ANAIS DO III CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISADORES EM DANÇA
Comitê Dança em Configurações Estéticas – Setembro/2014
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CORPOREIDADE: NOVOS OLHARES DO CORPO VISTO COMO
UMA TOTALIDADE INTEGRADA NO AMBIENTE RIBEIRINHO1
Maria do Céu Sampaio (UEA)*
RESUMO: O texto revela na trilha do gestual do ribeirinho imagens engajadas numa
travessia fundamentada na construção da singularidade de uma dança circular, que faz parte do contexto sociocultural Amazônico. Seu conteúdo espalha insigts de gestuais expressivos da região, que enriquecerão o conhecimento em pesquisas na dança do Brasil. Adentra a floresta numa escrita em traçados da geografia perceptiva amazônica e abre espaços compartilhados a propostas estéticas no corpo numa dança que transforma e modifica o olhar dos pré-conceitos e do “exótico”, uma saga amazônica.
PALAVRAS CHAVES: Dança. Escuta do corpo. Amazônia. Metodologia.
CORPOREITY: NEW BODY LOOKS AS SEEN A COMPLETELY INTEGRATED IN RIBEIRINHO
ENVIRONMENT ABSTRACT: The text reveals the path of the sign of the riverside pictures engaged in building grounded in the uniqueness of crossing a circular dance that is part of Amazon's sociocultural context. Their content spreads insights of expressive gestures of the region, which will enrich the knowledge on research in dance from Brazil. Going into the forest with a written with a perceptual geography perspective Amazon and opens a saga Amazon sharing the aesthetic proposals in the body in a dance that transforms and changes the look of preconceptions and "exotic" spaces.
KEY WORDS: Dance. Distance education. Amazônia. Methodology.
1 Povos ribeirinhos – os que residem em proximidades dos rios; têm a pesca artesanal como atividade de
sobrevivência. Cultivam pequenos roçados para consumo próprio. (2005) Revista P@rtes ISSN 1678-8419, acessada em 30 de junho de 2014.
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A dança é o signo da cognição que o corpo revela como usuário e proprietário
daquilo que escuta. Estabelece relações na construção dessas imagens que se
esparramam pelo espaço numa rede de informações que se cruzam em constante
mudança, imprimindo formas fazendo travessias num fluxo contínuo em arranjos infinitos
que contam histórias.
Diversos exemplos de influência mútua entre dança-homem-ambiente podem ser
apresentados aqui, contendo matizes políticas e poéticas que encontram caminhos para
uma avaliação crítica da realidade local e regional e oferecem pistas e exemplos que não
esgotam o assunto. Uma relação paralela que se desenvolve entre tempo e espaço, de
forma interdisciplinar, no uso do corpo como expressão, em diálogos com o ambiente,
seus pertencimentos e a história de seus atores, através de atividades históricas e
evolutivas, sociais, antropológicas e cognitivas, tomando emprestada cultura e a arte viva
do ribeirinho, tingindo o espaço através da cor do gesto favorecendo as populações da
floresta.
Os atores envolvidos devem ter noções dos princípios básicos, de onde se extraem
seus conceitos interpretativos nas esferas sociais e humanas. Devem prosseguir
expandindo nos seus próprios rumos, na ideia de processo e inovação, buscando
favorecer uma exploração criativa, sobretudo, com ênfase no espaço, sem perder a visão
do todo, utilizando criatividade e flexibilidade que permitam atender propósitos diversos
provocando um novo olhar para a dança no contexto cultural, social e ambiental. Em
outros termos, o que acontece no corpo repercute no ambiente (onde estão, é claro,
outros corpos) e vice-versa. É ver, observar, ouvir, sentir, conceituar e dar significados às
imagens percebidas. Tudo pode ser interpretado no ato, quando aparece, quando o
movimento se dá a ver.
Percebemos uma herança cultural influenciando comportamentos no gestual, em
conectividade com espaço e tempo, construindo novos abrigos e novas referências, em
todos os movimentos realizados pelos ribeirinhos. Então, seguimos a sua trilha corporal,
em traços culturais comuns ao seu cotidiano e manifestações expressivas são
observadas. Segue um itinerário semiótico em recortes geográficos, numa trilha ambiente
de pertencimentos no contexto social onde signos são decodificados em outros signos,
dizem respeito a imagens, defendem valores e são interpretados através do discurso do
corpo de forma dual, ou seja, interna e externamente.
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Parafraseando Katz (2005, p. 39) “quem observa o corpo, percebe que nele
ocorrem tanto aprimoramentos graduais quanto emergências”. Diz a autora que, “isto
ocorre muito provavelmente porque um processo de repetição não se dá sem minúsculas
diferenças entre cada repetição. E a repetição com essas minúsculas diferenças, a certa
altura, produz uma diferença que se nota”. É um processo vivo de pensamento numa
tríade que envolve signo, objeto e interpretante, aberto aos sentidos que arquitetam as
bases de uma estética própria e complexa em ritmos que se repetem, em ostinatos,
porque repetição é um valor estético de tribos, mesmo que representados por diferentes
etnias, portanto bastante e pertinentes ao que tratamos aqui.
De certa forma, nas palavras de Katz, percebemos que, no entendimento artístico
desse ator-ribeirinho e na sua capacidade de expressão pessoal os símbolos falam uma
linguagem universal. Imagens e sinais se apresentam em espaços vívidos e espaços
percebidos como ações genuinamente humanas, em movimentos diários. Os sociais, os
religiosos e artísticos, os repertórios orais e corporais, ou seja, em gestos, hábitos,
passagens, reproduções e preservação de saberes. No entanto, sofrem nuanças e
inflexões que variam de acordo com experiências individuais e a geografia perceptiva do
lugar. A geografia da percepção. Valores que fazem parte, dos sentidos no espaço
geográfico para reconhecer os sinais que nele se apresentam, ou seja, é o corpo pronto e
perceptivo atento aos olhares e a escuta de tudo que faz parte do entorno no momento
onde o movimento acontece e se apresenta como gesto.
Assim como um fluido comunicacional como diz Lúcia Santaella (2005). Afirma a
autora que, está ligada à fenomenologia e à semiótica. O ator vivencia os fenômenos que
se apresentam em forma de signos que são percebidos e decodificados em gestos.
Delineiam-se em recortes interpretativos tirados de elementos de contexto político, social
e cultural na mesma linha. Então, o movimento torna-se ponto de encontro entre imagem,
tempo, espaço e formam-se ressonância no meio e entre informações, adquirindo
contribuições emprestadas de outras culturas, as circunvizinhas. Nasce aí um gestual
próprio no coração da fenomenologia. Um mergulho que estabelece uma relação dual
com o fluxo das águas que favorece o contato com outras culturas, outros corpos, outros
lugares, por opção de preservar alguém no espaço (SANTAELLA, 2005).
A incorporação de elementos pertencentes a essas culturas, que deságuam em
trilhas sobre as quais emergem como matriz deixam uma impressão profunda que
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direciona a atenção rumo à tendência do étnico e são considerados como elementos
exóticos. Sua trilha se dá, no construir, formas livres e espontâneas que permitem a
interpretação de um sentimento pessoal, momentâneo em resposta a estímulos de
códigos diários. Contam pensamentos estéticos, por meio de gestos levados por
caminhos até os diversos modos de manifestações antagônicas, ao mesmo tempo,
opostas e complementares. Por isso mesmo, produzem discursos próprios, portadores de
tradições e, cheia de referências do ambiente ao qual pertencem. É corpo e alma que
operam por meio de estados de movimento e repouso; velocidade e lentidão, tudo
fazendo parte do ambiente. Emergem de movimentos de liberdade, lado a lado com as
ações e fenômenos instalados numa trilha única e pessoal que vaza de um casamento
entre culturas.
Vianna (1990, p. 113) diz que, “todo o nosso ser corporal percebe e distingue
imediatamente as coisas no nosso meio ambiente”. São imagens de dentro e de fora que
transitam pelo corpo e ambiente transformando informações inconscientes que na prática
é impossível separar atitude de postura, o que é imaginário e o que é real. Transitam por
vários ambientes e contextos, trocando informações possíveis, entre o corpo e o ambiente
e traz nas batidas do coração um ritmo natural e na respiração a qualidade de
movimentos que se instalam num discurso próprio. Está atento às “suas reações
extraordinariamente agudas para tudo o que é de interesse no seu ambiente”. Escuta e
sente manifestações corporais, em constante processo de mutação no estado de sempre
presente “à medida que nosso corpo abre caminho através do tempo e que o mundo
circundante se transforma e nos acena com novas situações e estímulos” [...] “podendo
então dizer que a nossa imagem é a imagem de nosso corpo”, afirma Vianna (1990) apud
Angel Vianna e Alice Pope (2011).
Pode ser observada, por exemplo, no momento em que a mulher ribeirinha lava
roupa no jirau,2 trata e tica3 o peixe, entra e sai da canoa, mexe a farinha, extrai o tucupi4
no tipiti5. Referem-se a resultados interpretativos ao qual todo ator, aqui representado pelo
ribeirinho está destinado a chegar se a investigação sobre o signo for internalizada,
possibilitando essa „escuta do corpo‟ que é atraído pelo empenho solidário para com a
2 Jirau - armação de madeira semelhante a estrado ou palanque para uso doméstico.
3 Tica - termo regional usado para preparar o peixe, ticar, ou seja, retalhar o peixe para fritar.
4 Tucupi- espécie de molho feito com água de goma e pimenta - acompanha pratos regionais
5 Tipiti - espécie de prensa ou espremedor de palha trançada para escorrer e secar raízes.
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vida coletiva de uma cultura que assimila pilares estéticos como herança. Uma
complexidade de sobreposição de ritmos e movimentos, nesse vasto espaço investigativo
e amazônico.
Provocam experiências novas
que levam a descobertas de muitas
possibilidades de percepção e
organização no estado corporal.
Agregam valores estéticos podendo
materializar ideias onde o corpo se apropria de informações que não desaparecem e vão
se estruturando em falas próprias exibindo particularidades através das ações que se
transformam e se organizam apresentando discurso que é próprio do seu fazer do corpo
(SETENTA, 2008).
O corpo do ribeirinho torna-se disponível ao processo adotado, passa a comunicar-
se com as informações agregadas em movimentos que se repetem revelando traços e
matrizes num trânsito de ideias singular e particular, movido pelo propósito do fazer do
corpo. Mostra-se carregado de significados, em trocas incessantes com um ambiente que
é de seu pertencimento, que reinventa a cada experimentação corpórea no seu processo
Figura 1 – Movimentos gestuais no cotidiano do ribeirinho.
Fonte: arquivo da autora (2008).
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performático, porque o corpo em movimento pode ser decifrado como matriz enunciando
um pensamento performativo (KATZ, 1994).
Afirma a autora que,
Inserido neste viés, o movimento pode ser decifrado como a matriz cinética do pensamento do corpo. A hipótese de que o corpo, tal como o cérebro, também possui um pensamento, permite que se desloque a ênfase usual do entendimento da dança. Pensamento, aqui, deve ser entendido como uma ação movida por um propósito (KATZ, 1994, p. 84)
Esse propósito que fala Katz está na trilha que discorre entre linguagens verbais e
não verbais, do corpo do ribeirinho em conexão com a consciência perceptiva sobre
conteúdos inseparáveis da sua personalidade e de suas próprias falas gestuais. A dança
se faz assim, diz a autora, permite ir além, escuta e vê a cor do gesto como elemento
matriz percebido e escolhido, ou seja, como tema que invade o campo cognitivo em seus
diálogos corporais internos e externos movidos por uma rede perceptiva da ação do
pensamento na forma do corpo.
Funcionam como molas propulsoras, na vida cotidiana do ribeirinho despertando
responsabilidade ética como um bom começo para descoberta de que a natureza já
contém em si eloquência própria numa simples qualidade de sensação, de percepção e
de sugestão.Tem poder sugestivo da mensagem em detrimento de sua função laboral,
ganham o brilho, a cor e a textura com qualidade inconfundível, são interpretadas pelo
corpo e invadem outros afazeres que fazem parte do dia a dia do povo da floresta.
Santaella (2005) afirma que, são elementos que representam o objeto e transmite
informações que produzem mensagens claras e sensações perceptivas, de modo próprio
de vida, como apelo cinestésico6. Tornam os sentimentos parceiros de movimentos e
gestos num fluxo que não estanca. Promove uma escuta interior que é responsável pelo
equilíbrio e o reconhecimento postural nas realizações de suas atividades práticas
cotidianas. Percebemos aí que, o gesto está presente no ambiente. São ações que tem
cor e têm cheiro, nascidas dessas informações que fluem simultaneamente, a outras
experiências e, sugerem novas mensagens que ainda se farão presentes em ações
futuras. A diversidade de imagens da natureza alimenta a imaginação interligando de
6 Cinestesia - termo utilizado para nomear a capacidade em reconhecer a localização espacial do corpo, sua
posição e orientação, a força exercida pelos músculos de forma perceptiva.
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forma transdisciplinar objetos que revelam saber, acrescidas de configurações variadas
do fazer humano.
O signo pode provocar ações ativas no estado corporal do ribeirinho/ator nesse
processo e figuras ganham vida própria, atravessando o corpo construindo ideias,
brincando entre espaço e tempo em fluxo contínuo numa releitura que permite explorar
mais essa escuta do ambiente, organiza e provocam, de alguma forma, ganhos
conceituais importantes.
Imaginem uma casa habitada, cheia de espaços entre paredes e jardins, objetos
carregados de significado, assim é o nosso corpo. Habitado por monstros, crenças e
memórias, cheia de vãos e desvãos carregados de crenças, de preconceitos, de ideias,
de medos e sustos, pudor e significados. Ambiente perfeito onde habitantes se misturam
entre os espaços e flutuam os nossos medos, as ideias, os amores, a raiva e os
fantasmas. Igualmente é esta casa, que é o corpo, que é a nossa morada, somos nós,
que segundo João Batista Freire é “habitada pelo sensível e pelo inelegível que convivem
sob o mesmo teto e estarão, inevitavelmente, sempre em conflito necessário” (1991,
p.145).
Conflitos que circulam e navegam pelo corpo explorando esses vãos. São
mensagens que abordam o corpo com imagens que fazem trocas incessantes com o
ambiente e revelam um conjunto de acontecimentos que chegam intuitivamente
controlados pela razão como resultado transitório que como instruções desenham
caminhos produzindo dança que para Katz, é “um fluxo que jamais acaba”. Assim como o
curso dos rios por onde o sempre novo emerge cada vez que o movimento se dá a ver.
Porque, “dança é quando e depois e descobertas infiltram comportamentos e fica
parecendo cada vez mais com o rio” descreve poeticamente a autora (2005, p.39).
A dança se faz assim, diz Katz, permite ir além, escuta e vê a cor do gesto como
elemento matriz percebido e escolhido, ou seja, como tema que invade o campo cognitivo
em seus diálogos corporais internos e externos movidos por uma rede perceptiva da ação
do pensamento na forma do corpo. Funcionam como molas propulsoras, na vida cotidiana
do ribeirinho despertando responsabilidade ética como um bom começo para descoberta
de que a natureza já contém em si eloquência própria numa simples qualidade de
sensação, de percepção e de sugestão.
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Trata-se, portanto, do rastro do gesto que o mover das articulações vinculadas ao
próprio fazer produzi diferentes fazeres em um discurso só seu e não vão além das
possibilidades do corpo, buscando na sua trilha correlações entre performance e memória
através dos sentidos a partir de um ir e vir nesse trânsito sem fronteiras. Dessa maneira,
atividades de improvisação, ou consciência corporal se tornam responsáveis pela
dimensionalidade que é entendida pelo corpo do intérprete criador - aqui representado
pelo ribeirinho, e, corpora informações que privilegiam ações que brotam da trilha
ambiente onde o movimento expressa um gestual de uma escuta que vem da terra.
Corpo e trilha da escuta poética do gestual no ambiente ribeirinho
A dança é o signo da cognição que o corpo revela como usuário e proprietário
daquilo que escuta e estabelece através de imagens que se esparramam pelo espaço
imprimindo formas, fazendo travessias num fluxo contínuo, desencadeando arranjos
infinitos, que, contam histórias. Devemos ter em mente que falar de „escuta poética‟
implica em falar de muitos caminhos e ouvir muitas vozes. É estar conectado com o
universo, aberto e atento aos fatos, a „escuta da natureza‟, ao presente nas percepções e
sensações do corpo tomando o ambiente como seu, estabelecendo relações de
pertencimento entre informações em formas de conceitos de repetição e criatividade.
Segundo Prigogine (1986)7 uma „escuta poética‟ é passear por caminhos de
passado e de futuro, incorporando valores, perceptivos, e possibilidades, capazes de
ouvir o apelo da natureza.para compreender melhor os fenômenos da natureza, através
do silêncio. Reuni falas que fazem pensar por imagens de forma trans em novos
processos numa escuta que religa a subjetividade poetizando o corpo” que recebe e
seleciona essas informações e o torna apto a dialogar em seu meio ambiente, que é de
seu pertencimento, promovendo uma liberdade única que busca investigar, compartilhar
com outros saberes e conta histórias. Traduz um processo entre o fazer e o dizer de suas
saudades, de seus saberes “capaz de respeitar a natureza que se faz falar” e afirma: é
“colocar-se na escuta da natureza” (p. 189).
7 Ilya Prigogine - Pai da Teoria das Estruturas Dissipativas; Prêmio Nobel de Física de 1979,
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Garante o autor que, “uma “escuta poética” é comunicação que se dá a partir da
correlação mística, da poesia e música, para compreender melhor os fenômenos da
Natureza” de forma fenomenológica. Então, o sujeito observa, deduz, apreende e
organiza gestos e movimentos com autonomia de espaço-tempo. Transita por fronteiras
agregando e processando conhecimentos, de forma ininterrupta reconhecendo
informações sempre sujeito as modificações.
Apreende imagens que são construídas e desconstruídas interagindo com o meio
ambiente, liberto de paradigmas sociais, culturais, raciais, éticos e abre caminhos às
diferenças. Segundo ele “circula pelo corpo e promove diálogos através de estímulos no
uso de imagens, desenhos e cores, em variados ritmos numa relação com o universo de
significados, em conectividade com um espaço aberto, produtivo e inventivo” (op. Cit.).
Percebemos então, uma perfeita sintonia com o assunto que tratamos aqui onde a
expressão gestual do ribeirinho aparece em níveis de complexidade se presenteando na
densidade de uma escuta revelada a partir de no corpo que transita pelas diferenças
numa tensão manifestativa, na cor do gesto, na trilha ambiente e, é, portanto, uma escuta
com a visão que reconhece o corpo e se utiliza de uma escuta própria, conta histórias do
lugar, revela gestos que expressam o mundo oculto a partir de movimentos, ligado ao
sentir.
Nesse momento, intuímos que o espírito inventivo do ribeirinho torna-se cúmplice
da sua historicidade, mostra-se conectado a uma evolução tônica e corporal, com enorme
carga afetiva de incertezas e questionamentos, ligados ao cognitivo dançando de dentro
para fora, revelando uma poesia transcrita nos íntimos impulsos de um corpo, em seus
ritmos e gestos, dançando e contando histórias, expandindo-se, impregnando o seu corpo
com material de arquivo detentor dessa memória gestual, cotidiana inserida no meio
ambiente.
Poetizando com Fernando Pessoa: “então, corpo é linguagem, mundo e memória”
(1888 - 1935).
Dessa maneira, o gestual, na trilha ambiente do ribeirinho torna-se cada vez mais
rica em diversidade associando-se numa auto-organização viva que religa culturas,
partindo do aleatório, do inesperado, tomando decisões sob a ordem do improviso.
Transforma saberes prosseguindo numa aventura nova de fazer e dizer a sua dança,
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mantida pela possibilidade da coexistência, vinculada a pressupostos da sua área,
construída nos acontecimentos do expediente cotidiano.
Movimentos que são gradualmente incorporados a linguagem do dia a dia,
passando por rituais de todo tipo, ajustando-se a movimentos dinâmicos interagindo a
outras linguagens e outros vocabulários se tornando inclusivos ao que é diferente
ajustando-se, ao que chega de outras partes, (re) configurando, criando assim, uma
grande quantidade de variáveis numa liberdade de arranjos de movimentos onde, o
movimento pode ser continuo, e inúmeras modificações podem ser imaginadas.
Vianna diz que,
cada um de nós possui a sua própria dança e seu próprio movimento, original, singular e diferenciado, e é a partir daí que essa dança e esse movimento evoluem para uma forma de expressão em que a busca da individualidade possa ser entendida pela coletividade humana (VIANNA, 1990, p.118).
Estão presentes em ações capazes de explodir criativamente, proporcionando „uma
nova escuta e uma escuta velha‟ que Fux (1983) chama de “ideia do espelho interior”,
uma escuta e um contato consigo mesmo para descobrir suas próprias respostas. A
autora parte do pressuposto que no silêncio podemos escutar o som do próprio corpo,
descobrindo uma vasta possibilidade de lidar com o desconhecido, porque a curiosidade é
da natureza humana e o corpo é propício a experimentações.
É “pura simultaneidade entre conexão percepção-ação que são codificadas,
percebidas e sentidas passo a passo”, diz Kazt (2005, p.39). Segundo ela é mediada por
um veículo de comunicação, portanto, se dá na escuta do fazer, do dizer, do agir e do ser,
de forma transdisciplinar que se coloca a disposição do corpo aberta a diálogo com a arte,
a literatura, a poesia e as experiências espirituais.
Derramam-se em imagens que nos levam ao processo de projeção do nosso
imaginário, usando livremente o peso do corpo num tempo lento das águas dos rios que
correm quase imperceptíveis, sereno calmo e ao mesmo tempo forte simulando a força
bravia da sua energia, “e o corpo copia plasticamente essas histórias decifrando um
mundo aberto, produtivo e inventivo, percorrendo diferenças a cada momento”,
complementa helena Katz. O importante é que esse espaço e tempo não sejam
separados, existindo por suas igualdades e diferenças, dinâmicas e dimensões, para as
contradições, para a colaboração mútua e para a criatividade, coabitando a própria
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diversidade, impregnado de informações priorizando o acesso ao conhecimento
socialmente produzido.
Diz a autora que “é corpo e mente numa cadeia de significados, e, o corpo fica
impregnado de informações que alimentam o processo e, é uma questão central no
contato social e humano”. Katz afirma que, “quem observa o corpo, percebe que nele
ocorrem tanto aprimoramentos graduais quanto emergências”. O sujeito/ator decifra ou
reconhece, naquele momento, mensagens que estão diretamente ligadas a memória, a
imaginação a percepção, a linguagem, o pensamento, elementos envolvidos com a
experiência na construção do processo onde o “trânsito e o fluxo jamais acaba”. Está
sempre incorporada a um processo dinâmico em permanente fluxo, descrevendo
imagens, pensamentos e informações organizando e enunciando em seu corpo suas falas
performáticas. Porque, “a dança é o pensamento do corpo e processa conhecimento”
assegura Katz (1994, p.83).
A improvisação aqui vivenciada pelo ribeirinho apresenta uma dança que pode ser
vista como experiência de sensibilidade e como expressão de conteúdo numa reação
fugaz e temporária, válida somente para aquele momento presente e que, sua repetição
levará a renovados impulsos e reações através do conhecimento sensorial, ou seja, a
novas sensações e a percepções. Isso significa desenvolvimento de diferentes formas de
comunicação funcionando como eixo gerador no processo criativo, no qual não existem
pontos fixos no espaço, qualquer lugar pode ser um espaço cênico onde atos
performáticos são traduzidos em forma e conteúdo e ações cotidianas podem ser
exploradas em seu meio ambiente. (CUNNINGHAM, 2004).
Figura 2 – Processo gestual investigativo descentralizado
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O próprio espaço torna-se suscetível ao movimento com a aproximação orientada
ambientalmente. Um espaço onde “cada ato faz a sua história”. Um espaço
descentralizado, rompendo barreiras, e, no entender de cada grupo, retirando
formulações de fenômenos que a natureza e a vida proporcionam e deslizam numa
conexão em processo criativo. Com essa descentralização, ou seja, aberto a utilizar a
gramaticidade do ambiente criando novos jogos, novas regras a fim de reorganizar a sua
dança, o corpo ganha novas características, que são re-elaboradas no entendimento
corporal perceptivo do ribeirinho gozando de inteira liberdade de expressão
(CUNNINGHAM , p 88, 2004).
O ator/ribeirinho enfatiza a busca investigativa como um procedimento dinâmico
que valoriza a interação do indivíduo com o espaço que é de seu pertencimento. As
verdades são construídas pouco a pouco, ampliando assim, o seu universo de referências
numa proposta que se fortalece a partir das experiências vividas em momentos de grande
sensibilidade estética e fazem parte do processo.
Uma investigação aberta ao espanto porque o espanto é um momento do processo
de pesquisa, de busca. Segundo Freire (1997, p. 30): “Isso quer dizer, crescer,
compartilhar, se espantar e levar o outro a se espantar também, porque, o espanto revela
busca do saber” que completa: “Sem espanto não há ciência, não há criação artística”.
Nessa busca de saber investigativo sobre a escuta poética do corpo nessa trilha
pluricultural e na construção de uma identidade individual, o ribeirinho enfrenta todos os
desafios propostos, os medos, e os espantos com uma única intenção: usar o corpo para
fazer e dizer seus pensamentos num discurso organizado, pleno de significados.
A partir dessas considerações podemos perceber um novo conceito articulado aos
mais variados campos do conhecimento, demonstrando um diálogo entre espaço e
tempo, corpo e movimento relacionando-se com o comportamento das pessoas,
respeitando traços que são comuns. Estão sempre presentes em qualquer fenômeno da
sociedade, e envolvem satisfatoriamente, desafios advindos dessas novas ordens,
enfrentando os riscos e medos com flexibilidade. São traços em busca de bússolas de
Fonte: arquivo da autora (2008).
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sentido, que marcam histórias e ideias dos clássicos e representam um fundamental
instrumento de compreensão, interpretação, diálogo e crítica aberto ao espanto.
Completamente em sintonia com os princípios de Morin (2004), traz a lógica para
as práticas cotidianas e faz dela um instrumental de esclarecimento e postura,
apresentando reflexões para um comportamento ético responsável. Porque, estar atento
significa estar disponível ao espanto, aberto ao processo criativo. Qualquer que seja o
contexto sócio-histórico e código cultural trata a intenção como polo e divisor de águas no
processo interpretativo e tudo é construído socialmente, o ator passa a viver para o
momento.
Um “Momento”, que Sandra Chacra8 (1991, p. 68), trata como dimensão temporal
fenomenológica - aqui e agora, que pode ser entendida e compreendida tantas forem
suas interpretações no processo de construção do conhecimento. A ecologia da ação é,
em suma, levar em consideração a complexidade que ela supõe, ou seja, o aleatório,
acaso, iniciativa, decisão, inesperado, imprevisto, consciência de derivas e
transformações. Os elementos conceituais, culturais e a historicidade, apresentados aqui,
promovem o envolvimento com diversos saberes.
O artigo é um convite a estímulos que deverão ser acionados - como um gatilho,
marcadores cinestésicos importantes que permitam vivenciar certezas e incertezas,
dúvidas e reflexões, investigações e inquietudes quando trata do respeito e liberdade de
expressão gestual, seguindo os princípios da escuta do corpo num diálogo investigativo
em paisagens recortes, atentos e perceptíveis a tópicos corporais e a outros elementos
que se apresentam na estrutura do corpo e do movimento no dia a dia do ribeirinho que
ao receber nutrientes diversos abre, desperta, evolui e organiza falas, interagindo com o
ritmo que assume atributos significativos, ou seja, corpo, memória e história sem
preocupação com padrões estéticos, transformando desafios corporais de forma
perceptiva numa dança que religa subjetividade.
Então, escutar é deixar-se invadir pelo real acontecendo. Por isso, não há fora nem dentro. Talvez fique mais claro, se for possível, que um outro modo de escuta do real é a visão. Ver como escuta poético-onto-fenomenológica é deixar o real se tornar, se doar como presença onde está incluído tanto o que se vê como quem vê
8 Sandra Chacra – estudiosa sobre a Natureza e o Sentido da Improvisação, voltada para o Teatro.
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e a própria luz e a própria clareira onde tudo isso acontece. É deixar eclodir o
"sendo", a realidade se realizando (PESSOA, 1888 - 1935).
Poetizando assim, apresento o corpo do ribeirinho nessa trilha onde o movimento
se dá a ver e foi possível perceber a construção de suas ideias, na produção do
pensamento do seu corpo no discurso próprio oferecendo uma dança pura que segue um
caminho de pertencimentos, que é circular e faz parte do seu habitat.
REFERÊNCIAS
BOGÉA, Inês Bogéa. Espaço e corpo: guia de reeducação do movimento, Ivaldo Bertazzo. São Paulo: Sesc, 2004.
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*Maria do Céu - Lia Sampaio, Msc UFBa/PPGDança; Diret/Coreóg.-Núcleo Universitário de Dança-NUDAC/UFAM e da Cia de Dança Lia Sampaio; Coord. Edit. da Revista Eletrônica ABORÉ; Coord. da Pós Graduação em Dança Educação-PGDE/Esat/UEA. Autora: O delicioso oficio de ensinar a dançar (2014); Música e Movimento, Expressão e Criatividade (1979, 1998 e 2005). [email protected]