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Revista Brasileira de Segurana Pblica | Ano 4 Edio 6 Fev/Mar 2010114
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ResumoO artigo faz uma breve anlise sobre as novas demandas que passam a congurar o papel da escola, notadamente em
comunidades violentas, discutindo a questo por meio de um estudo de caso e apontando que no se deve raticar
um preconceito do senso comum que arma serem os jovens um problema. Os jovens das periferias violentas dasgrandes cidades brasileiras enfrentam muitos desaos que os impedem de exercer sua cidadania. Portanto, a funo
das polticas pblicas, incluindo a escola pblica, auxili-los para que eles possam vencer os obstculos e usufruir
plenamente seus direitos de cidados.
Palavras-ChaveViolncia e criminalidade. Escola e violncia. Polticas pblicas de preveno criminalidade. Delinquncia juvenil.
Robson Svio Reis SouzaRobson Svio Reis Souza lsofo (PUC-Minas), especialista em estudos de criminalidade e segurana pblica (UFMG),
especialista em teoria e prtica da comunicao social (USF/SP), mestre em Administrao Pblica Gesto de Polticas
Socais (EG/FJP), pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurana Pblica (UFMG), professor da PUC-Minas,
coordenador do Ncleo de Estudos Sociopolticos (Nesp/PUC-Minas) e coordenador do Ncleo de Direitos Humanos (Proex/
PUC-Minas).
ngela Maria Dias Nogueira Souzangela Maria Dias Nogueira Souza pedagoga (UFMG), especialista em polticas pblicas para a juventude (PUC-Minas) e
supervisora metodolgica do Programa Fica Vivo da Superintendncia de Preveno Criminalidade, da Secretaria de Estado
de Defesa Social de Minas Gerais.
Juventude e violncia: novasdemandas para a educao e a
segurana pblicas
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J u v e n t u d e e v i o l n c i
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Aviolncia no Brasil, em especial a
criminalidade violenta,1 cresceu mui-
to nos ltimos anos. Vrios estudos tm com-
provado, sistematicamente, que os jovens so
as maiores vtimas deste tipo de violncia. A
escassez de polticas pblicas destinadas a esse
segmento populacional, um grande nmero de
armas disponveis (e sem controle do Estado) e
o adensamento do trco de drogas, principal-mente nas perierias das grandes cidades, so a-
tores que contribuem para a vitimizao juvenil.
Esses ingredientes articulados respondem por
altas taxas de letalidade desta populao.2
Fernandes (2004) corrobora o argumento
de que os jovens esto entre as principais v-
timas da violncia no Brasil e as taxas de vi-
timizao desse grupo, nas grandes cidadesbrasileiras, esto entre as mais altas do mundo.
O autor ainda acrescenta outro dado: a baixa
escolaridade desses jovens.3
A violncia atinge todas as camadas sociais.
Foi o que demonstrou, por exemplo, uma pes-
quisa de vitimizao eita pelo Centro de Es-
tudos de Criminalidade e Segurana Pblica
(Crisp/UFMG), em Belo Horizonte, em 2002.A pesquisa apontou que a cidade era a capital
brasileira onde as pessoas se sentiam mais inse-
guras. A populao de BH sore com a violn-
cia objetiva, que chamamos de violncia real,
e com a violncia subjetiva, que chamamos de
violncia sentida.4
Segundo Soares (2004, p. 131), para com-
preender a questo da violncia, necessrio
contextualiz-la, de acordo com o tempo, a his-
tria, a poltica e a cultura local da sociedade.
Vrias so as matizes da criminalidade e suas
maniestaes variam conorme as regies do
pas e dos estados. O Brasil to diverso que
nenhuma generalizao se sustenta. Sua mul-
tiplicidade tambm o torna reratrio a solu-es uniormes.
Silva (2004, p. 292) aponta outro elemen-
to para a discusso da violncia urbana, o que
denomina de sociabilidade violenta. Ele
acredita que a violncia urbana no simples
sinnimo de crime comum e nem de violncia
em geral.
Trata-se, portanto, de uma construo simb-lica que destaca e recorta aspectos das relaes
sociais que os agentes consideram relevantes,
em uno dos quais constroem o sentido e
orientam suas aes.
Na compreenso deste autor, a sociabilida-
de violenta aeta mais especicamente os mo-
radores das avelas, em virtude da orma urba-
na tpica desses locais,em geral muito densos e com traados virios
precrios, dicultando, o acesso das pessoas
que no esto amiliarizadas com eles e, por-
tanto, avorecendo o controle pelos agentes
que lograrem estabelecer-se neles (SILVA,
2004, p. 24).
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Observa-se que Silva (2004) chama a aten-
o para processos simblicos subjacentes
s relaes intersubjetivas violentas. Porm,
Misse (1999) apresenta alguns contrapontos
acerca desse enoque. Especicamente sobre o
tema da sociabilidade violenta, o autor ar-ma que a criminalidade urbana no seria o me-
lhor lugar para denir essa sociabilidade:
como melhor no se deixar enganar pela
ponta do iceberg, seria melhor investir nas ra-
turas da sociabilidade anteriormente alcanada
(anos 30 70), principalmente na relao dos
ricos com a sociedade abrangente. O crescen-
te echamento da sociabilidade cotidiana entre
ricos e classe mdia e entre estes e a massa depobres (indicada pela ausncia de reas comuns
de encontros sociais interclasses ou pela segre-
gao cada vez maior) parece mais promissora.
Anal a sociabilidade violenta depende da ob-
jetalizao do outro (MISSE, 1999, p. 12).
Acrescentem-se a essas pontuaes dados
de uma pesquisa divulgada em agosto de 2009
pelo Laboratrio de Anlise da Violncia daUniversidade Estadual do Rio de Janeiro (em
parceria com o Unice, a Secretaria Especial
dos Direitos Humanos da Presidncia da Re-
pblica e a organizao no-governamental
Observatrio de Favelas).5 Este levantamento
projeta que o nmero de mortos na aixa et-
ria entre 14 e 19 anos chegar a 33.504 entre
2006 e 2012, sendo que metade desses crimes
acontecer nas capitais. A chance de um jovem
morrer por arma de ogo trs vezes maior na
comparao com outras armas.
Ainda de acordo com a pesquisa, a mdia
de adolescentes assassinados no Brasil antes
de completarem 19 anos de 2,03 para cada
grupo de mil. O nmero preocupante, dado
que, numa sociedade pouco violenta, essa taxa
deveria apresentar valores prximos de zero.
O estudo eito em 267 municpios brasi-
leiros com mais de 100 mil habitantes revela,tambm, a disparidade entre as condies de
segurana nas dierentes regies do pas. Em
34% dos municpios pesquisados, o IHA
ndice de Homicdios na Adolescncia oi in-
erior a um adolescente assassinado para cada
grupo de mil. Cerca de 20% das cidades obti-
veram valores superiores a trs jovens mortos
por mil habitantes. Signica que, em tese, um
em cada 500 adolescentes brasileiros ser assas-sinado antes de completar 19 anos.
Tendo como reerncia o ano de 2006, o
municpio com o pior resultado oi Foz do
Iguau (PR), onde o IHA era de 9,7. Minas
Gerais ocupava o segundo lugar no ranking,
com Governador Valadares registrando um n-
dice de 8,5 adolescentes mortos para cada gru-
po de mil. Betim, Ibirit, Contagem e Ribeirodas Neves, cidades da Regio Metropolitana
de Belo Horizonte, tambm guraram entre
os 20 municpios com maiores indicadores de
mortalidade de adolescentes.
Entre as capitais, Macei e Recie lideravam
o ranking de homicdios entre adolescentes,
ambas com uma mdia de 6,0 jovens mortos
por mil, mas as taxas de homicdios de ado-
lescentes nas regies metropolitanas do Rio de
Janeiro e Belo Horizonte oram consideradas,
pelos pesquisadores, muito altas.
Por m, o estudo mostra que a probabilida-
de de ser vtima de homicdio quase 12 vezes
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maior para homens, que a populao negra a
que mais sore com a violncia e que o risco de
um jovem negro morrer assassinado 2,6 vezes
maior em relao a um branco.6
Levando em conta outros indicadores queapresentam concentrao de mortes na ai-
xa etria de 14 a 29 anos, como, por exem-
plo, as mortes de jovens no trnsito, pode-se
concluir que o Brasil tem uma dvida social
enorme para com os adolescentes e jovens.
Somente 26% das mortes dos adolescentes
so por causas naturais, enquanto os outros
74% derivam de mltiplos atores aciden-
tes, brigas banais, ao policial inadequada,envolvimento com o trco de drogas, exclu-
so social (SOUZA, 2009).
Alguns pesquisadores, como Soares (2004),
Fernandes (2004) e Beato Filho e Souza
(2003), deendem que as polticas pblicas de
enrentamento violncia devem ser dirigidas
populao jovem dos bairros mais pobres.
Apesar de argumentarem que no h relaodireta entre pobreza e criminalidade, estudio-
sos armam que alguns atores existentes nes-
tes locais contribuem para o aumento da vio-
lncia, tais como desemprego, trco de armas
e drogas e alta de polticas pblicas nas reas
de educao, sade, lazer e servios de apoio
s amlias.
Os bairros pobres, por sua vez, cheios de re-
cursos humanos e culturais, ativos no trabalho
e no consumo, cada vez mais cientes de seus
direitos, so, contudo, carentes de bens pbli-
cos e de capital social. Tornam-se consequen-
temente mais vulnerveis ao crescimento de
domnios armados paralelos (FERNANDES,
2004, p. 262).
Porm, Arroyo (2004) az um alerta: antes
de condenar os jovens necessrio compreen-
der a sociedade na qual esses jovens vivem. As
violncias praticadas por crianas, adolescentes
e jovens assustam a sociedade porque incomo-
dam o imaginrio pessoal e social.No o lcus onde se d a violncia que nos
assusta, mas os sujeitos. Esses sujeitos inan-
tis. Ver e conviver com adultos violentos
normal. Pais violentos, companheiros vio-
lentos, chees de governo e de Pentgonos
usando a violncia preventiva, matando ino-
centes ou pr-culpados sem julgamento...
Tudo de acordo com a moral dos adultos.
Porm, crianas violentas onde estiverem,em casa, na rua, nas escolas assustador e
ameaador. No porque ameacem mais do
que os adultos, mas porque ameaam os
imaginrios sociais, coletivos, pedaggicos
e docentes sobre a inncia-adolescncia
(ARROYO, 2004, p. 4).
Este autor considera importante vencer a
concepo dualista de anjos e capetas que setem sobre as crianas, adolescentes e jovens,
pois este paradoxo impede de enxerg-los
como sujeitos reais, com complexas trajet-
rias existenciais.
Juventudes: breves consideraes
Para compreender o conceito de juventude
importante analis-lo em um contexto hist-
rico e sociocultural, considerando os aspectos
econmicos, as transormaes sociodemogr-
cas, a classe social e as caractersticas daqueles
que no so jovens no campo das interaes
sociais, ou seja, os enmenos caractersticos
da sociedade em geral (ARCE, 1999).
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Segundo Aris (apud PERALVA, 1997),
a cristalizao social das idades oi propiciada
pelas transormaes no mbito da amlia, da
escola e do trabalho. Com a separao entre
o espao amiliar e o mundo exterior, a crian-
a torna-se objeto de um projeto educativo desocializao que requer tambm a excluso no
mundo do trabalho. Apesar do termo inn-
cia ter sido reconhecido em outros tempos e
sociedades como objeto da ao educativa, o
vnculo social entre as idades uma congura-
o prpria da experincia moderna.
Para Eisenstadt (apud ABRAMO, 1997), o
conceito ternrio do ciclo de vida (inncia, ju-ventude e ase adulta) universal. Porm, cada
sociedade tem um modo especco de denir
essas etapas e lhes conerir signicados pr-
prios, que nem sempre resultam na constitui-
o de grupos etrios homogneos. Isto ocorre
nas sociedades modernas que so regidas por
valores universalistas, nas quais a socializao
da amlia no suciente para a integrao
do indivduo na sociedade. Nestas sociedades,a transio para a vida adulta dicultada por
vrios atores: diviso do trabalho, especializa-
o econmica, segregao da amlia e apro-
undamento dos valores universalistas.
A condio juvenil oi representada primei-
ramente pelas classes altas. As expresses juvenis
das classes populares no eram reconhecidas en-
quanto movimentos juvenis. Jovens das classes
populares eram denominados de delinquentes
desocupados e trabalhadores. Foram as trans-
ormaes do sculo XX, tais como crescimento
populacional, urbanizao, crescimento econ-
mico do ps-guerra, expanso e decadncia da
classe mdia, desenvolvimento dos meios de
comunicao e segregao socioespacial, que
zeram emergir a juventude da classe mdia e,
posteriormente, a juventude das classes popula-
res dos bairros pobres e das avelas.
A ideia de classe desviante, identicadacom os (jovens) pobres, ganhou um novo con-
torno, passando a ser um problema de toda
uma gerao (dos jovens pobres e ricos). Aos
poucos, a sociedade passa a aceitar com cer-
ta normalidade os dilemas de uma juventude
crtica, portadora de transormaes, capaz de
transormar idealismo em realismo e romper
com as estruturas sociais vigentes.
Para compreender a juventude do sculo
XXI, necessrio desconstruir este modelo de
juventude idealizado pelo mundo adulto bur-
gus, orjado a partir do projeto iluminista,
servindo-se do discurso evolucionista. Con-
temporaneamente, as transormaes geradas
pela experincia com o tempo e o espao con-
triburam para que novas ormas da juventude
se zessem visveis e presentes, principalmenteno campo da cultura.
Herschmann (1997) aponta que a juven-
tude contempornea ruto de uma socieda-
de que convive com a ragmentao e a plura-
lidade, refexo do processo de modernizao
causado pelo capitalismo globalizado. O autor
arma que no Brasil, nestes ltimos tempos,
aconteceram vrias mudanas culturais, ru-
to da insatisao da sociedade com a social-
democracia que no conseguiu cumprir com
dois de seus objetivos undamentais: a eeti-
vao da cidadania e a melhoria das condies
de vida da populao. A alta de projetos na-
cionais com propostas capazes de responder
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aos anseios dos jovens das classes populares
levou-os a se limitarem nos seus espaos de
invisibilidade, tornando-os, do ponto de vista
da sociedade, sujeitos de identicao este-
reotipada e condenatria.
Porm, esse contexto social possibilitou
o surgimento de um tipo de estrutura que
aproxima cidadania, comunicao de massa e
consumo. Este processo de homogeneizao/
ragmentao resultado da dinmica cultu-
ral contempornea, desencadeada pelo capita-
lismo transnacional e pela impossibilidade de
realizao das utopias modernas. Isto no sig-
nica o m do social e do poltico, mas a cons-truo de algo novo em um contexto no qual
as dierenas e os processos de homogeneizao
se encontram em negociao permanente.
Ofunke o hip-hop so exemplos dessa rag-
mentao/pluralidade. Os integrantes destes
movimentos ocupam uma posio marginal
e, ao mesmo tempo, central na cultura bra-
sileira e, embora estigmatizados e excludos,esto em sintonia com a era da globalizao.
Eles conseguem visibilidade e representao
num terreno demarcado, paradoxalmente,
pela excluso e integrao, sendo, portanto,
espaos de ressignicao dos jovens das peri-
erias e das avelas.
Finalmente, h que se considerar a com-
plexidade de se construir um conceito de
juventude que seja capaz de abranger toda a
sua heterogeneidade. Neste sentido, Sposito
e Carrano (2003) e Dayrell (2005) preerem
trabalhar com uma noo de juventude na
tica da diversidade, utilizando o termo no
plural, ou seja, juventudes terminologia
tambm contestada por alguns estudiosos,
pela impreciso do termo e simplicao da
heterogeneidade juvenil.
A juventude constitui um momento deter-
minado, mas no se reduz a uma passagem,
assumindo uma importncia em si mesmo.Todo esse processo infuenciado pelo meio
social concreto no qual se desenvolve e pela
qualidade das trocas que este proporciona
(DAYRELL, 2005, p. 34).
As questes da juventude entraram para
a agenda social no Brasil enquanto poltica
pblica nos ltimos anos (CAMARANO;
MELLO, 2006), devido, principalmente, aotemor da exploso demogrca. Nota-se que
quase 30% da populao brasileira encon-
tra-se na aixa etria entre 14 e 20 anos. E
neste contexto,
novas questes oram sendo adicionadas ao
debate sobre juventude, tais como: instabilida-
de e precariedade na insero para o mercado
de trabalho, instabilidade das relaes aetivas,
violncia nas grandes cidades, taxas crescentes
prevalentes sobre a mortalidade por doenas se-
xualmente transmissveis, em especial a AIDS
(CAMARANO; MELLO, 2006, p. 13).
Para estes autores, a discusso em torno
da juventude ainda caracterizada por temas
negativos, o que levou a uma centralizao da
crise social nos jovens. Esta concentrao de
alguma orma se refetiu no nal da dcada de
1990 e incio dos anos 2000, quando come-
aram a surgir os programas voltados para a
populao jovem, envolvendo vrias entidades
da sociedade civil em parceria com o poder
Executivo nos trs nveis de governo (ederal,
estadual e municipal), numa tentativa de se
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criarem polticas pblicas para esta populao
(SPOSITO; CARRANO, 2003).
Programa Fica Vivo: um trabalho
articulado em redeEm 2002, a partir de uma anlise detalhada
da criminalidade em Belo Horizonte, iniciou-se,
sob a coordenao do Crisp, uma discusso para
a construo de uma metodologia de trabalho,
visando reduzir os homicdios entre os jovens de
14 a 24 anos de idade, das regies mais violen-
tas de Belo Horizonte. Foi elaborado, ento, o
projeto de Controle de Homicdios, denomi-
nado posteriormente de Fica Vivo, com aesde preveno ocalizada e represso qualicada,
por meio do mtodo de solues de problemas.
Este projeto iniciou-se, como experincia-
piloto, no Aglomerado do Morro das Pedras,
na regio oeste de Belo Horizonte, e oi insti-
tucionalizado pelo governo de Minas Gerais,
em 2003, que o elevou condio de poltica
pblica, pelo Decreto no 43.334/03.
O programa atua com dois nveis de ao:
interveno estratgica e proteo social. Esta
ltima prioriza sua atuao na mobilizao co-
munitria, na articulao dos servios locais e
no atendimento aos jovens.7
So priorizadas as aes de mobilizao e arti-
culao dos grupos de diversas reas educao,
sade, esportes, cultura, assistncia social, asso-
ciaes e moradores da comunidade , para que
eles contribuam com aes de preveno crimi-
nalidade de orma mais organizada e sistemtica.
A proposta que estas rentes de trabalho possam
criar possibilidades para que os jovens construam
uma alternativa de vida que no seja pelas vias da
violncia. O trabalho de mobilizao comunitria
tem como diretriz a busca de solues coletivas
para os problemas da criminalidade local.A partir
da interao entre agentes diversos, cria-se uma es-
trutura de rede que possibilita a potencializao derecursos, equipamentos e iniciativas sociais.
O principal objetivo do programa dialogarcom os jovens envolvidos com a criminalidade e,
dessa orma, construir aes possveis de incluso
nas instituies responsveis pela execuo de po-
lticas pblicas que lhes so de direito: educao,
sade, incluso produtiva, lazer, esporte, etc.
O trabalho com os jovens realizado pelos
ocineiros e tcnicos (do programa) por meio
da execuo de ocinas, projetos locais, aten-
dimentos psicossociais, encaminhamentos e
acompanhamentos diversos.
Alm do trabalho com os jovens, so propos-
tas a articulao comunitria e a criao de redes
locais de proteo social (com escolas, postos desade e demais projetos). Para alcanar os resul-
tados, o programa realiza reunies e debates com
a comunidade local para discutir sobre os pro-
blemas enrentados pelos jovens na conquista de
seus direitos e divulgar as aes positivas, princi-
palmente ligadas produo cultural (geralmen-
te vista pelas as comunidades locais e a sociedade
em geral como algo sem valor uma cultura su-
balterna que no merece reconhecimento).
Breve estudo de caso: como a escola
lida com a violncia?
Durante a implantao do programa, os
prossionais dos Ncleos de Preveno Cri-
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minalidade (do Fica Vivo) procuram conhecer
e dialogar com os jovens, com a comunidade e
com as instituies, construindo um diagnstico
sobre a dinmica da violncia local. Vericam,
tambm, como essas instituies lidam com a
questo da violncia e com os jovens inratores.
Aps este diagnstico inicial, as instituies
e lderes comunitrios so convidados para
participarem do curso de Gestores Locais de
Segurana, que um importante instrumen-
to de dilogo entre as instituies e a comu-
nidade. Esta capacitao tem como objetivo a
discusso sobre a nova concepo de segurana
pblica, visando reconhecer a segurana comoum direito de todos, ou seja, como responsa-
bilidade do Estado e de toda a sociedade e no
somente caso de polcia. Objetiva-se, tam-
bm, entender as questes de violncia na sua
amplitude e complexidade, para que se possa
problematizar a criminalidade local e, a partir
dessas discusses, sensibilizar a comunidade e
os representantes das instituies locais para
participarem das aes do programa. No naldo curso construdo o Plano Local de Se-
gurana, contendo as aes conjuntas cons-
trudas coletivamente pela comunidade, insti-
tuies parceiras e prossionais dos ncleos de
preveno.
Um dos objetivos do programa Fica Vivo
incluir os jovens envolvidos com a crimina-
lidade nas polticas pblicas locais. Especi-
camente com as escolas, a proposta de sen-
sibilizao para que estas instituies pblicas
acolham os jovens que se encontram exclu-
dos do sistema de ensino, na sua maioria por-
que se envolveram com algum problema de
indisciplina e/ou violncia.
Apresenta-se, a seguir, uma anlise sinttica
do trabalho de interveno em uma escola lo-
calizada numa rea onde unciona o Ncleo de
Preveno Criminalidade, da regio do bair-
ro Ribeiro de Abreu, em Belo Horizonte.
Para trabalhar em parceria com as escolas,
os prossionais do programa lanam mo das
teorias de Bernard Charlot sobre a violncia
na escola, porque, alm de trabalhar concei-
tos undamentais, o autor delineia como o
problema pode ser enrentado.
Charlot (2005) distingue as vrias ormas de
maniestao da violncia no ambiente escolar.8Assim, o termo violncia na escola reere-se s
violncias que acontecem dentro da instituio
escolar, mas no esto ligadas s suas atividades,
tais como roubos, invases e acertos de contas
por grupos rivais. Neste caso, a escola apenas
um local onde a violncia ocorre. J a violncia
escola aquela ligada natureza e s atividades
da instituio educacional. Ela acontece quando
os alunos provocam incndios e agridem os pro-essores, por exemplo, ou seja, a violncia contra
a instituio ou o que ela representa. Deve-se,
ainda, considerar a violncia da escola, ou seja,
a violncia institucional simblica: como a ins-
tituio escolar dene, por exemplo, os modos
de composio das classes, as ormas discricio-
nrias de atribuio de notas, etc.
Para este autor, a escola possui grande mar-
gem de ao em relao s violncias da e es-
cola. Porm, se a instituio tem poucos recur-
sos para solucionar os problemas de violncia
que no esto ligados s atividades da institui-
o, ou seja, se a violncia vem de ora, ela deve
buscar auxlio de outras agncias pblicas.
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Tendo como ulcro essas distines, re-
tomemos o caso em anlise. Apesar do con-
vite a todas as instituies escolares para
participarem do curso de gestores, repre-
sentantes de uma escola da regio no par-
ticiparam de nenhum dos encontros. Coin-cidentemente, esta instituio oi muito
citada pela comunidade e pelos jovens por
apresentar vrios relatos de violncia. Isto
exigiu da equipe do Ncleo de Preveno
Criminalidade local uma estratgia para
incluir a escola nas discusses e aes de
preveno (da violncia local).
Foram eitas vrias reunies com os jovens,proessores, comunidade e direo da institui-
o, com o objetivo de entender o problema
da violncia na escola e elaborar estratgicas de
aes conjuntas, que pudessem ser executadas
pelos prossionais da educao, comunidade,
parceiros e pelos tcnicos responsveis pelas
aes do programa na regio.
Os pais e alunos relataram que a escola eraum caos. Citaram alguns casos de desordem,
tais como alta de luz, de merenda, de gua,
de proessores, de material didtico, alm de
constantes atos de desrespeito entre alunos e
proessores, alunos portando armas e drogas,
roubos, assaltos e at a exploso de uma bomba
no interior da instituio.
Os alunos comentaram que os proessores da-
vam aulas somente no dia que eles deixavam.
Os proessores no tm autoridade, porque
quem manda na escola so alguns alunos que
manipulam os colegas e os proessores. O pro-
essor az de conta que est tudo bem e toca o
barco. Os proessores sabem que eles so tra-
cantes e preerem no criar nenhum tipo de
atrito com eles (Depoimento de alunos).
De posse das opinies dos pais e dos alu-
nos, os tcnicos do programa Fica Vivo pro-
moveram reunies com os prossionais da es-cola para ouvir a verso de todos os envolvidos
e elaborar um plano de ao.
Os prossionais de educao (da escola)
relataram que a instituio era boa, mas de-
pois de algumas invases9 que aconteceram na
regio prxima escola, os proessores perde-
ram o controle.
Os proessores relataram muitos casos de
violncia dentro e ora da escola, principal-
mente nos perodos da manh e tarde, quan-
do unciona o ensino undamental, tais como
alunos que usam e tracam drogas e tambm
usam armas de ogo (dentro da escola). Falaram
de alunos que esto marcados para morrer,
que roubam e matam e continuam indo para
a escola sem sorer nenhuma punio. Essescomentrios so divulgados dentro da escola
com certo receio e envoltos de mistrios, pois
as inormaes precisas ningum as tm. Isso
aumenta a sensao de insegurana, cada vez
maior para os prossionais da educao, que
se sentem impotentes diante dos problemas a
serem enrentados.
Ainda segundo o relato dos prossionais
da educao, os alunos dos programas sociais10
s vo escola porque so obrigados.
Alguns so usurios de drogas e esto envolvi-
dos com o trco; tambm alguns pais espan-
cam seus lhos e os jogam dentro da escola,
porque precisam da requncia dos lhos es-
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a : n o v a s d e m a n d a s p a r a a e d u c a o e a s e g u r a n a p b l i c a s
cola para continuar recebendo auxlio dos pro-
gramas sociais (Depoimento de proessores).
Em alguns casos a escola chama os pais, a
polcia ou o Conselho Tutelar. Mas, segundo
os educadores, essas agncias no sabem o queazer com os adolescentes violentos, principal-
mente os usurios de drogas e os que so vio-
lentados pela amlia.
Para os proessores, as causas dos problemas
na escola eram: carncia (material) das am-
lias; desestruturao amiliar; e violncia lo-
cal. No turno da manh, segundo o relato dos
educadores, havia alguns alunos que usavamtinner e, na maioria das vezes, tornavam-se
muito agressivos e sem condies de requen-
tar as aulas.
A escola no contava com o apoio e a parti-
cipao das amlias. As providncias que a es-
cola tomava, quando havia casos de violncia,
era chamar a me que, muitas vezes, tambm
estava alcoolizada ou drogada. A polcia eraacionada, mas tambm no resolvia o proble-
ma e o Conselho Tutelar, quando comunica-
do, no comparecia.
Os educadores citaram a escola como pon-
to de encontro dos jovens, que azem o que
querem l dentro, mas a escola no pode azer
nada porque os alunos tm direitos e no po-
dem ser expulsos.
Analisando a violncia escolar
Considerando o resultado de pesquisas so-
bre violncia nas escolas, como a realizada pelo
Crisp entre 2003 e 2004, pode-se perceber,
pelas caractersticas dos locais onde as mais
dierentes escolas pblicas ou privadas se
encontram, que sinais sicos ou sociais de de-
sordem, bem como a presena de agentes que
produzem desordem esto associados re-
quncia de depredao e outros eventos de viti-mizao. Portanto, a violncia est muito mais
relacionada desorganizao social do que s
desvantagens econmicas.
[a violncia nos estabelecimentos escolares]
reere-se s caractersticas dos locais onde as es-
colas se encontram. Observou-se que as regies
que apresentam sinais de desordem, bem como
a presena de agentes que a produzem esto as-
sociadas percepo que os alunos constroemacerca dos nveis de segurana, do mesmo modo
como ocorre na sociedade como um todo. Nes-
te sentido, se a escola pouco pode azer no que
se reere s caractersticas de sua vizinhana
possvel sua aproximao com as comunidades,
o que ir preserv-las de eventos violentos. Sa-
be-se que o sentimento de pertencimento a ins-
tituies, assim como o sentimento de que de-
terminada instituio participa da composio
de uma comunidade leva a um maior vnculo
entre elas. Disponibilizar as escolas para que
membros da comunidade externa possam se
associar politicamente, ou usar seu espao para
eventos de lazer pode trazer bons resultados,
mesmo nas reas com presena mais intensa de
sinais de desordem. Outro ponto positivo a
participao eetiva de pais e alunos em ativi-
dades extracurriculares, assunto exaustivamente
levantado pelos diretores de instituies de ensi-
no (CRISP, 2004).
Outro ponto de destaque na reerida pesqui-
sa sobre as consideraes acerca da pertinncia
de relaes de parceria entre escolas e comuni-
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dades, independente de se tratar de escolas p-
blicas ou privadas. Neste contexto, disponibili-
zar as escolas para que membros da comunidade
(externa) possam se associar politicamente, ou
usar seu espao para eventos de lazer, pode tra-
zer bons resultados, mesmo nas reas com pre-sena mais intensa de sinais de desordem.
No so exclusivamente os eventos violen-
tos que aetam a percepo da violncia pelos
alunos. As percepes da violncia prejudicam
o comportamento de todas as pessoas. Nesse
sentido, essa percepo pode ser aetada quan-
do o cidado toma conhecimento de um even-
to de criminalidade ou quando vtima dele;ou seja, no apenas o crime, mas tambm
o medo que infuencia os comportamentos,
atitudes e tomadas de decises. Desse modo,
quando a pesquisa aponta que quase 90% dos
alunos (de instituies pblicas e/ou privadas)
viram ou ouviram alar de desentendimentos
ou xingamentos nas escolas e quase 70% vi-
ram ou ouviram alar de arruaas nos estabele-
cimentos, no oram contabilizados os eventosem si, mas sim o percentual de indivduos que
tomaram conhecimento desses eventos.
No caso da escola em anlise, os proesso-
res relataram que a deteriorizao do ensino
comeou aps os atos de violncia dentro da
instituio. Eles relacionam este enmeno
entrada de alguns alunos de amlias que pas-
saram a residir em uma rea invadida, prxima
escola. Percebe-se, nestas colocaes, uma
diculdade dos prossionais da instituio
em considerar os novos alunos (que passaram
a residir naquele espao) sujeitos de direitos;
portanto, um pblico a ser atendido pelas po-
lticas sociais locais, inclusive a educao.
Uma anlise mais apurada leva-nos a crer
que no oram os alunos pobres que passaram
a morar na comunidade os responsveis pelo
aumento da violncia escolar, como acredita-
vam os proessores. Na poca, como indicam
as pesquisas anteriormente citadas, havia umadensamento da criminalidade violenta em v-
rias reas, incluindo o local onde se encontra
essa escola. Reerindo-se a Schilling (2004),
a violncia quebra os discursos que estavam
prontos, arranjados, arrumados, ou seja, a
violncia instaura um questionamento sobre
as nossas certezas e introduz o caos onde tudo
parecia regido pela normalidade, exigindo a
criao de uma nova ordem capaz de lidar comestas novas linguagens.
Quando se analisam as escolas com altos n-
dices de violncia, verica-se uma situao de
orte tenso. Os incidentes so produzidos neste
undo de tenso social e escolar, em que um pe-
queno confito pode provocar uma exploso. As
ontes de tenso podem estar ligadas ao estado
da sociedade e do bairro, mas dependem tam-bm da articulao da escola com este pblico e
suas prticas de ensino (CHARLOT, 2005).
Segundo Velho e Alvito (2000), as mudan-
as ocorridas com a globalizao aetaram os
cdigos de valores, principalmente as expec-
tativas de reciprocidade com a diuso dos
valores ligados ao individualismo e impesso-
alidade. Esses novos valores convivem hoje
com os velhos cdigos, baseados na hierarquia
e clientelismo que a sociedade moderna no
conseguiu extinguir. Mas com um agravante:
em relao s crianas, adolescentes e jovens
brasileiros pobres, no temos as garantias de
vrios direitos sociais ator primordial numa
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a : n o v a s d e m a n d a s p a r a a e d u c a o e a s e g u r a n a p b l i c a s
sociedade democrtica. Em qualquer cultura
e/ou sistema social, necessrio que haja uma
noo compartilhada de justia, entendida
como um conjunto de crenas e valores que di-
zem respeito ao bem-estar individual e social.
Sem o estabelecimento mnimo desses valores,corre-se o risco da anomizao da vida social.
Chamou ateno o ato de o ensino unda-
mental ser citado como o perodo que apresen-
ta os maiores problemas de violncia. Segundo
pesquisa do Observatrio de Favelas,11 a maioria
dos adolescentes (57,4%) ingressou na atividade
do trco entre os 13 e os 15 anos e, em alguns
casos (7,8%), a entrada ocorre antes dos 12 anos,ou seja, em plena inncia. Portanto, justamen-
te nesta aixa de idade que os alunos apresentam
mais diculdades para se inclurem no ambiente
escolar. poca de confito entre conciliar as ati-
vidades do trco com as atividades da escola.
bem provvel que aps este perodo muitos deles
optam pelo trabalho no trco e deixam a escola.
Observa-se, nos relatos dos prossionais daeducao, que no existe uma interlocuo da
escola com outros rgos que trabalham com
crianas e adolescentes. Os proessores alam
tambm que no se qualicaram para trabalhar
com esses adolescentes que do muito traba-
lho na escola. Nesse sentido, Arroyo (2000)
arma que o conhecimento para lidar com
problemas de convivncia com os jovens no
adquirido nas aculdades, mas sim aprendido
no dia-a-dia, com a inncia e a adolescncia
que trabalhamos. Os educadores das escolas
tm muito a aprender com a pluralidade de
aes pedaggicas dos projetos sociais:
Esses prossionais aprenderam no convvio
com a inncia negada e roubada... Foram
reeducados pela inncia com que convivem.
No por compaixo para a sua barbrie e mi-
sria, mas porque vo descobrindo as outras
imagens de resistncias mltiplas, de valores e
de tentativas. Resistncias eitas de brotos de
humanismo onde o olhar atento v processosormadores. Resistncias dos excludos que po-
dem azer retomar brotos de humanismo nos
seus educadores (ARROYO, 2000, p. 251).
A orma como os proessores (da escola em
anlise) apresentam as diculdades parece ser
refexo de uma relao burocratizada e hierar-
quizada, na qual os prossionais constroem
um crculo vicioso autojusticado, colocando-se como vtimas desse sistema que no uncio-
na, cando dicil a redenio de responsabi-
lidades que um trabalho de ao coletiva,
de esprito de equipe.
Muitas vezes, uma relao cmoda que se
maniesta nas queixas de vitimizao. Vale lem-
brar Paulo Freire, para quem o ato de educar
exige do educador, alm do comprometimen-to, a convico de que a mudana possvel e a
compreenso de que a educao em si j uma
orma de interveno no mundo.
No se trata aqui de minimizar ou negar
os problemas enrentados pelos proessores no
cotidiano escolar. Eles so graves e precisam ser
trabalhados. Porm, possvel encontrar alter-
nativas para a soluo dos eventuais problemas
quando os prossionais da educao se colo-
cam como sujeitos responsveis pelos proces-
sos educativos dos alunos.
Trabalhando de orma isolada, a escola no
encontrar solues possveis e ainda correr o ris-
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co de entrar num crculo vicioso de perpetuao
da lgica criminolgica instaurada, que poder
transorm-la em vtima desta criminalidade vio-
lenta. Os problemas da violncia so complexos e
nenhuma instituio sozinha poder resolv-los,
sendo necessrio um trabalho em rede, em quecada instituio dar a sua contribuio.
Os prossionais da educao, ao entende-
rem que a amlia e a escola so as instituies
mais importantes, seno as nicas capazes de
educar as crianas e os adolescentes, acreditam
que, quando a amlia no cumpre sua un-
o que de ormao de carter e normas
disciplinares , a escola, possivelmente, noconseguir tambm exercer seu papel, porque
a educao oerecida pela instituio de ensino
e pela amlia so complementares.
Sentindo-se impotentes adiante da violn-
cia no mbito escolar, a nica instituio que
os proessores reconhecem como capaz de aju-
d-los nesta tarea a polcia, que chamada
na escola cotidianamente para resolver des-de problemas de trco de drogas, at os mais
banais, como desaparecimento de objetos ou
brigas entre alunos. E mesmo reconhecendo
que a interveno da polcia , rotineiramente,
repressiva e pontual e que algumas vezes pode
piorar a situao, criando constrangimentos
(como os casos envolvendo crianas que so
detidas, revelia da lei), a escola continua uti-
lizando as mesmas estratgias, para soluo dos
casos, culpando inclusive as leis que so eitas
para protegerem esses jovens violentos.
Percebe-se que o trabalho da escola em an-
lise centrado, em boa medida, na represso,
altando aos prossionais da educao uma
viso ampliada dos problemas e a capacidade
de entendimento da uno e dos limites de
cada instituio e, principalmente, a compre-
enso da socializao do sujeito na sociedade
contempornea.
No obstante, ressalte-se que as trans-
ormaes recentes que implicam repensar
a juventude tambm aetam o sistema es-
colar e seus proissionais, que carecem de
ormao adequada para tratar o enmeno
da violncia.
Segundo Setton (2005), as instituies
que, de acordo com a sociologia clssica,seriam as responsveis primrias pela socia-
lizao do sujeito (que era eita por meio
da reproduo da ordem) no tm hoje os
mecanismos de controle, pois o indivduo
contemporneo possui grande capacidade de
refexividade e maior possibilidade de trans-
ormao das normas.
O racasso escolar, na viso de muitos edu-cadores, est na origem social da amlia do
aluno, na posio social que esta amlia ocu-
pa na sociedade e da sua privao sociocultu-
ral. Dessa orma, os prossionais da educao
transerem para as amlias a responsabilidade
pelo racasso dos alunos na escola.
Os proessores tambm citam vrias de-
cincias geradas pela prpria instituio esco-
lar: alta de investimento (em inraestrutura),
de material, de prossionais, de condies dig-
nas de trabalho. A concluso sob esta tica
que os alunos e os proessores so vtimas de
um sistema que reproduz a desigualdade social
e, sendo assim, no podem azer nada.
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Os proessores ponderam, ainda, com
certa desiluso e descrena, em propostas de
mudana. Eles se reerem, geralmente, insti-
tuio escolar e ao sistema de ensino como se
no zessem parte dos mesmos. No se veem
na escola, que no democrtica, muito me-nos como pertencente ao Estado, que julgam
como sendo autoritrio.
Segundo Charlot (2000, p. 29),
os docentes aderem a uma teoria da re-
produo que pe em causa a instituio
escolar, denunciada como no-igualitria e
reprodutora. Para eles, o que questiona-
do a m instituio, cujas vtimas so ascrianas, suas amlias e os prprios docen-
tes; a instituio de uma m sociedade. Os
docentes se dessolidarizam de semelhante
instituio, em nome de uma imagem da
boa instituio: a escola libertadora ou a
escola do povo.
Finalmente, Arroyo (2000) aponta que
a escola no dar conta de reverter sozi-nha o processo de desumanizao dos jo-
vens; porm, ela no poder continuar a
ser um espao que legitima e reora esta
desumanizao. necessrio um reordena-
mento escolar que considere os tempos e
as vivncias dos educandos. As ormas de
organizao das escolas, com uma estrutura
seriada e rigidez dos contedos, reoram
mais a desumanizao a que so submeti-
dos os adolescentes e jovens, principalmen-
te das perierias. As condies de vida de
muitos jovens, tais como a rua, a moradia,
o trabalho orado, a violncia, a ome, so
questes muito pesadas para sujeitos ainda
em desenvolvimento.
Buscando sadas: interaes possveis
entre os prossionais da educao e da
segurana pblica
Diante dos desaios apresentados pela
comunidade escolar nos vrios ncleos onde
se articula o Fica Vivo, os tcnicos do pro-grama procuraram desenvolver um trabalho
coletivo, centrado na responsabilidade da
instituio (escolar) e da comunidade local.
A ideia que o trabalho em rede possibilita
a implicao dos sujeitos que residem nes-
tes espaos.
Num cenrio de corresponsabilidade,
envolvendo a comunidade, os proissionaisdo Programa Fica Vivo e outros atores so-
ciais, os educadores devem assumir a edu-
cao como um direito de todos, acolhendo
os alunos e suas amlias e incentivando-os
a participarem ativamente dos trabalhos
desenvolvidos pela escola. Devem tambm
trabalhar com outras questes que extra-
polam o ensinar e o aprender. Uma dessas
questes com relao violncia, quenecessita com urgncia entrar na pauta de
discusses dos educadores para a constru-
o de um outro olhar sobre esse enme-
no, que no seja simplesmente da crimina-
lizao de seus agentes. Deve-se analisar a
violncia como algo complexo e no apenas
como um ato isolado, procurando descri-
minalizar os conlitos e trabalh-los peda-
gogicamente.
Pode-se vericar (com o desenvolvimento
deste trabalho nas escolas) que a instituio
de ensino um ponto importante de encon-
tro dos jovens, onde eles conversam, na-
moram, disputam espaos, tracam e usam
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drogas, porque este o nico espao pblico
disponvel para os jovens de muitas comuni-
dades. Portanto, aastar os jovens da escola
agrava ainda mais o quadro de violncia.
As atividades desenvolvidas pelos tcni-cos do Fica Vivo com as escolas, ainda que
incipientes, tm possibilitado aos proissio-
nais da educao vencerem o pessimismo e
o imobilismo. possvel perceber que esses
proissionais esto mais abertos para (re)co-
nheceram melhor seus alunos e os trabalhos
das outras instituies, o que permite uma
conscientizao sobre os outros espaos im-
portantes de socializao dos alunos e deapoio s suas amlias. H mais integrao
das aes da escola com outros projetos e
programas, tais como o Bolsa-Famlia, o
programa Liberdade Assistida, o de Presta-
o de Servios Comunidade12 e Conse-
lho Tutelar.
ConclusoO caso da escola analisada neste artigo mos-
tra que existem muitas diculdades a serem
enrentadas pelos educadores em relao ao au-
mento da violncia urbana, especicamente no
que se reere violncia juvenil. No obstante,
solues possveis e actveis tm sido apresenta-
das para o enrentamento do problema.
Tanto a poltica educacional como as aes
de segurana pblica, principalmente voltadas
para a preveno criminalidade juvenil, no
devem raticar o preconceito que rotula os jo-
vens como sendo um problema, pois se eles so
os principais autores da violncia, tambm so
as principais vtimas.
Os jovens das perierias violentas das
grandes cidades brasileiras enrentam mui-
tos desaios que os impedem de exercer sua
cidadania; portanto, a uno das polticas
pblicas, incluindo a escola pblica, auxi-
li-los para que possam vencer os obstcu-los e usururem plenamente seus direitos
de cidados.
Os bons resultados de programas de pre-
veno criminalidade, como o Fica Vivo,
devem-se aposta na construo de proje-
tos nos quais os jovens so sujeitos capazes
de repensar sua trajetria de vida e reaz-la.
Para tanto, preciso que os prossionais en-volvidos nas polticas pblicas (de educao,
sade ou de segurana) acreditem no poten-
cial de transormao dos jovens, tenham
capacidade criativa para a reinveno e mui-
ta coragem para ouvi-los, compreend-los e
auxili-los na sua caminhada, para que eles
construam seu prprio caminho.
necessrio vencer os obstculos im-postos pelas dierenas de gerao, articular
os programas e polticas pblicas ocados
para os adolescentes e jovens, com o obje-
tivo de ouvir esses sujeitos, entender suas
angstias e transormar suas reivindicaes
em demandas legtimas. Deve-se entender
a juventude dentro de um contexto mun-
dial globalizado, numa sociedade de mas-
sa (ABAD, 2003), e dar conta de que esta
nova ordenao de mundo supe novos
contratos sociais mais lexveis e baseados
na negociao e no mais na imposio de
normas ditadas pelos adultos.
Esse reconhecimento dos jovens deve em-
purrar a resistncia de um autoritarismo
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patriarcal, de geraes e de classe, que, me-
diante o uso da violncia repressiva, preten-
deu negar e eliminar os confitos produzidos
pelas desigualdades e dierena, em lugar de
seu reconhecimento e negociao racional
(ABAD, 2003, p. 21).
A refexo de que possvel construir ou-
tro olhar sobre os jovens e o reconhecimento
da importncia de dialogar com outras insti-
tuies para dividir as angstias e as respon-
sabilidades, tendo a conscincia das unes
e dos limites das instituies, possibilitam a
construo de um trabalho conjunto para ga-
rantir maior proteo s crianas, aos adoles-centes e aos jovens.
Por m, um estudo eito pelo Instituto
de Pesquisa Econmica Aplicada Ipea, em
2007, deixa claro que a educao ormal pa-
rece ter um eeito redutor muito orte sobre
a taxa de homicdio e que isto, possivelmen-
te, se deva ao papel socializador da escola.
[H] uma evidncia substantiva a avor de
manter as crianas na escola, mesmo se a
aprendizagem de contedos car abaixo
das expectativas, j reduzidas, da sociedade.
H um discurso recorrente contra polticas
educacionais que visam permanncia, tais
como ciclos educacionais, e at a sua ver-
so mais radical: a progresso continuada.
(...) h evidncias de que, mesmo que uma
criana de baixo status socioeconmico re-
quentando uma escola com proessores mal
pagos e mal ormados no esteja aprenden-do portugus ou matemtica a contento,
ela est aprendendo um modo de sociali-
zao que eventualmente poder salvar-lhe
a vida. E mais: possvel que, ao ensinar
esta criana a como lidar com o confito
de modo no letal, a escola esteja tambm
salvando a vida de terceiros. A concluso
inexorvel que a poltica educacional deve
azer tudo ao seu alcance para manter acriana na escola, mesmo que a aprendiza-
gem de contedos acadmicos seja aqum
do desejado. Nesse sentido, polticas de
progresso continuada devem ser incen-
tivadas ao mximo, uma vez que h uma
relao conhecida entre ser reprovado e
evadir do processo educacional (SOARES,
2007, p. 28-29).
Nesse sentido, possvel e desejvel a arti-
culao de polticas pblicas em prol da cida-
dania e de uma cultura da paz e da no-violn-
cia envolvendo, entre outros, prossionais da
educao e da segurana pblica.
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1. Estamos nos referindo aos crimes violentos, de acordo com a seguinte classicao: homicdio, homicdio tentado, estupro, roubo, roubo a
mo armada, roubo de veculos, roubo de veculos a mo armada e sequestro. Especicamente, estamos preocupados com o impacto do
aumento dos homicdios, principalmente na faixa etria entre 14 e 29 anos.
2. H que se destacar, tambm, como apresenta Soares (2004), que o Brasil tem taxas signicativas de outras formas de violncias: a
violncia domstica e de gnero; os crimes de racismo; e a homofobia. Estes tipos de violncia so pouco denunciados, portanto, menos
registrados pelos rgos ociais e, por i sso, menos conhecidos.
3. Nos ltimos anos, as taxas de escolaridade tm aumentado nessa faixa etria. Segundo o IBGE, a sit uao da educao no Brasil
apresentou melhorias signicativas na ltima dcada do sculo XX : houve aumento regular da escolaridade mdia e da frequncia escolar
(taxa de escolarizao). A taxa de analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais de idade caiu de 20,1% para 13,6 % (http://www.ibge.
gov.br/ibgeteen/pesquisas/educacao.html).
4. Pesquisa disponvel em . Acessado em: 07/08/2009.
5. Os dados completos encontram-se em: . Acessado em 20/08/2009.
6. Estudos mais recentes tm apontado uma diminuio dos indicadores de homicdios, a partir de 2005, nas principais cidades brasileiras.
No obstante, as taxas de assassinatos ainda so muito elevadas. Em Belo Horizonte, por exemplo, em 2009, essa taxa estava em torno de
30 homicdios por 100 mil habitantes.
7. As atividades de proteo social so coordenadas por prossionais que trabalham nos Ncleos de Preveno Criminalidade
equipamentos de base local das comunidades onde h interveno do programa.
8. O autor considera importante distinguir violncia, transgresso e incivilidade no ambiente escolar. Assim, o termo violncia uti lizado para
aes contra a lei, como o uso da fora ou ameaa sua utilizao. Por exemplo, trco de drogas, leses, vandalismo, extorso e insultos
graves. A transgresso o comportamento contrrio ao regulamento interno da instituio escolar, como o absentesmo, a no realizao
de trabalhos escolares, falta de respeito. As incivilidades so aes contrrias s regras de boa convivncia, desordens, grosserias,
empurres, ofensas (CHARLOT, 2005).
9. As invases a que se referem os professores aconteceram em uma rea bem prxima escola, por famlias pobres.
10. Trata-se do programa Bolsa-famlia.
11. Pesquisa Trajetria de Crianas, Adolescentes e Jovens na Rede do Trco de Drogas no Varejo do Rio de Janeiro, 2004-2006. Disponvel
em: . Acesso em: 20/08/2009.
12. So programas de medidas socioeducativas em meio aberto, que atendem adolescentes autores de atos infracionais leves. Segundo o
Estatuto da Criana e do Adolescente, estas medidas so aplicadas pelo Juizado da Infncia e Juventude e devem ser executadas pelos
governos municipais.
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Revista Brasileira de Segurana Pblica | Ano 4 Edio 6 Fev/Mar 2010131
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Juventude e violncia: novas demandas para aeducao e a segurana pblicasRobson Svio Reis Souza e ngela Maria Dias Nogueira Souza
Juventud y violencia: nuevas exigencias a la educacin
y la seguridad pblicas
El artculo hace un breve anlisis de las nuevas
exigencias que conguran el papel de la escuela,
particularmente en sectores sociales violentos,
tratando esta cuestin por medio de un estudio de
caso y apuntando que no debe raticarse un prejuicio
del sentido comn que arma que los jvenes son
un problema. Los jvenes de las periferias con altosndices de violencia de las grandes ciudades brasileas
enfrentan multitud de desafos que les impiden ejercer
su ciudadana. Por lo tanto, la funcin de las polticas
pblicas, incluyendo la escuela pblica, es la de
ayudarlos para que puedan vencer los obstculos y
disfrutar plenamente de sus derechos de ciudadanos.
Palabras clave: Violencia y criminalidad. Escuela
y violencia. Polticas pblicas de prevencin de la
criminalidad. Delincuencia juvenil.
ResumenYouth and violence: new educational and public
security demands
This paper presents a brief analysis of the new role that
is currently demanded of schools, especially in violent
communities. To this end, a case study is discussed.
This article also suggests that the commonsensical view
that young people are a problem should not be taken
for granted. The youth in the violent outskirts of large
Brazilian cities are faced with many challenges thatprevent them from exercising full citizenship. As a result,
public policies, including public schools, should have a
role in helping these youngsters overcome these hurdles
and fully enjoy their rights as citizens.
Keywords: Violence and criminality. School and
violence. Crime prevention public policies. Juvenile
delinquency.
Abstract
Data de recebimento: 17/12/09
Data de aprovao: 09/02/10