UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
KELLY MONTEIRO
A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Biguaçu2010
KELLY MONTEIRO
A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Leite Garcia
Biguaçu2010
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KELLY MONTEIRO
A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e
aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de
Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Constitucional
Biguaçu, 25 de novembro de 2010.
Prof. Dr. Marcos Leite GarciaUNIVALI – Campus de Biguaçu
Orientador
Prof. MSc. Gabriel Paschoal PítsicaUNIVALI – Campus de Biguaçu
Membro 1
Prof. Loreno Weissheimer UNIVALI – Campus de Biguaçu
Membro 2
3
Dedico este trabalho a Jesus – o
caminho, a verdade e a vida.
4
AGRADECIMENTOS
Acima de todos e de todas as coisas agradeço a Deus, pelo dom da vida
e por todas as coisas que tem feito em meu favor.
Meus sinceros agradecimentos à minha mãe, que não me deixou desistir de
fazer o curso que eu tanto queria; por nunca medir esforços para eu alcançar meus
objetivos; por estar sempre presente nos momentos em que mais preciso; por me
orientar em todas as decisões e apoiar as minhas escolhas.
Agradeço ao meu pai e aos meus irmãos, que em todo o tempo torceram por
mim e me deram o incentivo e apoio necessários para que eu não desistisse dos
meus sonhos.
Ao meu marido, pelo apoio incondicional; por compreender o quanto estudar
é importante para mim; e por compartilhar todos os meus sonhos, incentivando para
que eu jamais desista deles.
Ao Ministério Publico Estadual e ao Ministério Público Federal que
contribuíram para a aquisição de minhas primeiras experiências “profissionais” no
ramo do Direito.
À minha ex-chefe, Dra. Andréa da Silva Duarte, pelos conhecimentos
compartilhados.
Aos colegas do Ministério Público Federal, especialmente Marina e
Amélia, por tornar minhas tardes de estágio mais agradáveis.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Marcos Leite Garcia, que gentilmente aceitou
o convite para a orientação.
Aos mestres, funcionários e amigos da Univali, que de alguma forma
contribuíram para a minha formação acadêmica.
A todos vocês registro aqui minha sincera gratidão.
5
“Falar-se em decisão de tribunal superior
sem força vinculante é incidir-se em
contradição manifesta. Seriam eles meros
tribunais de apelação, uma cansativa via crucis imposta aos litigantes para nada,
salvo o interesse particular do envolvido
no caso concreto, muito nobre, porém
muito pouco para justificar o investimento
público que representam os tribunais
superiores.”
J.J. Calmon de Passos
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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o
Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Biguaçu, 25 de novembro de 2010.
Kelly Monteiro
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RESUMO
O título do presente trabalho, a súmula vinculante à luz do princípio constitucional da
separação dos poderes, resume seu enfoque principal, cuja perspectiva é avaliar se
a Emenda Constitucional n. 45/2004 conferiu ao Supremo Tribunal Federal o poder
de legislar e se a súmula vinculante é (in) compatível com o princípio em estudo. O
princípio constitucional da separação dos poderes está previsto no artigo 2º, da
CRFB/1988, o qual estabelece que os três poderes da União – Executivo, Legislativo
e Judiciário – são independentes e harmônicos entre si. Ocorre que, com o advento
da Emenda Constitucional n. 45/2004, o Poder Constituinte derivado reformador
conferiu ao Poder Judiciário, especificamente ao Supremo Tribunal Federal, a
competência para elaborar súmulas que vinculam os tribunais pátrios e a
administração pública, o que tem gerado polêmica em torno do suposto caráter
normativo desse instituto. Propondo-se a análise desta discussão, discorre-se no
primeiro capítulo a jurisprudência e as súmulas aplicadas no sistema jurídico
brasileiro; os primeiros movimentos de aplicação vinculante no Brasil; e o surgimento
da súmula vinculante no ordenamento jurídico pátrio. No segundo capítulo, trata-se
da Emenda Constitucional n. 45/2004; da regulamentação do Art. 103-A, da
CRFB/1988 pela Lei n. 11.417/2006; dos requisitos para a edição da súmula
vinculante; e dos aspectos positivos e negativos deste instituto. No terceiro capítulo,
enfoca-se a separação dos poderes, tanto a base teórica como o princípio previsto
no artigo 2º da atual CRFB; o caráter normativo da súmula vinculante; bem como
alguns aspectos sobre a criação legislativa e judiciária do direito; e finalmente faz-se
uma análise doutrinária acerca da compatibilidade da súmula vinculante com o
princípio constitucional da separação dos poderes, cuja discussão até a presente
data não é pacífica.
Palavras-chaves: súmula vinculante, princípio constitucional, separação dos
poderes.
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RIASSUNTO
Il titolo di questo lavoro, il precedente vincolante alla luce del principio costituzionale
della separazione dei poteri, riassume il suo obiettivo principale, la cui prospettiva è
valutare se l’Emendamento Costituzionale n. 45/2004 ha conferito ha la Corte
Suprema il potere di legiferare e il precedente vincolante è (in) compatibili con il
principio nello studio. Il principio costituzionale della separazione dei poteri è prevista
nell'articolo 2º, del CRFB/1988, che stabilisce che i tre poteri dell'Unione - esecutivo,
legislativo e giudiziario - sono indipendenti ed armoniche tra loro. Accade che, con
l'avvento dell’Emendamento Costituzionale n. 45/2004, il potere costituiscono
derivato riformatore ha conferito la magistratura, specificamente alla Suprema Corte,
il potere di elaborare precedenti che sono vincolanti per i tribunali e il governo
patriottico, che ha generato polemiche intorno al presunto carattere normativo di
questo istituto. Proporre di l’analisi di questa discussione si scrive nel primo capitolo
della giurisprudenza e precedenti applicato nel sistema giuridico brasiliano, i primi
movimenti di applicazione vincolante in Brasile, e la nascita di precedente vincolante
nel diritto brasiliano. Nel secondo capitolo, si tratta del’Emendamento Costituzionale
n. 45/2004, della regolamentazione dell’Articolo 103-A, del CRFB/1988, da legge n.
11.417/2006; i requisiti per edizione di precedente vincolante, e gli aspetti positivi e
negativi di questo istituto. Il terzo capitolo è focalizzata sulla separazione dei poteri,
la sua base teorica e il principio di cui all'articolo 2º del corrente CRFB, il carattere
normativo delle precedente vincolante, così come alcuni aspetti circa la creazione di
diritto legislativo e giudiziario, e infine fa un’analisi dottrinale circa la compatibilità del
precente vincolante con il principio costituzionale della separazione dei poteri, la cui
discussione fino ad oggi non è pacifica.
Parole chiave: precedente vincolante, principio costituzionale, la separazione dei
poteri.
9
ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS
Art. – Artigo
CPC – Código de Processo Civil
CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil
EC – Emenda Constitucional
n. – número
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
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ROL DE CATEGORIAS
Princípio Constitucional
“Princípios Constitucionais são normas jurídicas caracterizadas por seu grau de
abstração e de generalidade, inscritas nos textos constitucionais formais, que
estabelecem os valores e indicam a ideologia fundamentais de determinada
sociedade e de seu ordenamento jurídico. A partir deles todas as outras normas
devem ser criadas, interpretadas e aplicadas”.1
Jurisprudência
Jurisprudência é “o conjunto uniforme e constante das decisões judiciais sobre
casos semelhantes”.2
Súmula
“Súmula é a síntese de um entendimento jurisprudencial extraído de reiteradas
decisões no mesmo sentido”.3
Súmula Vinculante
Súmula vinculante é a súmula aprovada por dois terços dos membros do Supremo
Tribunal Federal, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional que, a partir
de sua publicação na imprensa oficial, tem efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal.4
1 CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do Direito Constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006. p. 106.
2 STRECK, Lênio Luiz; MOARAIS, José Luis Bolzan. Ciência política e teoria geral do estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 92.
3 GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e Extensão das súmulas vinculantes. Paraná Online. Disponível em: <http://www.parana-online.com.br/editoria/policia/news/133327/>. Acesso em: 10. jun. 2010.
4 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................13
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA SÚMULA VINCULANTE E REFORMA DO JUDICIÁRIO.................................................................16
1.1 A JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO...........................................16
1.2 A NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA.....................22
1.3 AS SÚMULAS PERSUASIVAS............................................................................24
1.4 AS SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSO......................................................29
1.5 OS EFEITOS DAS DECISÕES NO CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE.........................................................................................34
1.6 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA DO JUDICIÁRIO...............39
2 A SÚMULA VINCULANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO..........................................................................................42
2.1 O ARTIGO 103-A DA CRFB/1988, ACRESCENTADO PELO ARTIGO 2º DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45, DE 08.12.2004................................................42
2.2 A REGULAMENTAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE PELA LEI N. 11.417, DE 19.12.2006..................................................................................................................48
2.3 OS REQUISITOS PARA EDIÇÃO DE ENUNCIADO DE SÚMULA VINCULANTE.............................................................................................................55
2.4 OS PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À SÚMULA VINCULANTE.............................................................................................................59
3 A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES......................65
3.1 A DOUTRINA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES...............................................65
3.1.1 Raízes históricas remotas..............................................................................65
3.1.2 Raízes históricas próximas............................................................................68
3.1.3 Locke................................................................................................................70
12
3.1.4 Montesquieu....................................................................................................71
3.1.5 Rousseau.........................................................................................................74
3.2 A SEPARAÇÃO DOS PODERES COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL........74
3.3 A SÚMULA VINCULANTE COMO ATO NORMATIVO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL........................................................................................................81
3.4 A CRIAÇÃO LEGISLATIVA E JUDICIÁRIA DO DIREITO...................................83
3.5 A (IN) COMPATIBILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE COM O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES..................................................................................85
CONCLUSÃO........................................................................................90
REFERÊNCIAS.....................................................................................96
13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de iniciação científica versa sobre a súmula vinculante,
introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 e tem por objeto o
estudo deste instituto à luz do princípio constitucional da separação dos poderes.
A abordagem deste tema deu-se em virtude dos posicionamentos
dissonantes envolvendo a súmula vinculante e da repercussão no sistema jurídico
pátrio no que tange à constitucionalidade desse instituto, tendo em vista a celeuma
no sentido de que por meio da súmula vinculante o Supremo Tribunal Federal
estaria exercendo atividade privativa de outro Poder da Federação e causando
reflexos no equilíbrio entre os poderes.
O desenvolvimento da presente pesquisa é fundamentalmente relevante,
uma vez que poderá proporcionar maior segurança jurídica para a sociedade em
geral, para os jurisdicionados e para os operadores do direito. A importância deste
trabalho também se encontra amparada na necessidade de avaliar se o Poder
Judiciário está agindo constitucionalmente, respeitando o princípio em estudo, ou se
está extrapolando seus limites de atuação.
Com a presente pesquisa pretende-se avaliar se a Emenda Constitucional n.
45/2004 conferiu ao Supremo Tribunal Federal o poder de legislar e se a súmula
vinculante é (in) compatível com o princípio constitucional da separação dos
poderes.
O referido princípio constitucional está previsto no artigo 2º, da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, o qual estabelece que os três poderes
da União – Executivo, Legislativo e Judiciário – são independentes e harmônicos
entre si. Basicamente, compete ao Poder Legislativo a elaboração das leis, ao Poder
Executivo a execução destas e ao Poder Judiciário a prestação jurisdicional.
Ocorre que, com o advento da Emenda Constitucional n. 45/04, o Poder
Constituinte derivado conferiu ao Poder Judiciário, especificamente ao Supremo
Tribunal Federal, a competência para elaborar súmulas que vinculam os tribunais
pátrios e a administração pública, o que tem gerado polêmica em torno do suposto
14
caráter normativo desse instituto, surgida antes mesmo deste acréscimo no texto
constitucional.
Diante disso, objetiva-se analisar o instituto da súmula vinculante, as razões
de sua introdução no direito brasileiro e o eventual caráter normativo deste instituto,
bem como estudar a base teórica do princípio da separação dos poderes e a visão
moderna deste princípio, com o fim de avaliar a constitucionalidade da súmula
vinculante frente ao princípio em espeque.
A presente pesquisa está estruturada em três capítulos. No primeiro
capítulo, discorre-se a jurisprudência e as súmulas aplicadas no sistema jurídico
brasileiro; os primeiros movimentos de aplicação vinculante no Brasil; e o surgimento
da súmula vinculante no ordenamento jurídico pátrio.
No segundo capítulo, trata-se da Emenda Constitucional n. 45/2004; da
regulamentação do Art. 103-A, da CRFB/1988, pela Lei n. 11.417/2006; dos
requisitos para edição da súmula vinculante; e dos aspectos positivos e negativos
deste instituto.
No terceiro capítulo, enfoca-se a separação dos poderes, a base teórica e o
princípio previsto no artigo 2º da atual CRFB; o caráter normativo da súmula
vinculante; bem como alguns aspectos sobre a criação legislativa e judiciária do
direito; para se chegar à conclusão final desta pesquisa, que é avaliar a
compatibilidade da súmula vinculante com o princípio constitucional da separação
dos poderes.
O presente Trabalho de Iniciação Científica encerra-se com a Conclusão, na
qual serão apresentados pontos relevantes sobre a pesquisa, principalmente
reflexões sobre a atividade especificamente desempenhada pelo Supremo Tribunal
Federal após o advento da EC n. 45/2004, a edição de súmula vinculante.
Quanto à metodologia empregada, registra-se que no desenvolvimento da
pesquisa será utilizado o método dedutivo, na medida em que partirá do geral, aqui
compreendido como análise da origem da súmula vinculante e os aspectos gerais
deste instituto, para chegar ao específico objeto da pesquisa, qual seja, a análise da
súmula vinculante à luz do princípio constitucional da separação dos poderes.
15
1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA SÚMULA VINCULANTE E REFORMA DO JUDICIÁRIO
No primeiro capítulo abordar-se-á alguns antecedentes jurídicos da súmula
vinculante e outros procedimentos utilizados no sistema processual brasileiro que,
de alguma forma, se assemelham ao instituto em estudo e contribuíram para sua
introdução no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, os temas aqui
abordados têm o objetivo de introduzir o assunto e alcançar os principais pontos
deste trabalho, os quais serão suscitados no último capítulo, visando à compreensão
da adoção da súmula vinculante e sua diferença com outros métodos em vigor.
1.1 A JURISPRUDÊNCIA COMO FONTE DO DIREITO
Para entender o sentido da expressão fonte do direito não é necessário ir
muito longe. A palavra fonte significa nascente da água, bica donde verte água
potável para o ser humano. Assim, entende-se, figurativamente, que o termo fonte
designa a procedência de alguma coisa.5
O termo fonte do direito também pode compreender “os processos ou meios
em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória,
isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa.”6 (grifo do
autor)
O estudo das fontes do direito apresenta uma grande variedade de opiniões
doutrinárias sobre o tema. Aqueles que se dedicam ao estudo da Ciência do Direito
divergem opiniões principalmente no que concerne à classificação das fontes.7
5 NUNES, Rizzato. Manual de Introdução ao estudo do direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p.85.
6 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 140.
16
Na lição de Diniz o aplicador do direito deve estar atento para as fontes
materiais e para as fontes formais de direito, “preconizando a supressão da
distinção, preferindo falar em fonte formal-material, já que toda fonte formal contém,
de modo implícito, uma valoração, que só pode ser compreendida como fonte no
sentido de fonte material”.8 Para Gusmão, as únicas fontes do direito são as
materiais, uma vez que fonte, como metáfora, tem o sentido de origem do direito, ou
seja, de onde ele provém.9
As fontes materiais direcionam à origem do direito, como fonte de produção,
e são constituídas por fatores éticos, sociológicos, históricos, políticos, entre outros,
que interferem no desenvolvimento e no conteúdo das normas. As fontes formais se
referem ao modo pelo qual as normas jurídicas se manifestam, dando forma ao
direito material, por meio da aplicação da legislação vigente aos casos concretos e
apresentando-se como fonte de cognição.10
As fontes formais podem ser divididas em estatais e não estatais. As fontes
estatais são legislativas, compreendendo as leis, os decretos, os regulamentos etc.;
e jurisprudenciais, abrangendo as sentenças, precedentes judiciais, súmulas etc. Já
as fontes não estatais compreendem o direito consuetudinário, conhecido como
costume jurídico; o direito científico, que é a doutrina; e as convenções em geral ou
negócios jurídicos.11
As fontes do direito também podem ser designadas como fontes diretas (ou
imediatas formais, primárias) e indiretas (ou mediatas, informais, secundárias). Entre
as diretas encontram-se as normas decorrentes do processo legislativo. Entre as
indiretas estão a doutrina e a jurisprudência, que contribuem para a elaboração e
interpretação da norma, como fonte primária.12
7 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 22. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 137.
8 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 284.
9 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 39. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 101.
10 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 284.11 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 285.12 HAPPKE, André Alexandre. Súmula vinculante e acesso à justiça: natureza e consequências
jurídicas no estado brasileiro. 2007. 147 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí. p. 52.
17
Para o presente estudo interessa tratar da jurisprudência que, segundo
Reale deve ser entendida como “a forma de revelação do direito que se processa
através do exercício da jurisdição, em virtude de uma sucessão harmônica de
decisões dos tribunais”. 13
O termo também é empregado por Diniz como sendo “o conjunto de
decisões uniformes e constantes dos tribunais, resultantes da aplicação de normas a
casos semelhantes, constituindo uma norma geral aplicável a todas as hipóteses
similares ou idênticas”.14
O vocábulo jurisprudência vem do latim juris e prudentia. Este termo era
utilizado em Roma para designar a Ciência do Direito voltada para o conhecimento
das coisas divinas e humanas e do justo e do injusto, salientando a prudência como
o caráter essencial dos aplicadores do direito. Este sentido conferido ao termo pelos
romanos não tem a mesma aplicação nos dias de hoje, pois “atualmente o vocábulo
é adotado para indicar os precedentes judiciais, ou seja, a reunião de decisões
judiciais, interpretadoras do Direito vigente”.15 Outro sentido dado ao termo pelos
romanos, “tinha significado técnico mais restrito, representando a autoridade
normativa dos tribunais”.16
Os magistrados desenvolvem a atividade de aplicar o Direito aos casos
concretos, solucionando os conflitos que surgem em meio à sociedade; para que
isso aconteça o juiz deve interpretar as normas jurídicas antes de aplicá-las. Ocorre
que o Direito não é uma ciência exata que esta à margem de interpretações
conflitantes, muito pelo contrário, a legislação é modificada a todo instante, uma vez
que é criada para atender as necessidades humanas.17
Devido a essa interação com a sociedade, o Direito é uma ciência que se
desenvolve conforme os movimentos sociais; e os cientistas, sem dúvida, expõem
seus conhecimentos segundo suas opiniões pessoais, de ordem política, sociológica
13 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 167.14 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 285.15 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 165.16 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante: um estudo sobre o poder normativo dos tribunais. São
Paulo: Saraiva, 2005. p. 149.17 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 167.
18
e até mesmo religiosa. Por conta disso, existem posicionamentos conflitantes entre
os aplicadores do direito.18
Neste ínterim, cita-se expressivo entendimento de Reale:
A contrário do que pode parecer à primeira vista, as divergências que surgem entre sentenças relativas às mesmas questões de fato e de direito, longe de revelarem a fragilidade da jurisprudência, demonstram que o ato de julgar não se reduz a uma atitude passiva diante dos textos legais, mas implica notável margem de poder criador [...] As divergências mais graves, que ocorrem no exercício da jurisdição, encontram nela mesma processos capazes de atenuá-las, quando não de eliminá-las, sem ficar comprometida a força criadora que se deve reconhecer aos magistrados em sua tarefa de interpretar as normas, coordená-las, ou preencher-lhes as lacunas. Se é um mal o juiz que anda a cata de inovações, seduzido pelas “últimas verdades”, não é mal menor o julgador que se converte em autômato a serviço de um fichário de arestos dos tribunais superiores.19
Reale também ensina que a jurisprudência não é criada por uma ou três
decisões judiciais, e sim por um conjunto de julgados proferidos num mesmo
sentido, que devem coincidir quanto à substância dos casos colocados sob
apreciação do Tribunal. 20
No mesmo norte, Sifuentes salienta que a jurisprudência se caracteriza por
seu modo reiterativo, vez que um único precedente não pode ter essa denominação.
A jurisprudência, além de decisões reiteradas, requer variações de fundo, pois “o
precedente, para constituir jurisprudência, deve ser uniforme e constante.” 21
Por outro lado, Nunes entende que as decisões proferidas em um caso
isolado também podem ser denominadas jurisprudência, tendo em vista que na
prática forense os advogados e membros do Ministério Público citam casos
individuais e isolados para fundamentar seus pedidos. Embora neste caso não se
tenha uma reunião de decisões judiciais, tem-se uma decisão proferida pelo Poder
Judiciário.
O conceito de jurisprudência pode compreender duas noções.
Jurisprudência em sentido amplo, que é o conjunto de decisões uniformes ou
18 LINHARES, Leonardo de Oliveira. Efeito vinculante das súmulas como garantia de um processo de resultados. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 55, mar. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2742>. Acesso em: 06 abr. 2010. p. 01.
19 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 168.20 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 168.21 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 150.
19
contraditórias quanto à aplicação do Direito Positivo; e jurisprudência em sentido
estrito, que comporta apenas o conjunto de decisões uniformes em relação ao
critério de julgamento.22
Mas para Diniz, a jurisprudência como fonte do direito compreende apenas
as decisões uniformes dos juízes e tribunais, que consistem em normas gerais e
obrigatórias criadas pela prática costumeira do Poder Judiciário, consolidando
normas individuais derivadas de casos concretos. É norma como a lei, mas difere
desta por ser mais flexível e maleável, sendo obrigatória e válida por ter
normatividade. Atua como norma enquanto não sobrevier lei ou orientação diversa,
já que pode ser modificada na medida em que o entendimento da maioria dos
aplicadores do direito for alterado. É fonte porque contribui para a criação de normas
jurídicas individuais e para a criação do direito normativo.23
Frequentemente a jurisprudência inova em matéria jurídica, instituindo
normas que não estavam expressas na lei, e que resultam de um processo de
construção alcançado pela união de dispositivos que antes eram vistos
separadamente, ou ao contrário, pela separação de dispositivos unidos entre si.
Nesses casos, o magistrado cria uma norma para o caso concreto, completando o
sistema objetivo do Direito.24
Nesta senda, Reale assevera:
Indagação: “Mas esse trabalho jurisprudencial, esse Direito revelado pelos tribunais e pelos juízes altera substancialmente a lei?”. Depende do ponto de vista. Em tese, os tribunais são chamados a aplicar a lei e a revelar o Direito sempre através da lei. Há oportunidades, entretanto, em que o trabalho jurisprudencial vai tão longe que, de certa forma, a lei adquire sentido bem diverso do originariamente querido.25
De uma maneira ou de outra, a jurisprudência impõe ao legislador uma nova
visão jurídica dos institutos, os quais às vezes acabam sendo alterados
integralmente, forçando a criação de leis que consagrem seu posicionamento. Não
há como negar que a jurisprudência é uma relevante fonte de normas jurídicas, que
22 TORRE, Abelardo. Introducción al Derecho. 5ª ed. Buenos Aires: Editorial Perrot, 1965. Apud: NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p. 166.
23 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 299.24 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 168.25 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 169.
20
atualiza o sentido da lei e lhe confere uma interpretação que supra as necessidades
atuais do julgamento e preencha as lacunas.26
Para saber se a jurisprudência realmente se enquadra no conceito de fonte
de direito é importante saber como ela surge. Ensina Nader, que a jurisprudência se
forma não apenas quando há lacunas ou defeitos na lei, uma vez que além de
aplicar o Direito e interpretar normas, a jurisprudência compreende modelos
extraídos do ordenamento jurídico. Assim, pode apresentar-se três formas de
jurisprudência: secundum legem, praeter legem, contra legem:
A jurisprudência secundum legem é que a se limita a interpretar determinadas regras definidas na ordem jurídica. As decisões judiciais refletem o verdadeiro sentido das normas vigentes.
A praeter legem é a que se desenvolve na falta de regras específicas, quando as leis são omissas. Com base na analogia ou princípios gerais de Direito, os juízes declaram o Direito.
A contra legem é a que se forma ao arrepio da lei, contra disposições desta. É prática não admitida no plano teórico, contudo, é aplicada e surge quase sempre em face de leis anacrônicas ou injustas. Ocorre quando os precedentes judiciais contrariam a mens legis, o espírito da lei.27
Sifuentes afirma que atualmente a jurisprudência já é reconhecida como
instrumento de construção do direito positivo. Mas acrescenta que “a resposta à
pergunta sobre ser ela ou não uma fonte do direito é polêmica e não obteve ainda
consenso entre os doutrinadores.”28
Importante a idéia de Machado, citado por Sifuentes:
Rigorosamente, deveria entender-se que a jurisprudência apenas é fonte de direito quando a orientação assumida pelos tribunais (ou por certos tribunais) na decisão de casos concretos [...] fica a vincular os mesmos ou os tribunais no julgamento de casos futuros do mesmo tipo [...]29
Bem observa Reale que “criando ou não Direito novo, com base nas normas
vigentes, o certo é que a jurisdição é uma das forças determinantes da experiência
jurídica [...]”, e seu alcance aumenta cotidianamente “como decorrência da pletora
legislativa e pela necessidade de ajustar as normas legais cada vez mais genéricas
26 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 299.27 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. p.166.28 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 151.29 MACHADO, J. Baptista. Introdução ao direito e ao discurso legitimador. 10. reimp. Coimbra:
Almedina, 1997. Apud: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 161.
21
ou tipológicas, como modelos normativos abertos (standards) às peculiaridades das
relações sociais”.30
Assim, a jurisprudência, também reconhecida como fonte subsidiária do
Direito legislado, desde o tempo da república romana atua como procedimento de
integração e aplicação do Direito, e embora não tenha força obrigatória, serve de
orientação para os tribunais visando à aplicação uniforme do direito aos casos
concretos.31
1.2 A NECESSIDADE DE UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Para que os cidadãos possam viver tranquilamente em sociedade é
imprescindível que o Estado garanta a todos o direito a segurança jurídica32. E essa
segurança é oferecida pela Constituição, quando respeitada por todos, e pelo Poder
Judiciário, que tem o relevante papel de aplicar as normas jurídicas. Os cidadãos
precisam saber como essas normas serão aplicadas e o que a lei lhes permite ou
não fazer, para então planejarem suas vidas. E isso decorre da função do Poder
Judiciário dizer o direito, que se manifesta por meio das decisões judiciais.33
Kietzmann comenta que “via de regra, a jurisprudência padronizada resulta
na confiança da sociedade quanto aos seus direitos, bem como no estrito
conhecimento sobre a exegese das normas formais”.34
Também pondera Reale que:
30 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 168.31 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. Brasília: Consulex,
2009. p. 39.32 Segundo Canotilho, a seguraça jurídica pode formular-se assim: “o cidadão deve poder confiar em
que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas”. (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almeida, 1995. p. 373.)
33 NUNES, Rizzato. Manual de Introdução ao estudo do direito. 103.34 KIETZMANN, Luís Felipe de Freitas. Da uniformização de jurisprudência no direito brasileiro . Jus
Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1124, 30 jul. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8701>. Acesso em: 10 abr. 2010. p. 1.
22
A jurisprudência é dessas realidades jurídicas que, de certa maneira, surpreendem o homem do povo. O vulgo não compreende nem pode admitir que os tribunais, num dia julguem de uma forma e, pouco depois ou até mesmo num só dia, cheguem a conclusões diversas, em virtude das opiniões divergentes dos magistrados que os compõem.35
Só que “a função de julgar não se reduz a esquemas ou cálculos
matemáticos, nem tampouco se desenvolve como um processo de Lógica formal, de
maneira tal que, postos o fato e a lei, se chegue invariavelmente à mesma
conclusão”.36
O juiz precisa analisar as leis que podem ser aplicadas ao fato e esse
trabalho pode ser diferente em razão das diferentes convicções pessoais, dos
critérios de julgamento e dos preceitos legais utilizados pelos magistrados.37
Por conta disso é necessário que haja uma uniformização do entendimento
acerca da aplicação de uma norma, e que seja analisado o seu sentido e alcance
frente às diversas situações concretas, para que se alcance um entendimento
pacífico na solução de conflitos iguais.38
Os doutrinadores Wambier, Almeida e Talamani ensinam que “a
uniformização de jurisprudência é um expediente cujo objeto é evitar a desarmonia
de interpretação de teses jurídicas, uniformizando, assim, a jurisprudência interna
dos tribunais".39
Atualmente o ordenamento jurídico pátrio conta com vários instrumentos de
uniformização jurisprudencial, demonstrando a “preocupação do legislador com a
uniformidade e unidade do direito em um país que tem dimensões continentais”.40
Mas para o presente estudo interessa tratar da súmula de jurisprudência, que será
estudada a seguir.
35 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 171.36 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 172.37 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. p. 172.38 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 39.39 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Renato Correia de; e TALAMINI, Eduardo. Curso
Avançado de Processo Civil, volume 1. 9 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 622.
40 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 237.
23
1.3 AS SÚMULAS PERSUASIVAS
O termo súmula tem origem latina e deriva da palavra summula, que quer
dizer sumário, resumo. Juridicamente, a súmula de jurisprudência representa as
teses jurídicas consolidadas em decisões jurisprudenciais, de onde se extrai um
enunciado que servirá de orientação para o julgamento de casos semelhantes. Muito
embora tenham significados distintos, os termos súmula e enunciado são utilizados
no mesmo sentido, para expressar o preceito doutrinário tirado da condensação do
caso jurídico sob pronunciamento. 41
Para Diniz, a súmula é o “enunciado que resume uma tendência sobre
determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal, constitui uma
forma de expressão jurídica, por dar certeza a certa forma de decidir”.42
Silva, citado por Sormani e Santander, descreve que súmula:
É o que de modo abreviadíssimo explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa. Assim, a súmula de uma sentença, de um acórdão, é o resumo, ou a própria ementa da sentença ou do acórdão [...] o resultado do julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, condensado em enunciado que constituirá precedente na uniformização da jurisprudência do próprio órgão.43
No sistema jurídico brasileiro, as súmulas são enunciados jurisprudenciais
que tratam sobre o entendimento de uma matéria pacificada em determinado
tribunal, as quais são publicadas no Diário da Justiça, com numeração sequencial,
servindo de orientação para os juízes nas soluções dos futuros casos concretos que
versarem sobre a matéria ali examinada.44
O Direito sumular surgiu na categoria do Direito brasileiro no ano de 1963,
como um novo método de aperfeiçoar e fortalecer a jurisprudência, por meio do
Ministro Victor Nunes Leal, o qual criou as súmulas da jurisprudência predominante
41 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 239.42 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. p. 300.43 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante: um estudo à luz da
Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004 - De Acordo com a Lei 11.417, de 2006. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: Juruá, 2008. p. 56.
44 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 98.
24
do Supremo Tribunal Federal, introduzidas no Regimento Interno da Corte para
facilitar os trabalhos judiciais.45
Estas súmulas tinham por objetivo consolidar as teses jurídicas firmadas nos
julgados da Corte e agilizar o julgamento dos casos semelhantes. Além disso, a
súmula operava “como um mecanismo de sugestão [...] uma vez que o Pretório
Máximo não dispunha de competência dada pela Constituição para editar
enunciados com efeito cogente, capazes de vincular os demais órgãos judicantes”.46
Para justificar a instituição da súmula “o seu autor atesta que a inclusão se
deu por motivos exclusivamente pragmáticos, como ‘método de trabalho’, diante do
acúmulo de processos e em face da constatação de que nem o Supremo Tribunal
conhecia a sua própria jurisprudência” 47.
Desde seu advento, a súmula de jurisprudência da Suprema Corte,
apresenta-se como um relevante mecanismo de uniformização da interpretação do
texto constitucional e é o instrumento que antecede no Brasil, lógica e
historicamente, a criação da súmula vinculante.48
Em 13 de dezembro de 1963 as primeiras 370 súmulas foram aprovadas na
sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, tendo apenas caráter persuasivo,
com a finalidade de orientar o julgador sobre o posicionamento da Corte em relação
a determinadas matérias. Com o advento do Código de Processo Civil de 1973, as
súmulas de jurisprudência passaram a ser editadas também pelos demais tribunais
brasileiros, com o mesmo caráter persuasivo, ou seja, não vinculando os outros
julgadores. 49
Muscari explicita o caráter persuasivo das súmulas:
Persuasivas são as súmulas que não têm força obrigatória, nem para o tribunal que as emite, nem para os juízes e cortes inferiores; podem exercer (e frequentemente exercem) grande influência no espírito de todos os operadores do Direito, mas a sua inobservância não é algo que afronte o ordenamento jurídico.50
45 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 56. 46 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 93.47 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 238.48 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 56.49 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 238-239. 50 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula vinculante. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 39-40
25
No mesmo sentido, Reis assevera que a edição da súmula da jurisprudência
predominante do STF e a edição das súmulas dos demais tribunais são fontes de
consulta para todos os advogados, juízes e tribunais, e embora não tenham força
vinculante, elas orientam os julgamentos das instâncias inferiores.51
As súmulas podem ser editadas pelos tribunais em duas situações. Quando
houver entendimento pacífico no tribunal a respeito de uma tese jurídica, que é a
súmula decorrente de entendimento uniformizado; e no caso de existir divergência
sobre a interpretação de uma matéria jurídica entre turmas ou seções do mesmo
tribunal, que é a súmula decorrente de uniformização de jurisprudência. 52
A súmula em matéria de entendimento pacífico ocorre nos casos em que
não há divergência jurisprudencial e sua edição vem disciplinada nos regimentos
internos dos tribunais.53
O Supremo Tribunal Federal trata do compêndio em súmula, da
jurisprudência firmada pelo Tribunal, nos artigos 102 e 103, do seu Regimento
Interno. Essas súmulas podem ser criadas, alteradas ou canceladas, por votação da
maioria absoluta dos membros da casa e são passíveis de revisão, como se verifica
a seguir no Regimento Interno do STF:
Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal.
§ 1º A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, será deliberada em Plenário, por maioria absoluta.
§ 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados.
§ 3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicados três vezes consecutivas no diário da justiça.
§ 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido.
Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário.54
51 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 105.52 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 239.53 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 242.54 BRASIL. Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF_fevereiro_2010.pdf>.
26
O Regimento Interno do STJ além de tratar da edição de súmula decorrente
de entendimento pacífico, também menciona a súmula decorrente de uniformização
de jurisprudência, conforme descreve o § 1º do artigo 122:
Art. 122. A jurisprudência firmada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
§ 1º Será objeto da súmula o julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram a Corte Especial ou cada uma das Seções, em incidente de uniformização de jurisprudência. Também poderão ser inscritos na súmula os enunciados correspondentes às decisões firmadas por unanimidade dos membros componentes da Corte Especial ou da Seção, em um caso, ou por maioria absoluta em pelo menos dois julgamentos concordantes.
A súmula decorrente da uniformização de jurisprudência, como o próprio
nome revela, é editada após o julgamento de um procedimento denominado
uniformização de jurisprudência que está previsto nos artigos 476 a 479, do Código
de Processo Civil55.
A uniformização de jurisprudência é um expediente que busca evitar a
desarmonia de interpretação de teses jurídicas. Não possui natureza jurídica de
recurso, é um incidente processual de caráter preventivo criado com o objetivo de
predeterminar o conteúdo de uma decisão que ainda não foi proferida.56
Este incidente pode ser suscitado quando houver divergência sobre matéria
de direito nos julgamentos realizados pelos órgãos de um tribunal, seja em recurso
ou em ação originária, desde que não seja invocada tese superada ou que não se
verifique mais nas decisões atuais do tribunal. A divergência pode ser interna ou
externa. Será interna quando ocorrer entre os membros do colegiado que julgarão o
caso concreto; e será externa quando a divergência ocorrer entre os órgãos
(câmara, turma ou seção) do tribunal, de modo que haja necessidade de
pronunciamento deste sobre a orientação que deve prevalecer. Na divergência
externa não basta existir orientações diversas entre os órgãos do tribunal sobre
Acesso em: 13 abr. 2010.55 BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5869.htm>. Acesso em: 13 abr. 2010.56 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMANI, Curso avançado de
processo civil... p. 622.
27
determinada matéria jurídica, é preciso que essas variações de entendimento se
manifestem nos julgamentos dos casos concretos.57
O juiz que vai proferir seu voto, o autor, o réu, o terceiro assistente ou
terceiro interessado que ainda não faça parte do processo e o representante do
Ministério Público são partes legítimas para invocar a uniformização de
jurisprudência, podendo suscitá-la em razões ou contrarrazões recursais, em
sustentação oral ou em petição avulsa.58
Saliente-se que “a divergência deve dizer respeito a questão jurídica; há de
ser sempre sobre teses de direito. Não se admite uniformização de jurisprudência
sobre matéria de fato”.59
A decisão, para ser objeto de súmula e servir de precedente na
uniformização de jurisprudência, deverá ser tomada por maioria absoluta de votos
(art. 479 do CPC), “caso contrário, sendo tomada a decisão apenas por maioria
simples dos membros, poderá ela valer como jurisprudência dominante do tribunal
para os efeitos de julgamento monocrático do relator, segundo as regras dos arts.
554 e 557 do CPC” 60.
Salienta-se que, até o momento, a orientação inserida nas súmulas não é
cogente, os magistrados e os tribunais inferiores poderão decidir livremente, desde
que fundamentem suas razões de decidir. As súmulas persuasivas continuarão
existindo ao lado das súmulas vinculantes, editadas apenas pelo Supremo Tribunal
Federal, sem o dito efeito vinculante, servindo para divulgar a orientação
jurisprudencial dominante.61
57 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil. v. 2. 6. ed. rev. atual. e ampl. da obra manual do processo de conhecimento São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 606-607.
58 WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMANI, Curso avançado de processo civil... p. 622.
59 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 240.60 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil... p. 608.61 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 129.
28
1.4 AS SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSO
Atualmente houve-se falar da morosidade do Poder Judiciário que afeta os
operadores do Direito e a população, o que tem repercutido na credibilidade da
justiça. E um dos fatores mais apontados como causa da prestação jurisdicional
tardia é o excessivo número de recursos que são disponibilizados pelo Código de
Processo Civil, uma vez que acabam protelando ainda mais os processos.62
Também se vislumbra na justiça civil brasileira, o excessivo número de
causas versando sobre a mesma matéria jurídica, com mudança apenas das partes,
deixando de exigir criatividade dos operadores do direito, os quais tendem a repetir
os fundamentos jurídicos utilizados em ações anteriores, formando um amontoado
de ações idênticas, que geram, de igual modo, um volume de julgados proferidos no
mesmo sentido. 63
Assim, desde o surgimento da Súmula da Jurisprudência Predominante, de
iniciativa do Ministro Victor Nunes Leal, a orientação para o uso das súmulas tem
sido alcançar um efeito indiretamente cogente para o conteúdo dos enunciados.
Muito embora a orientação das súmulas existentes, principalmente as súmulas do
Supremo Tribunal Federal [não vinculantes], sejam meramente persuasivas, elas
podem impedir o seguimento de recursos para as instâncias superiores.64
A proposta de criação da Súmula Impeditiva de Recurso foi cogitada para
substituir a Súmula Vinculante, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado,
mas foi um instrumento que não foi aprovado pelo Congresso Nacional. 65
A súmula impeditiva de recurso já constava da PEC 96/92, que tramitava na
Câmara dos Deputados quando foi recusada pelo Relator do Projeto Substitutivo de
Emenda Constitucional 96-A, Deputado Aloysio Nunes Ferreira, que preferiu adotar
a súmula vinculante em seu lugar. Mais tarde, a PEC 96/92 teve nova Relatora, a
62 RAYMUNDI, Fabiano Camozzato. As Leis nº 11.276 e 11.277/2006 e a morosidade da justiça. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 955, 13 fev. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7959>. Acesso em: 15 abr. 2010. p. 1.
63 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil... p. 524.64 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 110.65 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 67.
29
Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, que tentou reintroduzir a idéia da adoção da súmula
impeditiva de recurso, com a proposta de não serem mais admitidos os recursos
extraordinário, especial e de revista interpostos contra decisões que tivessem como
fundamento súmula desses Tribunais, aprovada por dois terços de seus membros.66
Esse texto foi rejeitado pela Comissão Especial instaurada para analisar a
Reforma do Judiciário, que mais uma vez optou pela adoção da súmula vinculante.
Mas de todo modo, a matéria foi analisada e aprovada pela Câmara dos Deputados
na forma de Substitutivo e encaminhada para o Senado Federal, onde teve como
Relator o Senador Bernado Cabral. No Senado, a matéria foi colocada em debate
por meio de uma proposta de emenda apresentada à PEC 29/00, pelo Senador José
Fogaça, o qual levantou vários argumentos favoráveis à adoção da súmula
impeditiva de recurso. Todavia, os argumentos não convenceram o Senador
Bernardo Cabral, tampouco a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania
(CCJ).67
Ainda dispondo sobre a trajetória da súmula impeditiva de recurso, Sormani
e Santander sustentam que:
Não foram poucos os que advogaram pela adoção da súmula impeditiva de recurso. Seus defensores sustentavam, por exemplo, que, como os juízes de primeiro grau, com ou sem a súmula vinculante, continuarão obrigados a julgar ações repetitivas, melhor seria permitir que aos mesmos fosse dada também a opção de obstar o seguimento de recurso interposto contra decisão em conformidade com determinada súmula. Com vantagem, se o juiz fosse contra o entendimento sumulado, poderia o próprio Relator do recurso impedir o prosseguimento do mesmo. Tudo sem prejuízo da independência e da liberdade de julgar.
Embora não tenha sido aprovada em sede de reforma constitucional, a idéia da adoção da súmula impeditiva de recursos continua viva. Mais recentemente, em 17.03.2005, o Deputado José Cardozo apresentou uma proposição para a adoção de uma PEC, que levou o n. 377/05, dando nova redação ao recém-aprovado art. 103-A e parágrafos da Constituição Federal [...]
A matéria, todavia, parece fadada ao insucesso. A discussão em torno da adoção ou não da súmula vinculante e de todos os instrumentos propostos pela inteligência jurídica brasileira para substituí-la foram exaustivamente debatidos durante mais de 10 anos. A opção pela súmula vinculante somente se operou após inúmeros debates e discussões, dentro e fora do Congresso
66 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 67-68. 67 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 68-69.
30
Nacional, e não parece que haja nenhuma disposição, no momento, em retroceder nessa escolha.68
É bom lembrar que no sistema processual civil brasileiro existe uma regra
similar ao instituto em debate, com previsão legal no artigo 557 do CPC, com
redação dada pela Lei n. 9.756, de 17.12.1998, o qual é importante transcrever:
Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
§ 1o-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.
§ 1o Da decisão caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
§ 2o Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.
As súmulas previstas no artigo 557 do CPC também foram denominadas
súmulas impeditivas de recurso, por conta do poder atribuído ao relator, mas na
verdade tratam-se das súmulas já conhecidas por todos que são destituídas de força
normativa para impedir a interposição e processamento de recurso que com ela
confronte. Diferentemente das súmulas impeditivas de recurso que se propôs adotar
em substituição às súmulas vinculantes, criadas com o objetivo específico de obstar
a interposição de quaisquer recursos que as houvesse aplicado.69
Ainda há outras disposições parecidas em nosso ordenamento jurídico, a
exemplo do artigo 34 do Regimento Interno do STJ, prevendo como atribuição do
relator negar seguimento a pedido ou recurso contrário à súmula do Tribunal, e do
artigo 21 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispondo que o relator
poderá arquivar ou negar seguimento a pedido ou recurso quando contrariar a
jurisprudência predominante do Tribunal.
Mais recentemente também surgiu no processo civil brasileiro, com o
advento da Lei n. 11.276, de 07.02.2006, a súmula impeditiva de apelação,
passando este recurso a contar com mais um pressuposto de admissibilidade.
Conforme redação do novo § 1º, do artigo 518, do Código de Processo Civil, “O juiz
68 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 70.69 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 71.
31
não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade
com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.
Segundo Theodoro Junior a justificativa trazida pelo Ministro da Justiça que
acompanhou a proposta de alteração do artigo 518, do CPC foi tentar contribuir para
a redução da grande quantidade de recursos que já estão destinados ao insucesso.
Na linguagem processual essa medida tornou-se conhecida como súmula impeditiva
e que guarda semelhança com a orientação da súmula vinculante, originada pela EC
nº 45, de 08.12.2004. Esse doutrinador comenta que:
O raciocínio determinante da reforma foi no sentido de que, se se admite que uma súmula vincule juízes e tribunais, impedindo-os de julgamento que a contrarie, valido é, também, impedir a parte de recorrer contra sentença proferida em consonância com o assentado em jurisprudência sumulada pelos dois mais altos tribunais do país. Nos dois casos está em jogo o mesmo valor, qual seja, o prestígio da súmula do STJ e do STF pela ordem jurídica. 70
Na verdade, essa súmula impeditiva foi criada visando a complementar o
instituto da súmula vinculante, tendo em vista que não haveria mais sentido
continuar viabilizando um recurso, interposto em face de decisão lastreada em
súmula de tribunal superior, quando a intenção deste é justamente vincular sua
decisão aos demais tribunais.71
Mas cumpre destacar que a súmula vinculante somente pode ser editada
pelo STF, ao contrário da súmula impeditiva de apelação, que torna irrecorrível a
sentença proferida em conformidade com súmulas editadas pelo STJ ou pelo STF.
Outra questão a ser observada é que a súmula vinculante influencia
diretamente na decisão a ser tomada pelo juiz, enquanto a súmula impeditiva
interfere no juízo de admissibilidade do recurso, ou seja, a “redação do dispositivo
deixa claro que, por não se tratar de súmula vinculante e sim de súmula impeditiva
de recurso, o juiz não perderá sua autonomia, ficando livre para decidir a questão,
de acordo ou não com as súmulas dos tribunais superiores”.72
No mesmo diapasão, Nascimento entende que a redação do § 1º do artigo
518, do CPC não obriga o juiz singular quando ele entender pela inaplicabilidade da
70 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 660.
71 BUENO, Cássio Scarpinella. A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 32.
72 RAYMUNDI, Fabiano Camozzato. As Leis nº 11.276 e 11.277/2006 e a morosidade da justiça. p. 2.
32
súmula ao caso concreto, ao contrário da súmula vinculante, que além de ter caráter
de obrigatoriedade, viola o princípio da independência jurídica do julgador e restringe
o princípio constitucional do direito de ação.73
Para que a regra constante nesse dispositivo seja aplicada, faz-se
necessário que o único fundamento utilizado na sentença, ou o fundamento
determinante da decisão, seja a súmula do STF ou do STJ. A súmula não pode ser
apenas um dos fundamentos utilizados, pois o objetivo da norma é impedir a
interposição do recurso interposto com a finalidade de afastar o entendimento da
súmula, aplicado na sentença.74
Havendo erro do magistrado em considerar sua sentença em conformidade
com o entendimento preconizado na súmula, não estará ele suprimindo direito da
parte ao duplo grau de jurisdição, pois o artigo 522, caput, do CPC, permite a
interposição de agravo de instrumento nos casos de inadmissão da apelação, o qual
será dirigido diretamente ao Tribunal, a teor do artigo 524 do CPC.75
Assim, “a função do agravo é evidenciar a não aplicabilidade do pressuposto
recursal, seja argumentando que a súmula não é adequada à situação concreta,
seja objetivando demonstrar que a súmula deve ser revista”.76
Frisa-se que a súmula impeditiva tem a finalidade de reduzir o número de
recursos protelatórios, assim, quando for firmada jurisprudência predominante no
STF ou no STJ, não caberá recurso contra a decisão do magistrado que esteja em
conformidade com a orientação disciplinada.77
Portanto, a nova regra “apenas amplia o regime de prestígio à jurisprudência
sumulada, já consagrada” 78.
73 NASCIMENTO, Marina Freitas do. Súmula impeditiva de recurso e a celeridade processual. BDJur, Brasília, DF, 4 maio 2009. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20986/S%c3%bamula_Impeditiva_Marina%20Freitas.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 abr. 2010. p. 45.
74 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil... p. 524.75 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil... p. 660.76 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil... p. 524.77 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 110.78 THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual... p. 660.
33
1.5 OS EFEITOS DAS DECISÕES NO CONTROLE CONCENTRADO DE
CONSTITUCIONALIDADE
O efeito vinculante das decisões proferidas no julgamento dos processos de
controle de constitucionalidade não se confunde com a súmula vinculante, mas é
importante estudar as diferenças existentes entre esses dois institutos.79
Atualmente, o Direito brasileiro conta com alguns mecanismos distintos para
exercer o controle da constitucionalidade: o controle pelo processo difuso, por meio
de recurso extraordinário; e o controle pelo processo concentrado, mediante as
seguintes modalidades de ações: ação direta de inconstitucionalidade [CRFB, artigo
102, I, a, primeira parte]; ação declaratória de constitucionalidade [CRFB, artigo 102,
I, a, in fine]; ação por descumprimento de preceito fundamental [CRFB, artigo 102, §
1º] e ação de inconstitucionalidade por omissão [CRFB, artigo 103, § 2º].80
As decisões de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal no controle
concentrado de constitucionalidade possuem hoje efeitos erga omnes e vinculante,
previstos no § 2º do artigo 102 da CRFB/1988, acrescentado pela EC n. 45/2004;
bem como no parágrafo único do artigo 28 da Lei n. 9.868/99; e no § 3º do artigo 10
da Lei n. 9. 882/99.81
79 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 60.80 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 129. 81 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 60.
34
É relevante dizer que “até 1993 não existia efeito vinculante em matéria
constitucional no Direito brasileiro, revogados que foram os assentos82 oriundos do
Direito português e os prejulgados83 da Justiça do Trabalho”.84
A partir da EC n. 3, de 17.03.1993, que acrescentou o § 2º ao artigo 102 da
CRFB, a ação declaratória de constitucionalidade foi introduzida no sistema jurídico
brasileiro com efeitos erga omnes e vinculante85, com a finalidade de demonstrar a
existência de conteúdo interpretado à luz da Constituição e impedir que outros juízes
se posicionassem de modo diverso ao entendimento do Supremo Tribunal Federal86.
Mais tarde, a Lei n. 9.868, de 10.11.1999 ampliou o alcance dos efeitos erga
omnes e vinculante para as decisões proferidas nas ações diretas de
inconstitucionalidade, atribuindo esses efeitos também para a interpretação
conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade, conforme
prevê o artigo 28, parágrafo único da lei citada87:
A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.88
82 “Os antecedentes portugueses do Direito brasileiro é que primeiro dão notícia dos assentos, que eram firmados pela Casa da Suplicação, nos termos das Ordenações Manuelinas, com a finalidade precípua de extinguir dúvidas jurídicas suscitadas em causas submetidas a julgamento. As soluções dadas aos casos que se constituíssem objeto de dúvida por aquela Casa e definidas nos assentos convertiam-se em normas, tendo sido adotada essa figura pelas Ordenações Filipinas. Se entre os juízes da Casa de Suplicação não se chegasse a uma deliberação quanto à dúvida, em razão de sua extensão a todos eles, a matéria seria encaminhada para a solução do Rei, que a sanaria mediante lei, alvará ou decreto [...] Os assentos da Casa de Suplicação e, posteriormente, da relação do Rio de Janeiro tinham natureza normativa, mas não constituíam óbice ao conhecimento de casos e recursos contra decisões judiciais neles fundamentadas.” (ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. Revista de Informação Legislativa do Senado Federal. Brasília, a. 34, nº 133, jan./mar., 1997, Disponível em www.senado.gov.br>. Acesso em: 15 abr. 2010. p. 53.)
83 “Após o desaparecimentos dos assentos do Supremo Tribunal de Justiça do Império, não recepcionados pela Constituição da República em 1891, um procedimento semelhante veio a ser adotado no Brasil, a saber o prejulgado. Tal ocorreu, primeiro no Direito Processual Civil, pelo Código Instrumentário de 1939, e depois na Justiça do Trabalho, quando o assunto foi tratado no Decreto-Lei nº 5.452, de 01.05.43, a Consolidação das Leis do Trabalho. O prejulgado difere do assento e também da súmula, eis que no mesmo se contem ‘um pronunciamento prévio quanto à interpretação de uma norma diante de um real ou iminente conflito na hermenêutica a ser produzida em face de situações concretamente postas à decisão judicial’”. (REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 84.)
84 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.p. 131.85 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 267.86 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 134. 87 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 267.
35
No mês seguinte, a Lei n. 9.882, de 03.12.1999 estendeu esses efeitos para
a arguição de descumprimento de preceito fundamental, estabelecendo no § 3º, do
artigo 10 que “a decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente
aos demais órgãos do Poder Público”.89
O procedimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental
difere dos outros mecanismos de controle de constitucionalidade, pois os efeitos da
decisão não atingem apenas o Poder Executivo e o Poder Judiciário, nesse caso a
decisão do Pretório Excelso também tem como alvo o Poder Legislativo90.
Tavares demonstra a finalidade dessa medida:
Em relação ao legislador, os efeitos vinculantes atuam a fim de impedir que editem normas com idêntico conteúdo ao daquela anteriormente declarada inconstitucional, por desrespeitar um preceito fundamental; ou ainda, normas que convalidem os efeitos de uma norma declarada inconstitucional por desrespeito ao preceito fundamental ou anulem os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal.91
A EC n. 45, de 8.12.2004 alterou o texto do § 2º, do artigo 102, da CRFB,
antes trazido pela EC n. 3, de 17.03.1993, atribuindo efeito vinculante para as
decisões de mérito proferidas na ação declaratória de constitucionalidade, como já
previa a emenda anterior, e agora também para a ação direta de
inconstitucionalidade92. É o que se infere do mencionado dispositivo:
As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.93
88 BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em: 15 abr. 2010.
89 BRASIL. Lei n. 9.882, de 03 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do art. 102 da Constituição Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9882.htm>. Acesso em: 15 abr. 2010.
90 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 138.91 TAVARES, André Ramos; ROTHENBURG, Walter Claudius. Argüição de Descumprimento de
Preceito Fundamental: análises à luz da Lei n. 9.882/99. São Paulo: Atlas, 2001. p. 3392 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 138.93 BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera
dispositivos dos arts. 5º, 36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129, 134 e 168 da Constituição Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-
36
A partir da EC n. 3/93, e a redação que ela conferiu ao § 2º, do artigo 102,
da CRFB, criando a ação declaratória de constitucionalidade, os efeitos erga omnes
e vinculante passaram a ser interpretados distintamente.94
A eficácia erga omnes em uma decisão no controle concentrado quer dizer
“que ela atinge a própria eficácia geral e abstrata da norma objeto do controle e, por
conseguinte atinge a todos”.95
Silva leciona que a eficácia erga omnes significa que a declaração de
constitucionalidade ou de inconstitucionalidade da lei se estende a todos os
processos em andamento, sendo que, no primeiro caso, o feito será interrompido e
os efeitos das decisões nele proferidas serão desfeitas, e no segundo caso, os
efeitos serão ratificados. Significa também que a validade do ato será
correspondente a decisão proferida, ou seja, é constitucional e não pode haver
declaração contrária, ou é inconstitucional e perde sua eficácia no ordenamento
jurídico.96
Já o efeito vinculante significa algo distinto, como bem leciona Souza:
Em resumo, ele é um plus em relação á eficácia erga omnes e significa a obrigatoriedade da Administração Pública e dos Órgãos do Poder Judiciário, excluindo o Supremo Tribunal Federal, de submeter-se à decisão proferida na ação direta. Em termos práticos, significa que o Poder Executivo e os demais órgãos judicantes, no julgamento de casos de sua competência em que a mesma questão deva ser decidida incidentalmente, devem, obrigatoriamente, aplicar o provimento contido nessa decisão. Se não o fizerem, afrontam autoridade de julgado do Supremo Tribunal Federal, o que “abre as portas” para a reclamação, conforme prevista no art. 102, I, l, da Constituição Federal, além, naturalmente, dos recursos cabíveis às instâncias superiores.97
A questão de o Supremo Tribunal Federal ficar ou não vinculado à sua
decisão é indagada por Silva, o qual entende se tratar de questão processual que se
A e 130-A, e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc45.htm>. Acesso em 16 abr. 2010.
94 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27. ed. ver. e atual. até a Emenda Constitucional n. 52, de 8.3.2006. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 60.
95 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à sumula vinculante. Curitiba: Juruá, 2006. p. 209.
96 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 60.97 SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à sumula vinculante. p. 210.
37
resolve com a teoria da coisa julgada material oponível a todos os órgãos judiciários,
inclusive o que proferiu a decisão.98
Vislumbra-se que a EC n. 3/93 e as alterações introduzidas nas ações de
controle de constitucionalidade pelas Leis n. 9.868/99 e n. 9.882/99 e pela própria
EC n. 45/04 surgiram como mais uma forma de aperfeiçoamento do sistema
processual e com os objetivos de diminuir a quantidade de recursos e processos nos
Tribunais e uniformizar a jurisprudência.99
Mas é bom frisar que as decisões proferidas nas ações de controle
concentrado de constitucionalidade possuem características distintas da súmula
vinculante, embora ambos os institutos tenham efeito vinculante.
Mezzomo ensina que “sob a fórmula do controle de constitucionalidade,
encontram-se definidas uma série de atividades destinadas a aferir a
compatibilidade de atos normativos com a Constituição Federal”100, enquanto a
súmula vinculante, como extrai-se do § 1º do artigo 103-A da CRFB, destina-se a
validar, interpretar e dar eficácia a normas determinadas, acerca das quais haja
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública,
ocasionando grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos
sobre questões idênticas.
Também se observa do disposto no artigo 103-A em comparação com o § 2º
do artigo 102, ambos da CRFB, que a súmula vinculante é resultado de sucessivas
decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a questão constitucional, e não, de
uma decisão isolada do plenário em uma ação.101
Outra diferença é que para se proferir uma decisão de mérito em ação de
controle concentrado, com efeito vinculante, exige-se a maioria absoluta dos
membros da Corte, isto é, o quórum de votação é de seis ministros, abrindo-se a
sessão de julgamento com oito ministros (Lei n. 9.868/98, artigos 22 e 23; Lei n.
9.882/99, artigo 8º; CRFB, art. 97). Enquanto para a edição, revisão e cancelamento
de enunciado de súmula com efeito vinculante, exige-se decisão tomada por 2/3 98 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 60. 99 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 66.100 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Introdução ao controle de constitucionalidade, difuso e
concentrado. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1005, 2 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8186>. Acesso em: 23 maio 2010. p. 03.
101 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 66.
38
(dois terços) dos membros da Corte, ou seja, o quórum de votação é de oito dos
onze ministros (Lei n. 11.417/06, art. 2º, § 3º).102
Portanto, esses institutos não se confundem, embora guardem algumas
semelhanças.
1.6 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A REFORMA DO JUDICIÁRIO
A Reforma do Judiciário, tão esperada pela comunidade forense e idealizada
como a solução para o problema da morosidade processual, após treze anos de
espera foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio da EC n. 45, que entrou em
vigor em 08.12.2004, data de sua publicação.103
Esta Emenda trouxe mudanças para a eficiência da prestação jurisdicional e
para o acesso à Justiça, reformulou a organização de funções essenciais e criou
novas garantias para a defesa e proteção dos direitos fundamentais.104
Para Renault e Bottini, a amplitude das inovações da EC n. 45/04, o
significativo aumento da qualidade conferida à funcionalidade do sistema judicial e o
alcance de suas consequências “constituem um marco na história da construção de
um Judiciário mais forte e um passo importante para a consolidação da nossa
democracia”.105
Os temas abordados pela EC n. 45/2004 estão divididos em quatro grandes
grupos, que são os seguintes: a democratização do Poder Judiciário; a criação de
mecanismos que proporcionem celeridade à prestação jurisdicional; o fortalecimento
das carreiras jurídicas; e a solidificação da proteção aos direitos fundamentais.106
102 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 66.103 LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. In: WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim etal. (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 481.104 RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo. Primeiro Passo (Coords.) Reforma do
Judiciário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 1. 105 RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo. Primeiro Passo (Coords.) Reforma do
Judiciário p. 1.
39
Lopes elenca os principais pontos da EC n. 45/2004, seguindo a ordem em
que foram introduzidas:
a) a garantia da razoável duração e da tramitação célere do processo;
b) a exigência de atividade jurídica, por três anos, para o ingresso na magistratura e no Ministério Público;
c) a obrigatoriedade de cursos oficiais para o processo de vitaliciamento de magistrados e dos membros do Ministério Público;
d) a exigência do transcurso de três anos para o exercício da advocacia após o afastamento do cargo ocupado na magistratura e no Ministério Público;
e) a destinação exclusiva à Justiça das custas e emolumentos arrecadados;
f) o efeito vinculante das decisões proferidas pelo STF;g) a limitação do cabimento de recurso extraordinário;
h) a criação da Justiça itinerante nas justiças Federal, Estadual e do Trabalho;
i) a criação de Câmaras regionais para descentralizar o funcionamento dos Tribunais Federal, Estadual e do Trabalho;
j) a ampliação da competência da Justiça do Trabalho;
l) a criação de varas estaduais especializadas em questões agrárias;
m) a criação do Conselho Nacional de Justiça, do Conselho Nacional do Ministério Público e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho;
n) a criação do Fundo de Garantia das Execuções Trabalhistas;
o) a extinção dos Tribunais de Alçada.107 (grifo meu)
Segundo o autor, as alterações que geraram maior polêmica são as
seguintes: a súmula vinculante, a extinção dos Tribunais de Alçada e a criação dos
Conselhos Nacionais de Justiça, do Ministério Público e do Conselho Superior da
Justiça do Trabalho.108
Apenas uma dessas alterações interessa para a presente pesquisa, a
súmula vinculante, portanto, após compreender os principais mecanismos do
ordenamento pátrio que contribuíram para a sua criação, tratar-se-á, no próximo
106 RENAULT, Sérgio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo. Primeiro Passo (Coords.) Reforma do Judiciário. p. 5.
107 LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim etal. (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 481, 482.
108 LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Reflexões sobre a reforma do Judiciário. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim etal. (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 482.
40
capítulo, especificamente desse instituto (súmula vinculante) e da polêmica que
envolve o tema.
41
2 A SÚMULA VINCULANTE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Nesse capítulo, tratar-se-á da introdução da súmula vinculante no sistema
jurídico pátrio, da Lei n. 11.417/06 que regulamenta a súmula vinculante e dos
requisitos para edição do instituto. Ainda no segundo capítulo, far-se-á uma breve
abordagem sobre os principais argumentos favoráveis e contrários ao tema em
debate, entre estes, a possível violação ao princípio da separação dos poderes.
2.1 O ARTIGO 103-A DA CRFB/1988, ACRESCENTADO PELO ARTIGO 2º DA
EMENDA CONSTITUCIONAL N. 45, DE 08.12.2004
A ideia de implementar a súmula vinculante, ou outros institutos com efeitos
semelhantes, no sistema jurídico brasileiro é antiga.
A primeira tentativa de adoção da súmula vinculante surgiu durante a
tramitação da PEC n. 96/92, de autoria do Deputado Hélio Bicudo, aparecendo em
1996, como substitutivo proposto pelo Deputado Jairo Carneiro, Relator da comissão
Especial destinada a oferecer parecer à PEC n. 96/92, que incluiria a súmula
vinculante no caput do artigo 98 da CRFB/1988.109
Antes disso, em 1995, o Senador Ronaldo Cunha Lima propôs a PEC n.
54/95, que atribuía nova redação ao § 2º do artigo 102, da CRFB, dispondo sobre
decisões que, depois de sumuladas, produziriam eficácia contra todos e efeito
vinculante. Em substituição, outros pareceres foram emitidos sem mencionar a
decisão sumulada, até que a PEC n. 517/97, propondo um § 3º ao artigo 102, da
CRFB, previu expressamente a súmula vinculante.110
109 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 75.110 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 76.
42
Até que, finalmente, foi aprovado o texto proposto pelo parecer 1.747/04 da
Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, cujo Relator era o Senador
Bernardo Cabral, que apresentou a redação, para o segundo turno, das PECs n.
29/00 do Senado Federal e n. 96/99 da Câmara dos Deputados.111
E assim entra em vigor, após regular processo legislativo nas duas Casas do
Congresso Nacional, a Emenda Constitucional n. 45, de 08.12.2004, intitulada,
conforme visto no capítulo anterior, Reforma do Judiciário.
Dessa forma, visando a dar uma resposta para a sociedade, que sonha com
uma prestação jurisdicional eficiente, o Poder Constituinte derivado reformador,
responsável pela introdução da Emenda Constitucional n. 45/04 no ordenamento
jurídico pátrio, estabeleceu, em seu artigo 2º, que a Constituição da República
Federativa do Brasil passaria a vigorar acrescida do artigo 103-A, redigido nos
seguintes termos:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Como se depreende do mencionado dispositivo apenas o Supremo Tribunal
Federal, de ofício ou por provocação, pode editar súmulas com efeito vinculante,
mas o projeto original de Reforma do Judiciário previa a possibilidade de edição
111 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 76.
43
também pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Tribunal Superior do Trabalho.112
Para Garcia, o efeito vinculante tem o condão de impedir que o Poder
Judiciário e a Administração Pública, no exercício de suas atribuições, contestem ou
deixem de aplicar o conteúdo das súmulas e faz com que a súmula adquira
autonomia, eficácia plena e aceitação obrigatória, passando a ser verdadeira fonte
de direito, na qualidade de texto normativo.113
Sgarbossa e Jensen ensinam que:
A novidade da Súmula vinculante do STF consiste na produção de efeitos vinculantes para todos os tribunais pátrios, bem como para a administração pública de todos os níveis, o que representa, a toda vista, um poder de decisão significativamente superior em relação a aquele conferido à jurisprudência uniformizada nas hipóteses pré-existentes.114
Para esses autores, aqui a jurisprudência dominante busca vincular “o
próprio conteúdo material das decisões judiciais posteriores à edição da Súmula [...]
assim como o atuar da administração pública, de modo que seus efeitos são de
natureza acentuadamente diversa daquela exibida pelas hipóteses precedentes”.115
(grifo dos autores)
O efeito vinculante conferido às súmulas da Suprema Corte atinge não só os
demais órgãos do Poder Judiciário, mas também a Administração Pública direta e
indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. “A novidade em relação às
súmulas anteriores ficou por conta dessa vinculação obrigatória da Administração
Pública, já que o efeito de vinculatividade já era conhecido das súmulas anteriores,
pelo reflexo do art. 557 do CPC”.116
A vinculação aos demais órgãos do Poder Judiciário quer dizer que nenhum
juízo ou Tribunal poderá satisfazer a determinada pretensão que busque uma
decisão contrária à súmula vinculante.117
112 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 257. 113 GARCIA. Ezequiel Rodrigo. A súmula vinculante à luz de princípios constitucionais. 2007, 119
f. Dissertação (mestrado em Ciência Jurídica) - Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí. p. 53.114 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante, princípio da separação dos
poderes e metódica de aplicação do direito sumular. Repercussões recíprocas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1798, 3 jun. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11327>. Acesso em: 26 ago. 2009. p. 1.
115 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante... p. 1.116 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 262.117 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 169.
44
Logicamente, as súmulas vinculantes obrigam ao próprio STF, nas decisões
proferidas nas Turmas ou no Pleno. Já o Poder Legislativo não está vinculado,
assim, poderá legislar contrariamente ao enunciado da súmula, ficando a nova lei
sujeita ao controle jurisdicional de constitucionalidade.118
Com efeito, o caráter obrigatório das súmulas vinculantes alcança a todas as
pessoas, “pois sabendo serem vinculantes para o Judiciário, todos, em princípio,
procurarão adaptar suas condutas às súmulas, até por razões estratégicas para fugir
aos riscos das sanções, em caso de condutas contrárias às súmulas”.119
Nessa linha, Tavares sustenta:
Reconhece-se na súmula vinculante a possibilidade de construção de enunciados por parte da Corte que sintetizem o entendimento já consolidado do STF sobre matéria constitucional, iluminando operações judiciais posteriores com a expectativa de que esse entendimento seja seguido por todas demais instâncias judiciais e pela Administração Pública, sob pena de invalidação do ato contrário e responsabilizações.120
O legislador constituinte estabeleceu vários requisitos para instituição da
súmula vinculante e restrições ao seu cabimento, o que restringe o seu alcance, ao
menos, enquanto não se estende seus efeitos a outras matérias e outros tribunais.121
O texto constitucional citado determina, no caput e § 1º, do artigo 103-A, os
requisitos e pressupostos para a criação sumular, a saber: reiteradas decisões sobre
matéria constitucional no mesmo sentido; acerca das quais haja controvérsia atual
entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública; que esta situação
acarrete grave insegurança jurídica; e relevante multiplicação de processos sobre
questão idêntica. Ainda prevê, como aspectos procedimentais, que a decisão seja
tomada por dois terços dos membros do STF (oito ministros) e seja publicada na
imprensa oficial.122
O caput do artigo 103-A também trata da competência para edição da
súmula vinculante, conferindo essa atribuição ao Supremo Tribunal Federal, que 118 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 262. 119 ROCHA, José de Albuquerque. Súmula vinculante e democracia na Constituição. Disponível
em <http://www.conpedi.org/manaus/arquivos/anais/salvador/jose_de_albuquerque_rocha.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2009. p. 2.647, 2.648.
120 TAVARES. André Ramos. Nova lei da súmula vinculante: estudos e comentários à Lei n. 11.417 de 19.12.2006. São Paulo: Método, 2007. p. 20.
121 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 262.122 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante... p. 1.
45
pode agir de ofício ou mediante provocação.
Os legitimados a provocar a súmula vinculante estão previstos no § 2º do
artigo 103-A. Segundo este dispositivo, a aprovação, revisão ou cancelamento de
súmula pode ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de
inconstitucionalidade (art. 103, da CRFB/1988), sem prejuízo dos legitimados
estabelecidos na legislação regulamentadora (Lei n. 11.417/06), que será analisada
adiante.
Importa aqui citar a lição de Sormani e Santander acerca da interpretação do
dispositivo em comento, no que tange aos legitimados a aprovação, revisão e
cancelamento de súmula vinculante:
É de se lembrar que o caput do art. 103-A trata da possibilidade de aprovação de ofício da súmula vinculante. Da maneira como esse dispositivo ficou redigido, poder-se-ia pensar que a Corte não teria competência para, de ofício, revisar ou cancelar a súmula, necessitando sempre de provocação para tal intento. Essa, todavia, não é a melhor interpretação a ser emprestada ao dispositivo analisado.
Se a reforma expressamente preconizou um poder de maior envergadura à Suprema Corte (criação da súmula), implicitamente concederam-lhe também os poderes daí decorrentes (revisão e cancelamento). Logo, se se conferiu à Corte a capacidade de aprovar súmulas vinculantes de ofício, a fortiori admitiu-se a capacidade de, também ex officio, cancelá-las e até revê-las. (grifo dos autores)123
O § 1º do artigo 103-A dispõe que o objetivo da súmula vinculante é a
validade, a interpretação ou a eficácia de normas determinadas. A interpretação
desse dispositivo é feita pela doutrina com a regra que integra o caput, do artigo
103-A. Assim, restringe-se a possibilidade de edição de súmulas vinculantes apenas
às discussões sobre validade, interpretação e eficácia de determinadas normas, cuja
matéria seja de ordem constitucional.124
Importante salientar que “destarte, não se terá súmula vinculante tratando,
por exemplo, da eficácia jurídica de uma lei, se essa matéria não for de natureza
constitucional”.125
123 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 128-129.124 GARCIA. Ezequiel Rodrigo. A súmula vinculante à luz de princípios constitucionais. p. 59.125 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 164.
46
O alcance conferido à súmula vinculante foi impressionante, uma vez que se
extrapolou a mera validade e interpretação da Constituição e das leis, em face da
Constituição, para alcançar a eficácia de atos normativos.126
Isso porque, entende-se por normas determinadas, a listagem constante no
artigo 59 da CRFB, consideradas nas esferas federal, estadual e municipal -
emendas à constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas;
medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções -, além das Constituições
Estaduais, Leis Orgânicas Municipais e os demais atos normativos exarados pelas
autoridades públicas dos poderes da Federação.127
Frisa-se que toda essa especificidade de normas tem de envolver matéria
constitucional (cf. caput do art. 103-A, da CRFB), isto é, norma constitucional, como
sugere Gomes, pois “cada norma constitucional afeta uma área do conhecimento
jurídico. Logo, teremos súmulas vinculantes constitucionais penais, processuais,
trabalhistas, tributárias, comerciais etc.”.128
O § 3º do artigo 103-A trata do cabimento de reclamação perante o próprio
Supremo Tribunal Federal, quando o ato administrativo ou decisão judicial contrariar
a súmula aplicável ou indevidamente a aplicar. Sendo julgada procedente a
reclamação, a Suprema Corte anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação
da súmula, conforme o caso.
Sormani e Santander sustentam que a reclamação foi inserida na reforma
constitucional com dois propósitos, o primeiro é preservar a competência do STF, o
segundo é garantir a eficácia de suas decisões.129
Como a súmula vinculante também obriga a administração pública, existe a
possibilidade de reclamação contra decisão judicial e contra ato administrativo. O ato
administrativo não necessita ter cunho decisório, assim, a reclamação pode ser
interposta até mesmo contra cláusula de contrato administrativo que esteja em 126 TAVARES. André Ramos. Perplexidades do novo instituto da súmula vinculante no direito
brasileiro. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 11, julho/agosto/setembro, 2007. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-11-JULHO-2007-ANDRE%20RAMOS.pdf >. Acesso em: 04 mar. 2010. p. 7.
127 GARCIA. Ezequiel Rodrigo. A súmula vinculante à luz de princípios constitucionais. p. 59.128 GOMES, Luiz Flávio. Eficácia e Extensão das súmulas vinculantes. p. 1.129 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 176.
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desacordo com a súmula vinculante. Nesse caso, se a decisão proferida na
reclamação anular o ato administrativo, o STF não poderá exigir que a
Administração Pública profira outra decisão, em respeito ao princípio da separação
dos Poderes.130
Todavia, no caso de reclamação interposta contra decisão judicial, sendo
esta cassada, o STF determinará o retorno dos autos ao juiz competente para que
profira outra decisão, com ou sem a aplicação da súmula, dependendo do caso.131
Salienta-se que não cabe qualquer recurso em face da decisão que julgar
procedente ou improcedente a reclamação, salvo o de embargos de declaração,
motivo pelo qual a autoridade terá de cumprir a decisão proferida. Se a autoridade
não acatá-la “poderá ser responsabilizada, inclusive no âmbito criminal, pela prática,
em tese, de crime de desobediência”.132
A reclamação pode ser manejada pela parte prejudicada pela decisão
judicial ou ato administrativo que afrontou a súmula vinculante ou pelo Procurador-
Geral da República. O procedimento da reclamação, pelo menos contra decisões
judiciais, está previsto nos artigos 156 a 162, do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal e nos artigos 13 a 18 da Lei n. 8.038/90.133
2.2 A REGULAMENTAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE PELA LEI N. 11.417, DE
19.12.2006
A Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006 foi editada para regulamentar o
artigo 103-A da CRFB/1988 e alterar a Lei n. 9.784, de 20 de janeiro de 1999 (Lei do
Processo Administrativo Federal), disciplinando a edição, a revisão, e o
130 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 263.131 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 263.132 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 177.133 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 176.
48
cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF e dando outras
providências.134
A necessidade de uma lei que regulamentasse a súmula vinculante era
imprescindível, visto que o texto constitucional não abordou todos os aspectos do
instituto. Todavia, sem muitos acréscimos ou esclarecimentos significativos, a lei
regulamentadora reproduziu praticamente todos os termos do art. 103-A da
CRFB/1988135. Também trouxe algumas inovações em poucos dispositivos, a
maioria de cunho procedimental.
Após repetir os requisitos e pressupostos de adoção da súmula vinculante
(art. 2º, caput e § 1º), a Lei n. 11.417/06 determina a manifestação do Procurador-
Geral da República previamente à edição, revisão ou cancelamento de súmula
vinculante, nas propostas que não houver formulado (art. 2º, § 2º), confirma a
necessidade do quorum de 2/3 dos membros da Suprema Corte em sessão plenária,
(art. 2º, § 3º) e determina a publicação em seção especial do Diário Oficial, no prazo
de 10 dias após a sessão em que editar, rever ou cancelar a súmula vinculante (art.
2º, § 4º).136
A primeira medida de ordem procedimental acrescentada pela Lei em
comento, manifestação prévia do Procurador-Geral da República, foi inserida no
texto para cumprir o disposto no artigo 103, da CRFB/1988, que determina seja
ouvido previamente o Procurador-Geral da República tanto nas ações de
inconstitucionalidade como em todos os processos de competência do STF.
Também porque, como ocorre quando se pronuncia na ação direta de
inconstitucionalidade e na declaratória de constitucionalidade, exerce a função de
defensor dos interesses difusos de toda a sociedade e de defensor do ordenamento
constitucional. Cabe, ainda, ao Procurador-Geral da República, verificar a presença
dos requisitos formais e materiais exigidos para a proposta de edição, revisão ou
cancelamento do enunciado da súmula vinculante.137
134 BRASIL. Lei n. 11.417, de 19 de dezembro de 2006. Regulamenta o art. 103-A da Constituição Federal e altera a Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, disciplinando a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11417.htm>. Acesso em: 02 jun. 2010.
135 GARCIA. Ezequiel Rodrigo. A súmula vinculante à luz de princípios constitucionais. p. 65. 136 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante... p. 1.137 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 138-140.
49
A necessidade de publicação do enunciado de súmula vinculante no Diário
oficial, segundo Sormani e Santander, tem o propósito de dar conhecimento público
da existência do enunciado, de sua revisão ou de seu cancelamento. “Não se trata
de intimação para que os legitimados provoquem as medidas que entenderem
cabíveis ao teor do enunciado ou a seu cancelamento, mas sim, mera publicação
para marcar o termo a quo dos efeitos vinculantes”.138
Semelhante é a observação de Mendes e Pflug:
Como consectário de seu caráter vinculante e de sua ‘força de lei’ para o Poder Judiciário e para a Administração, requer-se que as súmulas vinculantes sejam publicadas no Diário Oficial da União. Procura-se assegurar, assim, a sua adequada cognoscibilidade por parte de todos aqueles que lhe devem obediência.139
Em seu artigo 3º, a Lei n. 11.417/06 ratifica a possibilidade de edição,
revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelos legitimados
indicados no artigo 103 da CRFB/88, a saber: Presidente da República, Mesa do
Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa da Assembléia Legislativa
ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador de Estado ou do Distrito
Federal, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional,
Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Acresce ainda ao rol de legitimados, seguindo a prerrogativa conferida pelo
§ 2º, do artigo 103-A, da CRFB/1988, o Defensor Público-Geral da União, os
Tribunais Superiores, os Tribunais de Justiça de Estados ou do Distrito Federal e
Territórios, os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho, os
Tribunais Regionais Eleitorais e os Tribunais Militares.
O mesmo dispositivo também acrescentou diretrizes procedimentais, como a
possibilidade de propositura de súmula vinculante pelo Município, incidentalmente
ao curso de processo em que seja parte, o que não autoriza a suspensão do
processo (§ 1º), e a possibilidade do relator admitir a manifestação de terceiros, por
sentença irrecorrível, no procedimento de edição, revisão ou cancelamento de
enunciado de súmula vinculante (§ 2º).
138 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 143.139 MENDES, Gilmar; MEYER-PFLUG, Samantha. Passado e futuro da sumula vinculante:
considerações a luz da Emenda Constitucional n. 45/2004. In: RENAULT, Sergio Rabello Tamm; BOTTINI, Pierpaolo (Coord). Reforma do Judiciário. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 346.
50
Nota-se que o Município foi excluído do rol dos legitimados, entretanto,
poderá propor a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula
vinculante incidentalmente ao curso de processo, desde que seja parte ativa ou
passiva da ação e comprove a presença dos requisitos previstos nos artigos 103-A,
da CRFB/1988 e 2º, da Lei n. 11.417/06.140
A manifestação de terceiro interessado se trata do Amicus Curiae, que se
apresenta para auxiliar no exame da matéria subjugada, ou seja, contribui “para o
aclaramento das questões suscitadas na proposta de edição, revisão ou
cancelamento de enunciado de súmula vinculante, podendo, para tanto, apresentar
informações, memoriais, fazer sustentação oral etc”.141
Sobre a participação do Amicus Curiae, “Amigo da Corte”, em determinados
procedimentos, Reis ensina que é uma figura introduzida no Brasil há pouco tempo,
admitida em situações especiais, tendo a seguinte função:
Trata-se de uma pessoa que, não estando diretamente envolvida na demanda, leva ao juízo sua contribuição para o deslinde da controvérsia: seja prestando informações sobre questões de fato, seja propondo análise de questões jurídicas em relação às quais haja dúvidas ou necessidade de maiores esclarecimentos por parte da Corte.
Sua função é contribuir para o deslinde da controvérsia, buscando alertar os julgadores para algum tema que, de outra forma, pudesse escapar-lhes ao conhecimento e deliberação.
Normalmente, a sua participação se dá por meio de um memorial. Sem ser parte no processo, porém admitida a sua intervenção sem participação no resultado dado à demanda, o Amicus Curiae pode pretender auxiliar a Corte para que esta possa proferir uma decisão acertada, na sua ótica. Do mesmo modo, poderá vir a sustentar tese jurídica em defesa de interesses públicos e privados de terceiros (ainda que não intervenientes), que poderão vir a ser atingidos pelo desfecho da questão.142
Outro aspecto procedimental previsto na Lei n. 11.417/06 é a possibilidade
de modulação dos efeitos vinculantes da súmula. Dispõe o artigo 4º que a súmula
vinculante tem eficácia imediata, mas o STF pode restringir seus efeitos, ou decidir
que só tenha eficácia a partir de outro momento, por razões de segurança jurídica ou
de excepcional interesse público.
140 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 146.141 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 148.142 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 202.
51
O sentido dessa disposição da lei é evitar que os efeitos vinculantes atinjam
a sociedade com mudanças súbitas e inconvenientes nos processos em curso, uma
vez que podem causar relevantes alterações nas situações de fato e de direito
existentes.143
Discorrendo sobre o assunto, Tavares critica um ponto do dispositivo:
Quando a lei fala em ‘decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento’, não deve ser entendido como ‘decidir que os efeitos vinculantes só tenham eficácia a partir de outro momento’. Não haveria sentido que a súmula fosse editada com efeito vinculante diferido no tempo. Isso equivaleria a que o modelo retrocedesse até as súmulas ordinárias, já presentes no modelo brasileiro anterior à reforma sumular, que não contam com efeito vinculante. É, ademais, um paradoxo (e quase uma ironia) que a súmula vinculante seja não vinculante. De outra maneira, a postergação dos efeitos por poucos dias pode ser, por vezes, interessante, mas pode bem ser exercitada com um certo controle na publicação da súmula vinculante, para o que a Lei já estabelece um prazo de 10 dias.144
Ainda sobre a modulação temporal da súmula vinculante, Reis leciona que
“o Supremo Tribunal Federal, no próprio enunciado deverá estabelecer os limites
temporais da eficácia, adotando outro momento para o início de sua validade”.145
De outro vértice, o art. 5º da Lei n. 11.417/06 trata da revisão ou
cancelamento de súmula vinculante, de ofício ou por provocação, no caso de
revogação ou modificação da lei que serviu de base à sua edição.
Tal preceito visa a adaptar a súmula vinculante à atual situação da lei que
serviu de referência para a sua criação, de modo que a orientação do Supremo
Tribunal Federal acompanhe as alterações legislativas.146
Também de diretriz procedimental, o artigo 6º da lei em comento veda a
suspensão dos processos em que se discuta questão que seja objeto de proposta
de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante.
De fato, não há justificativa suficiente para a suspensão dos processos em
curso, pelo simples fato de haver proposta de súmula vinculante tratando do mesmo
tema. Isso porque, sendo a proposta rejeitada, além das partes serem prejudicadas
pelo tempo em que o processo ficou sobrestado, o resultado da tramitação da
143 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 211.144 TAVARES. André Ramos. Nova lei da súmula vinculante... p. 67. 145 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 211.146 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 212.
52
proposta não implicaria resultado algum para as partes. Sendo a proposta acolhida,
a edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula vinculante afetaria os
processos judiciais em curso, assim, a suspensão do processo serviria para prevenir
o trânsito em julgado de decisão contrária ao entendimento esposado no enunciado
da súmula vinculante, já que esta não tem efeito rescisório.147
Salienta-se que a publicação do enunciado vinculante reflete apenas nos
processos administrativos ou judiciais em curso, nunca sobre os processos
terminados, com decisão transitada em julgado.148
Contudo, para Sormani e Santader, a hipótese de prevenir o trânsito em
julgado de decisão contrária ao entendimento esposado no enunciado da súmula
vinculante não tem força suficiente para justificar a suspensão do processo. É que
ainda pode ocorrer de a sentença ser proferida no mesmo sentido da proposta de
enunciado de súmula vinculante acolhida pelo STF ou a proposta pode ser acolhida
antes de a decisão ser proferida no processo ou antes até mesmo de seu trânsito
em julgado.149
A Lei n. 11.417/06, em seu artigo 7º, caput, §§ 1º e 2º, reproduziu a
possibilidade de cabimento de reclamação perante o Supremo Tribunal Federal e
acrescentou novos requisitos, conforme se infere da redação do dispositivo:
Art. 7o Da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação.
§ 1o Contra omissão ou ato da administração pública, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas.
§ 2o Ao julgar procedente a reclamação, o Supremo Tribunal Federal anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso.
A advertência constante na parte final do caput do artigo 7º, de um certo
modo, parece autorizar o STF a exigir do prejudicado o esgotamento dos recursos e
impugnações existentes antes de se valer da reclamação. No entanto, tudo indica
que a disposição acrescentada tem o propósito de demonstrar que, além dos 147 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 150.148 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 214.149 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 150.
53
recursos e outros meios admissíveis de impugnação, caberá a parte lesionada
ajuizar reclamação.150
Até porque, se aquela fosse a intenção do legislador infraconstitucional,
haveria disposição específica sobre a necessidade de esgotamento das vias
judiciais, assim como a lei estabeleceu para a administração pública no § 1º, do
mesmo artigo.
Há quem considere esta disposição de constitucionalidade duvidosa, em
vista do que preconiza o inciso XXXV, do artigo 5º, da CRFB/1988151, pois
condicionar o ajuizamento de reclamação ao prévio esgotamento das vias
administrativas não deixa de ser uma forma de restringir o acesso ao Poder
Judiciário.152
Nota-se que a norma regulamentadora tentou condicionar o uso da
reclamação em caso de descumprimento de enunciado de súmula vinculante pela
Administração Pública, certamente com a finalidade de evitar que o ajuizamento de
um grande número de reclamações congestione a Suprema Corte, anulando os
benefícios decorrentes da aprovação dos enunciados.153
Todavia, não é de se esperar que a súmula vinculante seja descumprida
pela Administração pública, principalmente, a ponto de gerar um amontoado de
reclamações perante o STF. Até porque se um agente público deixar de cumpri-la ou
aplicá-la indevidamente, poderá ser responsabilizado civil, administrativa ou
criminalmente, conforme o caso. Portanto, essa cautela do legislador mais contribuiu
para a Administração Pública protelar o cumprimento de suas obrigações.154
Os artigos 8º e 9º da Lei n. 11.417/06 alteraram a Lei n. 9.784/99 de 29 de
janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração
Pública Federal, acrescendo a esta lei o § 3º ao artigo 54, e os artigos 64-A e 64-B.
150 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 170.151 O inciso XXXV, do art. 5º, da CRFB/1988 dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”. 152 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula vinculante e a Lei nº 11.417/2006: apontamentos para
compreensão do tema. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1295, 17 jan. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9400>. Acesso em: 26 fev. 2010. p. 1.
153 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 173.154 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 173-174.
54
Pela redação desses dispositivos, quando o recorrente em processo
administrativo entender que a decisão contraria enunciado de súmula vinculante, a
autoridade prolatora da decisão deverá reconsiderá-la, se for o caso, ou explicitar as
razões de aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, antes de encaminhar o
recurso para a instância superior. Havendo o prosseguimento do recurso, o órgão
competente para analisá-lo deverá, igualmente, explicitar as razões de aplicabilidade
ou inaplicabilidade da súmula. Caso permaneça a decisão contrária a súmula, sendo
recebida a reclamação, o STF dará ciência tanto a autoridade prolatora da decisão
como ao órgão competente para o julgamento do recurso, a fim de que ambos
modifiquem as futuras decisões, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas
cível, administrativa e penal.
Por fim, a lei regulamentadora da súmula vinculante estabelece, em seu
artigo 10, a aplicação subsidiária do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
nos procedimentos de edição, revisão ou cancelamento de enunciado de súmula
vinculante.
2.3 OS REQUISITOS PARA EDIÇÃO DE ENUNCIADO DE SÚMULA
VINCULANTE
Diante das considerações delineadas, vislumbra-se que a Lei
regulamentadora da súmula vinculante apenas repetiu os requisitos necessários à
edição de enunciado vinculante empregados no texto constitucional. Portanto,
incumbe ao Supremo Tribunal Federal a tarefa de interpretar as expressões
utilizadas pelo Poder Constituinte derivado e pelo legislador infraconstitucional, que
são as seguintes: reiteradas decisões, controvérsia atual, grave insegurança jurídica
e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
O primeiro requisito para a criação de enunciado vinculante, o da reiteração
de decisões, pressupõe a existência de várias decisões num mesmo sentido. Tal
55
expressão decorre da própria noção de súmula, que consiste no resumo da
jurisprudência de um órgão judicial.155
O termo empregado visa a “que o enunciado reflita o entendimento
resultante de exame amadurecido, e não apenas de um só acórdão, resultante do
exame apenas de uma controvérsia”. Os dicionaristas entendem por reiteradas
decisões “que a Corte Suprema deverá decidir sobre o mesmo tema da mesma
maneira”.156
A controvérsia atual, outro requisito que deve estar presente para a
aprovação da súmula vinculante, é uma forma de justificativa e de fundamento de
constitucionalidade, pois o que deve acarretar a edição das súmulas vinculantes não
é a apreciação jurisdicional exercida como um simples parecer ou meio de consulta
para os demais operadores de direito, mas a que se propõe a resolver conflitos,
instabilidades e estados de incerteza presentes no Poder Judiciário, que necessitam
da atuação dos juízes.157
E é indispensável que a controvérsia seja atual. É o que pensa Nogueira:
Não haveria utilidade também na edição de uma súmula que disponha sobre matéria antiga, ainda que um dia tenha sido controvertida. É necessário, portanto, que no momento em que a aprovação da súmula é proposta, ela tenha se pacificado, seja pela superveniência de texto legal, seja pela consolidação doutrinária e jurisprudencial. Se a súmula tem efeito vinculante é preciso que exista de fato uma controvérsia, pois esse efeito vinculante seria ineficaz caso ausente esse requisito.158
Por outro lado, não há que se falar em edição de súmula vinculante
preventiva, uma vez que o aspecto preventivo não tem previsão constitucional no
caso das súmulas meramente persuasivas tampouco no caso das súmulas
vinculantes. Isso porque, segundo a regra constitucional, não há como um
enunciado preventivo surgir depois de reiteradas decisões sobre matéria
constitucional.159
155 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 152.156 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 180-181.157 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 152. 158 NOGUEIRA, Gustavo Santana. Das Súmulas Vinculantes. In Wambier, Teresa Arruda Alvim;
WAMBIER, Luiz Rodrigues; GOMES Jr, Luiz Manoel; FISCHER, Octavio Campos e FERREIRA, William Santos (org). Reforma do Judiciário. Primeiros Ensaios críticos sobre a EC nº 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 274.
159 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 153.
56
A controvérsia também deve acarretar grave insegurança jurídica, o terceiro
requisito para a edição de enunciado de súmula vinculante.
Na lição de Sormani e Santander, a grave insegurança jurídica pode ser
entendida como o abalo no sentimento que a sociedade possui relacionado à
segurança jurídica, isto é, à certeza do direito.160
A segurança jurídica pode ser conceituada como um princípio, “consistente
na estabilidade da ordem jurídica constitucional, com a finalidade de refletir nas
relações intersubjetivas o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos
futuros e pretéritos da regulação das condutas sociais”.161
O efeito vinculante atribuído às súmulas busca propiciar essa segurança
jurídica para a sociedade, de modo que os processos sobre a mesma questão
tenham decisões idênticas no final, produzindo os mesmos efeitos jurídicos a todos
os indivíduos.162
Para isso, faz-se necessário extinguir as decisões divergentes nos
processos que tramitam nas secretarias das Varas e Tribunais, o que segundo Reis
caracteriza a existência de dois problemas: um de cunho social, outro de caráter
processual:
No primeiro, pensar que tal número poderia ser bem maior, pela quantidade de pessoas que, por qualquer motivo – falta de informação, ignorância sobre seu direito, ausência de condições econômicas – não tiveram acesso ao poder Judiciário para resolver a mesma questão, idêntica aos que ali estão presentes naquela multiplicidade de processos.
A outra, a de que a maior parte dos processos em curso no Judiciário é de temas meramente repetitivos, algumas centenas ou milhares deles versando sobre uma mesma questão jurídica. E, o que é pior, depois de que tantos desses processos se arrastam no Judiciário durante anos, as decisões finais, que, em princípio, deveriam ter o mesmo teor, a mesma orientação, são díspares, quando na verdade deveria ser uma só e a mesma para todos aqueles que estão em uma mesma situação.163
O mesmo autor entende que a aplicação do enunciado de efeito vinculante
possibilitará a uniformização dos julgamentos, bem como a celeridade e a qualidade 160 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 158.161 SORMANI, Alexandre. Inovações da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação
Declaratória de Constitucionalidade: Uma visão crítica da Lei 9.868/99 sob o viés do princípio da segurança jurídica. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004. p. 40.
162 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 185.163 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 186.
57
destes, contribuindo para a redução das injustiças causadas às partes, quando
surgem sentenças contraditórias na análise de uma mesma situação jurídica.164
O último requisito para a edição do instituto em análise, a existência de
relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica, certamente não
poderia faltar, uma vez que “o objetivo confesso da súmula vinculante é a diminuição
do volume de processos que tramitam pelos órgãos judiciários de cúpula, aliás,
vertente orientadora da reforma do Poder Judiciário”.
É o que observa Mancuso:
A boa razão, pois, parece sinalizar para o trato processual de tipo molecular, e não atomizado, para as demandas que empolgam interesses muito expandidos ao interior da sociedade civil, justamente porque nesses casos a tese jurídica discutida é substancialmente una, apenas multiplicada pelos muitos sujeitos a ela concernentes. [...] Por aí se vê que, dentre os motivos determinantes do implemento da súmula vinculante, encontra-se inadiável adoção de medida idônea a conter a caótica dispersão de ações judiciais sobre um mesmo tema, prática que projeta efeitos perversos, tanto para o Estado-juiz, que se vê assoberbado com a sobrecarga do serviço, quanto para o jurisdicionado, que recebe uma resposta tardia e de conteúdo imprevisível.165
O termo relevante afasta a possibilidade de edição de enunciado de súmula
vinculante quando houver simples repetição de processos, haja vista que a máquina
judiciária pode absorver, com presteza e agilidade, considerável número de feitos.
Por isso, as controvérsias que ensejam relevante multiplicação de processos
devem, simultaneamente, acarretar grave insegurança jurídica, de modo que o
excessivo número de processos possa abalar, com gravidade, a estabilidade
jurídica. Até porque, não há como aferir numericamente o alcance que o dispositivo
constitucional (§ 1º do artigo 103-A) quis alcançar.
De outro norte, não se pode deixar de comentar que o artigo 8º, da EC n.
45/04, permitiu a conversão das tradicionais súmulas do Supremo Tribunal Federal,
dotadas de efeito meramente persuasivo, em súmula vinculante.
Preceitua o mencionado dispositivo que “as atuais súmulas do Supremo
Tribunal Federal somente produzirão efeito vinculante após sua confirmação por
dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial”.
164 REIS, Palhares Moreira. A súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal. p. 188-189.165 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 345-346.
58
Muito embora o artigo 8º não tenha reproduzido os requisitos para a edição
de súmula vinculante previstos no artigo 2º, da EC n. 45/2004 (que acrescentou o
artigo 103-A na CRFB), a doutrina entende que o Supremo Tribunal Federal deve
analisar criteriosamente se as súmulas tradicionais preenchem todos os requisitos
necessários para a edição de súmula vinculante, para que assim possam convertê-
las em súmula vinculante.166
2.4 OS PRINCIPAIS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E CONTRÁRIOS À SÚMULA
VINCULANTE
Como visto, ao institucionalizar a súmula vinculante o Poder Constituinte
derivado reformador estipulou alguns requisitos para a edição do enunciado. Tais
requisitos, como se verá a seguir, são decorrentes de problemas enfrentados pelo
Poder Judiciário que, para alguns juristas, justificam o implemento do instituto no
ordenamento jurídico brasileiro.
Mas nem todos os juristas se manifestam favoravelmente à súmula
vinculante. Na verdade, o tema é bastante polêmico e abrange os mais diversos
tipos de argumentos, uma vez que doutrinadores, juízes, estudiosos e demais
operadores do direito divergem opiniões, para defendê-la ou criticá-la.
Para os adeptos, a súmula vinculante é considerada um acontecimento
extraordinário que traz respostas significativas para o poder Judiciário, como
segurança jurídica, celeridade processual e descongestionamento do Poder
Judiciário.
Como meio de propiciar à sociedade segurança jurídica, a súmula vinculante
se apresenta como relevante medida constitucional, pois, repisa-se, busca que os
processos sobre a mesma questão tenham decisões idênticas no final.
Nas palavras de Alcoforado, “fragiliza-se o sistema jurídico se se incapacita
a fomentar a busca de tratamento isonômico dos cidadãos que se acham em
166 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 168.
59
situações idênticas, razão por que cabe ao Judiciário aplicar-lhes soluções que se
mostrem homogêneas”.167
No mesmo norte, Faria sustenta que o Judiciário é o responsável pelo
binômio justiça-certeza, o qual somente pode ser alcançado com a súmula
vinculante:
Não há possibilidade de se implementar o binômio supracitado sem que haja no ordenamento jurídico um instrumento legal e constitucional, em conjunto com outros tantos dispostos aos órgãos judiciais, que seja dotado de carga vinculativa e obrigatória aos demais órgãos do Poder Judiciário e aos órgãos do Poder Executivo, tendo em vista o fato de que não se pode tolerar a desigualdade e a ocorrência de decisões tomadas de forma diferente para casos iguais, em essência, no que concerne a questões de ordem material, legal, excetuadas, é claro, as nuances de cada caso em concreto [...]168
A súmula vinculante também pode ser um caminho para conter o absurdo
número de processos que abarrotam o Poder Judiciário, uma vez que a
possibilidade de aplicar a mesma solução para casos semelhantes contribui para a
diminuição da sobrecarga de trabalho e, consequentemente, para uma prestação
jurisdicional mais célere.169
A maior parte do elevado número de recursos que chegam diariamente aos
tribunais é proveniente do Estado, o qual mesmo sabendo que não lhe assiste razão
o direito, recorre da decisão a fim de protelar o direito favorável à outra parte da lide,
geralmente, o cidadão comum.170
Costa Leite, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça, assevera não ter
encontrado outro instrumento melhor do que a súmula vinculante para conter a
excessiva litigiosidade da Administração Pública. Segundo ele, as estatísticas
indicam que “85% das causas em tramitação têm um órgão da administração pública
em um dos pólos processuais. E o que é pior, em 70% dessas causas houve vitória
167 ALCOFORADO, Luiz Carlos. Súmula Vinculante. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 90, n. 783, jan. 2001. p. 57.
168 FARIA, Marcelo Pereira. Súmula vinculante: argumentos favoráveis e contrários ao instituto. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/24503/sumula-vinculante-argumentos-contrarios-e-a-favoraveis-do-instituto-marcelo-pereira-faria>. Acesso em: 06 maio 2009. p. 1.
169 LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2267, 15 set. 2009. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13503>. Acesso em: 26 fev. 2010. p. 1.
170 LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. p. 1.
60
do particular sobre o ente público, que acaba recorrendo desnecessariamente.”171
A adoção da súmula vinculante impede que a parte vencida da demanda
tenha que aguardar por vários anos a reforma da decisão na Suprema Corte, pois a
decisão do Supremo Tribunal Federal é aplicada desde logo nas instâncias
inferiores, evitando-se delongas processuais.172
Nesta senda, adverte Tourinho Neto:
Não se pode conceber que uma questão decidida pelo STF, a Corte mais alta do país, o Tribunal que dá a última palavra, receba decisão diferente, em causas idênticas, nos tribunais e juízes inferiores, obrigando o vencido a interpor recursos, percorrendo um caminho difícil, penoso, demorado, para, depois de anos e anos, chegar ao Supremo, a fim de obter a reforma daquela decisão.173
Diante das considerações delineadas, denota-se que a súmula vinculante
traz grandes benefícios para a sociedade.
Não apenas segurança jurídica, inibindo a possibilidade de decisões
contrárias em casos idênticos, como a celeridade processual e o desafogamento do
Judiciário, uma vez que sem a reprodução dos casos idênticos, o Judiciário pode
prestar um serviço mais ágil e de melhor qualidade, o que não consegue ser feito
quando há um elevado número de processos em tramitação que geram, também,
desumana quantidade de recursos.174
Por outro lado, para os opositores a súmula vinculante representa uma
ofensa aos princípios do devido processo legal, da independência dos juízes ou do
duplo grau de jurisdição. Muitos pensam que a súmula vinculante desvincula o
direito brasileiro de suas origens romanas e provoca o “engessamento” do Poder
Judiciário. E, “praticamente todos os doutores que se opõem à súmula vinculante
sustentam que ela fere o princípio da independência dos Poderes”175.
171 LEITE, Paulo Costa. In PINHEIRO, Rodrigo Paladino. A súmula vinculante. Âmbito Jurídico. Rio Grande, 46, 31 out. 2007. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2375>. Acesso em: 20 jun. 2010. p. 1.
172 ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Súmula Vinculante. Será este o caminho? Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 90, n. 787, p. 35-56, maio 2001. p. 44.
173 TOURINHO NETO, Fernando da Costa. In MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 290.
174 ALCOFORADO, Luiz Carlos. Súmula Vinculante. p. 57. 175 MUSCARI, Marco Antônio Botto. Súmula vinculante. p. 63.
61
Passos e Fioratto sustentam que para garantia do devido processo legal o
juiz deve decidir de acordo com a realidade dos fatos construídos no decorrer do
processo, devendo a sentença ser formulada a partir de cada caso concreto e das
convicções formadas pelo magistrado.176
No entanto, no caso de ter apenas que aplicar a súmula vinculante, sem
apreciar o caso concreto, o juiz não poderá aplicar seus conhecimentos, sua
experiência e seguir sua consciência jurídica.177
Nas palavras do Senador Roberto Freire:
Com o efeito vinculante, retira-se muito a capacidade de discutir os fatos, que não são iguais, podem ter semelhanças, analogia, mas são distintos. E o juiz, na primeira instância, discute fatos. No momento que se tem a interpretação, a hermenêutica dos tribunais superiores, através de efeitos vinculantes, determinando como se resolver, estamos diminuindo a capacidade de os juízes interpretarem a realidade dos fatos.178
E assim, interfere-se também na independência judicial, posto que “a súmula
vinculante significaria a retirada da classe judicante da sua razão substancial de ser,
pois estaria suprimida a autonomia que lhe é tão cara para realizar sua função”.179
A tese de que a súmula vinculante ofende ao princípio do devido processo
legal não é sustentada por todos os estudiosos do Direito, pois quando a disposição
sumular for mal aplicada o recorrente poderá invocar o reexame da matéria.
Também no caso de existir argumentos jurídicos novos, não apreciados pelo juiz
singular, poderá o demandante se valer dos recursos cabíveis, preservando o
princípio do duplo grau de jurisdição.180
Em relação ao possível afastamento de suas origens, cumpre salientar que o
direito brasileiro segue a família romano-germânica e tem a lei como principal fonte
do direito. Na família common low, cujos maiores expoentes são os Estados Unidos
176 PASSOS, Cinthia Emilia; FIORATTO, Débora Carvalho. A súmula vinculante no estado democrático de direito. Disponível em <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2007/Discentes/fioratoo.doc>. Acesso em: 14 jan. 2010. p. 12.
177 PASSOS, Cinthia Emilia; FIORATTO, Débora Carvalho. A súmula vinculante no estado democrático de direito. p. 12.
178 FREIRE, Roberto. Apud: SILVA, José Anchieta da. A súmula de efeito vinculante amplo no direito brasileiro: um problema e não uma solução. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 82.
179 LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. p. 1.180 ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Súmula Vinculante... p. 47.
62
da América, a jurisprudência que é a maior fonte do direito, tendo os precedentes
judiciais força absoluta nos julgamentos.181
Entende-se que a súmula vinculante desvincula o direito brasileiro de suas
origens romanas, pois culmina em conflito entre lei e súmula. É o que observa Mello:
Perde toda a sua força histórica, que sustenta o sistema jurídico romano-germânico adotado no país, pois a vida nacional não será só regrada por normas legais, mas também por preceitos sumulares. Com o mecanismo da súmula em análise, o modelo de estado de direito brasileiro será sui generis, “pois ninguém poderá fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei ou de súmula vinculante”.182 (grifo do autor)
Alega-se, ainda, que a súmula vinculante provoca o “engessamento” do
Poder Judiciário, pois impede a capacidade natural de formação do direito por meio
da jurisprudência, uma vez que representada pela súmula, pode não acompanhar as
mutações sociais, tornando-se um instrumento obsoleto, que obstaculiza a aplicação
salutar da justiça.
Esse é o raciocínio de Soibelman, atualizador da Enciclopédia Jurídica
Eletrônica: “Nos parece, portanto, correta a afirmação de que a súmula vinculante
viabiliza o engessamento da justiça, uma mumificação dos entendimentos, uma
avalização da ausência de esforço intelectual dos julgadores”.183
O “engessamento” do Judiciário também pode decorrer da inadaptabilidade
do sistema de precedentes, oriundo da common law, no sistema romano germânico.
Após algumas ponderações sobre ambos os sistemas, Rezende verbera:
Nesse diapasão, entendemos que, enquanto o casuísmo inevitável e multifacetário das decisões judiciais no sistema de common law é compensado pela regra do precedente obrigatório (o stare decisis), o transplante desse preceito – efeito vinculante das decisões dos Tribunais Superiores – para um sistema romano-germânico como o nosso, provocaria o engessamento do direito existente, na medida em que o privaria da flexibilidade que as decisões judiciais de primeira e segunda instância lhe conferem.184
181 ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Súmula Vinculante... p. 49.182 MELLO, Aymoré Roque Pottes de. In MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência
jurisprudencial e súmula vinculante. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 285.183 SOIBELMAN, Félix. Súmula vinculante na Emenda Constitucional nº 45/2004. Jus Navigandi,
Teresina, ano 9, n. 618, 18 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6392>. Acesso em: 16 out. 2010. p. 1.
184 REZENDE, Matheus Ribeiro. Ainda sobre a súmula vinculante. Revista da Esmese, n. 4, 2003. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/22574/ainda_sumula_vinculante.pdf?sequence=1>. Acesso em: 24 jun. 2010. p. 179.
63
Divergindo desse posicionamento, Sormani e Santander entendem que a
jurisprudência não corre o risco de ficar estagnada pela adoção da súmula
vinculante, visto que o legislador constituinte reformador se preocupou com a
possibilidade de revisão ou cancelamento da súmula pelo Supremo Tribunal
Federal.185
Existem, ainda, outras teses favoráveis e contrárias a súmula vinculante.
“Pondera-se que há mais de quarenta argumentos e contra-argumentos sobre o
assunto em tela, contudo muitos de natureza repetitiva”186.
No presente trabalho, escolheu-se aprofundar os estudos sobre os reflexos
da súmula vinculante no princípio constitucional da separação dos poderes, razão
pela qual se deixa para o terceiro capítulo a abordagem deste tema.
Dessa forma, após compreender o instituto da súmula vinculante serão
analisadas as funções estatais dos Poderes da União e a interferência do Poder
Judiciário, por meio da edição de súmula vinculante, no Poder Legislativo e,
consequentemente, no equilíbrio entre os Poderes, buscando-se aferir se a EC n.
45/2004 conferiu ao Supremo Tribunal Federal o poder de legislar e se a súmula
vinculante é (in) compatível com o princípio constitucional da separação dos
poderes.
185 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 168. 186 ANDREUCCI, Ana Claudia Pompeu Torezan. Súmula Vinculante... p. 42.
64
3 A SÚMULA VINCULANTE À LUZ DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Buscando-se aferir se a Emenda Constitucional n. 45/04 conferiu ao
Supremo Tribunal Federal o poder de legislar, bem como se a súmula vinculante é
(in) compatível com o princípio constitucional da separação dos poderes, estudar-se-
á no presente capítulo a teoria da separação dos poderes e a visão moderna desse
princípio, atualmente previsto no artigo 2º da CRFB/1988; as principais atribuições
dos poderes da União; e a criação legislativa e judiciária do direito. Em seguida se
apreciará eventual poder normativo conferido ao Supremo Tribunal Federal e a visão
doutrinária da súmula vinculante frente ao princípio constitucional da separação dos
poderes.
3.1 A DOUTRINA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
3.1.1 Raízes históricas remotas
A doutrina da separação dos poderes tem suas raízes históricas mais
remotas na doutrina da constituição mista, que desde a Antiguidade Clássica faz
parte do pensamento ocidental, tendo como objetivo fundamental limitar a atuação
do poder político. Algumas das ideias que contribuíram para a expressão
constitucional mais perfeita no moderno Estado constitucional remontam à Grécia e
a Roma e podem ser indicadas por alguns axiomas fundamentais da visão ocidental
de Estado. 187
187 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional, um contributo para o estudo de suas origens e evolução. Coimbra: Coimbra Ed., 1989. p. 31.
65
O axioma que expressa a teoria da constituição mista ou do governo misto
tem o desígnio de encontrar a estabilidade da estrutura institucional, por meio da
mistura das diferentes classes sociais, portadoras de interesses diversos, de modo
que estas tenham acesso equilibrado aos órgãos de que a estrutura institucional se
compõe, para poderem participar integralmente no exercício do poder político.188
O conceito de constituição mista tem início em Aristóteles, como parte do
tema das formas de governo, ou seja, dos modos de exercício do poder supremo no
Estado, que o autor discrimina em seis formas, de acordo com o número de
governantes, respectivamente: monarquia, aristocracia, república, e tirania,
oligarquia, democracia. O exercício do poder soberano se processa de acordo com
várias dessas seis formas de governo, e não apenas com uma delas, de modo que
praticamente todas as constituições são mistas, pois levam em conta a sociedade,
que é composta por diversas partes, grupos ou classes, responsáveis pela
existência de tantas formas de governo.189
Dessa forma, entende-se por constituição mista190 “aquela em que os vários
grupos ou classes sociais participam do exercício do poder político, ou aquela em
que o exercício da soberania ou o governo, em vez de estar nas mãos de uma única
parte constitutiva da sociedade, é comum a todas”191.
O modelo aristotélico de constituição mista está associado a uma ideia
apenas da doutrina da separação dos poderes, numa fase já adiantada de sua
evolução. Essa ideia consiste no equilíbrio ou balanceamento das classes sociais
por meio da sua participação no exercício do poder político, viável mediante o seu
acesso à orgânica constitucional.192
Existe também a versão de Políbio e de Cícero sobre a constituição mista,
os quais criaram uma teoria a partir de uma experiência constitucional da república
188 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 32.189 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 33.190 “Aristóteles considera a constituição mista como a melhor constituição, justamente porque só ela
tem em conta, ao mesmo tempo, os ricos e os pobres”. Piçarra salienta que “é neste ponto que deve esclarecer-se a questão de saber se é Platão e não Aristóteles o primeiro defensor da constituição mista. Vários são os autores que, efectivamente, consideram Platão um adepto da constituição mista e, nessa medida, um adepto remoto da separação dos poderes...” (PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p.33-34.)
191 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 35.192 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 36.
66
romana em diferentes fases. Ambos seguem a ideia de Aristóteles, no sentido de
que a constituição mista, por ser uma mistura ou síntese das formas de governo, é
melhor do que qualquer delas, e a ideia de que é uma constituição estruturada, pois
há relevância das classes sociais, o que a torna mais estável e durável do que
qualquer outra.193
A orgânica constitucional da república romana era composta por órgãos que
participavam do exercício do poder político, sendo que cada um deles legitimava o
poder apenas de uma classe ou potência político-social, respectivamente os
cônsules, os patrícios e os plebeus. Para Piçarra, é daí que se tira a diferença da
versão polibiana da constituição mista para a versão aristotélica, e se alcança uma
conexão com o equilíbrio entre os poderes:
É nesta associação de uma classe ou potência político-social autónoma a cada um dos três órgãos constitucionais que a versão polibiana da constituição mista revela a sua diferença específica relativamente à versão aristotélica, em que apenas se trata de atribuir a todas as classes iguais direitos político-constitucionais. Mas o telos da constituição mista é em ambas as versões idêntico: o equilíbrio entre as classes.
Para Políbio o balanceamento obtém-se, justamente, separando os diferentes interesses de classe a nível orgânico-institucional, ou seja, fazendo corresponder a cada um poder constitucional autónomo. Deste modo (...) a força de um poder, neutralizando a dos outros faz com que os diversos poderes se equilibrem, nenhum se exceda e o sistema político permaneça longamente em perfeito equilíbrio, à guisa de um navio que vence a força de uma corrente contrária (...). Todos, portanto, permanecem nos limites constitucionalmente prescritos, porque, à partida, temem a fiscalização dos outros.
Resulta, assim, clara a estreita conexão entre constituição mista e equilíbrio dos poderes: órgãos constitucionais diferenciadamente legitimados e representantes de interesses sociais distintos, refletindo a estrutura plural da sociedade, hão-de provocar um efeito reciprocamente limitativo, no sentido da moderação do poder político.194
Portanto, verifica-se que embora com ideias um pouco diferentes Aristóteles
e Políbio defendiam como ponto principal da constituição mista a estabilização das
classes sociais.
193 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 37-38.
194 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 38-39.
67
3.1.2 Raízes históricas próximas
As raízes históricas mais próximas da doutrina da separação dos poderes foi
concebida como pré-requisito de realização da rule of law195, que surgiu pela
primeira vez na Inglaterra, no Século XVII. A rule of law baseava-se em ideias,
reivindicações e critérios jurídicos anti-absolutistas, constituindo a primeira forma
histórica de Estado-tipo do Ocidente, ou seja, Estado constitucional ou de Direito,
que inclui como seu elemento essencial o princípio da separação dos poderes.196
A partir do século XVII, quando as relações sociais foram se tornando mais
complexas, exigindo regulamentação jurídica, a legislação parlamentar, já
independente de precedentes, passou a ter um papel importante no sistema jurídico-
político. A lei começa adquirir natureza constitutiva, e não meramente declarativa,
formando a função legislativa em sentido próprio, autônoma à função jurisdicional.197
Nesta fase, destaca-se a importância dos tribunais judiciais e a supremacia
do seu direito – Common Law – que integrava uma série de normas jurídicas,
tratando sobre o lançamento dos impostos, a proibição da violação da legalidade
mesmo pelo Rei e, acima de tudo, a proteção do indivíduo contra a prisão, o
confisco e outras penas arbitrárias.198
Os absolutistas, opositores da rule of law, tinham como projeto a
substituição da supremacia do soberano pela supremacia da lei, uma vez que
aquele deixava os interesses dos súditos entregues à sua discricionariedade sem
garantir um sistema jurídico de proteção efetiva. Sendo assim, não pensavam em
195 O autor Jorge Miranda “define a rule of law como o conjunto d’ os princípios, as instituições e os processos que a tradição e a experiência dos juristas e dos tribunais mostraram ser essenciais para a salvaguarda da dignidade das pessoas frente ao Estado, à luz da ideia de que o Direito deve dar aos indivíduos a necessária proteção contra qualquer exercício arbitrário do poder”. (MIRANDA, Jorge. A Constituição de 1976. Formação, estrutura, princípios fundamentais. Lisboa, 1978. p. 473-474. Apud: PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional, um contributo para o estudo de suas origens e evolução. p. 44)
196 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 44.197 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 45-
46.198 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 46.
68
outra alternativa senão declarar o Common Law globalmente não vinculante, até
porque pelas decisões jurisdicionais os tribunais do Common Law persistiam em
delimitar a competência legislativa entre o Rei e o Parlamento. 199
Essa controvérsia jurídico-constitucional entre os defensores da filosofia do
Estado que atribuem plenos poderes a um soberano e aqueles que defendem a
supremacia legislativa foi decidida em 1623 com a Petição de Direito, votada pelo
terceiro Parlamento de Carlos I, o qual ratificou os princípios absolutistas. A partir
daí foi elaborada a primeira versão da doutrina da separação dos poderes, como
bem sintetiza a autora Castro:
Curiosamente a primeira versão da doutrina da separação dos poderes foi elaborada tendo-se em conta a necessidade de limitar o desempenho do poder do chamado Longo Parlamento, que desenvolveu férrea oposição ao governo de Carlos I. Nessa época foi sistematicamente usado o Impeachment (foram objeto deste instrumento legal 98 pessoas), o que levou a oposição a defender a idéia da necessidade de uma separação de poderes como forma de por fim à “tirania parlamentar”, limitando-se a atuação do Parlamento às funções específicas legislativas, retirando-lhe qualquer competência jurisdicional.200
Portanto, a necessidade de separação dos poderes surgiu com a finalidade
precisa de assegurar “a exclusão da tirania e do arbítrio, inevitáveis quando todos os
poderes estão concentrados num só órgão, e a garantia da liberdade e da
segurança individuais, seriamente comprometidas quando as leis são aplicadas por
quem delas é autor”.201
A partir do momento em que ficou comprovada a dificuldade dos autores das
leis atuarem segundo o que elas estabelecem, aplicando-as imparcialmente aos
casos concretos, a separação das funções legislativa e executiva passou a ser
imprescindível para a realização da rule of law (princípio da legalidade).202
No século XVIII, ainda na Inglaterra, a doutrina da separação dos poderes,
mesmo na ideia da rule of law, uniu-se à teoria da monarquia mista, que “partia da
ideia de uma sociedade pré-constituída, na qual as diversas potências político-
199 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 47.200 CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. In: PEIXINHO, Manoel Messias;
GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro. Lumen Júris, 2006. p. 137-138.
201 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 49.202 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 52.
69
sociais, a saber, rei, nobreza e povo, estavam distribuídas em estamentos ou
ordens. A cada uma correspondia um poder”.203
Foi desta mistura ideológica que surgiu “aquela que veio a ser a teoria
constitucional inglesa típica do século do século XVIII, considerada ora como
variante da doutrina da separação dos poderes ora como variante da doutrina da
monarquia mista: a doutrina da balança dos poderes”.204
Com o iluminismo o homem deixou de ser considerado como inscrito em
ordens naturais (estamentos), passando a ter autonomia e liberdade perante o
Estado. E por conta dessas mudanças de concepções acerca da teoria da
separação dos poderes, ora com base no conceito iluminista de lei, ora buscando a
relativização do poder estadual, em nome da garantia dos direitos fundamentais, é
que o princípio da separação dos poderes apresenta equivocidade de sentidos.205
3.1.3 Locke
A doutrina da separação dos poderes também passa por Locke, que é
considerado por muitos o autor original desta teoria, para outros visto apenas como
um precursor de Montesquieu, atribuindo a este a exclusiva autoria da doutrina.
Ainda há quem entenda que em sua obra não se encontra nenhuma doutrina da
separação dos poderes.206
No prefácio de sua obra Two treatises of civil governmente (1690), Locke se
propõe a justificar os efeitos constitucionais da Revolução de 1688, que marcaram o
triunfo definitivo da monarquia constitucional sobre a monarquia absoluta na
Inglaterra. Nesse quadro político, o autor defende a supremacia da lei, sintetizando
suas ideias com as seguintes frases:
203 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.023.
204 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 60.205 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. p. 1.024.206 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 63.
70
Para entender o poder político corretamente, e derivá-lo de sua origem, devemos considerar o estado em que todos os homens naturalmente estão, o qual é um estado de perfeita liberdade para ordenar suas ações e dispor de suas posses e propriedades do modo como julgarem acertado, dentro dos limites da lei de natureza, sem pedir licença ou depender da vontade de qualquer outro homem. Um estado também de igualdade, em que é recíproco todo o poder e jurisdição, não tendo ninguém mais que outro qualquer [...] A liberdade do homem em sociedade consiste em não estar submetido a nenhum outro poder legislativo senão àquele estabelecido no corpo político mediante consentimento, nem sob o domínio de qualquer lei afora as que promulgar o legislativo, segundo o encargo a este confiado [...] Mas a liberdade dos homens sob um governo consiste em viver segundo uma regra permanente, comum a todos nessa sociedade e elaborada pelo poder legislativo nela erigido: liberdade de seguir minha própria vontade em tudo quanto escapa à prescrição da regra e de não estar sujeito à vontade inconstante, incerta, desconhecida e arbitrária de outro homem.207 (grifos do autor)
Locke encontra os fundamentos do Estado no contrato social. A celebração
de um contrato deveria assegurar os direitos que não mais existiam no estado de
natureza: a segurança dos homens e a propriedade. O Estado deveria então
elaborar leis, viabilizando a fruição dos bens e a segurança, uma vez que eram os
objetivos dos homens em sociedade.208
Locke fundamentou e desenvolveu a supremacia do Poder Legislativo,
prevalecendo a exigência da separação das funções legislativas e executivas.
Considerou funções essenciais: a existência de leis fixas, conhecidas e aceitas pelo
consentimento comum, com a finalidade de solucionar controvérsias; a figura de um
juiz conhecido e imparcial, que deveria aplicar a lei na solução dos conflitos, embora
sem fazer menção ao Poder Judiciário; e a existência de um poder para sustentar e
fazer a execução da sentença, quando justa.209
3.1.4 Montesquieu
207 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad. Júlio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 381-382, 401-402.
208 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 67-68.
209 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad. Júlio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 494-495.
71
A partir de Montesquieu, ao escrever um capítulo sobre a constituição da
Inglaterra, em seu livro De l’Esprit des Lois [O Espírito da Leis] - 1748, a separação
dos poderes ganha algumas variações sobre o tema da rule of law. À distinção de
funções estaduais que tradicionalmente era feita entre função legislativa e função
executiva, o autor acrescentou a função judicial.210
Sobre estas três espécies de poder211 Montesquieu considerava que o Poder
Legislativo era responsável pela criação, correção ou ab-rogação das leis; o Poder
Executivo tinha o poder de fazer a paz ou a guerra, de enviar ou receber as
embaixadas, de manter a segurança e de prevenir as invasões; e o Poder de Julgar
consistia no poder de punir os crimes ou de julgar os litígios entre os particulares.212
Este autor justificou da seguinte forma a necessidade de divisão entre as
funções do governo:
Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do poder executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse ligado ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.213
A versão da balança ou do equilíbrio da doutrina da separação dos poderes
também não foi desconhecida por Montesquieu. Esta doutrina afirma que a
separação-independência é pré-condição para um equilíbrio dos poderes através do
210 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 89, 91.
211 Para MADISON, “o oráculo sempre consultado e citado a respeito [da separação dos poderes] é o famoso Montesquieu. Se não foi o autor deste inestimável preceito da ciência política, pelo menos tem o mérito de tê-lo divulgado e recomendado, fazendo com que fosse objeto da universal atenção”. (HAMILTON, Alexander; MADISON, James; JAY, Jhon. O federalista. Trad. Heitor Almeida Harrera. Brasília: UnB, 1984. p. 394.)
212 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O espírito das leis; apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 167-168.
213 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O espírito das leis... p. 168.
72
seu controle recíproco, sendo viabilizado pela atribuição a cada um deles de
precisos dispositivos constitucionais.214
Em Montesquieu, o Poder Legislativo não adquire supremacia. Na verdade,
nenhum dos poderes é mais importante do que os demais, pois cada um tem uma
atribuição de ordenar correlata a uma outra de impedir “pela qual um órgão
constitucional teria o poder de controlar, limitar, ou contrabalançar o poder do outro,
acabou por formular a teoria atualmente conhecida como “freios e contrapesos”,
chamada pelos norte-americanos de checks and balances”.215
Por outro lado, a figura dos representantes é por Montesquieu considerada
essencial para unir o povo e o governo, pois estes sabem discutir os assuntos, ao
contrário do povo, que não tem capacidade de discutir as questões públicas, o que
constitui um “grave inconveniente da democracia”.216
O autor Piçarra salienta os relevantes reflexos da doutrina de Montesquieu:
Em matéria de separação dos poderes, tanto em sentido orgânico-funcional como em sentido político-social, Montesquieu terá dito pouco, ou mesmo nada, de verdadeiramente original relativamente às doutrinas jurídicas e políticas da Inglaterra do tempo. Mas deu certamente o impulso decisivo para transformar a doutrina da separação dos poderes, de doutrina inglesa, em critério do Estado constitucional. Não sem equívocos, anacronismos e incompreensões posteriores, dado que na sua versão coexistem idéias já definitivamente pertencentes ao passado e idéias destinadas a perdurar no futuro. Ao longo dos dois séculos seguintes, tanto haveria de ser rejeitada como aclamada em nome daquilo que hoje é traço jurídico-político comum ao ocidente: o Estado democrático-representativo, em que a conciliação do pluralismo de poder com a constituição permanente da unidade política continua a ser, tal como para Montesquieu, questão essencial.217
Anota-se que atualmente a separação dos poderes possui reflexos da teoria
de Montesquieu, conforme se observará adiante.
214 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 103.215 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 22.216 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O espírito das leis... p. 171.217 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 122-
123.
73
3.1.5 Rousseau
Rousseau deu o último passo da distinção entre função legislativa e função
executiva. Para ele, a separação dos poderes entendida como modo de limitar o
poder político-estadual, mediante a sua estruturação plural, não tem lugar, uma vez
que ele é adepto de uma construção radicalmente monista de poder. Tal como em
Locke, sua concepção de lei, Estado e poder político é o contrato social.218
Em Rousseau, tem-se o primado da lei, traduzida como a única forma de
expressar a vontade geral, de modo que os cidadãos devem sobrepor aos seus
interesses particulares o interesse geral ou o bem comum. Ele rejeita qualquer tipo
de representação política, pois entende que esta não exprime a vontade geral, mas
sim a vontade particular. Na visão rousseniana, o poder executivo não pode
pertencer ao povo soberano, justamente porque não consiste na emanação de leis,
consiste num corpo intermediário entre os súditos e o soberano, encarregado de
executar as leis. Dentro desta concepção o poder soberano é o de legislar. 219
Rousseau distingue a função de elaborar a lei das funções de executar e
interpretar, funções estas do Poder Executivo. Destaca que a interpretação da lei é
melhor quando realizada pelo Poder Legislativo, pois “aquele que faz a lei sabe
melhor do que ninguém como deve ser executada e interpretada”.220
Este autor considera nocivo à democracia a reunião das funções de legislar
e julgar num mesmo poder, eis que implica desvio de atenção do corpo legislativo
dos interesses gerais para os particulares.221
3.2 A SEPARAÇÃO DOS PODERES COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
218 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 125.219 PIÇARRA, Nuno. A separação dos poderes como doutrina e princípio constitucional... p. 126-
136.220 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social e outros estudos. Coleção “Os pensadores”.
São Paulo: Victor Civita, 1973. p. 123.221 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social e outros estudos. p. 97.
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O princípio da separação dos poderes, observado por meio das diversas
manifestações da sociedade, serviu como amparo a Estados que possuíam linhas
ideológicas, políticas e jurídicas totalmente distintas.222 Este princípio está
intimamente ligado ao Estado de Direito223 em suas diferentes concepções,
qualificadas em Liberal, Social e Democrático.224
O Estado de Direito Liberal, também denominado liberalismo, surgiu tendo
como características básicas, a submissão ao império da lei, considerada como ato
emanado do poder legislativo, composto de representantes do povo-cidadão; a
garantia dos direitos individuais, que foi uma grande conquista da civilização liberal;
e a divisão dos poderes, devendo separar “de forma independente e harmônica os
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, como técnica de assegurar a produção
das leis ao primeiro e a independência e imparcialidade do último em face dos
demais e das pressões dos poderosos particulares”.225
O liberalismo também defendia a inatividade das forças estatais, seguindo
uma postura individualista, baseada na concepção dos valores da liberdade
(institucional e pessoal), igualdade, propriedade privada, segurança jurídica e
participação política.226
Em outra etapa, que se estende do início do século XX até o final da
segunda guerra mundial, desenvolveu-se o Estado Social de Direito que, igualmente
se apoiando no princípio da separação dos poderes, defendeu aqueles valores, mas
dando a eles outras dimensões.227 Aqui, o Estado de Direito deixa de ser neutro e
222 IBEAS, Santa Maria. “Los Valores del Estado de Derecho: Los Valores Superiores Del Ordenamiento Español”, in Estúdios sobre El Ordenamiento Jurídico Español. Burgos: Universidas de Burgos, 1996. Apud: CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. p. 139.
223 “Estado de Direito é possibilidade de organização estatal que sucedeu ao chamado absolutismo em razão das Revoluções Burguesas dos séculos XVII e XVIII, sobretudo a Francesa, com as quais se afirmou o constitucionalismo. Um modelo cujo embrião é a Magna Carta, que no século XIII já consignava os elemetos essenciais do moderno constitucionalismo: limitação do poder do Estado e a declaração dos ‘Direitos Fundamentais da Pessoa Humana’. É um modo de organização que se contrapõe ao Absolutista por não mais admitir a confusão entre o poder e aquele que o exerce [...]”. (SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Estado Democrático de Direito. Separação de poderes e súmula vinculante. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2009, 31 dez 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12155>. Acesso em: 25 ago. 2009. p. 1.)
224 CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. p. 139.225 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 113.226 CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. p. 139.227 CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. p. 140.
75
individualista e passa a afirmar os direitos sociais e a realizar os objetivos de justiça
social, compatibilizando em um mesmo sistema o capitalismo e o bem-estar social
geral.228
Finalmente, pode-se falar em um Estado Democrático de Direito, cuja
fórmula começou a ser desenvolvida com a Constituição alemã de 1949 e
consolidada com as constituições portuguesa e espanhola da década de 70. Este
Estado continuou fundado no princípio da separação dos poderes, procurando
aprofundar a democracia como forma de governo, mas uma democracia mais ampla,
compreendendo além dos campos político e jurídico, as áreas cultural, social e
econômica.229
Durante o século XX, o Estado Democrático de Direito defendeu a
verdadeira democracia, que luta a favor do acesso ao poder político, modificando os
mecanismos de acesso aos órgãos diretivos e o papel dos cidadãos nestes órgãos,
de modo que os partidos cumpram os princípios e postulados que defendem.
O Estado Democrático de Direito institucionalizou o poder popular e sua
tarefa fundamental consistiu em “superar as desigualdades sociais e regionais e
instaurar um regime democrático que realize a justiça social”.230
Nota-se que o princípio da separação dos poderes serviu de sustentáculo a
todas as modificações pelas quais passou o Estado de Direito, “evitando, umas
vezes de forma incisiva, outras de forma tênue, que um poder suplantasse os
demais de maneira a surgir despótico e tirânico aos cidadãos, como tragicamente
veio ocorrer em momentos pontuais da histórica contemporânea”.231
A CRFB/1988 estabelece em seu artigo 1º que a República Federativa do
Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Para Siqueira, o Estado
Democrático de Direito tem o compromisso de “consagrar a supremacia
constitucional, afirmando-se valores fundamentais da pessoa humana, assim como a
organização e funcionamento do Estado. Esta consagração aponta no sentido da
separação dos poderes”.232
228 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 115.229 CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. p. 141.230 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 116.231 CASTRO, Flávia Viveiros. O princípio da Separação dos Poderes. p. 141.
76
E como não poderia faltar em um Estado Democrático de Direito, a Carta
Magna de 1988 consagra a separação dos poderes, como princípio fundamental, em
seu artigo 2º, cuja redação assim dispõe: “São Poderes da União, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Essas expressões possuem duplo sentido, pois indicam as funções
legislativa, executiva e jurisdicional e também os respectivos órgãos,
constitucionalmente previstos nos artigos 44 a 75, 76 a 91 e 92 a 135.233
Vislumbra-se que a Constituição brasileira adotou a “separação tripartita de
poderes”234, identificada por Montesquieu, em oposição ao absolutismo medieval,
que defendia a encarnação do poder pelo Monarca.235 Mas atualmente, tem-se uma
nova visão do princípio da separação dos poderes, conforme revela Silva:
O princípio da separação dos poderes já se encontra sugerido em Aristóteles, John Locke e Rousseau, que também conceberam uma doutrina da separação de poderes, que, afinal, em termos diversos, veio a ser definida e divulgada por Montesquieu. Teve objetivação positiva nas Constituições das ex-colônias inglesas da América, concretizando-se em definitivo na Constituição dos Estados Unidos de 17.9.1787. Tornou-se, com a Revolução Francesa, um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação de poderes, tal a compreensão de que ela constituiu técnica de extrema relevância para a garantia dos Direitos do Homem, como ainda o é.
Hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de
232 SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Estado Democrático de Direito. Separação de poderes e súmula vinculante. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2009, 31 dez. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12155>. Acesso em: 25 ago. 2009. p. 1.
233 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 106.234 “O princípio da separação ou divisão de poderes foi sempre um princípio fundamental do
ordenamento constitucional brasileiro. Recorde-se que a Constituição do Império adotara a separação quadripartita de poderes segundo a formulação de Benjamin Constant: poderes Moderador, Legislativo, Executivo e Judiciário. As demais constituições assumiram a formulação tripartita de Montesquieu. A Constituição de 1988 manteve o princípio com o enunciado um pouco diferente. O texto foi aprovado no segundo turno sem a cláusula independentes e harmônicos entre si, porque estava sendo adotado o parlamentarismo, que é um regime mais de colaboração entre poderes que de separação independente. Aquela cláusula é adequada no presidencialismo. Como, no final, este é que prevaleceu, na Comissão de Redação o Prof. e então Dep. Michel Temer sugeriu a reinserção da regra da harmonia e independência que figurava no artigo 2º, sem porém indicar as ressalvas ao princípio que sempre constavam nas constituições anteriores, do teor seguinte: ‘Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; quem for investido na função de um deles não poderá exercer a de outro’. Ressalva desnecessária.” (SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 106).
235 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de Direito Constitucional. 2. ed. Campinas: Millennium, 2005. p. 160.
77
relacionamento entre os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário, tanto que atualmente se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes. (grifo do autor)236
Ao instituir o princípio da separação dos poderes, o sistema constitucional
brasileiro procurou obstar a supremacia de instâncias no âmbito do Estado e evitar,
no plano político-jurídico, a possibilidade de dominação institucional de um Poder
sobre os demais.237
Talvez por isso se diga que “o princípio da separação dos poderes seja
justamente o que a Constituição tenha de mais caro, inclusive historicamente, por
ser a garantia básica do cidadão contra o exercício arbitrário do poder pela
autoridade pública”.238
No entanto, a ideia de separação absoluta foi suavizada por conta das
diversas mudanças históricas, sociais e econômicas que passaram a permitir e
tolerar uma interpenetração maior entre os poderes e suas respectivas funções.239
Bastos salienta que a ideia de um sistema de “freios e contrapesos”,
segundo o qual um órgão deve exercer suas funções e ainda controlar o outro, foi
essencial para o sucesso da teoria de Montesquieu, mas no Estado contemporâneo
esta rígida divisão de funções está ultrapassada, pois hoje cada um destes órgãos
tem obrigação de realizar atividades que tipicamente não seriam suas.240
Por outro ângulo, há quem entenda que mesmo na atualidade a distinção
das funções é primordial para prevenir a concentração de poder em um órgão. É o
que se observa a seguir:
Atualmente, o princípio da separação dos poderes implica em uma distinção material das funções dos diferentes órgãos do Estado, devendo cada uma delas caber precipuamente a um destes. Esta
236 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 109.237 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 23.452. Relator: Min. Celso de
Mello. Brasília, DF, 6 de setembro de 1999. DJU, 12 maio 2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(23452.NUME. OU 23452.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 25 ago. 2009.
238 BESTER, Gisele Maria. Direito Constitucional, v. 1: Fundamentos Teóricos. São Paulo: Manole, 2005. p. 299.
239 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de Direito Constitucional. p. 161.240 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 19. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1998.
p. 159.
78
distinção material das funções estatais e a separação orgânico-pessoal nela fundada se pautam não só por preocupações de ordem jurídico-dogmática, mas também, e sobretudo, por preocupações garantísticas: o que se pretende é que nenhum destes órgãos chegue a controlar, por si só a totalidade do Poder do Estado. A entrega de cada uma das funções políticas a cargo de diferentes órgãos faz com que cada um destes constitua perante o outro um freio e simultaneamente um contrapeso, prevenindo-se, desta forma, a concentração do poder, a favor da liberdade individual.241
Na atualidade, cada órgão do Poder realiza “preponderantemente uma
função, e secundariamente, as duas outras. Da preponderância advém a tipicidade
da função; da secundariedade, a atipicidade”.242
Já se viu que as expressões Legislativo, Executivo e Judiciário também
indicam as funções de cada um dos poderes, respectivamente, legislar, executar
(administrar) e julgar. Essas funções são consideradas típicas ou principais. Dessa
forma, como funções típicas o Poder Legislativo exerce a edição de leis e a
fiscalização contábil; o Poder executivo realiza atos de Chefia de Estado, Chefia de
Governo e de Administração; e o Poder Judiciário aplica a lei ao caso concreto,
dirimindo conflitos de interesses.243
Os poderes da União também realizam atividades atípicas. Entre essas
atividades cita-se que o Poder Legislativo exerce a administração de pessoal, que
tem natureza executiva, e o julgamento do Presidente da República por crime de
responsabilidade, de natureza jurisdicional; o Poder Executivo baixa medidas
provisórias, de caráter legislativo, e julga recursos e processos administrativos, cujo
caráter é jurisdicional; e o Poder Judiciário organiza seu pessoal, de natureza
executiva (administrativa), e elabora seus regimentos internos, de natureza
jurisdicional.244
Há quem pense que estas funções atípicas violam o preceito instituído no
inciso III, § 4º, do artigo 60 da Magna Carta, pelo qual o princípio da separação dos
poderes é cláusula pétrea na Constituição brasileira de 1988, não podendo ser
abolido por emenda constitucional.
241 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. 2. ed. Rio de Janeiro. Lumen Júris, ano 2006. p. 143.
242 TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 120.243 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de Direito Constitucional. p. 161. 244 PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual de Direito Constitucional. p. 161, 162.
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Para Barroso, as funções atípicas representam uma forma de
relacionamento entre os poderes, apenas em casos pontuais haverá violação à
cláusula pétrea constitucional:
É evidente que a cláusula pétrea de que trata o art. 60, § 4º, III, não imobiliza os quase 100 (cem) artigos da Constituição que, direta ou indiretamente, delineiam determinada forma de relacionamento entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Muito diversamente, apenas haverá violação á cláusula pétrea da separação de Poderes se o seu conteúdo nuclear de sentido tiver sido afetado. Isto é: em primeiro lugar, se a modificação provocar uma concentração de funções em um poder ou consagrar, na expressão do STF, “uma instância hegemônica de poder”; e, secundariamente, se a inovação introduzida no sistema esvaziar a independência orgânica dos poderes ou suas funções típicas.245
Nas palavras de Sgarbossa e Jensen “o que explica as funções anômalas ou
atípicas é a Teoria dos Freios e Contrapesos, segundo as quais [sic] os poderes se
interpenetram e se controlam reciprocamente, não havendo, portanto, separação
estanque”.246
Deve-se observar que o artigo 2º da CRFB/1988 estabelece que os Poderes
são “independentes e harmônicos entre si”. Esses mecanismos de freios e
contrapesos caracterizam a “harmonia entre os Poderes”, imprescindível à
realização do bem da coletividade, servindo para evitar a arbitrariedade e a
insubordinação de um Poder em prejuízo do outro ou dos governados. Por isso se
diz que nem a divisão de funções nem a independência dos órgãos do Poder são
absolutas. 247
A harmonia entre os poderes também compreende as “normas de cortesia
no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente
todos têm direito”.248 E a “independência dos poderes” manifesta-se pela liberdade
conferida a cada um para organizar seus serviços e exercer suas atribuições, bem
como para realizar a investidura e permanência das pessoas nos órgãos do
governo, de maneira que um pode atuar independentemente da vontade ou
245 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 174.
246 SGARBOSSA, Luís Fernando; JENSEN, Geziela. Súmula vinculante... p. 7.247 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 110.248SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 110.
80
autorização do outro, desde que respeitadas as disposições constitucionais e
legais.249
3.3 A SÚMULA VINCULANTE COMO ATO NORMATIVO DA FUNÇÃO
JURISDICIONAL
Após compreender o instituto da súmula vinculante, o princípio da separação
dos poderes e as funções típicas e atípicas dos órgãos dos poderes da União,
convém agora analisar se a súmula vinculante está revestida de caráter normativo,
buscando avaliar posteriormente se o Poder Judiciário cria direito e se está ou não
interferindo nas funções do Poder Legislativo.
Para Sifuentes, a súmula vinculante encontra-se no quadro geral dos atos
jurídicos, mais especificamente entre os atos típicos da função jurisdicional, e, por
ter força vinculante em relação aos demais órgãos do Judiciário e também à
administração pública direta e indireta, aproxima-se das leis e pode ser inserida no
que se poderia chamar de “ato normativo da função jurisdicional”.250
Para esta autora, o “ato normativo da função jurisdicional” ou “ato
jurisdicional normativo” corresponde ao “ato típico e exclusivo da função
jurisdicional, que se situa em uma zona cinzenta da distribuição funcional entre os
poderes do Estado, dado o seu caráter de obrigatoriedade e generalidade, que o
aproxima do conteúdo material da lei”.251
Neves seleciona os aspectos que revelam um “ato jurisdicional normativo”:
1) O órgão emitente é um tribunal.
2) Esse órgão judicial é chamado a tratar do conflito de jurisprudência por meio de uma atividade jurisdicional – ponderação e decisão jurídica de um caso concreto.
3) Esse órgão acaba por ultrapassar o caráter estrito dessa atividade, ao prescrever uma norma jurídica destinada não mais à
249 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. p. 110.250 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 277.251 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 275.
81
solução daquele caso concreto, mas a uma aplicação geral e futura. (grifo do autor)252
Com o mesmo caráter normativo da súmula vinculante, Sifuentes cita as
súmulas impeditivas de recurso, diante do poder que se confere ao relator do
processo de negar provimento imediato ao recurso interposto da decisão que as
contrariar. O que não é o caso das súmulas meramente persuasivas, as quais
antecederam a súmula vinculante e continuam existindo ao lado dessas, servindo
para orientar as futuras decisões dos juízes e tribunais.253
Portanto, o que distingue um ato jurisdicional do outro é a normatividade, ou
seja, os atributos com que se projeta no sistema jurídico, principalmente a
generalidade e a abstração. Soma-se a isso a obrigatoriedade, exclusivamente
quando alcança os atos jurisdicionais dotados de caráter erga omnes, como ocorre
no Brasil com as decisões de mérito proferidas em controle abstrato de
constitucionalidade.254
No entanto, o fato de ter eficácia contra todos não faz com que uma decisão
perca sua natureza de ato jurisdicional, tampouco a reveste de natureza legislativa,
pois, conforme ensina Miranda, “não assume força material de lei; não está revestida
de capacidade conformadora própria das leis e falta-lhe, por natureza, a livre
delimitação dos seus objetos”.255
Na lição de Passos, a súmula vinculante assemelha-se à função legislativa,
mas possui natureza interpretativa, de modo a contribuir para a segurança jurídica
do ordenamento:
Súmula, súmula vinculante, jurisprudência predominante, uniformização de jurisprudência ou o que for, obriga. Um pouco à semelhança da função legislativa, põe-se, com ela, uma norma de caráter geral, abstrata, só que de natureza interpretativa. Nem se sobrepõe à lei, nem restringe o poder de interpretar e de definir os fatos, atribuído aos magistrados inferiores, em cada caso concreto, apenas firma um entendimento da norma, enquanto regra abstrata, que obriga a todos, em favor da segurança jurídica que o ordenamento deve e precisa proporcionar aos que convivem no
252 NEVES, Antônio Castanheira. O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Coimbra: Coimbra Editora, 1983. p. 274-275. Apud: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 276.
253 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 277.254 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 277.255 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1997. 5 v. 3. ed. t. 3.
p. 484. Apud: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 277.
82
grupo social, como o fazem as normas de caráter geral positivadas pela função legislativa.256
Sifuentes assinala que “uma das conclusões que se pode tirar da análise
dos ordenamentos jurídicos modernos é que, principalmente após a consagração da
Justiça Constitucional, os tribunais podem, excepcionalmente, criar regras
jurídicas”.257
Nessa linha de raciocínio, pode-se dizer que a súmula vinculante possui os
atributos de um “ato jurisdicional normativo” e que por meio dela estaria então o
Poder Judiciário criando direito, por conta de sua natureza interpretativa.
3.4 A CRIAÇÃO LEGISLATIVA E JUDICIÁRIA DO DIREITO
Constata-se que os juízes exercem, cada vez mais, a função criadora do
direito, o que não é novidade diante da jurisprudência, por muitos considerada uma
das fontes do ordenamento jurídico pátrio. Diante disso, é pertinente analisar
eventuais diferenças entre a criação legislativa e jurisdicional do direito.
Conforme magistério de Lima, o Poder Judiciário cria sim direito, com base
no caso concreto, diferente do Poder legislativo que cria direito guiado pela
generalidade e abstração:
Os juízes criam sim o direito, pois na aplicação da lei, eles muitas vezes necessitam agir com criatividade para concretizar a eficácia da legislação em favor de uma das partes que compõe o conflito analisado. Entretanto, não é a criatividade que diferencia o Judiciário do Legislativo, porquanto ela se faz presente também neste poder. Desse modo, por um lado, é correto dizer que o Judiciário cria o direito; por outro lado, está incorreto pensar que o Judiciário ao agir de tal maneira estaria legislando.
256 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Súmula vinculante. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 9, janeiro, fevereiro, março, 2007. Disponível em <http http://www.direitodoestado.com/revista/REDE-9-JANEIRO-2007-CALMON%20PASSOS.pdf>. Acesso em: 24. ago. 2009. p. 10.
257 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 279.
83
A verdade é que a criação do direito por parte do Judiciário está sempre calcada no caso concreto. O Legislativo por seu turno é guiado pela generalidade e pela abstração de forma fundamental.258
Para Sifuentes, a possibilidade de a súmula vinculante, em particular, e os
atos normativos, em geral, ganharem espaço definitivo na estrutura jurídica brasileira
corresponde muito mais a um imperativo de ordem prática do que teórica. É que em
decorrência da inércia do legislador em vários setores, tem-se a criação
jurisprudencial do direito, apresentando-se como realidade mais tangível do que a
criação legislativa.259
Lessa aponta os três principais caracteres distintivos da criação do direito
pelo Poder Judiciário:
1º as suas funções são as de um árbitro; para que possa desempenhá-las, importa que surja um pleito, uma contenda; 2º só se pronuncia acerca de casos particulares, e não em abstrato sobre normas, ou preceitos jurídicos, e ainda menos sobre princípios; 3º não tem iniciativa, agindo quando provocado, o que é mais uma conseqüência da necessidade de uma contestação para poder funcionar.260
Carnelutti considera que as funções legislativa e jurisdicional são
modalidades diferentes de produzir direito. Para este autor existe diferença
funcional, na medida em que no processo legislativo as partes não interferem, de
nenhuma maneira, na sua formação; enquanto na jurisdição, embora o direito
também se produza, por um órgão do Estado, sem interferência das partes, estas
participam ativamente da sua preparação, tornando-se agentes do processo.261
Este autor também aponta a existência de superioridade de uma fonte sobre
a outra:
Dir-se-ia que ao legislador cabe a direção suprema do formidável estabelecimento industrial constituído para a produção do direito. Todos os outros produtores, juízes e partes, estão sob as suas ordens. Tal supremacia traduz-se, primeiro que tudo, em que só a fonte legislativa produz direito sem limites. As outras, pelo contrário, são fontes limitadas, e os seus limites são-lhes estabelecidos pela lei.262
258 LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. p. 1.259 SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 298.260 LESSA, Pedro. Do Poder Judiciário. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2003. p. 1.261 CARNELUTTI, Francesco.Teoria geral do direito. Trad. Antonio Carlos Ferreira. São Paulo: LEJUS,
1999. p. 146-148. Apud: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 140. 262 CARNELUTTI, Francesco.Teoria geral do direito. Trad. Antonio Carlos Ferreira. São Paulo: LEJUS,
1999. p. 173. Apud: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 154.
84
Por fim, pode-se dizer “que a atividade legislativa significaria uma primeira
redução dos ordenamentos possíveis, enquanto a judiciária concretizaria e
particularizaria a norma criada pela primeira redução, explicitando o seu alcance e
resultado”.263
3.5 A (IN) COMPATIBILIDADE DA SÚMULA VINCULANTE COM O PRINCÍPIO
DA SEPARAÇÃO DOS PODERES
Finalmente, buscar-se-á compreender se a súmula vinculante se apresenta
como um ato típico da função jurisdicional, que contribui para o melhor
funcionamento do Poder Judiciário ou se é um ato secundário, que atribui aos juízes
o poder de legislar, desrespeitando o princípio da separação dos poderes.
Conforme se verá a seguir a interferência ou não do Poder Judiciário, por
meio da súmula vinculante, no Princípio da separação dos poderes é um tema que
gera opiniões divergentes entre os operadores do direito.
Siqueira entende que a súmula vinculante, muito embora contribua para a
celeridade do sistema, representa atentado contra a democracia e a “partição de
poderes”, fortalecendo o Poder Judiciário:
No Brasil, no período que sucedeu à EC 45/04, vive-se um momento em que essa partição resta mitigada. Tal assertiva decorre da possibilidade da vinculação através das súmulas. Tal como vislumbradas, representam um momento onde o Poder Judiciário acabará por se tornar um Super-Poder [...]
A súmula vinculante tem o condão de efetividade na produção de uma resposta rápida por parte do Judiciário. É preciso se estabelecer, contudo, que resposta rápida não se confunde com resposta efetiva. No mesmo sentido, é de se destacar que a celeridade não pode ocorrer às custas da ordem instituída. Celeridade se pretende, mas uma celeridade que caiba no espírito constitucional: partição de poderes e democracia.264
263 LUHMANN, Niklas. Sistema jurídico y dogmática jurídica. p. 111-112. Apud: SIFUENTES, Mônica. Súmula vinculante... p. 141.
264 SIQUEIRA, Alessandro Marques de. Estado Democrático de Direito... p. 1.
85
O cerne dessa questão, segundo Gozetto, “está na legitimidade de quem
elabora a legislação e de como o faz [...]. Para vários autores, a adoção da súmula
vinculante é temerária, pois geraria um considerável desequilíbrio entre os
poderes”.265
Por este ângulo, vislumbra-se que a súmula vinculante representa uma forma
de confiar o exercício do poder ao Judiciário, quando deveria ser confiado ao povo,
que segundo a Constituição brasileira tem titularidade para exercê-lo por meio de
seus representantes eleitos ou diretamente nos termos em que ela estabelecer,
conforme preceitua o parágrafo único, do artigo 1º, da CRFB/1988. Assim, a
democracia assegurada no constitucionalismo pátrio estaria sendo alterada, pois o
direito fundamental que tem o cidadão, de participar direta ou indiretamente da
elaboração da norma, não é observado.266
Seguindo em Rocha, a súmula vinculante atenta contra a democracia,
violando princípios e direitos fundamentais, pelos seguintes motivos:
Ao contrário de todos os princípios e direitos políticos fundamentais postos no sistema constitucional, a instituição da “súmula vinculante” não tem a) a fonte legítima da representação popular; b) o respeito à possibilidade constitucionalmente prevista como direito fundamental do cidadão de participar da formação do Direito (art. 14); c) a garantia do processo legislativo democrático, discutido, aberto e participativo (arts. 59 e seguintes) para a criação de norma jurídica.267
Um pouco mais a frente, essa autora aduz que a súmula vinculante torna o
Poder judiciário autor de uma “legislação” e, diante disso, faz o seguinte
questionamento:
A questão que aqui se põe é: não haveria aqui uma ruptura do princípio da separação dos poderes adotado no art. 2º da Constituição da República, o qual, por caracterizar em seu fundamento a matriz do modelo democrático acolhido, dota-se de uma super-rigidez que não pode ser abolido sequer por emenda constitucional?268
Luiz Flávio Gomes considera a súmula vinculante incompatível com o
princípio da separação dos poderes, “visto que o Judiciário não pode ditar regras
265 GOZETTO, Andréa Oliveira. O instituto da súmula Vinculante e a teoria da separação dos poderes. Disponível em: <http://www.uninove.br/PDFs/Publicacoes/prisma_juridico/pjuridico_v7n2/prismav7n2_5b_1254.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2009. p. 391.
266 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. p. 57. 267 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. p. 57. 268 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Sobre a súmula vinculante. p. 58.
86
gerais e abstratas, com validade universal”, eis que lhe “falta legitimação
democrática para isso”.269
Sulzbach, ex-presidenta da Anamatra – Associação Nacional dos Magistrados
do Trabalho (1995/1997) esclarece melhor o problema em questão:
Materializando a interpretação que deve ser dada à lei, a súmula com efeito vinculante gera efeito que nem a lei provinda do Parlamento tem capacidade de produzir. Torna-se uma superlei, concentrando no Judiciário poderes jamais concedidos sequer ao poder constituinte originário, o qual não pode impor interpretação obrigatória às normas que disciplinam as relações sociais. A possibilidade de edição de súmula com efeito vinculante pelos tribunais de cúpula significa atribuir a esses competência de cassação e afirmação das normas, com evidente fragilização do Poder Legislativo e, acima de tudo, subtração de sua prerrogativa formal de legislar. Trata-se, ao nosso ver, de sucedâneo judiciário de Medida provisória e, portanto, é mais uma forma de usurpação das funções legislativas do Congresso Nacional.270
Mas nem todos os estudiosos do direito pensam de igual modo, como é caso
de Lima, o qual se posiciona no sentido de que o Judiciário exerce a criação do
direito, mas isso não significa dizer que o Poder Judiciário está legislando:
Nem mesmo a criação da súmula vinculante pelo STF ex officio é capaz de configurar hipótese de elaboração de legislação pelo Judiciário, pois mesmo nessas oportunidades, a Corte Constitucional irá se manifestar sobre normas constitucionais determinadas acerca das quais exista controvérsia atual e iminente, tendo sido previamente provocada para tanto.271
Do mesmo modo, Martins considera um equívoco dizer que ao editar súmula
vinculante o tribunal está legislando, tendo em vista o seu conteúdo restrito à
uniformização e sedimentação jurisprudencial, voltado exclusivamente à
hermenêutica e aplicação do direito, tendo a lei como seu principal objeto, como é
característica do sistema romano-germânico pátrio. 272
Faria também faz algumas ponderações que vão ao encontro do presente
estudo:
269 GOMES, Luiz Flávio. Súmulas vinculantes e independência judicial. RT, n. 739, p. 4. Apud: SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 87.
270 SULZBACH, Maria Helena Mallmann. Efeito vinculante: prós e contras. Revista Consulex, n. 3. Apud: SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 87-88.
271 LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. p. 1.272 MARTINS, Alan. A súmula vinculante perante o princípio constitucional da tripartição dos poderes.
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6, n. 35, p. 45, maio/jun. 2005. p. 45.
87
A atividade interpretativa, exercida nesse processo objetivo, não pode ser tida como exercício de atividade legiferante, pois não inova o ordenamento jurídico.
O que se atribui à súmula vinculante é apenas uma dita força formal de lei, atribuindo-lhe uma certa carga valorativa, tendo em vista o fato de ela ser fruto de decisões consolidadas em sede de decisões judiciais tomadas em primeiro grau, e, também, pela sua efetividade, alcance e vinculação próprios. Some-se a isso o fato de emanarem do órgão de cúpula do Poder Judiciário, o STF.
De se ressaltar que a súmula vinculante não tem e nunca terá força material de lei, pois falta-lhe a característica de originalidade inerentes às espécies normativas, emanadas do Poder Legislativo, aprovadas e discutidas pelos ritos procedimentais próprios.273
Celso de Mello, Ministro do Supremo Tribunal Federal, também entende que
“o exercício de interpretação da Constituição e dos textos legais – por caracterizar
atividade típica dos Juízes e Tribunais – não importa em usurpação das atribuições
normativas dos demais poderes da República”.274
Nesse espeque, Sormani e Santander salientam que a súmula vinculante
nunca deterá força material de lei, por faltar o indispensável substrato político que
nesta sempre está presente, razão pela qual “cai no vazio o argumento de que a
edição de súmulas vinculativas pelo Poder Judiciário invadiria o espaço privativo do
Poder Legislativo de editar leis, em afronta ao princípio da separação e
independência dos poderes”.275
Para estes autores, o instituto também não pode ser apontado como
“superlei”, tendo em vista que a matéria interpretada e sedimentada em súmula
vinculante pelo Supremo Tribunal Federal poderá ser alterada pelo Poder legislativo,
por meio de uma nova norma revogando a lei interpretada ou modificando seu teor
no ponto em que incidiu a interpretação sumulada.276
Em que pesem os posicionamentos contrários, a súmula vinculante não
deve ser vista isoladamente, antes importa observar os motivos que deram ensejo à
sua criação e analisar como ela se apresenta diante da ideia atual do princípio da
separação dos poderes. Por esta razão, abordaram-se neste estudo os seus
273 FARIA, Marcelo Pereira. Súmula vinculante... p. 1.274 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 250.279. Relator: Min. Celso de
Mello. Brasília, DF, 26 de setembro de 2000. DJ 07-12-2000 PP-00019 EMENT VOL-02015-06 PP-01189. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(250279.NUME. OU 250279.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 23 set. 2010.
275 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 98.276 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 98.
88
antecedentes normativos, sua regulamentação, bem como a base teórica do
princípio da separação dos poderes e a visão contemporânea deste princípio.
Conforme restou visto, é certo que novas modalidades das funções estatais
têm sido propostas, por conta da atual realidade do Estado, a qual tende a mitigar
cada vez mais a rigidez da separação dos poderes antes concebida. Por isso, “salta
à vista o fato de que, nas Constituições de hoje – e sobretudo na prática política – a
realidade do problema dos poderes não corresponde, senão em certa medida, ao
esquema separativo engendrado pelos clássicos.” (grifo do autor)277
No modelo atual, os poderes são independentes e harmônicos entre si,
portanto, não há que se aventar possível violação ao princípio da separação de
poderes pelo simples fato de um exercer alguma função pertencente a outro.278
Diante desse contexto, e como bem observou Lima ao enfrentar o presente
tema, destaca-se que:
A súmula vinculante não pode ser vista como um instrumento a violar importantes princípios do direito, pois o mundo contemporâneo não mais comporta a visão de um princípio preponderando sobre os demais, única ótica sob a qual argumentos nesse sentido prosperariam.279
Com base nas considerações delineadas, pode-se dizer então que “a
introdução da súmula vinculante no ordenamento jurídico nacional não afetou, de
maneira alguma, o mecanismo dos freios e contrapesos entre os poderes, o qual
mantêm-se preservado e em pleno funcionamento”.280
277 SALDANHA, Nelson. O Estado moderno e a separação dos poderes. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 122.
278 FARIA, Marcelo Pereira. Súmula vinculante: argumentos contrários e favoráveis do instituto. Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/24503/sumula-vinculante-argumentos-contrarios-e-a-favoraveis-do-instituto-marcelo-pereira-faria>. Acesso em: 23. set. 2010. p. 1.
279 LIMA, Gabriel Dias. Súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro. p. 2.280 SORMANI, Alexandre; SANTANDER, Nelson Luis. Súmula Vinculante... p. 100.
89
CONCLUSÃO
A súmula vinculante tornou-se um tema polêmico entre os operadores de
direito, principalmente após sua introdução no texto constitucional, suscitando
diversas teses favoráveis ou contrárias. Em meio às críticas fala-se da possível
violação ao princípio constitucional da separação dos poderes, cuja celeuma é
analisada na presente pesquisa.
Para atingir-se a meta estabelecida tornou-se necessário estudar os
principais antecedentes históricos pátrios da súmula vinculante, os quais se
assemelham ao instituto em estudo e serviram de paradigma para sua introdução no
sistema jurídico brasileiro.
Por meio do estudo da jurisprudência, identificou-se no presente trabalho
haver doutrinadores que não têm dúvida alguma de que a jurisprudência é uma fonte
do direito, não obstante ainda existir divergência doutrinária acerca do assunto. Na
verdade, até mesmo entre os que a consideram uma fonte de direito se encontra
variedade de opiniões sobre sua classificação em fonte material ou formal.
Verificou-se que a jurisprudência atua como um procedimento de aplicação e
integração do direito que, embora não tenha força obrigatória, serve de orientação
para os julgadores e busca a aplicação uniforme das normas aos casos concretos.
A aplicação uniforme do direito tornou-se fundamentalmente necessária
para conferir segurança jurídica aos cidadãos, os quais precisam saber como as
normas serão aplicadas e o que lhes é permitido ou não fazer.
Destarte, para evitarem-se decisões díspares em casos semelhantes o
ordenamento jurídico pátrio criou vários mecanismos de uniformização
jurisprudencial, dentre eles a súmula de jurisprudência.
Originariamente criou-se a súmula de jurisprudência dotada de caráter
meramente persuasivo, ou seja, sem força obrigatória, que se trata de um resumo a
respeito de uma matéria pacificada em um tribunal, cujo enunciado é publicado e
numerado, servindo apenas de orientação para os juízes e cortes inferiores nas
soluções dos futuros casos concretos que versarem sobre aquela matéria.
90
Constatou-se que, além de uniformizar a jurisprudência, a súmula
persuasiva foi criada visando a dar celeridade ao julgamento do acúmulo de
processos nos tribunais e é o instrumento que antecede lógica e historicamente a
criação da súmula vinculante.
Antes da súmula de efeito vinculante ser aprovada cogitou-se criar a súmula
impeditiva de recurso, inclusive no lugar daquela, com o objetivo específico de
obstar a interposição de recurso que a houvesse aplicado. Todavia, depois de
inúmeros debates e discussões, o Congresso Nacional optou por não aprová-la. Não
obstante, existe uma regra similar com previsão legal no art. 557 do CPC, porém
destituída de força normativa para impedir a interposição e processamento de
recurso que com ela confronte.
A nenhum dos instrumentos processuais até então existentes conferiu-se
caráter vinculante, revogados que foram os assentos portugueses e os prejulgados
da Justiça do Trabalho, até que em 1993 a ação declaratória de constitucionalidade
foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, dotada de efeitos erga omnes e
vinculante.
Conforme se estudou, este mecanismo foi criado com a finalidade de
demonstrar a existência de conteúdo interpretado à luz da Constituição e impedir
que outros juízes se posicionassem de modo diverso ao entendimento do Supremo
Tribunal Federal.
Posteriormente, esses efeitos foram estendidos para a ação direta de
inconstitucionalidade e para a arguição de descumprimento de preceito fundamental.
E, finalmente, a partir da EC n. 45/2004, denominada Reforma do Judiciário, o efeito
vinculante também foi estendido para as súmulas do Supremo Tribunal Federal.
A EC n. 45/2004, conforme se verificou no segundo capítulo, acrescentou o
art. 103-A na CRFB/1988, dispondo que o STF poderá aprovar súmula que, a partir
de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas
federal, estadual e municipal. O STF também poderá proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei.
O efeito vinculante foi atribuído às súmulas com o objetivo de impedir que o
Poder Judiciário e a Administração Pública, no exercício de suas atribuições,
91
contestem ou deixem de aplicar o conteúdo das súmulas e também visando a
propiciar segurança jurídica para a sociedade, de modo que os processos sobre a
mesma questão tenham decisões idênticas no final, produzindo os mesmos efeitos
jurídicos a todos os indivíduos.
Para que as súmulas vinculantes sejam editadas pelo Supremo Tribunal
Federal, único órgão com legitimidade para isso, faz-se necessário o preenchimento
de requisitos e pressupostos mínimos como reiteradas decisões sobre matéria
constitucional no mesmo sentido, controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre
esses e a administração pública, a controvérsia deve acarretar grave insegurança
jurídica e deve haver relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Os requisitos estipulados pelo Poder Constituinte derivado reformador, por
meio da EC n. 45/2004, para a edição da súmula vinculante são decorrentes de
problemas enfrentados pelo Poder Judiciário e justificaram o implemento do instituto
no ordenamento jurídico brasileiro.
Ocorre que o texto constitucional não abordou todos os aspectos da súmula
vinculante, surgindo a necessidade de uma lei que a regulamentasse. Assim, foi
editada a Lei n. 11.417, de 19.12.2006, disciplinando a edição, a revisão, e o
cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF e dando outras
providências.
Todavia, a lei regulamentadora não trouxe muitos acréscimos ou
esclarecimentos significativos, apenas reproduziu alguns termos do art. 103-A da
CRFB/1988, além de trazer precárias inovações de ordem procedimental.
Constatou-se, ainda no segundo capítulo, que o presente tema é bastante
polêmico e suscita os mais diversos tipos de argumentos entre os operadores do
direito.
Os adeptos da súmula vinculante a consideram um acontecimento
formidável que traz respostas eficazes para o poder Judiciário e para a sociedade,
como segurança jurídica, celeridade processual e descongestionamento do Poder
Judiciário. Para os opositores, a súmula vinculante representa uma ofensa aos
princípios do devido processo legal, da independência dos juízes ou do duplo grau
de jurisdição, desvincula o direito brasileiro de suas origens romanas e provoca o
“engessamento” do Poder Judiciário. Ainda outros se opõem à súmula vinculante por
92
sustentar que ela fere o princípio da separação dos Poderes.
Este último argumento convencionou-se objeto da presente pesquisa, sendo
então esmiuçado no terceiro capítulo. Neste abordaram-se, primeiramente, a teoria
da separação dos poderes, passando por suas raízes históricas remotas e próximas,
e, posteriormente, por Locke, Montesquieu e Rousseau.
A doutrina da separação dos poderes tem suas raízes históricas mais
remotas na doutrina da constituição mista, cujo conceito teve início em Aristóteles,
passando pela versão de Políbio, e até de Cícero. Embora com ideias um pouco
diferentes, viu-se que o telos da constituição mista é em ambas as versões,
aristotélica e polibiana, o equilíbrio entre as classes.
As raízes históricas mais próximas da doutrina da separação dos poderes,
concebida como pré-requisito de realização da rule of law, defendia que o poder
deveria estar nas mãos do soberano. Mas nesta época prevaleceram os projetos
absolutistas, que defendiam a substituição da supremacia do soberano pela
supremacia da lei, elaborando-se a primeira versão da doutrina da separação dos
poderes, com a finalidade precisa de assegurar a exclusão da tirania e do arbítrio,
decorrentes da concentração de poderes num só órgão. Em razão disso, tornou-se
necessária a separação das funções legislativa e executiva.
Viu-se que a doutrina da separação dos poderes também se uniu à teoria da
monarquia mista, que partia da ideia de uma sociedade distribuída em estamentos
(rei, nobreza e povo), a cada um correspondendo um poder, surgindo dessa união a
doutrina da balança dos poderes.
E por conta dessas mudanças de concepções o princípio da separação dos
poderes apresenta, ainda hoje, equivocidade de sentidos.
A doutrina da separação dos poderes passou por Locke, que defendeu a
supremacia da lei e encontrou no contrato social os fundamentos do Estado. Aqui
prevaleceu a exigência da separação das funções legislativas e executivas;
considerou-se funções essenciais a existência de leis fixas, conhecidas e aceitas
pelo consentimento comum, a figura de um juiz conhecido e imparcial e a existência
de um poder para sustentar e fazer a execução da sentença, quando justa.
A partir de Montesquieu a separação dos poderes ganhou algumas
variações sobre o tema da rule of law e a distinção de funções estaduais que
93
tradicionalmente era feita entre função legislativa e função executiva, acrescentou-se
a função judicial.
Em Montesquieu, a figura dos representantes foi considerada essencial para
unir o povo e o governo, mas o Poder Legislativo não adquiriu supremacia, pois para
ele nenhum dos poderes é mais importante do que os demais. Ele entendia que
cada poder tem uma atribuição de ordenar juntamente com outra de controlar,
limitar, ou contrabalançar o poder do outro. E isso acabou por formular a teoria
atualmente conhecida como freios e contrapesos.
Rousseau deu o último passo da distinção entre função legislativa e função
executiva. Para ele, a separação dos poderes entendida como modo de limitar o
poder político-estadual, mediante a sua estruturação plural, não tem lugar, uma vez
que ele é adepto de uma construção radicalmente monista de poder. Em Rousseau,
o poder soberano é o de legislar e rejeita-se qualquer tipo de representação política.
Rousseau já se posicionava no sentido de que as funções de legislar e julgar
não devem estar reunidas num mesmo poder. Portanto, a crítica existente acerca do
Poder Judiciário estar legislando - atualmente apenas o Supremo Tribunal Federal
que, para alguns doutrinadores, está legislando por meio da súmula vinculante - vem
de outrora, fazendo parte da própria teoria da separação dos poderes.
No entanto, tendo em vista que a súmula vinculante foi adotada
contemporaneamente, tornou-se imprescindível estudar a visão moderna da
separação dos poderes, agora como princípio da atual Constituição brasileira.
E conforme se verificou este princípio serviu de suporte para o Estado de
Direito, evitando a tirania de um poder sobre os demais e continua com esta missão
no Estado Democrático de Direito estabelecido pela CRFB/1988, assegurando os
valores fundamentais da pessoa humana, a organização e funcionamento do Estado
e servindo de garantia do cidadão contra o exercício arbitrário da autoridade pública.
O princípio da separação dos poderes continua com a divisão “tripartita”
identificada por Montesquieu, mas por conta das mudanças históricas, sociais e
econômicas, atualmente permite-se uma interpenetração maior entre os poderes e
suas respectivas funções, de modo que os poderes exercem preponderantemente
funções típicas e secundariamente funções atípicas, sendo estas explicadas pelo
sistema de “freios e contrapesos”, segundo o qual os poderes se interpenetram e se
94
controlam reciprocamente. Num primeiro momento este pareceu ser o caso da
edição de súmula vinculante pelo STF, exercício de função atípica.
Para confirmar essa assertiva estudou-se o caráter normativo da súmula
vinculante e as características principais da criação legislativa e judiciária do direito,
a fim de compreender sua natureza. Percebeu-se, então, que ela possui os atributos
do que se poderia chamar de “ato jurisdicional normativo”, de modo que por meio
dela o Poder Judiciário cria sim direito, mas isso possui natureza interpretativa e não
legislativa. E essa interpretação é função típica do Poder Judiciário e não
secundária.
Isso porque foi visto que a súmula vinculante tem a lei como objeto e,
mesmo criando direito, seu conteúdo restringe-se à uniformização e sedimentação
jurisprudencial, voltado para a interpretação e aplicação do direito, atividade esta
tipicamente jurisdicional, e não legislativa.
Ademais, o simples fato de ter-se atribuído efeito vinculante às súmulas não
é suficiente para se considerar violado o princípio da separação dos poderes. Antes
de censurar o instituto, vale lembrar os motivos que levaram o Poder Constituinte
Derivado a atribuir esta característica às súmulas, senão garantir maior segurança
jurídica à sociedade, pelo menos em relação às matérias de conteúdo constitucional,
e contornar os problemas de congestionamento de processos enfrentados pela
Corte Suprema.
Soma-se a isso o fato de que a visão moderna do princípio da separação
dos poderes se distanciou dos fundamentos clássicos, cuja ideia era de separação
absoluta, preferindo-se falar atualmente em poderes independentes e harmônicos
entre si, como preceitua o texto constitucional. E esta ideia está em consonância
com a teoria dos “freios e contrapesos”, que permite o controle e também a
interpenetração dos poderes, tornando a súmula vinculante perfeitamente
compatível com o princípio da separação dos poderes.
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