UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
BRUNO GIOVANNI RIBEIRO DOS SANTOS
A PROBLEMÁTICA DO DANO MORAL PUNITIVO PEDAGÓGICO NO
DIREITO CIVIL BRASILEIRO
CURITIBA
2014
BRUNO GIOVANNI RIBEIRO DOS SANTOS
A PROBLEMÁTICA DO DANO MORAL PUNITIVO PEDAGÓGICO NO
DIREITO CIVIL BRASILEIRO
Pré-projeto de Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná. Orientador: Profª.Thais Venturi
CURITIBA
2014
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................02
2 O DANO..................................................................................................................04
2.1 Definição...............................................................................................................04
2.2 A Distinção entre Dano Moral e Dano Material....................................................04
2.3 Apontamentos Históricos......................................................................................05
2.4 O Dano Moral como Ofensa ao Patrimônio Moral do Indivíduo...........................07
2.4 O Dano Moral no Direito Civil Pátrio.....................................................................08
3 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL........................................................07
3.1Função Compensatória.........................................................................................10
3.2 Função Punitiva Pedagógica................................................................................11
3.3 A Indústria do Dano Moral....................................................................................12
3.4 Os Punitive Damages no Direito Norte-Americano..............................................14
3.5 A Problemática do Dano Moral Punitivo-Pedagógico no Direito Pátrio................16
4 A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL...............................................................18
4.1 Sobre a Constitucionalidade da Tarifação dos Danos Morais..............................25
4.1.1 Tarifação na Lei de Imprensa (Dec 5250⁄67)....................................................25
4.1.2 Os Limites Indenizatórios na Regulação do Transporte Aéreo.........................26
4.1.3 Reflexões sobre a Constitucionalidade da Tarifação e Consequências
Práticas.......................................................................................................................27
4.1.4 Conclusões sobre a Tarifação...........................................................................28
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................30
REFERÊNCIAS..........................................................................................................31
ANEXOS....................................................................................................................33
2
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o dano moral punitivo
pedagógico no Direito Civil pátrio à luz da jurisprudência e doutrina sobre o tema, a
fim de tentar achar uma resposta a sua problemática, qual seja a melhor forma de
quantificação: tarifada ou arbitrada judicialmente.
O trabalho se compõe, basicamente, de 3 (três) partes: a análise do
instituto do dano moral em suas peculiaridades, o estudo sobre a responsabilidade
civil e a quantificação do dano moral.
Primeiramente procura-se definir o dano, ao mesmo tempo em que
são feitos apontamentos históricos sobre a origem do instituto. Ao se definir o dano
moral faz-se também a menção do dano como ofensa ao patrimônio moral do
indivíduo. Por fim, é analisado como o instituto é legalmente regulamentado no
Direito Pátrio.
Em segundo lugar são analisadas as funções da responsabilidade
civil, quais sejam as funções indenizatória, compensatória e punitivo-pedagógica, de
acordo com o entendimento doutrinário predominante. Há também uma menção aos
punitive damages norte-americanos em comparação ao instituto no Brasil, posto que
a análise das peculiaridades de cada caso permite uma melhor compreensão do
tema e evita que o mesmo seja analisado de acordo com o raso entendimento do
senso comum.
Na terceira e última parte deste trabalho, analisa-se a quantificação
do dano moral, adentrando assim na problemática a que se pretende responder. São
apresentados argumentos a favor da quantificação pelo arbítrio judiciário e
argumentos a favor da tarifação legal, inclusive com a análise de leis específicas
sobre o assunto. Também é feita uma breve reflexão sobre a constitucionalidade da
tarifação e ao final procura-se chegar a uma conclusão sobre o tema, respondendo a
problemática sobre qual a melhor forma de quantificação a ser adotada no sistema
jurídico pátrio.
Dentre a eminente doutrina base para a pesquisa, citamos entre
outros Clayton Reis, Silvio Rodrigues, Flávia Puschel, Maria Helena Diniz e Judith
Martins Costa.
Nos anexos, são apresentados gráficos sobre os critérios adotados
para a quantificação do dano moral nas esferas Federal e Trabalhista, bem como
3
uma entrevista realizada com o Desembargador Sérgio Roberto de Nóbrega
Rolanski, integrante da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do PR, cuja
competência inclui os casos referentes a responsabilidade civil.1
O presente trabalho, a despeito da complexidade do tema, foi
formulado de forma criteriosa no que diz respeito a redação do texto e compilação
de ideias, na tentativa de se evitar que o texto ficasse enfadonho ou repetitivo.
1 TJ –PR. Regimento Interno. Disponível em: http://www.tjpr.jus.br/regimento-interno. Acessado em
04 de nov. de 2013
4
2 O DANO
2.1 DEFINIÇÃO
Apesar da dificuldade de se definir o dano moral em poucas
palavras, destacam-se algumas definições sobre o tema.
Em tom eloquente, o Desembargador Ruy Trindade, diz que dano
moral "é a sensação de abalo à parte mais sensível do indivíduo, o seu espírito" (RT
613/184)”.
Maria Helena Diniz, semelhantemente traz o seguinte conceito:
"Dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou
jurídica, provocada pelo fato lesivo" 2.
Dessa forma, torna-se impossível comparar o dano moral aos meros
dissabores ou desentendimentos cotidianos.
Entretanto, como bem lembra Clayton Reis, a própria terminologia
“dano moral” não é adequada, uma vez que não tem a mesma abrangência da
expressão “dano extrapatrimonial”.3
Ademais, a expressão “dano moral” não faz distinção entre os danos
morais em sentido estrito e em sentido amplo (danos à saúde ou biológicos – arts.
949 CC), razão pela qual o termo “extrapatrimonial” deveria ser usado por conseguir
exprimir com segurança e amplitude os danos causados ao patrimônio imaterial das
vítimas.4
2.2 A DISTINÇÃO ENTRE DANO MORAL E DANO MATERIAL
Antes de se adentrar no mérito da problemática do dano moral,
convém diferenciá-lo do dano material. Nas palavras de Clayton Reis5:
2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Editora Saraiva, SP, 1998, p. 81
3 REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense, pg. 14, 16
4 Ibid, p. 16
5Ibid, p. 07
5
A diferença entre essas lesões reside, substancialmente, na forma em que se opera a sua reparação. Enquanto no caso dos danos materiais a reparação tem como finalidade repor os bens lesionados ao seu status quo ante, ou possibilitar à vítima a aquisição de outro bem semelhante ao destruído, o mesmo não ocorre, no entanto, com relação aos danos extrapatrimoniais. Neste é impossível repor as coisas ao seu estado original. A reparação, em tais casos, reside no pagamento de uma soma pecuniária, fixada em face do arbitrium boni iuris do magistrado, de forma a possibilitar à vítima uma compensação em decorrência da dor íntima vivenciada.
Assim, as causas e os efeitos são distintos. O dano material atinge o
bem físico, reparando sua perda. O dano moral, por sua vez, atinge o bem psíquico
e tem compensação pecuniária, a fim de indenizar a vítima que sofreu o abalo em
sua psique.
2.3 APONTAMENTOS HISTÓRICOS
Ao contrário do que defende o senso comum, o dano moral não é
algo novo. Embora o termo seja mais atual, seu conceito, ou pelo menos a breve
noção deste, já é conhecido desde a antiguidade. É o que se percebe, por exemplo,
da leitura das Escrituras, no que toca as leis que regiam o povo judeu, como
estabelecido no livro de Deuteronômio 22.13,19 6:
Se um homem desposar uma mulher e, depois de coabitar com ela, a aborrecer, e lhe imputar delitos vergonhosos, e contra ela divulgar má fama, dizendo: Tomei esta mulher, e me cheguei a ela, porém não a achei virgem, os pais da moça tomarão as provas da virgindade dela, e as levarão aos anciãos da cidade, à porta. O pai da moça dirá aos anciãos: Dei minha filha por mulher a este homem, porém ele a aborreceu, e lhe imputou delitos vergonhosos dizendo: Não achei tua filha virgem. Então os pais estenderão a roupa dela diante dos anciãos da cidade, os quais tomarão aquele homem e o castigarão. Condená-lo-ão em cem ciclos de prata, e o entregarão ao pai da moça, porque divulgou má fama sobre uma virgem de Israel. Ela continuará a ser sua mulher e ele não poderá,andá-la embora enquanto viver.
Interessante notar o conceito já presente de indenização pecuniária
da parte ofendida. Segundo Silvio Venosa, a chamada Lex Aquilia do Direito
6 BÍBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 4ª edição. São Paulo: Vida, 1996, grifos nossos.
6
Romano trouxe a concepção da reparação pecuniária ao dano. O dano passava a
ser passível de um caráter punitivo. Ele a considera o “divisor de águas” da
responsabilidade civil 7.
Séculos mais tarde, o BGB – Código Civil Alemão - também
incorporou a reparação pelos danos morais, embora antes de sua vigência tal
conceito já fosse defendido no Direito Germânico.
O Direito Italiano adota atualmente o dano moral não apenas em seu
Código Civil, mas de igual sorte no Código Penal. Tal fenômeno mostra um
aprimoramento e quebra de tradições com o direito romano. 8
Feitas essas breves considerações, é possível adentrar à função
punitiva do dano moral, não sem antes fazer uma observação9:
Com efeito, ao se reportar à origem da função punitiva, não se pode deixar de trazer à reflexão o instituto dos Punitive Damages, figura atípica, intermediária entre o Direito Civil e o Direito Penal, oriunda dos países da Common Law com princípios diferentes do continente latino-americano (países de tradição Civil Law). O objetivo das indenizações vultosas concedidas ao ofendido não é só pelo prejuízo sofrido, mas também para punir o ofensor pela conduta ilícita. Com o tempo, o foco passou a incidir não sobre a espécie do dano, mas sobre a conduta do seu causador. O instituto da indenização com caráter punitivo, que teve origem nos países anglo-saxônicos, atualmente é utilizado nos estados norte-americanos.
De certa forma, percebe-se a tentativa de assimilação do caráter
punitivo-pedagógico do dano moral por parte do direito civil pátrio. Essa assimilação
não é mera obra do acaso ou do conformismo, posto que10:
Os homens nasceram para viver em comunidade, em razão da sua natureza societária, impondo-se, destarte, que procedam de forma a respeitar os direitos de seus semelhantes. Assim, a reparação dos danos
7 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, V,IV, p.
18-19
8 REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense, pg. 33, 69
9 FERREIRA, Gezina Nazareth. O caráter punitivo do Dano Moral. Disponível em http:
WWW.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensu edicoes/n1novembro2012/pdf/GezinaNazarethFerreiral.pdf. Acessado em: 13 de abri. 2013.
10 REIS, Clayton. 2010. Ob.citada, p. 69
7
morais, ainda que adotada restritivamente ou não adotada nas legislações dos diversos Estados, se encontra próxima de ser implantada na estrutura legislativa de todas as nações, de forma irrestrita. [...] Afinal, o patrimônio moral de todo ser humano é representado por um complexo de bens e valores espirituais que representam a base sobre a qual se assentam os padrões éticos que conferem verdadeira razão e sentido à vida das pessoas.
Logo, conclui-se que a reparação dos danos morais tem se
mostrado um instrumento apto à proteger os bens e garantias individuais,
especialmente diante das enormes variedade étnica e cultural experimentada pela
sociedade do século XXI.
A importância de tal tema de estudo foi a motivação deste trabalho.
Nas próximas páginas, procurar-se-á analisar o dano moral em suas peculiaridades,
com enfoque primordial na função punitiva-pedagógica.
2.3 O DANO MORAL COMO OFENSA AO PATRIMÔNIO MORAL
DO INDIVÍDUO
Na abordagem Como patrimônio moral do indivíduo, é possível
compreender os princípios morais, tais como as normas de conduta, e os direitos da
personalidade.11
Por personalidade do indíviduo entende-se o “repositório de bens
ideais que o impulsiona ao trabalho, à criatividade e à convivência com as outras
pessoas.” (REIS. 2010, p. 148).
Logo, “as ofensas a estes bens imaterias são causas de danos
extrapatrimoniais, suscetíves de indenização”. (REIS. 2010, p. 148). Conforme já
mencionado brevemente no primeiro capítulo, o termo “extrapatrimonial” deveria ser
empregado ao invés de dano “moral”, danos passíveis de indenização não atingem
apenas a moral, mas também a incolumidade física, psíquica entre outros e o termo
11
Ibid, p. 144
8
“moral” é muito restritivo. 12. Contudo, por motivos didáticos e textuais continuar-se-á
a adotar o termo “dano moral” no presente trabalho.
Assim sendo, “a ofensa aos direitos da personalidade constitui dano
de natureza eminentemente moral”. (REIS. 2010, p. 149). Tal conceito traz à lume
uma abordagem mais abrangente e impossibilita um conceito superficial, uma vez
que o dano passa a ser entendido como uma ofensa direta ao patrimônio dos
indivíduos, o qual deve ser protegido pelo Estado. Tal defesa é “o maior acervo que
um povo pode legar na tarefa de edificação do processo civilizatório”. (REIS. 2010,
p. 154).
2.4 O DANO MORAL NO DIREITO CIVIL PÁTRIO
O direito consubstanciado à indenização por dano moral só veio
efetivamente com a Constituição Federal de 1988 (arts.1°, III ; 5° XXXII e 170),
sendo que o artigo 170 estabelece a defesa do consumidor como princípio da ordem
econômica.
O artigo 6°,VI do CDC declara que é direito básico do consumidor a
receber a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos e difusos.
Por fim o artigo 186 do Código Civil de 2002 (Dec. Lei 10406⁄2002),
sob o título dos “Atos Ilícitos” diz que aquele que causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, fica obrigado a repará-lo. Tal artigo, a exemplo dos artigos
948, 949, 950, 953 e 954 do mesmo Codex, consubstanciou o direito a reparação
dos danos morais, não deixando qualquer dúvida referente à sua aplicação, ao
contrário do que ocorria no Código Civil de 1916.13
Percebe-se, assim, que a legislação já prevê a aplicação dos danos
morais pelo judiciário. Segundo Clayton Reis, essa permissibilidade de reparação
dos danos morais assumiu uma postura incontroversa nos âmbitos legislativos e
12
Ibid, p. 16
13 REIS, Clayton. Ob. citada, p. 123
9
doutrinário brasileiros e tem sido “amplamente tutelada pelas nossas Egrégias
Cortes de Justiça.” (REIS. 2010, p. 135). Percebe-se que a jurisprudência, através
da tese positivista, ampliou de forma considerável a aplicação dos danos
exclusivamente morais.
10
3 FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
A maior parte da doutrina costuma classificar as funções da
responsabilidade civil em indenizatória ou compensatória e punitiva-pedagógica.
Fernando Noronha atribui uma terceira classificação: a função preventiva ou
dissuadora.14
Será abordado no presente trabalho o caráter punitivo-pedagógico
do dano moral, mas não sem antes fazer referência às funções compensatória e
punitivo-pedagógica da responsabilidade civil.
3.1 Função Compensatória
A função compensatória visa reparar o dano sofrido em caráter
extrapatrimonial, ao contrário da função indenizatória que se prende aos danos
materiais. Eis a grande diferença entre os institutos. Percebe-se que:15
[...] O chamado efeito compensatório revela não uma pretensão propriamente ressarcitória no sentido de se recompor ao estado originário tudo aquilo que a vítima perdeu (em termos patrimoniais), mas sim, proporcionar-lhe uma forma de satisfação que possa amenizar suas perdas e suas dores em razão da ocorrência da conduta danosa. Por esse motivo, a compensação se vincula propriamente aos danos de caráter não patrimonial que, por sua abstração e subjetividade, não permitem uma reparação no sentido de recomposição ao status quo ante, ou seja, ao estado anterior, como se o dano nunca tivesse existido. Sob esse aspecto, a função compensatória busca “satisfazer” de alguma forma aqueles sujeitos que tiveram o seu núcleo do “ser como pessoa” atingido, isto é, ofensa à sua esfera extrapatrimonial. Assim, a responsabilidade civil, por intermédio de sua função compensatória, busca viabilizar à vítima que sofreu um dano em sua subjetividade alguma forma de satisfação idônea a compensar o mal sofrido
Logo, a indenização busca a restauração de algo que foi perdido ao
seu estado originário, sendo aplicada aos danos materiais, ao passo que a
compensação procura contrabalancear, ressarciar o mal causado, embora esse não
14
NORONHA, Fernando. Direito das obrigações. Fundamentos do Direito das Obrigações: introdução
à responsabilidade civil. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, v.I , 2007, p. 439
15 VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua função punitivo-pedagógica no direito brasileiro. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas) – Programa de Pós-Graduação em Direito. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2006, p. 120-121
11
possa ser desfeito, uma vez que se trata de um dano extrapatrimonial. No entanto,
deve-se, em ambos os casos, pleitear-se uma “reparação justa” que satisfaça a
vítima. 16
3.2 Função Punitivo-Pedagógica
A função punitivo-pedagógica nada tem a ver com a compensação
de danos. Trata-se de “um meio sancionatório da violação de determinadas normas
de conduta que protegem direitos especialmente tuteláveis em virtude de sua própria
natureza e superioridade”. (VENTURI, 2006, p. 125).
Logo, a função punitivo-pedagógica exerce uma dupla função, qual
seja “o de punir o agente causador do dano e, ainda, ser instrumento de dissuasão a
comportamentos anti-sociais, possuindo um caráter de exemplaridade e,
conseqüentemente, preventivo” (VENTURI, 2006, p. 125). O que se busca aqui não
é a reparação do dano, mas a não reiteração das práticas lesivas.
Segundo Venturi:17
A função punitivo-pedagógica da responsabilidade civil seria uma figura análoga, ultrapassando a fronteira da cisão entre o Direito Civil e o Direito Penal, na medida em que atribui uma função retribuitiva ao autor do dano, servindo-lhe de exemplo com um nítido caráter dissuasivo. [...] A redescoberta da função punitivo-pedagógica como forma de proporcionar à teoria da responsabilidade civil uma nova sistematização deve-se, sobretudo, à necessidade de adequação do instituto aos fenômenos sociais próprios da sociedade contemporânea
A função punitiva, portanto, não se restringe ao Direito Civil ou
Código Civil, mas ultrapassa essas barreiras ao ser aplicável a outros diplomas
legais e campos do saber jurídico, a exemplo do Direito Penal.
Uma das principais críticas à função punitivo-pedagógica é que ela
seria fomentadora da chamada “Indústria do Dano Moral”. No entanto, tal crítica não
tem embasamento concreto, conforme se passa a demonstrar a seguir.
16
VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. Ibid, 2006, p. 122, 125
17 VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. Ibid, 2006, p. 138, 139-140
12
3.3 A INDÚSTRIA DO DANO MORAL
O termo “Indústria do Dano Moral” não é novo. Na verdade, já
integra o senso comum de muitos indivíduos, sendo expressão comumente utilizada
na imprensa, onde vemos frases retóricas como “quem sabe comecemos por coibir
ou desestimular a crescente indústria dos danos morais?!” 18
Surgem, portanto, as seguintes questões: I- Uma indenização de alto
valor poderia trazer enriquecimento ilícito à parte indenizada? II- Existiria de fato
uma “indústria do Dano Moral”?, III – Seria a quantificação do dano moral punitivo ao
arbítrio do judiciário o melhor critério a ser adotado?
O professor Clayton Reis nos ajuda no elucidamento da primeira
questão19:
Ademais, precisamos conscientizar-nos de que a reparação do dano moral não tem o condão de refazer o patrimônio da vítima, a contrariu sensu, objetiva, sim, conferir ao lesado uma satisfação que lhe é de direito, com o propósito de atenuar os efeitos do dano sofrido.
As palavras do professor Clayton Reis são claras. O objetivo do
dano moral não é enriquecer uma das partes, mas antes promover àquela que
sofreu o dano a indenização a que tem direito. Logo, a discussão quanto ao
enriquecimento da parte pela indenização recebida perde força em face da própria
natureza e aplicabilidade do instituto. Logo, a chamada “indústria dos danos morais”
não é verificável da forma que pensa o senso comum.
Com relação a suposta “indústria dos danos morais”, a constatação
de Gezina Nazareth Ferreira merece atenção. Segundo ela, o que se almeja não é
simplesmente importar o instituto dos punitives damages, mas atuar de forma a
proteger a defesa e proteção do indivíduo e do consumidor. Assim, o dano moral
revestiu-se de uma nova dimensão, pois, graças a influência do direito do
18
CANAL, Raul. A Indústria do Dano Moral. Disponível em http://www.expressomt.com.br/nacional-
internacional/a-industria-do-dano-moral-94701.html. Acesso em 19 de mar de 2014
19 REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense.
13
consumidor, foi elevado a categoria de cláusula pétrea e passou a integrar o rol de
direitos e garantias fundamentais.20
No que toca a controvérsia do arbítrio do dano moral pelo judiciário,
Sílvio Rodrigues nos ajuda a encontrar uma resposta21:
Será o juiz, no exame do caso concreto, quem concederá ou não a indenização e a graduará de acordo com a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima. Isso nos conduz à derradeira objeção, ou seja, a do excessivo arbítrio concedido pelo juiz. Não são poucos os que proclamam ser tão melhor lei quanto menor poder conceder ela ao juiz; com efeito, abrir largas portas ao julgador, para lançar mão da regra que ele editaria se fosse legislador, é, ao ver de muitos, de grande inconveniência. Ora, tal conselho nem sempre pode ser seguido, pois em numerosíssimas hipóteses a regra de direito se reveste de grande flexibilidade. Ademais, quando o legislador confere ao juiz poderes para fixar moderadamente uma indenização por dano moral, não está conferindo a um homem o poder de fixar tal indenização; em rigor, está conferindo ao Poder Judiciário aquela prerrogativa, pois a decisão do juiz singular será examinada pelas instâncias superiores e se aquela vier a ser confirmada pela apelação, embargos e recurso extraordinário, tal decisão decerto representará o sentir de toda uma elite intelectual, representada pelo referido Poder Judiciário. Não me assusta o argumento do excessivo poder concedido pelo legislador ao juiz.
Silvio Rodrigues nos lembra que o arbítrio do dano moral pelo
judiciário não envolve uma decisão monocrática e centralizadora. As partes
têm a prerrogativa de defenderem suas teses nos variados graus recursais e,
se ainda assim, for reconhecido o dever de indenizar, tal decisão se revestirá
da autenticidade do Poder Judiciário.
É óbvio, todavia, que não deve ser desconsiderada a
importância dos julgadores do caso concreto, posto que cabe aos
magistrados, em suas mais diversas hierarquias, analisar a lide e emitir o
melhor juízo possível, baseado nos ditames da justiça e do bom-senso. Pois
conforme bem lembra Wesley Bernardo, não há necessidade de um
tabelamento, mas antes de um arbitramento lógico por parte do judiciário,
20 NAZARETH, Gezina. ibid. pg 06.
21 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil (Responsabilidade Civil). Volume 04, 16ª ed. São Paulo: Saraiva,
1998, pgs 192-193.
14
através do qual se possa verificar as provas levadas em consideração na
fixação do quantum indenizatório.22
Mister se faz agora a análise do instituto em suas
peculiaridades e em comparação ao direito consuetudinário (Common Law).
3.4 OS PUNITIVE DAMAGES NO DIREITO NORTE-AMERICANO
Como já mencionado no histórico dos danos morais, apesar do
instituto ser conhecido desde a antiguidade, ainda que de maneira superficial, o
direito romano trouxe a melhor conceituação sobre o tema através da Lex Aquilia,
qual seja o caráter punitivo da reparação pecuniária do gravame sofrido 23.
No entanto, atualmente, os Estados Unidos são os responsáveis
pela grande notoriedade do instituto, de tal forma que é necessário entendermos a
visão norte-americana sobre o tema24:
No direito norte-americano os punitive damages são conceituados como uma verba que deve ser separadamente julgada, que visa a punir o ofensor por ter agido com elevado grau de culpa e demonstrar que houve uma conduta socialmente reprovável. De acordo com o jurista André Gustavo de Andrade, os punitive damages possuem, além do caráter de interesse social, o interesse também público, na medida em que objetivam ao mesmo tempo punir o autor do ato danoso e desestimular a reiteração da conduta ofensiva, seja pelo próprio autor do dano ou até mesmo por terceiros. São uma resposta dada pelo ordenamento jurídico àquele causador de um dano a outrem.
Destaca-se da explicação acima mencionada a frase “são
conceituados como uma verba que deve ser separadamente julgada, que visa a
punir o ofensor por ter agido com elevado grau de culpa e demonstrar que houve
uma conduta socialmente reprovável”.
22
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios de Fixação do Valor, São Paulo: Renovar, 2005. p. 164
23 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004, V,IV,
p. 18-19
24 SILVA, Rômulo Limeira Grutes da. Punitive damages e Dano Moral Punitivo: um Estudo
Comparado com o Modelo Norte- americano. Escola de Magistratura do Rio de Janeiro – Disponível em ⁄⁄http: www.emerj.tjrj.jus.br⁄⁄rcursodeespecializacao_latosensu⁄⁄edicoes⁄n1novembro2012⁄pdf⁄ RomuloLimeiraGrutesdaSilva.pdf. Acessado em 19 de dez. 2013
15
Logo, predomina a indenização com enfoque na conduta do ofensor
e não do dano causado à vítima, eis que o instituto procura ser um “desestímulo” as
condutas lesivas.
As outras peculiaridades são: a) a inaplicabilidade do instituto aos
danos de inexecuções contratuais, b) a aplicabilidade para danos patrimoniais e
extrapatrimoniais, ao contrário do Direito Pátrio, que prima por sua aplicação nos
danos extrapatrimoniais. (25).
Além dos pontos apontados, a diferença marcante dos punitive
damages americanos com relação ao dano moral punitivo aplicado no Brasil é o
quantum indenizatório, que muitas vezes é fixado em patamares exorbitantes.
Apenas a título de ilustração, mencionamos o “Ford Pinto Case”, famoso caso
jurisprudencial americano da década de 70, citado por André Gustavo de Andrade
em seu livro “Dano Moral e Indenização Punitiva”26:
Em 28 de maio de 1972, no estado da Califórnia, a senhora Gray
acompanhada do jovem de 13 anos Richard Grimshaw, dirigia seu automóvel Ford
Pinto Case por uma auto-estrada quando o veículo, após uma troca de faixa,
repentinamente enguiçou. O carro que vinha atrás conseguiu se desviar, mas o
seguinte não conseguiu evitar a colisão com parte traseira do Ford Pinto.
De acordo com o laudo de peritos, o impacto fez com que o tanque
de gasolina tivesse uma ruptura, causando vazamento de gasolina para o interior do
veículo. Os ocupantes sofreram graves queimaduras. A senhora Gray morreu alguns
dias depois de parada cardíaca, resultante de complicações do acidente.
O jovem Grimshaw conseguiu sobreviver após intenso tratamento,
um grande número de cirurgias e vários enxertos de pele. Ele perdeu com o
acidente pedaços dos dedos de sua mão esquerda e parte de sua orelha esquerda,
enquanto sua face precisou de vários enxertos extraídos de seu corpo. Ele adquiriu
cicatrizes permanentes.
25
COSTA, Judith Martins; e PARGENDLER. Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva (punitive damages) e o direito brasileiro. Revista CEJ, , Brasília, v. 28, p. 19, jan./mar. 2005
26 ANDRADE, André Gustavo de. Dano moral e indenização punitiva. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2009. p. 192
16
O júri condenou a Ford a pagar à Grimshaw uma indenização
compensatória no valor de US$2,516,000, e punitive damages no valor de US$125
milhões. Em favor dos herdeiros da senhora Gray foi estabelecida indenização
compensatória de US$ 559,680 (quinhentos e cinquenta e nove mil e seiscentos e
oitenta dólares) 27.
O julgamento considerou que, apesar de os engenheiros da Ford
terem descoberto o problema mecânico do automóvel e terem verificado que o custo
para o conserto das linhas de produção seria baixo, os executivos da empresa
decidiram continuar a produção sem tomar qualquer atitude relevante.28
Conforme lembrado por André Gustavo de Andrade, uma crítica
corrente ao sistema americano diz respeito ao Tribunal do Júri. Ao contrário do
Brasil, onde o Júri tem competência para os crimes dolosos contra vida, o sistema
jurídico norte-americano atribui ao Júri as indenizações. Isso justificaria as
indenizações milionárias e traria, segundo alguns, uma insegurança jurídica à
aplicação do instituto.
3.5 A PROBLEMÁTICA DO DANO MORAL PUNITIVO
PEDAGÓGICO NO DIREITO PÁTRIO
Diante do exposto, conclui-se que o dano moral punitivo pedagógico
aplicado no direito pátrio não deve ser uma mera “cópia” do modelo norte-
americano, posto que este obedece peculiaridades inerentes ao sistema jurídico da
Common Law e tem objetivos diferentes.
Enquanto os punitive damages americanos enfatizam a punição do
causador do dano, o sistema jurídico brasileiro se preocupa em indenizar a vítima.
Nas palavras já supracitadas do Prof. Clayton Reis 29:
Ademais, precisamos conscientizar-nos de que a reparação do dano moral não tem o condão de refazer o patrimônio da
27ANDRADE, André Gustavo de. Ob. Citada, 2009. p. 192):
28 Ibid, p. 192
29REIS, Clayton. Op. citada. 2010, p. 07
17
vítima, a contrariu sensu, objetiva, sim, conferir ao lesado uma satisfação que lhe é de direito, com o propósito de atenuar os efeitos do dano sofrido.
Embora elementar, essa diferença entre os institutos no plano
jurídico americano e brasileiro é desconhecida pelo público em geral, segundo se
percebe da experiência prática. Dessa forma, não cabe discutir a aplicação dos
punitive damages americanos ao sistema jurídico, mas antes a correta
contextualização e aplicação dos mesmos ao âmbito nacional.
Não cabe, portanto, discutirmos a existência ou não de uma
“indústria do dano moral” nem o possível enriquecimento ilícito da parte indenizada,
uma vez que esses problemas são mais atinentes ao direito norte-americano. Nas
palavras de Flávia Puschel30:
Diante disso, é preciso concluir que a ausência de
critérios legais para o cálculo do valor da reparação por danos morais não levou, na jurisprudência dos tribunais analisados, à temida situação de condenação a valores milionários. A preocupação dos tribunais com a moderação dos valores aparece, inclusive, expressamente no discurso de fundamentação das decisões. [...] O critério da “proibição do enriquecimento sem causa” está entre os mais frequentemente encontrados nas decisões de todas as amostras.
Assim, a grande problemática do dano moral punitivo pedagógico no
Direito Pátrio não é a suposta “Indústria do Dano Moral” nem a assimilação de
valores alheios ao nosso sistema jurídico muito menos as indenizações milionárias
com o consequente enriquecimento ilícito das partes. O principal problema no que
se refere aos danos morais punitivos pedagógicos é a polêmica sobre a sua
quantificação. Afinal, ela deveria ficar a cargo do judiciário ou ser arbitrada por lei?
Apesar de já mencionados alguns argumentos a respeito, é
imperiosa a análise mais aprofundada das controvérsias sobre a quantificação do
dano moral, pois esta constitui o problema principal a tentar ser respondido por esse
trabalho.
30
PUSCHEL, Flávia. Série Pensando o Direito: Dano Moral no Brasil – Nº37⁄2010. pg 18. Disponível
em:http:⁄⁄portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload. EZTSvc.asp?DocumentID=%7BC87D13B3-9030-42B2-A5C7-F93E754DE1E2%7D&
ServuceInstUID=%7B0831095E-D6E4-49AB-B405-C0708AAE5DB1%7D. Acessado em 27 de nov. de 2013
18
4 A QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL
Percebe-se a dificuldade de se mensurar a quantificação do dano no
caso concreto “... isto porque conhecer a profundidade da dor íntima experimentada
pela vítima é uma tarefa extremamente árdua para o julgador”. (REIS. 2010, p. 97).
Verifica-se no caso concreto que a dor vivenciada pelos indivíduos
pode ser variável. Essa variabilidade, no entanto, não deve servir de base para a
alegação de que o dano não deva ser quantificado ou que a quantificação deva
acontecer de forma diferenciada. Nas palavras de Clayton Reis31:
[...] O dano imaterial tem merecido ampla e irrestrita tutela do ordenamento jurídico e de nossas Cortes de Justiça. [...] As sensações experimentadas por vítima de dano não diferem, substancialmente, entre as pessoas, porque todas são suscetíveis de experimentarem angústias, aflições, perdas emocionais e outras alterações psicológicas ou anímicas, com graves repercussões na sua intimidade. De um modo geral, em todos os seres humanos predominam os sentimentos e os valores, que são componentes prevalecentes nas atividades de relacionamento. Estas pessoas experimentam ofensas morais com maior intensidade. No entanto, nem por isso farão jus a uma reparação diferenciada; ela será definida também em face da consideração dos critérios da razoabilidade e de proporcionalidade, bem como outros que mereçam especial atenção por parte do julgador.
Dessa forma a reparação do dano moral encontra respaldo na lei e
na jurisprudência, bem como a sua quantificação tem base principiológica e
jurisprudencial.
Uma vez comprovada a necessidade de quantificação do dano
moral, é preciso analisar a melhor forma de realizá-la na prática, obedecendo os
princípios da razoabilidade e proporcionalidade e as peculiaridades do caso concreto
dentro do possível.
Passa-se agora a analisar especificamente a problemática do dano
moral punitivo pedagógico no sistema jurídico pátrio, qual seja a melhor forma para
sua quantificação: o arbítrio judicial ou a tarifação legal.
Com base nas palavras da profª. Flávia Puschel, serão
apresentadas a seguir algumas teses favoráveis ao arbítrio do dano moral punitivo
31
REIS, Clayton. 2010. Ob. citada, p. 99
19
pelo judiciário, e outras contrárias. Não se trata de um rol exaustivo dos discursos
apresentados por ambos os lados, os quais serão oportunamente analisados a
seguir, mas apenas a menção dos principais argumentos.
Em primeiro lugar, insta mencionar os argumentos favoráveis ao
arbítrio do dano moral pelo judiciário. São eles: a) o livre convencimento do juízo e o
princípio da persuasão racional do judiciário; b) o conhecimento e capacidade
técnicas para a correta aplicação do instituto; c) a possibilidade de analisar o caso
concreto em suas peculiaridades.
Como argumentos contrários, têm-se: a) a insegurança jurídica ante
a possibilidade da discrepância entre a indenização aplicada por um juízo e por
outro órgão julgador a casos parecidos; b) o enriquecimento ilícito, o qual embora
tenha se mostrado incongruente à realidade do direito pátrio ainda é muito invocado
nas discussões sobre o tema; c) a constitucionalidade da tarifação.
Argumenta-se também que um tabelamento poderia “engessar” o
pleito indenizatório à valores incongruentes ou mesmo polêmicos ao caso concreto.
Como exemplo prático tem-se a Lei do Seguro “DPVAT” (Dec. 6194⁄74) que em seu
artigo prevê 3º, inciso I, prevê uma indenização de R$13.500,00 (treze mil e
quinhentos reais) no caso de morte. O referido artigo prevê o mesmo quantum
indenizatório no caso de invalidez permanente, o que tem sido alvo de constantes
discussões. Ou seja, o tabelamento das indenizações não está isento de críticas,
podendo inclusive, na maioria dos casos, ficar ultrapassado ante o desenvolvimento
jurisprudencial.
O argumento da tarifação, portanto, é de pronto combatível32:
A tal linha de argumentação, contudo, opõem-se alguns bons argumentos. Comecemos pelo problema da compensação excessivamente baixa. Aqui convém notar que nada garante que a tarifação pelo Poder Legislativo será em valores suficientemente altos para compensarem as vítimas de danos morais. A tarifação conduz à completa politização do dano moral. Com a tarifação, a batalha política nas instâncias governamentais e legislativas se intensificaria no tocante à valoração, e os resultados dessa batalha política são, neste momento, até onde sabemos, incertos. Por conta da ação coordenada de grupos de interesse, a hipótese de que a tarifação simplesmente reduza o valor geralmente pago a título de compensação não deve ser descartada. No que toca ao problema das
32
PUSCHEL, Flávia. 2011, p. 48
20
compensações muito altas, a conveniência da tarifação também é questionável. O risco de compensações muito altas é uma das justificativas mais comuns para se incluir um limite (“teto”) nas tarifações do dano moral. [...] De um modo geral pode-se afirmar que quanto mais comum for, de fato, a ocorrência de julgados com compensações excessivas, tanto mais fará sentido estabelecer-se um teto pela via legislativa. De fato, há evidências de que, logo após a edição da Constituição de 1988, houve diversas condenações por valores muito elevados. Contudo, os dados mais recentes sugerem que essas circunstâncias já não são mais claramente observáveis no Brasil. Muito ao contrário, a pesquisa de jurisprudência realizada indicou, como se viu acima, que a grande maioria das indenizações por danos morais se deu em valores baixos.
Segue abaixo quadros comparativos com relação ao valor atribuído
aos danos morais em diferentes instâncias judiciais33
FAIXA DE VALORES POR VÍTIMA - GERAL
VALORES PORCENTAGEM (%)
< R$ 5.000,000 38
ENTRE R$ 5.000,00 e R$ 9.999,00 14
ENTRE R$ 10.000,00 e R$ 24.999,00 29
ENTRE R$ 25.000,00 e R$ 49.999,00 11
ENTRE R$ 50.000,00 e R$ 99.999,00 5
>⁄ R$ 100.000,00 3
O quadro é autoexplicativo. Apenas 3% do total das indenizações é
igual ou superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais), o que ratifica a constatação de
que a ausência de tarifação dos danos morais não ensejou um aviltamento do
instituto nem contribuiu para o enriquecimento ilícito das partes, posto que essa tem
se mostrado uma preocupação constante do Judiciário.
O enriquecimento ilícito das partes, portanto, tem sido evitado de
maneira contundente.
33
Ibid. p. 16
21
Quando analisamos especificamente as indenizações no âmbito dos
Tribunais, a constatação é a mesma: 34
FAIXA DE VALORES POR VÍTIMA – TJ’s
VALORES PORCENTAGEM (%)
< R$ 5.000,000 41
ENTRE R$ 5.000,00 e R$ 9.999,00 23
ENTRE R$ 10.000,00 e R$ 24.999,00 27
ENTRE R$ 25.000,00 e R$ 49.999,00 6
ENTRE R$ 50.000,00 e R$ 99.999,00 1
>⁄ R$ 100.000,00 2
Diante disso, podemos concluir previamente que o arbítrio pelo
judiciário é a melhor solução para os danos morais, mesmo os punitivo-pedagógicos.
Isso por que contemplaria melhor as peculiaridades do caso concreto e evitaria a
politização do tema.
No entanto, isso não significa a solução de todos os problemas, uma
vez que há dificuldade dos tribunais manterem tratamento igualitário dos casos, bem
como em estabelecer quais casos são ou não semelhantes. Segundo Puschel:35
A dificulade está, justamente, em se estabelecer quais casos são semelhantes – exigindo tratamento semelhante – e quais casos são diferentes – exigindo tratamento diferente. Um exemplo pode ilustrar bem essa dificuldade. O tipo de dano parece evidentemente um bom modo de determinar a semelhança entre os casos: pessoas que sofrem danos semelhantes devem receber reparações semelhantes. Esta afirmação parece tão óbvia, que é difícil discordar dela. No entanto, este é um consenso que não nos leva muito longe, pois, mesmo em casos de morte (um dano sobre o qual se pode razoavelmente argumentar que é igual para todos), é possível encontrar distinções.
34
Ibid, p. 17
35 Ibid, p. 18
22
Eis a importância dos critérios de cálculo adotados. Abaixo segue
tabela sobre os critérios mais elencados na quantificação dos danos no âmbito dos
Tribunais Estaduais:36
CRITÉRIOS OCORRÊNCIAS
Enriquecimento sem Causa 206
Extensão do Dano 195
Posição da Vítima 110
Posição do Agressor 64
Capacidade Econômica da Vítima 54
Capacidade Econômica do Agressor 64
Adicional Periculosidade ⁄ Insalubridade 1
Indenização outras Fontes 6
Razoabilidade 67
Equidade 41
Proporcionalidade 37
Critério Material 13
Culpa Concorrente da Vítima 7
Indústria do Dano Moral 3
Função Punitiva 66
Função Pedagógica 45
Função Preventiva 63
36
Ibid, p.25
23
Simples Violação do Direito 72
Grau de Culpa do Ofensor 52
Ganhos Obtidos 1
Circunstâncias Fáticas 43
Lapso Temporal (ilícito e ação) 8
Atenuantes praticadas pelo ofensor 3
Conduta das partes (antes e depois) 19
A tabela ratifica o que já fora dito anteriormente. Não há que se falar
em “Indústria do Dano Moral”, posto que a função punitivo-pedagógica e preventiva
tem sido analisada à luz do Enriquecimento sem Causa (enriquecimento ilícito das
partes).
Note-se, porém, que: 37
O critério da posição social da vítima, embora tenha menos ocorrências que a extensão do dano, é também muito frequente, o que pode levantar objeções ao fundamento da jurisprudência desses tribunais e ser um argumento favorável à intervenção legislativa, uma vez que é possível argumentar que tal critério introduz uma distinção inaceitável entre os direitos dos indivíduos.
Logo, se por um lado o arbitramento judicial dos danos é a solução
mais adequada, o mesmo pode contribuir para o tratamento desigual entre as partes
em virtude da posição social com eventual aviltamento da função punitiva-
pedagógica, possibilitando indenizações altas demais ou baixas demais em casos
semelhantes.
Eis o porquê a questão é tão complexa. É difícil mensurar o quantum
indenizatório adequado, uma vez que os próprios critérios de quantificação não
estão isentos de parcialidade.
37 Ibid, p. 26
24
A tarefa de conciliar a indenização da vítima com a punição
pedagógica do ofensor, também não é das mais fáceis.
Não obstante, apesar de todas as dificuldades acima mencionadas,
a jurisprudência tem se manifestado no sentido de coibir uma possível insegurança
jurídica.
Como diz PUSCHEL: 38
Os resultados do levantamento jurisprudencial descritos acima indicam que o temor de que a ausência de critérios legislativos expressos para o cálculo de danos morais leve a uma situação de imprevisibilidade das decisões e grande desigualdade de tratamento entre as pessoas não encontram respaldo na realidade da jurisprudência brasileira. Diante disso, é possível concluir que qualquer interferência legislativa para tabelar o valor de danos morais seria desnecessária (...)
É interessante notar que a discussão sobre a tarifação dos danos
morais possui uma perspectiva política.
Apesar dos argumentos contrários a tarifação terem apresentado
maior força, mister se faz tecer alguns comentários sobre a constitucionalidade da
tarifação defendida com base nos entendimentos jurisprudencial dos Tribunais
Superiores , especialmente no que toca aos danos (morais) causados aos direitos
da personalidade: 39
Pode-se afirmar que dois dos maiores campos produtores de danos aos direitos de personalidade são os circunscritos pela atividade dos meios de comunicação e pela atividade de fornecimento de produtos e serviços ao consumidor, obviamente porque abrangem uma massa de sujeitos a eles vinculados (telespectadores, usuários, consumidores, etc.). Nesses dois âmbitos encontramos regras legais que limitam a priori os valores de indenização: no âmbito dos meios de comunicação temos a regra inscrita nos art. 51 e 52, incisos da lei 5250/67 (conhecida como lei de imprensa) e no âmbito do fornecimento de serviços ao consumidor temos as regras inscritas nos artigos 22 do decreto nº 20.704 de 24 de novembro de 1931 (Promulga a Convenção de Varsóvia de 1929) e 257 e 260 da lei 7565 de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), assim não surpreende o fato de que a discussão judicial sobre a constitucionalidade da limitação tarifada da indenização do dano moral nos dois tribunais superiores brasileiros (STJ e STF) esteja organizada em torno do debate acerca da recepção constitucional desses dispositivos. Diante dessa constatação a análise da constitucionalidade da
38
Ibid, p. 32
39 Ibid, p. 32
25
tarifação das reparações por danos morais [...] está organizada em torno da jurisprudência dos tribunais superiores nestes temas.
Apesar dos argumentos contrários a tarifação terem apresentado
maior força, mister se faz tecer alguns comentários sobre a constitucionalidade da
tarifação defendida com base nos entendimentos jurisprudencial dos Tribunais
Superiores , especialmente no que toca aos danos (morais) causados aos direitos
da personalidade.
Segue abaixo um breve comentário sobre a constitucionalidade da
tarifação dos danos morais, baseado no estudo da profª. Flávia Puschel.
4.1 SOBRE A CONSTITUCIONALIDADE DA TARIFAÇÃO DOS
DANOS MORAIS
4.1.1. Tarifação na Lei de Imprensa (Dec. 5250⁄67)
A Lei de Imprensa estabelecia limites à indenização dos danos
morais produzidos através dos meios de comunicação. Tal dispositivo legal foi
analisado pela Corte do Supremo Tribunal Federal e contou com os votos dos
Ministros Cézar Peluso e Carmen Lúcia, a qual sustentou a inconstitucionalidade
dos artigos 51 e 52 da referida lei com base em precedentes jurisprudenciais de
outros tribunais. A ministra, a título exemplificativo, mencionou o Recurso
Extraordinário (RE) 447574 e o Recurso Extraordinário (REsp) 213188.
Ao final, o STF votou pela inconstitucionalidade da tarifação, mas
isso não eximiu por completo as discussões sobre o tema, pois, apesar do voto da
Min. Carmen Lúcia sustentar a inconstitucionalidade, tal orientação encontrou
divergências entre os próprios acórdãos que serviram de base para a orientação
jurisprudencial 40.
Ou seja, o tema ainda continuou controvertido em seu entendimento
jurisprudencial. 40
ibid, pg 38
26
4.1.2. Os Limites Indenizatórios na Regulação do Transporte
Aéreo
O principal precedente sobre o tema é o Recurso Extraordinário (RE)
nº 351750-3⁄RJ41.
Tratava-se de recurso apresentado por empresa aérea contra
decisão da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis do Rio de
Janeiro. A indenização havia sido majorada com base no Código de Defesa do
Consumidor, tendo em vista a má prestação do serviço. A empresa apresentou
embargos declaratórios para fins de pré-questionamento, alegando, em síntese, que
a indenização deveria ser fixada com base nos parâmetros definidos na Convenção
de Varsóvia. Os embargos foram julgados desprovidos o que resultou a interposição
do Recurso Extraordinário.
O então Min. Eros Grau emitiu voto no sentido de que, em se
tratando de conflitos entre normas ordinárias, prevaleceria a especial. Logo, o
Código de Defesa do Consumidor não poderia ser revogado.
O Min. Carlos Britto também emitiu parecer semelhante. Segundo
seu entendimento, a Convenção de Varsóvia e o Código Brasileiro da Aeronáutica
contrariavam as disposições do CDC (Lei 8078⁄90). Note-se, porém, que mais uma
vez os argumentos apresentados se mostraram polêmicos, a exemplo do que
ocorreu na Lei de Imprensa: 42
Em resumo: A própria sistemática da lei 8078/90 – que o Min. Carlos Britto quer proteger do que entende ser uma violação ao direito à reparação previsto no seu art. 6º, VI pelas normas presentes na Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica que atuam restritivamente sobre as hipóteses e sobre os valores relativos às indenizações devidas aos usuários dos serviços de transporte – admite esse tipo de restrição! Neste ponto se revela, mais uma vez, a impropriedade do argumento de que as regras que limitam o direito à indenização constituam sempre e em qualquer hipótese uma anulação, revogação ou aniquilação do núcleo essencial desse direito, isto é, o equívoco da opinião defendida pelo Min. Cezar Peluso, já adotada no RE 447584-7/RJ, de que as normas constitucionais presentes no art. 5º, V e X seriam concretizadoras do que chamou princípio da indenizabilidade irrestrita, “segundo o qual as indenizações por dano material e moral devem ser a estes proporcionais” (BRASÍLIA, 2009b, p. 1135), levaria,
41
Ibid, p. 39
42 Ibid, p. 43
27
necessariamente, ao reconhecimento da incompatibilidade existente entre as normas que estabelecem limites pré-fixados à verba indenizatória presentes nos estatutos legais e o referido princípio constitucional.
Dessa forma, mais uma vez pugnou-se pela inconstitucionalidade da
tarifação dos danos morais.
4.1.3. Reflexões sobre a Constitucionalidade da Tarifação e
Consequências Práticas
Em sua pesquisa, Puschel conclui que é possível a criação de um
dispositivo legal que, por meio de critérios balizadores, estabeleça limites às
indenizações. No entanto, tendo em vista os riscos de tal dispositivo legal, o mesmo
poderia ser declarado inconstitucional com base na interpretação do Supremo
Tribunal Federal sobre o artigo 5º, incisos V, X e XXII da Constituição. 43
Aqueles que defendem a legitimidade da tarifação utilizam dois (2)
argumentos básicos: compensação e uniformidade.
Pela compensação, as indenizações exorbitantes seriam evitadas.
Porém, como já demonstrado, os valores fixados pela jurisprudência não têm
mostrado tendência ao exagero, antes primando por menores quantuns
indenizatórios. A compensação traria, segundo seus defensores, a certeza do dano
moral. Este que era incerto passou a ser certo. Contudo esse argumento também é
combatível. Primeiramente porque a jurisprudência já estabeleceu parâmetros de
quantificação. Em segundo lugar, porque a maior clareza da compensação dos
danos morais também pode ensejar aspectos negativos. Sob certo aspecto, a
tarifação induziria a formação das chamadas “indústrias” dos danos morais44.
Pela uniformidade, seriam evitadas discrepâncias na aplicação da
lei. Todavia, esse argumento também não está isento de críticas. Segundo
Puschel:45
43
Ibid, p. 56
44 Ibid, pg 49.
45 Ibid, p. 51
28
[...] Diante de diplomas legislativos muito detalhados, que contam com regras específicas para uma diversidade muito grande de situações, é quase sempre possível justificar toda sorte de atitude com fundamento em uma norma jurídica fechada qualquer. Desta maneira, o efeito da regulação acaba sendo contrário ao objetivo fixado pelo legislador. Ao invés de restringir as possibilidades de aplicação com a criação de uma regulação cada vez mais precisa e específica, a proliferação de regras permite que qualquer atitude encontre uma norma para servir-lhe de justificação. Desta maneira, fica impossível controlar efetivamente o comportamento de seus destinatários. Como é evidente, essa atitude poria em questão a alegada clareza e uniformidade da tarifação. Em segundo lugar, uma mesma circunstância pode ser grave em alguns casos, mas não em outros. Por exemplo, às vezes pequenos danos diretos levam a grandes complicações indiretas. Por um lado, frequentemente há vulnerabilidades da parte das vítimas, o que é comum em relações de consumo. Por outro, o pagamento de valor tabelado como indenização pode causar sérias conseqüências para os réus – por exemplo, uma empresa pode vir a ter que “fechar as portas”, causando o desemprego de seus funcionários. Em terceiro lugar, em muitos casos a extensão e probabilidade de ocorrência de danos (morais ou patrimoniais) dependem de esforços de mitigação de riscos, tanto por parte de potenciais vítimas quanto de potenciais causadores. Geralmente, as regras e intuições de culpabilidade dão aos juízes os elementos para ponderarem o valor da compensação pelos esforços de mitigação de riscos das partes envolvidas. Com o tabelamento, pode ocorrer que o juiz aplicador da lei se veja impossibilitado de realizar este tipo de ponderação. Uma possível consequência negativa surge no caso de as partes diminuírem seus esforços de mitigação.
Percebe-se, assim, que os argumentos contrários à tarifação ainda
permanecem mais fortes e convincentes do que os favoráveis.
4.1.4. Conclusões sobre a Tarifação
Chegamos à conclusão de que a tarifação não é a melhor “saída”
para se fixar as indenizações, falando em termos gerais. Seu uso deveria ser restrito
a situações particulares. Segundo Puschel: 46
Diante disso, a tarifação pode ser desejável em particular quando se identifique empiricamente que as compensações são de fato inadequadas, e/ou que haja grande falta de isonomia na sua aplicação. Com o devido cuidado de observar-se as ressalvas metodológicas apresentadas acima, este não foi o resultado observado no levantamento empírico realizado.
A discussão permanece aberta em muitos aspectos. Em primeiro
lugar por que a tarifação não envolve apenas uma questão técnica doutrinária ou
46
Ibid, p. 53
29
constitucional, mas a concreta operabilidade prática, o que inclui incentivos, custos e
outras eventuais dificuldades de aplicação.
Ademais a tarifação não deve ser vista como a “salvação de todos
os problemas”. Em outra passagem Puschel afirma que no Brasil é comum à
população acreditar na reforma legislativa como implementadora de segurança
jurídica. Para ela esse fenômeno, chamado de “inflação legislativa”, é típico das
democracias modernas, incluindo o Brasil, pois “sob o pretexto de atender-se a
demandas sociais vistas como prementes, e de responder-se a necessidades dos
novos tempos vistas como irresistíveis, novas leis são editadas em um ritmo
frenético”. (Puschel, 2011, p.52-53).
Existe, inclusive, a possibilidade de se adentrar numa discussão
sociológica sobre o assunto, que embora não pertinente ao caso concreto mereceria
ser analisada noutra oportunidade.
30
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após pesquisar a doutrina e consultar estudos acerca dos danos
morais, concluímos que a majoração dos danos morais, incluindo os punitivo-
pedagógicos, a cargo do judiciário não é um problema em si. 47
Restou demonstrado a preocupação da jurisprudência em evitar a
chamada “indústria do dano moral” e em estabelecer valores adequados ao caso
concreto. Dessa forma, não há abalo à segurança jurídica nem ao ordenamento
jurídico pátrio, posto que o receio do aviltamento do instituto não permitiu a
supervalorização da jurisprudência com o consequente enfraquecimento da letra da
lei.48
A tarifação, como também já demonstrado, ainda teria amparo
constitucional, embora rejeitada pelo Supremo (STF). Todavia, por oferecer risco às
funções sociais próprias do dano moral, quais sejam a indenização da vítima e a
prevenção de futuros ilícitos pela efetiva punição do causador do dano, sua
aplicação se torna muito restrita. 49
Assim, sendo, apesar de não isenta de críticas, a majoração dos
danos morais a cargo do judiciário ainda se mostra mais atinente e eficaz a
realidade do dia a dia, cabendo, portanto, aos membros do judiciário fazer uso dos
princípios da proporcionalidade e razoabilidade, na quantificação a ser estabelecida
no caso concreto. 50
47
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil (Responsabilidade Civil). Volume 04, 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998, pgs 192-193.
48 FERREIRA, Gezina Nazareth. O caráter punitivo do Dano Moral. Disponívelem:http⁄⁄www.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensuedicoes/n1novembro2012/pdf/GezinaNazarethFerreiral.pdf. Acessado em: 13 de abril. 2013:⁄⁄www.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensuedicoes/n1novembro2012/pdf/GezinaNazarethFerreiral.pdf. Acessado em: 13 de abril. 2013.
49 PUSCHEL, Flávia. Série Pensando o Direito: Dano Moral no Brasil - Nº37⁄2010. Disponível em:
http:⁄⁄portal.mj.gov.br/services/DocumentManagement/FileDownload. EZTSvc.asp?DocumentID=%7BC87D13B3-9030-42B2-A5C7-F93E754DE1E2%7D& ServuceInstUID=%7B0831095E-D6E4-49AB-B405-C0708AAE5DB1%7D. p. 53. Acessado em 27 de nov. de 2013,
50 REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed. Forense, p.99
31
REFERÊNCIAS
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2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 192
BÍBLIA. Tradução de João Ferreira de Almeida. 4ª edição. São
Paulo: Vida, 1996.
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Danos Morais: Critérios
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http://www.expressomt.com.br/nacional-internacional/a-industria-do-dano-moral-
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DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 1998
FERREIRA, Gezina Nazareth. O caráter punitivo do Dano Moral.
Disponívelem:http⁄⁄www.emerj.tjrj.jus.br⁄paginas⁄rcursodeespecializacao_latosensued
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MELO, Nehemias Domingos de. Dano Moral. Problemática do
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ServuceInstUID=%7B0831095E-D6E4-49AB-B405-C0708AAE5DB1%7D. Acessado
em 27 de nov. de 2013
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REIS, Clayton. Dano Moral. 5ª ed. Rio de Janeiro, 2010. Ed.
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RODRIGUES, Silvio. Direito Civil (Responsabilidade Civil). Volume
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VENTURI, Thaís Goveia Pascoaloto. A responsabilidade civil e sua
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Acessado em 10 de abr. de 2014
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ANEXOS
ENTREVISTA CONCEDIDA PELO DES. SÉRGIO ROLANSKI EM
15.10.2013
1. Há quantos anos o senhor está no exercício da magistratura?
R: Há mais de vinte (20) anos. Iniciei carreira na magistratura em
1987, em Maringá. Cheguei ao Tribunal de Justiça em 1993 e exerci o cargo de Juiz
substituto de 2º grau até alcançar o posto de Desembargador.
2. Tendo em vista apenas os ramos do Direito Civil (ex: direitos
reais, direito de família, etc) como o senhor considera o tema da
responsabilidade civil e seus desdobramentos: relativamente fácil ou difícil?
R: A resposta é bem abrangente, mesmo porque o tema é muito
vasto e complexo. Acho que, como em qualquer ramo do direito, encontramos certas
dificuldades, mas particularmente é um assunto que me agrada bastante.
3. De que maneira o senhor vê a aplicação do dano moral
punitivo pedagógico no direito civil brasileiro atualmente: de maneira positiva
ou negativa?
R: Entendo como positiva a aplicação do dano moral diante de seu
caráter punitivo/inibitório, ressalvado o aviltamento do instituto.
4. O senhor acha viável a criação de um dispositivo legal que
servisse como critério de balizamento para a quantificação do dano moral
punitivo ou o mesmo deveria continuar ao arbítrio do judiciário?
R: Arbítrio não é o mesmo que arbitrário e por isso entendo que não
deve ser criado um dispositivo legal de balizamento, mesmo porque cada caso deve
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ser analisado de per si.
5. Em certa medida, o caráter punitivo pedagógico do dano
moral não seria uma importação das regras da common law ? Essa absorção
de regras estranhas ao nosso direito não poderia trazer certos "danos" à
legislação pátria?
R: Em uma análise geral, entendo que mesmo se considerada uma
importação o chamado punitive damages, a sua aplicação entre nós se revela
positiva no sentido punitivo/inibitório. Ademais, vários temas da Common Law têm
sido inseridos no direito brasileiro nos últimos anos, sem que com isso haja danos à
nossa própria legislação e à nossa tradição germânico-romana.
6. O senhor entende correta a afirmação de que o arbítrio do
dano moral pelo judiciário seria responsável pela supervalorização da
jurisprudência e o consequente enfraquecimento e relativização da legislação?
R: Observo que neste tema existe uma evolução e aprimoramento
da jurisprudência, e não propriamente a sua supervalorização, certo de que isso
gere o enfraquecimento da legislação existente a respeito do dano moral, pois este
ainda encontra justamente base legal na Constituição Federal e no Código Civil em
vigor.
Percebe-se das palavras do Ex.mo Desembargador Sérgio Rolanski
que os punitive damages já alcançaram prestígio entre a jurisprudência e têm
aplicação corrente no dia a dia.
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Segue em anexo tabelas sobre os critérios de quantificação dos
danos morais nas instâncias federal e trabalhista (ibid, pg 27-30):
TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS – TRF’s
Critérios Ocorrências
Enriquecimento sem Causa 175
Extensão do Dano 153
Posição da Vítima 91
Posição do Agressor 54
Capacidade Econômica da Vítima 65
Adicional Periculosidade ⁄ Insalubridade 7
Indenização outras Fontes 10
Razoabilidade 157
Equidade 90
Proporcionalidade 85
Critério Material 10
Culpa Concorrente da Vítima 10
Indústria do Dano Moral 2
Função Punitiva 124
Função Pedagógica 70
Função Preventiva 101
Simples Violação do Direito 150
36
Grau de Culpa do Ofensor 80
Ganhos Obtidos 0
Circunstâncias Fáticas 116
Lapso Temporal (ilícito e ação) 40
Atenuantes praticadas pelo ofensor 2
Condutas das partes (antes e depois) 15
TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO – TRT’s
Critérios Ocorrências
Enriquecimento sem Causa 122
Extensão do Dano 249
Posição da Vítima 102
Posição do Agressor 85
Capacidade Econômica da Vítima 73
Capacidade Econômica do Ofensor 186
Adicional Periculosidade ⁄ Insalubridade 29
Indenização outras Fontes 44
Razoabilidade 177
Equidade 76
Proporcionalidade 77
Critério Material 48
37
Culpa Concorrente da Vítima 35
Indústria do Dano Moral 7
Função Punitiva 124
Função Pedagógica 142
Função Preventiva 143
Simples Violação do Direito 109
Grau de Culpa do Ofensor 131
Ganhos Obtidos 1
Circunstâncias Fáticas 155
Lapso Temporal (ilícito e ação) 59
Atenuantes praticadas pelo ofensor 10
Condutas das partes (antes e depois) 32
CRITÉRIOS PUNITIVOS MAIS UTILIZADOS (TRT’s e TRF’s)
FUNÇÃO PUNITIVA
FUNÇÃO PEDAGÓGICA ⁄ PREVENTIVA
SIMPLES VIOLAÇÃO DO DIREITO
GRAU DE CULPA DO OFENSOR
CAPACIDADE ECONÔMICA DO OFENSOR