“SE MUITO VALE O QUE JÁ FEITO, MAS VALE O QUE SERÁ”: uma análise da
construção do Movimento Estudantil de Serviço Social na Estácio/FATERN.
Isabelle Cristina Custódio de Lima1
Alexandre Lourenço da Costa Silva2
RESUMO:
O presente ensaio, tem por objetivo traçar o percurso histórico-
político do Movimento Estudantil de Serviço Social na Estácio/FATERN, bem como, analisar os desafios e as possibilidades da sua construção. A metodologia utilizada foi à pesquisa bibliográfica e documental, com abordagem qualitativa, observação participante e aplicação de entrevista semiestruturada. Concluímos que o MESS na Estácio/FATERN não se dá de forma homogênea e continua, atualmente o seu CASS está inativo, porém não desconsideramos as articulações das/os estudantes. Muitos desafios lhe são postos, contudo é substancial unir forças para construir espaços organizados no sentido de fortalecer a proposta de ensino defendido pela categoria.
PALAVRAS-CHAVE: Movimento Estudantil de Serviço Social.
IES Privada. Formação profissional.
ABSTRACT:
The purpose of this essay is to trace the historical-political course of the Social Work Student Movement at Estácio/FATERN, as well as to analyze the challenges and possibilities of its construction. The methodology used was bibliographic and documentary research, with qualitative approach, participant observation and semi-structured interview application. We conclude that the MESS in Estácio/FATERN does not take place in a homogeneous way and continues, currently its CASS is inactive, but we do not disregard the articulations of the students. Many challenges are posed to it, however, it is substantial to join forces to build organized spaces in order to strengthen the teaching proposal defended by the category.
Keywords: Student Movement of Social Work. IES Private.
Professional qualification.
1 Assistente Social Residente em Atenção Básica pela Escola Multicampi de Ciências Médicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: [email protected]. 2 Pós-graduado em Saúde Pública e Serviço Social pela UNIFACEX; graduado em Serviço Social pela UnP. E-mail: [email protected].
1 INTRODUÇÃO
O Movimento Estudantil, em particular o do Serviço Social (MESS), insere-se no
quadro das lutas estudantis enquanto uma organização política das/os estudantes, dispondo
de um caráter democrático e coletivo, cuja a direção social e política está na defesa
intransigente dos interesses da classe trabalhadora e de uma educação pública, gratuita, de
qualidade, popular, laica, socialmente referenciada, com acesso universal e na perspectiva
de construção de uma frente de resistência a ordem social burguesa.
No percurso histórico do MESS não se pode negar a existência e participação da
organização política nas Instituições de Ensino Superior (IES) Privadas, ou afirmar que esse
é um “fenômeno novo”. Entretanto, é com o movimento de expansão dos cursos de Serviço
Social no âmbito privado e os impactos deste na formação profissional, que a Executiva
Nacional de Estudantes de Serviço Social (ENESSO), sentiu a necessidade de aproximação,
construção e fortalecimento do MESS nessas instituições.
Em 2003, na Região II da ENESSO - composta pelos estados do Ceará, Rio Grande
do Norte, Paraíba e Pernambuco -, existiam 8 IES presenciais com o curso de Serviço Social,
sendo 6 públicas e 2 privadas; destas, apenas uma instituição não possuía CASS ativo
(VASCONCELOS, 2003). Em 2015, conforme o E-MEC (2015) existiam 54 IES presenciais,
sendo 9 públicas e 45 privadas; desse total, 26 possuíam CASS consolidados e ativos, sendo
9 no Ceará, 6 no Rio Grande do Norte, 4 na Paraíba e 7 no Pernambuco (ENESSO, 2015).
Ao longo das primeiras décadas do século XXI, conforme Guimarães (2011), a
ENESSO veio adotando no cotidiano da organização estudantil, estratégias e ações na
perspectiva de potencializar o desenvolvimento de novos valores e de uma consciência
política contra hegemônica no processo de formação desses sujeitos e de suas atividades, no
sentido de fortalecer a construção do movimento, para que ele se torne parte do cotidiano
desses/as estudantes.
Neste sentido, o presente ensaio, corresponde a um fragmento da pesquisa de
trabalho de conclusão de curso, cujo o objetivo foi traçar o percurso histórico-político do MESS
na Estácio/FATERN, bem como, analisar os desafios e as possibilidades para a sua
construção. Sua elaboração se dá a partir das indagações levantadas mediante as
experiências vivenciadas cotidianamente no MESS.
Buscamos aqui, colaborar com a produção teórica e a construção histórica do MESS,
tanto em nível de instituição, como para além dela, uma vez que o trabalho apresenta
aspectos históricos da luta das/os estudantes dentro e fora da Estácio/FATERN, bem como
subsidia teoricamente o caminho de novos sujeitos na militância, fortalecendo a categoria
profissional do Serviço Social e da construção de espaços contra hegemônicos.
No percurso metodológico, utilizou-se de revisão de literatura e pesquisa documental.
Este texto também sistematiza alguns dados fruto da nossa trajetória e experiência no
movimento, à luz do método materialista histórico-dialético, afim de conseguir analisar a
conjuntura de forma crítica, buscando trazer de forma mais tátil a realidade supracitada. Esta
pesquisa estabelece que o objeto estudado, por seu caráter social e histórico, é dinâmico e
multifacetado e jamais se esgotaria num análise temporal e espacial, inclusive porque ele se
relaciona diretamente com os (des)caminhos produzidos pelas lutas de classe em nossa
sociedade.
Além disso, para compreender os desafios e os entraves político-organizativos postos
ao MESS da Estácio/FATERN realizamos entrevistas semiestruturadas, constituídas a partir
de questões semiabertas aos/as entrevistados/as, permitindo aos sujeitos envolvidos criar
diálogos no decorrer da pesquisa, de modo que os/as pesquisadores/as pudessem ampliar
seu campo reflexivo a partir das ideias expostas.
Para preservar a identidade das/os entrevistadas/os seus nomes foram substituídos
por nomes de mulheres lutadoras do povo, nascidas nos estados do Ceará, Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do Norte (estados que compõe a Região II da ENESSO) que
dedicaram suas vidas a lutar por liberdade, igualdade, terra, democracia e justiça social, sendo
elas: Elizabeth Teixeira, Maria da Penha, Margarida Maria e Jana Barroso .
O texto divide-se em duas sessões: na primeira, narramos o processo de construção
e consolidação do MESS na Estácio/FATERN; na segunda sessão, buscamos visualizar de
maneira mais aproximada quem são e onde se encontram as/os estudantes que
militam/militaram no MESS da Estácio/FATERN, e por fim analisamos os desafios e as
possibilidades para a construção desse movimento
2 O MESS NAS IES PRIVADAS: A PARTICULARIDADE DA ESTÁCIO/FATERN.
Antes dos ensaios que aqui serão feitos, é importante ressaltar, que as determinações
históricas construídas no cotidiano desta pesquisa, ocorreram na dialética incessante que é a
vida social, e neste processo de “transcrever” a história do MESS da Estácio/FATERN, foram
tecidos caminhos e escolhidos alternativas que ajudaram a perseguir seus objetivos.
Nesse viés, corroboramos com Marx (2011, p. 25), ao afirmar que “os homens fazem
a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles
quem escolhem as circunstâncias sob as quais ele é feita, mas estas foram transmitidas assim
como se encontram”. Baseado nisto, frisa-se que a história aqui transcrita foi construída num
chão material específico, que dar-se-ia a partir das condições objetivas que foram colocadas,
havendo assim, momentos em que não se localizou material histórico para sua condução.
Partimos da perspectiva defendida por Silva (2008) e Oliveira (2014) de que o
Movimento Estudantil é todo e qualquer grupo de estudantes que se encontrem organizados
político-academicamente em prol de objetivos comuns relacionados aos interesses políticos,
sociais, acadêmicos, culturais, religiosos, entre outros. Sendo assim, onde houver uma
movimentação organizada de estudantes, haverá a existência do Movimento Estudantil.
Seguindo essa perspectiva, afirmamos que os marcos históricos da organização
estudantil, consequentemente, do Movimento Estudantil, de qualquer curso e instituição, não
se dão no momento em que se consolida um Centro Acadêmico (CA) ou Diretório Acadêmico
(DA)3, mas sim, a partir do momento em que ocorre organização político-acadêmica por parte
das/os estudantes.
Diante do exposto, não podemos afirmar o momento exato em que o MESS se inseriu
na Estácio/FATERN, contudo sabe-se, que as primeiras mobilizações e a primeira tentativa
de consolidação de um CASS ocorreram ainda nos primeiros anos do curso (entre 2007 e
2008), entretanto, as mobilizações perderam força, não ocorrendo uma organicidade mais
concreta.
Contudo, é inegável que seja na consolidação do CA/DA, que esse movimento
ganhará maior organicidade e legitimidade. Os CA’s/DA’s são espaços representativos,
autônomos e democráticos, que buscam “potencializar a formação política, crítica e
profissional das/os estudantes. Desta forma, tem papel fundamental na organização do
MESS, pois devem estimular as/os estudantes irem além da sala de aula” (RODRIGUES,
2008, p. 36).
Mediante o material a que tivéssemos acesso, só foi possível indicar concretamente a
consolidação do CASS na FATERN em 05 de novembro de 2010, onde a gestão “Um mais
um é sempre mais que dois" foi eleita com 166 (cento e sessenta e seis) dos votos válidos,
sendo chapa única.
De acordo com a fala de alguns entrevistados/as, o processo de construção dessa
gestão se deu imerso a várias dificuldades. Inicialmente na articulação das/os estudantes para
compor a chapa, uma vez que era algo novo e existiam pessoas que não conheciam o
3 Conforme Rodrigues (2008), os CA’s/DA’s são entidades de base, composta por representação das/os
estudantes de cada curso. São responsáveis por um contato mais direto com as/os estudantes, defendendo seus interesses e travando lutas no curso na faculdade/universidade. Os CA’s/DA’s são regulamentados pela lei 7.395/85 que assegura aos/as estudantes de qualquer curso de nível superior o direito a organização.
movimento; depois percebeu-se a necessidade de que todos os turnos fossem contemplados,
para garantir representatividade e melhor organicidade, o que gerou um impasse para
conseguir mediar os horários das/os componentes para se reunir e tocar as atividades
necessárias; e pôr fim a legitimação da chapa, uma vez que houve “resistência” das/os
estudantes de participar das eleições.
Com a consolidação do CASS, impulsionou o movimento estudantil da FATERN,
estimulando a abertura de novos Centros Acadêmicos, a exemplos: o de Fisioterapia e
Enfermagem. Posteriormente, houve a articulação e consolidação do Diretório Central
Estudantil (DCE). Assim, a consolidação do CASS foi de suma importância não apenas para
estimular a dimensão política das/os estudantes de Serviço Social, mas também para
fomentar a organização político-estudantil geral na faculdade.
A transitoriedade das/os militantes do movimento estudantil é uma característica
estruturante e indispensável de reflexão, já que implica numa consequência fundamental:
as/os estudantes terminam sua militância no momento em que se formam e deixam o lócus
de atuação. Assim, é imprescindível que exista a aproximação de novos sujeitos, para que
haja a renovação de quadros e a manutenção do ME (OLIVEIRA; RIBEIRO; SILVA, 2012).
Ao término da gestão 2010/2011 “Um mais um é sempre mais que dois" não se
conseguiu renovar os quadros para a composição de uma nova gestão do CASS. Assim, nos
anos que se seguiram, a atuação do MESS aconteceu de forma muito pontual e personificada.
É também nesse período, que a instituição vai passar por mudanças administrativa-
estruturais, uma vez que, a FATERN é adquirida pela Estácio Participações S.A. Mudanças
estas, na qual destacando aqui, as implementações das disciplinas on line na grade curricular
do curso presencial, que trouxeram tensões na relação estudantes-instituição. Acarretando
assim, a rearticulação do MESS, na atual Estácio/FATERN, onde desencadeou novas
formulações de estratégias e ações de mobilizações das/os estudantes, consequentemente,
da reestruturação do CASS.
“[...] a gente se incomodou com a situação que tava lá, a nossa estrutura curricular, por causa da EAD e também questionamos a baixa carga horária das disciplinas e a gente começou a pesquisar sobre, começou a se organizar com relação a isso e daí veio a ideia de a gente se estrutura enquanto CASS e a partir do momento que a gente tá questionando uma estrutura curricular e o ensino EAD a gente já está participando de um ME” (JANA BARROSO).
Em 18 de setembro de 2013, foi convocada uma assembleia geral de estudantes do
Curso de Serviço Social, realizada no auditório da Estácio/FATERN, com o intuito de revisar
o antigo estatuto, e logo em seguida, formou-se uma comissão eleitoral, dando início a um
novo processo eleitoral. As eleições ocorreram no dia 13 de novembro de 2013, contou com
a participação de 188 (cento e oitenta e oito) estudantes, elegendo a chapa única “Reconstruir
e avançar” com 187 (cento e oitenta e sete) dos votos válidos. A gestão foi empossada no dia
02 de dezembro do mesmo ano.
Em outubro de 2014, abre-se um novo processo eleitoral para o CASS, tendo sua
eleição realizada no dia 13 de novembro de 2014, elegendo-se com 100 (cem) votos válidos,
a chapa única “Nenhum passo atrás”. Sendo empossada no dia 19 de novembro de 2014.
Segundo Oliveira (2014), o debate acerca da formação profissional tem sido utilizado
como arma política para fomentar o trabalho de base, incentivando a participação de outras/os
estudantes, para a ampliação de uma nova visão de mundo, que possibilite novas leituras e
aprofunde debates relevantes para a práxis profissional.
Nesse viés, Guimarães (2011), afirma que a formação política deve ser compreendida
como um processo onde o indivíduo deve se perceber como ser histórico capaz de intervir
nos rumos da sociedade, perpassando as apropriações de conhecimentos teórico-políticos
que instrumentalizem o sujeito na análise da realidade e na elaboração de alternativas visando
à sua transformação.
Seguindo estas perspectivas, as gestões do CASS da Estácio/FATERN formularam
atividades internas e externas, tanto para estimular a aproximação das/os estudantes da
Estácio/FATERN, como das demais instituições, afim de aprofundar debates pertinentes a
formação profissão. Os encontros construídos pela ENESSO, além de proporcionar espaços
de formações e debates político-acadêmicos, possibilitaram ainda, uma vivência que
perpassa essas dimensões, tem como elemento basilar a compreensão crítica de mundo.
Assim, quanto mais o MESS na Estácio/FATERN se consolidava e se fortalecia mais
ia-se “conquistando” espaço e visibilidade dentro da ENESSO. Nos seus anos de atuação, a
Estácio/FATERN tornou-se referência na construção e no debate do MESS das IES privadas
(tanto no RN, como nos outros estados), tanto através das participações em CR4, como na
organização de encontros da ENESSO e nas produções acadêmicas.
3 O MESS DA ESTÁCIO/FATERN: SUJEITOS HISTÓRICOS, DESAFIOS E
POSSIBILIDADES.
4 Os estudantes, Thiago Wagner e Isabelle Cristina, compuseram a Coordenação Regional da ENESSO, nas
respectivas gestões: 2011/2012 “Com o meu posso e com o teu querer, vamos juntos!” e 2014/2015 “A luta é direito de fazer um mundo novo”, sendo os primeiros estudantes de IES privada do RN a compor uma gestão da ENESSO. (ENESSO, 2014)
Após a análise do processo histórico do MESS na Estácio/FATERN, vimos a
necessidade de visualizar de maneira mais aproximada quem são essas/es militantes e onde
se encontram. Desta forma, dar-se-á continuidade apontando alguns elementos do perfil
socioeconômico e político das/os entrevistadas/os.
Entre as/os estudantes/militantes entrevistadas/os, observou-se que do total de seis
militantes/estudantes, 4 (quatro) são homens e 2 (duas) mulheres, cuja variação de idade
ficou entre 21 (vinte e um) e 38 (trinta e oito) anos, demonstrando que as/os
estudantes/militantes da Estácio/FATERN tem sua “juventude experiente”, uma vez que ao
compararmos com o perfil de estudantes de universidades públicas, feito por Guimarães
(2011), a idade entre os/as seus/suas entrevistadas/os variou entre 21 (vinte e um) e 23 (vinte
e três) anos.
Quanto ao estado civil, 3 (três) afirmaram serem solteiros/as, 2 (dois) casado/as e 1
(um/a) está em uma união estável. Dos/as entrevistadas/os apenas 1 (um/a) afirmou ter
filhas/os. A maioria das/os estudantes/militantes estudam/estudaram no período noturno,
sendo apenas 1 (um/a) no período diurno.
Ao serem questionadas/os sobre a orientação sexual, a cor/raça/etnia e religião,
obtiveram-se os seguintes dados: 3 (três) se afirmaram heterossexuais, 2 (dois) se afirmaram
homossexuais e 1 (um/a) bissexual. Quanto à cor/raça/etnia, 4 (quatro) se reconhecem
enquanto negras/os, 1 (um/a) parda/o e 1 (um/a) branca/o, é importante salientar, que 1 (um/a)
dos/as entrevistados/as afirmou que embora se auto declare negro/a, ele/a se reconhece
enquanto pardo/a. Quanto à religião, 3 (três) das/os, militantes alegaram não ter vinculação a
nenhuma religião, 1 (um/a) com o espiritismo e 2 (dois) se posicionaram enquanto católicos,
embora 1 (um/a) tenha afirmado está afastado da igreja.
Seguindo a análise, no quesito trabalho, 2 (dois) estagiavam e 4 (quatro) afirmaram
trabalhar, em jornadas diferenciadas que variavam entre 6 (seis) horas diárias corridas e 12
(dose) horas em regime de plantão. Demostrando um perfil de estudantes-militantes-
trabalhadoras/es, que não dispõem de muito tempo para participar dos espaços de debates e
formulações. No entanto, que ao entenderem a importância da militância abdicaram de algo
em prol da militância, como pode ser visto na seguinte fala:
[...] mesmo com a falta de tempo eu encontrei uma forma de participar, mas mesmo assim não da maneira a qual a gente quer, inclusive na questão de participação de atividades que são fora do estado, em outras cidades, eu num fui. Participei do Centro Acadêmico mas eu não cheguei ir pra nenhum ERESS, não fui pro Seminário Regional, fui pra formação do Campo Popular5 porque foi aqui em Natal então tudo
5 É um campo político de forças populares, que envolve sindicatos, movimentos, pastorais, entre outros, que insurgi
na década de 1990, na tentativa de construir um projeto alternativo que interessa ao povo brasileiro.
isso dificulta [...] Pra participar de Centro Acadêmico tem que abrir mão de alguma coisa, tive que falta aula (Elizabeth Teixeira).
Corroborando com a análise acima, Guimarães (2011) afirma que a realidade
objetiva das/os estudantes, inseridos nas escolas privadas, à medida em que, sem
generalizações, trata-se de estudantes-trabalhadoras/es e/ou mães/pais e, em meio a
sobrecarga de responsabilidades decorrentes dessa condição, acabam por terem sua
participação no MESS comprometida ou pelo menos minimizadas.
Ao serem questionadas/os sobre a participação em outros grupos ou partidos políticos,
apenas 1 (um) afirmou participar organicamente do Levante Popular da Juventude (LPJ). No
entanto, os demais, embora não fossem orgânicos, afirmaram já terem participado de
formações, reuniões e plenárias de outros grupos políticos, alguns ligados ao Campo Popular,
mas que por discordar com o modo como os grupos políticos se relacionavam, preferiam não
militar nestes.
É importante frisar, que a ausência de organização por parte das/os entrevistadas/os,
em outros grupos ou partidos políticos, não é uma particularidade da referida instituição, e que
está diretamente relacionada à crise de representatividade que os partidos políticos passam
atualmente, o que reflete na forma como as/os militantes do MESS vem percebendo a relação
dessas organizações com o movimento estudantil (GUIMARÃES, 2011).
Os fragmentos acima citados demonstram que, as/os estudantes que militaram na
Estácio/FATERN são trabalhadoras/es, com uma juventude mais experiente, que apresentam
no cotidiano da vida também outras prioridades. Esses condicionantes impõem desafios a
atuação política dessas/es estudantes, como veremos a seguir.
No decorrer desta pesquisa, bem como, na vivência no movimento, observou-se uma
série de desafios político-organizativo a serem enfrentados pelo MESS, em suas múltiplas
instâncias e dimensões. Destacaremos aqui, os desafios que rebatem nas IES privadas,
especialmente na Estácio/FATERN.
Ao serem questionadas/os sobre os desafios para a construção do MESS na
Estácio/FATERN, foi unanime em todas as falas, que o maior desafio imposto à construção
desse movimento, é a falta de comprometimento das/os estudantes, provenientes, na sua
grande maioria, pela falta de tempo. Como podemos observar nas falas a seguir:
“Os desafios foram maiores do que as possibilidades, o limite da questão de falta de tempo, ééé a falta de tempo aqui na instituição, porque você de qualquer forma tem que tirar um tempo pra poder pra estudar, pra trabalhar e as atividades do lar certo?” (ELIZABETH TEIXEIRA)
As diretivas neoliberais, as privatizações, a reformulação do modo de produção
capitalista, expresso na chamada reestruturação produtiva, a hegemonia do capital financeiro,
a precarização do emprego, a globalização, a pós-modernidade e o avanço tecnológico vão
rebater diretamente na forma de viver, produzir e de pensar da classe trabalhadora.
Nesse viés, Simionatto (2009, p. 10), ao analisar as expressões ideoculturais da crise
capitalista na atualidade, sinaliza que o capitalismo “invade a vida íntima dos indivíduos, seja
sob a forma acentuada de mercantilização e burocratização de necessidades, seja sob a
forma de controle de comportamentos”. Portanto, ao compreendemos que a “falta de tempo”
e a “ausência de comprometimento” expressa nas falas das/os entrevistados/as, são reflexos
dos rebatimentos macroestruturais do sistema capitalista sobre a vida da classe trabalhadora.
Outro desafio, colocado pelas/os entrevistadas/os, é o perfil socioeconômico das/os
estudantes das instituições privadas. Portanto, fatores com: a idade (apresentam um média
de idade “mais aflorada”), localização (não moram na cidade onde a instituição se localiza),
estado civil, serem trabalhadoras/es e/ou pais e mãe de família, criam tensões na construção
e atuação dessas/es estudantes no MESS.
“acho que o perfil de idade porque quem entra numa instituição privada pra estudar a média de idade não é a média de idade da real juventude que gosta de participar do movimento estudantil, já são pessoas que trabalham, mães de família, não tem tempo pra tá militando, então acho que a média de idade é um dos impasses e a dificuldade também de da questão de não morar em Natal, que muita gente dá que faz faculdade éé estuda em instituição privada não só daqui da Estácio mas em outras também são de região metropolitana o que acaba dificultando ter acesso pra vim pra faculdade e pra outros espaços também.” (ELIZABETH TEIXEIRA)
Embora, tenha-se histórico de universidades/faculdades privadas no Brasil desde
consolidação do ensino superior, consequentemente, da presença da organização estudantil,
é somente com o “boom” dessas IES, nas primeiras décadas do século XXI, que o ME no
ensino privado vai ganhar maior visibilidade, discussão e disputa política. Portanto, podemos
afirmar que é tudo muito jovem, que esse acumulo só serão adquiridas ao longo dos anos.
As implicações acima citadas, impõe ainda ao MESS, o desafio de (re)encantar.
Rodrigues (2008) e Guimarães (2011) elucidam que é preciso despertar o interesse da
atuação no MESS, para assim cultivar valores (como a solidariedade, a esperança, a
indignação, a confiança, o compromisso, entre outros) que fortaleça a luta social, não
deixando, as/os estudantes/militantes, se adaptarem a crise que segrega e oprime.
Neste contexto, faz-se necessário pensar respostas políticas aos desafios atuais. Abrir
novos horizontes, construir estratégias coletivas, desenvolver ações de mobilização,
mergulhar no cotidiano das necessidades e das resistências, abrindo possibilidades
pragmáticas de intervenção, encantamento e luta.
Neste processo, foi apontado pelas/os entrevistados, como estratégias adotadas para
aproximação e mobilização das/os estudantes, a realização do Trabalho de Base (TB).
Compreende-se por base algo que fundamenta, que alicerça, que sustenta,
consequentemente, parte indispensável do processo. No entanto, faz-se necessário
aprofundar o significado social do que esse termo estabelece. Assim, Gonçalves (2012, p.
82), define o trabalho de base como:
[...] à prática de comunicar-se com as pessoas para transmitir para elas nosso projeto político e nossa concepção de mundo. Isso implica duas coisas: por um lado, uma crítica às diferentes formas de opressão sobre as quais se assenta esse sistema hegemônico, que consideramos profundamente desigual e injusto. Por outro, uma proposta a seguir, ou seja, alternativas concretas que apontem para uma construção cotidiana de novas relações entre nós e nossas com a natureza, e dessa maneira a criação das bases para uma sociedade que supere o capitalismo atualmente dominante. Significa, então, percorrer um longo caminho de acumulação de poder popular e de desorganização das bases de poder das pequenas elites sociais, as quais reproduzem seus privilégios à custa da exploração de milhões de pessoas. Tudo isso dito em termos bem gerais.
O Trabalho de Base não é algo moldado, pronto e infalível, são processos pensados
e planejados a partir de análises do lócus, da realidade objetiva das/os estudantes e das
demandas colocadas. Nesta perspectiva, dialogamos com Guimarães (2011) e Oliveira
(2014), ao elucidarem que cada IES vai assumindo diferentes estratégias de trabalho de base
e utilizando de diversas ferramentas para traçar caminhos na conversação com as/os
estudantes a respeito do projeto político do movimento.
De acordo com a nossa pesquisa, as estratégias adotadas pelas/os militantes variam
entre as gestões, no entanto, algumas estratégias são recorrentes, com os depoimentos
das/os militantes entrevistadas/os, podemos delinear as seguintes estratégias: os encontros
dentro e fora da IES, as reuniões abertas do CASS, cursos e formações políticas, as semanas
de Serviço Social, palestras, organização de ônibus para garantir a ida das/os estudantes aos
encontros, entre outros.
É necessário pontuar, que ao pensar e formular essas estratégias de TB, as/os
militantes precisam “trabalhar” com a “falta de tempo” das/os estudantes, como discutida
anteriormente. Portanto, é substancial as formulações de atividades que driblem essas
limitações. Utilizando o pouco tempo de forma pedagógica, recorrer ao recurso da internet,
mas não deixando de usar o contato físico, as passagens em sala e por fim, dialogar com as
condições objetivas das/os estudantes.
Outra possibilidade, de agregar as/os estudantes passa pelas lutas cotidianas das
demandas infra estruturais da IES, demandas como o aumento da mensalidade, disciplina on
line, grade curricular, entre outros; são instrumentos de mediação importantes para contrapor
a lógica mercantil da formação.
Contudo, Oliveira (2014), nos alerta que essas lutas não podem se reduzir apenas a
essas demandas, esse debate deve ultrapassar essas questões endógenas, atingindo a
discussões que debatam as condições da classe trabalhadora, o direcionamento da educação
do país, entre outros.
Apesar das muitas tentativas de mobilização e articulação do MESS na
Estácio/FATERN, atualmente, o CASS não está ativo, porém não desconsideramos aqui, as
pontuais articulações das/os estudantes.
Frente ao exposto, é importante, reafirmar que a dimensão política-organizativa do
MESS, possui um papel essencial no fortalecimento da organização política da categoria
profissional, na materialização do Projeto Ético Político e, não obstante, perspectiva de
construção de uma nova ordem societária que tenha como princípio a emancipação humana.
Essa militância política construída por diversas gerações é imprescindível, sobretudo,
nos tempos atuais, de acirramento da luta de classes, num cenário político envolto pela
perspectiva de mercantilização e retrocessos dos direitos e dos serviços sociais, de
desmobilização e adensamento do individualismo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os espaços de construção coletiva, na qual o MESS está inserido, contribui de forma
significativa para o fortalecimento da organização política da categoria profissional. A
ENESSO tem uma ação política de caráter contestador à ordem social vigente e desenvolve
suas ações de maneira a lutar em defesa de um projeto profissional e de um ensino de
qualidade em consonância com o Projeto Ético-Político e na crítica a sociabilidade burguesa.
Sabemos que as reflexões que foram postas nessa pesquisa, apenas principiam um
debate que deve ser aprofundado e não se esgotam nesse ensaio. Contudo, ao pensar a
organização política das/os estudantes na contemporaneidade, é preciso pensar na
conjuntura política, econômica e social, que desencadeiam as determinações desta para a
realidade social.
O MESS da Estácio/FATERN não se dá de forma homogênea e continua, ora
apresentando momentos de articulações, ora momentos de desarticulação. Contudo, a
consolidação do MESS na Estácio/FATERN, foi de fundamental importância tanto para
estimular a dimensão ético-política das/os estudantes do curso, como impulsionou e
possibilitou a articulação de novos CA’s, e posteriormente de um DCE.
É esse movimento que permitem as/os estudantes se encantem pela vivência, ações
e debates políticos. Fortalecendo mentes e corações revolucionários, que ao serem
conquistados, se (re)encantem, se (re)criem, se (re)inventem; possibilitando a luta em defesa
do projeto profissional e do ensino de qualidade e na crítica a sociabilidade burguesa. Por
isso, é preciso unir forças para construir espaços organizados e movimentos estudantis na
Estácio/FATERN, bem como nas IES privadas, justamente para fortalecer a proposta de
ensino defendido pela ABEPSS e lutar pelo direito a uma educação pública, laica, universal e
de qualidade. A luta apenas começou.
5 REFERÊNCIAS
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