis às flutuaçõesinternacionais. Entretanto, como fazer, como sair da situação queestamos, aí falta discussão e debate. Cresce o consenso de que cresci-mento é condição necessária. Longe de suficiente para o desenvolvi-mento e, principalmente, para o combate à desigualdade social, comoo próprio Sérgio Besserman hoje disse, no comentário anterior.

Então, eu queria resgatar essa questão fundamental do desen-volvimento que o senhor trouxe. Mas também sugerir que repensemosmelhor as categorias para poder, ativamente, participar desse debate.Senão, vamos perdê-lo. Essa é a minha sensação.

O segundo ponto que é extremamente interessante na propostado Doutor João Paulo, sua proposição de um projeto de desenvolvi-mento conjunto Brasil e Argentina. Hoje, esse projeto tem mais condi-ções de vingar. Ele não é mais uma pura ilusão. Mas, não podemosincorrer nos mesmos erros do passado. Nós, economistas, temos solu-ções econômicas. Eu gostaria de ver isso acoplado a um projeto políti-co. Senão, obviamente, nós voltamos a ter essa dicotomia, que obvia-mente não se materializa em projeto algum. Porque, como bem colo-cou a Mônica Hirst, cada um tem um jeito de ver a integração com a

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Argentina. Só consigo ver um projeto politicamente sustentável, sehouver harmonia entre as partes. Se houver complementariedades emque o benefício é do conjunto. Obviamente, a posição brasileira é ex-tremamente frágil, pois este seria o momento em que o Brasil deveríaajudar a Argentina, mas não tem tanto raio de manobra para isso, prin-cipalmente no cenário internacional em que nos encontramos.

Essas eram minhas observações.

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EL PROCESO DEMOCRÁTICO EN LA ARGENTINA

José Nun

“Si pasamos de lo que es mejor a lo que es peor para la

prosperidad, probablemente habría acuerdo en que cuando ganar

está más incentivado que producir – cuando se obtienen más beneficios

con la predación que con las actividades productivas y mutuamente

ventajosas -, las sociedades se hunden”1

1.

Seguramente serían pocos los observadores que se opondríanhoy a describir la situación de la Argentina en términos de “desintegración

del orden civil, quiebra de la disciplina social, debilidad de los líderes y alienación

de los ciudadanos”. Sólo que ésta era exactamente la imagen de Europa,de Norteamérica y de Japón que trazaba a mediados de los años 70 unresonante Informe acerca de la gobernabilidad de las democracias quele encargó la Comisión Trilateral a tres conocidos especialistas2.¿Recuerdo tranquilizador que acaso pueda servirnos de consuelo parano desesperar ante las penurias por las que atraviesa la Argentina enestos momentos?

No precisamente. Porque lo que importa revisar son sobre todolas razones en las cuales se fundaba una descripción como ésa. Y éstasimplicaban una interpretación de las supuestas consecuencias negati-vas que habían tenido aquellos mismos factores que, veinte años antes,autores como Raymond Aron o Daniel Bell habían considerado comolos verdaderos pilares en que se sostenían las democracias capitalistasde Occidente. Uno era la economía mixta (reputada por muchos comola innovación económica más importante del siglo XX); otro, el Estado1 Mancur Olson, Poder y prosperidad (Buenos Aires, Siglo XXI, 2001), pág. 1

2 Ver Michel J. Crozier, Samuel P. Huntington y Joji Watanuki, The Crisis of Democracy(Nueva York, New York University Press, 1975), p. 2

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de Bienestar (“un tipo de capitalismo ablandado por una inyección desocialismo”, al decir de T. H. Marshall); y el tercero, una prosperidadsostenida y creciente.

Según Huntigton y sus colegas, en los años 60 todo ello le dió unavitalidad tan grande a la democracia que finalmente ésta se salió de madrey desencadenó la crisis de gobernabilidad de los 70. De acuerdo a estalectura eminentemente conservadora, el pueblo - estimulado por las críti-cas de los medios masivos de comunicación y por la emergencia de losnuevos movimientos sociales - había desarrollado expectativas exagera-das, planteaba cada vez mayores demandas y había terminado por perderconfianza en las instituciones, desafiando en todos los planos los criteriosde autoridad vigentes. En una palabra, habrían ocurrido allí una serie deexcesos inaceptables que desestabilizaron el sistema político. ¿Cuáles eranestos excesos (y la palabra desempeña un papel clave en el Informe)? Unadisminución excesiva de las desigualdades y un aumento excesivo de laparticipación política que acabaron por producir un “exceso de democra-cia” (sic) que se convirtió en una carga excesiva para los gobiernos3. De ahílas recurrentes crisis fiscales; y de ahí también que la inflación setransformase en “la enfermedad económica de las democracias”4.

Como se ve, aquella descripción que transcribí al comienzo aludíaa un estado particular de cosas que era atribuído básicamente a ladesmesura de los de abajo, favorecidos por las políticas de pleno empleo,de redistribución progresiva de los ingresos y de gran crecimiento quecaracterizaron a los “treinta años gloriosos” de la posguerra. Este diag-nóstico fue el preanuncio de las políticas que implementarían pocodespués gobiernos de derecha como los de Thatcher y Reagan, con elexplícito propósito de desactivar la “bomba democrática”, de reimponerel orden, de ampliar y fortalecer las posiciones de los grandes gruposeconómicos y de disciplinar a la mano de obra, que se consideraba quehabía adquirido demasiado poder. La lucha contra la inflación desplazódesde entonces al combate contra el desempleo como la preocupaciónmacroeconómica principal y tanto la economía mixta como el Estado deBienestar fueron sentados de mala manera en el banquillo de los acusa-dos, donde se les endilgaron todas las culpas.

3 Ver especialmente Huntington, op. cit., págs. 64 ss. y 113-114.4 Esto corresponde al capítulo de conclusiones del Informe, op. cit., p. 164.

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El caso argentino ilustra una evolución que poco o nada tieneque ver con la indicada, que es más bien su opuesto simétrico y que vienegenerando desde hace tiempo resultados inmensamente más desastro-sos que aquélla. Es que hay un aspecto decisivo de esta evolución queno fue contemplado por los análisis a los cuales vengo de referirme, peseal papel determinante que ya había tenido en el desencadenamiento de ladepresión de los años 30 en los países capitalistas industriales. Hablo de la

profunda crisis de gobernabilidad que puede provocar la desmesura de los de arriba,

no la de los de abajo. Dicho de otra manera: ¿qué sucede con la democraciarepresentativa cuando es definida meramente como un sistema deequilibrio posible mediante el cual las mayorías populares son sometidassin miramientos a los intereses y a los designios de las minorías económicasy políticas dominantes? ¿Cuando lejos de haber un “exceso de democra-cia” hay un “exceso de capitalismo prebendario, concentrador yexcluyente”? Si todas las democracias representativas que conocemosson, en el fondo, “oligarquías electivas”, ¿qué pasa cuando una de estasoligarquías busca perpetuarse por todos los medios en el poder, sedesconecta crecientemente de sus bases y contribuye a la marginación yal empobrecimiento de una gran parte de la población?

Para ser justo con los informantes de la Comisión Trilateral, si escierto que no le prestaron atención alguna a este tipo de exceso ni entoncesni ahora, al menos estaban convencidos de que “una estructura social en laque la riqueza y la educación se hallen concentradas en las manos de unospocos no puede conducir a la democracia” 5 . En verdad, no hacían más querepetir así una de las premisas mayores en las que, desde Schumpeter enadelante, se fundaron los análisis de todos los teóricos de la llamada democra-

cia procedimentalista y que, lamentablemente, sus epígonos latinoamericanosde las últimas dos décadas se dedicaron a ignorar con un empeño digno demejor causa6.

5 Op. cit., pág. 5

6 Para un extenso desarrollo del tema, ver mi libro Democracia: ¿gobierno del pueblo o gobierno de lospolíticos? (Buenos Aires, Fondo de Cultura Económica, 2000). Según Robert Dahl, por ejemplo,

todos los requisitos de la democracia se condensan en la exigencia de un principio fuerte de igualdad.

Como solía recordar Schumpeter: “si un físico observa que el mismo mecanismo funciona de un

modo diferente en épocas distintas y en lugares distintos, concluye que su funcionamiento depende

de condiciones extrañas al mismo. Nosotros no podemos sino llegar a la misma conclusión por lo

que se refiere al sistema democrático”.

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Aquí reside una de las claves más importantes para descifraruna parte de lo que llamé en otro sitio “el enigma argentino”7. Es que,en efecto, según el paradigma teórico-ideológico de la modernizaciónque se difundió desde los años 50, los países atraviesan tres grandesetapas históricas: primero, la del desar rollo económico ; casisimultáneamente, la del desarrollo social; y, por último, una vezcumplidos esos requisitos, la del desarrollo político, entendido como lainstalación de un régimen constitucional de democracia representati-va. En los años de la posguerra, la Argentina gozaba de niveles muyapreciables de desarrollo económico y de desarrollo social; sin em-bargo, su desembocadura política fue el populismo peronista y no lademocracia representativa (como sucedió, digamos, en Uruguay o enChile). Es la anomalía que trataron de explicar Germani y otros y dela cual no me ocuparé en este trabajo, salvo para decir que echó lasbases históricas de la construcción de una ciudadanía muy desequili-brada, en la que la dimensión social primó claramente sobre la civil yla política.

Porque ahora me interesa constatar la medida en que, mediosiglo después, ese enigma ha invertido sus términos. Sucede que, segúndicen los papeles, la Argentina es ya una democracia representativamientras que, al mismo tiempo, el país se subdesarrolla activamenteen lo económico y en lo social (des-monetización, des-salarización,des-industrialización, des-ocupación, des-nacionalización, des-igualdad, des-protección, des-nutrición, de-crecimiento del producto,etc.).

En una palabra, antes la modernización no nos trajo la demo-cracia. Y hoy en día la democracia está muy lejos de llevarnos a lamodernización. La tesis que quiero defender es que esto es así debidoa las características y a los efectos propios del régimen social deacumulación que empezó a cobrar forma desde mediados de la décadadel 70 y que llegó a su apogeo en los años 90. Vale aclarar que referirsea un régimen social de acumulación no es hablar simplemente de unsistema económico sino de las instituciones, de las reglas y de lasprácticas públicas y privadas siempre peculiares a través de las cualeseste sistema se configura, de los modos operativos que normaliza,

7 Ver mi artículo “El enigma argentino”, en Punto de Vista, 71, diciembre 2001, pp. 1-5.

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del tipo de actores que moldea y de las relaciones que se establecenentre ese régimen y el régimen político de gobierno8.

2.

En su obra póstuma ya mencionada, Mancur Olson apela alo que llama prudentemente una “metáfora” para echar luz sobreciertos mecanismos centrales de la lógica del poder económico. Dis-tingue así, con ejemplos históricos, entre los comportamientos delos bandidos errantes y de los bandidos estacionarios. Los intereses delos primeros son muy restringidos y consisten, básicamente, enapoderarse de todo lo que encuentran a su paso pues, como a Atila,los tiene sin cuidado que después el pasto vuelva o no a crecer yaque no los guía la intención de quedarse. Los segundos, en cambio,se preocupan por dejarles a sus víctimas lo suficiente como paraque continúen produciendo a fin de seguir explotándolas y es inclu-so probable que las provean de ciertos bienes públicos como laeducación, la salud, la seguridad, etc. , para aumentar suproductividad y, de esta manera, el excedente del que se apropian.Más aun: su participación en la sociedad puede llegar a ser taninclusiva “que su propio interés los lleve a actuar como si fuerantotalmente benevolentes”9.

Mi cita de Olson es tan poco inocente como su metáfora.Creo que ayuda a entender un aspecto no menor de lo ocurrido en laArgentina desde que se inició en el país el ciclo hegemónico del capital

financiero que todavía persiste. Ese comienzo se sitúa a mediadosde la década del setenta, con el “rodrigazo”, primero, y el PlanMartínez de Hoz, después, que abrió la economía y liberalizó to-talmente los movimientos financieros en un contexto de intensarepresión política. Además de su validez histórica, la ventaja de fijarestos hitos es establecer de entrada la medida en que la instalación deese ciclo fue un producto deliberado de medidas adoptadas por gobiernos

8 Para elaboraciones más amplias debo remitirme a José Nun y Juan Carlos Portantiero, Ensayossobre la transición democrática en la Argentina (Buenos Aires, Puntosur, 1987) y a mi artículo

“Populismo, representación y menemismo”, en Sociedad, 5, octubre 1994, págs. 91-122.9 Mancur Olson, op. cit., pág. 31. Es sabido, por ejemplo, que en lugares controlados por la mafia

ésta protege a la población de modo que no sea robada por terceros, con lo cual en realidad está

defendiendo sus propios intereses.

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que tenían abiertas otras alternativas. El resultado de esta primera alianzaentre los nada benevolentes bandidos estacionarios que controlaban laspalancas económicas de la dictadura militar y los bandidos errantes quellegaron montados en sus petrodólares para obtener enormes gananciasespeculativas fue una crisis sin precedentes dado, entre otras cosas, eluso improductivo que por añadidura se hizo de los fondos disponibles:gran caída del producto per capita, una fenomenal redistribución regresivadel ingreso, una tasa anual de inflación de tres dígitos que ningún otropaís soportó por un período tan largo y una deuda externa agobiante,que fijó los cimientos de la llamada “patria financiera”.

Éste fue el marco en el que llegó al gobierno Raúl Alfonsín,para inaugurar un régimen político de democracia representativa (omás bien, como él mismo tardó bastante en entenderlo, la transición

hacia un régimen de tales características). Nótese que, como losbandidos er rantes , los capitales financieros especulativos sonesencialmente cortoplacistas y se desplazan con gran rapidez antecualquier señal de riesgo. Fue lo que ocurrió aquí, luego del desas-tre de la guerra de las Malvinas y del default mexicano de 1982. Enuna coyuntura en que además subían las tasas de interés en los pa-íses centrales, se percibió que también la Argentina estabatécnicamente en virtual cesación de pagos y, además, no se advirtióde inmediato la creciente brecha que separaba a los ataques verbalesque Alfonsín les dirigía en público a las corporaciones de lasprácticas concretas que privilegiaban cada vez más los diálogos apuertas cerradas entre los funcionarios radicales y los directivos deesas corporaciones y de los organismos multilaterales10.

No es de sorprender, entonces, que en medio de un crecientedeterioro económico (fracaso del Plan Austral, fuga de depósitos, faltade crédito) y político (derrota en las elecciones legislativas y degobernadores de 1987) el gobierno concluyera por lanzarse abiertamente10 Según un relato no desmentido, varias semanas antes de anunciar el Plan Austral de junio de

1985, el entonces Ministro de Economía Juan V. Sourrouille llevó los borradores a Washington,

para explicar el proyecto a las autoridades del Fondo Monetario Internacional y obtener su visto

bueno (Joaquín Morales Solá, Asalto a la ilusión, Buenos Aires, Planeta, 1990, pág. 256). Como

consigna otro observador, “en vísperas del Plan Austral, Alfonsín recibía en Olivos a los capitanes

de la industria” (Horacio Verbitsky, La educación presidencial, Buenos Aires, Puntosur, 1990, pág.

114). Ver, también, Pierre Ostiguy, Los capitanes de la industria (Buenos Aires, Legasa, 1990).

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a contener a los especuladores nacionales y extranjeros mediante eldenominado Plan Primavera. ¿Cómo? Garantizándoles que no habríadevaluación y que, invirtiendo en australes, obtendrían una tasa deinterés del 10% mensual en momentos en que, en Estados Unidos, latasa de interés era del 10% anual11. ¿Con qué se financiaba estaextraordinaria transferencia de recursos? Esencialmente, con el impuestoinflacionario que gravaba cada vez más a los trabajadores y al resto delos ciudadanos con ingresos fijos.

El problema es que los capitalistas errantes pronto comenzarona olfatear el riesgo de una situación altamente inestable, complicada porel inesperado ascenso político del entonces todavía temido populismomenemista. Se buscó contenerlos con la promesa de un préstamo que elBanco Mundial le daría al país aunque tiempo después se supo que, enrealidad, no sería de desembolso inmediato12. Finalmente, en febrero de1989 se produjo la corrida, luego de una sangría cuantiosa de las reservasdel Banco Central que no pudo impedir la devaluación. La inflación sevolvió imparable y entre mayo y junio superó el 100% mensual. Latempestad arrastró a Alfonsín (responsable de muchos de los vientos quela generaron, aunque no de todos), quien debió entregar la presidenciaseis meses antes de que concluyera su mandato.

Desde luego, mi objetivo no es hacer aquí una crónica ni, muchomenos, un examen detallado de lo ocurrido en las últimas dos décadassino simplemente señalar la plausibilidad de la tesis que formulé másarriba. Pero, antes de proseguir, conviene despejar algunosmalentendidos posibles.

El primero es que la metáfora olsoniana de la que me valgo noresulta obviamente aplicable a la totalidad de los sectores capitalistasque han operado y operan en la Argentina por lo que el lector no debeconfundir una parte (que considero muy significativa) de la historia contoda la historia. Dicho en otros términos, según las circunstancias, espe-

11 Como señala Morales Solá (op. cit., pág. 46), “quien haya especulado entre noviembre de 1988

y enero de 1989 en la plaza financiera se llevó un 30 % de ganancia en dólares: un rédito en tres

meses que, en cualquier capital del mundo desarrollado, implicaría más de tres años de depósitos

a plazo fijo”.12 Ver sobre este tema Walter Graziano, Las siete plagas de la economía argentina (Buenos Aires,

Norma, 2001), cap. 1

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cialmente los grandes empresarios y grupos económicos pueden o nocomportarse como si fuesen bandoleros errantes o estacionarios. Mi argu-mento es que, en la Argentina, se crearon condiciones particularmentefavorables para que la mayoría de ellos así lo hicieran, con el agregado deque prevaleció la lógica de los bandoleros errantes y, con el correr de losaños, se redujeron en forma ostensible tanto las áreas de acción como latradicionalmente módica benevolencia de los bandoleros estacionarios. Estosucedió en el marco previsible de frecuentes conflictos entre bandas, quefortalecieron el papel “protector” de verdaderas mafias enquistadas enlos aparatos estatales.

La segunda aclaración es que, precisamente porque aludo a es-tilos de comportamiento, ni el capital errante ha sido o es necesariamenteextranjero ni el capital estacionario ha sido o es necesariamente nacional.En rigor, uno de los principales temas de campaña de Alfonsín fue queiba a empeñarse en desentrañar cuáles habían sido las reales caracterís-ticas del endeudamiento externo que su gobierno heredó, discriminan-do entre los acreedores legítimos y no legítimos, ya que buena parte deestos últimos eran ciudadanos argentinos que habían fugado capitalesdel país para reingresarlos luego como préstamos falsos13. Es un temaque, como tantos otros, quedaría en pura promesa y se agravaría cadavez más en los años siguientes.

Por otro lado, si no todos los capitalistas establecidos en el paíspueden ser tratados como bandidos estacionarios, hubo muchos y muyimportantes que se acostumbraron a actuar como si lo fueran y a tomarpor dados sus comportamientos. Es lo que ponen en evidencia desdelos contratos leoninos que celebraban con el estado ( lo que dió enllamarse la “patria contratista”, con su componente necesario decorrupción) hasta la gran evasión y elusión impositivas pasando por laestafa al fisco que constituyeron un buen número de los supuestosprogramas de “promoción industrial” que se implementaron desde esaépoca.

13 Para apreciar esta cuestión en toda su magnitud, se estima que más de dos tercios del total de

la deuda externa pública de hoy deriva de los 48.000 millones de dólares de deuda que contrajo

la última dictadura militar, ajustados por la tasa de interés. Ver Jorge Gaggero, FMI/Argentina: elmejor alumno en la picota (Buenos Aires, 2/4/2002, monografía inédita).

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3.

Con la llegada a la presidencia de Carlos Menem, los excesos delos de arriba iban a potenciarse de una manera tan espectacular comoescandalosa. Si el gobierno de Alfonsín cortejaba a los grandes gruposempresarios, les anticipaba lo que haría y negociaba su apoyo a cambiode las ventajas que les otorgaba, el de Menem sencillamente le entregóde entrada el manejo de la economía a uno de esos grupos. A la vez,sacó partido de la crisis para obtener del Congreso una delegación defacultades legislativas en el Ejecutivo de una extensión y profundidadque ningún gobierno constitucional había gozado antes.

Mediante las leyes “ómnibus” de Emergencia Económica y deReforma del Estado, primero, y un conjunto de medidas tributarias,después, quedaron a su exclusivo arbitrio tanto la privatización deuna larga lista de empresas públicas como la concesión de casi todoslos servicios públicos; la posibilidad de autorizar para ellocapitalizaciones de la deuda externa; los niveles y las característicasde la apertura comercial; la creación o la eliminación de subsidiospúblicos; la generalización a su solo criterio del impuesto al valoragregado; las decisiones acerca de la des- y de la re-regulación de losmercados; etc.14. Según explicaba tempranamente quien sería luegouno de los máximos ideólogos del menemismo, éste se proponíareconstruir el poder del estado “desde sus raíces”, implementando loque “puede denominarse conceptualmente con precisión una`revolución conservadora`” 15 .

Nuevamente, se recurrió a una tasa de interés exorbitante

14 Ver Vicente Palermo y Marcos Novaro, Política y poder en el gobierno de Menem (Buenos Aires,

Norma, 1996), págs. 256 ss.15 Jorge Castro, en el diario El Cronista, 24/9/1989. Para una útil revisión de éste y de otros

textos parecidos, ver Fabián Bosoer y Santiago Leiras, “Los fundamentos filosófico-políticos

del decisionismo presidencial en la Argentina, 1989-1999”, en Julio Pinto, comp., Argentina entredos siglos (Buenos Aires, Eudeba, 2001), págs. 41-90. Castro ha considerado desde entonces a

Menem como una especie de Cavour argentino, que lideró en el país cambios similares a los

realizados por el Partido de los Moderados en el Risorgimento italiano. Alcanza con comparar la

situación a la que fue conducida la Argentina por las políticas menemistas con el desplazamiento

efectivo del viejo orden que ocurrió en ese país y con el desarrollo industrial del Norte italiano

(que llevó a que ya el Tratado de Paz de Versalles pudiera reconocerle a Italia el status de Gran

Potencia), para sospechar seriamente del particular sentido que Castro ha pretendido darle así a

la noción de “revolución conservadora”.

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para atraer inversiones y, otra vez, el país comenzó a avanzar hacia lahiperinflación. Mientras el precio del dólar se disparaba, un equipoeconómico de recambio quiso frenarlo recurriendo a un expedientepoco apto para generar confianza pública: a fines de 1989, el PlanBonex confiscó todos los depósitos a plazo fijo, sustituyéndolos porbonos a diez años de plazo que inicialmente redujeron el valor deesos depósitos en un setenta por ciento. La cotización del dólar bajópero a costa de una fuerte recesión y de una inflación en rápidoascenso. Poco después, llegaba Domingo Cavallo al Ministerio deEconomía y, a comienzos de 1991, en un contexto de notorio retrasocambiario, lanzaba el Plan de Convertibilidad, fijando una paridad 1a 1 entre el peso y el dólar. El Plan iba a lograr dos cosas: liquidar lainflación y consolidar definitivamente el ciclo de hegemonía del capi-tal financiero.

Es verdad que, en los tres años siguientes, la economíaargentina creció a un ritmo excepcionalmente elevado. Pero, comose apreciaría mejor después y sin perjuicio de los aumentos deproductividad que experimentaron diversos sectores, incidieron enello una serie de factores circunstanciales que no volverían arepetirse16. En primer término, la liquidez internacional de loscapitalistas errantes alcanzó máximos históricos desconocidos y,entre otros lugares, muchos de ellos volvieron también sus ojoshacia la Argentina, atraídos por una ausencia absoluta derestricciones a sus movimientos, tasas de interés muy atractivas,el respaldo que le brindaban al país los organismos internacionalesde crédito, una serie de incentivos fiscales y el seguro de cambiogratuito que les ofrecía el Plan de Convertibilidad. En segundotérmino, este flujo se vio fuertemente incrementado por el programade privatizaciones menos controlado, más veloz y de menor riesgoempresario de que se tenga memoria, esa famosa “venta de lasjoyas de la corona” que liquidó y desnacionalizó la mayor parte de

16 Acerca de los cambios tecnológicos que ya habían comenzado a registrarse desde la dictadura

militar en algunas áreas (especialmente, en la agricultura y en ciertos segmentos de la industria),

ver mi “Vaivenes de un régimen social de acumulación en decadencia”, en J. Nun y J. C. Portantiero,

op.cit., págs. 83-116. Para una visión de conjunto y actualizada de este tema, me remito a

Bernardo Kosacoff y Adrián Ramos, Liberalización, estabilidad y desarrollo: el caso argentino (Brasilia,

FUNCEB, 2002).

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las empresas públicas 17 . Un tercer elemento, que se revelaríatambién coyuntural, fue la expansión de la recaudación impositiva,conseguida mediante una regresividad creciente del sistematributario que pasó a depender de impuestos indirectos cada vezmás altos (como el IVA) mientras quedaban exentas las rentasfinancieras y los dividendos de los dueños de las sociedadesanónimas.

En todo caso, la falta de un genuino programa de desarrollo y,en especial, de políticas industriales activas (con algunas pocasexcepciones favorables a las grandes empresas, como el régimen espe-cial de protección a la industria automotriz, que supuso una cuasi-re-serva del mercado interno para un puñado de terminales) hizo que lafase expansiva concluyera en la recesión de 1995, influída en buenamedida por la retracción de los capitales errantes, asustados ante lacrisis mexicana del año anterior. El cuadro volvió a modificarsefavorablemente en el bienio 1996-98 hasta que, en el segundo semes-tre de este último año, el país ingresó en un proceso de depresióncreciente, del cual aun no ha salido. (Es significativo que fuera éste elmomento elegido por el F.M.I. para invitar a Menem a hablar ante suAsamblea General, privilegio sólo compartido hasta entonces por losprimeros mandatarios de Estados Unidos).

Se confirmaba así que, en el nuevo régimen social deacumulación que había empezado a gestarse en la década del 70, losmovimientos de capitales de corto plazo se habían constituído en elfactor autónomo determinante de las fluctuaciones de la producción ydel empleo18. Uno de los efectos más ostensibles de esta dinámica ha

17 “Teléfonos, electricidad, agua y algunos servicios de transporte pasaron a ser monopolios

privados en vez de públicos; sus tarifas, en contratos de largo plazo, subieron según la inflación

de los Estados Unidos, aun cuando en la Argentina caían los precios. Y las tasas de interés

siguieron siendo altas. Los bancos prestaban dólares al 25 %, por más que, en teoría, el riesgo era

bajo”. Esta síntesis (válida aunque moderada) la tomo de una publicación tan conservadora

como The Economist, 2/3/2002, lanzada a explicar el derrumbe argentino. Para análisis más

extensos y rigurosos de este tema crucial, ver los Documentos de Trabajo producidos desde 1996

por el Proyecto Privatización y Regulación en la Economía Argentina, Área de Economía y

Tecnología, FLACSO/SECYT/CONICET, Buenos Aires.18 Cf. Aldo Ferrer, “Los ciclos económicos en la Argentina: del modelo primario exportador al

sistema de hegemonía financiera” (Buenos Aires, Academia Nacional de Ciencias Económicas,

1995).

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sido la frecuencia y la intensidad históricamente inusitadas de las on-das recesivas experimentadas por el país: 1975-76, 1978, 1981-82, 1989-90, 1995, 1999-2002. Más aun: en las condiciones descriptas, la debilidady la vulnerabilidad de las fuentes autónomas de generación de divisassupuso que, en los hechos, un Plan como el de Convertibilidad sólopudiera mantenerse al precio de un continuo endeudamiento externo(que subió fuertemente desde 1993) y de un aumento extraordinario dela desocupación y del subempleo, que alcanzaron prontamente susmáximos históricos. En realidad, son dos fenómenos que se entrelazan,toda vez que la conflictiva alianza entre los capitalistas errantes y loscapitalistas estacionarios hizo que, a partir del Plan Brady, el serviciode la deuda se convirtiese en el eje principal de la política económica, afin de evitar por todos los medios que sonara la alarma en las computa-doras de los capitalistas errantes19.

4.

Dicen que Milton Friedman nunca aceptó un cargo oficial paraevitar que su neoliberalismo ortodoxo pudiera verse empañado por loscompromisos que siempre exige la actividad política. Sus seguidores ar-gentinos no han tenido los mismos reparos y, por el contrario, ahora intentanmagnificar el peso de tales compromisos para eludir las responsabilidadesque les caben en el actual desastre. Es verdad, por ejemplo, que el Plan deConvertibilidad fue localmente generado y que el Fondo Monetario Inter-nacional nunca lo vió con buenos ojos. Esto no quita que le brindase unamplio apoyo y que erigiera a la Argentina en el caso modelo de las ventajasy de la eficacia del llamado “consenso de Washington”. Ocurre, en efecto,que el canon neoliberal fue uno de los grandes soportes ideológicos de lapeculiar “revolución conservadora” encabezada por Menem, a quien todavíaen 1998 Michel Camdessus no vacilaba en calificar como “el mejor presi-dente” que hubiera tenido el país “en los últimos 50 años”.

De acuerdo a este canon, el motor del crecimiento son las

19 “Los objetivos referidos al nivel de la actividad económica y el empleo quedan subordinados

al reciclaje de fondos externos necesarios para complementar los recursos propios destinados al

servicio de la deuda”, Aldo Ferrer, op.cit., pág. 9. Acerca de los conflictos entre las cúpulas

económicas, particularmente a partir de la crisis de 1995, ver especialmente Eduardo Basualdo,

Concentración y centralización del capital en la Argentina durante la década del noventa (Buenos Aires,

Universidad Nacional de Quilmes, 2000).

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inversiones en capital fijo, las cuales requieren que las tasas de interéssean bajas. A su vez, esto sólo resulta posible en un contexto de preciosestables y de altos niveles de ahorro. Por lo tanto, la inflación se erige enel principal enemigo del crecimiento y combatirla impone, entre otrascosas, que se achique el estado y que haya equilibrio fiscal; la flexibilizacióndel mercado de trabajo, para evitar cualquier presión alcista de los salarios;y una política de libre comercio que fomente la competencia.Exactamente, se dice, el camino que recorrió los Estados Unidos bajoClinton. ¿Evidencias que lo confirman? El rápido crecimiento de esepaís en los 50 y los 60, cuando la inflación era baja; su pobre desempeñodespués, cuando la inflación subió y los ahorros descendieron; y la bonanzade los 90, cuando retornaron los precios estables, desapareció el déficitfiscal, aumentó el ahorro y el gobierno redujo drásticamente su papel.

Como sucede a menudo, la lógica de un razonamiento de estetipo es impecable siempre que se acepten sus premisas. Y son estaspremisas las que no se sostienen, como ha sido suficientementedemostrado20. El error es haberle atribuído un vínculo causal a dosprocesos que simplemente coexistieron en el tiempo. Porque el descensode la inflación en los Estados Unidos fue anterior a las políticas quemencioné más arriba y no sólo el crecimiento no resultó de estas políticassino que lo limitaron seriamente, no resolvieron el problema de ladesigualdad y colocaron al país al borde de la recesión. ¿Qué pasó,entonces? Que, tal como ocurrió antes con la máquina a vapor o con elmotor eléctrico, los grandes cambios técnicos siempre tardan en madurary es recién desde fines de los 80 que comenzó a dar realmente sus frutosla revolución informática, generando aumentos de productividadespectaculares e inesperados. Fueron estos aumentos los que hicieronque creciesen las ganancias pero no los precios y es a ellos que se debió laestabilidad monetaria y no a la desregulación o al equilibrio fiscal. Mástodavía: el impulso y buena parte de los fondos que financiaron inicial-mente esa revolución provinieron del gobierno. (Recuérdense, por ejemplo,los enormes gastos en defensa que realizó Reagan, a quien Galbraithllamaba por eso “un gran keynesiano”).

20 Para un excelente análisis del tema, ver Barry Bluestone y Bennett Harrison, Growing Prosperity(Boston, Houghton Mifflin, 2000. Hay traducción castellana: Prosperidad, Buenos Aires, Fondo

de Cultura Económica, 2001). Es significativo que un economista de los quilates de Robert

Heilbroner no haya vacilado en arriesgar su reputación (son sus propias palabras) para sostener

que esta obra iguala en importancia a la Teoría general de Keynes.

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Se perfila así un modelo alternativo, muy distinto al de la pro-paganda neoliberal, mucho más firmemente anclado en la evidenciahistórica y cuya meta explícita es el desarrollo con equidad. Para estemodelo, el motor del crecimiento son las innovaciones tecnológicas yno las inversiones en sí mismas. En medida considerable, talesinnovaciones resultan un producto no casual del contexto: necesitande políticas públicas y privadas que promuevan activamente lainvestigación y el desarrollo; de grandes inversiones del gobierno eninfraestructura; de una expansión continua de la educación y lacapacitación; etc. La prioridad no es aquí un presupuesto fiscal equili-brado sino un crecimiento social equilibrado. Para lo cual no alcanzacon lo dicho. El modelo exige, a la vez, que la demanda se amplíe almáximo y no de cualquier manera sino a través del incremento de lossalarios, apoyado por la acción del estado y de los sindicatos. Como hamostrado Lester Thurow, salarios más altos conducen a unaproductividad más alta y no al revés, como se creía21. Por lo demás,todo indica que la señal más significativa para los mercados es la de-manda futura esperable y no el nivel de la tasa de interés.

5.

Desde el ángulo de lectura que he adoptado aquí, no aplicar aun caso como el argentino principios como los mencionados (que, a sumodo, ya habían funcionado exitosamente en el Sudeste asiático, porejemplo) y sí, en cambio, los del “modelo de Wall Street” (o “consensode Washington”) supuso, entre otras cosas, abrirles de par en par laspuertas del país a los capitalistas errantes e indujo una rápida concentracióny centralización del capitalismo estacionario. Este último combinó lavalorización financiera con la producción rentística en mercadosoligopolizados, los cuales generaron muchos más encadenamientosmultiplicadores hacia afuera que hacia adentro del país. Lasconsecuencias que se siguieron resultan hoy irrefutables.

Para citar a Schvarzer: “En el período 1949-74 la industriamultiplicó su valor agregado en más de tres veces y se convirtió en elmotor de la economía y en la principal fuente de empleo y de riqueza

21 Lester Thurow, “Wages and the Service Sector”, en Ray Marshall, comp., Restoring BroadlyShared Prosperity (Austin, University of Texas, 1997)

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del país”. En cambio, debidamente recalculadas, las cifras oficiales“sugieren que la industria no ha crecido, en términos de su aporteproductivo, en el curso del último cuarto de siglo”22. El impresionanteproceso de desindustrialización consiguiente no fue compensado porotros mecanismos de creación de riqueza que beneficiaran al conjuntode la sociedad. Según los criterios de medición que se utilicen, enveinticinco años de “economía cerrada” (1949-74), el producto percapita había crecido entre un 48 y un 67%; en el cuarto de siglo siguiente,dominado por las políticas neoliberales, este crecimiento fueprácticamente nulo. Y el país pasó de ocupar tradicionalmente el primerlugar en América Latina en materia de ingreso per capita a ubicarse hoydetrás de Uruguay, Chile, Brasil, México y Venezuela23.

Lo cual no debe ser leído en absoluto como un elogio irrestrictode la “economía cerrada” sino como una crítica a los descomunalesexcesos de los de arriba que están en la base de la supuesta “revoluciónconservadora” que ha venido padeciendo la Argentina. Porque comoindicador promedio que es, esa falta de crecimiento del producto percapita encubre una brutal traslación de ingresos hacia los más ricos, que

han resultado ganadores en todas las fases del ciclo económico. Datos oficialesde noviembre de 2001 para la Capital Federal y el Gran Buenos Airesindican que la brecha entre el 20 % de mayores recursos (que se quedacon el 53 % de los ingresos) y el 20 % de menores recursos pasó de 7.8veces en 1974 a 14.6 veces en el 2001; y si se toman solamente elprimero y el último decil, se comprueba que la diferencia se amplió de12 a 28 veces. (Dada la propensión de los más ricos a subdeclararsus ingresos y de los más pobres a sobrevaluarlos, es muy probableque estas distancias sean en realidad mucho mayores. Conviene re-cordar que la cifras se refieren a los ingresos anuales y no alpatrimonio acumulado).

Este incremento de la desigualdad (que coloca a la Argentinaentre los 15 países con la peor distribución del ingreso en el mundo) se havisto acompañado por otros tres fenómenos de similar gravedad. Uno esla desocupación: en 1993, en pleno auge del Plan de Convertibilidad, el

22 Jorge Schvarzer, “Economía argentina: situación y perspectivas”, La Gaceta de Económicas, 24/

6/2001, pág. 623 Ver La Nación, 17/3/2002, p. 10, en base a datos oficiales.

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desempleo abierto llegaba por primera vez en el último medio siglo al10%, para duplicarse después con la crisis del tequila y afectar estimati-vamente hoy a cerca de un tercio de la fuerza de trabajo, cuya ampliamayoría carece de cualquier forma de protección social. A esto se sumanguarismos semejantes de subocupación y entre un 40% y un 50% detrabajadores no registrados o “en negro” (incluídos muchos que tienenempleo en grandes empresas o en el propio sector público). El segundofenómeno es, desde 1984, el descenso del salario real (apenas interrumpidoen 1991-92), de modo que las remuneraciones de los trabajadoresterminaron cayendo a niveles análogos a los de hace medio siglo y ahoratienden a seguir bajando. En tercer lugar, más del 50 % de la población seubica en la actualidad por debajo de la línea de pobreza, que supera ape-nas un nivel mínimo de mera subsistencia (y ello en un país que producealimentos suficientes para una población diez veces superior a la actual).A esto se suma que, en la última década, 6 de cada 10 nuevos pobres hanprovenido de la otrora poderosa clase media argentina.

Alcanza con estos elementos para advertir la magnitud del saqueoa que ha sido sometido el país y por qué no es arbitrario apelar a unametáfora como la de Olson para tratar de entenderlo, por lo menos enparte. El ciclo de la hegemonía del capital financiero ha sido claramentetambién el del exceso de participación del gran capital en los asuntospúblicos en su exclusivo beneficio y me interesa explorar ahora algunosde los efectos generales que esto ha tenido sobre el régimen político degobierno.

6.

Si es cierto que el bandolerismo no reconoce fronteras, tambiénlo es que una de las principales obligaciones de los gobiernos consiste enproteger de él a sus ciudadanos e impedir que prospere. Como subrayaManent, la función de custodiar y conservar es siempre inherente alejercicio legítimo de la soberanía24. No fue éste el caso de la Argentina,especialmente en la década pasada. Más aun, para llevar adelante sutipo de “revolución conservadora” al menemismo no le bastaba conlograr la extraordinaria delegación de facultades legislativas a la cual yame referí ni con recurrir incesantemente a los “decretos de necesidad y24 Pierre Manent, Cours familier de philosophie politique (París, Fayard, 2001)

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urgencia” y al veto parcial o total de las leyes que no le convenían.Necesitaba también reducir al máximo la independencia del Poder Ju-dicial para que el decisionismo a ultranza que puso en práctica no quedaraexpuesto a su control. Lo consiguió sobre todo de dos maneras, quesacudieron las bases mismas del estado de derecho republicano, ya se-riamente debilitadas, antes, por las leyes de Punto Final y de ObedienciaDebida y, después, por el indulto que benefició a los responsables delterrorismo de estado.

Por un lado, incrementó de 5 a 9 el número de miembros de laCorte Suprema, asegurándose así una “mayoría automática” queconvalidó hasta las menos defendibles de sus medidas. (Agrego undato que trasciende lo anecdótico. La única justificación explícita quese dió de ese incremento fue que la Corte iba a poder dividirse así enSalas a fin de operar con mayor eficiencia. En su primera acordada, laCorte resolvió no dividirse en Salas). Por otro lado, el gobierno se lascompuso para renovar por completo el fuero federal – esto es, el fuerollamado a entender en causas que lo involucrasen -, poblándolo de juecesque le fueran adictos. Sumadas al control oficialista del Congreso, ambascircunstancias no sólo destruyeron de hecho la división de poderes sinoque redundaron en un sensible descenso de la idoneidad de sectoresestratégicos de la magistratura. A esto se añadieron fenómenos talescomo las prebendas, los nombramientos y ascensos antojadizos en dis-tintos fueros y un desfinanciamiento generalizado para afectar grave-mente tanto la acción como la credibilidad de la justicia, incluyendotambién en este desprestigio a jueces que seguramente no lo merecían.(Quizás no esté demás advertir que, en este sentido, sistemas como eljudicial son indivisibles: alcanza conque se corrompa una parte – espe-cialmente si ésta abarca a su cabeza – para que el conjunto se vuelvano confiable pues resulta incierto el destino de cualquier recurso).

A la vez, semejante desquicio de los centros neurálgicos delPoder Judicial garantizó la impunidad de numerosos funcionarios pú-blicos y de dirigentes políticos, empresarios y sindicales que se plegaronal clima de época, obraron en colusión con los capitalistas errantes y

estacionarios y amasaron enormes fortunas facilitando sus actividades,fuesen éstas lícitas o no. Es que, por así decirlo, descendiópalpablemente el “costo de oportunidad” de la corrupción, que adquirió

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desde entonces magnitudes tan grandes que un sindicalista (hoy sena-dor) pudo decir sin rubores y sin consecuencias: “Si dejamos de robardurante dos años, el país se salva”. La situación fue denunciada abun-dantemente por los sectores más sanos del periodismo y, no porcasualidad, la respuesta de los acusados (incluído el propio Presidentede la República) resultó siempre la misma: “que decida la justicia”25 .

En estas condiciones, y a pesar de algunos intentos que sehicieron, tampoco demostró ser factible constituir una burocracia pú-blica altamente capacitada, bien remunerada y éticamenteirreprochable que, como en otros lugares, pudiese asegurar lacontinuidad, la transparencia y la eficacia de la acción del estado.Conspiraron contra ello la propia corrupción ambiente, los favoresclientelísticos, los cambios constantes del personal jerárquico y lasasignaciones presupuestarias insuficientes o muchas veces capricho-sas. Es decir que tampoco este importante espacio estatal de diseño,implementación y evaluación de políticas públicas y de defensa delos intereses colectivos ha funcionado en forma siquiera medianamenteadecuada. Tres ejemplos que lo ilustran con mucha claridad son laestéril superposición y los muy magros resultados de los programassociales; la general inoperancia (cuando no directamente lacomplicidad) de los órganos encargados de supervisar y de regular eldesempeño de las empresas privatizadas; y la abrumadoraincompetencia de los controles fiscales a todos los niveles26.

La contracara (y muy a menudo la causa) de esas considerableslimitaciones de la burocracia estatal fue una persistente ocupaciónpartidaria de los lugares que les hubieran correspondido a losfuncionarios de carrera. Esta tendencia se inició durante el gobiernode Alfonsín (quien, además, rompiendo una larga tradición del radi-calismo, concentró a la vez las presidencias de la República y de laUCR) y culminó bajo Menem, reduciendo a un mínimo la autonomíade los partidos. Por eso ha podido compararse al Partido Justicialistade los años 90 con el PRI mexicano, dadas su organización “de arriba

25 Ver, por ejemplo, Horacio Verbitsky, Robo para la corona: los frutos prohibidos del árbol de lacorrupción (Buenos Aires, Planeta, 1996)26 Un dato comparativo: mientras que la recaudación impositiva supera en Brasil al 30 % del

PBI, en Argentina apenas llega al 21 %.

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hacia abajo, desde los despachos oficiales hasta cada unidad territoriallocal” y su financiamiento parcial o total con fondos públicos, en unaépoca en la que “el dinero reemplazó a la militancia voluntaria comorecurso estratégico en las luchas internas”27.

Tales luchas sin duda existieron pero muy pocas veces fueronel signo de una real vitalidad democrática de los partidos. Tanto en loscasos del radicalismo como del justicialismo consistieron sobre todoen enfrentamientos, negociaciones y compromisos entre caudillos, seaen vísperas electorales, sea en las constantes disputas por fondos entrelos gobernadores y el poder central, sea en el plano de los debates ycomponendas parlamentarios. Ni hubo ni se promovió una auténticaparticipación ciudadana y esto ni siquiera varió cuando ingresó a laescena el FREPASO, una coalición de centro-izquierda que, para crecer,dependió esencialmente de la continua presencia de sus líderes en losmedios masivos de comunicación y no de un esfuerzo organizativo máso menos coherente de construcción desde las bases.

Caben pocas dudas de que la crisis de representación se ha con-vertido en un fenómeno bastante habitual en las sociedadescontemporáneas y que inciden fuertemente sobre ella desde lafragmentación y desestructuración de las clases sociales hasta lavideopolítica, pasando por el peso enorme que adquirieron las grandescorporaciones en un mundo globalizado a su medida. También es ciertoque, por definición, en una democracia representativa debe existirsiempre una distancia entre gobernantes y gobernados y que esta dis-tancia reconoce dos extremos: cuando es nula, nos hallamos ante unademocracia directa; cuando es total, ante una tiranía. Entre esos ex-tremos, el grado tolerable de tal separación es indecidible a priori ydepende de una historia, de tradiciones culturales, de las ideologías enpugna, de las formas organizativas, etc. Pues bien: lo que trato de decires que, en las condiciones de la Argentina que he descripto, la distancia27 Marcos Novaro, “El presidencialismo argentino entre la reelección y la alternancia”, en I.

Cheresky e I. Pousadela, comps., Políticas e instituciones de las nuevas democracias latinoamericanas(Buenos Aires, Paidós, 2001), pág. 84. Resulta curioso el argumento al que apela este autor para

afirmar que “las dificultades que resultan del modelo menemista no obedecen a un supuesto

‘debilitamiento del partido’, como se sostiene en algunos análisis, sino a su elevada ‘estatización’:

ella supone altos costos de transacción para la formación de consensos en torno a políticas, establece una fuertedependencia de las estructuras partidarias respecto de los recursos públicos y pone en riesgo las instituciones alborrar la diferencia entre partido y Estado”, op. cit., págs. 85-86, cursiva agregada.

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se volvió tan grande que acabó conduciendo desde mediados de los 90a una virtual ruptura del lazo de representación.

Sólo que resulta necesario ir todavía más lejos pues esta rupturaes la manifestación más visible de un problema de una gravedad muchomayor, que el fracaso del gobierno de De la Rúa se encargó deprofundizar. Aludo a un verdadero vaciamiento de la vida pública, a lapérdida de eso que Hegel llamaba la “ética objetiva” o Sittlichkeit. Serefería de esta manera no al subjetivismo individualista del deber serkantiano sino a la moral colectiva, al lenguaje que hablan cotidiana-mente las instituciones y las prácticas concretas de una sociedad y através de las cuales se puebla de sentido la existencia de quienes lahabitan28. Por eso, cuando las instituciones no cumplen los fines paralos cuales fueron creadas y la gente pierde la confianza en los políticoso en los jueces o en los empresarios o en los sindicalistas o en los policías,se ingresa en el mundo alienado del sin sentido29.

Basten nuevamente algunas evidencias empíricas30. Para la am-plia mayoría de los argentinos entrevistados en los últimos cinco me-ses, la política se ha vuelto un sinónimo por antonomasia de corrupcióny de privilegio y un 75 % no muestra interés alguno de involucrarse enella (PNUD). Tres de cada cuatro, ni se sienten identificados con el siste-ma democrático argentino ni creen tampoco que el resto de los ciudadanosconfíe en él (IBOPE). Menos del 5 % emiten juicios positivos sobre loslegisladores (0,9%); el Poder Judicial (0,8%); los jueces (1,8%); elCongreso (4,9%); los gobernadores (1,8%); o las relaciones entre lospartidos políticos (2,2%) o el estado (4,8%) con la sociedad (IBOPE).

28 He desarrollado estas cuestiones en La rebelión del coro (Buenos Aires, Nueva Visión, 1989) y

más recientemente, en relación a la crisis argentina actual, en “Variaciones sobre un tema de

Hegel”, en J. E. Burucúa y otros, La ética del compromiso (Buenos Aires, Altamira/Fundación

OSDE, 2002)29 “La Argentina es un Estado debilucho, que está al borde de la anomia, atravesando una

situación riesgosa que se agudiza porque tenemos instituciones débiles y una sociedad desintegrada,

propensa a caer en el fastidio”. Viene de declararlo el propio ministro de Justicia actual, Jorge

Vanossi, en La Nación, 17/3/2002, pág. 1130 Los datos son inéditos y provienen de dos fuentes distintas. Por una parte, las encuestas

nacionales realizadas en octubre de 2001 y febrero de 2002 por PNUD para el “Informe sobre

la democracia en Argentina” del PNUD (en adelante, PNUD). Por la otra, la encuesta nacional

efectuada en febrero de 2002 por IBOPE OPSM para el “Monitor de tendencias económicas y

sociales” (en adelante, IBOPE).

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Un 70 % considera que la opinión de los ciudadanos no cuenta paranada y son mayoría quienes afirman que los grandes capitalistasnacionales y extranjeros poseen más poder que el gobierno (PNUD).Es interesante constatar que, en el último sondeo de PNUD, únicamenteun 25 % de los encuestados afirma que los políticos son los principalesresponsables de la crisis que vive el país mientras que un 72% achacala situación a “toda la clase dirigente”, esto es, a “los políticos, losbanqueros, los sindicalistas, los empresarios, los jueces, etc.” A esto seagrega que el rechazo hacia las empresas de servicios públicosprivatizadas ha subido ahora a un inédito 88% (PNUD).

Los datos presentados tienen un corolario muy significativo. Mientrasque en junio de 1995 un 76% de los respondentes consideraba que “lademocracia es preferible a cualquier otra forma de gobierno”, tanto enoctubre de 2001 como en febrero de 2002 alrededor de un 40% dejó decreerlo así y la cifra exhibía una tan clara como esperable asociación posi-tiva con el nivel económico y social de los entrevistados (PNUD). Algomás: entre 4 y 5 de cada 10 encuestados admitieron ya en octubre quetolerarían “un gobierno autoritario si de esta manera se pudieran resolverlos problemas de seguridad o los económicos” (PNUD). Por otra parte, esrevelador que la proporción de quienes opinaron que una democracia puedefuncionar sin partidos políticos haya crecido casi un 50% entre octubre yfebrero últimos, pasando del 28% al 41% (PNUD).

Desde luego, una crisis orgánica de esta profundidad provocasiempre reacciones múltiples. Una de ellas – anunciada y estigmatizadapor el propio Hegel hace doscientos años – consiste precisamente enun repliegue aun más intenso en el individualismo cerril del “sálvesequien pueda”, lo cual incrementa los comportamientos bandoleriles quemencioné antes. Una segunda respuesta es la fuga: el flujo real y poten-cial de emigrantes alcanza hoy niveles sin precedentes en períodos devigencia de la Constitución. En tercer lugar, se han expandido fenómenosque van desde el refugio en comunidades religiosas, en la “cultura delnarcisismo” o en prácticas esotéricas hasta el incremento de lasadicciones y de la criminalidad, especialmente entre los jóvenes.

En el otro extremo, además del fortalecimiento de movimientossociales ya existentes, han surgido en diversos sectores nuevas y

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originales actitudes solidarias de variados alcances y formas: el FrenteNacional de Lucha contra la Pobreza (que, en diciembre de 2001,consiguió juntar más de tres millones de votos en su reclamo de uningreso mínimo para los desocupados); los movimientos de “piqueteros”;los “clubes del trueque”; las asambleas populares; los cacerolazos; etc.La pregunta obvia es por qué demoró tanto esta reacción popular con-tra el despojo y todavía hoy las movilizaciones resultan relativamenteacotadas31.

Contestarla requeriría estudios de los que aun no se dispone.Imagino, de todas maneras, que la respuesta tiene que ver, entre otrascosas, con las expectativas que despertó la caída de la dictadura, primero,y la derrota de la hiperinflación, después, así como con la saturacióndel espacio ideológico por el “discurso único” del neoliberalismo, conel modo en que los partidos políticos y los sindicatos (salvo excepciones)terminaron usurpando los canales de expresión ciudadana y con la propiadesilusión que siguió a las promesas incumplidas de dirigentes en losque muchos creyeron. De cualquier manera, los umbrales de la protes-ta generalizada suelen ser siempre altos en los regímenes representati-vos. Aquí, en los últimos meses, empujaron finalmente a franquearlostanto la desesperación de los marginados (y su necesidad de hacerseoir) como la indignación de los sectores de clase media que, por unlado, desde diciembre de 2001, han visto confiscados una vez más susahorros y, por el otro, empiezan a construir lentamente nuevos espaciosde igualdad y de solidaridad.

En todo caso, resulta pertinente señalar, en relación con mi argu-mento, que a las previsibles demandas de empleo, de seguridad, de justiciao de educación, los crecientes focos de resistencia que se han desencadenadoen estos meses les han sumado otros tres grandes reclamos: que se deje derobar al país, que se corten lazos con el Fondo Monetario Internacional

31 En febrero de 2002, sólo un 20 % de los entrevistados dijo haber asistido a una reunión

pública vecinal o a una marcha de protesta en los últimos dos meses (PNUD). Es claro que se

trata de datos nacionales y no reflejan en toda su intensidad los niveles de protesta que se

registran en los principales centros urbanos, especialmente la Capital Federal y el Gran Buenos

Aires. Otro indicador no desdeñable del descontento reinante es el hecho de que en las elecciones

legislativas de octubre de 2001, un 40 % de los ciudadanos o no votó o emitió un voto nulo o

en blanco.

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(responsable y garante de la mayoría de las políticas económicas que seadoptaron en los 90) y que se vayan todos los políticos.

7.

Dije que, en el plano del régimen social de acumulación, elcanon neoliberal fue el principal soporte ideológico de lo sucedido enla Argentina, refractado en el prisma expoliador que describí. A estohay que añadirle que, a nivel del régimen político de gobierno, ha domi-nado la llamada doctrina de la libertad negativa, según la cual la libertadequivale simplemente a la falta de interferencias. La combinación deese canon y de esta doctrina sirvió aquí para allanarle el camino a losbandoleros y para justificar los excesos de los de arriba32. Veamosrápidamente por qué.

El esquema neoclásico/neoliberal reposa sobre tres basesconocidas. Una es la estricta separación entre la economía y la política,pues se considera que la primera se halla dotada de una lógica propia yautosuficiente. Otra, que se deriva necesariamente de la anterior, es laidea de que los agentes económicos obran guiados exclusivamente porcriterios de racionalidad instrumental. Y la tercera, que el problema dela distribución del ingreso no es central, como creían Adam Smith oDavid Ricardo, sino que se resuelve por arrastre, en tanto nadaentorpezca una acción sin trabas de los mercados. (Según afirmara vonHayek en los años 40: “La demanda de distribución justa es un atavismobasado en emociones primarias que son fomentadas por los profetas ypor los moralistas”). Desde esta perspectiva, entonces, el papel que sele asigna al estado es mínimo y subsidiario y la tarea de la época consis-te en ponerle fin al protagonismo que tuvo durante los últimosdoscientos años.

En cuanto a la doctrina de la libertad negativa, conduce porotro camino al mismo resultado y lo refuerza. Por una parte, si la libertades un mero sinónimo de la ausencia de obstáculos externos para laacción individual, es obvio que, entre otras cosas, se impongan comoprincipios necesarios la desregulación de los mercados, la flexibilización

32 Debo subrayar que fue así aquí pues, en otros lugares – de larga tradición republicana,

instituciones consolidadas, etc. – los efectos no resultaron igualmente devastadores.

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de las reglas, la primacía de la iniciativa privada, etc. Pero, sobre todo,tiende a seguirse de este planteo que, establecida la democracia liberal,todos los ciudadanos son libres por definición, ya que se supone queuna cosa es la libertad y otra, su ejercicio 33 . Nótese: de acuerdo a la ley,cualquier persona es libre de estudiar, de circular, de asociarse, etc.; sino lo puede hacer por carencia de recursos, esto no afecta su condiciónde persona libre sino simplemente su capacidad de hacer uso de lalibertad de la cual se presume que, de todas maneras, goza.

Volens nolens, la conclusión que resulta es exactamente la que noha vacilado en apropiarse el neoliberalismo en su lucha contra el Esta-do de Bienestar: esto es, que la obligación del gobierno se limita agarantizar la libertad de los ciudadanos y no a asegurar su ejercicio. Porel contrario, cada vez que intenta hacer esto último estaría violando sumisión pues acaba interfiriendo la libertad de los agentes económicos yde los mercados, que son los únicos capaces de realizar una asignaciónóptima de los recursos disponibles.

Se cierra así un círculo plagado de falacias pero que no por esoha sido menos eficaz desde el punto de vista ideológico, al punto que,de un modo o de otro, fue asumido por los partidos mayoritarios argen-tinos. Ante todo, se soslaya que cualquier compromiso con la libertadimplica también un compromiso con las precondiciones sociales que latornan posible. Si éstas no se hallan presentes, si no existe esa “igualdadbásica de condiciones” de que hablaba Tocqueville, si el sujeto nodispone de una cuota mínima de dignidad y está dominado por miedostan elementales como el de no lograr sobrevivir, se encuentra privadode autonomía moral y su presunta libertad se convierte en apenas unsimulacro. Como sostuvo hace años León Blum: “Toda sociedad que quiera

asegurar a los hombres la libertad debe empezar por garantizarles la existencia”34.

Al mismo tiempo, todas las evidencias históricas indican que no

33 Es la posición que sostienen teóricos tan importantes como Isaiah Berlin o John Rawls. Para

una refutación muy convincente, ver G. A. Cohen, “Falta de dinero es falta de libertad” (mimeo)34 Ver sobre esto mi Democracia..., págs. 100-103. Para salir al paso de una posible objeción de

corte demagógico-populista: la falta de libertad no implica necesariamente falta de resistencia,

como ya lo probaron hace mucho las revueltas de los esclavos. Y, desde luego, todo sujeto cuenta

con la libertad última de dejarse morir. Pero no es de esto de lo que hablo sino del goce pleno de

los derechos constitucionales en los que se funda una democracia representativa.

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es válido postular una separación tajante entre la economía y la políti-ca, como si los mercados, por ejemplo, pudieran funcionar al margende las instituciones y de las normas que los estructuran o el derecho depropiedad no implicase siempre un derecho de exclusión que exige quehaya autoridades públicas que lo hagan respetar . Hace rato que quedóclaro que puede haber un estado sin capitalismo pero no un capitalis-mo sin estado. De ahí que las pretendidas des-regulaciones sean siempreen realidad el nombre que se les da a las re-regulaciones llamadas afavorecer otros intereses, como el caso argentino lo demuestrasobradamente35.

Pero, en especial, no hay ninguna prueba valedera de que elbienestar económico colectivo pueda generarse meramente por arrastre.Primero, porque como alguna vez puso de manifiesto ul Haq, a todoesquema productivo le son inherentes determinadas pautas distributivasy no otras. Y segundo, porque sin una acción estatal sostenida, elmentado “efecto derrame” no pasa de ser un slogan propagandístico delneoliberalismo36 . Sobre todo, porque allí donde dominan los capitalistas

errantes y los gobiernos no protegen a su pueblo, los márgenes debenevolencia de los capitalistas estacionarios se reducen casi hasta desa-parecer y sus comportamientos se identifican cada vez más con los deaquéllos. La culminación de este proceso es no sólo la evasión fiscal ola fuga de fondos sino el traslado mismo de sus empresas a otros paíseso, muchas veces, su venta a capitalistas errantes que las endeudan, lasvacían y las desguazan. Esto sin contar la repetida práctica de lospréstamos back to back, que hoy les permiten, por ejemplo, obtener réditosexcepcionales con la pesificación indiscriminada de las deudas banca-rias en dólares dispuesta por el actual gobierno en medio de unadevaluación que está fuera de control.

Las consecuencias de todo esto se hallan a la vista y hacen queel parecido de familia de la democracia representativa argentina conlos casos que habitualmente se usan como paradigmas (las naciones

35 Ver Daniel Azpiazu, Graciela E. Gutman y Adolfo Vispo, La desregulación de los mercados(Buenos Aires, Norma, 1999).36 Como he indicado en otros lugares, es notable que la propaganda neoliberal haya convertido

demagógicamente en derrame lo que, en su versión original, no era más que el trickle down effect,esto es, el efecto goteo que se le atribuyó, bastante razonablemente, a los procesos sostenidos de

crecimiento económico.

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capitalistas desarrolladas de Occidente) sea cada vez más remoto. Nohay mucho de qué extrañarse. Expliqué en otro texto lo que llamé “lasingular paradoja latinoamericana de nuestros días”; esto es que “allí

donde tanto las viejas como las nuevas democracias del Primer Mundo se

consolidaron en el contexto de una marcada baja de la desigualdad, de la pobreza

y de la polarización, aquí ocurre todo lo contrario y los procesos de democratización

en curso están acompañados por un crecimiento crítico de los tres fenómenos”37.

Pero existe algo que singulariza y agrava la situación de la Ar-gentina. Junto con Uruguay, primero, y con Costa Rica, después, fue elpaís capitalista de mayor integración social en América Latina. O seaque mientras que en otros lugares el tema ha sido y es incorporar aquienes estuvieron largamente excluídos, el drama argentino radica hoyen la creciente marginación de los que desde hace mucho tiempo estabanya incluídos. En términos de las dimensiones de la ciudadanía quedefinió clásicamente T. H. Marshall, asistimos a profundos y extendidosprocesos de des-ciudadanización parcial o total, enmarcados por la crisisde las instituciones y de las libertades públicas a las que aludí. Lacuestión que se impone es establecer en qué punto una democraciarepresentativa acaba perdiendo su derecho al nombre dado el bajoporcentaje de ciudadanos plenos que alberga.

8.

¿Cómo termina esta historia? No lo sé. Sólo estoy seguro deque para que termine bien sería necesario, entre otras cosas, liquidar elbandolerismo; fortalecer (y, en muchos casos, cambiar) las instituciones;reconstruir el tejido social y la vida pública, con todo lo que ello impli-ca en términos normativos y de organización; poner en práctica políti-cas activas de producción y de empleo; redistribuir progresivamentelos ingresos y las riquezas; expandir los derechos de ciudadanía; refor-mar tanto la política como las burocracias públicas a nivel nacional yprovincial; y acabar de una buena vez con los excesos de los de arriba.

Insisto: la experiencia de las democracias liberales exitosasdemuestra que su consolidación ha dependido de un compromiso social,garantizado y conducido por el estado, entre los afanes de lucro del

37 J. Nun, Democracia..., pág. 127

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capitalismo y la prosperidad y el bienestar de la mayoría de losciudadanos. Cuando este compromiso se debilitó (o directamentedespareció), también se debilitaron esas democracias (o directamentedesaparecieron). En esto, las lecciones de los años 30 y de la posguerrasiguen siendo muy claras.

¿Hay algún indicio de que la Argentina esté marchando endirección a un compromiso semejante? Podrían llevar a pensarlo asítanto el dramatismo sin precedentes de la situación que atraviesa elpaís como ciertas declaraciones oficiales y el hecho bastante auspiciosode que, aun en estas circunstancias, un 80% de la población crea todavíaque es posible mejorar la calidad de la política y de los políticos (PNUD).

Sin embargo, un gobierno endeble como el de Duhalde vienecediendo cada vez más ante las presiones de los responsables internosy externos de la catástrofe y, luego de un breve silencio, el discursoneoliberal y sus voceros mediáticos han vuelto alegremente por susfueros. Uno de los símbolos de lo que digo es la apelación a la seguridadjurídica que ahora enarbolan como bandera los mismos que sacaronpartido cuantas veces pudieron de la corrosión de las leyes y de loscontratos y de las múltiples formas de corrupción que se difundieron.

Valgan un par de ejemplos. Las compañías petroleras (que graciasa la legislación menemista ya no son nacionales y sólo están obligadasa ingresar al país un 30 % de los ingresos que obtienen por la exportaciónde un recurso no renovable como el que explotan) han eludido impu-nemente todas las medidas que les exigían alinear los precios localescon los internacionales. Como anota Zaiat: “Durante la década del 90,a partir de la desregulación del sector, las petroleras contabilizaron unaganancia extraordinaria de 4.500 millones de dólares por no cumplircon la ley. Esa inseguridad jurídica la pagaron los consumidores”38. Asu vez, las empresas de servicios públicos privatizadas, en connivenciacon las autoridades de turno y en un país en deflación, se las compusieronpara indexar sus tarifas por la inflación de los Estados Unidos (sic),violando disposiciones expresas de la ley de Convertibilidad. Gracias aesto, en el período 1991-2000 lograron ganancias adicionales por 9.000

38 Alfredo Zaiat, “Chasman y Chirolita”, Suplemento Cash, Página 12, 17/3/2002, de quien

tomo ambos ejemplos.

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millones de dólares. En ninguno de los dos casos, los capitalistas erran-

tes y estacionarios o sus socios locales y extranjeros alzaron la voz paradenunciar la falta de seguridad jurídica que implicaban talesmaniobras; y también callaron cuando, de la noche a la mañana, elgobierno de De la Rúa rebajó de un plumazo los sueldos de losempleados públicos y los haberes de los jubilados. En cambio, hoyse rasgan las vestiduras cuando algún juez osa citar a declarar aunos cuantos banqueros que se presume que fugaron miles demillones de dólares de la Argentina en los últimos tiempos o cuandosurgen propuestas de revisar los inequitativos contratos de las em-presas privatizadas.

Otro símbolo importante es la conducta del FondoMonetario Internacional que, no únicamente clama también reciénahora por la seguridad jurídica, sino que demanda mayores ajustesy recortes del gasto público en medio de una recesión que lleva yamás de cuatro años y que se ha convertido en una verdaderadepresión. ¿Qué país del llamado Primer Mundo seguiría un caminoasí en estas condiciones? Pero ocurre que, en los hechos, el Fondoconsidera que una de sus principales misiones es proteger a loscapitalistas errantes y no asumir las responsabilidades que le cabeny compensar al pueblo argentino por las políticas económicas quetan decididamente impulsó y apoyó en los años 90. Por eso, sumayor preocupación es que el país salde su deuda externa, sin con-tribuir para nada, por ejemplo, a que recupere el dinero que, porun monto muy similar (o quizás superior) al de esta deuda, nuestroscapitalistas estacionarios enviaron ilegalmente al exterior39.

Todo lo cual es recubierto por una retórica moralista que seviene instalando en el mundo con la fuerza que suelen adquirir loslugares comunes: “la Argentina vivió más allá de sus medios y ahora es

justo que pague por sus excesos”. Lo notable es que el argumento seusa precisamente para custodiar los intereses de quienes cometierontales excesos. Porque es dudoso que aun el más encallecido de losburócratas internacionales se atreva a decir que bastante más de

39 Según fuentes oficiales, los activos de argentinos en el exterior han oscilado entre un 85 % y

un 120 % del monto de la deuda pública nacional acumulada y se estima que cerca del 90 % de

esos activos son producto de la evasión tributaria (Gaggero, op.cit.)

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15 millones de pobres han estado viviendo aquí más allá de susmedios. Pero no sólo eso. Si se dejan fuera los comportamientosbandoleriles a los cuales me referí, ni siquiera es cierto que laArgentina haya “vivido más allá de sus medios”: durante variosaños, tuvo superávit primario en sus cuentas fiscales (es decir,antes de computar el pago de intereses), duramente golpeadas porfenómenos como la privatización del sistema previsional, laeliminación de los aportes patronales o directamente el no pagode impuestos. O sea que probablemente no haría falta ajuste algunosi, por ejemplo, se reestructurase el sistema previsional, sereincorporaran los aportes patronales y se suspendieran por un parde años los pagos de la deuda, máxime tomando en cuenta que losacreedores (legítimos o no) eran conscientes de los riesgos queasumían cuando optaban por comprar títulos argentinos paraobtener los altos intereses que brindaban40 .

En la medida en que el actual gobierno acepte esta clase depresiones y trate de cumplir con los deberes que se le imponen(como es notorio que lo está haciendo), es obvio que no habrácompromiso social posible porque continuará operando el régimensocial de acumulación que nos ha traído donde estamos. Peortodavía: se agudizarán las desigualdades sociales, crecerán el des-contento y las protestas y cualquier alternativa es imaginable, in-cluído un retorno abierto a las prácticas autoritarias y represivasque, con diferentes ropajes, tantas veces sufrió el país .

La sensatez más elemental sugeriría que es momento decambiar vigorosamente de rumbo. Pero los hechos (y los interesesestablecidos) son obstinados y no creo que esto ocurra simplementeporque los que alguien ha llamado “los dueños del país” decidande la noche a la mañana volverse caballeros altruístas. De ahí queno sea dif íc i l pronost icar que ha comenzado un períodoprobablemente largo de alta conflictividad social. Ni tampocoadvertir que este período sólo podrá acortarse y resolverse más omenos pacífica y productivamente si tanto la mayoría de los

40 Conviene aclarar que no harían falta ajustes del tipo que se exigen pero sí otros que permitiesen

ubicar al país en un sendero genuino y autosostenido de desarrollo con equidad.

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argentinos como el resto del mundo comprenden la verdadera índolede lo sucedido, toman conciencia de la medida en que los excesosde los de arriba han impedido e impiden que la democraciarepresentativa eche raíces duraderas en la Argentina y actúan comocorresponde41.

41 Algunos malos recuerdos históricos no son fáciles de olvidar, por distintas que sean las épocas

y las circunstancias. Escribe Rita Thalmann en La république de Weimar (París, P.U.F., 1986), pág.

122: “La democracia a la occidental que querían promover los republicanos de Weimar exigía

una integración de capas sociales cada vez más amplias a través de su participación creciente en

los beneficios del sistema (...) En definitiva, no podía haber democracia en Alemania sin una

reforma profunda de las estructuras de la sociedad”. Ojalá pudieran servir todavía a modo de

alerta éste y otros ejemplos parecidos.

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A DEMOCRACIA BRASILEIRA NOS ANOS 90*

Maria Hermínia Tavares de Almeida

Existe um problema institucional com o sistema político bra-sileiro? Essa pergunta se repete muitas vezes ao longo da nossa his-tória como estado independente. Quase sempre, a resposta de aca-dêmicos e analistas políticos tem sido afirmativa.

Nas décadas de 1920 e 1930, pensadores sociais enfatizaramo abismo entre o país legal das regras políticas formais e o país real.No Brasil real, dizia-se, as instituições políticas liberais da Consti-tuição de 1891 perdiam seu significado original e deformavam-sesob o peso de uma ordem política de fato oligárquica e de um cul-tura política privatista, autoritária e patrimonialista.

Entre 1945 e 1964, ressaltou-se o efeito conservador dasinstituições representativas da Constituição de 1946, que permiti-am a sobre-representação de interesses retrógrados e de regiões ondeas estruturas de mando reforçavam o a cultura polít icapatrimonialista e bloqueavam a competição política efetiva.

Nos anos 1980 e 1990, à visão do desencontro entre institui-ções formais e cultura política, agregou-se outra, mais estritamenteinstitucionalista. Segundo ela, escolhas institucionais incorretas, nomomento da redemocratização, comprometeriam o bom funciona-mento do novo regime, expondo-o aos perigos da ingovernabilidadeou, alternativamente, ao conluio das elites e à conseqüente corrupçãodo espírito das leis pela prática do clientelismo e do patrimonialismo.

O objetivo deste texto é dar um balanço da experiência demo-crática brasileira nos últimos 20 anos, da ótica da capacidade de go-verno no plano federal. Nessa medida, a intenção é discutir as teses

* Esta é uma versão modificada do trabalho apresentado na sessão “O universo político: o

processo democrático”, Seminário Brasil – Argentina: a visão do outro, organizado pelo

Instituto Rio Branco, em abril, 2002. Ela beneficiou-se da proveitosa discussão aí realizada.

Agradeço, particularmente, os comentários sempre argutos e pertinentes de Renato Lessa.

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que afirmam haver algo de fundamentalmente errado com nossas insti-tuições políticas, por conflitarem com a cultura política prevalecenteou por incentivarem atitudes, comportamentos e resultados políticosperversos.

Aqui se discorda dessa visão negativa das escolhas institucionaiscristalizadas na Constituição de 1988. Porque, de um lado, elas nãoforam obstáculo ao cumprimento de uma agenda pesada de reformas;e, de outro, permitiram a multiplicação de agências e mecanismos decontrole dos governantes – que, por sua vez, parecem estar contribuin-do para aumentar os riscos e os custos do patrimonialismo e dacorrupção.

O argumento aqui apresentado tem a seguinte estrutura: naprimeira parte, exponho e discuto as teses que relacionam escolhasinstitucionais e governabilidade. Na segunda, resumo e discuto osargumentos que enfatizam o caráter oligárquico e patrimonialistado sistema político brasileiro. Na terceira, apresento conclusões.

A abordagem adotada, que põe o foco sobre a atuação dogoverno federal, é ao mesmo tempo abrangente e limitada.Abrangente porque leva em conta o conjunto das instituições asso-ciadas ao exercício do governo. Limitada porque deixa de conside-rar sistematicamente aquele outro grupo de instituições que asse-guram a expressão da vontade popular na formação democráticados governos.

INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E GOVERNABILIDADE

Não foram poucos os autores que descreveram os primeiros dezanos do regime democrático brasileiro como um caso agudo de crise degovernabilidade e atribuiram-na às (más) escolhas institucionais feitasneste período (Lamounier1992,1992a; Kinzo,1993, Sola, 1993; Sola &Kugelmas, 1999; Mainwaring1993, 1997, Abrucio & Costa 1998). Essasteriam sido basicamente:

1. um sistema federativo descentralizado, no qual os governossub-nacionais adquiriram mais autonomia em seu âmbito deação e significativa influência na esfera federal;

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2. um sistema eleitoral proporcional de voto preferencial, comconseqüências fragmentadoras sobre o sistema de partidos e aconduta dos parlamentares;

3. um sistema multipartidário fragmentado, com partidos poucocoesos e indisciplinados, contrapartida da presumida autono-mia individual dos parlamentares;

4. um sistema presidencialista, no qual o Executivo teria dificul-dades em constituir maiorias parlamentares estáveis. A inde-pendência do parlamento, característica do presidencialismo,criaria fortes incentivos para que nele se desenvolvessemestratégias de confronto – ou, pelo menos, de descompromisso– com relação ao Executivo. Ou, alternativamente, os parti-dos e parlamentares teriam incentivos para negociar seu apoioao Executivo caso a caso, trocando votos por favores políticos.

Em resumo, as escolhas relativas à organização federativa, aosistema de governo, ao sistema eleitoral e às regras partidárias teriamcomo conseqüência a constituição de uma estrutura decisória com mui-tos pontos de veto e inúmeros agentes com poder de veto (Tsebelis,1997;Immergut,1995). O resultado seria uma crise de governabilidade deraiz institucional. Ela comprometeria a capacidade do governo nacio-nal de definir, aprovar e implementar políticas, no curto prazo, e ame-açaria a própria a estabilidade da democracia, no futuro.

Os exemplos mais evidentes do déficit de capacidade de gover-nar teriam sido as sucessivas tentativas fracassadas de estabilizar amoeda, entre 1985 e 1994. Outros poderiam ser citados, entre eles: adificuldade de impedir estratégias oportunistas e predatórias de gastopor parte dos governos sub-nacionais; as vicissitudes do processo detransferência de competências e atribuições da esfera federal para esta-dos e municípios em matéria de políticas sociais; a própria falta derumo com relação às esperadas reformas do sistema tributário e dosistema de proteção social. Para os que consideravam as reformas demercado inescapáveis, quando não desejáveis, a dificuldade detransformá-las em itens prioritários da agenda governamental consti-tuiria outro indício de uma governabilidade problemática.

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A experiência da década de 1990 parece indicar que a hipóteseda ingovernabilidade, resultante de uma combinação de instituiçõesque multiplicava pontos de veto e agentes com poder de veto, não seapoia em evidências empíricas sólidas.

Especialmente depois de 1995 – mas, mesmo antes – os gover-nos nacionais lograram pôr em marcha uma carregada agenda de refor-mas econômicas e do aparato de proteção social.

A realização dessa agenda mostrou que o Congresso raramenteatuou como agente com poder de veto. O processamento da agendade reformas, em geral de iniciativa do Executivo, requereu extensaprodução legislativa e um bom número de emendas à Constituição,situação em que se multiplicam as oportunidades de veto. A Constitui-ção de 1988 foi emendada 37 vezes, 27 das quais ao longo de seis anosda presidência de Fernando Henrique Cardoso. Foram tantas emendasquanto as aprovadas nos 21 anos da Constituição 1946 e muitas maisdo que em qualquer outro momento da história brasileira (Melo,2002:59).

Naturalmente, o grau de interferência do Congresso sobre asiniciativas reformadoras do Executivo variou de reforma a reforma.Ela foi nula na reforma da política de comércio exterior, toda feita pormeio da mudança de normas administrativas. Foi bastante limitada naprivatização de empresas públicas incluídas no Programa Nacional deDesestatização e algo maior na privatização de serviços públicos e nacriação de agências de regulação (Almeida, 1999; Almeida & Moya,1997). Foi, enfim, significativa na reforma da administração pública e,sobretudo, na reforma da Previdência Social (Melo, 2002).

Em que pese a descentralização federativa e a importância po-lítica dos governadores, estes tampouco foram importantes agentes compoder de veto. São disso testemunhos a renegociação das dívidasdos estados com o governo federal e, especialmente, a rapidez daaprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, duas matérias que afeta-vam diretamente os interesses estaduais.

Da mesma forma, a complexidade das negociaçõesintergovernamentais não foi obstáculo sério à descentralização de

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políticas sociais, sempre e quando o governo federal foi capaz de criarincentivos à transferência de atribuições e responsabilidades, como ocor-reu com a atenção básica à saúde, depois do Plano de Assistência Bási-ca (PAB) e das Normas Operacionais Básicas do Sistema Único deSaúde (NOB) de 1996 e 2000; com a educação fundamental, depoisdo Fundo de Desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF);e com a assistência social, de 1996.

Na verdade, a hipótese da ingovernabilidade sustentava-se nosuposto de que a fragmentação partidária provocada pelo sistema eleito-ral se traduziria diretamente no funcionamento do Congresso, como seesse vivesse em um vácuo de regras e como se não houvessem outrasinstituições a contrabalançar os efeitos do sistema eleitoral e o sistemafederativo descentralizado. Estudos mais recentes (Figueiredo & Limongi,2000 Santos, 1997) mostraram como os poderes legislativos do Executi-vo – notadamente, a faculdade de emitir Medidas Provisórias – e as nor-mas de funcionamento do Congresso foram capazes de produzir seja ocontrole da agenda legislativa pelo Executivo, seja a disciplina partidá-ria, seja ainda a previsibilidade no comportamento dos partidos. Outrosestudos mostraram também que, no terreno da descentralização das po-líticas sociais, o governo federal pode contornar pontos de veto, evi-tando a via do Congresso e recorrendo amplamente a normas adminis-trativas no âmbito dos ministérios (Arretche, 2001).

De outra parte, estudos recentes que retomam o trabalho pio-neiro de Abranches (1982) desvendaram a lógica do sistema de gover-no brasileiro: o presidencialismo de coalizão, distinto do presidencia-lismo bipartidário, que serviu de modelo a muito do que se escreveusobre as tensões e vissicitudes do sistema (Amorim, 1995). Esta formade presidencialismo se assenta na construção de coalizões congressuaisque se refletem na formação do ministério, tal como ocorre em muitosregimes parlamentaristas. Os seus momentos de crise política – ou decrise de “governabilidade” – parecem corresponder à situação bem es-pecífica de existência de governos não-partidários, nos quais a compo-sição do gabinete deixa de corresponder a uma coalizão congressual.

Assim, por tudo que se sabe até agora, não há indícios fortes deque as instituições políticas da Constituição de 1988 tenham produzido,

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ou favorecido a produção, de governos condenados à imobilidade e àimpotência. Pode-se concordar ou discordar das políticas dos governosna década de 1990. Mas não se pode dizer que tenham encontradoobstáculos institucionais à implementação de suas agendas.

INSTITUIÇÕES, OLIGARQUIA E PATRIMONIALISMO

A visão de que as instituições políticas da Constituição de 1988permitiriam o predomínio do jogo oligárquico e das práticaspatrimonialistas tem diferentes versões, ancoradas em abordagens eteorias diversas, umas de corte institucionalista, outras culturalista(O´Donnell,1994,1996; Hagopian,1996;Stepan(1999);Ames,1995,2001; Samuels,1998; Castro Santos, 1997.). Nesse sentido, na medidaem que essa visão da democracia brasileira emerge de argumentos apre-sentados por diferentes autores, é possível que a apresentação sintéticaque aqui se faz das suas principais proposições signifique um empobre-cimento das análises de cada autor. De toda forma, elas afirmam que:

1) No Brasil, a transição negociada para a democracia permitiuque parte importante das elites políticas conservadoras, asquais controlavam oligarquicamente o poder em alguns esta-dos durante o regime militar, mantivesse, sob a democracia,recursos e posições de poder significativos. Reproduziram-se, assim, sob o novo regime, estruturas de mando fechadas,assentadas no patrimonialismo e nas relações de clientela.

2) O sistema federativo brasileiro é limitador do demos. Os crité-rios de representação dos cidadãos na Câmara Federal, queviolam o princípio “uma pessoa, um voto”, bem como as am-plas atribuições legislativas do Senado, onde estados tem re-presentação igual, restringem o exercício do princípio da mai-oria, em benefício de minorias que controlam a política emalguns estados.

3) Uma versão menos elaborada da proposição anterior afirmasimplesmente que a regra que faz coincidir estados e distritoseleitorais para a Câmara Federal e a norma que estabelecelimites mínimos e máximos para a magnitude dos distritos

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distorcem a representação em detrimento dos estados maispopulosos, onde é maior a competição eleitoral, em benefí-cio dos estados sob mando oligárquico.

4) A fragmentação partidária, resultante do sistema eleitoral pro-porcional; a baixa coesão dos partidos; o elevado pragmatismoe o paroquialismo dos parlamentares transforma o dia a diadas relações entre Executivo e Congresso em escambo políti-co permanente. Ele se materializa na troca, caso a caso, devoto e apoio ao governo por cargos ou recursos que alimen-tam as práticas clientelistas nos redutos eleitorais dos depu-tados, bem como a corrupção. Assim as regras eleitorais epartidárias terminam por reforçar uma cultura política auto-ritária e patrimonialista, reproduzir as oligarquias estaduais elimitar de fato a competição política. Nessas circunstâncias,o clientelismo, o patrimonialismo e a oligarquização são acontrapartida indesejável, mas inevitável, da “governabilidade”sob instituições políticas mal escolhidas.

5) A arquitetura institucional do Estado brasileiro consagra odesequilíbrio entre os poderes em benefício do Executivo e aausência de mecanismos de responsabilização horizontais queassegurem o funcionamento eficiente de freios e contrape-sos. O predomínio do Executivo sobre o Legislativo, fortale-cido pelo recurso à Medida Provisória, e a inoperância doJudiciário favorecem o “decretismo” e uma forma delegativade democracia. O resultado é um sistema onde torna-se am-plo o raio de manobra do Executivo – e, em especial, da Pre-sidência – e reduzido o controle institucionalizado sobre suaação.

Em resumo, ao contrário da hipótese da ingovernabilidade, aquise afirma que democracia no Brasil seria de fato um sistema de Presi-dência quase imperial, a encabeçar um arranjo político conservador efechado que reproduz estruturas oligárquicas e patrimonialistas demando, sustentadas por altas doses de clientelismo, quando não decorrupção.

As explicações oscilam entre argumentos institucionalistas, que

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põem ênfase nas características de certas instituições; culturalistas, quesublinham a permanência de uma cultura política autoritária e privatistafortemente enraizada nas elites; ou ainda argumentos tributários da te-oria de path dependence, que atribuem importância central à natureza –negociada e conservadora – do processo de transição do autoritarismoà democracia.

As evidências apresentadas são, com freqüência, diretamentetiradas das páginas da imprensa escrita e dos escândalos políticos quetêm alimentado suas manchetes.

O problema dessa visão, que capta traços reais do funciona-mento do sistema democrático brasileiro, é sua incapacidade de regis-trar e explicar outros processos que não parecem compatíveis com ahipótese da oligarquização, da decisão em circuito fechado, do presi-dencialismo imperial e da falta de controles horizontais sobre as açõesdo Executivo.

A hipótese do pecado original da transição negociada parecesupor que a distribuição de forças na inauguração da democracia seperpetua, congelando o jogo político.

Não é esse o quadro que emerge, quando se observam os resul-tados eleitorais para a Câmara Federal e para os Executivos estaduaise municipais. Entre 1986 e 2000, a participação dos partidos de es-querda – PT, PDT, PSB, PPS e PCdoB – na Câmara Federal aumentoude 9,4% para 21,9% das cadeiras, enquanto a dos partidos de direita –PDS/PPB e PFL – manteve-se praticamente no mesmo nível – 31% e32,2%, respectivamente.

Mais impressionante foi a mudança nos Executivos estaduais emunicipais. Em 1986, só se elegeram governadores do PMDB (95,7%)e do PFL (4,3%). Em 2000, o PMBD e o PFL controlavam, cada um,22,2% dos governos estaduais; o PSDB 25,9% e o PT 11,1%. O res-tante se distribuía entre o PPB, o PDT e o PSB. Em 1985, sete parti-dos controlavam todas as prefeituras existentes no país: o PMDB 63,2%delas; o PFL, 12,4%; o PDS/PPB 10,9%; o PDT 6,5%; e o PT, 0,5%.Em 2000, 22 partidos elegeram prefeitos. Especialmente significativossão os resultados nas capitais. Em 1985, o PMBD controlava 80% delas,

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seguido pelo PDT com 8% e pelo PT com 4%. Em 2002, o PT elegeumais candidatos nas capitais – 23,1% – do que qualquer outra legenda,seguido pelo PSB, PMDB e PSDB com 15,4 % cada. Além disso, o PT,o PSB e o PDT foram vitoriosos em capitais de estados tradicional-mente controlados por oligarquias: Pará, Maranhão, Rio Grande doNorte, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

Os resultados eleitorais indicam com clareza que, longe de per-manecer congelado, em virtude da transição, o sistema político brasi-leiro tornou-se mais competitivo. Revelam, também, indícios inequí-vocos de redução do controle político das oligarquias estaduais tradici-onais que se teriam beneficiado do rítmo lento e negociado da passa-gem do autoritarismo para a democracia.

O desenho da federação brasileira e as regras que fazem coinci-dir o estado com o distrito eleitoral, além de definir o piso e o teto dasrepresentações estaduais, efetivamente distorcem o perfil da CâmaraFederal. Entretanto, suas conseqüências ainda precisam ser melhor en-tendidas.

Santos (1987), estudando a distribuição das cadeiras na CâmaraFederal entre 1945 e 1982, chamou a atenção para o fato de que essesistema promoveu uma representação equilibrada onde “tornavam-seimpossíveis tanto o veto da minoria quanto a tirania da maio-ria”(1987:94)1. Descartou também a tese da oligarquização da repre-sentação política, mostrando que a taxa de renovação na Câmara dosDeputados desmente a hipótese do controle oligárquico do voto nosEstados economicamente mais atrasados e de menor eleitorado.

Nicolau (1997), ao mesmo tempo em que mostrou que sobre-representação e sub-representação na Câmara constituem umacaracterística permanente de nosso sistema político2 , ressalvou que

1 Estudando a distribuição de cadeiras na Câmara Federal entre 1945 e 1982, ele verificou que

a possibilidade de veto da minoria jamais ocorreu, pois, para controlar 50% das cadeiras, sempre

se requereu um número de Estados correspondente a cerca de 50% do eleitorado nacional.

Tampouco a tirania da maioria foi uma possibilidade, salvo sob o autoritarismo, já que nunca a

maioria conseguiu atingir 50% das cadeiras sem o apoio de pelo menos um Estado “minoritário”.

2 Segundo seus cálculos a distorção média é de aproximadamente 10%, ou seja essa é a porcen-

tagem total ganha pelos estados sobre-representados e perdida pelos sub-representados (Nicolau,

1997:457).

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as conclusões daí extraídas sobre as conseqüências políticas desse fatoainda não passaram por um teste empírico mais rigoroso. Ele sugeriu queexiste uma espécie de falácia ecológica na proposição que deduz opredomínio do conservadorismo na Câmara da desproporção entre cadeirase dimensão do eleitorado. O mais correto seria verificar quais partidos sebeneficiam ou se prejudicam, no plano nacional, quando o eleitorado deum ou mais estados é sub ou sobre-representado. Finalmente, o autormostra que, em certas circunstâncias, a proporção de votos nas coalizõespode permanecer estável, embora alguns partidos percam e outros ganhemcom a distorção da representação (Nicolau, 1997).

Os estudos recentes sobre o funcionamento do Congresso(Figueiredo & Limongi, 1999, 2000; Amorim Neto & Santos, 2001) apre-sentam evidências que reduzem as presumíveis proporções do escambopolítico entre Executivo e partidos da coalizão governista para a obten-ção de apoio parlamentar ao governo. Eles mostram também que o Con-gresso tem tomado medidas que reduzem consideravelmente o espaçopara a ação dos parlamentares em favor de suas clientelas eleitorais3 .

Se é fato que o Executivo exerce predomínio inconteste sobre aagenda do Legislativo (Figueiredo & Limongi, 1999), não é completa-mente certo que faltem ao sistema político brasileiro mecanismos deresponsabilização horizontal. Figueiredo (2002) mostrou que as Comis-sões Parlamentares de Inquérito do Congresso, embora com resultadosmenos efetivos do que as do período 1946-64, têm-se constituído emimportante mecanismo de “alarme de incêndio” (Macnollast, 1995) comrelação às ações do Executivo e de sua coalizão no Congresso.

De outra parte, a mudança das atribuições do Ministério Pú-blico, que a Constituição de 1988 transformou em defensor dosinteresses difusos da cidadania (Sadek, 1997, Arantes, Vianna, 1997),vem propiciando o desenvolvimento de ações de responsabilização econtrole sobre o Executivo, nos três níveis de governo, cujo impactosobre o funcionamento da democracia e a mudança na cultura políticapatrimonialista não pode ser minimizado.

3 É o caso das mudanças nos procedimentos de emenda ao Orçamento da União que ampliaram

significativamente o espaço das emendas de bancada, reduziram a iniciativa individual dos

parlamentares e procuraram estreitar as oportunidades de corrupção.

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O Ministério Público, aliado à uma imprensa – concentrada emgrandes grupos porém, competitiva – parece funcionar mais como me-canismo de “alarme de incêndio” do que como instrumento de con-trole. Mesmo assim, sua ação eleva os custos e os riscos tanto dodecretismo e da conduta arbitrária, quanto do patrimonialismo, doclientelismo e da pura corrupção.

CONCLUSÕES

Os argumentos aqui apresentados não devem levar à conclu-são de que tudo vai bem, no melhor dos mundos, no sistema políticobrasileiro. Procurou-se tão somente discutir interpretações bastantedifundidas, na academia e fora dela, sobre a suposta má-formaçãoinstitucional da democracia brasileira.

Tentou-se argumentar que as instituições que conformam ojogo político no Brasil não bloquearam a capacidade de governar,além de permitir que a competição política se ampliasse e se multipli-cassem os mecanismos para limitar o arbítrio dos governos e as opor-tunidades de apropriação privada de bens públicos. Sem dúvida, oespaço do arbítrio continua grande. A competição política, a reduçãodo poder oligárquico e do patrimonialismo, bem como o controle dacorrupção política não se expandiram de forma continuada nem ho-mogênea no território. Entretanto, os avanços em 13 anos, sob umaConstituição democrática, e em 17 anos de governos civis foram sig-nificativos.

Na verdade, as escolhas institucionais materializadas na Cons-tituição de 1988 estão mais próximas do modelo consociativo do quedo modelo majoritário, nos termos de Lijpihart (1999). Nessa medi-da, elas multiplicam instâncias decisórias e tornam as decisões degoverno mais complexas e negociadas.

Sob esse arcabouço institucional, a democracia basileira passoupor um duro teste: o de permitir que mudanças profundas nas relaçõesentre estado e mercado, de um lado, e entre estado e sociedade, deoutro se fizessem sob regras democráticas. Esse não foi um resultadotrivial, pois mudanças dessa natureza tem conseqüências

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redistributivas importantes, criam ganhadores e perdedores e, por isso,produzem divisões políticas e pressões fortes sobre o sistema político.

Nos anos 90, a sociedade brasileira esteve de fato dividida comrelação a temas de política substantiva, como a estabilização da moe-da, as reformas de mercado e o papel do estado, as formas de lidar coma desigualdade e a pobreza e, em conseqüência, as mudanças do siste-ma de proteção social. As instituições democráticas foram capazes depermitir a controvérsia, processar essas disputas e produzir decisões.O fato de essas decisões não serem do pleno agrado de nenhum dosatores políticos talvez seja um indício adicional de que as instituiçõesdemocráticas cumpriram seu papel.

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Walter Costa Porto: Foi muito gratificante, para mim, a parti-cipação neste Seminário, que me permitiu ouvir as lições tãoenriquecedoras da Professora Hermínia, do Professor Nun. E, tam-bém, possibilitou uma aproximação ao quadro político brasileiro e aeste país, a Argentina, que tanto admiro.

Sempre lamentei o afastamento do Brasil, com os outros paísesque o cercam, na América Latina. Costuma-se dizer que os americanose ingleses sáo separados pela mesma língua. No caso brasileiro, o pro-blema é que nós pretendemos entender perfeitamente o castelhano e“los otros” não nos compreendem. Eu tenho uma má experiência par-ticipante de reuniões com magistrados da Justiça Eleitoral de todos ospaíses, de ficar isolado, falando devagar, não sendo compreendido.

E há outras causas desse afastamento: questões geográficas, osAndes, essa fronteira imensa, na maior parte despovoada. E questões,também, políticas. Fomos, no Século XIX, um Império cercado de Re-públicas. Eu me lembro de uma carta de Bolívar, em que ele lança umpouco de suspeição contra o monarca brasileiro, que estaria se acertan-do com cortes européias contra o seu sonho de unir as Américas.

Bem, mas ficando no quadro eleitoral, permitam-me limitar-meapenas a um ponto, que foi tocado pela Professora Hermínia: o proble-ma da desiguldade de nossa representação na Câmara dos Deputados,em razão do Federalismo. E, pelo que eu sei é, também, uma realidadeargentina.

Tudo começou no Brasil, como sabem muitos, com a Constitu-inte de 1890/91, quando Epitácio Pessoa, que representava a Paraíbae que, depois, em 19 , seria nosso Presidente, trouxe a sua irresignaçãocontra o fato de que – dizia ele – quatro ou seis estados pudessemdecidir, exclusivamente, sobre itens que interessavam a todos os de-mais estados. Propôs ele, então – e a sua emenda foi aprovada – quehouvesse uma representação mínima por Estado, de 4 Deputados.

Depois, as outras Constituições trouxeram modificação e, comosabem, hoje a Constituição atual, de 1988, determina um mínimo de 8

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Deputados e o máximo de 70 Deputados por Estado. Essa desigualda-de, essa desproporção, foi agravada pelo fato de que, mais recentemen-te, houve, a meu ver, a leviana criação de Estados, que eram essesterritórios, com uma população mínima, com uma economia deficien-te. O que fez com que, já em 1959 o Professor Miguel Reale trouxesse,em um artigo, a indicação desse fato: de que um voto em Rondôniaseria 15 vezes mais forte do que um voto em São Paulo.

Pelo que sei, essa também é a realidade argentina. Pelo que li,em províncias como La Rioja, como a Terra do Fogo, elege-se um de-putado com cerca de 15 mil votos, ao passo que, em Buenos Aires,exige-se quase 200 mil para a designação de um Deputado.

Mais recentemente, como a própria Professora Hermínia lem-brou, houve a palavra, em favor dessa desproporção do nosso tão esti-mado Guilherme dos Santos. Ele lembrou que José de Alencar, no Sé-culo passado, nosso maior teórico do voto, insistia em uma contençãoà coeração da maioria.

Daí que Guilherme diga que, ao contrário da Federação ameri-cana, com a sua distribuição matemática de representação pelos Esta-dos, haveria, aqui, um esforço que ele diz “alencariano e prudente”.

E, também, indago do Professor Nun se há uma irresignação daciência política, de parte dos dirigentes argentinos, quanto a essa desi-gualdade na representação à Câmara dos Deputados. E se, afinal, issoteria meio de ser corrigido.

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Renato Lessa: Quero, falar da minha dupla sorte: da sorte deestar aqui, no Seminário, e da sorte de estar nesta Mesa, provocada pordois textos – Murilo diria “papéis”, porque ele foi ao Padre Vieira; comoeu sempre vou aos gregos, eu diria “papiros”, há quem fale assim – ,enfim, dois papiros de excelente qualidade, aos quais lifundamentalisticamente, quer dizer, li repetidas vezes. Terei grandedificuldade de fazer comentários à altura das questões postas, por ra-zões próprias, felizmente camufladas pela escassez de tempo. Então,já sei e vos aviso que cometerei injustiças e impropriedades no meucomentário. Nenhuma, contudo, de má fé.

Não poderia deixar de mencionar, de saída, o privilégio dos queleram os textos, dos que ouviram as apresentações que tivemosaquí.Trata-se do privilégio de constatar a diferença de estilos e de lin-guagens, presentes não sei se na ciência política latino-americana – nãosei. Enfim, pelo menos dois estilos e linguagens distintos para tratar dequestões de natureza política. Ao dizer duas linguagens, estou queren-do me referir a algo mais forte ou mais profundo do que, simplesmente,duas idiossincrasias de estilo para tratar dos fenômenos políticos. Es-tou me referindo, de maneira forte, ao que o filósofo norte-americanoNelson Goodman define como ways of world making, quer dizer, a lin-guagem como forma de fabricação de mundos. Ou seja, não só elapossibilita narrativas distintas sobre o mundo, como constitui objetosdistintos para sua observação. E, ao construir objetos distintos, cons-titui meios e recursos metodológicos próprios para aferir a propriedadedo que está sendo dito. No limite, no âmbito das ciencias humanas nãohá métodos, mas tão somente linguagens.

E acho que as duas apresentações dão ensejo a uma reflexão des-se tipo. No caso da apresentação excelente do texto de Maria Hermínia,seu trabalho denota o processo de amadurecimento da ciência políticabrasileira, que respondeu positivamente à pergunta posta há alguns anosa respeito da importância das instituições: as instituições importam? A ciên-cia política brasileira respondeu “sim”. A principal vertente da ciênciapolítica brasileira deu uma resposta afirmativa a essa questão e passou atrabalhar as conseqüências dessa resposta afirmativa.

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Acho interessante considerar, inclusive nesse sentido, retoman-do um comentário feito por José Nun, no início da sua apresentação,que essa resposta positiva da ciência política brasileira para tratar otema das instituições tem uma pré-História. Essa pré-História tem aver com o fato de que, durante o regime autoritário, a comunidade decientistas políticos brasileiros cresceu, quer dizer, foi constituída e cres-ceu, em uma experiência que nos distingue da experiência argentina,marcada por uma relação entre a ditadura, o autoritarismo e a vidauniversitária muito mais dramática.

No nosso caso, não só cresceu e se desenvolveu – muitos denós fomos treinados fora do país. A politização dessa comunidadecientífica, na área de ciência política, colocou-nos frente a um temaincontornável: o tema da democratização. Esse foi o nosso tema. Vá-rios de nós vínhamos de questões diferentes. Maria Hermínia, por exem-plo. Sua área de trabalho original era o estudo do movimento operário,do sindicalismo. E a maior parte dos colegas acabou convergindo paraum tema comum, que é o tema da democracia, da importância dasinstituições democráticas. E isso no contexto de um regime políticomuito singular, que, apesar de autoritário, fechado, era um regime quedava margem para interpelações internas. Não apenas para interpela-ções exógenas, ações de oposição exógena, mas ações de oposiçãoendógenas, no sentido de interpelar o próprio regime a respeito de de-mocratização e, sobretudo, a respeito de mais institucionalização.

É como se o tema das instituições passasse a ser um tema natural

na linguagem da ciência política brasileira. Isso foi reforçado recente-mente por inovações teóricas na ciência política internacional, na áreado institucionalismo, que, portanto, configuram – não tenho tempo paradesenvolver mais isso, mas acho que o ponto é esse –uma linguagemespecífica e, conseqüentemente, uma escolha específica de objetos.

Ganhamos muito com isso e perdemos muito com isso. Esse éo ponto fundamental. E, aqui, concordo muito com a observação ini-cial da apresentação de José Nun.

A narrativa por ele apresentada está constituída por outras refe-rências. Quer dizer, aqui há uma narrativa para a qual a História, anarrativa histórica, aparece como fundamental. Uma narrativa para a

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qual uma reflexão sobre a economia política aparece como importante.A sociologia política também; para não falar da fenomenologia políti-ca. É como se fosse impossível, do ponto de vista dessa narrativa, falardo contexto democrático argentino e de seus problemas sem referênci-as à economia política, à sociologia política e, sobretudo, àfenomenologia política.

Acho que neste ponto reside uma grande utilidade de semináriosdesse tipo. Isso demonstra como seria fundamental que nóscooperássemos para que o nosso excessivo institucionalismo fossecontaminado, no bom sentido, pela sensibilidade para a fenomenologiapolítica, para a sociologia política e, por outro lado, para que as narrativasgerais sobre essas dimensões sociológicas, econômicas e conjunturaisfossem também acompanhadas por uma preocupação com o caráterpróprio das instituições, com a centralidade que elas têm e com o fatode que elas são incontornáveis. Se a reflexão é política, ela tem que,num certo sentido, tomar as instituições como referência incontornável,mesmo que seja para superá-las, para dizer que outras coisas têm queser adicionadas.

Então, antes de qualquer coisa, acho que é uma oportunidadeinteressante para considerar esses dois estilos, suas diferenças e, sobre-tudo, suas possibilidades de cooperação e de interpelação recíproca.Outro ponto que gostaria também de sublinhar tem a ver com umaconcordancia com um comentário feito na apresentação – não está notexto, mas está na apresentação – feita por José Nun, a respeito – pelomenos entendi assim e compartilho com isso – de pensar a democraciano Brasil e na Argentina, e suas dificuldades, tendo como exigênciapensar as dificuldades e os problemas da democracia em geral.

Concordo muito com a sensação apresentada de que a democraciaé uma coisa muito estranha. Acho que se a academia dos politólogosmarcianos pudesse mandar alguns de seus afiliados ao planeta Terra, paraentender a democracia, certamente estes retornariam dizendo: “Olha, elestêm lá um sistema que não funciona, que não vai funcionar, pois como éque podem compatibilizar liberdade individual, direitos iguais, isonomiapolítica, com um sistema econômico fundado em desigualdade, em formasdiferenciadas de apropriação do produto social? Isso não vai funcionar.”

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Num certo sentido, essa bizarra combinação ficou em pé, por-que amalgamaram direitos liberais, direitos políticos de participação eaquilo que Marshall designou como uma “pitada de socialismo”,introduzida a partir, sobretudo, da Segunda Guerra Mundial. É umsistema tenso. É um sistema a respeito do qual não temos ainda tempopara fazer previsões sobre a sua durabilidade. Só tem 50 anos, na suauniversalidade, pelo menos. E não é prudente fazer juízos de pereni-dade sobre fenômenos recentes. A democracia, nesse sentido, é muitorecente. O Império Romano durou muito mais tempo. Se a gente fosseescrever uma História da Humanidade para ser lida em 90 minutos,para ler num vôo entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, essa História daHumanidade, em 90 minutos, talvez tivesse meia página sobre demo-cracia. Seria o pedaço editorial atribuído ao texto à uma história domundo em 90 minutos. A dinastia Ming talvez exigisse, ao menos porsua duração, maior espaço editorial.

Então, longe de mim querer fazer juízo sobre a durabilidade.Mas acho que temos razões suficientes para crer numa certa instabili-dade, que deve ser considerada em termos gerais para que as nossasestabilidades e instabilidades específicas, de alguma forma, sejam con-templadas.

E, aí, vai uma questão, uma provocação. Independentementedas linguagens e dos estilos apresentados, acho que vai uma provocaçãoque tem a ver com a teoria democrática em geral, mas tem a ver tambémcom o estado da democracia dos nossos países, que é assim: qual é alógica da legitimação contemporânea nos contextos democráticos? Namedida em que a demanda por igualização, que é a demanda original dademocracia, exige a “pitada de socialismo”, e esta não encontra maisabrigo (ou menor acolhida, para dizer a coisa em tom moderado) nasformas contemporâneas do Estado democrático, qual é a lógica dalegitimação democrática que se apresenta para os nossos países?

Acho que algumas indicações, que consigo imaginar, foram pos-tas no texto de José Nun. Elas dizem respeito ao predomínio de umalinguagem da liberdade negativa, o que apresentaria uma circunstânciamuito curiosa. Em outros termos, ela indica a possibilidade de uma legi-timidade democrática fundada no acesso ao consumo e, por outro lado,

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na preservação da liberdade negativa. Algo semelhante ao que foi bri-lhantemente posto por T. S. Elliot, e utilizado por Moses Finley na tenta-tiva de descrever a disposição do demos de Ítacan diante da ausência deUlises e da conseqüente aparição de uma legião de usurpadores: “Gover-nem os reis ou governem os barões, o que me importa é que me deixemquieto, me deixem à parte.” O demos de Ítaca queria ficar intocado. Emque medida essa lógica de legitimação, a la Ítaca, pode estar sendo apre-sentada como sendo suficiente para as nossas sociedades?

Para fechar o ponto, porque tenho muito pouco tempo, e dei-xando várias considerações que tenho a pretensão de achar que sãoimportantes de lado, eu queria fazer alguns comentários mais pontuaiscom relação ao texto da Maria Hermínia, com o qual concordo inteira-mente. Acho que Hermínia demonstra, de maneira claríssima, paramim definitiva que não há um problema institucional, estrutural, gra-ve na democracia brasileira. Acho que o ponto é feito de uma maneiramuito clara e numa estratégia argumentativa que acho a melhor possí-vel, ou seja, desafiando as visões que dizem o contrário. Uma maneirade argumentar que acho interessante.

Chamo a atenção para o fato de que há uma tradição pessimistano Brasil, que vem sempre repetindo a idéia de que fizemos escolhasinstitucionais erradas. Isso já começa, dez anos depois da proclamaçãoda República, com o volume chamado “A Década Republicana”, no qualos autores não davam mais dois meses de vida para a República brasilei-ra. Em toda a Primeira República há uma literatura enorme sobre a refor-ma constitucional. Nos anos 30, há uma produção imensa pessimista arespeito da viabilidade brasileira. É um ano em que Martins de Almeidapublica um livro com o título maravilhoso “O Brasil Errado: Ensaiossobre os Erros do Brasil Enquanto País”, que é uma coisa magnífica.Uma pena que a ciência política brasileira nos proíba de escrever títuloscom esses nomes, senão a gente não ganha nenhum concurso, nem finan-ciamento para fazer pesquisa. Mas são títulos geniais.

Qual é a pretensão de uma reflexão desse tipo? Demonstrar queo país escolhe erradamente suas instituições.

Não tenho tempo aqui para fazer uma fenomenologia longa dessediagnóstico, mas ele tem se apresentado, recente e justamente nos ar-

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gumentos que Hermínia acabou por resumir no seu texto. Não vourepetir esses argumentos. Acho que a Hermínia fez isso de uma manei-ra que eu não conseguiria reproduzir. Só queria acrescentar a seguintepergunta: se os nossos problemas não são institucionais – e acho quenão são – em que domínio eles se localizam? Onde eles estão? Talvezestejam do lado de fora. E como é que se considera o lado de fora? Émuito complicado considerar o lado de fora, porque, num certo senti-do, fomos para as instituições porque, num dado momento, achamosque era insuficiente pensar o lado de fora para entender endogenamenteo sistema político. Mas, já que entendemos tão bem o sistema político,talvez estejamos calçados para ir para o lado de fora com mais prudên-cia analítica.

E o que significa ir para o lado de fora? Trata-se, simplesmente,de considerar a relação entre instituições e vida social. É simplesmenteisso. É considerar as instituições como algo que tem dimensão endógena,portanto, relevante para fins de análise, mas como algo também queconfere sentido a uma experiência nacional. Temo que nossa ênfaseinstitucionalista tenha embotado a sensibilidade para uma sociologíahistórica da política, tão urgente quanto necessária entre nós.

Acho que, talvez, aí, tenhamos que encontrar e discutir comvelhos fantasmas brasileiros, alguns dos quais não sei se são tão fortesna Argentina. O principal fantasma talvez esteja contido na surradaafirmação de que o lado de fora é constituído por um país dotado deidentidade natural, pela língua, pela religião, pelo amálgama pacíficodas raças. Enfim, é um pouco o que a literatura dominante, num certosentido, na esfera do pensamento social brasileiro ressalta, com exce-ções brilhantes. Com exceção, por exemplo, de Oliveira Viana em “Ins-tituições Políticas Brasileiras”, que complementa o que EzequielMartinez Estrada, na Argentina, no belíssimo “Radiografia de LaPampa”, apresenta como caráter fragmentado da experiência dohinterland argentino, aquela vida silenciosa, fragmentada, sem conta-tos, de baixíssima sociabilidade. Essa imagem Oliveira Viana atribuitambém ao passado brasileiro, como passado de homens dendrófilos,quer dizer, de homens que amam a floresta, que amam o meio natural eque, portanto, são avessos à sociabilidade. Exageros à parte, metáforasà parte, o ponto que Oliveira Viana fez e que tem paralelo na literatura

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social argentina é o seguinte: não há sociabilidade natural. O natural éa fragmentação.

Então, acho que é possível, a partir desse reconhecimento hipo-tético de que há um estado de natureza marcado pela fragmentação, pro-por uma espécie de história das experiências institucionais brasileiras eargentinas para lidar com fragmentação. E a nossa História Republicana,com relação a isso, apresentou várias modos, vários modelos de lidarcom a fragmentação societária. E não tenho tempo para falar sobre to-dos eles. Passamos pela experiência oligárquica da Primeira República,pela experiência mal chamada de corporativismo, dos anos 30 e 40 – malchamada porque é um conceito difícil de resumir; e o melhor é feito porum colega nosso, César Guimarães, do IUPERJ, que diz quecorporativismo é o interesse organizado dos outros; acho que é a melhordefinição que conheço. Enfim, às experiencias oligárquica e corporativistaseguiu-se a solução que o país deu, em 1946, para o tema da fragmenta-ção, que acho fundamental. É uma solução que incorporou clientelismo,que vinha da Primeira República, que incorporou o corporativismo – háaquí algo da idéia de camadas arqueológicas que são trazidas pelo passa-do -e acrescentou a isso o tema da representação. O país foi amalgama-do, foi conectado através da idéia de representação. E, aí, acho que háum certo heroísmo, uma definição generosa, visionária dos Constituintesde 46, quando optam por um modelo de representação proporcional. Euma de suas características é a desigualdade da representação dos Esta-dos. Acho que a desigualdade da representação dos Estados faz partedessa perspectiva de integração via representação. É fundamental para ademocracia no Amapá que ali haja oito deputados. É fundamental para ademocracia no Acre e para que certos facínoras, piores que os errantesmencionados por Nun, estejam na prisão, que haja oito deputados noAcre. Se a política brasileira fosse tratada à moda da aritmética política,o Acre teria um deputado. E não é muito difícil saber quem ele seria, queinteresses ele representaria.

Então, se a opção é democrática e federalista, ela tem custos.Um dos custos da opção democrática federalista é distorção na repre-sentação. Não se pode ter o melhor de todos os mundos.

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Concluindo eu diria o seguinte: como é que temos lidado com afragmentação? Como temos lidado com ela recentemente? Acho quehá problemas à vista. Um deles diz respeito à redução de uma certacapacidade do Estado brasileiro de lidar com programas sociais subs-tantivos. Aí temos uma aproximação com o caso argentino, dedescentralidade do Estado como agente de integração, de pelo menosagente redutor da fragmentação.

Não tenho tempo para desenvolver muito esse ponto. Eu que-ria concentrar as frases finais em alguns problemas que devemos consi-derar nas nossas linguagens, como problemas relevantes para tratar nãosó do tema da fragmentação, mas para tratar do que está do lado defora. E a pergunta deflagradora para isso pode ser a seguinte: como éque o demos brasileiro está sendo constituído, o demos argentino, o de-

mos, enfim, das nossas sociedades está sendo constituído? Através deque rotinas? É evidente que, no caso brasileiro, o hardware da políticabrasileira vai muito bem: competitividade, desoligarquização, alta par-ticipação eleitoral. Isso é ótimo.

Mas há problemas dramáticos, por exemplo, quando começa-mos a analisar a correlação entre educação e eleitorado, quando, porexemplo, 75% do eleitorado tem primário; 60%, primário incompleto.Não estou fazendo nenhum juízo aqui, evidentemente elitista, dizendoque os iletrados não sabem votar. Estou querendo, sim, chamar a aten-ção para a baixa centralidade da experiência educacional como umaexperiência estratégica nacional para a constituição da identidade doeleitorado. A educação não constitui um agente – há dez anos, seria umhorror falar isso, mas podemos falar agora – de civismo, de experiênciacívica compartilhada.

Há uma velha anedota, que infelizmente, segue atual, que dizque, quando estamos no Rio Grande do Sul – e, em vários lugares doRio Grande do Sul, a fronteira com o Uruguai é seca – o modo quetemos para saber que entramos no Uruguai é quando as escolas come-çam a aparecer. Uma velha história. Quando começam a aparecer osgrupos escolares, é o Uruguai, não é mais Brasil. Enfim, uma anedotadramática.

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Então, quais são as redes reais de sociabilidade? Algumas fo-ram tocadas aqui, ontem. A mídia. O Murilo, na discussão dele, tocounessa questão. Isso, em si, já mereceria um seminário à parte. E, parao lado da mídia, aí, eu iria além do que o Murilo comentou. Não setrata apenas do monopólio de uma rede, Murilo. Acho que se estabeceuno Brasil uma espécie de competição pela programação pior e não sómonopólio. Acho que devíamos, inclusive indenizar Portugal pela fir-me contribuição da televisão brasileira para a descaracterização da linguaportuguesa por meio do lixo televisisvo que para lá exportamos. Mas, ofato é que, pelos indicadores estatísticos, a televisão é o único elemen-to nacional de constituição da experiência comum. Não há outro. Oque está e o que não está no mundo é decidido por esse tipo de meca-nismo.

O tema da religiosidade acho que é fundamental no caso brasi-leiro. Não sei como anda no caso argentino, sobretudo a partir da ex-plosão, de progressão geométrica praticamente, do pentecostalismo, deigrejas com base local de baixíssimo custo inclusive de organização,que produzem mundos à parte, linguagens à parte, no sentido deGoodman, que apresentei antes, que tem contatos esporádicos com asociabilidade comum, mas que não tem nexos automáticos com a polí-tica, com o mundo público.

Isso tudo, sem falar do tema da violência. O tema da violêncianão só na dimensão policial, mas no que ele tem de mais traumático,constitui a experiencia básica de grandes segmentos da população bra-sileira. Penso que o tema do desespero social tem marcado a experiên-cia de grandes contingentes da população brasileira das periferias, quetêm uma participação forte no eleitorado brasileiro.

Acho que importa, portanto, tentar incluir esses temas, essasquestões, na avaliação do estado da democracia nos nossos países. Te-nho muito medo de estar certo com relação a essas observações, por-que, no Brasil, mais cedo ou mais tarde, quem está certo acaba errado.E outros problemas aparecem e, portanto, essas considerações perdema sua pertinência.

Enfim, concluindo, acho que é essa a idéia: buscar uma apro-ximação das linguagens e buscar também objetos que, por um certo

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vício profissional, nós acostumamos a situar fora da nossa órbita deobservação. No meu ponto de vista, eles são fundamentais para oentendimento da qualidade da política e da democracia. No Brasil,na Argentina e alhures.

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Como aqueles que falaram antes de mim disseram, nós parti-mos de dois excelentes trabalhos, o que facilita nossos comentários. Evou, sobretudo, tentar traçar algum paralelo entre um trabalho e outro,a partir das leituras feitas de ambos e também do que foi dito aqui.

Como o Professor Renato Lessa destacou, de fato, se trata detrabalhos muito distintos um do outro. Em parte porque o próprioescopo e o enfoque de um diferem dos do outro. Mas observei umacaracterística interessante. Acho que o Doutor José Nun parte sobretu-do de uma análise econômica, embora eu diria que a grande força doseu trabalho, da sua exposição sejam essas metáforas que ele utilizou.Mas, enfim, a base da análise é econômica, para tentar explicar os pro-blemas do sistema político argentino.

E, no caso da Professora Maria Hermínia, o processo é inverso.A discussão sobre a política, sobre as instituições políticas brasileiras,não propriamente levam a conclusões definitivas sobre a economia,mas explicam, em grande medida, a forma como determinadas refor-mas econômicas foram realizadas no Brasil.

O trabalho do Doutor José Nun é voltado para a Argentina,exclusivamente. Mas acredito que poderíamos traçar um paralelo en-tre o que ele disse em relação à Argentina e o que ocorreu no Brasil nomesmo período por ele considerado. Sem fazer qualquer julgamento devalor, eu diria que o modelo econômico a que ele se refere foi, em certamedida, seguido tanto no Brasil quanto na Argentina. Perseguimos –com passos e procedimentos distintos – objetivos de enxugamento damáquina do Estado, de equilíbrio fiscal e de estabilidade econômica.Estávamos empreendendo, aqui e lá, processos de privatização,liberalização comercial etc. Poderíamos, portanto, traçar muitos para-lelos de semelhança entre os dois processos, inclusive no que se referea seus problemas.

O Dr. Nun dá, por exemplo, uma importância muito grande, no

Comentários

João Almino de Souza Filho: Vou acrescentar alguns comen-tários a esses que já foram feitos e, depois, nós abrimos ao debate.

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início sobretudo do regime Alfonsin, digamos, na inauguração do queseria o regime político da democracia representativa, ao problema dadívida externa argentina, inclusive colocando a crise mexicana de 1982como o estopim dessa crise. A mesma percepção em relação à dívidaexterna se aplicaria ao caso brasileiro.

Os vários planos fracassados, o Plano Austral, por exemplo, nocaso da Argentina, terá paralelos no Brasil. A questão mesma da cha-mada hegemonia do capital financeiro, os problemas relacionados coma volatilidade dos capitais de curto prazo são problemas que afetaram– e ainda afetam, de fato ou potencialmente - nossas economias. Tantoé assim que, no caso brasileiro, o nosso próprio Presidente, FernandoHenrique Cardoso, tem, reiteradamente, proposto nos foros internaci-onais medidas que possam corrigir esse problema da volatilidade doscapitais financeiros internacionais.

Mesmo aquilo que possa parecer peculiar à experiência argentina– por exemplo, o plano de convertibilidade de 1991 – pode encontrarparalelos no Brasil, como, por exemplo a âncora cambial de 94, quedurou vários anos.

No entanto, eu diria que a percepção que se tem desse processoé diferente aqui e lá. Em primeiro lugar, ao ouvirmos as duas exposi-ções desta manhã, as exposições do Doutor José Nun e da ProfessoraMaria Hermínia, reforçamos a conclusão de que, mesmo do ponto devista estritamente econômico, houve diferenças importantes de inten-sidade ou de ritmo desses processos, aqui e na Argentina. Mas, pelomenos ouvindo os expositores, fica a impressão de que a diferença maissignificativa, que terá impacto sobre as percepções, ocorre no planopolítico. E uma vez mais, aí quero fazer a ressalva de que, sem conhe-cer tão bem a questão argentina, estou de fato tirando essa conclusãounicamente das exposições e das leituras dos dois papers, papéis oupapiros. Ou seja, no caso argentino, segundo o Doutor José Nun, asmudanças econômicas teriam tido um impacto grande sobre a própriaindependência dos poderes. Para que as reformas econômicas pudes-sem ser realizadas no nível adequado, teria havido uma concentraçãomuitíssimo grande de poder, enquanto que, no caso brasileiro, comomostrou a Professora Maria Hermínia – na verdade, mostrou isso para

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enfatizar que não houve, apesar de uma independência grande dos po-deres, um problema de governabilidade – repito, no caso brasileiro, oExecutivo teve de enfrentar um poder expressivo do Congresso. Eesse poder do Congresso vai fazer com que haja decisões negociadas,que certamente terão uma repercussão sobre o próprio ritmo das refor-mas realizadas ao longo desses anos. Quer dizer, ela mostra que asreformas, sim, são realizadas, mas o ritmo é mais lento do que muitosesperavam. É mais lento, certamente, do que em outros países, inclusi-ve a Argentina.

Ela se referiu a essa conferência do Professor Rudiger Dornbush,em 1992, no Reino Unido. E, ao ouvir isso, me recordei de que, exata-mente nessa época, por volta de 1992, participei de um encontro naUniversidade de Stanford. Como brasileiro, tive que ficar muito na de-fensiva e dar muitas explicações, porque havia, mais ou menos, umconsenso entre os expositores – eram quase todos economistas, masmesmo os cientistas políticos presentes pensavam a mesma coisa –repito, havia um consenso de que existia uma espécie de trilho quedevia ser seguido por todos os países da América Latina. Era claro oque deveria ser feito. E havia países que estavam conseguindo fazerisso de maneira muito mais rápida, de maneira muito mais eficiente deque outros. O Brasil, na visão de todos, era o que estava no últimolugar, digamos, era o último carro do trem. Isso porque justamentehavia empecilhos do próprio sistema e do processo político brasileiropara que essas reformas pudessem ser implementadas. E talvez o mai-or deles fosse o fato de que o Congresso podia obstaculizar medidas deinteresse do Executivo.

O que era visto como negativo naquele momento, hoje em diatalvez possa ser entendido como tendo sido positivo para o próprioprocesso econômico brasileiro.

A Professora Maria Hermínia demonstrou de maneira muitoconvincente que esse “presidencialismo de coalizão”, que ela diz serum termo de empréstimo do Professor Sérgio Abranches, pode funcio-nar num país como o Brasil; que, de fato, esse presidencialismo nãocriou uma crise de governabilidade e não criou crises institucionais.

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Mostrou, por exemplo, isso: que as reformas, talvez não no ritmo quealguns desejavam, puderam ser realizadas.

Acho interessante que ela tenha ressaltado, mais no texto escrito– não me recordo se ela frisou isso na exposição –, uma contradiçãoque existe nas críticas: o mesmo sistema político que, para uns, criaum grande problema de governabilidade, quer dizer, geraingovernabilidade, para outros, é visto como um sistema em que apresidência é imperial. Portanto, as próprias críticas são contraditórias.Acho que de maneira muito convincente ela mostrou isso.

O que não me parece muito claro, na verdade – e essa talvez sejaa questão que eu colocaria para ela, para eventualmente ela expandir suacolocação, se quiser – é se essas instituições, apesar do bom desempenhoaté agora, têm a capacidade de evitar essas crises no futuro. Ela mesma,aliás, já deu a entender que não. Quer dizer, ela se refere ao fato de queesse sistema de presidencialismo de coalizão também pode gerar as suascrises quando se formam governos não partidários. Ela se referiu sobre-tudo ao Governo Jânio Quadros – portanto, num período ainda anteriorao da Constituição de 88 – e ao Governo do Presidente Collor.

Mas nessa discussão, acho que poderíamos expandir um poucomais a idéia, indo ao fundo de certas questões institucionais. Em pri-meiro lugar, um Presidente de um pequeno partido sem expressão par-lamentar pode, em tese, chegar ao poder no Brasil. Além disso, achoque são reais alguns dos problemas político-institucionais ou de cultu-ra política que têm sido apontados com freqüência no Brasil. Por exem-plo, de fato não temos partidos nacionais consolidados. De fato, nossoeleitor vota muito pouco em programa, vota muito pouco no partidopolítico. De fato, a nossa política é muito personalista, quer dizer, aspessoas contam muito mais não apenas do que os partidos, mas do queas instituições em geral. De fato, somos um país ainda sem instituiçõesmuito sólidas. Enfim, temos um longo caminho a percorrer nesse planoinstitucional. E continuamos – não apenas a elite, mas amplos seto-res da sociedade – a cultivar, a meu ver, um relativo desprezo pelasleis, um apreço à flexibilidade, uma falta de autodisciplina e de auto-ordenamento social que pedem, por outro lado, a figura do pai, doprotetor, do salvador.

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Quer dizer, temos tido a oportunidade, nos últimos anos, de veresse presidencialismo de coalizão funcionando. Mas não acho que existauma garantia de que ele vai sempre funcionar. Em outras palavras,esse sistema, que pode ter funcionado até aqui, pode deixar de funcio-nar, por deficiências muito importantes, institucionais e de cultura po-lítica. Temos provas de que funcionou, mas não de que tenha funcio-nado por causa de suas qualidades intrínsecas.

O Professor Renato Lessa se referiu também a questões – ecomparto esse ponto de vista dele – que têm a ver com problemas maisgerais da democracia, que não se limitam ao exemplo brasileiro, nem aoargentino, e que são também altamente relevantes para o funciona-mento de nossa democracia. Uma delas é a chamada questão da criseda representatividade. Uma questão, portanto, que vai muito além daexperiência brasileira ou argentina. Ela abrange as democracias oci-dentais.

Eu acrescentaria uma crise também significativa para o funcio-namento das nossas democracias e, sobretudo, para a mobilização so-cial em torno dessas democracias: a chamada crise ideológica. Refiro-me ao esgotamento dos modelos ideológicos dos séculos XIX e XX,que, até hoje, demandam fórmulas criativas das nossas sociedades. Eeu diria que essa crise explica, em parte, a baixa mobilização político-social nos últimos anos em nossos países.

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CULTURA POLÍTICA E FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS NO BRASIL

Carlos Henrique Cardim

“...todos nos preocupamos de igual modo com os assuntos pri-vados e públicos da pátria, que se referem ao bem comum ouprivado, e gentes de diferentes ofícios se preocupam, também,com as coisas públicas.

Nós consideramos o cidadão que se mostra estranho ou indife-rente à política como um inútil à sociedade e à República.

Não acreditamos que o discurso entrave a ação. Ao contrário,discutimos previamente todas os assuntos sobre os quais deve-mos deliberar.

Péricles, trecho do discurso “no enterro dos que morriam nas guerras dos

atenienses”, citado por Tucídides in “História da Guerra do Peloponeso”.

O PARADOXO DE WEIMAR: UMA DEMOCRACIA SEM DEMOCRATAS

A Constituição da República de Weimar foi um marco na evoluçãodo Estado de Direito Democrático pelas inovações que trouxe no terreno dalegislação social e econômica, além, logicamente, de estabelecer normas paraaprimorar o sistema representativo no Parlamento. No entanto, apesar daexcelência de seus propósitos e metas, o regime político alemão da década de1920 naufragou de maneira catastrófica, e abriu terreno para a implantaçãoda ditadura nazista. Como foi possível que uma Constituição pioneira dademocracia contemporânea, em país de alta cultura, tenha sido rechaçadapela maioria da população, não tenha convencido os cidadãos e tenha fracas-sado tão completamente? Sem aprofundar em respostas que já renderamextensa e relevante bibliografia, pode-se afirmar que uma das principais ra-zões dessa tragédia política de nosso tempo tenha sido, como foi dito, que“Weimar foi uma democracia sem democratas”.

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A dura lição que se pode tirar da experiência de Weimar é que ademocracia para existir de fato, e não somente de maneira formal, temque estar viva na convicção dos indivíduos em valores básicos, como orespeito pelas diferenças, a realização de eleições periódicas, a conti-nuidade do processo político, independente de êxitos econômicos, emesmo em períodos de dificuldades econômicas e sociais. A lição quea sociedade alemã tirou de Weimar e de suas consequências é a de quepara a democracia é regime onde todos somos políticos, e não somentea denominada “classe política”. É voltar a esse preceito tão enraizadonos cidadãos de Atenas, expresso na oração fúnebre de Péricles aosatenienses mortos na Guerra do Peloponeso, na qual esse líder demo-crata dizia que “consideramos inúteis aqueles que não se interessampelas coisas da cidade”.

A Alemanha, após 1945, tem sido um laboratório de constru-ção de um regime democrático moderno, tirando ensinamentos de seusgraves erros do passado. Além dos dispositivos estabelecidos na novaConstituição como a “cláusula construtiva”, merece destaque a idéiade dotar, com financiamento público e regular, cada partido com umafundação destinada aos seguintes objetivos:

a) oferecer educação política;

b) promover a pesquisa e organizar a documentação da históriae evolução da corrente ideológica que defende;

c) apoiar a integração européia e colaborar para o entendimen-to internacional, inclusive dando suporte moral e assistên-cia material a democratas que estejam sofrendo perseguiçãopolítica.

d) divulgar os resultados de seus trabalhos.

e) servirem de “refúgios” dignos e momentâneos para quadrospartidários que sofreram eventuais reveses eleitorais.

A avaliação do modelo alemão, em seus quase 50 anos de expe-riência, revelou-se bastante positiva, fato que sem dúvida inspirou oslegisladores brasileiros a proporem a criação de fundações e institutosde formação política.

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BRASIL, CONTRASTE ENTRE SISTEMA ECONÔMICO E SISTEMA

POLÍTICO.

O Brasil, segundo estudos da OCDE, foi o país que no séculoXX apresentou a maior taxa de crescimento do Produto Nacional Bru-to, superando, inclusive, nações como os Estados Unidos, Alemanha,Japão, Coréia. Se pelo lado econômico os resultados foram impressio-nantes, o mesmo não pode ser afirmado pelo lado político-institucional.O século XX brasileiro foi marcado pela oscilação entre períodos deautoritarismo e de democracia, e pela dificuldade de se implantar umestável sistema político democrático moderno.

Há quatro variáveis fundamentais para a viabilização efetivade um sistema democrático sólido:

a) o sistema partidário;b) o sistema eleitoral;c) a cultura política;d) os grupos de pressão.

Dos quatros elementos acima mencionados a cultura política éaquele que diz respeito mais diretamente ao que poderia se denominarde infra-estrutura do sistema político democrático. A educação políti-ca, em termos humanistas e plural, contribui, decisivamente, para acriação e consolidação dos regimes democráticos, em particular emcasos como o Brasil, onde ainda persiste, conforme analistas comoSimon Schwarztman, fortes traços de uma cultura política autoritária,e a prática personalista na vida pública.

No presente, corre o debate sobre a reforma política no Congressobrasileiro, focado, principalmente, no aperfeiçoamento dos sistemas parti-dário e eleitoral. O propósito desse artigo é o de chamar a atenção parauma nova e positiva realidade no quadro político brasileiro, qual seja o dasfundações e institutos partidários, que trabalham na construção da infra-estrutura do regime democrático. A visão, ainda que geral e incompleta,das atividades e projetos em curso por essas entidades mostra algumasiniciativas de bom nível qualitativo e quantitativo, e um potencial quemuitas vezes não está sendo, devidamente, explorado.

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Otávio Mangabeira, destacado político brasileiro dos anos 40 e50, costumava dizer que “a democracia no Brasil é uma plantinha muitotenra” que necessita de cuidados intensos e permanentes para resistiras intempéries. Às necessárias atenções com a melhora do sistema par-tidário e do sistema eleitoral devem se somar igual prioridade com aelevação do nível da cultura política . Algo nesse terreno já está sendofeito, porém há, ainda, muitas tarefas pendentes para fazer da “planti-nha muito tenra” uma árvore da democracia no solo brasileiro.

UM NOVO ELEMENTO NO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO

As fundações e institutos partidários brasileiros, considerandoa qualidade de algumas de suas iniciativas, o fluxo de recursos finan-ceiros legais regulares e certo volume de suas atividades nos últimosanos, tem se firmado como um novo e relevante elemento no sistemapolítico nacional. Tal fato já foi observado, entre outros, por destaca-dos políticos, como o Vice-Presidente da República e um dos líderesdo Partido da Frente Liberal (PFL) Marco Maciel. Tal realidade expres-saria uma terceira fase no atual processo de desenvolvimento dos par-tidos políticos, iniciado em 1985, com o fim do ciclo dos governosmilitares. A primeira fase seria a da criação e constituição formal dospartidos, a segunda a da consolidação mínima, e a terceira, ora em pro-gresso, a da expansão e formação de quadros e sua militância.

Previstos na lei desde 1976, as fundações e institutos partidári-os passaram por diferentes etapas, marcadas pela descontinuidade emseus programas, e pela incerteza de recursos. Um visão geral dos proje-tos das fundações e institutos dos principais partidos, quais sejam oque possuem representação no Congresso Nacional, exposta nesse ar-tigo, evidencia não somente a crescente densidade dessa novo dado davida política brasileira, como, igualmente, demonstra a sua potencialidadeque poderá ser explorada nos próximos anos. Sublinhe-se, a propósito,que o Brasil hoje possui o quinto contingente eleitoral do mundo comcerca de 102 milhões de votantes, e que existem indicadores sociaisque possibilitariam uma participação política ampliada e mais qualifi-cada de expressivos setores da população,

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A Lei número 6339, de 1 de julho de 1976, trouxe nova reda-ção ao artigo 118 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos ( Lei número65.682, de 21 de julho de 1971):

“Artigo 118 – Os partidos terão função permanente atra-vés:

.............................................................................................

V – da criação e manutenção de institutos de doutri-nação e educação política destinado a formar, reno-var e aperfeiçoar quadros e lideranças partidárias”.

A nova Lei dos Partidos – Lei número 9096, de 19 de setembrode 1995, dispõe:

“Artigo 44 – Os recursos oriundos do Fundo Partidário se-rão aplicados:

.....................................................................................................

IV – na criação e manutenção de instituto ou funda-ção de pesquisa e doutrinação e educação política,sendo esta aplicação de, no mínimo, vinte por centodo total recebido”

Artigo 53 – A fundação ou instituto de direito privado, criadopor partido político, destinado ao estudo e pesquisa, à doutrinação e ãeducação política, rege-se pelas normas da lei civil e tem autonomiapara contratar com instituições públicas ou privadas, prestar serviços emanter estabelecimentos de acordo com suas finalidades, podendo, ain-da, manter intercâmbio com instituições não-nacionais”.

Conforme estabelecido nos dispositivos legais acima citados, nomínimo vinte por cento do Fundo Partidário tem que ser aplicado nasatividades das fundações e institutos partidários. No ano de 1999, essesrecursos totalizaram a cifra de cerca de R$ 10.284.293,00 (equivalentesa U.S.$ 5 910 513.20), distribuídos entre os partidos de acordo com suavotação no último pleito.

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AS FUNDAÇÕES PARTIDÁRIAS BRASILEIRAS

Os seis maiores partidos brasileiros com representação no Con-gresso Nacional organizaram a fundação ou instituto previsto na acimareferida legislação. Assim sendo, existem hoje no Brasil as seguintes enti-dades vinculadas às agremiações partidárias majoritárias:

Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB): InstitutoTeotônio Vilela.

Partido da Frente Liberal (PFL): Instituto Tancredo Neves.

Partido dos Trabalhadores (PT): Fundação Perseu Abramo

Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB):Fundação Ulysses Guimarães ( anteriormente, denominadade Fundação Pedroso Horta).

Partido Progressista Brasileiro (PPB): Fundação Milton Cam-pos.

Partido Democrático Trabalhista (PDT): Fundação AlbertoPasqualini.

Merecem, também, ser citadas outras agremiações partidárias comassento no Parlamento e que estão começando a organizar suas funda-ções ou institutos:

Partido Progressista Socialista (PPS): Fundação AstrogildoPereira

Partido Socialista Brasileiro (PSB): Fundação JoãoMangabeira

Partido Comunista do Brasil (PC do B): Instituto MaurícioGrabois

Partido Trabalhista Brasileiro (PTB): Instituto GetúlioVargas

Considerando a novidade da presença das fundações e institu-tos partidários na cena política nacional, com certo volume de ativida-

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des e com relativa continuidade, são apresentados a seguir breves no-tas sobre três daqueles que tem apresentado maior número de ativida-des. Tais relações, apesar de meramente descritivas, são interessantespara se avaliar o tipo de contribuição que essas entidades têm trazido,e poderão trazer no futuro ao processo democrático brasileiro.

PSDB – Instituto Teotônio Vilela (ITV)

Orçamento em 1999: R$ 2.003.708,00 (U.S.$ 1.151.556,40)

O Instituto Teotônio Vilela (ITV), presidido pelo Senador doEstado do Ceará Lúcio Alcântara, está instalado além da capital fede-ral em vários Estados, e tem desenvolvido as seguintes principais ativi-dades:

I) Edições:

a) “Coleção Pensamento Social Democrata”. Série de li-vros que publica clássicos das principais vertentes históri-cas dessa corrente ideológica como Eduard Bernstein, KarlKautsky, Carlo Rosselli, Clement Attlee, John Rawls, aolado de obras do atual debate sobre novos caminhos dasocial democracia, como Anthony Giddens, Tony Blair ePierre Rosanvallon. Destaque especial dessa coleção sãoos títulos dedicados à trajetória do socialismo democráticono Brasil como o volume intitulado “O Socialismo Brasi-leiro”, organizado ente por Evaristo de Moraes Filho, e olivro de Hélio Jaguaribe “A Proposta Social-Democrata”.Entre os próximos lançamentos da “Coleção”, figuram umvolume com os textos do recente encontro de Florença sobre“Governança Progressiva”, e o segundo volume de “O So-cialismo Brasileiro”, esse organizado por Antonio Paim. Jásaíram 16 títulos até o presente, estando previsto para 2000o lançamento de mais dez obras. Os livros são tanto edita-dos pelo Instituto Teotônio Vilela, como alguns publica-dos sob a forma de coedição com editoras privadas, e sãocomercializados através da rede de vendas da Editora Uni-versidade de Brasília (UnB).

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b) Série de Papers “Idéias e Debates”.

c) Série “Cadernos 45”.

II) Formação de Quadros:

a) “Laboratório de Atividades Políticas”.

PFL – Instituto Tancredo Neves (ITN)

Orçamento em 1999: R$ 1.982.630,00 (U.S.$ 1.139.442,50)

O Instituto Tancredo Neves (ITN) tem como atual Presidenteo Deputado Federal da bancada do Estado de Goiás Vilmar Rocha. OITN já se instalou em todos Estados brasileiros. De seu plano de ativi-dades em curso merecem destaques as seguintes iniciativas:

I) Edições:

a) “Biblioteca Liberal”. Projeto de coedição com a EditoraMandarim, e distribuição através da rede Siciliano de livra-rias (cerca de 80 em todo o Brasil), de títulos fundamentaisdo pensamento liberal de autores estrangeiros e brasileiros.Até a presente data, já foram publicados os dois primeiroslivros da coleção: “História do Liberalismo Brasileiro” deAntonio Paim, e “Tocquevile e o Liberalismo” de RicardoVelez Rodriguez. Para o ano 2000 estão previstos os lan-çamentos das seguintes obras: “Direito e Estado no Pen-samento de Emanuel Kant” de Norberto Bobbio, “O QueÉ Democracia?” de Giovani Sartori, “Os Pensadores daLiberdade” de Mariano Grondona e “Armando Sales de Oli-veira e o Liberalismo Brasileiro”, antologia organizada eprefaciada por Arsênio Correia.

b) “Cadernos Liberais”. Série de livretos editados pelo ITNsobre temas doutrinários do liberalismo de interesse para opúblico. Já foram publicados doze títulos, entre eles os se-guintes: “A Agenda Teórica dos Liberais Brasileiros” de An-

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tonio Paim, “O Liberalismo Moderno” de Ubiratan Borgesde Macedo. Nova série deverá ser iniciada em 2000 comtextos breves, de cerca de 60 páginas, sobre temas da con-juntura política, econômica e social nacional, preparadospor especialistas.

II) Formação de Quadros:

a) Organização da “Escola Superior de Política”, que de-verá oferecer, em 2000, Curso de Gestores Municipais.

III) Outros projetos:

a) Prêmio Luís Eduardo Magalhães. Organizado em 1998,o Prêmio encontra-se em sua terceira edição, e tem comopúblico participante os universitários de graduação e pós-graduação das instituições de ensino superior brasileiras.

PT - Fundação Perseu Abramo (FPA)

Orçamento em 1999: R$ 1.405.984,00 ( U.S.$ 808.036,89)

A Fundação Perseu Abramo é presidida pelo cientista políticoProfessor Luis Soares Dulci, e no seu quadro de atividades destacam-se os seguintes projetos:

I) Edições:

a) Revista “Teoria & Debate”, de periodicidade trimestral,que já completou 11 anos com 43 números publicados.

b) Editora Fundação Perseu Abramo. A FPA constituiuuma empresa editorial que já publicou, entre outros, osseguintes livros: “Antonio Cândido-Pensamento eMilitância”; “O Brasil Desempregado”; “O BrasilPrivatizado”; “Brava Gente-Trajetória do MST e a luta pelaterra no Brasil”; “Desafios do Governo Local-o modopetista de governar”; “Dos Filhos deste Solo: mortos e de-saparecidos políticos”; “Manifesto Comunista 150 Anos

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Depois”; “O Marxismo na América Latina”; “Mulher ePolítica”; PT-Resoluções de Encontros e Congressos 1979-1998”; “Sérgio Buarque e o Brasil”; Reforma Política”.Estão previstos para 2000 no programa editorial os lança-mentos, entre outros, dos títulos de Marilena Chauí “Brasil500 Anos-Cidadania, Cultura e Sociedade”, e de MariaConceição Tavares “Império, Território e Dinheiro-origensda riqueza e da miséria no Brasil”.

II) Núcleo de Opinião Pública (NOP). Criado em 1997 oNOP já realizou as seguintes pesquisas: “Presidente e Go-vernadores: dados das eleições de 1994 e 1998”; “Juven-tude, Cultura e Cidadania: perfil dos jovens das regiões me-tropolitanas brasileiras quanto à percepção da cultura e ci-dadania”; “Cultura, Política e Cidadania: níveis de partici-pação e adesão populares aos processos democráticos noBrasil”, e “Perfil da Delegação Petista; características dosdelegados e delegadas participantes dos Encontros do PTem 1997 e 1999”.

III) Projeto Memória, voltado para a documentação da his-tória do PT.

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EL LUGAR DEL BRASIL EN LA POLÍTICA EXTERIOR DE LA

ARGENTINA: LA VISIÓN DEL OTRO

Roberto Russell y

Juan Gabriel Tokatlian

I. INTRODUCCIÓN

Este trabajo estudia la “visión” argentina sobre el lugar que haocupado históricamente el Brasil en la inserción internacional del país.Para ello, apelamos a un enfoque teórico ecléctico que combina variasperspectivas. Primero, empleamos de modo complementario los aportesde Kenneth Waltz1 (realismo estructural) y de Stephen Walt2 (origen delas alianzas) con el objeto de explorar, respectivamente, la influenciade las disparidades de poder relativo en la visión argentina del Brasil ydel papel de las motivaciones percibidas del “otro” en la configuraciónde las alianzas externas que promovieron los dos países – tanto entre sícomo con terceros, particularmente con Estados Unidos.

La teoría del “equilibrio de amenazas” desarrollada por Walt3 , adiferencia de la teoría del “equilibrio del poder” en su formulaciónwaltziana, requiere contemplar, además de la distribución de atributosde poder entre los estados, otras variables que influyen en la definiciónde la política exterior; por ejemplo la proximidad geográfica, las capaci-dades ofensivas y las intenciones agresivas de un Estado hacia otro uotros estados.

Asimismo, utilizamos las contribuciones teóricas delconstructivismo, especialmente del “idea-ismo estructural” desarrolladopor Alexander Wendt, sobre el papel de las creencias y expectativasque los estados tienen sobre los otros en la determinación del carácter

1 Kenneth Waltz, Theory of International Politics, Random House, Nueva York, 1979.

2 Stephen M. Walt, The Origins of Alliances, Cornell University Press, Ithaca, 1987.

3 Ibid, p. 25.

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de la vida internacional4 . Desde esta perspectiva teórica, las ideas com-partidas entre países son más importantes que la distribución de atribu-tos materiales de poder, dado que el significado y efectos de estos últi-mos dependen de la cultura que predomina en una determinadaestructura social5 . Según Wendt, desde el mismo origen del sistemainternacional moderno tres tipos de culturas han caracterizado las rela-ciones interestatales: hobbesiana, lockeana y kantiana6 . A cada una deellas, corresponde una posición distinta del sujeto en la que el Yo y elOtro se representan respectivamente como enemigos, rivales y amigos.En sus palabras: “The posture of enemies is one of threatening adversaries who

observe no limits in their violence toward each other; that of rivals is one of

competitors who will use violence to advance their interests but refrain from killing

each other; and that of friends is one of allies who do not use violence to settle

their disputes and work as a team against security threats.”7 En suma, ponemosaquí el acento en el stock y flujo de ideas compartidas sobre la naturalezay el rol del Yo y del Otro en las relaciones argentino-brasileñas.

Esta conjunción de enfoques teóricos realistas yconstructivistas nos parece imprescindible dado que, como sostieneVendulka Kubálková, es preciso contemplar “what states can do because

of their position in the (international) structure” y “what they want to do because

of how they see themselves in relation to others”8 . Por último, consideramosel papel del tipo de régimen en la formación de las visiones recípro-cas, fundamentalmente a partir del inicio del proceso dedemocratización en ambos países en la década del ochenta.

Nuestro trabajo se sustenta en cuatro hipótesis: a) que la visiónargentina del Brasil nunca tuvo elementos propios de una cultura deenemistad (hobbesiana); b) que esa visión fue constituida desde elorigen de la nacionalidad argentina y hasta principios de la década de

4 Alexander Wendt, Social Theory of International Politics, Cambridge University Press, Cambridge,

2000.5 Según Wendt: “To say that a structure is “social” is to say, following Weber, that actors take each otherinto account in choosing their actions... Shared ideas make up the subset of social structures known ascultures”. Ibid. p. 249.

6 Ibid, p. 259-312.

7 Ibid, p. 258.

8 Vendulka Kubálková, “Foreign Policy, International Politics, and Constructivism”, Vendulka

Kubálková (ed.) Foreign Policy in a Constructed World, Sharpe, New York, 2001, p. 17.

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los ochenta en el siglo XX por una cultura de rivalidad (lockeana),cuyas normas alcanzaron un alto grado de internalización9 ; c) que apartir de esa década, esta cultura de rivalidad ha incorporado en for-ma creciente elementos característicos de una cultura de amistad(kantiana); y d) que este cambio cultural es producto de un procesoen el que destacan tres factores: altas tasas diferenciales de crecimientoentre la Argentina y el Brasil en beneficio de este último país(inviabilidad de las estrategias de restricción del otro mediante elmecanismo del equilibrio de poder); la democratización de ambospaíses (mayor convergencia trasnacional de valores definidos en cla-ve democrática); y la mayor interdependencia económica (mayoresintereses comunes). Estos tres factores han favorecido el desarrollode conductas e intereses que trascienden la cultura de rivalidad asícomo la emergencia de una incipiente estructura social de amistad enla que se aprecian signos de identificación positiva con el otro y en laque se cumple la regla de la no violencia (las disputas entre los dospaíses serán resueltas sin guerra o amenaza de guerra). Sin embargo,esta nueva cultura es frágil por dos motivos principales: 1) el gradode internalización de sus normas es bajo, dado que la amistad es másuna estrategia interesada para obtener beneficios individuales que unaidentificación legítima con los intereses y necesidades del otro; y 2)que los dos países todavía no observan la regla de la mutua ayuda(actuar como un equipo si la seguridad de uno de ellos es amenazadapor un tercero)10 .

Con fines metodológicos, hemos dividido el estudio en tresetapas que corresponden gruesamente a tres modelos de insercióninternacional seguidos históricamente por la Argentina: I) el de larelación especial con Gran Bretaña que se extiende desde fines delsiglo XIX hasta los años 30 del siglo XX; II) el paradigma “globalista”que comienza a mediados de los cuarenta y llega hasta el fin de laGuerra Fría11 ; y III) la estrategia de “aquiescencia pragmática” inicia-

9 Las normas de una cultura se “internalizan” en distintos grados. A más bajo grado de

internalización, más probabilidades de que esa cultura pueda modificarse. Véase, Alexander

Wendt, op. cit., p. 250.

10 La cultura de la amistad requiere que los estados cumplan tanto la regla de la no violencia como

la de la mutua ayuda. Ver, Alexander Wendt, op. cit., p. 298/9.

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da a principios de los noventa y que, con diferentes gradaciones, haorientado la política exterior del país hasta el presente12 .

A cada una de estas etapas corresponden distintas visiones delBrasil que se correlacionan con seis variables principales: los incenti-vos del sistema político internacional y de la economía mundial, el pa-pel de los Estados Unidos en la relación con el “otro”, los cambios enla distribución de los atributos de poder relativo de la Argentina y elBrasil, las intenciones percibidas del Brasil en materia de política exte-rior, la estrategia de desarrollo nacional promovida por las distintasfuerzas sociales que detentaron el poder en la Argentina y la evoluciónde su política interna.

Durante los dos primeros períodos hubo una visión dominanteque fue acompañada por otras visiones del “otro” opuestas o, al me-nos, diferentes que operaron como una perspectiva secundaria, más omenos influyente según la naturaleza crítica de alguna coyuntura espe-cífica. En la primera etapa, el Brasil fue visto con indiferencia desde elpunto de vista económico, como un país inferior desde el cultural ycomo un rival por la supremacía sub-regional desde el político. En losaños de vigencia del paradigma globalista, el Brasil fue consideradofundamentalmente como un rival, al menos hasta fines de la década delsetenta y principios de los ochenta. No obstante los acercamientos inter-mitentes, el signo de la relación bilateral fue el de la competencia.A medida que la Argentina fue perdiendo poder respecto del Brasil, se11 Este paradigma se ordenó a partir de las siguiente premisas: a) el no alineamiento con los

Estados Unidos que nunca implicó equidistancia entre los bloques; b) el alto perfil en los foros

internacionales en defensa de la paz, el desarme y la distensión Este-Oeste; c) el rechazo a

organismos y regímenes internacionales que procuran congelar la distribución del poder mundi-

al, particularmente en materia de desarrollo de tecnologías sensibles; d) la oposición al

establecimiento de organismos supranacionales que coarten la autonomía y el desarrollo argen-

tinos; e) el impulso a la integración latinoamericana, aunque desde una perspectiva gradualista y

asentada en el reconocimiento de la gran diversidad de situaciones económicas nacionales; f) la

ejecución de una estrategia de desarrollo orientada a la sustitución de importaciones a nivel

nacional y regional como vía principal para superar las vulnerabilidades del modelo tradicional

basado en las exportaciones primarias; g) la introducción de reformas en el sistema económico y

financiero internacional que contemplen los intereses de los países en desarrollo; y h) la

diversificación de los socios comerciales externos sin barreras ideológicas.

12 Para Mann este tipo de comportamiento se da cuando el individuo se conforma porque no

percibe otra alternativa realista. Michael Mann, “The Social Cohesion of Liberal Democracy”,

en Amercian Sociological Review, Vol. 35, Junio 1970, p. 423-439.

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comenzó a temer que el destino del país fuese tan solo el de un “sociomenor” de Brasilia, una idea que se acompañó, a diferencia de la etapaanterior, por un sentimiento creciente de inferioridad. El inicio delproceso de democratización ayudó a desplazar esta visión de rivalidadpor la de socio, aunque las preocupaciones por restringir poder, tantoen términos políticos como económicos, continuaron presentes. Esinteresante destacar que en los años de quiebre de los dos primerosmodelos se acentuó el debate sobre el lugar de las alianzas exterioresdel país; en ambos casos ganaron importancia las visiones, nonecesariamente coincidentes, del Brasil como un socio indispensablede la Argentina13 .

A partir de los años noventa, puede distinguirse una visión do-minante en medios gubernamentales que sitúa a la relación con el Bra-sil en un lugar subordinado a la relación “especial” con los EstadosUnidos y en un plano preferentemente económico/comercial. Más aún,este vínculo con Washington fue concebido como una estrategia derestricción de ciertos objetivos de la política exterior del Brasil que fueconsiderada en su conjunto como anacrónica. Simultáneamente, tambiéncobró fuerza una visión secundaria que le otorgó al vínculo con el Bra-sil un valor político crucial no sólo para el desarrollo nacional, sinotambién para limitar un alineamiento estrecho con Washington. Estaperspectiva ha sido sustentada a lo largo de un amplio abanico queincluye, entre otros, a sectores importantes de los partidos tradicionales(justicialismo y radicalismo) y diversas agrupaciones de centro-izquierda.

13 La imagen del “otro” se vincula a la imagen propia. En este caso, siguiendo a Philippe Le

Prestre, lo crucial es observar el entrecruzamiento entre lo que el sistema internacional constriñe

y lo que facilita, por un lado, y lo que la identidad nacional impulsa y tolera, por el otro. Como

resulta natural un fuerte disenso sobre la identidad nacional dificulta la concreción de los

intereses nacionales; lo cual afecta la identificación del rol de un país en el mundo y,

consecuentemente, la práctica de su política exterior. Véase, Philippe G. Le Prestre, “Autor!

Autor! Defining Foreign Policy Roles after the Cold War”, en Philippe G. Le Prestre (ed.), RoleQuests in the Post-Cold War Era: Foreign Policies in Transition, McGill-Queen’s University Press,

Montreal, 1997.

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CUADRO 1: La “visión” del Brasil en la política exterior argentina

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II. LA RELACIÓN ESPECIAL CON GRAN BRETAÑA Y LA VISIÓN DEL

BRASIL

Desde 1880 hasta 1930, la Argentina logró un nivel deintegración al sistema internacional que no volvería a repetirse. A par-tir de 1860, pero especialmente en los ochenta, las clases dirigentes delpaís construyeron un modelo de política exterior que siguió cuatroorientaciones principales: el europeismo, la oposición a los EstadosUnidos, el pacifismo y el aislamiento de América Latina14 .

Esta última orientación fue una consecuencia directa de ladebilidad de los vínculos comerciales del país con la región y se concretóen un rechazo sistemático al establecimiento de esfuerzos asociativospermanentes. La indiferencia económica hacia América Latina incluyóciertamente al Brasil; país que, por su parte, adoptó una posición simi-lar frente a la Argentina. La baja densidad de la relación económicatuvo su correlato en los campos de la cultura y las ideas. Hacia fines delsiglo XIX, García Merou señalaba en su obra El Brasil intelectual que detodas las expresiones intelectuales sudamericanas, “ninguna es tan pococonocida entre nosotros como la del Brasil”15 . Por su parte, Victor RaúlHaya de la Torre opinaba que: “La Reforma Universitaria, que extendiósus fecundas rebeldías a toda Sud América, y llegó hasta Cuba, noconmovió al Brasil. El movimiento antiimperialista y unionista que partede la Argentina y repercute en (...) Uruguay, Chile, Perú y Colombia, noalcanzó resonancia en el Brasil. Por mucho tiempo nos hemos sentidoextraños y alejados”16

Al mismo tiempo, el vertiginoso crecimiento de la Argentinadurante los años de apogeo del modelo de la relación especial con GranBretaña dio lugar al surgimiento de un sentimiento de superioridad delpaís respecto del resto de la región. En su registro de impresiones sobre

14 Ver, Gustavo Ferrari, Esquema de la Política Exterior Argentina, Eudeba, Buenos Aires, 1981,

capítulo 1 y Juan Carlos Puig, «La política exterior argentina y sus tendencias profundas», en

Revista Argentina de Relaciones Internacionales, no 1, 1975.

15 Martín García Merou citado en Liborio Justo, Argentina y Brasil en la integración continental,Centro Editor de América Latina, Buenos Aires, 1983, p. 9.

16 Víctor Haya de la Torre, en Ibid., p. 34-35.

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la Argentina, Oliveira Lima escribía a fines de la década de 1910: “Nodescubrí en la Argentina rastro de la animosidad que algunos en el Bra-sil juzgan una característica de ella. Al contrario, parecióme quepredominaba cierta indiferencia elegante, hija tal vez del sentimientode superioridad, inspirado por la magnitud de sus fuentes de riqueza ypor la seguridad de su porvenir fecundo”17 .

Para muchos argentinos de la elite la superioridad del paístambién se expresaba en el plano racial. Para José Ingenieros, porejemplo, la superioridad racial argentina debía conducir al país aaventajar a sus rivales de la región (el Brasil y Chile) y, además, justificabael establecimiento de una hegemonía argentina en toda Sudamérica18 .Desde una óptica similar, Luis Tamini, uno de los autores nacionalistasmás importantes de ese período, llegó a sostener que “la fe en el porvenirdel argentino, su tendencia incoercible a expandirse, su confianza en eltrabajo, no las posee el brasileño, y como el hombre es ante todo unafuerza moral, el argentino vale más que el brasileño y lo ha probado yaen la paz y en la guerra”19 .

La animosidad hacia el Brasil que Oliveira Lima no advirtió ensu visita al país se manifestó sobre todo a partir de fines del siglo XIXy principios del XX por parte de sectores de la clase dirigente argentinaque habían hecho suyos los supuestos de la teoría realista en materia derelaciones internacionales entonces en boga en Europa y en menor me-dida en los Estados Unidos. Por cierto, la indiferencia económica y elaislamiento cultural no tuvieron su equivalente en el plano de la políti-ca exterior. La visión del Brasil como rival geopolítico y como amenazafue compartida por la mayoría de la dirigencia argentina desde losorígenes mismos del país. Esta visión del Brasil se nutrió más del temora la “expansión territorial” brasileña y al desequilibrio de poder que delos conflictos territoriales que enfrentaron a los dos países durante losaños de consolidación de sus respectivos estados nacionales. En loshechos, la rivalidad bilateral se manifestó a partir de la Guerra de la

17 Manuel de Oliveira Lima, en Ibid., p. 37.

18 Citado en Andrés Cisneros y Carlos Escudé (ed.), Historia general de las relaciones exteriores de laRepública Argentina, Tomo VII, CARI/GEL, Buenos Aires, 1999, p. 136.

19 Luis Tamini, “Corta memoria sobre los medios de llegar pacíficamente a la reconstrucción del

Virreinato”, Revista de Derecho, Historia y Letras, Tomo XXXIII, 1909, p. 517.

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Triple Alianza en la búsqueda de aliados en los países del Cono Surpara atraerlos a una esfera de influencia propia y en el desarrollo de unacarrera armamentista. El logro de la supremacía regional y el aislamientodel otro fueron los dos principales objetivos de las políticas exterioresde ambos países hacia la sub-región.

Dos de las principales figuras de esa etapa, Juan Bautista Alberdiy Domingo Faustino Sarmiento procuraron diferenciar claramente a laArgentina del Brasil. El autor de las Bases, por ejemplo, considerabaque su “propensión histórica y tradicional a extender sus límites hastael Plata y sus afluentes” convertía al Brasil en un foco de amenaza a lasnaciones hispanoamericanas20.

La visión del Brasil como rival tuvo su apogeo en la primeradécada del siglo XX debido a dos motivos principales: la sanción de laLey de armamentos navales del Brasil (1904) y el desplazamiento deleje de sus relaciones especiales desde Londres a Washington21 . Estecambio de orientación política y económica en la inserción internacio-nal del país vecino fue percibido por la elite brasileña como el másfuncional a los intereses del Brasil en esos años. Los Estados Unidos seconstituyó en su principal mercado y, al mismo tiempo, en su primerproveedor y financista. Secundariamente, la búsqueda de una “relaciónespecial” con los Estados Unidos apuntó a neutralizar el poderío militarargentino y las amenazas al Brasil que pudieran surgir de una coaliciónsub-regional liderada por la Argentina. En suma, la lógica del equilibriode poder en el Cono Sur fue uno de los factores principales que llevaronal Baron do Rio Branco a estrechar las relaciones con Washington. Estapolítica fue así percibida en Buenos Aires; más aún, muchos dirigentes lavieron como el primer intento de reparto de influencias en el hemisferio.

La lógica del equilibrio sub-regional también prevaleció en lamayor parte de los acercamientos bilaterales producidos en esa época.Durante la primera y segunda presidencias de Roca, la Argentina eaproximó al Brasil con el objeto de evitar un segundo frente de conflicto

20 Juan Bautista Alberdi, El Brasil ante la democracia de América, Ediciones Ele, Buenos Aires,

1946, p. 57.

21 José Paradiso, Debates y trayectoria de la política exterior argentina, Grupo Editor Latinoamericano,

Buenos Aires, 1993, p. 40.

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en el Cono Sur y de poner freno a un posible cerco geopolítico, quepodría surgir de una eventual alianza Santiago-Rio22 .

El propio ABC, generalmente citado como uno de los primerosesfuerzos de cooperación política entre la Argentina, el Brasil y Chile,fue una especie de pequeño concierto a la europea sustentado en lalógica del equilibrio de poder en un contexto en el que se“panamericanizan” las relaciones internacionales en el hemisferio23 . Así,comienza a gestarse un mecanismo de vinculación complementaria enel que la relación argentino-brasileña es percibida como un instrumen-to para contrapesar una relación estrecha con los Estados Unidos con-cebida en parte, a su vez, para equilibrar al “otro”. Mónica Hirst yRoberto Russell explican de este modo el funcionamiento de este me-canismo en esta etapa, cuando es el Brasil el país que tiene una “alianzano escrita” con los Estados Unidos: “Ciertamente el Baron do Rio Bran-co pensaba en el equilibrio de poder con la Argentina cuando propusola alianza con Estados Unidos, pero su interés en profundizar el ‘pactoABC’ reflejó también su deseo de consolidar un esquema diplomáticocomplementario destinado a balancear la relación con Washington”24 .

Del lado argentino, la visión cooperativa hacia el Brasil de lasdos primeras décadas del siglo XX reunió componentes que luego daríansustento a los proyectos de corte autonomista propios del paradigmaglobalista (convergencia de intereses, complementación económica, con-trapeso del poder de los Estados Unidos), pero todavía en el marco deuna política pro-europea que fue adquiriendo un carácter cada vez másdefensivo frente al avance de los Estados Unidos en América Latina.Así, la Argentina buscó el acuerdo con el Brasil (el caso más notoriofue el de Roque Sáenz Peña, quien pronunció la conocida frase “todonos une, nada nos separa” en su visita a Río de Janeiro en agosto de1910) con un doble propósito: estrechar los vínculos económicos

22 Andrés Cisneros y Carlos Escudé, op. cit., Tomo VII, p. 117.

23 El ABC buscaba evitar los enfrentamientos entre los tres países frente al peligro de la intervención

de las grandes potencias. Así, la Argentina, el Brasil y Chile se unen para dar respuesta a una

corriente intervencionista mundial y para defender el orden “progresista” frente a una América

Latina en cambio violento simbolizado por la Revolución Mexicana. Ver, Javier Pérez, “El

A.B.C. una respuesta conservadora”, en Todo es historia, n° 211, Noviembre de 1984, p. 64.

24 Monica Hirst y Roberto Russell, Los cambios en el sistema político internacional y el Mercosur,Fundación OSDE, Buenos Aires, 2001, p. 42.

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bilaterales y formar un bloque sudamericano para oponerse al poder enexpansión de Washington25 .

La ampliación del sistema democrático argentino producida trasel triunfo del Partido Radical en 1916 no fue acompañada de un cam-bio significativo en la orientación de la política exterior hacia el Brasil;la proclamada solidaridad latinoamericana del nuevo gobierno se redujoen la práctica al fomento preferencial de los intereses y aspiraciones delos países hispanoamericanos26 .

LA CRISIS DEL PARADIGMA DE LA RELACIÓN ESPECIAL

Las profundas transformaciones producidas en la política y enla economía mundiales tras la Primera Guerra Mundial pusieron en jaqueal modelo agro-exportador para restarle progresivamente toda viabilidad.Luego de 1930, los cambios en el sistema de comercio mundial leasestaron el golpe de gracia y tornaron vanos los esfuerzos realizadospara recrear la antigua bilateralidad con Gran Bretaña.

El fin del modelo desató un debate sobre las alianzas quedeberían favorecerse (Europa-Estados Unidos o, más tibiamente, Amé-rica Latina), el grado de apertura de la economía al comercio exterior,el desarrollo del mercado interno y las estrategias de industrialización27 .Quienes más se habían beneficiado del modelo durante casi medio siglo,todavía pensaban en la década de 1940 que se podía “volver a lanormalidad”, una aspiración definitivamente sepultada durante el primergobierno de Perón.

Otras voces, todavía en franca minoría, postulaban unavinculación estrecha con Washington considerada necesaria tanto porrazones políticas y de mercado como para sustentar el crecimiento delas industrias “naturales”, es decir; las que elaboran materias primas

25 Según Camilión, “cuando esa frase se dijo, lo que unía a Brasil y a la Argentina era una

dependencia absoluta dentro del esquema clásico de la división internacional del trabajo”. Oscar

Camilión, “Relaciones argentino-brasileñas”, en Estrategia, n° 21, Marzo-Abril 1973, p. 48.

26 Lucio Moreno Quintana, La diplomacia de Irigoyen, Ediciones Inca, La Plata, 1928, p. 397.

27 Ver, José Paradiso, op. cit., cap. X.

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locales de manera eficiente y, por ello, con capacidad de competir enlos mercados externos. Los partidarios de esta posición tambiénasignaban un lugar de importancia a América latina y en particular alBrasil, debido a la necesidad de superar la estrechez del mercado inter-no y de diversificar los externos.

Sin duda, la voz más representativa de esta visión fue la deFederico Pinedo. Inspirado en las ideas ya desarrolladas, entre otros,por Alejandro Bunge y por Ricardo Pillado durante la primera décadadel siglo XX, Pinedo propuso una asociación íntima con el Brasil enmateria económica asentada no sólo en la complementariedad de ambaseconomías sino también en una “cuantiosa y creciente producción fu-tura”28 . Para Pinedo esta asociación debería armonizarse “con losintereses de las potencias o grupos de potencias con los cuales nuestrospueblos tienen hoy y probablemente continuarán teniendo por untiempo, vinculaciones económicas más considerables que entre nosotrosmismos”29 . Estas ideas, que no cuajaron en su época, inducían a forjaruna alianza social y política interna mucho más amplia que la elitegobernante no estuvo dispuesta a llevar a cabo30 .

En una vertiente más política y proponiendo otro tipo de alianzassociales, algunas voces expresaron la visión cooperativa desde un ángulodistinto: el de la comunidad de origen y de la condición común delsubdesarrollo. Para estos autores, la rivalidad con el Brasil sólo servíapara hacerle el juego a los intereses externos e internos empeñados enprofundizar las diferencias en el mundo en desarrollo.

En contra de las visiones que enfatizaban la superioridad cultu-ral y racial de la Argentina, esta visión se inspiró en trabajos realizadosa principios de siglo por escritores como Manuel Ugarte quien así opinabaen su libro El Porvenir de América Latina: “Los sudamericanos de origenportugués y los de origen español han pasado por idénticos trances, se

28 Federico Pinedo, La Argentina en la vorágine, Ediciones Mundo Forense, Buenos Aires, 1943, p.

112.

29 Ibid, p. 76.

30 Acerca de la incapacidad de las clases dirigentes tradicionales para recrear una nueva hegemonía

ver, Juan José Llach, “El Plan Pinedo de 1940, su significado histórico y los orígenes de la

economía política del peronismo”, en Desarrollo Económico, Vol. 23 no 92, Enero-Marzo 1984.

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han modificado al influjo de una misma naturaleza virgen y han sufridola influencia de inmigraciones equivalentes. Las discrepancias iniciales,lejos de agravarse, se atenúan. Además, iguales peligros, paralelasesperanzas y un porvenir común empujan a las nuevas repúblicas en ungrupo estrecho por un camino único. El Brasil forma parte integrantedel haz hispanoamericano y su destino como nación es inseparable delresto del Continente... Las querellas históricas y las diferenciacionessecundarias desaparecen ante las vastas perspectivas y los problemasvitales que se abren ante nosotros al comenzar el siglo”31 .

Durante los años 30 y principios de los 40, la Argentina y elBrasil tuvieron un rol activo en la mediación de conflictos producidosen América del Sur32 . Sin embargo, las diferencias diplomáticas que sehabían producido en el marco panamericano y durante la Primera GuerraMundial, con la Argentina neutral y el Brasil aliado a la Triple Entente,se profundizaron en los años siguientes, particularmente durante la Se-gunda Guerra Mundial. La preocupación por el equilibrio sub-regionaly la competencia por la influencia en los países vecinos seguía mode-lando la visión del otro al tiempo que la Argentina acentuaba suneutralidad y el Brasil consolidaba su alineamiento con los EstadosUnidos. Esto último dio lugar al surgimiento en la Argentina de unanueva visión del Brasil, inscripta en la lógica de la rivalidad geopolítica,como “país llave” de la acción futura norteamericana en el continente.Según lo explica la dirección de una revista que tendría mucha influen-cia en los años setenta en la configuración de las visiones del Brasil: “seentiende por ‘país llave’ el que, dentro de una región determinada puedeservir de pivote a la política de poder de una gran potencia, la cual leotorga prioridad en sus programas de ayuda y asistencia económica,militar, etc.”33

Simultáneamente, vertientes del nacionalismo de inspiración ca-tólica y tradicionalista seguían enfatizando la rivalidad con el Brasilpor el dominio de América del Sur. En uno de sus manifiestos el G.O.U.

31 Manuel Ugarte, El porvenir de América Latina, Editorial Indoamérica, Buenos Aires, 1953, p.

25.

32 Bolivia y Paraguay (1932-1935), Perú y Colombia (1933-1934) y Perú y Ecuador (1941).

33 Ver, Dirección de Estrategia, “Relaciones argentino-brasileñas”, en Estrategia, n° 5, Enero-

Febrero 1970, p. 49.

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sostenía: “En Sudamérica existen sólo dos naciones lo suficientementegrandes y fuertes como para hacerse cargo de la hegemonía: la Argenti-na y el Brasil. Es nuestra misión hacer que la hegemonía de la Argenti-na sea, no sólo posible, sino indispensable. Las alianzas serán nuestropróximo paso. Paraguay ya está con nosotros. Conseguiremos a Boliviay Chile. Juntos y unidos con estos países, nos será fácil ejercer presiónsobre el Uruguay. Estas cinco naciones pueden atraer fácilmente alBrasil, debido a su tipo de gobierno y a sus importantes grupos dealemanes. Una vez que el Brasil haya caído, el continente sudamericanoserá nuestro”34 .

III. EL PARADIGMA GLOBALISTA. MÁS ÉNFASIS EN LA COMPETENCIA

QUE EN LA COOPERACIÓN

A partir del fin de la Segunda Guerra Mundial, las circunstanciasmundiales y de la Argentina fueron dando forma a un nuevo paradigmade la política exterior que desplazó al de la relación especial con GranBretaña para convertirse en el principal cuadro de referencia de la accióninternacional del país. Este paradigma, que denominamos “globalista”35 ,respondió a una nueva realidad externa e interna signada por las polari-dades Este-Oeste y Norte-Sur y por la necesidad del país de poner enmarcha una nueva estrategia de desarrollo que abrazó, con más o conmenos y hasta mediados de los setenta, el sistema de creencias de cuñonacionalista-desarrollista en boga durante esos años en América Latina36.

Hacia afuera, el paradigma globalista exigió la puesta en práctica deuna diplomacia más sofisticada que la requerida por el de la relación espe-cial con Gran Bretaña. Hacia adentro, procuró responder a las demandascrecientes de un país mucho más complejo que el de los años de apogeo

34 Edwin Liewen, Armas y política en América Latina, Editorial Sur, Buenos Aires, 1960, p. 92.

35 Del mismo modo, Soares de Lima denominó al paradigma de política exterior que orientó la

política exterior del Brasil desde fines de los ‘50 y principios de los ‘60 hasta la década del ‘90.

Ver, María Regina Soares de Lima, “Ejes analíticos y conflicto de paradigmas en la política

exterior brasileña», en America Latina/Internacional, Nueva Época, Vol. 1 no. 2, 1994.

36 Durante los años del denominado Proceso de Reorganización Nacional (1976-1983), la puesta

en marcha de una nueva política económica orientada hacia afuera no derivó en una revisión

profunda de la acción internacional del país, que siguió en líneas gruesas las premisas del paradigma

globalista, si bien a los tumbos y con muchas diferencias dentro del grupo gobernante.

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del modelo agro-exportador. A pesar de que sus premisas fueron com-partidas por la mayoría de las fuerzas políticas y económicas, de losmilitares y de la sociedad argentina, nunca pudo plasmarse con lafacilidad ni los niveles de consenso que alcanzó el paradigma deinserción internacional de la Argentina “próspera”.

A derecha e izquierda del espectro político, fue acosado porquienes favorecieron otros dos paradigmas alternativos: el de la relaciónde preferencia con una gran potencia, esta vez con los Estados Unidos,y el paradigma secesionista que proponía, desde una vereda opuesta, elantagonismo con Washington, la militancia activa con las causas políti-cas y económicas del Tercer Mundo y un mayor acercamiento a la UniónSoviética que, sin embargo, nunca significó el alineamiento de la Ar-gentina con los objetivos estratégicos y políticos globales de Moscú37 .

En el eje Este-Oeste, la Argentina se definió como un paísoccidental aunque todos los gobiernos, incluso aquellos que mostraronuna inequívoca voluntad de estrechar filas con los Estados Unidos,procuraron mantener espacios de decisión propia frente a las deman-das y presiones de Washington. La profundización de la dependenciaeconómica del país con respecto a los Estados Unidos desde fines delos cuarenta atenuó en ocasiones este perfil autonomista, pero jamás lopuso en la retaguardia. De todos modos, los gobiernos argentinos semostraron menos dispuestos a confrontar con los Estados Unidos queen la etapa de predominio del paradigma de la relación especial conGran Bretaña, acaso más forzados por la necesidad que por convicción.Más aún, el mayor acercamiento económico a los Estados Unidos fuegeneralmente justificado desde un “nacionalismo de fines” y, en lapráctica, acompañado de políticas compensatorias hacia América Lati-na, Europa Occidental y los países socialistas y de medidas dirigidas aobstaculizar aspiraciones estadounidenses, particularmente en el pla-no hemisférico.

Desde la Tercera Posición, el tercermundismo, el desarrollismo

37 El primer paradigma ocupó un espacio significativo en la orientación de la política exterior de

la Revolución Libertadora (1955-1958), del gobierno de José María Guido (1962-1963) y del

período de Leopoldo Fortunato Galtieri en la etapa pre-Malvinas (diciembre 1981-marzo 1982).

El segundo inspiró la acción efímera de los sectores del peronismo de izquierda que controlaron

la Cancillería durante el breve período de Héctor José Cámpora.

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o el no alineamiento, la política exterior de la Argentina cuestionó, condistinto énfasis según los momentos, las asimetrías del orden internaci-onal y las políticas tendientes al statu quo e intervencionistas de lasgrandes potencias. También propuso reformas al orden económico in-ternacional con el objeto de reducir la sensibilidad y vulnerabilidad delpaís al medio externo. En el ámbito de las relaciones Sur-Sur, la Argen-tina dio prioridad a los vínculos horizontales con sus vecinos, aunqueno logró establecer un patrón de relaciones duradero capaz de vencerantiguos recelos en el Cono Sur. Las políticas dirigidas a fortalecer lacooperación regional para encarar con criterios comunes los temasinternacionales y los problemas del subdesarrollado fueron superadaspor los enfoques de política de poder que enfatizaban la competencia yla lucha por la influencia en el ámbito sub-regional.

Ya con Perón, a fines de 1940 y principios de la década del 50, losesfuerzos para construir un bloque económico sudamericano pusieronde manifiesto esta situación ambigua. Acciones genuinas orientadas alfortalecimiento de la autonomía regional mediante la constitución deuniones aduaneras y otras formas de complementación económica fueronacompañadas por una indudable ambición política de convertir a la Ar-gentina y al movimiento peronista en el eje de este proyecto en un mo-mento en que, además, el país no tenía las condiciones para enfrentar loscostos económicos propios de todo liderazgo internacional. En el balan-ce final, la política latinoamericana del peronismo produjo más rechazosque adhesiones y fue vista en los países vecinos más como un intentoexpansionista que como un proyecto verdaderamente cooperativo.

La causa latinoamericana impulsada por Perón nunca logró en-tusiasmar a los gobernantes brasileños que la vieron no sólo conescepticismo y desconfianza sino como una amenaza a su relación es-pecial con los Estados Unidos. Para Perón los principales obstáculos ala política de cooperación con el Brasil se encontraban en la Cancilleríabrasileña, que estimaba toda unión con la Argentina como un actoinamistoso frente a los Estados Unidos, y en las fuerzas armadasimbuidas de una doctrina estratégica que ponía el acento en la rivalidadgeopolítica con nuestro país38 . En sus propias palabras: “Debe38 Juan A. Lanús, De Chapultepec al Beagle. Política exterior argentina 1945-1980, Edición Emecé,

Buenos Aires, 1984, p. 297 y 298.

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desmontarse todo el sistema de Itamaraty y deben desaparecer esasexcrecencias imperiales que constituyen más que ninguna otra razónlos principales obstáculos para que el Brasil entre a una unión verdaderacon la Argentina”39 .

Hacia fines de los cincuenta, visiones compartidas sobre larealidad regional y mundial posibilitaron un acercamiento inédito entrela Argentina y el Brasil. El paso más importante, dirigido a cambiar elsigno de la relación bilateral para pasar de la competencia por la influ-encia sub-regional a la cooperación, fue la firma de los acuerdos deUruguayana el 22 de abril de 1961 por los presidentes Arturo Frondiziy Janio Quadros, cuyo principal objetivo fue coordinar una acción in-ternacional común frente a los grandes centros de poder mundial comoasí también en distintos foros internacionales. El propósito de los dospresidentes era el de extender este “espíritu de Uruguayana” a otrospaíses del Cono Sur, en especial a Chile.

A pesar de su indudable importancia, la aproximación argentinaal Brasil se circunscribió a la concertación política debido al temor deFrondizi a que la integración económica con ese país pudiera, sin antesconsolidar la integración nacional de la Argentina, generar una nuevadivisión internacional del trabajo que reservara a este país el rol deproveedora de bienes primarios. La inquietud del líder desarrollista sefundaba en las ventajas que el Brasil ya había sacado a la Argentina enel sector industrial desde mediados de los cincuenta. Estos esfuerzoscooperativos quedaron truncos por la situación política interna en losdos países.

Durante el breve gobierno de Arturo Illia (1963-1966) no huboespacio para una vinculación selectiva con el Brasil como la propuestapor el desarrollismo frondizista. El nuevo presidente, fiel a la tradiciónyrigoyenista de oposición a la formación de bloques parciales en Amé-rica Latina, propugnó una política de tipo “latinoamericanista” que nofue mucho más allá, en el plano bilateral, de la mera enumeración decoincidencias y de buenas intenciones40 .

39 Párrafo de la disertación del presidente Juan D. Perón en la Escuela Nacional de Guerra, 11 de

noviembre de 1953, citado en Ibid, p. 288.

40 Andrés Cisneros y Carlos Escudé, op. cit., Tomo XIII, p. 446.

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La agenda de política exterior de la Revolución Argentina (1966-1973) hacia la región fue dominada por una creciente preocupaciónsobre la marcha ascendente del Brasil, que se reflejaba en el incremen-to de su gravitación política y económica en América del Sur. El temoral “expansionismo brasileño” y al aislamiento en la Cuenca del Plataimpulsó a los gobiernos argentinos durante la década del setenta a pro-curar un acercamiento hacia el Pacífico desde una matriz geopolíticaque compartieron civiles y militares.

La relación con el país vecino se definió en clave de rivalidaddesde dos vertientes: la geopolítica, que ponía el acento en eldesequilibrio del poder entre ambos países con una indisimulada envidiapor los resultados del “milagro brasileño”; y la teoría de la dependencia,que destacaba el peligro del “subimperialismo brasileño” en la Cuencadel Plata y el papel del Brasil, a partir de una alianza privilegiada conWashington, de gendarme de los Estados Unidos en la sub-región41 .

Los éxitos brasileños fueron vistos como la consecuencia natu-ral de una acción política metódica, perseverante y eficaz ejecutadapor un Estado que había logrado definir con precisión los interesesnacionales. Esta situación se contrastaba con la del propio país, sinrumbo claro y marcado por una profunda inestabilidad política. En elplano específico de la política exterior, se destacaba la creatividad yempuje de Itamaraty frente al inmovilismo y la ineficiencia de la diplo-macia argentina.

En este contexto creció una vasta literatura geopolítica quedestacó los riesgos para el país que emanaban del creciente desequilibrio

41 El tema principal que dividió a los dos países fue el de la utilización del potencial energético

de los ríos de uso compartido - más específicamente, la disputa sobre la central hidroeléctrica

que terminaría construyéndose en Itaipú - y dio lugar a un áspero enfrentamiento que trascendió

el plano bilateral. Más aún, el tercer gobierno peronista (1973-1976) decidió el ingreso de la

Argentina al Movimiento No Alineados en septiembre de 1973 y los militares que condujeron el

Proceso se quedaron en ese foro, entre otras razones de importancia (además de la búsqueda de

apoyo a la cuestión Malvinas) por considerar que ofrecía un ámbito importante para defender la

tesis argentina sustentada en la necesidad de acudir a la “consulta previa” entre países que

comparten un río de curso sucesivo con el objeto de evitar perjuicios a los de aguas abajo. Por su

parte, el Brasil consideraba que la Argentina utilizaba su posición como un pretexto para impedir

la realización de obras hidroeléctricas que eran vitales para su desarrollo económico y puso en

práctica una política de hechos consumados.

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de poder con el Brasil. Esta literatura reflejó dos visiones distintas: Porun lado, se puso el acento en la rivalidad y el conflicto, recreando laantigua competencia geopolítica. Temas tales como la cuestión de las“fronteras vivas”, el innato impulso brasileño para expandir el espaciogeoeconómico y la necesidad de desarrollar “operaciones decontracerco” para aislar al Brasil y aumentar la influencia argentina enlos países vecinos aparecen permanente en estos escritos42 .

Por otro lado, una segunda visión enfatizó la necesidad comúnde superar “definitivamente el subdesarrollo” como la principal variablepara definir “las respectivas políticas nacionales y la consecuenterelación bilateral entre los dos países”43 . Desde este punto de vista,“queda claro que la cooperación, en particular frente a los factores ex-ternos, puede redituar muchas más ventajas que la disputa, la prevencióno simplemente las trabas a los requerimientos del otro”44 . Así, seprescribe la conveniencia de consolidar un área de poder en el ConoSur que multiplique la capacidad negociadora de ambos países y lleva acabo acciones comunes ante los organismos económicos y financierosinternacionales. Para esta literatura, la alianza propuesta no apuntabatan sólo a enfrentar amenazas y problemas comunes sino que tambiénprocuraba funcionar como un pacto de restricción del poder brasileñoen una circunstancia de creciente disparidad45 .

Fuera de la matriz geopolítica, se publicaron en esta mismaépoca trabajos más elaborados basados en una visión cooperativa.Estos escritos pusieron el acento en la semejanza de las situacionesnacionales, derivadas de la geografía y de experiencias históricas com-

42 Ver, por ejemplo, Nicolás Boscovich, “Análisis comparativo: Argentina y Brasil en el espacio

geoeconómico del ‘Cono Sur’”, en Estrategia, N° 31/2, Noviembre-Diciembre 1974/ Enero-

Febrero 1975 y Florencio Díaz Loza, “Geopolítica del Brasil”, en Estrategia, n° 29, Julio-Agosto

1974.43 Dirección de Estrategia, op. cit., p. 52.

44 Ibid, p. 52.

45 Acerca del papel de las alianzas para restringir a los socios ver, Paul W. Schroeder, “Alliances,

1815-1945: Weapons of Power and Tools of Management”, en Klaus Knorr (ed.) HistoricalDimensions of National Security Problems, University Press of Kansas, Lawrence, 1975; George

Liska, Nations in Alliance: The Limits of Interdependence, The Johns Hopkins University Press,

Baltimore, 1967 y George Liska, Alliances and the Third World, The Johns Hopkins University

Press, Baltimore, 1968.

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partidas, y en perspectivas comunes sobre la posición y el papel de losdos países en el escenario internacional. Para autores como Celso Lafery Félix Peña, esta perspectiva común podía ser “la base de unaidentificación de políticas exteriores” y el fundamento para realizaresfuerzos conjuntos en el plano internacional46 .

Por su parte, desde la teoría de la dependencia el Brasil fue vistocomo un “contramodelo”, como un país que parecía sentirse cómodoen su situación de subordinación a los Estados Unidos47 . Esta visiónfue duramente cuestionada por los desarrollistas argentinos48 . Vale lapena incluir aquí un párrafo extenso de un artículo de Oscar Camiliónescrito en mayo de 1973 que sintetiza los aspectos que sustentabanesta visión alternativa: “Debe tenerse presente, por otra parte, queaunque sea cierto que el Brasil haya fortalecido hoy sus vínculostradicionales con Estados Unidos y aunque nadie pueda negar lacontradicción que existe entre algunos objetivos perseguidos en el Bra-sil por las grandes corporaciones y el interés nacional brasileño a largoplazo, esos son aspectos parciales de un cuadro total. Ese cuadro deberegistrar el indudable aumento del potencial del Brasil y los significati-vos progresos de todo orden operados en los últimos años. Talesprogresos, sólo posibles con el ‘modelo’ brasileño en un país como elBrasil, tienen también un potencial liberador a largo plazo nadadesdeñable. La imagen simplificadora que considera a los generalesbrasileños como meros delegados de un poder exterior es una malacaricatura. Dicho sea de paso, un sector decisivo de los problemas realesde carácter bilateral que enfrentan hoy al Brasil y a la Argentina resultadel ritmo con que nuestros vecinos promueven su política nacional dedesarrollo económico”49 .

Luego de muchas idas y venidas, las diferencias con el Brasilpor la cuestión de las represas hidroeléctricas se destrabaron con lafirma del Acuerdo Tripartito sobre Corpus-Itaipú del 19 de octubre de1979 entre la Argentina, el Brasil y el Paraguay, que abrió interesantes46 Celso Lafer y Félix Peña, Argentina e Brasil no sistema das relacoes internacionais, Livraria Duas

Cidades, Sao Paulo, 1973, p. 29.47 José Paradiso, op. cit., p. 163.

48 Ibid, p. 162-164.

49 Oscar Camilión, op. cit., p. 45.

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perspectivas para avanzar en el terreno de la cooperación. Poco despuésla Argentina y el Brasil firmaron en Buenos Aires el 17 de mayo de1980 un acuerdo de cooperación para el desarrollo y la aplicación delos usos pacíficos de la energía nuclear. Para esa época, el Brasil yahabía dejado de ser la hipótesis de conflicto prioritaria para elpensamiento estratégico militar argentino. “Tanto el despliegue militarrespecto a Chile adoptado a fines de 1978, como el desarrollado conmotivo de la Guerra de Malvinas, se realizan descartando la posibilidadde que el Brasil tuviera algún tipo de participación hostil hacia la Ar-gentina”50 .

La inclusión de la democracia como un aspecto de la política exte-rior abrió un nuevo capítulo en la inserción internacional de la Argentina yen la relación con el Brasil a partir del gobierno de Raúl Alfonsín (1983-1989). El gobierno radical asumió que la Argentina debía desempeñar unpapel activo en la cuestión Norte-Sur dada la pertenencia «estructural» delpaís al mundo en vías de desarrollo. América Latina en general y los paísesvecinos en particular, fueron el escenario donde se pusieron en prácticainiciativas y políticas de cooperación, integración y concertación.

Indudablemente, el ejemplo más claro de esta política deaproximación a la región fue el proceso de integración con el Brasiliniciado a mediados de la década del ochenta que encontró en lasimultaneidad de la transición democrática de ambos países la causa desu mayor impulso. De esta manera, se profundizó la tendencia hacia elacercamiento bilateral iniciada en 1979 y que se afianzó, con una seriede pasos importantes, entre los que cabe mencionar, las gestiones di-plomáticas del Brasil en favor de los derechos argentinos sobre Malvinasy la coordinación de posiciones en foros tales como la Asamblea Gene-ral de Naciones Unidas, la UNCTAD y el GATT51 . Del mismo modo,la crisis de la deuda, el proteccionismo comercial del mundo industria-lizado, la necesidad de preservar la región del conflicto Este-Oesteoperaron como elementos aglutinantes, rescatando (en especial, del ladoargentino) la imagen de la capacidad de “arrastre” en términos de la

50 Rosendo Fraga, “Una visión política del Mercosur”, en Jorge Campbell (ed.), Mercosur entre larealidad y la utopía, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1999 , p. 272.

51 El Brasil se solidarizó con la Argentina durante la Guerra de Malvinas, aunque no estuvo de

acuerdo con la acción armada.

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autonomía individual y colectiva del entendimiento previo y solidariode la Argentina y el Brasil.

En esta última fase del paradigma globalista, la visión coopera-tiva del Brasil se convierte claramente en la predominante. De lacompetencia se pasa gradualmente a la construcción de una sociedad,a la que se concibe como un proyecto de carácter estratégico para con-solidar el proceso democrático en ambos países, resguardar la soberaníanacional, impulsar el desarrollo argentino en complementaridad con eldel Brasil y reunir masa crítica para ampliar la capacidad de negociacióninternacional.

IV. EL PARADIGMA DE LA “AQUIESCENCIA PRAGMÁTICA”

Cuando Carlos Saúl Menem asumió la presidencia de la Argen-tina en julio de 1989, el mundo y el país vivían circunstancias muydistintas a las que habían caracterizado la primera etapa de la transicióna la democracia conducida por Raúl Alfonsín.

En el orden externo, la Guerra Fría se desvanecía, la globalizacióneconómica se extendía y profundizaba, el proceso de democratización,en distintas fases, comprendía a todo el Cono Sur, la crisis de AméricaCentral se había aplacado, y en buena medida solucionado, y la cuestiónde la deuda externa estaba encuadrada en un marco de negociaciónprovisto por los gobiernos de los países acreedores y los organismosmultilaterales de crédito. En el plano interno, la crisis hiperinflacionariade 1989 produjo el fin anticipado del gobierno de Alfonsín, los recla-mos propios de los primeros años de la recuperación democrática-ladefensa de los derechos humanos y la vigencia de las libertades públi-cas – habían pasado a un segundo lugar y las principales demandassociales se moldeaban al calor de la crisis económica.

En este contexto, el gobierno de Menem definió el interés naci-onal en términos de desarrollo económico, algo que fue mucho másque una mera adecuación al fin de la Guerra Fría o la globalizacióncreciente de la economía. Estos procesos han afectado a América La-tina más o menos por igual y llevado a la mayoría de los países de laregión a definir sus políticas exteriores en clave económico-comercial.

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Sin embargo, en el caso de la Argentina hubo tres variables específicasque influyeron de manera importante en el rumbo adoptado. Primero,la firme percepción del gobierno de Menem de que era necesario ponerfin a la oposición tradicional a Estados Unidos. La confrontación denaturaleza política con este país fue considerada una estrategia inútil,además de un indudable escollo para alcanzar los objetivos económicospropuestos52 .

Segundo, el escaso o nulo poder de los militares para influir entemas de política exterior (a diferencia de lo que sucedía en países comoel Brasil o Chile) como consecuencia de su fracaso en la gestión delgobierno y de la derrota de Malvinas. Ambas desataron una transición ala democracia por colapso que posibilitó subordinar, en forma creciente,las fuerzas armadas al poder civil. Y tercero, la creencia del gobiernode Menem – compartida por vastos sectores sociales – de que laconstrucción de una estrecha alianza política y económica con los paísesoccidentales era una condición necesaria de la inserción exitosa de laArgentina en el orden mundial de la posguerra fría53 . En forma persistente,se sostuvo que esta orientación de la política exterior era la que correspondíanaturalmente a un país como la Argentina. Apelamos a palabras de DiTella: “Lo que se ha hecho desde 1989 hasta ahora fue devolver al país a suposicionamiento normal, a las alianzas que le corresponden tanto por suhistoria como por vocación e interés. Esto significa cooperación con los52 El discurso oficial, criticó expresamente al «confrontacionismo inútil» del gobierno de Alfonsín,

aunque se reconoció que este tipo de actitudes había caracterizado a todos lo gobiernos argen-

tinos en el pasado, incluidos, desde luego, los peronistas.

53 Según un estudio de principios de los noventa acerca de la política exterior argentina y la

opinión pública realizado por Mora y Araujo, Di Rado y Montoya, “los argentinos hemos

experimentado un cambio en la manera de pensar respecto de aquellos países con los que nos

gustaría estrechar lazos de unión. Las preferencias del público en 1985 se orientaban claramente

hacia los países de América Latina, seguidas por el grupo de países desarrollados de Occidente

(Estados Unidos, Japón y Europa Occidental). En 1987 la situación se invierte y este grupo de

países pasa a ocupar el primer lugar en las preferencias, seguido por América Latina. Desde ese

momento y de manera progresiva la opiniones a favor de Estados Unidos, Japón y Europa

Occidental fueron cada vez más favorables en detrimento de las adhesiones hacia el conjunto de

países latinoamericanos. En la actualidad (1992) estrechar vínculos prioritarios con los países

del ‘primer mundo’ es preferido por el 70% de la población, mientras el 15% prefiere América

Latina...Dentro de este bloque de países del ‘primer mundo’, Estados Unidos es el que genera

mayor grado de adhesión (45%)”. Manuel Mora y Araujo, Graciela Di Rado y Paula Montoya,

“La política exterior y la opinión pública argentina”, en Roberto Russell (ed.), La política exteriorargentina en el nuevo orden mundial, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1992, p. 239.

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países de la región y firme ubicación en Occidente, compartiendo los valoresdemocráticos, el respeto a los derechos humanos, la economía de mercadoy el comercio libre y abierto”54 .

Las prioridades económicas también determinaron la definiciónde un primer círculo de países a los que se otorgó preferencia: los Esta-dos Unidos, los países miembros de la Unión Europea y los que conformanel Mercosur, más Chile y Bolivia. De este modo, el alto perfil en otrasáreas del mundo, como la participación en la Guerra del Golfo y en lacrisis de Haití, se explica por razones que tuvieron que ver con el diseñode políticas dirigidas a los países del círculo preferido, en especial a losEstados Unidos. En breve, el gobierno de Menem se propuso recuperarposiciones perdidas en el sistema internacional y una identidad, que ensu percepción, se había extraviado en pos de causas equivocadas y ajenas.

El declarado retorno a la normalidad significaba un doble regresoal pasado con la mirada puesta en “otra” Argentina, y en “otro” Brasil, elpaís que fuera un firme aliado de los Estados Unidos. Respecto a lo primerose apeló a la imagen de la Argentina próspera de fines del siglo XIX yprimeras décadas del XX y al proyecto nacional e internacional de lageneración que construyó aquel país y lo insertó exitosamente en el mundo.En cuanto al Brasil como modelo de política exterior, se recurrió a laimagen del Brasil que optó por el alineamiento con los Estados Unidosen la Segunda Guerra Mundial, esto es; un “otro” del pasado, no delpresente. Aquel Brasil era visto en términos laudatorios -a diferencia delo que ocurrió en su momento histórico – , mientras que el actual erapercibido con preocupación. Su relativo distanciamiento de los EstadosUnidos y la búsqueda de mayor poder e influencia externas eran conside-rados como ejemplos del tipo de políticas que, precisamente, debíanevitarse tanto por su anacronismo como por haber contribuido significa-tivamente a la declinación del país. La Argentina, que nunca miró conbuenos ojos el acercamiento histórico del Brasil a Washington, procurabaen los noventa imitar al Brasil de ayer pero no al de hoy. Se prefería elBrasil del statu quo, el “políticamente correcto” de antaño, el país “lúci-do” que supo entender, adaptarse y aprovechar las grandestransformaciones del orden mundial. El Brasil contemporáneo era54 Guido Di Tella, “Prólogo”, en Andrés Cisneros (comp.) Política Exterior Argentina 1989-1999.

Historia de un éxito, Nuevo Hacer, Buenos Aires, 1998, p. 15

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percibido como “políticamente incorrecto”; más aun como un poderrevisionista55 y económicamente volátil. Por ello, la Argentina debía in-sistir en la búsqueda de una “relación especial” con Estados Unidos y enpromover la diversificación de su comercio internacional porque, de locontrario, “compraría” del Brasil “riesgo e inestabilidad”56 .

Tanto la mirada hacia la Argentina de finales del siglo XIX comola dirigida al Brasil de la primera mitad del siglo XX indicaban una visiónnostálgica, estática y simplista del pasado. El destino del país parecíaestar atrás y no adelante. En ese caso, como dijera Wallace, “the past

becomes an obstacle to the pursuit of altered objectives in changed circumstances”57 .

Adicionalmente, el Brasil aparecía en la política internacionalde Menem como un modelo de estilo diplomático. De allí el énfasis enel carácter pragmático de la nueva política exterior argentina,presuntamente idéntico al talante brasileño58 . Ahora bien, los“pragmatismos” del Brasil y la Argentina no son equiparables. El“pragmatismo responsable”, en la formulación de 1974 del cancillerbrasileño Francisco Antonio Azeredo da Silveira, fue muy distinto dela política de “aquiescencia pragmática” seguida por la Argentina des-de 1989 en adelante. Brasilia optó por una estrategia de gradual des-alineamiento respecto a Washington, mientras que Buenos Aires escogióel alineamiento. En términos de actitud, el Brasil adoptó una conducta

55 Los “revisionist states—variously called imperialist, expansive, revolutionary, have-nots, aggressor, orunsatiated powers—are those states that sep to increase, not just sep, their resources...Thus, they often sharea common desire to overturn the statu quo order—the prestige, resources, and principles of the system”.

Randall L. Schweller, “Hitler’s Tripolar Strategy for World Conquest”, en Jack Snyder y Robert

Jervis (eds.), Coping with Complexity in the International System, Westview Press, Boulder, 1993, p.

211.

56 Felipe de la Balze, “El destino del Mercosur: Entre la unión aduanera y la ‘integración

imperfecta’”, en Felipe de la Balze (comp.), El futuro del Mercosur: Entre la retórica y el realismo,ABA/CARI, Buenos Aires, 2000, p. 62.

57 William Wallace, “Foreign Policy and National Identity in the United Kingdom”, en InternationalAffairs, Vol. 67, no 1, Enero 1991, p. 70.

58 La idea de pragmatismo en política exterior encierra varias connotaciones. Puede indicar la

existencia de una política carente de principios o ajena a la defensa de principios básicos; una

política ad hoc movida por las circunstancias cambiantes; una política práctica, instrumental o

utilitaria; una política centrada en las razones de conveniencia; una política orientada al problemsolving; una política incremental y prudente; una política consistente que persiste en un curso de

acción determinado; una política que parte del escepticismo y descansa en respuestas racionales;

una política que confía en que lo que se impone es lo verdadero; etc.

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moderada y flexible, mientras que la Argentina privilegió la sobreactuacióny la rigidez. En términos de vocación, Brasilia pretendió una mayorproyección en los ámbitos multilaterales con un espíritu más ecuménico;al tiempo que la Argentina adoptó una posición firmemente pro-occidental59 . El Brasil persistió en otorgarle un rol crucial al Estado y asu fortalecimiento en relación a la política internacional (y doméstica)mientras que la Argentina confió en que el mercado, casi mecánicamente,le asignaría al país un lugar significativo en los asuntos mundiales60 . Lasreferencias al pragmatismo, además, pretendían oscurecer la naturalezaideológica de toda escogencia de un rumbo de acción político. Una opciónideológica implica un conjunto integrado de representaciones, valores ypensamientos que movilizan un determinado comportamiento. Y en esadirección, la política exterior argentina de los noventa fue tan ideológicacomo cualquier otra.

En cuanto al modelo de inserción, el Brasil, junto a los EstadosUnidos, fue un “otro” esencial. Si bien se hicieron innumerables referenciasconceptuales al equilibrado “triángulo” Argentina-Brasil-Estados Unidosen el diseño y práctica de la política exterior argentina, lo cierto es quejamás se pensó o aplicó una política que se sustentara en una visión delados idénticos. En breve, nunca se trató de un triángulo equilátero: lo queprimó fue un esquema de dos vinculaciones diferenciadas y asimétricas. Sebuscó un alineamiento completo y categórico con los Estados Unidos ycon el Brasil se pretendió una alianza limitada y contingente. Dichamodalidad de comportamiento se explica mejor evaluando las condicionesinternas que lo facilitaron dado que no era inexorable que la Argentinaadopara la conducta específica que finalmente siguió.

El Brasil fue visto instrumentalmente como una contraparte fun-cional en términos económicos y disfuncional en términos políticos.No al azar Estados Unidos fue racionalizado como el referente del

59 Deborah Norden and Roberto Russell, The United States and Argentina: Changing Relations in aChanging World, Routledge, New York, 2002, capítulo V.60 Cabe destacar que la elite de la segunda parte del siglo XIX consideró importante otorgarle al

Estado un rol destacado en el desarrollo del país. De allí que, como señalara Halperin Donghi,

los principales líderes le asignaran al Estado un “papel decisivo en la definición de los objetivos

de cambio económico-social y también un control preciso de los progresos orientados a lograr

esos objetivos”. Tulio Halperin Donghi, Una nación para el desierto argentino, Centro Editor de

América Latina, Buenos Aires, 1982, p. 28.

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“alineamiento estratégico”61o de la “relación especial”62 , mientras elBrasil se presentaba como el punto de referencia de una alianzabásicamente económica. Históricamente, el Brasil había sido un “otro”competidor cuya expansión económica, contrastante con el relativoestancamiento argentino, había servido para nutrir la imagen de rivalidad;ahora era económicamente indispensable pero políticamente molesto63 .Por ello, si bien en el plano de los postulados se dijo que el gobiernojusticialista había “estructurado en forma cuidadosa...dos alianzas (conBrasil y Estados Unidos) complementarias que se contrapesan mutua-mente, imponiéndose límites la una a la otra”...en el plano de laspropuestas efectivas se indicaba, con claridad, que “nuestra políticaexterior no estará condicionada por los deseos del Brasil (pues) seencuentra alineada con Estados Unidos”64 . Además, en esencia, lasdivergencias en términos estratégicos globales entre Brasilia y BuenosAires eran notables y difíciles de atenuar65 . En lógica waltziana, Argen-tina prefería el bandwagoning con Estados Unidos; en lógica waltiana,Brasil prefería el balancing hacia Estados Unidos. Para Buenos Aires, laracionalidad dominante era la del balance de poder, mientras que paraBrasilia era la del balance de amenazas.

La opción del plegamiento a Washington – bandwagoning en ladefinición de Waltz66 – fue objeto de cierto análisis en la Argentina en61 Ver, Jorge Castro, “La Argentina, Estados Unidos y Brasil: El triángulo de la década del 90”, en

Andrés Cisneros (comp.), op.cit.

62 Ver, Felipe de la Balze, “La política exterior de ‘reincorporación al primer mundo’”, en ibid.

63 Como señala Luiz A. Moniz Bandeira, las tasas diferenciales de crecimiento fueron la “verdadera

esencia de las tensiones entre los dos países”. Luiz A. Moniz Bandeira, “Argentina y Brasil:

regímenes políticos y política exterior”, en Ciclos, n° 3, 1992, p. 168.

64 Carlos Escudé, “Argentina y sus alianzas estratégicas”, en Francisco Rojas Aravena (ed.),

Argentina, Brasil y Chile: Integración y seguridad, Nueva Sociedad, Caracas 1999, p. 75 y 86.

65 Ver, Carlos Escudé y Andrés Fontana, “Argentina‘s Security Policies: Their Rationales and Regional

Context”, en Jorge I. Domínguez (ed.), International Security and Democracy: Latin America and theCaribbean in the Post-Cold War Era, Univeristy of Pittsburgh Press, Pittsburgh, 1998.

66 Según Kenneth Waltz, la acumulación y distribución de atributos de poder (militares,

económicos, tecnológicos, demográficos, diplomáticos, etc.) conduce a que los estados opten

por equilibrar (balance) a quienes tienen más poder formando una coalición desafiante o

antihegemónica, o plegarse (bandwagon) a la coalición ganadora o hegemónica. Dado que el

balance de poder predomina en la política mundial, lo usual es recurrir al balancing para contrapesar

el poderío de una superpotencia solitaria. Por su parte, Stephen Walt entiende que el

comportamiento estatal es una respuesta a las amenazas que provienen de otros estados. Por ello,

en realidad tiende a predominar el bandwagoning con el Estado que no representa una amenaza.

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el que sobresalen dos elementos. Por un lado, se explica el plegamientoen función de la estructura internacional; esto es, dado que los EstadosUnidos ha sido el gran ganador de la Guerra Fría, que se ha transforma-do en la principal potencia mundial y que aspira a una hegemonía bené-vola, un país relativamente irrelevante como la Argentina no tendríaalternativa a un bandwagoning contundente. Por otro lado, en virtud delesquema hemisférico existente, las segundas potencias regionales (eneste caso, la Argentina) no tendrían más opción que diferenciarse de lasprimeras potencias regionales (en este ejemplo, el Brasil) y plegarse alpaís hegemónico (esto es, a los Estados Unidos).

Estas dos interpretaciones neorrealistas son útiles para entenderel alineamiento, aunque insuficientes. No incorporan las razones domés-ticas que también inciden sobre esa elección y que ayudan a entendermejor las razones que llevan a un país a optar por ese tipo específico dealianza. La literatura especializada indica que el bandwagoning se producepor la condición débil (primero) y aislada (secundariamente) de un país67 ;por tener instituciones débiles que dificultan o impiden a un Estadoalcanzar una identidad nacional, asegurar la legitimidad doméstica oadaptarse a un ambiente externo riesgoso (con sus consecuencias de unamayor penetración externa a la espera de dividendos materiales proveni-entes del poder hegemónico y de una mejor consolidación de la elitelocal que sacrifica independencia internacional por preservación dedominio interno)68 ; y por el hecho de que elites ilegítimas que controlanun Estado débil vis-a-vis sus sociedades se comportan de manera oportu-nista para obtener ganancias69 . En resumen, una mezcla de debilidad(del Estado), necesidad (de poder político y recursos económicos) y opor-tunismo (obtención de ganancias) favorecen el plegamiento al polohegemónico. En el caso argentino, estos elementos internos, junto a loscambios de la estructura de poder internacional y a la distribución de

67 Stephen M. Walt, op. cit, p. 29-32 y 173-175.

68 Ver, Deborah Welch Larson, “Bandwagoning Images in American Foreign Policy: Mith or

Reality?”, en Robert Jervis y Jack Snyder (eds.), Dominoes and Bandwagons: Strategic Beliefs

and Great Power Competition in the Eurasian Rimland, Oxford University Press, New York,

1991.

69 Ver, Randall L. Schweller, “Bandwagoning for Profit”, en Michael E. Brown, Sean M. Lynn-

Jones y Steven E. Miller (eds.) The Perils of Anarchy: Contemporary Realism and InternationalSecurity, The MIT Press, Cambridge, 1995.

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poder en el plano sudamericano, jugaron un papel importante en la decisióndel gobierno de Menem de adoptar una estrategia de alineamiento.

El gobierno de la Alianza (Unión Cívica Radical, Frepaso y otrospartidos minoritarios y moderados de centro-izquierda) que asumió el 10de diciembre de 1999 no cambió, salvo en el estilo, los lineamientosbásicos de la política exterior seguida por Menem. En un principio, elgobierno presidido por Fernando de la Rúa pareció inclinado a mirar másal Brasil y a relanzar el Mercosur. La visión entonces predominante eraque los vínculos con el Brasil resultaban esenciales en lo económico y lopolítico por igual. El Brasil, de cierto modo, tenía mucho de lo que carecíala Argentina: una política exterior relativamente autónoma y un proyectoindustrial consistente. El acercamiento al Brasil se percibía como funci-onal para una reinserción argentina más asertiva y diversificada70 .

Sin embargo, muy pronto se hizo evidente que la relación con elBrasil no se alteraría porque el alineamiento con los Estados Unidoscontinuaba siendo la piedra angular de la política exterior argentina.Cambió el eslogan político – de las “relaciones carnales” del cancillerGuido Di Tella a las “relaciones maduras” del canciller AdalbertoRodríguez Giavarini – pero no el contenido y el alcance del plegamientode Buenos Aires a Washington. Al mismo tiempo, la Argentina evitócomprometerse en iniciativas que podrían ser vistas como intentos deequilibrio u oposición al poder norteamericano en la sub-región. Así,en ocasión de la Primera Cumbre de Presidentes de Sudamérica,convocada por el Brasil a fines de agosto de 2000, la Cancillería argen-tina expresó claramente que este encuentro de 12 países no debería serinterpretado por un intento de crear un bloque sudamericano71 .

Como en el caso del gobierno de Menem, las urgenciaseconómicas volvieron a determinar las prioridades. Además, el gobiernode la Alianza debió conducir la relación con el Brasil en un momento

70 Ver, entre otros, Varios Autores, “Hacia el plan Fénix: Diagnóstico y propuestas”, en Enoikos,Año IX, No. 19, 2001; Aldo Ferer, “La globalización, la Argentina y Brasil”, en Aldo Ferer y

Helio Jaguaribe, Argentina y Brasil en la globalización: ¿Mercosur o ALCA?, Fondo de Cultura

Económica, Buenos Aires, 2001 y José Paradiso, “Mercosur: Un lugar en el mundo”, en EscenariosAlternativos, Año 4, no 9, Invierno 2000.

71 Adalberto Rodríguez Giavarini, “Hacia la integración latinoamericana”, La Nación, 30 de

agosto de 2000, p. 17.

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que coincidió con su fase de estancamiento, iniciada en 1997 e intensi-ficada luego de la devaluación del Brasil en enero de 1999. Ello, sumadoa sus propios problemas internos – crisis de gobernabilidad, recesióneconómica y ambivalencias respecto del Brasil – también obstaculizóla construcción de una genuina cultura de amistad.

V. CONCLUSIONES

La Argentina y el Brasil jamás se representaron como enemigos.Como concluye Julio César Carasales, su competencia por la hegemoníade América del Sur “distó mucho de ser una lucha abierta y permanen-te. La Argentina y el Brasil nunca fueron enemigos. Fueron sí – esinnegable – rivales y competidores”72 . Durante los años de la relaciónespecial con Gran Bretaña y del paradigma globalista, la rivalidad estuvomatizada por escasos momentos de acercamiento que nunca alcanzarona despejar las desconfianzas recíprocas.

Por muchas décadas, esta visión del Brasil fue bastantehomogénea debido a que civiles y militares, conservadores y liberales,empresarios y trabajadores, nacionalistas e internacionalistas, derechistase izquierdistas, por igual, aunque con distintos supuestos y argumen-tos, tuvieron una mirada de ese “otro” marcada por la noción de rivalidad.Ello alentó la búsqueda de un equilibrio de poder sub-regional en elque la lucha por el prestigio y el liderazgo de América del Sur y lapreocupación por las ganancias relativas fueron las notas predominan-te. Este “dilema de seguridad sudamericano”, que combinó elementosmateriales e ideacionales, fue “construido” por los dos países a partirde un stock de ideas compartidas en el que las fuerzas materiales delotro fueron siempre consideradas como una amenaza.

Fortalecida por experiencias autoritarias similares, la cultura derivalidad afectó negativamente las posibilidades de desarrollo nacional,perjudicó el avance de la democracia, impidió el ejercicio de una prácticade cooperación frente a los problemas regionales y hemisféricos,obstruyó la generación de un poder de negociación conjunto y puso

72 Julio Cesar Carasales, De rivales a socios: El proceso de cooperación nuclear entre Argentina y Brasil,Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1997, p. 35

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frenos a la gravitación de ambos países en los asuntos mundiales. Enbreve, la rivalidad argentino-brasileña significó una oportunidad perdi-da en términos económicos, políticos, culturales y militares. A su vez,facilitó la práctica de una estrategia de divide et impera por parte de losEstados Unidos, que retroalimentó la competencia. Sería importanteevaluar hasta qué punto esta rivalidad incidió para prolongar el vínculoestrecho entre el Brasil y los Estados Unidos hasta la década de lossetenta y dilatar el distanciamiento entre la Argentina y los EstadosUnidos después de la Segunda Guerra Mundial73 .

El primer resquebrajamiento de esta estructura social de rivalidadno provino de una gradual interdependencia entre los dos países, ni delustros de prácticas democráticas comunes, ni tampoco de unareconstrucción sustantiva de la identidad. El factor clave fueron las tasasdiferenciales de crecimiento en favor del Brasil que hicieron inviable laestrategia argentina de restricción del poder brasileño mediante el meca-nismo del equilibrio74 . Este proceso de varias décadas, tuvo su punto deinflexión en la Guerra de las Malvinas que puso un punto final al dilemade seguridad argentino-brasileño75 . Poco después, la democratización delos dos países posibilitó dar los primeros pasos en dirección de una nuevacultura en la cual el “otro” es percibido en términos de amistad76 .

En parte por convicción y en parte por necesidad, el gobiernode Raúl Alfonsín realizó importantes contribuciones para “desrivalizar”

73 De acuerdo a Phillip Kelly, un balance de la rivalidad entre la Argentina y el Brasil hasta los

ochenta muestra que la misma “ha obstaculizado la integración del Cono Sur, ha creado

posibilidades para el desarrollo serio de armas nucleares nativas, ha puesto en peligro el acuerdo

pacífico de las disputas en la región, ha intensificado la competencia entre los estados en el Cono

Sur por el control de la Antártida y ha evitado que Brasil se distanciara de Estados Unidos”

(subrayado del autor). Philip Kelly, “Temas tradicionales de la geopolítica brasileña y el futuro de

la geopolítica en el Cono Sur”, en Philip Kelly y Jack Child (eds.), Geopolítica del Cono Sur y de laAntártida, Editorial Pleamar, Buenos Aires, 1990, p. 120.

74 La evolución ascendente del Brasil hizo más notoria para la Argentina su declinación que

reunió elementos materiales e identitarios. La Argentina no sólo fue perdiendo su posición

relativa en la estructura del poder mundial y sus atributos tangibles de poder, sino que fue

extraviando su identificación propia y su proyección internacional.

75 Como indica Jervis, “when balance of power assumptions no longer hold, the incentives shift so thatanarchy and the security dilemma no longer provide a powerful stimulus to undesired conflict”. Robert Jervis,

“From Balance to Concert: A Study of International Security Cooperation”, en Kenneth A. Oye

(ed.), Cooperation under Anarchy, Princeton University Press, Princeton, 1986, p. 79.

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la relación con el Brasil. La dimensión más significativa de este giro fuepolítica; la Argentina de principios de la década de 1980 era un paísdebilitado que necesitaba más socios y menos contrincantes. Si bien seestimuló desde el Estado una mirada más cooperativa hacia el Brasil,abandonando la retórica conflictiva, los recelos mutuos nodesaparecieron completamente.

A partir del inicio del gobierno de Menem, la política exteriorargentina atravesó cambios significativos que respondieron a las premisasdel paradigma de la aquiescencia pragmática. Según sus principalesformuladores, este paradigma requería el fin de una conducta interna-cional que había oscilado permanentes entre la adhesión ciega y eldesafío desatinado a Occidente, el estrecho alineamiento con los Esta-dos Unidos y el abandono de la práctica de políticas ilusorias (porejemplo, procurando la paz en una distante y nada vital Centroamérica),aberrantes (por ejemplo, impulsando al proyecto misilístico Cóndor II)o extravagantes (por ejemplo, aspirando a un presunto liderazgo moralen el Tercer Mundo). Todo ello permitiría la “reincorporación” gradualde la Argentina al Primer Mundo77 .

El lugar reservado al Brasil por este paradigma, que se derivabalógicamente de sus premisas, fue el de un simple “socio” económico yno el de un “aliado estratégico”. Así, los importantes avances producidosen el plano económico, que aumentaron la interdependencia entre losdos países, no fueron correspondidos por un aumento de las

76 Conviene indicar que la superación de dilemas de seguridad semejantes posibilitó un avance

significativo de la integración. Por ejemplo, la derrota de Alemania en la Segunda Guerra

Mundial permitió que el histórico dilema de seguridad franco-alemán se superara y que se diera

inicio a un proceso de acercamiento y cooperación que facilitó la concreción posterior de la

Comunidad Europea. La implosión de la URSS y el fin de los “socialismos reales” en Europa —

que eliminaron de la noche a la mañana el dilema de seguridad entre Europa occidental y Europa

oriental— han contribuido a un avance cada vez más elocuente de la integración entre la Unión

Europea y las naciones de Europa del este. Asimismo, la inexistencia de un dilema de seguridad

entre Canadá y los Estados Unidos ha favorecido a una mayor integración formal e informal

entre los dos países. Inversamente la continuidad de dilemas de seguridad zonales llevó a la

guerra a Irak e Irán durante los ochenta y hoy tiene a India y Pakistán al borde de una confrontación

militar que podría involucrar el uso de armas nucleares. En cierta forma, la permanencia de un

dilema de seguridad entre palestinos e israelíes augura una continuación del conflicto entre estos

dos pueblos. A su vez, la variedad de dilemas de seguridad en Asia permite suponer la persistencia

de las tensiones en el área y la dificultad para asegurar una cooperación e integración efectivas.

77 Ver, Felipe de la Balze, “La política exterior...”op.cit.

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convergencias en el campo de la política exterior donde las diferenciasfueron notorias.

El gobierno de la Alianza propuso una mirada política del Bra-sil78 . Esa eventual mayor reaproximación a Brasil se insertaba en un con-texto en que las encuestas sobre política exterior mostraban que la opiniónpública no desaprobaría tal viraje79. Sin embargo, la administración De laRúa se resignó con desencanto (y quizás fastidio), aunque sin hacerloexplícito a seguir pasos casi idénticos a los de su antecesor en materia derelaciones argentino-brasileñas. Indudablemente, la Argentina del sigloXXI tenía pocos activos, una confusa identidad, escaso poder negocia-dor e insuficiente voluntad para modificar el sentido y el alcance de lainserción internacional del país. De hecho, las contradicciones en los vín-culos con el Brasil se exacerbaron. En el propio gobierno, las discrepanciasentre ministerios y personalidades condujeron a una mayor tensión di-plomática entre Buenos Aires y Brasilia. Ello expresaba que no sólo secarecía de una clara visión del “otro” sino que se adolecía de una imagenpropia consistente80.78 En la denominada “Carta de los Argentinos”, el programa de gobierno de la Alianza antes de

llegar a la presidencia, el Mercosur aparecía como la “prioridad estratégica”. Ello anticipaba que

la relación con el Brasil pasaría a ocupar un lugar esencial en la política exterior de la Argentina.

79 En efecto, por un lado, Brasil resultaba “consistentemente...el país de América Latina con el

cual se expresa la más alta preferencia por estrechar vínculos (55%)”. Asimismo Brasil es una de

las dos (junto con España) “naciones cruciales en la percepción que tienen los argentinos de la

inserción de su país en el mundo...Brasil representa la potencialidad productiva y el mercado

interno del que la Argentina carece...(por ello) muchos admiran en Brasil esa potencialidad”.

Ver, Manuel Mora y Araujo, “Opinión pública y política exterior de la presidencia Menem”, en

Andrés Cisneros (comp.), op.cit., pp. 357-358. Por otro lado, el alineamiento estrecho del

Presidente Menem con Estados Unidos no contaba con un fuerte respaldo de la ciudadanía.

Según un estudio desarrollado por el Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales

(CARI) sobre opinión pública y política exterior con base en dos encuestas (una de la población

general y la otra entre líderes de opinión), “la estrategia de alineamiento de la Argentina con los

Estados Unidos que en los últimos años ha llevado adelante el gobierno del Presidente Carlos

Menem es el tema de política exterior que más distancia a la población de los líderes de opinión.

En efecto, el sondeo muestra el contraste ya que mientras los líderes la apoyan decididamente, la

población general se encuentra muy dividida, con la primera minoría afirmando que el alineamiento

perjudica al país”. Ver, Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales, 1998-La opiniónpública argentina sobre política exterior y defensa, CARI, Buenos Aires, 1998, p. 23.

80 Es oportuno insistir sobre la importancia de la identidad nacional en materia de política exterior.

Como subraya Henry Nau, “national identity...actually matters more than material power...because withouta unified and healthy self-image, a nation has no incentive to accumulate or use material power. It cannot defendits national interests; indeed, it may desintegrate”. Henry R. Nau, At Home Abroad: Identity and Power inAmerican Foreign Policy, Cornell University Press, Ithaca, 2002, p. 4.

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La inédita crisis política, económica y social que hoy sufre laArgentina ha vuelto a abrir un debate sobre la naturaleza del vínculoque debería construirse con el Brasil. Los partidarios de profundizar elbandwagoning siguen viendo al Brasil como una amenaza; ya no como enlos años de la cultura de la rivalidad sino como un actor que puedeobstaculizar sus objetivos. Ciertamente, la gravedad de la crisis da pie aquienes miran más al Norte y alienta una visión negativa del Brasilcuyo futuro se ve como incierto y problemático. Sin embargo, los ele-mentos propios de una cultura de amistad que se desarrollaron en losúltimos años siguen presentes y son muchos los actores políticos,económicos y sociales argentinos que alientan esa cultura81 .

La experiencia de los noventa ha servido para mostrar que lademocratización, la interdependencia y la integración son condicionesnecesarias pero no suficientes para que esa cultura se consolide82 . La ausenciade rivalidad no implica la presencia, ipso facto y per se, de amistad83 . Para ello,es también preciso fortalecer las alianzas sociales, que en uno y otro país,siguen pensando la relación con un profundo sentido estratégico.

81 Para trabajos más recientes que apoyan la visión del Brasil como amigo véase, José María

Llados y Samuel Pinheiro Guimaraes (eds.), Perspectivas Brasil y Argentina, IPRI/CARI, Brasilia,

1999, José Paradiso y Gustavo Adiolfo Smith, “¿Será posible una política exterior común?”, en

Archivos del Presente, Año 5, no 19, Enero-Marzo 2000 y Fundacao Alexandre De Gusmao, Avisao do outro, FUNAG, Brasilia, 2000.

82 Como bien señala Pllippe Schmitter las lecciones de una nueva modalidad de cooperación en

el Cono Sur no permiten afirmar concluyentemente que la democratización incrementó de

modo elocuente la interdependencia y que ello selló de manera definitiva la integración: “all wecan say with certainty is that the demise of despotic governments has produced a significant decline in thelikelihood of recourse to interstate violence and an unprecedented increase in the volume of interstateagreement”. Philippe C. Schmitter, “Change in Regime Type and Progress in International

Relations”, en Emanuel Adler y Beverly Crawford (eds.), Progress in Postwar International Relations,Columbia University Press, New York, 1991, p. 118.

83 Siempre es bueno recordar que para que la Argentina y el Brasil alcancen una genuina integración

se necesita lo que Deutsch llamó las “condiciones de fondo” para entender si ese proceso será

exitoso o resultará un fracaso. Dichas condiciones son: “1) relevancia mutua de los países, 2)

compatibilidad de valores y ciertas gratificaciones conjuntas reales, 3) comprensión mutua, y 4)

cierto grado de identidad o lealtad común generalizada”. Sin duda, esas condiciones están siendo

puestas a prueba para argentinos y brasileños por igual en este tormentoso comienzo de un nuevo

siglo. Karl W. Deutsch, Análisis de las relaciones internacionales, Ediciones Gernika, México D. F.,

1990, p. 366.

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CONTEXTO INTERNACIONAL, DEMOCRACIA E POLÍTICA

EXTERNA

Monica Hirst

Maria Regina Soares de Lima

ABERTURA

A noção de que o Brasil se caracteriza como um país de movi-mentos lentos e premeditados tanto na condução de seus afazeres do-mésticos como na definição de suas opções internacionais representatecla batida. Também constitui lugar comum a identificação do instin-to de conservação compartilhado pela elite política e a escassez devocações redistributivas dos segmentos econômicos mais poderososque motivou esta peculiaridade desde o período de nossa formaçãonacional. Em conseqüência, a identificação de traços de continuidadee a vinculação com o passado foi sempre tarefa fácil nas análises deprocessos de transformação deste país.

Nos estudos sobre a política externa este se tornou um vícioperigoso que fomentou o recurso a interpretações circulares. Fatorescomo tipo de regime e ordem internacional passaram a correr o riscode tornarem-se condicionantes secundários em face do pesoexplicativo de atributos permanentes. Estes por sua vez foram agra-ciados por uma generosa plataforma institucional incrustada no Es-tado brasileiro antes mesmo de sua conversão à vida republicana. Porisso mesmo, simbólico ou não, o legado imperial sempre constituiuum aspecto identitário da moderna diplomacia brasileira. Alias, não écasual que o único edifício a merecer a titularidade de “palácio” nafuturista esplanada dos ministérios de Brasília seja o das RelaçõesExteriores.

A leitura do passado à luz do presente e/ou a do presente àluz do passado colaborou para sedimentar a idéia de que a políticaexterna fosse percebida como a esfera mais previsível — e portantoracional — de ação do Estado brasileiro. Do ponto de vista analítico,o instrumental mais adequado para abordar o “fenômeno” seria uma

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estranha combinação de neo-realismo waltziano com as inventivas doconstrutivismo. Esta heterodoxia permitiria estabelecer uma relaçãode complementaridade entre o “primado da política externa” e o seurespectivo sistema de crenças; entre premissas orientadoras eautopercepção. Para ilustrar o ponto podemos mencionar o parentescotão evocado entre a política externa independente de início dos anos60 e o pragmatismo responsável lançado uma década mais tarde.

Este trabalho pretende fugir à regra; pelo menos até certo pon-to. Nossa intenção essencial será sublinhar os fatores que indicammudança ou pelo menos esgotamento de trajetórias passadas na polí-tica internacional brasileira. Partimos da suposição de que atualmen-te esta política enfrenta tensões causadas simultaneamente pelas trans-formações em curso na ordem internacional e pelas pressõesintroduzidas pelo cotidiano democrático interno. Dito de forma maissimples, queremos avaliar a capacidade de reação dessa política nes-sas duas frentes.

Na primeira, o Brasil, como os demais membros da comunida-de internacional, enfrenta a escalada de incertezas produzida pelaunipolaridade. Nascida no berço da multipolaridade eurocêntrica, anação brasileira aprendeu com precocidade a fazer bom uso dos es-paços propiciados pelas contradições dominantes no sistema de po-der mundial. Foi ao longo do meio século de bipolaridade que o paísse projetou com maior êxito econômica e politicamente na comuni-dade internacional. A partir do sucesso relativo de seu modelodesenvolvimentista, o Brasil soube explorar o viés da politização dascontradições Norte-Sul como principal fonte legitimadora de uma atu-ação de corte autonomista.

Na frente interna, a atual etapa democrática brasileira vem pro-porcionando novos desafios à política internacional do país. São corre-tos os trabalhos de comparação diacrônica que recuperam outros mo-mentos da história contemporânea brasileira nos quais o protagonismodas instituições democráticas — particularmente o Legislativo — in-fluenciou o curso das opções externas. Na frente externa, os termos daconvivência entre democracia e política internacional enfrenta uma es-cala desconhecida de complexidades, causada em grande medida pela

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globalização. Ao mesmo tempo, no cenário internacional a concentra-ção de poder do mundo pós-Guerra Fria termina limitando o campo deiniciativa e autonomia do Brasil no tabuleiro mundial, o que restringeos novos recursos auferidos pela democracia para sua atuação comoagente de estabilidade e paz na região sul-americana.

Nossa intenção será avaliar o impacto dos novos condicionantesdomésticos e internacionais sobre a política externa a partir da identifi-cação dos atores que influenciam a sua formulação e implementação.Nossa hipótese central é que o surgimento de um leque mais diversifi-cado de atores vem se constituindo um fator com impacto crescentesobre a ação internacional brasileira. Esta ação já não obedeceria ape-nas aos desígnios previamente estabelecidos pelo legado institucional,abrigado na agência constitucionalmente responsável pela conduçãoda política externa, mas corresponderia a um processo abrangente deinterações políticas entre atores públicos e privados, nacionais,subnacionais e internacionais. Observar-se-ia portanto uma dinâmicade agendas simultâneas, paralelas ou sobrepostas, pertencentes a esfe-ras diferenciadas de relacionamento externo. O novo internacionalismo,protagonizado por atores e redes fora do Estado, representa uma novafaceta no relacionamento externo do país. Pode-se dizer que esse novointernacionalismo é fruto da globalização, não apenas na esfera econô-mica que acentuou a interdependência entre as economias nacionais,mas no plano das relações sociais, culturais e políticas transnacionais.É portanto uma realidade que adquire sentido estrutural e não apenasconjuntural com a qual a diplomacia convencional se vê forçada a lidar.

Com vistas a desenvolver a argumentação pertinente, decidi-mos apresentar separadamente as duas esferas de atuação internacio-nal: aquela centrada na ação do Estado, que corresponde à agenda dapolítica externa propriamente dita, e a que contempla o espectro deinteresses e interações da sociedade política1 . Fazemos esta separa-ção apenas com o intuito de facilitar a exposição, uma vez que ques-tões internacionais específicas podem provocar distintos padrões1 Utilizamos o conceito de sociedade política adotado por N. Bobbio quando define as formas de

organização política da sociedade civil, sejam os partidos políticos ou outras estruturas políticas

que representam demandas específicas cuja inserção se dá entre o Estado e a sociedade civil. Ver

Bobbio, N. Matteucci, N. e Pasquino, G. Dicionário de Política, Ed. Univ. De Brasilia, 1986.

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de conflito e cooperação entre agendas e atores. Na agenda do Estadoprocuramos indicar as principais estratégias de ação utilizadas pelo Brasilna sua ação externa. Identificamos duas modalidades de ação interna-cional: uma primeira que compreende a projeção externa dos “interes-ses nacionais” e uma segunda estratégia que acentua a cooperação in-ternacional interestatal e a adesão aos regimes internacionais. No âm-bito da sociedade política, também nos pareceu oportuno estabeleceruma linha divisória entre duas principais arenas e atores: a primeira,vinculada ao espaço legislativo, local da ação política institucionalizada,configurada pela presença (ou ausência) da política externa no exercí-cio parlamentar; e a segunda, representada pela rede de movimentos eorganizações sociais conhecida como terceiro setor, com vinculaçõessubnacionais, nacionais e transnacionais.

Em vista dos objetivos deste seminário, utilizaremos a questãodo relacionamento com a Argentina como a chave ilustrativa-diferenciadora no tratamento das quatro aproximações aludidas. Nos-sa suposição é a de que a centralidade desse relacionamento para oBrasil permite um rico exercício de vinculação entre agendas, arenas eestilos de ação.

A Agenda Estatal: Projeção e Credibilidade Internacionais

As conseqüências do fim da Guerra Fria e da restauração doregime representativo no país sobre a agenda substantiva da políticaexterna podem ser resumidas na idéia da configuração de um novoparadigma ou, ao contrário, da reformulação do paradigma globalistaque orientou a política externa nos últimos quarenta anos. Em linhasmuito gerais, essa orientação, que enfatizava o aumento da autonomiainternacional do país, combinava três dimensões: a defesa dauniversalização das relações internacionais do país, para além do rela-cionamento especial com os Estados Unidos; a ênfase nas característi-cas restritivas da macroestrutura internacional, em especial a crítica ao“congelamento do poder mundial”, na expressão do embaixador Araú-jo Castro; e a articulação da aliança terceiro-mundista nas negociaçõesdas questões de desenvolvimento e da reforma dos regimes econômi-cos internacionais. Os quatro governos pós-Guerra Fria e pós-restaura-ção democrática têm oscilado entre uma postura de adaptação doparadigma globalista às novas realidades internacionais – José Sarney e

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Itamar Franco – e uma reconfiguração em novas bases daquele mode-lo de política externa – Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso.

Ao contrário da relativa estabilidade do modelo de política externanos últimos quarenta anos, cuja principal sustentação era de naturezaestrutural representada pelo padrão de inserção econômica internacional,podemos dizer que passados mais de dez anos do fim da Guerra Fria e doregime militar, não se obteve ainda o mesmo consenso, entre as elitesestatais e não estatais, com relação a uma abordagem coerente de políticaexterna que possa substituir o paradigma globalista. A questão daconfiguração de um espaço econômico homogêneo nas Américas, sob aliderança da proposta norte-americana de constituição da ALCA, dá amedida da diferença de posição entre as elites, dentro e fora do Estado.Em certo sentido, as respostas à pergunta formulada há quase dez anos,ainda dividem as opiniões das elites brasileiras: se o país se “conformarácom um projeto de “Brasil pequeno” ou, alternativamente buscará a“realização de um projeto maior, de mobilização de todo o seu imensopotencial, transformando-se, conseqüentemente, numa das maisimportantes potências econômicas do planeta?”2

Mesmo que não se possa falar de um consenso na sociedade eentre as elites com respeito a um novo paradigma, a agenda diplomáticapós-Guerra Fria/pós-regime militar tem combinado duas estratégiasde atuação internacional, que podem ser vistas como dois estilos típicosde ação externa. No jargão das abordagens de política internacional,estes dois estilos diplomáticos estariam próximos ao que se entendepor um modo de ação “realista” e “institucionalista liberal”,respectivamente.3 O estilo realista caracteriza-se por uma políticaexterna ativista que pode compreender desde uma políticaexpansionista e de participação na diplomacia das grandes potências,2 Paulo Nogueira Batista, “A Política Externa de Collor: Modernização ou Retrocesso?”, PolíticaExterna vol. 1, nº 4, 1993, p.107.

3 Para uma análise da combinação de matrizes teóricas distintas no novo paradigma diplomático

brasileiro, ver Letícia Pinheiro, “Traídos pelo Desejo: Um Ensaio sobre a Teoria e a Prática da

Política Externa Brasileira Contemporânea”, Contexto Internacional, vol. 22, no. 2, 2000. A

substituição do modelo de “autonomia pela distância” pelo de “autonomia pela participação” é

sugerido por Gelson Fonseca Júnior, A Legitimidade e Outras Questões Internacionais. Rio de

Janeiro, Paz e Terra, 1998. Do nosso ponto de vista, ainda não se constituiu um paradigma

alternativo ao globalismo, com o mesmo grau de coesão e consenso entre as elites e na sociedade,

observando-se diferenças de estilos e estratégias de atuação internacional.

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ao maior ativismo internacional e aumento da presença diplomática nomundo.4 Na típica receita do modelo realista de auto-ajuda, os atoresgovernamentais exibem baixa tolerância com os custos de soberania e,portanto, menor grau de adesão a compromissos internacionais queimpliquem abrir mão de parcela de sua soberania em áreas específicas depolíticas públicas. O estilo realista combina o objetivo de projeção dosinteresses do país no exterior com o maior grau possível de flexibilidadee liberdade da política externa. Esta é uma representação estilizada dapolítica realista e própria das potências. Mesmo assim, elementos desteestilo podem ser encontrados na agenda contemporânea da políticaexterna. Resíduo do globalismo, mas adaptado ao mundo pós-guerra fria,mencione-se a postulação do Brasil a uma vaga do Conselho de Segurançadas Nações Unidas, bem como a resistência do país em construir arranjosinstitucionais supranacionais, optando pela fórmula inter-governamentalque implica um grau bem menor de regulação acima das vontadesnacionais. A posição brasileira contrária ao aprofundamento dainstitucionalização do Mercosul, ou em arranjos mais flexíveis como oGrupo do Rio, bem como um certo desconforto em assumir os ônus deuma liderança explícita em eventuais esquemas de coordenação regionalsão exemplos deste estilo de atuação.

O estilo “institucionalista liberal”, ao contrário, enfatiza a ne-cessidade de se obter a credibilidade com respeito às ações e compro-missos assumidos no plano internacional. Neste estilo diplomático, osdecisores governamentais estão mais dispostos a tolerar os custos desoberania e a aderir a regimes internacionais o que necessariamenteimplica aceitar maior coordenação de políticas governamentais entreparceiros e maiores injunções na condução soberana da política exter-na. Novamente, esta é uma representação estilizada da ação diplomáti-ca e está associada aos países com escassez de recursos de poder nosistema internacional. Para estes, em um sistema em que o poder é oprincipal regulador, qualquer regra é melhor que nenhuma. Desta pers-pectiva, o Brasil, entre os países periféricos, exibe um históricoponderável, tendo participado das etapas fundadoras dos principaisorganismos internacionais como as Nações Unidas e o GATT, por

4 Cf. Fared Zakaria, From Wealth to Power: The Unusual Origins of America’s World Role. Princeton,

Princeton University Press, 1999.

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exemplo. Mais recentemente, destaca-se a ativa participaçãp do paísna conformação da OMC, bem como em seus grupos negociadores.

Seja pela crença na validade intrínseca da norma, seja por ra-zões do auto-interesse do ator, a ênfase na credibilidade internacionale na adesão a regimes internacionais está associada a situações de tran-sição política que configuram uma nova ordenação político-jurídica e,simultaneamente, constituem situações particularmente incertas comrespeito a seu eventual desfecho. O caso brasileiro não fugiu a regra daquase imediata adesão das novas democracia aos regimes de direitoshumanos após o término do regime autoritário. Ainda em 1985, o Bra-sil aderiu à Convenção contra a Tortura da ONU, ratificada pelo Con-gresso em 1988. No nosso caso, a adesão aos regimes de direitos hu-manos parece estar associada tanto à expectativa de reduzir a incertezacom respeito ao futuro da transição política, como à necessidade dereadquirir credibilidade internacional com a eliminação do “entulhoautoritário” da política externa do governo militar. Por outro lado, nocaso dos regimes de controle de tecnologia sensível e da proliferaçãonuclear, a adesão brasileira foi bem posterior ao início da transição.5

Na transição por negociação, como foi a experiência brasileira, queimplica em uma negociação política entre as elites da situação e daoposição, as incertezas futuras são menores. Pode-se especular que opróprio timing da adesão brasileira a estes regimes foi parte da negocia-ção da transição.

A convivência de estilos diplomáticos heterodoxos não tem nadade surpreendente. Afinal, o legado institucional da política externa com-bina uma aspiração das elites brasileiras de reconhecimento pelos paí-ses grandes de um status de potência para o Brasil no sistema internacio-nal, com uma tradição da defesa dos princípios do direito internacionale participação nos organismos multilaterais, em particular nos regimesde comércio e desenvolvimento. Contudo, esta adesão aos regimes in-ternacionais sempre foi seletiva e, pelo menos no período militar, a nãoadesão aos sistemas de segurança e controle de tecnologias sensíveisfoi justificada pela restrição prematura que tal adesão implicaria para

5 Em 1995, o país aderiu ao regime de Controle de Tecnologia de Mísseis; em 1996, assinou o

Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares e em 1998 subscreveu o Tratado de Não-

Proliferação de Armas Nucleares.

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os projetos futuros do país. Apesar de um posicionamento histórico dedefesa dos princípios constitutivos da sociedade internacional, as eli-tes dirigentes sempre foram sensíveis ao oportunismo das grandes po-tências beneficiadas que são pela condição de anarquia que caracterizaa ordem interestatal.

A política brasileira de aprofundamento da cooperação com aArgentina tem combinado estes diferentes estilos diplomáticos. O PICnegociado nos governos Alfonsin e Sarney só pôde ser viabilizado nocontexto da transição democrática e da valorização imprimida por es-tes dois governos à cooperação regional. O aprofundamento desta co-operação, com a constituição do Mercosul, foi pensado por parte daburocracia do Executivo brasileiro como um mecanismo para lock-in aspolíticas de liberalização comercial então prenunciadas. Por outro lado,assim como o Brasil imaginou a cooperação com a Argentina, nos seusprimórdios, como um instrumento para ampliar o poder de barganhainternacional dos dois países, mais recentemente, o próprio Mercosulfoi utilizado como instrumento de barganha nas negociações hemisféricasa propósito da proposta norte-americana de constituição da ALCA.

O ESPAÇO DO ‘OUTRO’

Desde o período que precede o Mercosul nos anos 80 as razõesque levaram o Brasil a decidir-se por um compromisso de integraçãoregional de caráter mais profundo e permanente estiveram mais relaci-onadas a ponderações políticas do que econômicas. Também desdeesta época, o foco deste movimento foi a montagem de um relaciona-mento especial com a Argentina, que se tornou o componente essenci-al da política sul-americana do Brasil. A motivação inicial de aproxi-mação ao vizinho meridional vinculava-se às premissas de sua políticaexterna de viés autonomista. Acreditava-se que uma intensa eabrangente cooperação com a Argentina, no contexto dasredemocratizações simultâneas, ampliaria as condições de resistênciaàs pressões ideológicas da contenção, à imposições de atrofiamentoprovenientes das políticas de não proliferação de tecnologias sensíveise às condicionalidades econômicas impostas pela crise da dívida exter-na. Observamos assim uma complementaridade entre os incentivos

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presentes no paradigma globalista da política externa e a nova percep-ção da cooperação regional como um percurso desejado. As vantagensdo ‘mix’ foram concretizadas tanto nas esferas econômica, que vincu-laram a abertura comercial gradual ao projeto de formação de um mer-cado regional, como na de segurança internacional, com iniciativas decooperação em campos sensíveis que viabilizaram posteriormente anegociação do Acordo Nuclear Quadripartite. De fato, o caminho daaproximação à Argentina, além do mérito primordial de soterrar os ves-tígios da mais pesada agenda conflitiva interestatal já experimentadapelo Brasil, ofereceu a chance de o país dar os primeiros passos emdireção à superação de barreiras defensivas das políticas comercial e desegurança internacional.

A partir de 1990, a vinculação argentino-brasileiro sofreu pro-fundas modificações em conseqüência da combinação produzida pelasrápidas alterações de curso dos acontecimentos internacionais e os ca-minhos trilhados no âmbito doméstico por ambos países. O fértil terri-tório de convergências políticas desertificou-se a partir dos novos ru-mos da política externa desenhados pelo governo menemista. Para oBrasil, o contundente alinhamento aos Estados Unidos no qual embar-cava a Argentina tornara impossível a identificação de uma plataformacompartilhada de inserção no mundo da pós-guerra fria. O diálogo bi-lateral adquiriu um sentido mais pragmático do que político, outorgan-do-se centralidade a esfera dos entendimentos comerciais. Ao mesmotempo, a agenda da integração regional foi ajustada à nova metodologiacondizente com as políticas de liberalização econômica levadas a cabonos dois países. Com o Mercosul iniciou-se uma fase de sucessivas “vi-tórias”; primeiro pelo notável aumento das trocas bilaterais e logo pelomarco de coincidências de gestões macro-econômicas à medida que oBrasil abria mão de sua “relutância” ao receituário neo-liberal da esta-bilização.

Durante o qüinqüênio dourado do Mercosul (1994-98) o Brasile a Argentina avançaram timidamente em seus compromissosintegracionistas. O aumento do intercâmbio, a expansão de vinculaçõesinter-empresariais e a mobilização de um leque diversificado de cam-pos de políticas públicas em torno da criação de um espaço comum deinteresses foram insuficientes para outorgar um textura institucional ao

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processo. Tornou-se moeda corrente neste período apontar o governobrasileiro- e particularmente o seu Ministério das Relações Exteriores-com o principal responsável por esta limitação. Não obstante, tanto ogoverno brasileiro como o argentino coincidiam na avaliação de quequalquer institucionalização enfrentaria uma negociação especialmen-te difícil com os demais sócios do Mercosul, em vista das condiçõesassimétricas da associação. Também foi durante este período que seobservou o esvaziamento do processo de convergência entre as pre-missas das políticas internacionais de ambos países. Se bem destaca-va-se a importância da aliança estratégica selada lado a lado, de fatopara o Brasil o relacionamento tornara-se pouco rentável politicamen-te. O custo maior do desencontro foi pago com a falta de apoio argen-tino à candidatura potencial do Brasil a um assento permanente noConselho de Segurança da ONU, na hipótese de sua ampliação.

À medida que o desempenho econômico nos dois países passoua enfrentar novas dificuldades, que inevitavelmente afetaram o bomandar do Mercosul, novas evidências quanto a fragilidade da aliançabilateral se fizeram notar. O reduzido alcance do “espírito” daintegração no plano governamental na Argentina e no Brasil conduziua uma crescente sobreposição dos interesses internos frente aos com-promissos associativos. Após a “malaise” causada pela reativação demedidas protecionistas nos dois lados, o Mercosul foi atingido pelasmedidas cambiais adotadas no Brasil em resposta ao ataque especulativosofrido por sua moeda em fins de 1998. Logo, foram feitas ao Brasilsérias imputações por parte da Argentina quanto ao excessos deunilateralismo, tendo em vistas o impacto de suas opções de políticaeconômica para o seu principal vizinhos.

Foi neste contexto que ganhou forma a controvérsia sobre aresponsabilidade do Brasil como condutor do processo de integração emais ainda como um fator de equilíbrio da economia Argentina. Atênue fronteira entre a questão da responsabilidade e da liderança pas-saram a gerar novas situações de “desconforto” bilateral. Estas foramagravadas pelas vulnerabilidades compartilhadas frente à uma nova ondade pressões externas provenientes, por um lado, das respectivas expo-sições frente aos vai-e-vens da globalização financeira e, por outro peloadensamento das negociações da ALCA. Do lado brasileiro a reação a

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este tipo de colocação suscita questionamentos sobre os prós e contrasde uma vinculação tão estreita com a Argentina, temendo-se o risco decontaminação econômica.

Regressemos ao tema da desativação de uma agenda comum depolítica externa entre o Brasil e a Argentina, para remarcar que apesardos pesares o Mercosul gerou importantes dividendos políticos comimpacto imediato para toda a América do Sul. Desde a insistência so-bre o vínculo entre a defesa da democracia e integração regional avan-çou-se na projeção do Mercosul como uma Zona de Paz. Se bem aconstrução de uma comunidade pluralista de segurança não tenha al-cançado o grau de efetividade da experiência européia, sem dúvida temcumprido um papel de contenção no manejo da frágil condiçãoinstitucional do Paraguai e na própria crise de governabilidade enfren-tada pela Argentina a partir de fins de 2001. De fato o Itamaraty, leva-do em grande parte pelo impulso da diplomacia presidencial, vem pou-co a pouco flexibilizando - ainda que de forma velada e seletiva - seudogma contrário a intervenção em assuntos internos de outros Esta-dos. A percepção de que o Brasil deve assumir maiores responsabilida-des nesta direção vem a reboque do chamado projeto ‘sul-americano’,posto sobre a mesa de maneira mais explícita nos últimos dois anos.6

Não obstante, se bem houve avanço na identificação dos inte-resses do país envolvidos na consolidação de seu projeto sul-america-no avançou-se menos na identificação dos seus “termos de troca”. As-sume-se a idéia de que a América do Sul poderá ser funcional economi-camente para viabilizar a continuidade do projeto neo-desenvolvimentista brasileiro e politicamente para ampliar a cota depoder internacional do país num cenário externo de poder mais con-centrado desde a queda do Muro de Berlim. Entretanto a traduçãodesta dinâmica num projeto de liderança positiva esbarra em doisentraves; i) as restrições domésticas, no caso brasileiro, para uma efe-tiva opção cooperativa do país que se localizam na esfera político-partidária, bem como esbarra nos interesses dos atores econômicos,6 Ver, Celso Lafer, A Identidade Internacional do Brasil e a Política Externa Brasileira, Perspectiva,

São Paulo, 2001; Sergio Danese, “Brasil e América do Sul: Apontamentos para a História de uma

Convergência”, Política Externa, vol. 9, n. 4, 2001 e George Lamaziere, “O Impacto dos Proces-

sos de Integração Regional nas Políticas de Defesa e Segurança: o Brasil e a Cooperação Político-

militar na América do Sul”, Política Externa, vol. 9, no.4, 2001.

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dificultando maiores contrapartidas para qualquer exercício de lideran-ça; ii) as restrições impostas pela convivência com a potênciahegemônica no plano regional e pela configuração acentuadamenteunipolar da ordem mundial pós-Guerra Fria. Naturalmente o espaçopara a ação encontra-se no âmbito do primeiro tipo de obstáculo umavez que frente ao segundo as opções dificilmente poderão escapar douniverso de respostas defensivas e reativas. Mais uma vez o relaciona-mento com a Argentina aparece como um ponto sensível e definidor.

A articulação entre argumentações políticas e fatores econômi-cos torna-se fundamental para compreender a posição do Brasil no âm-bito sul-americano. Devemos aqui destacar o poder de atração de seumercado a partir das novas condições de acesso propiciadas pelas polí-ticas de liberação comercial. Ao mesmo tempo os mercados vizinhos-principalmente os do Mercosul- ganharam importância crucial para suasexportações manufaturadas. Nos últimos 5 anos o percentual médiodas importações do Brasil provenientes do grupo ALADI foi de 20%,dos quais 15% vieram do Mercosul ; o percentual médio das exporta-ções foi de 22%, dos quais 16% se destinaram à essa mesma sub-re-gião. Apesar da evidência revelada por estes percentuais, a atuação doBrasil nas negociações intra-regionais, entretanto, está mais dominadapela percepção de que seus sócios vizinhos são os principais beneficia-dos pela liberalização dos mercados na região. Esta visão está susten-tada por dois fatores: a repetição de deficits comerciais com algunsdos principais parceiros da região- destacando-se a Argentina- e o pesodos interesses “import-competing” versus os dos setores exportadoresnas políticas industriais e comerciais do país7.

Na literatura acadêmica dedicada ao tema do regionalismo nasAméricas tem sido freqüentemente levantada a questão da liderança brasi-leira. Quando tratada em sua dimensão política são suscitadas as condi-ções de constituição de uma Comunidade Pluralística de Segurança indi-cando-se a função do Brasil como fator de estabilidade e equilíbrio noespaço sul-americano8. Já o enfoque que privilegia os fatores econômicos7 Cf. Pedro da Motta Veiga, “O Brasil, O Mercosul e a ALCA”, Carta Internacional, São Paulo

n.106, dez. 2001.

8 A análise desenvolvida por Arie Kacowicz sobre a América do Sul como uma Zona de Paz

representa um interessante exercício neste sentido. Ver Kacowicz, Arie Zones of Peace in the ThirdWorld, State Univ. N.Y. Press, 1998.

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envolvidos na formação de um novo espaço regional chama a atençãopara as responsabilidades do Brasil derivadas não apenas do tamanho desua economia – e naturalmente de seu mercado – mas principalmente dopeso de suas crenças e realizações industrialistas9. O tema também temmerecido atenção, e mesmo alguma preocupação política, nos EstadosUnidos provocando reações variadas no meio acadêmico e político10.

A preeminência econômica do Brasil abre um espaço natural parao exercício de sua liderança, o que se torna um tema sensível no contextode uma aliança estratégica com a Argentina. O ponto de equilíbrio entrea negação de um papel hegemônico e a aceitação da responsabilidadepela liderança constitui o aspecto político mais sensível deste relaciona-mento bilateral. A posição líder do Brasil compreende ônus e benefíciose sua aceitação só poderia se desenvolver em termos não coercitivos.Para tanto, a reciprocidade e a plena convicção no interesse comum tor-nam-se as forças motrizes do processo associativo. Uma aliança destanatureza implica não apenas a identificação de incentivos prévios, mas acapacidade de seu gerenciamento, entendida como a condução de pro-cessos conjuntos e unilaterais que permitem simultaneamente manter aaliança viva e avançar na defesa de seus próprios interesses.

SOCIEDADE POLÍTICA E POLÍTICA EXTERNA EM TEMPOS

DE DEMOCRACIA

A ampliação do espaço público no Brasil vem renovando nota-velmente a agenda internacional do país. Lado a lado com a ampliaçãodo espaço ocupado pela representação política institucionalizada, ex-pande-se um novo território coabitando por uma miscelânea de atores

9 Vários autores têm abordado esta questão, destacando-se Joseph Grieco, Walter Mattli, Roberto

Bouzas eVer Grieco, Joseph “Systemic Sources of Variation in Regional Institutionalization in

Western Europe, East Asia and the Americas”, in Mansfield E. &Milner,H The Political Economyof Regionalism, Columbia Univ. Press, NY, 1997; Mattli,Walter The Logic of Regional Integration,

Cambridge Univ. Press, 1999; Bouzas, RobertoR. Korzeniewics and “El Mercosur Diez Años

Después: ¿Proceso de Aprendizaje o Déjà Vù?”, Desarrollo Económico Núm 162, julio-septiembre

2001.

10 Ver Hakin, Peter “Dos formas de ser Global”, Foreign Affairs (en Espanol), Primavera 2001,

vol.2, n.1. e Kissinger,Henry “EE.UU y Brasil: las potencias sean unidas”.

http\\ar.clarin.com\diario\2001-05-21.

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e organizações cuja principal resultante vem sendo a corrosão da fron-teira entre problemáticas internas e externas. É justamente a elimina-ção das barreiras entre ambos domínios que impulsiona uma diversifi-cação do tipo de vinculação entre globalização e vida democrática,entre espaços públicos locais e atores transnacionais.

O ESPAÇO LEGISLATIVO E A POLÍTICA EXTERNA

No Brasil, como alhures, é parte do senso comum a noção deque “política externa não dá votos”. Esta imagem despolitizada da po-lítica externa é conseqüência de uma visão idealizada da mesma comoo instrumento central da defesa dos “interesses nacionais”. Em vistada natureza de suas funções que exigem conhecimento especializado esegredo governamental e da proteção legal conferida às atividades queenvolvem a segurança internacional do país, as políticas externas e desegurança constituem objetos por excelência da delegação de autorida-de do corpo político aos órgãos executivos. Nos sistemaspresidencialistas, que se caracterizam pela divisão entre os Poderes, éainda mais nítida a predominância do Executivo na condução da polí-tica externa, cabendo ao Legislativo o papel de posterior ratificaçãodas ações e compromissos assumidos externamente. Este distanciamentoda política partidária é reforçado pelo ambiente social da regulaçãoexterna, caracterizado pela baixa densidade e presença de grupos deinteresse na sociedade que, como esperado pelas teorias da ação cole-tiva, não se mobilizam para a defesa de interesses coletivos/nacionais.Se a política externa não interessa ao eleitor, por que interessaria aospolíticos profissionais? Os modelos com base na racionalidade do elei-tor explicariam assim por que a política externa não dá votos e por queos parlamentares têm poucos incentivos para se envolverem direta-mente na regulação das atividades das agências de política externa e desegurança.

Como observamos, esta é uma visão convencional e idealizadada política externa. Não resiste assim ao movimento da globalização noque este implica na dissolução das fronteiras entre o doméstico e o inter-nacional. Ademais, uma das principais características da ordem mundialcontemporânea é seu acentuado componente legalista, no sentido que a

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própria interdependência entre estados nacionais estimula formas varia-das de regulação internacional de questões as mais diversas. Indepen-dentemente da natureza assimétrica desta regulação, a sua principal con-seqüência é a internacionalização das questões domésticas e, o seu re-verso, a internalização daquelas ditas internacionais. Assim sendo, a po-lítica externa passa a regular de fato questões que previamente faziamparte do ambiente regulatório doméstico. Neste contexto, a politizaçãoda política externa é inevitável. Esta última pode gerar modificações ouadaptações dos regimes de delegação em curso, concebidos para umarealidade de high politics, e demandas de redesenho institucional dos me-canismos tradicionais de delegação e prestação de contas.

Para um país periférico como o Brasil as conseqüências das mu-danças na regulação internacional são ainda mais acentuadas, pois àsiniciativas voluntárias de cooperação bilateral e participação multilate-ral, somam-se às injunções da adesão aos diversos regimes regulatóriosinternacionais. A principal conseqüência do adensamento da agendaestatal cooperativa regional e multilateral no pós-Guerra Fria/pós-redemocratização foi a modificação da agenda substantiva da políticaexterna que, além de representar interesses coletivos no plano mundi-al, passou a ter que negociar interesses setoriais, inserindo-se direta-mente no conflito distributivo interno11 .

Para que estas mudanças da agenda substantiva gerem mudan-ças institucionais e de comportamento dos atores políticos é precisoalgum tempo. Assim, entre as razões apontadas para explicitar o déficitdemocrático do Mercosul destaca-se a carência de vinculações trans-fronteiriças no âmbito da política institucional. Diferentemente do queobservamos na experiência européia, pecamos pela ausência de paren-tescos partidários e por limitado paralelismo ideológico, o que restrin-ge o escopo e alcance do interesse pela agenda da integração na vidaparlamentar de nossos países. No Brasil, os partidos políticos aindapercebem a integração regional como um item de política externa, ca-bendo ao Ministério das Relações Exteriores a responsabilidade peladefinição programática e condução do processo associativo. Quando

11 Cf. Maria Regina Soares de Lima, Instituições Democráticas e Política Exterior, Contexto Internaci-onal, vol. 22, 2000

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tomamos os conteúdos dos programas dos principais partidos brasilei-ros constatamos a falta de interesse pelo tema que quando merecemenção esta se dá apenas de forma genérica. Ressalva merece ser feitacom relação à atuação do Partido dos Trabalhadores (PT), cujoengajamento em temas internacionais vem se destacando tanto em es-paços institucionais, como a Comissões de Relações Exteriores no Con-gresso Nacional, como naqueles de natureza informal no âmbito dasorganizações e movimentos sociais.

Uma outra maneira de se avaliar este relativo “desinteresse” éentendê-lo como uma evidência da concordância implícita dos atorespolíticos que, exatamente por estarem de acordo com as orientaçõesgerais da política externa, delegam aos órgãos competentes, no caso oMRE, a autoridade para sua condução. Alguns modelos de delegaçãotêm salientado a importância na delegação da convergência de prefe-rências entre agente e principal. Evidência nesta direção foi a ratifica-ção da política externa por ocasião da elaboração da Constituição de1988 em dois aspectos relevantes. Em primeiro lugar, a manutençãodo princípio constitucional da competência do Executivo na conduçãoda política externa, cabendo ao Legislativo o poder de ratificação ex-

post dos acordos internacionais. Ao manter o status quo constitucionalem uma dimensão crucial do processo decisório, os constituintes ratifi-caram sua concordância com a política externa em curso. A segundadimensão de aprovação legislativa da política externa em curso, foi ainclusão do artigo 4o na Carta Constitucional de 1988 avalizando apolítica de cooperação regional com os países da América Latina, vi-sando “à formação de uma comunidade latino-americana de nações”12 .

Apenas nos casos de conflito de objetivos ou orientações entreos Poderes, os atores políticos/legislativos buscarão institucionalizarsua participação no processo decisório da política externa.13 Desta for-ma, ao contrário do consenso observado com relação à política deintegração regional, o mesmo não vem ocorrendo na sociedade brasi-leira com respeito à proposta da constituição da ALCA. A diferença de

12 Cf. João Augusto de Castro Neves, A Participação do Poder Legislativo na Política Externa

Brasileira: O Caso do Mercosul, tese de Mestrado em Ciência Política, IUPERJ/UCAM, 2002.

13 Para uma análise nesta direção, ver, Lisa Martin, Democratic Commitments: Legislatures andInternational Cooperation, Princeton, Princeton University Press, 2000.

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posições com relação à integração hemisférica, tem levado à mobilizaçãodos interesses empresariais e sindicais e ao questionamento peloLegislativo com relação à oportunidade de um acordo nos moldes daALCA14 . Significativamente, e ao contrário do momento constituinte,o Legislativo passou a questionar o próprio processo decisório da polí-tica externa e a propugnar pela modificação do regime de delegação emcurso. Neste momento, estão em tramitação dois projetos de emendaconstitucional que visam instituir controles ex-ante da política externapelo Legislativo que, se aprovados, implicarão em uma mudança dopadrão histórico de delegação congressual.15

Olsonianamente, é mais fácil mobilizar o interesse das forçaspolíticas e setores econômicos nacionais que se considerem eventual-mente prejudicados pela participação do Brasil num Acordo Hemisféricode Livre Comércio do que para o aprofundamento dos compromissosdo país com o Mercosul16 . Do ponto de vista da representação parla-mentar, este quadro sofre alguma alteração quando se contempla a atu-ação de legisladores provenientes da região sul. Neste caso, o Mercosulvem propiciando a conformação de uma agenda “interméstica” na qualse sobrepõem temas locais, nacionais e sub-regionais.

Durante o período mais recente no qual o processo de integraçãoatravessou uma etapa de acentuada desaceleração, a agenda públicarelacionada ao tema passou a estar dominada pelos percalços enfrenta-dos no relacionamento com a nação argentina. Da mesma forma comoobservado no âmbito governamental, o meio parlamentar reagiu de-fensivamente à sinalização conflitiva do país vizinho exacerbada aolongo do ano 2001, dando um passo político atrás frente à opção daintegração regional. A veloz mudança do cenário político-institucionalna Argentina, acompanhada da grave crise produzida pela mudançado regime cambial, se bem teve o efeito de neutralizar este tipo de

14 Neste particular, destaca-se a decisão conjunta da Conferência Nacional dos Bispos (CNBB),

da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e outras instituições representativas da sociedade

civil de convocarem um plebiscito nacional sobre a ALCA para setembro de 2002.

15 As duas propostas de emenda constitucional são a PEC 345/01 de autoria do Deputado

Aloizio Mercadante do PT e a PEC 52/01, de autoria do Senador Roberto Requião do PMDB.

Ver, João Augusto Castro Neves, op.cit. p. 63-64.

16 Vigevani et alii “Democracia e Atores Políticos no Mercosul”, in Sierra (2001).

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reação não diluiu integralmente seus efeitos. De fato, observamos umavariação curiosa no tipo de repercussão da crise política argentina noâmbito político-partidário brasileiro. Sua coincidência temporal com oinício da campanha eleitoral no Brasil, levou a que alguns candidatosutilizassem paradigmaticamente a debacle do país vizinho para refor-çar as respectivas plataformas eleitorais. O emprego deste artifícioeleitoreiro, entretanto, destoa das orientações dominantes da atual po-lítica exterior no sentido de reforçar os canais de apoio político á naçãoargentina. Curiosamente, tornou-se mais fácil encontrar convergênciapara posicionamentos desta índole no meio opositor. Simultaneamenteà emissão de uma nota de solidariedade à Argentina, na qual se desta-cou a responsabilidade pela crise ao modelo neoliberal, o PT apresen-tou no Congresso uma moção vinculando a necessidade de respaldo aopaís vizinho a da própria sustentação do Mercosul, considerado “o maisrelevante projeto geopolítico e estratégico da América do Sul”17 .

A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS ATORES E MOVIMENTOS SOCIAIS

No último decênio o Brasil vem conhecendo uma nova facetade sua inserção internacional a partir de uma peculiar combinação doprocesso de democratização com a formação de redes da sociedadecivil, transnacionais. Diferentemente de outras experiências sul-ameri-canas, a vinculação externa dos movimentos políticos democráticosbrasileiros foi limitada durante a etapa do regime autoritário e mesmodurante o processo de transição ao Estado de direito.18 Fosse pelo “vo-lume” de violações de direitos humanos, pela brevidade e diminutaexpressão demográfica das comunidades de exílio, ou o limitado espa-ço de vinculações internacionais dos partidos políticos brasileiros, oretorno à democracia no país contou com mais simpatia do que apoio epressão externa19.17 Moção sobre Argentina, de 21/12/2001, apresentada pelo Deputado Walter Pinheiro, líder do PT

na Câmara dos Deputados. Em seu preâmbulo, “Manifesta solidariedade à Nação argentina e conclama

o governo brasileiro a contribuir ativamente com a busca de solução adequada para a presente crise

do país vizinho, inclusive mediante a convocação emergencial de reunião de cúpula do Mercosul para

debater e deliberar sobre o tema”.

18 Para uma analise histórica das redes transnacionais de proteção aos direitos humanos na América

Latina, ver, Margaret E. Keck e Kathryn Sikkink, Activists Beyond Borders, Ithaca, Cornell University

Press, 1996.

19 Não se pretende ignorar as comunidades de exilados brasileiros no exterior e os contatos mantidos

com organizações políticas internacionais, mas apenas relativizar o peso destas mesmas em compara-

ção com outras experiências sul-americanas, particularmente as chilena, uruguaia e argentina.

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Esta especificidade da transição do autoritarismo no Brasil, sofreprofunda alteração quando nos debruçamos sobre o tempo presente.Observa-se uma veloz internacionalização dos atores e movimentossociais brasileiros resultante da articulação positiva entre globalizaçãoe vida democrática. Percebe-se uma nova porosidade internacional,senão desconhecida pelo menos não observada desde os anos deinfluência dos movimentos anarquista e comunista europeus sobre aagenda e organização da classe trabalhadora brasileira nas primeirasdécadas do século XX. Entre os inúmeros pontos que diferenciam umada outra experiência, destaca-se o nível de abrangência e diversidadedos temas envolvidos e o volume de recursos canalizados pelas redestransnacionais na atualidade. A principal base operacional destas redesé a extensa teia de organizações não governamentais, denominadaterceiro setor, que atuam no país. Na virada do milênio, calculava-seque 80% das fontes de financiamento que apóiam as ONGs no Brasilprovinham de origem estrangeira. Na maioria são organizações voltadaspara temáticas específicas que quase sempre ganham visibilidade porsua convergê ncia com o repertório do que atualmente se conhececomo a agenda global. Dois macro-temas dominam esta agenda: direitoshumanos e meio ambiente.

A mobilização da sociedade civil brasileira em torno destestemas somada a sua crescente importância junto à opinião públicainternacional levaram a que gradualmente ambos se tornassem áreasde preocupação da ação diplomática brasileira. O que assistimosportanto é uma dinâmica combinada – com graus de cooperação edissenso diversos – entre pressões externas e domésticas provenientesde organizações e movimentos sociais e iniciativas governamentais,partindo do Itamaraty e/ou outras agências credenciadascomplementada por crescente atuação parlamentar.20 Simultâneo ao20 Entre os resultados deste tipo de cooperação na área de direitos humanos, destacamos a adesão

em 1985 pelo Brasil à Convenção contra a Tortura da ONU (ratificada em 1988 pelo Congresso)

e a aceitação em 1994 da jurisdição da Corte Inter-Americana de Direitos Humanos. Destaca-

mos também a participação brasileira na Conferencia Mundial de Direitos Humanos de Viena

em 1993. No que se refere à questão ambiental, o primeiro passo ocorreu durante a Conferência

Rio 92 quando se realizou paralelamente uma extensa reunião de representantes do terceiro

setor. Na ocasião, iniciou-se um diálogo entre ONGs locais e os representantes diplomáticos em

torno da Agenda 21. Dez anos depois, observamos canais diversos de entendimento entre o

MRE e as ONGs na preparação das posições brasileiras para reunião Rio+10 a ser realizada na

África do Sul, em 2002.

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processo de permanente expansão e diversificação das agendas dedireitos humanos e meio ambiente, ganhou impulso no Brasil um novotipo de mobilização estimulada pelos movimentos antiglobalização dealcance mundial. Enquanto os temas referidos conduziam a uma açãovoltada para temas específicos, o segundo se move com base empremissas ideológicas mais abrangentes.

Este tipo de movimento encontra-se vinculado a uma agendainternacionalizada sujeita a permanente transformação, estimulada peloaprofundamento da democracia e pelas reações defensivas frente aosefeitos da globalização e das negociações de áreas de livre comércio,particularmente a ALCA. Vale destacar, portanto, que se transita des-de um universo difuso de questões que abarca temas como direitosraciais e/ou de gênero, equidade, educação, ordem jurídica, e meioambiente, até outro campo extremamente concreto com agenda e ca-lendário pré-fixados, envolvendo negociações técnicas e políticas en-tre 34 Estados americanos. Da parte da sociedade civil brasileira, pro-cura-se ampliar o poder de pressão dos segmentos empresariais e sindi-cais na definição das posições do país no processo negociador.Interessantemente este esforço vem se realizando ora em oposição orade forma coordenada com o Estado. Foi com este espírito que se criou,sob a presidência do Ministério de Relações Exteriores, a Seção Naci-onal de Coordenação dos Assuntos Relativos a ALCA (SENALCA)logo integrada por entidades como a Confederação Nacional da Indús-tria (CNI), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a Confede-ração Geral dos Trabalhadores (CGT), a Central Única dos Trabalha-dores (CUT) e a Força Sindical. O principal desafio político destas en-tidades passou a ser a transformação dos interesses que representamem posições negociadoras concretas a serem veiculadas pelos gruposnegociadores da ALCA.

O denominador ideológico comum deste tipo de mobilização éa condenação ao neoliberalismo somada à crítica aos acordos de livrecomércio21 . Estimuladas pelo que se rotulou como “internacionalismopopular”, pretende-se a constituição de uma globalização alternativa a

21 Ver Morris, David “Free Trade the Great Destroyer” e Nader, Ralph & Wallach, Lori “GATT,

NAFTA and the Subversion of the Democratic Process”, in Jerry Mander & Edward Goldsmith

(eds.), The Case Against the Global Economy, Sierra Club, San Francisco 1996.

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partir de um processo de mundialização das lutas sociais, de fato inau-gurado em meados dos anos 90.22 Ao lado da construção de um ideáriocomum, tecido em torno da crítica ao neoliberalismo e à proposta deformação de uma cidadania em escala planetária, observa-se a elabora-ção de uma nova agenda de debates e posicionamentos. Como seustemas prioritários mencione-se: a metodologia da ação de protesto; aidentificação de seu alvos principais – destacando-se as instituições depoder mundial como o G7, a OMC, o FMI e outros organismos inter-nacionais no campo econômico – ; e a vinculação entre as esferas soci-al e política, remetendo ao questionamento da democracia formal e doprocesso de concentração de riquezas mundial. Caracterizando-se comoum processo descentralizado de ação política, este movimento com-preende clivagens diversas em torno das que apregoam orientações re-formistas e outras que defendem a radicalização destas ações.

Constitui tarefa complexa avaliar o grau de articulação ou su-bordinação deste tipo de movimento no Brasil às organizaçõescongêneres estrangeiras.23 Igualmente difícil torna-se a caracterizaçãoda influência ideológica exercida por estas últimas. De modo geral,observa-se uma sobreposição de dois tipos de orientações vindas “defora”. A primeira, de essência mais ideológica, procura vincular positi-vamente as dimensões global e regional (latino-americana) na identifi-cação de novas bandeiras de luta contra a economia de mercado. Asegunda, que almeja resultados políticos concretos, reivindicando umuniverso Americano de interesses sociais a ser canalizado como a vozda sociedade civil no processo negociador da ALCA. Levantamentospreliminares revelam a existência, no âmbito Americano, de 300 redesde organizações da sociedade civil, das quais 56 são de origem brasilei-ra e 165 provenientes de países hispânicos.24

22 Amin, Samir in Houtar y Poulet p. 93. Para uma cronologia das manifestações anti-globalização

ver Seone (2001).

23 Mais de 400 organizações participam das redes da sociedade civil que se mobilizam em torno

das negociações da ALCA.Entre as organizações mais representativas destacam-se a Fundação

Grupo Esquel (EUA), a Fundação Canadense para as Américas (FOCAL), e a própria USAID

que vem financiando – por via da Companeros de América - a Rede interamericana para a

democracia com a participação de diversas entidades.

24 Smith, William, “Protest and Collaboration: Transnacional Civil Society Networks and the

Politics of Summitry and Free Trade in the Americas”, The North/South Agenda Papers 51,

September 2001.

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A manifestação mais contundente deste tipo de mobilização noBrasil vem sendo a realização do Fórum Social Mundial em Porto Alegre,em 2001 e 2002. A “primavera social” de Porto Alegre reuniumovimentos sociais, ONGs, sindicatos, pastorais religiosas, entidadesde classe e da sociedade civil. Do ponto de vista doméstico, não deixade ser relevante a constatação de que este tipo de iniciativa tenhalugar em um estado da federação cuja identidade histórica se sobrepõea da formação platina. Esta convergência de identidades e o consolidadoêxito político do PT na cidade de Porto Alegre, fruto dos últimos 10anos de gestão ininterrupta, vem constituindo um estímulo adicionalpara a presença de organizações sociais argentinas e uruguaias nestesencontros. Uma nova rede de interação começa a se manifestarestimulada pelo “..espírito da esquerda social e política brasileira”.25

Vale mencionar que a reunião de 2001 foi convocada por 170 entidades,das quais 38 eram de origem brasileira e 19 de origem argentina. Já noano seguinte, foram 5.000 as entidades organizadoras, das quais 67%de origem brasileira e 23% de origem espanhola, italiana, francesa eargentina. Havendo adquirido uma dimensão massiva, o Segundo FórumSocial Mundial compreendeu a realização de 28 conferências, 100seminários e 700 workshops.

A presença da Argentina fez-se notar numericamente e pelainclusão do tema da crise deste país na agenda do encontro.26 Percebidacomo a “aluna mais bem aplicada do Consenso de Washington que nãodeu certo”, esta nação experimenta uma crise que adquiriu um sentido“…paradigmático dos impactos da globalização das políticas neoliberaisno contexto latino-americano.”27 De acordo com destacadosrepresentantes do terceiro setor no Brasil, trata-se de uma situação semprecedente na qual se soma uma população altamente politizada com afalência da estrutura partidária formal e das lideranças locais.25 Seoane Jose e Taddei, Emilio “Resistencias mundiales,de Seattle a Porto Alegre Clacso, B. Aires,2001,

p.120.

26 Os debates do Segundo Fórum Social Mundial giraram em torno dos seguintes temas: os

atentados de 11 de setembro e o crescimento da hegemonia norte-americana em todo o mundo;

a crise na Argentina; o conflito árabe-israelense; a possível criação da ALCA (Área de Livre

Comércio das Américas); a dívida externa; a economia solidária; a democratização das comuni-

cações e o acesso aos medicamentos contra a Aids.

27 Entrevista com Sergio Haddad, presidente da Associação Brasileira de ONGs (Abong),

www.abong.org.br

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De fato, a recente proliferação de organizações sociais na Ar-gentina estimulada pela própria crise econômica e política que o paísatravessa gerou um novo terreno de diálogo e interação com o Brasil.Ademais, a sonora onda de protestos observada nos últimos meses des-pertou sentimentos de simpatia e solidariedade nos âmbitos formais einformais de representação da sociedade civil. Surge neste contexto aidéia de que o espaço da integração regional propicie também uma novaidentidade coletiva a partir da ação de movimentos sociais que ve-nham a defender a inclusão de suas problemáticas na agenda formal doMercosul.

A simultaneidade entre a expansão das redes transnacionais demovimentos sociais e os processos de integração econômica colocamnovas questões relativas à regionalização das respectivas sociedadescivis. Ganha impulso a idéia de que as organizações por detrás destaexpansão se transformem em agentes de socialização política estimu-lando o surgimento de uma solidariedade intracidadã. Em conseqüên-cia, poder-se-ia vislumbrar a formação de um espaço público regionalsempre e quando se fizessem disponíveis os instrumentos institucionaisadequados. A experiência européia nos ensina, porém, que mesmo emcontextos avançados de integração, este caminho é lento e dificultosoconstatando-se certa cronicidade ao problema do “déficit democráti-co”28 . A tarefa de construção de bases de suporte trans-fronteiriçasdeve contar com o apoio tanto dos governos como das instituições queconduzem o processo associativo. No caso europeu, a realidade vemrevelando certa negligência por parte das entidades partidárias locaisfrente a esse tipo de projeto em função de seus compromissos comquestões domésticas ou com os temas que pertencem a agenda clássicada integração.

No caso do Mercosul, devemos estar atentos para o fato de quebandeiras compartilhadas de contestações e reivindicações não serãonecessariamente propícias ao aprofundamento da integração entre ospaíses da região uma vez que ao déficit democrático deve-se-ia somaro déficit institucional do processo. No caso do Brasil, merecem desta-que os novos entrelaçamentos que acompanham o processo de28 Walreigh, Alex “ ‘Europeanizing’ Civil Society: NGOs as Agents of Political Socialization”,

Journal of Common Market Studies. Vol. 39, n.4, Nov. 2001.

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aprofundamento da democracia no qual as agendas “próprias” e as “dooutro” se articulam no contexto de opções inovadoras deinternacionalismo. Estes movimentos poderão ou não constituir umacontra-face à consolidação do Mercosul.

Observações finais

Mencionamos o expressivo grau de consenso interno que per-mitiu ao Estado brasileiro operar com relativa margem de autonomiacom relação à sociedade política na formulação e execução da políticaexterna nos últimos quarenta anos. Também nos referimos ao fato deque o consenso entre as elites com relação a esse projeto de políticaexterna tornou possível que suas premissas essenciais fossem preser-vadas nos anos da transição democrática brasileira. O que parece inte-ressante assinalar é o contraste entre aquela combinação da políticaexterna e contexto político doméstico e a que se observa no tempopresente. No início dos anos 80, a dimensão substantiva da políticainternacional do país era percebida “à frente” de sua política interna. Oquestionamento da ordem bipolar, a sintonia com as bandeiras do mundoem desenvolvimento e a visão crítica de uma postura alinhada aos Es-tados Unidos encontravam sinergia nos movimentos de contestação daordem mundial e pareciam mais de acordo com as visões de mundocomprometidas com o pluralismo do que com um governo responsávelpela manutenção da ordem autoritária. Podemos entender, assim, a au-sência de preconceitos no estabelecimento de posições internacionaisconvergentes com o Brasil por parte de governos vizinhos cujos pro-cessos de democratização se anteciparam ao nosso. De fato, a partir demeados dos anos 70, a política externa brasileira revelou-se menos pri-sioneira dos condicionamentos ideológicos impostos pela Guerra Friado que na condução da vida política interna.

Atualmente, a realidade mostra uma dinâmica distinta na rela-ção entre política interna e externa. O “novo internacionalismo” brasi-leiro resulta tanto da mudança do perfil de inserção internacional faceà globalização dos mercados, quanto da ampliação da rede de aliançastransnacionais oriunda da sociedade civil. É esta diversidade de atorese interesses, não necessariamente convergentes em suas respectivas

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orientações e preferências mas para os quais o internacional se tornaâmbito relevante de atenção e atuação, que fez desaparecer o consensomonolítico prévio com relação à política externa. Por outro lado, é ine-vitável que a atenção dedicada a novos temas na agenda do Estadoresponda às pressões provenientes de um leque diverso de atores nãogovernamentais legitimados pelo próprio processo democrático local.Os vínculos internacionais desses atores mais do que corresponder aum campo de mediação estatal resultam de uma articulação direta comnovos processos globais. Esse tipo de articulação reduz o grau de auto-nomia do Estado e gera um conjunto de interações domésticas quediluem a fronteira entre o interno e o externo. Como já aludido, as áreasde meio ambiente e direitos humanos ganham especial destaque nesseprocesso.

Esta constatação nos conduz a uma segunda apreciação, agorareferente ao contexto internacional. Também nesta esfera, o Estadobrasileiro sofre uma redução significativa de seu espaço de manobra,neste caso pelo esgotamento da bipolaridade. O marco restritivo im-posto pela emergência de uma ordem unipolar torna-se ainda mais dra-mático para países periféricos que se encontram em situação devulnerabilidade externa e marginalidade estratégica. A experiência re-cente da Argentina mostra-nos que a opção pelo alinhamento automá-tico pouco ou nada contribuiu para reverter o peso desse tipo de“irrelevância”. Nesse quadro, e apesar da reduzida visibilidade de suasvantagens de curto prazo, pode tornar-se mais atraente o caminho ofe-recido pela presença mais atuante nos foros multilaterais com vistas aoseu fortalecimento no sistema mundial. Não obstante, o risco da su-bordinação dessa opção à distribuição desigual de poder, reforçada pelounilateralismo, reduz seus incentivos e implica custos domésticos quea sociedade brasileira talvez não esteja disposta a incorrer.

No plano da cooperação regional, em especial com a Argenti-na, o Brasil ainda preserva considerável poder de iniciativa. Sabemosque este caminho não significa a superação dos dois desafios mencio-nados anteriormente, a saber, as restrições impostas pelo contexto de-mocrático e pela unipolaridade, que tornam mais complexa a tarefa deconstrução de um projeto cooperativo regional, especialmente quando

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se contempla a responsabilidade da liderança que caberá ao Brasil nacoordenação desse processo. Por outro lado, o contexto democráticonão deve ser encarado apenas como uma nova restrição, uma vez querepresenta simultaneamente uma oportunidade para a modificação deelementos essenciais da cultura política da política externa, em duasesferas convergentes. Em primeiro lugar, porque apenas os regimes de-mocráticos dispõem de mecanismos institucionais que podem garantira credibilidade dos compromissos internacionais assumidos e, emmuitos casos, constituem uma garantia para a barganha externa. Emsegundo, porque hoje uma das principais restrições à unilateralidadedas grandes potências está no interior de suas respectivas sociedades.O novo internacionalismo da sociedade civil brasileira e sua participaçãoem redes transnacionais configuram portanto um canal que pode criarespaços de interação e cooperação dentro dessas mesmas sociedades.

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Denilde Holzhacker: Gostaria de agradecer ao convite do Pro-fessor Cardim e da Professora Mônica. Tenho um grande desafio, queé comentar em cinco minutos dois papers muito instigantes, por isso,tentarei ressaltar alguns aspectos relacionados ao tema do seminário:cultura política e política externa.

A incorporação de questões como normas, valores e cultura nasanálises de relações internacionais, por meio da vertente construtivista,ampliou a dimensão cultural nas análises de política externa. Neste con-texto, ressalta-se cada vez mais os aspectos da cultural política na formu-lação da política externa. E sua interface como os atores domésticos.

O primeiro aspecto que irei comentar envolve a visão sobre aliderança brasileira e como será exercida nos próximos anos, pois acre-dito que é um tema presente nas duas apresentações. Acredito que essetema está associado a visão, que o Professor Juan nos apresentou, arespeito das opções estratégicas da Argentina. Já no caso brasileiro,não há um consenso sobre as posições externas do País nos próximosanos e qual o modelo que será adotado. Entretanto, um dos pontoscentrais nas discussões refere-se à sua atuação junto aos países da re-gião, sendo constantemente questionado o quanto sua atuação é pró-ativa ou reativa.

Um outro aspecto que gostaria de ressaltar envolve a atuação denovos atores na agenda da política externa. Concordo com as professorasquanto ao aumento da influência desses atores nos processos da políticaexterna. Juntamente com as modificações domésticas (democratização eabertura dos mercados), o novo cenário internacional criou novos dilemase desafios para a atuação diplomática, que necessitou atualizar sua visãosobre os interesses do país e estimular a participação da sociedade civil.Essa mudança colocou novas questões no relacionamento com a socieda-de, pois no regime democrático aumenta a credibilidade da atuação exter-na da diplomacia, mas diminui sua autonomia com relação ao processo dedecisão de política exterior. Além disso, gostaria de acrescentar as visões epercepções que esses atores têm sobre a atuação externa do Brasil.

Comentários

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Na Argentina são realizadas pesquisas sobre questões externasjunto a opinião pública desde a Guerra das Malvinas (1982). No casobrasileiro é pequena a tradição nesta área, mas um estudo realizado em1998 pelo Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USPbuscou compreender como a sociedade brasileira percebe a atuaçãoexterna brasileira e as relações internacionais de forma geral.

As pesquisas que analisei no Núcleo de Pesquisa em RelaçõesInternacionais mostram que a população percebe a atuação externa bra-sileira de forma estruturada e coerente, e de forma análoga com osprincípios que regem a atuação diplomática do País. As atitudes dapopulação estão associadas às concepções gerais da atuação externabrasileira, como a busca do desenvolvimento do País, uma atuaçãopacifista e voltada para a construção de foros de negociações interna-cionais. No plano econômico uma agenda direcionada para a coopera-ção e a participação de processos em integração regional, principal-mente, o Mercosul.

Na visão da população a prosperidade externa somente seráconseguida se estiver acompanhada de uma política de aumento do po-der internacional, evidenciando dessa forma, a percepção geral da popu-lação sobre o cenário internacional: as relações internacionais são basea-das na capacidade de influência e decisão. Com isso, a prosperidade deveser almejada, mas não se deve desconsiderar melhores condições de po-der e influencia no contexto internacional. Essa visão a respeito do cená-rio internacional reflete-se na avaliação da posição internacional do País,que se divide em dois grupos: o que consideram o Brasil desprovido dequalquer capacidade de influência no cenário internacional, sendo so-mente mais um país sem peso e capacidade de influenciar as decisõesinternacionais; e os otimistas, que se subdividem entre os que acham queatuação brasileira está restrita ao cenário regional e os que a estende parao contexto mundial. Para os pessimistas o não exercício de liderançamostra-se em posição secundária, com pouca influência nos contextosregional e mundial. Nessa perspectiva o Brasil não influencia os proces-sos internacionais e os resultados da sua atuação são bastante limitados,inclusive nos processos de integração regional.

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Nesse caso, a política externa é vista como um instrumento paraa busca do desenvolvimento e do crescimento econômico, sendo que oPaís não deveria atuar em fóruns ou processos que não significarãoresultados imediatos para alcançar tais objetivos. Essa percepção ex-plica em parte as hesitações da população quanto ao grau de apoio nasrelações internacionais e ao exercício da liderança brasileira no Conti-nente. Com isso, observamos atualmente uma influência no grau deapoio nas relações entre Brasil e Argentina, que consequentemente re-flete nas decisões estratégicas dos dois parceiros.

Por outro lado, na sociedade argentina as sondagens de opiniãomostram que há uma expectativa positiva quanto aos benefícios daatuação brasileira. É uma percepção benigna da liderança brasileira, noqual traria maiores ganhos para esses países. De certa forma, se atribuiuma expectativa maior comparada a que observamos na própria socie-dade brasileira.

Outro ponto diz respeito ao relacionamento com os EstadosUnidos. A meu ver a triângulação entre Argentina, Brasil e EstadosUnidos é central. Esse relacionamento possibilita uma melhor compre-ensão das limitações e desafios para os próximos anos, principalmentequando considerarmos as negociações da Alca e suas implicações naspolíticas domésticas dos países. Além disso, as relações com os Esta-dos Unidos envolvem temas que provocam grandes divergências nointerior da sociedade brasileira. E como nos países desenvolvidos, ondeas atitudes e percepções da população são acompanhadas e servem determômetro para o estabelecimento das ações governamentais, no Bra-sil essa é uma tendência natural. Essas discussões envolvem oposicionamento brasileiro no cenário internacional e as prioridades quedevem ser estabelecidas.

Acho que, nesse pouco tempo, era isso que eu gostaria deressaltar.

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Carlos Pérez Llana: Como moderador de esta sesión resulta difícilhacer comentarios, dado que los autores, con rigor poco común,prácticamente han agotado las visiones argentino-brasileñas desde la“perspectiva del otro”.

Respecto del trabajo de Roberto Russell y Juan Tokatlian quisieraintroducir algún comentario respecto de un período muy corto que losautores no abordan y que, en general, la literatura soslaya, me refiero ala gestión externa del período Cámpora.

Sobre esos meses existe una lectura muy asociada a un “veloideológico”. Sin embargo existen dos hechos que conviene destacar,vinculados a la política de alianzas privilegiadas por los responsablesde la política exterior, los mismos autores de las llamadas “PautasProgramáticas”, documento central de la Plataforma electoral de 1973.

El primero alude a las relaciones con el mundo socialista, enparticular con el régimen castrista. La visión clásica de la guerra fríahabía inspirado la política exterior argentina, pero por esos años ladetente observada en el núcleo Este-Oeste de la política internacionalno había sido asumida por la diplomacia argentina, salvo algún pequeñogesto relacionado con la política hacia China Popular. Por esa razón endichas Pautas Programáticas una de las ideas centrales giró en torno acómo maximizar la autonomía nacional aprovechando la nueva agendainternacional.

Cuando se presentó la ocasión de realizar las invitaciones a lasautoridades extranjeras, con motivo de la asunción presidencial, deinmediato surgió el tema Castro. Invitarlo o no invitarlo?. Se sabía queel Presidente de Chile, Salvador Allende, concurriría y muchos sosteníanla necesidad de incorporar a Castro como una forma adicional de envi-ar mensajes hacia fuera y hacia adentro. La decisión de invitar sólo alos jefes de Estado constituyó toda una definición, la presencia delPresidente de Cuba Osvaldo Dorticós fue el expediente encontradopara evitar que la figura de Castro le diera el contenido y el marco a eseacto fundacional de la Casa Rosada.

El segundo hecho está asociado a la política latinoamericanadiseñada por la gestión del Canciller J. C. Puig. Al crearse el Pacto Andino

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se entendió que había que invitar a participar a la Argentina delproyecto subregional. Desgraciadamente la invitación, según relata elex-canciller del Pte. Eduardo Frei, Gabriel Valdes, llegó a Buenos Airesel mismo día que el Pte. Arturo Illía fue derrocado por el golpe militarencabezado por el Gral. Onganía. Ese gesto fue rescatado en los ‘70por quienes entendieron que la agenda autonomizante para la Argenti-na implicaba sumarse a ese emprendimiento. No se trató de unarespuesta al Brasil asociada al litigio por el aprovechamiento de losrecursos hídricos compartidos. Si bien bajo la gestión Puig se denunció,como se prometió en las Pautas Programáticas, el “Acuerdo de NuevaYork” suscripto con el Brasil, debido a que no se ajustaba debidamentea los intereses argentinos, la idea de aproximarse al Pacto Andino seapoyaba en un razonamiento estratégico asociado a las nuevas modali-dades que debía abrazar el proceso de integración regional. Como seadvertirá en momentos que el gobierno de Allende tomaba distanciasdel Pacto Andino, una presencia argentina pudo haber significado uncambio cualitativo en el esquema andino.

En el orden de lo concreto la idea de retomar la relación andino-argentina se esbozó en un primer encuentro, celebrado en Lima conalgunos de los miembros de la Junta de Cartagena en el mes de junio de1973 en la sede de la Embajada de la Rep. Argentina. Entre otras ideasse esbozó allí la posibilidad de nombrar, de inmediato, a un Embajadorargentino ante el propio Pacto y entre quienes más se citaba para esasfunciones era un argentino que había participado activamente en laaprobación de la llamada “Decisión 24”.

Con referencia al trabajo de Monica Hirst y María ReginaSoares de Lima, quisiera introducir, también, dos comentarios. Elprimero alude a lo que allí se afirma, respecto a que en el Brasil el papelpreponderante del Ministerio de Relaciones Exteriores en parte se ex-plica por la despreocupación de la sociedad y de la clase política entodo lo referido a las cuestiones externas (en concreto la política exteriorno da votos).

El caso argentino me parece que es un poco diferente. Si bienen las campañas electorales el tema externo no ha sido relevante, comopor lo demás ocurre en todo el mundo, esa temática está muy presente

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en el debate permanente. Para ello basta recordar la presencia históricade los hechos vinculados, en el siglo XIX, a la Guerra del Pacífico y a laGuerra del Paraguay. Muchos políticos adoptaron posiciones destaca-das, tal vez las más recordadas a favor del Perú. Mientras que la Guerradel Paraguay conformó toda una polémica asociada al esquema de po-der de la época.

En el siglo XX, la Guerra del Chaco, que tuvo al cancillerSaavedra Lamas como protagonista diplomático destacado; la actitudargentina en la I y II Guerra Mundial; fueron el centro de debates quetodavía dejan sentir sus ecos. Más cerca, la guerra de Malvinas tambiénsignificó un punto de ruptura imposible de soslayar, que todavía im-pregna algún rincón del imaginario colectivo de los argentinos. Por esarazón en este punto se destacan algunos matices que resulta necesarioincluir en toda lectura comparada.

El segundo hecho se vincula con la naturaleza del Estado. En elBrasil el peso de los Estados no guarda relación con el peso históricode las provincias argentinas. En la Argentina los temas internacionaleshistóricamente pasaron “por el puerto”, de manera que fue muy reducidoel espacio donde estos temas fueron debatidos. En general puedeafirmarse que la agenda externa argentina estuvo en manos de pocagente y una vez que esa gente decidió la cuestión se cerró. En el casodel federalismo brasileño el tema es diferente y las consecuencias sehan hecho sentir en tiempos muy presentes, por ejemplo en las diferen-tes sensibilidades que se advierten en torno al Mercosur.

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