Revista Eletrônica Novo Enfoque, ano 2012, v. 15, edição especial, p. 07 – 15
ACIDENTES COM ANIMAIS PEÇONHENTOS NO MUNICÍPIO DE
MANGARATIBA, RJ
CARDOSO, Carlos Ferreira de Lima1
SOARES, Marcelo de Araújo
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Palavras-chave: Animais peçonhentos; Acidentes. Mangaratiba. Rio de Janeiro.
Problemática
O município de Mangaratiba fica na região metropolitana do estado do Rio de
Janeiro e é considerado o portão principal da Costa Verde. A economia do município é
caracterizada principalmente pelo turismo, por conta da exuberância de seus atrativos
naturais e culturais (BANDIM et al., 2009). No estado do Rio de Janeiro são
diagnosticados anualmente centenas de casos de acidentes com animais peçonhentos,
entretanto, muitos desses registros não fazem parte das estatísticas oficiais do Ministério
da Saúde.
A falta de dados dos Sistemas de Informações do Ministério da Saúde sobre o
município de Mangaratiba levou-nos ao desenvolvimento do presente estudo, que teve
por objetivo apresentar informações e registros sobre os índices de acidentes com
animais de importância médica deste município, que, atualmente, sente o impacto
causado pelo crescimento do Porto de Itaguaí e a duplicação da Rodovia Rio-Santos e
que vem acelerando o processo de ocupação da região, devastando áreas florestadas,
aumentando os registros de sinantropismo de diversas espécies de animais de
importância médica e aumentando o número de acidentes com animais peçonhentos
nesta região turística. No presente trabalho registramos acidentes no município, entre os
anos de 2007 e 2011, que são aqui informados.
1 Universidade Castelo Branco. Av. Santa Cruz, 1631 – Realengo, Rio de Janeiro, RJ, 21710-250; PIBIC&T. [email protected].
2 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Departamento de Vertebrados, Setor de Herpetologia, Quinta da Boa Vista, São Cristóvão – Rio de Janeiro, RJ, 20.940-040. Universidade Castelo Branco. Av. Santa Cruz, 1631 – Realengo, Rio de Janeiro, RJ, 21710-250; PIBIC&T. [email protected].
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Procedimentos Metodológicos
O presente trabalho teve por objetivo fornecer dados estatísticos sobre acidentes
com animais venenosos ou peçonhentos do município de Mangaratiba, obtendo
informações nos hospitais públicos e particulares, clínicas, postos de saúde em zonas
urbanas e rurais, assim como da Secretaria Municipal de Saúde. O presente estudo
também identifica os principais grupos de animais peçonhentos do município de
Mangaratiba, reconhecendo sua relação no meio urbano e esclarecendo os aspectos
sinantrópicos dos acidentes. O trabalho contribui também para o conhecimento
específico sobre animais de importância médica da região, gerando informações sobre
biologia clínica e terapêutica dos acidentes, abordando conceitos sobre reconhecimento,
tratamento, profilaxia e epidemiologia.
Resultados Principais
SERPENTES
O temor pelas serpentes encontra-se impregnado no imaginário popular, muito
embora esse medo não tenha sido suficiente para motivar medidas eficientes no controle
dos acidentes por eles provocados (CARDOSO & WEN, 2009). A OMS (Organização
Mundial de Saúde) calcula que ocorram no mundo 1.250.000 a 1.665.000 acidentes por
serpentes peçonhentas por ano, com 30.000 a 40.000 mortes (SWARROP & GRAD,
2001). Conforme o MINISTÉRIO DA SAÚDE & CONASEMS (2009), as serpentes
peçonhentas de importância em saúde pública no Brasil são as do gênero Bothrops
Wagler (1824) – jararaca, jararacuçu, urutu, cotiara, caiçaca –, Crotalus Linnaeus
(1758) – cascavéis, Lachesis Daudin (1803) – surucucu, surucucu-pico-de-jaca – e
Micrurus Wagler (1824) – corais verdadeiras.
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Figura 1 – Acidentes com serpentes no município de Mangaratiba, de 2007 a 2011.
No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, ocorrem entre 19 mil a 22 mil
acidentes ofídicos por ano. Segundo a Coordenação Nacional de Controle de Zoonoses
e Animais Peçonhentos (CNCZAP) do Ministério da Saúde, no período de 1990 a 1993
ocorreram 81.611 acidentes, com uma média de 20 mil casos/ano para o país. A média
de incidência foi de 13,5 acidentes /100 mil habitantes, com a região Centro-Oeste
contribuindo com o maior índice do país (33 acidentes/100 mil habitantes). Seguido
pela região Norte (24 acidentes/100 mil habitantes), Sul (16 acidentes/100 mil
habitantes), Sudeste (13 acidentes/100 mil habitantes), deixando para o Nordeste o título
de menor índice (sete acidentes/100 mil habitantes), provavelmente devido à
subnotificação, tendo em vista as dificuldades de acesso aos serviços de saúde dessa
região. Dentre os casos em que o gênero da serpente foi informado, Bothrops foi
responsável por 90,5% dos casos, Crotalus, por 7,7%, Lachesis, por 1,4% e Micrurus,
por 0,4%. A letalidade geral foi de 0,45%, sendo maior nos acidentes crotálicos (1,87%)
(PINHO & PEREIRA, 2001).
No município de Mangaratiba foram registrados, segundo a Secretaria Municipal
de Saúde, 73 casos de acidentes envolvendo serpentes, entre os anos de 2007 e 2011,
sendo que sete casos em 2007, 16 em 2008, 23 casos em 2009, ano com maior número
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de acidentes, 18 casos em 2010 e 9 em 2011 (figura 1). As serpentes causadoras do
maior número de acidentes ofídicos no município foram as jararacas e jararacuçus,
viperídeos que pertencem ao gênero Bothrops.
ARANHAS
Segundo LUCAS (2009), é característica exclusiva das aranhas a presença de
glândulas de veneno associado às quelíceras. Quase todas as espécies apresentam essa
característica. As raras exceções são espécies da família Uloboridae e Holoarchaeidae.
Todas as demais têm veneno e podem causar acidentes. Entretanto, nem todas são
responsáveis por acidentes graves em humanos, devido a diversos fatores como: baixa
toxicidade de veneno para humanos, quantidade insuficiente de veneno injetado,
quelíceras não capazes de perfurar a pele ou pelo fato de as espécies viverem em locais
pouco frequentados pelo homem. A Organização Mundial de Saúde considera apenas
quatro gêneros de aranhas com espécies que podem causar um envenenamento grave no
ser humano, a saber: Latrodectus, Loxosceles, Phoneutria (Araneomorphae) e Atrax. No
Brasil, as aranhas perigosas pertencem aos três primeiros gêneros, totalizando cerca de
20 espécies. As aranhas causadoras do maior número de acidentes no estado do Rio de
Janeiro pertencem ao gênero Loxosceles.
Figura 2 - Acidentes com aranhas no município de Mangaratiba, de 2007 a 2011.
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No município de Mangaratiba foram registrados, entre os anos de 2007 e 2011,
apenas três casos de acidentes com aracnídeos, sendo um no ano de 2007, um em 2009
e um em 2011 (figura 2).
ESCORPIÕES
Segundo Cardoso & Wen (2009), os escorpiões estão entre os primeiros animais
que apareceram na Terra, datando seus fósseis aproximadamente 400 milhões de anos,
sendo muito semelhantes às espécies atuais. Assim como no mundo todo, o acidente
escorpiônico no Brasil constitui um problema atual de saúde pública, não só pela sua
grande incidência em determinadas regiões, como pela sua potencialidade em ocasionar
quadros graves, às vezes fatais, principalmente em crianças. No Brasil, três espécies de
escorpiões do gênero Tityus têm sido responsabilizadas por acidentes humanos graves e
mesmo fatais. O T. serrulatus ou escorpião amarelo, T. bahiensis ou escorpião marrom
e T. stigmurus; sendo o T. serrulatus o responsável pela maioria dos casos de maior
gravidade.
Os acidentes causados por escorpiões no Rio de Janeiro geralmente são
atribuídos à espécie T. serrulatus, que causam sérias complicações, podendo levar ao
óbito. Os sintomas podem variar de acordo com o tipo do acidente. Acidentes leves
podem apresentar vômitos ocasionais, taquicardia e agitação discretas, decorrentes da
ansiedade e da dor forte. A dor local pode ser combatida com anestésicos sem
vasoconstritor, injetados no local da picada ou sob forma de bloqueio (CUPO et al.,
2009).
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Figura 3 - Acidentes com escorpiões no município de Mangaratiba, de 2007 a 2011.
Segundo a Secretaria de Saúde do município de Mangaratiba, entre os anos de
2007 e 2011, foram registrados apenas dois casos de acidentes envolvendo escorpiões,
um no ano de 2008 e outro em 2009 (figura 3).
Considerações Finais
Segundo Bochner & Struchiner (2002), apesar da longa tradição do Brasil no
campo do ofidismo, somente em junho de 1986, e em decorrência da crise na produção
de soro no país, que culminou com a morte de uma criança em Brasília, foi implantado
o Programa Nacional de Ofidismo na antiga Secretaria Nacional de Ações Básicas em
Saúde do Ministério da Saúde (SNABS/MS), dando início a uma nova etapa no controle
dos acidentes por animais peçonhentos. A partir dessa época, os acidentes ofídicos
passam a ser de notificação obrigatória no país, e dados sobre escorpionismo e
araneísmo começaram a ser coletados a partir de 1988. Existe uma estreita relação dos
acidentes com animais peçonhentos com populações desfavorecidas, não apenas por
apresentarem elevados percentuais de renda insuficiente, mas pela carência de
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alfabetização dos jovens, sugerindo a pouca educação da população mais exposta. Esta
constatação é bastante significativa ao pensarmos no aumento da gravidade dos casos
devido a condutas inadequadas tomadas pela população menos informada, como a
utilização de torniquete, a colocação de diversas substâncias no local da picada, a
ingestão de bebidas alcoólicas e a demora em buscar tratamento médico especializado
(BOCHNER, 2003).
É importante salientar que a obrigatoriedade das notificações estava intimamente
ligada à crise na produção de soro, pois uma das estratégias adotadas pelo MS para
enfrentar o problema, foi a aquisição integral dos soros produzidos, que implicou na
racionalização da oferta do produto, em nível nacional, e o estabelecimento de cotas de
soros antiofídicos para as Secretarias Estaduais de Saúde, de acordo com a demanda
estimada para cada estado (CNCZAP, 1991). A carência de informações coletadas
através do SINAN, único sistema nacional que possui um módulo específico para tratar
desse tipo de agravo à saúde, justifica a análise de outros sistemas nacionais de
informação, que contemplam o registro de acidentes por animais peçonhentos
(BOCHNER & STRUCHINER, 2002).
No estado do Rio de Janeiro são diagnosticados anualmente centenas de casos de
acidentes com animais peçonhentos, que pela falta de informação e de conhecimento
prévio de preenchimento de fichas e prontuários médicos e pronto atendimento, muitos
desses registros não fazem parte das estatísticas oficiais do Ministério da Saúde. A falta
de informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN, sobre
diversos municípios do Estado do Rio de Janeiro, reforça a premente necessidade da
revisão e criação de outros sistemas regionais de informação que contemplem o registro
de acidentes por animais peçonhentos dos municípios, assim como de capacitar as
Secretarias Municipais de Saúde a gerar informações necessárias e suficientes para se
conhecer a real dimensão dos acidentes com animais venenosos e peçonhentos do
estado do Rio de Janeiro.
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Referências
BANDIM, M.; HEFFENER, L.; SOUZA, L. C. Relato Histórico de Mangaratiba.
Fundação Mario Peixoto. Secretaria Municipal de Cultura. Mangaratiba. Rio de Janeiro.
2009.
BOCHNER, R. Acidentes por animais peçonhentos: aspectos históricos,
epidemiológicos, ambientais e socioeconômicos. Tese de Doutorado. Escola Nacional
de Saúde Pública Sérgio Arouca. Rio de Janeiro. 2003.
BOCHNER, R. & STRUCHINER, C. J. Acidentes por animais peçonhentos e sistemas
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CARDOSO, J. L. C. & WEN, F. H. Introdução ao Ofidismo. In: CARDOSO, J. L. C.;
SIQUEIRA FRANÇA, F. O. de; WEN, F. H.; MALÁQUE, C. M. S.; HADDAD JR., V.
Animais peçonhentos no Brasil: biologia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2. ed.
São Paulo: Sarvier, 2009. Cap. 1 p. 3-5.
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CUPO, O.; AZEVEDO-MARQUES, M. M. de; HERING, S. E. Escorpionismo. In:
CARDOSO, J. L. C.; SIQUEIRA FRANÇA, F. O. de; WEN, F. H.; MALAQUE, C. M.
S.; HADDAD JR., V. Animais Peçonhentos do Brasil: biologia clínica e terapêutica
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LUCAS, S.M. Aranhas de Interesse Médico no Brasil. In: CARDOSO, J. L. C.;
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MINISTÉRIO DA SAÚDE, CONSELHO NACIONAL DAS SECRETARIAS
MUNICIPAIS (CONASEMS), O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios, 3.
ed., Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2009. 480 p.
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PINHO, F.M.O. & PEREIRA, I.D. Ofidismo. Rev. Assoc. Med. Bras. [online]. 2001,
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SWARROP S. & GRAD B. Snakebite mortality in the world. Bull World Health Org
1954; 10: 35-76 In: PINHO, F.M.O. & PEREIRA, I.D. Ofidismo: artigo de revisão.
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