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Amor de Perdição: a receita clássica do sucesso
*Jorge Henrique Vieira Santos
Século XIX. Tínhamos uma Europa instigada ainda pelos ecos dos ideais da Revolução
Francesa e frustrada pela enorme impossibilidade de realizá-los gerada das atitudes imperialistas de
Napoleão. Um homem comum propenso a evasões e ao sonho (ainda vivo) de igualdade, fraternidade
e liberdade social sufocado por uma realidade contraditória que instaurava o pessimismo diante da
nova ordem estabelecida. Neste cenário conturbado Camilo Castelo Branco publica Amor de
Perdição. A obra obtém sucesso imediato.
Ora, a trama sentimental tem os ingredientes necessários a alentar almas atormentadas.
Vê-se o sofrimento pelo qual passam as personagens em suas peripécias e tem-se a confortável
sensação egoísta de que não se sofre sozinho, de que há outros que também padecem. O homem, de
maneira geral, compraz-se profundamente com a angústia de seu semelhante, que lhe tem sabor
familiar.
Entretanto, o que dá à obra Amor de Perdição um caráter de atemporalidade, ou seja, o
que a lança às nossas atuais perplexidades, causando-nos a impressão de que sua temática, sua trama,
seus personagens não são tão distantes de nossa realidade, não é somente esse seu sentimentalismo
ultra-romântico, mas sua estrutura catártica, a exemplo das tragédias gregas, a exemplo do clássico
Romeu e Julieta.
Concebida numa época de profundas mudanças sociais e políticas em Portugal: a
exploração inglesa, a invasão francesa, a revolução de 1820, a guerra civil (de 1828 a 1834) e o
Movimento de Regeneração, Amor de Perdição mistura paixões, lágrimas, aventura, idealismo e
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fatalismo num composto trágico que reflete bem o estado de espírito do homem lusitano de então.
Graças à identificação e à conseqüente aceitação alcançada, a obra obteve um sucesso
impressionante.
Muito se deve, contudo, à sua estrutura. A novela segue exatamente a “receita”
aristotélica de tragédia: Possui unidade de ação. O conflito surge pela ruptura de uma estabilidade
que tende para uma solução, no caso, o desentendimento entre as famílias que torna o envolvimento
entre as personagens algo proibido, e faz convergirem todos os esforços para a concretização do ideal
amoroso. Criam-se inúmeras expectativas que são contrariadas à medida que os fatos se desenrolam
(as peripécias), dificultando as possibilidades de solução e criando uma sensação de tensão
progressiva no leitor. Finalmente, ocorre um final trágico que produz o efeito catártico, sem o qual
seria descaracterizada a tragédia, neste caso, a novela. Esse efeito purgador é infalível. Funcionou
nas tragédias gregas, funcionou em Romeu e Julieta e por que não haveria funcionar em Amor de
Perdição?
O homem contemporâneo vive, se não as mesmas angústias e inseguranças, conflitos
talvez bem mais insolúveis que os vividos pelos contemporâneos de Camilo. O homem dos nossos
dias é cercado por uma realidade extremamente competitiva na qual tudo tem um preço e vale pelo
que é, e o pior, não se tem as mesmas oportunidades (luta-se de forma desigual, com armas
desiguais). Seus anseios por igualdade, fraternidade e liberdade tornam-se mais acentuados, mais
necessários, mais impossíveis... Este homem vê diante de si fecharem-se todas as possibilidades de
sucesso e realização pessoal, vive num clima de violência crescente, miséria e absoluta falta de
esperanças, ou melhor, agarra-se a qualquer idéia de alento ou evasão: misticismo, fanatismo,
drogas... Qualquer mecanismo alienante lhe é agradável. Entrega-se às fugas proporcionadas pelas
novelas televisivas (profundamente passionais!), pelos filmes de aventura (em que tudo depende de
um herói puro e valente que salva a mocinha, a pátria, o planeta e, às vezes, a galáxia). Ou seja,
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extremamente propenso a evasões tal qual o contemporâneo de Camilo Castelo Branco, delicia-se
também na fuga e na catarse proporcionada pela novela camiliana. Seria até pertinente afirmar que
onde houver uma alma atribulada haverá terreno acolhedor a Amor de Perdição.
É óbvio que muito se deve ao aspecto sentimental e à estrutura da obra. O leitor é
envolvido por uma narrativa rápida de tensão progressiva e de poucas digressões. Quando dá conta
de si, mal percebe o caráter absurdo e inverossímil dos sentimentos, levados ao mais alto grau de
exagero, e já se vê propenso a uma afeição condescendente por Mariana, a certa antipatia em relação
às atitudes de Baltasar Coutinho, de Tadeu de Albuquerque e de Domingos Botelho, e a um anseio
irracional por ver juntos Simão e Teresa. Sem dúvida, características que contribuem de maneira
decisiva para Amor de Perdição, ainda em nossos dias, despertar-nos a simpatia e provocar-nos até
admiráveis suspiros.
*Jorge Henrique Vieira SantosLicenciado em Letras pela Universidade Federal de SergipeEspecialista em Língua Portuguesa pelo IBEPEX/FACINTER.
Nossa Senhora da Glória-Sergipe-Brasil.
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