A mediação em matéria tributária: uma realidade a pensar no ordenamento jurídico
português?
Cláudia Sofia Melo Figueiras (Mestre
em Direito Tributário e Fiscal pela
Universidade do Minho e Assistente
Convidada na Escola Superior de
Gestão do Instituto Politécnico do
Cávado e do Ave e na Escola de
Direito da Universidade do Minho).
Resumo: A mediação enquanto meio alternativo de resolução de litígios que valoriza uma
maior aproximação entre as partes, maxime do sujeito passivo e da Administração Tributária,
pode contribuir para a criação de uma maior consciência ético-tributária e, assim, fomentar
uma maior prevenção de litígios no futuro. A mediação cabe na categoria dos meios
consensuais de resolução de litígios. É um meio de resolução de litígios que requer a
intervenção de um terceiro, mediador, cuja função é aproximar as partes com vista à
celebração de um acordo entre ambas. No ordenamento jurídico português, não é possível
mediar litígios entre particulares e a Administração Tributária. De facto, são vários os
obstáculos que se apresentam à mediabilidade dos litígios em matéria tributária. Está-se a
pensar, essencialmente, no princípio da legalidade, no princípio da indisponibilidade do crédito
tributário e no princípio da igualdade.
Abstract: In the Portuguese legal system there is an ethical-tax consciousness deficit.
Therefore it is relevant to encourage the creation of means that enable awareness increase.
Using mediation as an alternative mean of dispute resolution that values closer ties between
the parties, maxime of the taxpayer and tax authorities, can contribute to create more ethical-
tax consciousness and thus foster greater prevention of future disputes. Mediation fits in the
category of consensual means of dispute resolution It is a dispute resolution mean that requires
the intervention of a third party mediator, whose function is to bring the parties together in order
to find an agreement between them. In Portuguese law it is not yet possible to mediate disputes
between individuals and the Tax Administration. In fact, there are several obstacles related to
the disputes mediability on tax matters. It is thought, essentially, on the principle of legality, in
the principle of availability of the tax credit and the principle of equality.
Palavras-chave: Litígios; Meios Alternativos de Resolução de Litígios; Mediação Tributária.
Keywords: Litigation; Alternative Dispute Resolution; Tax Mediation.
0. Nota Introdutória
O presente texto tem como tema «A mediação em matéria tributária: uma realidade a
pensar no ordenamento jurídico português?» e tem por base a comunicação a apresentar no
I Congresso de Direito Transnacional – Desafios e perspetivas na contemporaneidade (I
CONDITRANS), que se irá realizar na Universidade de Salamanca, nos dias 21 e 22 de abril,
de 2016.
Neste trabalho iremos debruçar-nos sobre a eventual mediabilidade dos litígios em
matéria jurídico-tributária. Na verdade, acredita-se que a mediação enquanto meio de
resolução de litígios poderá, por um lado, permitir uma resolução mais célere dos litígios que
envolvem a Administração Tributária e os sujeitos passivos e, por outro lado, promover uma
maior aproximação das partes. Nesta medida, porque reconcilia as partes, a mediação pode
exercer uma função preventiva de novos litígios em matéria tributária.
Vamos dividir o presente trabalho em três partes fundamentais. Uma primeira parte
tomará como designação «Mediação em matéria tributária: que futuro para o ordenamento
jurídico português?». Esta parte, por sua vez, será subdividida em duas pequenas subpartes:
a primeira subparte terá como objeto de estudo a «Noção de mediação: em especial, a
distinção de figuras afins» e nela iremos apresentar uma noção de mediação e distingui-la de
outros meios de resolução de litígios como a conciliação e a arbitragem e a segunda subparte
terá como subtema os «Obstáculos à mediabilidade dos litígios em matéria tributária e
respetiva superação», sendo que neste momento iremos apresentar os principais obstáculos
à mediabilidade dos litígios em matéria tributária e a respetiva forma de superação. Esta
segunda subparte dividir-se-á, por sua vez, em quatro pequenas subpartes que tomam a
seguinte denominação: «O princípio da legalidade»; «O princípio da indisponibilidade do
crédito tributário»; «O princípio da igualdade»; e, finalmente «A exigência constitucional da
mediabilidade dos litígios em matéria jurídico-tributária». A segunda parte do presente
trabalho terá como título «A mediação tributária numa perspetiva de direito comparado: o caso
norte-americano e italiano – breve referência» e nela irá fazer-se um sumário estudo de Direito
Comparado. Na terceira e última parte, iremos apresentar as principais conclusões do
presente trabalho.
1. Mediação em matéria tributária: que futuro para o ordenamento jurídico português?
1.1. Noção de mediação: em especial, a distinção de figuras afins
A mediação é um meio alternativo de resolução de litígios1 (MARL), a par da
conciliação e da arbitragem, entre outros2. Quanto à sua classificação como meio alternativo
de resolução de litígios, não subsistem dúvidas. De facto é comumente aceite que a mediação
é um MARL. Menos consensual, porém, é o que se deve considerar por verdadeira mediação,
isto porque, a este respeito, são vários os entendimentos da doutrina especialista,
particularmente quando se procura distinguir a mediação da conciliação. Vejamos, assim,
algumas posições dos pensadores de Direito.
ÁNGELES DE PALMA DEL TESO3 define a mediação como uma técnica através da
qual um terceiro, mediador, procura aproximar a posição das partes, promovendo o
intercâmbio de diferentes pontos de vista e a composição de interesses, exercendo uma
função ativa na resolução do litígio, na medida em que pode propor às partes o conteúdo de
um acordo que a ambas satisfaça. Em sentido aproximado, RAFAEL FERNÁNDEZ
MONTALVO/PILAR TESO GAMELLA/ÁNGEL AROZAMENA LASO4, defendem que a
mediação é um procedimento em virtude do qual um terceiro – mediador – contribui para a
resolução de um litígio entre partes, procurando a sua aproximação, através da composição
de interesses, podendo, inclusivamente fazer propostas de acordo. EDUARD VINYAMATA5,
por sua vez, define a mediação como sendo um processo de comunicação entre as partes
1 A expressão meio alternativo de resolução de litígios nasceu, em 1976, nos E.U.A, para significar um conjunto de meios
de resolução de litígios alternativos aos meios tradicionais, como o recurso aos Tribunais do Estado (sobre a evolução histórica
dos meios alternativos de resolução de litígios, entre outros, pode ver-se Jerome T Barrett and Joseph P Barrett, A History of
Alternative Dispute Resolution: The Story of a Political, Cultural, and Social Movement (San Francisco: Jossey-Bass, 2004);
Carrie Menkel-Meadow, ‘Roots and Inspirations - A Brief History of the Foundations of Dispute Resolution’, in The Handbook of
Dispute Resolution, ed. by Michael L. Moffitt and Robert C. Bordone (San Francisco: Jossey-Bass, 2005), p. 13 a 32 (p. 13 a 32).
Em especial, no ordenamento jurídico português, entre outros, pode ver-se Mariana França Gouveia, Curso de Resolução
Alternativa de Litígios (Coimbra: Almedina, 2014), em especial p. 34 e 35.
2 Em relação à mediação, à conciliação e à arbitragem pode dizer-se que estes, entre os meios alternativos de resolução
de litígios, são os meios tradicionais de resolução alternativa de litígios. Existem, porém, outros que têm vindo a implementar-se
em vários ordenamentos jurídicos e que, por vezes, se traduzem num casamento perfeito entre dois dos meios tradicionais de
resolução alternativa de litígios. A título exemplificativo considere-se os seguintes meios alternativos de resolução de litígios: o
mini trial, o private trial, o court annexed arbitration, o summary jury trial, o neutral listener, o neutral expert factfinding, os sistemas
de med-arb ou de arb-med (para mais desenvolvimentos sobre estes meios de resolução alternativa de litígios, mais recentes,
pode ver-se, entre outros, Zulema D. Wilde and Luis M. Gaibrois, O Que É a Mediação?, ed. by (Trad.) Soares Franco (Lisboa:
Agora Publicações, Lda., 2003), p. 21 a 24.
3 Ángeles de Palma del Teso, ‘Las Técnicas Convencionales En Los Procedimentos Administrativos’, in Alternativas
Convencionales En El Derecho Tributario: XX Jornada Anual de Estudio de La Fundación «A. Lancuentra» (Madrid: Marcial Pons,
2003), p. 15 a 47 (p. 38).
44 Rafel Fernández Montalvo, Pilar Teso Gamella and Ángel Arozamena Laso, El Arbitraje: Ensayo de Alternativa Limitada
Al Recurso Contencioso-Administrativo (Madrid: Consejo General del Poder Judicial, 2004), p. 31 e 32.
5 Eduard Vinyamata, Aprender Mediación (Barcelona: Paidós, 2003), p. 17.
que requer a ajuda de um mediador imparcial que procura que as partes cheguem, por elas
mesmas, a um acordo. Finalmente, RICARDO CASTILHO sustenta que a mediação se baseia
«na arte da linguagem»6, visando o restabelecimento da comunicação entre os intervenientes
num determinado litígio. Na mediação intervém um terceiro, mediador, que tem por objetivo
«ajudar as partes a chegar a um consenso, utilizando métodos psicológicos, de modo que
ambas acabem por concluir que de alguma forma obtiveram êxito no final»7, mas sem que
possa fazer propostas de acordo.
A principal diferença que se encontra nas noções supra propostas pela doutrina reside
no poder de intervenção do terceiro mediador. Para alguns autores, o mediador exerce um
papel mais ativo podendo, inclusivamente, fazer propostas de acordo (tese defendida, entre
outros, por ÁNGELES DE PALMA DEL TESO) para outros autores, porém, na mediação o
terceiro mediador apenas pode procurar aproximar as partes não dispondo de qualquer poder,
nomeadamente quanto à proposta de acordos (tese defendida, entre outros por RICARDO
CASTILHO).
Na verdade, a principal dificuldade reside, como se referiu supra, na distinção da
mediação face à conciliação. Os dois conceitos, por vezes, confundem-se. Com efeito, alguns
autores consideram mediação aquilo que outros autores consideram de conciliação. A querela
principal reside, exatamente, no poder de intervenção do terceiro mediador ou conciliador. De
facto, em regra, aqueles autores que defendem um maior poder de intervenção do mediador,
defendem um menor poder de intervenção do conciliador e aqueles que defendem um maior
poder de intervenção do conciliador, defendem um menor poder de intervenção do mediador.
Assim, não pode apresentar-se um conceito unânime de mediação, pois não existe
unanimidade na doutrina, nem na própria legislação que é, muitas vezes, a este respeito
confusa. A lei da mediação portuguesa (LMP)8, por exemplo, define a mediação como sendo
uma «forma de resolução alternativa de litígios, realizada por entidades públicas ou privadas,
através do qual duas ou mais partes em litígio procuram voluntariamente alcançar um acordo
com assistência de um mediador de conflitos»9, sendo o mediador «um terceiro, imparcial e
independente, desprovido de poderes de imposição aos mediados, que os auxilia na tentativa
de construção de um acordo final sobre o objeto do litígio»10. Já na lei da mediação espanhola
(LME)11, a mediação vem conceituada como sendo «aquel medio de solución de
6 Ricardo Castilho, ‘Mediação E Conciliação E a Efetividade Dos Direitos Fundamentais’, in La Solución Extrajudicial de
Conflictos (ADR) - Estudios Para La Formación En Técnicas Negociadoras, ed. by Patricia Blanco Díez (Navarra: Aranzadi,
2011), p. 37 a 44 (p. 42).
7 Castilho, p. 42.
8 Aprovada pela lei n.º 29/2013, de 19 de abril.
9 Artigo 2.º, al. a), da LMP.
10 Artigo 2.º, al. b), da LMP.
11 Aprovada pela ley n.º 5/2012, de 6 de julio.
controversias, cualquiera que sea su denominación, en que dos o más partes intentan
voluntariamente alcanzar por sí mismas un acuerdo con la intervención de un mediador»12. A
noção de mediação e mediador, prevista no ordenamento jurídico português, parece-nos
admitir um maior poder de intervenção do mediador do que a noção prevista no ordenamento
jurídico espanhol em que se reforça a ideia de que as partes devem alcançar «por sí mismas»
um acordo. Parece-nos, assim, que o critério do poder de intervenção do terceiro não é
suficiente para distinguir a mediação da conciliação e deste modo se estabelecer um conceito
menos equívoco de mediação.
Independentemente das considerações supra referidas, partilhamos do entendimento
de CÁTIA MARQUES CEBOLA13 quando refere, a respeito, em especial, da distinção entre
mediação e conciliação, que a diferença entre ambas as figuras não deve reconduzir-se a
questões meramente metodológicas ou científicas. Isto porque dado o caráter flexível de
ambos os instrumentos de resolução de litígio, não se pode ab initio descrever com exatidão
e certeza que tipo de metodologias ou técnicas o mediador, ou o conciliador, vão adotar no
âmbito do processo de mediação, ou de conciliação. A mediação deve distinguir-se da
conciliação, na medida em que esta tem uma natureza processual ao contrário da primeira.
De facto, tal como MARIANA FRANÇA GOUVEIA14, julgamos que a conciliação, ao contrário
da mediação, é conduzida por quem tem o poder adjudicatório, ou seja, pelo juiz, ou árbitro
da causa. A mediação, ao contrário da conciliação, é, portanto, presidida por um terceiro que,
frustrada a obtenção do acordo, mais nenhum contacto tem com o processo. Deste modo,
pode definir-se a mediação como um meio alternativo de resolução de litígios em que intervém
um terceiro, neutro e imparcial, que tem por objetivo aproximar e auxiliar as partes na
obtenção de um acordo, podendo, para o efeito, sugerir acordos, mas que, frustrada a
mediação, não tem qualquer poder adjudicatório sobre o processo. Assim, fica esculpido o
conceito de mediação, afastando-se, em nosso entendimento, pelas razões aduzidas, do
conceito de conciliação. No ordenamento jurídico português parece, inclusivamente, na maior
parte das vezes, que o legislador afasta a mediação do processo, dele aproximando a
conciliação. De facto, a tentativa de conciliação ocorre, normalmente, no âmbito de um
processo jurisdicional15.
12 Artigo 1.º, da LME.
13 Cátia Marques Cebola, La Mediación (Madrid: Marcial Pons, 2013), p. 163.
14 Gouveia, p. 23.
15 Veja-se o artigo 594.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), que no diz que a tentativa de conciliação é presidida
pelo juiz. Idêntico é para o processo administrativo, o artigo 87.º-C, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Também na jurisdição arbitral, o regulamento do Centro de Informação, Mediação e Arbitragem da Ordem dos Notários
(disponível em http://www.notarios.pt/NR/rdonlyres/0F966738-9F4E-4627-
92FC55FC4F63E553/3963/RegulamentoArbitragem1.pdf) consagra no artigo 28.º, a possibilidade de as partes atribuírem
poderes conciliatórios ao Tribunal Arbitral
A mediação não se confunde, pois, igualmente, com o conceito de arbitragem. De
facto, a arbitragem é um meio alternativo de resolução de litígio que requer a intervenção de
um terceiro para decidir, com força de caso julgado, o litígio que opõe as partes. Os árbitros
exercem, pois, tal como o juiz do Tribunal do Estado, uma verdadeira e própria função
jurisdicional16. Ao contrário da mediação, cuja possibilidade de consagração no ordenamento
jurídico-tributário se equaciona no presente trabalho, a arbitragem é já uma realidade no
ordenamento jurídico português. De facto, a arbitragem em matéria tributária foi instituída em
Portugal pelo decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro17, visando o legislador, com a
consagração deste regime, três objetivos principais: imprimir uma maior celeridade na
resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo; reduzir a
pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais; e, finalmente, reforçar o Direito
Fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais. Em termos legislativos, a única referência
à mediação em matéria tributária que se conhece constou da alínea o), do n.º 4, do artigo
124.º, da lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que autorizou a consagração de um regime jurídico
de arbitragem em matéria tributária no nosso ordenamento jurídico e no âmbito da qual se fez
referência a uma eventual nomeação de mediadores ou conciliadores no regime dos centros
de arbitragem tributária18.
16 A jurisprudência constitucional portuguesa tem-se encaminhado no sentido de que os árbitros exercem uma função
jurisdicional. Com efeito, os árbitros exercem uma função jurisdicional, na medida em que declaram o Direito da causa, ou seja,
o ««juiz-árbitro» desenvolve uma função jurídica pela qual declara o Direito (jurisdictio), se bem que não possa executá-lo, ao
invés do que se passa com o «Juiz-funcionário». Sendo que «esta evidente ausência de ‘potestas’ por parte do árbitro, enquanto
não representa ou encarna a organização jurídico-política do Estado, se vê compensada com a ‘auctoritas’ (…) As decisões do
árbitro são verdadeiras e próprias decisões jurisdicionais, dotadas de autoridade»» (citação do Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 52/92 de 14/03/1992, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Também na Sentença n.º 62/91 de
22/03/1991, do Tribunal Constitucional Espanhol se entendeu que a arbitragem constitui «un equivalente jurisidiccional, mediante
el cual las partes pueden obtener los mismos objetivos que com la jurisdicción civil» (citação do acórdão disponível em
www.tribunalconstitucional.es).
17 Sobre o regime jurídico da arbitragem tributária já tivemos a oportunidade de nos debruçar no âmbito de outros trabalhos.
Entre outros, veja-se Cláudia Sofia Melo Figueiras, ‘Arbitragem: A Descoberta de Um Novo Paradigma de Justiça Tributária?’, in
A Arbitragem Administrativa E Tributária - Problemas E Desafios, ed. by Isabel Celeste Monteiro da Fonseca, 2.a edição (Coimbra:
Almedina, 2013), p. 81 a 102; Cláudia Sofia Melo Figueiras, ‘Arbitragem Em Matéria Tributária: O Modelo Português’, in Derecho,
Filosofía Y Sociedad: Una Perspetiva Multidisciplinar, ed. by José Luis Castro Fírvida and Maria Victoria Álvarez Buján (Santiago
de Compostela: Andavira, 2015), p. 303 a 317. Além dos nossos trabalhos, muitos outros autores se têm vindo a debruçar sobre
o tema no nosso ordenamento jurídico. Veja-se, entre outros, Jorge Lopes de Sousa, ‘Algumas Notas Sobre O Regime Da
Arbitragem Tributária’, in A Arbitragem Administrativa E Tributária - Problemas E Desafios, ed. by Isabel Celeste Monteiro da
Fonseca, 2.a edn (Coimbra: Almedina, 2013), p. 227 a 242; Tânia Carvalhais Pereira, ‘Aspetos Práticos’, in Guia Da Arbitragem
Tributária, ed. by Nuno de Villa-Lobos and Mónica Brito Vieira (Coimbra: Almedina, 2013), p. 63 a 87; Nuno Villa-Lobos and Tânia
Carvalhais, ‘Arbitragem Tributária: Breves Notas’, in A Arbitragem Administrativa E Tributária - Problemas E Desafios, ed. by
Isabel Celeste Monteiro da Fonseca, 2.a edn (Coimbra: Almedina, 2013), p. 375 a 388.
18 Além disso, ainda em 2009, o Conselho Superior do Tribunais Administrativos e Fiscais e o Centro de Arbitragem
Administrativa, assinaram um protocolo de entendimento com o intuito de promover a resolução alternativa de litígios em matéria
tributária, através da criação de uma rede estruturada de comissões de conciliação, mediação e consulta, acordando em propor
ao Ministério da Justiça as alterações legislativas e regulamentares para que essa rede fosse criada.
1.2. Obstáculos à mediabilidade dos litígios em matéria tributária e respetiva
superação
Tal como se referiu a respeito do conceito de mediação, este é um meio de resolução
de litígios que visa a obtenção de um acordo, ou, mais concretamente, de uma transação19
que, nas areias em que nos movemos, se deve estabelecer entre a Administração Tributária
e os sujeitos passivos. Neste âmbito, pode dizer-se que os acordos, neste caso em particular
a transação, constituem verdadeiros contratos fiscais, ou numa aceção mais ampla, contratos
em matéria tributária20. Dado que a mediação visa o estabelecimento de um acordo entre
aqueles sujeitos, a consagração da mediação em matéria tributária, no nosso ordenamento
jurídico, não é vista com «muitos bons olhos». Desde logo, porque a Lei Geral Tributária (LGT)
no artigo 36.º, n.º 2, refere que «Os elementos essenciais da relação jurídica tributária não
podem ser alterados por vontade das partes» e no n.º 3, do mesmo artigo, que «A
administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações
tributárias». Na verdade, são vários os obstáculos que se podem levantar à mediabilidade dos
litígios em matéria jurídico-tributária. Basta que se pense em três princípios fundamentais que
integram o nosso ordenamento jurídico-tributário, ou seja, o princípio da legalidade, o princípio
da igualdade e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário21. Assim, os principais
obstáculos à mediação em matéria tributária têm natureza principológica. Não obstante, como
se verá, tais obstáculos do foro principológico não constituem, nem podem constituir, um
impedimento, em absoluto, à mediabilidade dos litígios em matéria tributária. Além disso,
parece-nos que é a própria Constituição da República Portuguesa que não proíbe, mas, pelo
contrário, exige a existência de meios alternativos de resolução de litígios em matéria
tributária, como a mediação.
19 Segundo LUIZ DIAS MARTINS FILHO/LUÍS INÁCIO LUCENA a transação é um acordo que assenta em mútuas
concessões pelas partes, com o intuito de chegar a um ponto de interesse comum, que lhes permite pôr um termo num conflito
de interesses ou num litígio (Luiz Dias Martins Filho and Luís Inácio Lucena Adams, ‘A Transação No Código Tributario Nacional
(CTN) E as Novas Propostas Normativas de Lei Autorizadora’, in Transação E Arbitragem No Âmbito Tributário - Homenagem
Ao Jurista Carlos Mário Da Silva Velloso, ed. by Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho and Vasco Branco Guimarães (Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2008), p. 15 a 42 (p. 18)). Neste caso, a transação visa colocar termo a um litígio que se estabelece
entre a Administração Tributária e os sujeitos passivos.
20 Sobre os contratos fiscais não pode deixar de se recomendar a leitura de José Casalta Nabais, Contratos Fiscais -
Reflexões Acerca Da Sua Admissibilidade (Coimbra: Coimbra Editora, 1994).
21 Como sustenta JOSÉ JUAN FERREIRO LAPATZA, quando se defende a introdução de meios consensuais no âmbito do
Direito Tributário, logo se levantam várias vozes que defendem ferozmente a legalidade, a igualdade e o interesse geral (José
Juan Ferreiro Lapatza, ‘Terminación Convencional de Los Procedimientos Inspectores’, in Alternativas Convencionales En El
Derecho Tributario: XX Jornada Anual de Estudio de La Fundación «A.Lancuentra» (Madrid: Marcial Pons, 2003), p. 315 a 325
(p. 324)).
1.2.1. O princípio da legalidade
O princípio da legalidade tributária implica que os elementos essenciais dos impostos,
bem como o regime geral das taxas, estejam disciplinados por lei da Assembleia da República
ou decreto-lei autorizado do Governo. Lei essa à qual a Administração Tributária está
vinculada por força do princípio da legalidade da atuação da Administração Pública. Um
entendimento rígido deste princípio parece afastar, à partida, qualquer margem de
consensualização do Direito Tributário.
Não se pode, contudo, hoje, entender o princípio da legalidade tributária e da atuação
da Administração de uma forma absolutamente rígida e que impeça qualquer margem de
consensualização entre a Administração Tributária e o sujeito passivo. Assim, entende-se que
o princípio da legalidade tributária será respeitado desde que o ato que consinta a utilização
de meios de consensualização, como a mediação, no âmbito de matérias tributárias, decorra
de uma lei da Assembleia da República ou de um decreto-lei do Governo devidamente
autorizado, que deve consagrar o objeto da mediação; os requisitos e os impedimentos ao
exercício da função de mediador; as regras do processo de mediação; os princípios aplicáveis
ao processo; os custos da mediação; e, finalmente, os efeitos jurídicos da transação obtida
em mediação.
Estamos em crer, aliás, tal como sustenta alguma doutrina, que «[s]e a legalidade
tributária surgiu, historicamente, como forma de garantir a participação dos cidadãos na
definição dos tributos que deles seriam exigidos, nas democracias representativas modernas,
os acordos entre o Fisco e o contribuinte traduzem, de alguma forma, a retomada do
consentimento dos cidadãos na tributação não mais de forma genérica, mas em relação a
cada situação concreta»22. Nesta aceção, o acordo pode ser encarado, a par do princípio da
legalidade tributária, como uma forma de prestação do consentimento da tributação. Deste
modo, o acordo surge como um aliado do princípio da legalidade tributária porque o reforça
enquanto garantia do consentimento do povo em matéria de tributação.
Assim sendo, com a mediação e a possibilidade de celebração de um acordo nesse
âmbito, não há risco, em nosso entendimento, de colisão com o princípio da legalidade
tributária, tal como não há risco de colisão com o princípio da legalidade de atuação da
Administração, pois se a mediação estiver prevista em lei da Assembleia da República ou
decreto-lei autorizado do Governo, ao aceitar submeter um litígio a um mediador, a
Administração Tributária estará, exatamente, a respeitar a normatividade a que está
expressamente vinculada.
22 Onofre Alves Batista Junior, Transações Administrativas - Un Contributo Ao Estudo Do Contrato Administrativo Como
Mecanismo de Prevenção E Terminação de Litígios E Como Alternativa À Atuação Administrativa Autoritária, No Contexto de
Uma Administração Pública Mais Democrática (São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil, 2007), p. 412.
1.2.2. O princípio da indisponibilidade do crédito tributário
O princípio da indisponibilidade do crédito tributário, que é uma manifestação do
princípio da legalidade tributária, proíbe qualquer margem conformadora do objeto da relação
jurídica tributária, significando isto que a obrigação tributária é uma obrigação ex legge, cujo
objeto é indisponível, e que está submetida à vontade da lei e não das partes que nela
intervém. Um entendimento rígido deste princípio também afasta a admissibilidade da
mediação do âmbito do Direito Tributário. Não obstante, também este princípio não pode ser
encarado de uma forma absoluta23.
Desde logo, porque no nosso ordenamento jurídico a própria normatividade jurídica
tem vindo a demonstrar alguma flexibilização deste princípio. Com efeito, é a própria lei que,
atendendo à necessidade de adequação da normatividade jurídico-tributária à realidade
prático-factual, tem vindo a consagrar soluções legais que conferem alguma elasticidade ao
princípio sob análise. Basta que pensemos no artigo 36.º, n.º 5, bem como no artigo 37.º,
ambos da LGT, que desenham para o nosso ordenamento jurídico-tributário o instituto do
contrato, em particular dos contratos fiscais. Assim, os referidos preceitos, particularmente, o
artigo 37.º, n.º 2, da LGT, abrem a possibilidade da Administração celebrar acordos, desde
que salvaguardados os princípios da legalidade, da igualdade, da boa-fé e da
indisponibilidade do crédito tributário. Repare-se, aliás, que é a própria lei que tem vindo a
admitir no nosso ordenamento jurídico espaços para a consensualização. Basta que se pense
na contratualização da concessão de benefícios fiscais no âmbito de projetos de investimento;
nos acordos sobre os preços de transferência; e, mais recentemente, na aprovação pelo
decreto-lei n.º 151.º-A/2013, de 31 de outubro, de um conjunto de medidas excecionais de
recuperação de dívidas à Administração Tributária, permitindo a dispensa ou a redução do
pagamento dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de
execução fiscal nos casos de pagamento a pronto, total ou parcial, da dívida de capital, bem
como a atenuação do pagamento das coimas associadas ao incumprimento do dever de
pagamento dos tributos.
De todo o modo, ainda que se entenda que o princípio da indisponibilidade do crédito
tributário constitui um impedimento, insuperável, à consensualização no Direito Tributário
sempre se pode dizer que ao celebrar acordos, através da mediação, com o sujeito passivo,
a Administração Tributária não tem, necessariamente, que dispor do crédito tributário. De
facto, a celebração do acordo pode incidir sobre vários outros aspetos que enformam a
relação jurídica tributária, ainda que indiretamente estes afetem o valor do crédito tributário a
apurar. Está-se a pensar, por exemplo, nos momentos de maior abertura da atuação da
23 Neste sentido, veja-se Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento E Processo Tributário, 5.a edn (Coimbra:
Coimbra Editora, 2014), p. 433.
Administração Tributária, ou seja, quando esta age ao abrigo de um maior poder de
conformação, bem como no domínio das obrigações acessórias, ambos campos férteis, em
nosso entendimento, em matéria de consensualização.
1.2.3. O princípio da igualdade
O princípio da igualdade tributária, que tem como decorrência o princípio da
capacidade contributiva, no domínio particular dos impostos, tem subjacente a si uma ideia
de generalidade e de universalidade, de acordo com a qual todos os cidadãos se encontram
adstritos ao Dever Fundamental de pagar impostos, mas em função da sua capacidade
contributiva. Além disso, o princípio da igualdade tributária tem como decorrência, no âmbito
particular das taxas e demais contribuições, o princípio da equivalência, de acordo com o qual
o valor dos tributos devem-se adequar aos custos que o sujeito passivo gera na
Administração, ou aos benefícios que a Administração lhes proporciona.
O princípio da igualdade da atuação da Administração impõe que a Administração trate
de modo idêntico os sujeitos passivos que se encontram numa situação idêntica e de modo
desigual os que se encontrem numa situação distinta. Tem-se pensado que admitir a
consensualização no Direito Tributário é um risco para a garantia do cumprimento do princípio
da igualdade tributária e da igualdade de atuação da Administração Tributária.
Na verdade, não existirá qualquer risco para o princípio da igualdade se for garantida
a transparência no desenvolvimento de todo o processo de mediação, nomeadamente através
da publicidade. De facto, qualquer processo de mediação em matéria tributária deverá ser
enformado pelo princípio da publicidade, nomeadamente do acordo celebrado entre a
Administração Tributária e o sujeito passivo. Além disso, a consensualização permite uma
maior troca de informação entre o sujeito passivo e a Administração Tributária, favorecendo,
desta forma, uma tributação mais em conformidade com a sua situação económica, ou com
o benefício que obteve da atuação da Administração24.
1.2.4. A exigência constitucional da mediabilidade dos litígios em
matéria jurídico-tributária
Em suma, pelas razões expostas, os três princípios supra analisados não representam
um impedimento, em absoluto, à mediabilidade dos litígios em matéria jurídico-tributária.
Parece-nos, aliás, que se fizer uma leitura muito atenta da Constituição da República
Portuguesa, que esta não nega a consensualização em matéria tributária, parecendo,
inclusivamente, admiti-la. Basta que se atente, de uma forma coordenada, ao Direito de
24 Luís María Romero Flor, ‘Las Actas Con Acuerdo En La Ley General Tributaria Y En El Derecho Comparado’ (Universidad
de Castilla-la Mancha, 2010), p. 84 <https://ruidera.uclm.es/xmlui/bitstream/handle/10578/1444/LAS ACTAS CON ACUERDO EN
LA LEY GENERAL TRIBUTARIA Y EN EL DERECHO COMPARADO.pdf?sequence=1>.
Participação, por um lado, e aos objetivos do nosso sistema fiscal, por outro lado, bem como
ao Direito Fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais.
Com efeito, o artigo 267.º, n.º 1, da CRP, consagra que a Administração Pública,
maxime Administração Tributária, tem o dever de «assegurar a participação dos interessados
na sua gestão efetiva». Uma leitura atenta do incisivo legal remete-nos para a admissibilidade
de instrumentos de consensualização, como a mediação, não só no Direito Administrativo,
mas, também, no Direito Tributário. A participação dos interessados no exercício da função
administrativa é um pressuposto jurídico-fundamental, que obriga os órgãos administrativos
não só a não impedir ou limitar o Direito de Participação, como, também, a fomentar a sua
realização no ordenamento jurídico. Aplicado às relações jus-tributárias, o Direito de
Participação deve ter como consequência a participação dos cidadãos na realização do
interesse público em matéria tributária.
Por sua vez, o artigo 103.º, n.º 1, da CRP, consagra os objetivos fundamentais do
sistema fiscal, que se reconduzem, essencialmente, à satisfação das necessidades
financeiras do Estado e de outras entidades públicas e a uma repartição justa dos rendimentos
e da riqueza. De uma leitura conjugada deste artigo 103.º, n.º 1, com o supra citado artigo
267.º, n.º 1, da CRP, parece resultar que a participação dos cidadãos é um pressuposto
fundamental para se proceder a uma definição das necessidades financeiras do Estado e
demais entidades públicas, bem como para se proceder a uma repartição justa dos
rendimentos e das riquezas que existem no nosso ordenamento jurídico. A realização dos
objetivos fundamentais do sistema tributário implica o Direito de os cidadãos participarem
nessa mesma realização. Desde logo, porque eles são partes diretamente interessadas e
porque a Constituição lhe assegura essa participação. Assume-se, pois, como tarefa
fundamental do Estado garantir essa participação, criando as condições necessárias para um
bom relacionamento entre a Administração Tributária e os sujeitos passivos. Incumbe, deste
modo, ao Estado, no exercício da função legislativa, possibilitar a participação efetiva dos
cidadãos na prossecução do interesse público em matéria tributária. A participação constitui,
inclusivamente, uma condição fundamental para uma tributação mais conforme com a
capacidade contributiva, ou com o benefício que o sujeito passivo retira da atuação da
Administração, o que parece promover, desde logo, uma maior justiça tributária25.
Mas não só do Direito de Participação decorre uma exigência constitucional da
consagração da mediação no ordenamento jurídico-tributário. Basta que se pense no Direito
25 Como refere JOÃO TABORDA DA GAMA, «a participação procedimental dos administrados no procedimento tributário,
constitucionalmente prevista e legalmente regulada, leva a que entre ambos se vão esclarecendo dúvidas, aproximando posições
e reduzindo atritos» (João Taborda da Gama, ‘Contrato de Transacção Do Direito Administrativo E Fiscal’, in Estudos Em
Homenagem Ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles - Volume V -, ed. by António Menezes Cordeiro, Luís Menezes Leitão,
and Januário da Costa Gomes (Almedina, 2003), p. 607 a 694 (p. 670).
Fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais, dele se devendo fazer uma interpretação
atualista. Tem-se afirmado que o Direito Fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais
comporta duas dimensões fundamentais, nomeadamente o Direito de acesso ao Direito e o
Direito de acesso aos Tribunais.
A primeira dimensão deste Direito Fundamental, ou seja, o acesso ao Direito, inclui
todas as vias de acesso, ou de exercício prático do Direito, que não sejam jurisdicionais.
Julgamos, na verdade, que o artigo 20.º, da CRP, não pode ser interpretado como
consagrando um Estado totalmente Judiciário, ou seja, como um Estado em que o Direito se
realiza apenas através do acesso aos Tribunais. De facto, o acesso ao Direito vai bem mais
longe do que isso. A garantia de acesso ao Direito pode e deve realizar-se de diversas formas.
É, com efeito, do nosso entendimento, dada a pluralidade de meios que, hoje, permitem o
acesso ao Direito, que se deve fazer uma interpretação atualista desta dimensão do Direito
Fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais. Com base nessa interpretação atualista,
cabem, naturalmente, no conteúdo material do acesso ao Direito, todos os instrumentos de
resolução de litígios que não impliquem, necessariamente, uma decisão jurisdicional no
âmbito de um Tribunal, tal como a mediação. Na verdade, a mediação assegura a realização
da justiça e do Direito, mas sem a necessidade do recurso à decisão jurisdicional no âmbito
de um Tribunal, incorporando e assegurando, assim, a realização desta dimensão
fundamental do Direito Fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais. Assim, pode, em
nosso entendimento, afirmar-se que de uma interpretação atualista da dimensão do acesso
ao Direito deste Direito Fundamental decorre a exigência constitucional da consagração de
meios de resolução de litígios como a mediação, nomeadamente em matéria tributária, pois
eles garantem a sua realização.
Repare-se que são várias as vantagens que, do ponto de vista do acesso ao Direito,
decorrem da utilização da mediação. Desde logo, a mediação é um meio de resolução de
litígios, em regra, mais célere do que o recurso aos meios adjudicatórios, como os Tribunais
do Estado e os Tribunais arbitrais. Além disso, a mediação pode, inclusivamente, prevenir a
existência futura de litígios, na medida em que contribui para uma maior aproximação das
partes, neste caso, da Administração Tributária e do sujeito passivo. De facto, a mediação
permite um diálogo entre o sujeito ativo e o passivo da relação jurídica tributária que os meios
adjudicatórios não permitem. Nesta medida, a mediação, enquanto instrumento de
consensualização entre as partes, pode contribuir para a criação de uma maior consciência
ético-tributária.
A justiça tributária será enformada pelo Direito Fundamental de acesso ao Direito e
aos Tribunais se permitir, no âmbito de matérias em que a consensualização seja admissível,
uma célere consensualização dos litígios, através de instrumentos de resolução de litígios
como a mediação, a qual pode, inclusivamente, contribuir, para uma maior prevenção de
litígios. Repare-se, contudo, que apesar da exigência constitucional da consagração de meios
alternativos de resolução de litígios em matéria tributária que visem a consensualização, como
a mediação, tal não significa que estes instrumentos se possam substituir aos Tribunais,
nomeadamente aos Tribunais do Estado. De facto, nem todos os litígios podem ser subtraídos
à jurisdição pública26, nem o Estado pode deixar de assegurar a realização da justiça, através
dos seus Tribunais e do ius puniendi dos juízes que os integram.
2. A mediação tributária numa perspetiva de direito comparado: o caso norte-
americano e italiano – breve referência
Nos E.U.A, a mediação em matéria tributária foi introduzida no Internal Revenue Code
pelo Internal Revenue Service Restructuring and Reform Act of 1998. Atualmente, o Internal
Revenue Service, através do Office of Appeals, oferece aos sujeitos passivos,
essencialmente, três programas de mediação. Esses três programas de mediação destinam-
se a diferentes tipos de sujeitos passivos e a diferentes fases do procedimento tributário, e
incluem, designadamente o Fast Track Settlement, o Fast Track Mediation e, ainda, o Post
Appeals Mediation.
O Fast Track Settlement oferece aos sujeitos passivos (large Business and
International, Small Business/Self-Employed e Government Entities) a possibilidade de
resolverem os seus litígios, o mais cedo possível, ainda na fase de examination process. O
objetivo é resolver o litígio no prazo de 60 ou 120 dias, conforme o tipo de sujeito passivo e a
partir do momento em que é feito o pedido. Para o efeito, é escolhido um mediador que integra
o Office of Appeals do Internal Revenue Service, que tem por função auxiliar o sujeito passivo
e o Internal Revenue Service a chegar a um acordo. Neste âmbito, o mediador do Office of
Appeals pode definir as regras e os termos do processo de mediação; pode reunir conjunta
ou separadamente com as partes; e, finalmente, pode fazer propostas de acordo, as quais
podem, ou não, ser aceites pelas partes27.
26 Isto se a mediação for privada. Existem, contudo, sistemas de mediação que são públicos. Por exemplo, o nosso sistema
de mediação familiar, criado pelo despacho n.º 18 778/2007, de 13 de julho, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de
agosto, tendo entrado em funcionamento em 16 de julho de 2007; o nosso sistema de mediação laboral, foi criado através de um
Protocolo celebrado em 5 de maio de 2006 entre o Ministério da Justiça e a Confederação da Indústria Portuguesa (CIP),
Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), Confederação do Turismo Português (CTP), Confederação dos
Agricultores de Portugal (CAP), Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP - IN) e a
União Geral dos Trabalhadores (UGT); e, finalmente, o nosso sistema de mediação penal, instituído no nosso ordenamento
jurídico pela lei n.º 21/2007, de 12 de junho. Assim, poderá pensar-se, igualmente, na criação de um sistema público de mediação
tributária.
27 As regras a que deve obedecer o Fast Track Settlement constam do Revenue Procedure 2003-40, disponível em
http://www.irs.gov/pub/irs-drop/rp-03-40.pdf. Na doutrina, para mais informações sobre este programa veja-se, entre outros,
David Parsly, ‘The Internal Revenue Service and Alternative Dispute Resolution: Moving From Infancy to Legitimacy’, Cardozo
Journal of Conflict Resolution, Vol. 8 (2007), 677 a 715 (p. 691 a 695).
O Fast Track Mediation, contrariamente ao Fast Track Settlement apenas se destina a
Small Business/Self-Employed, cujos litígios surgam na fase de collection process. A partir do
momento em que é feito o pedido, o processo de mediação deverá estar concluído no prazo
de 40 dias. Em termos procedimentais, o Fast Track Mediation é muito semelhante ao Fast
Track Settlement.
No Post Appeals Mediation, os sujeitos passivos só podem a ele aceder depois de
esgotado o tradicional processo de recurso. Atualmente, a utilização do Post Appeals
Mediation não está adstrita a determinados sujeitos passivos, podendo ser utilizada, tal como
o Fast Track Settlement, pelos large Business and International, Small Business/Self-
Employed e Government Entities, não está limitada a questões de valor superior a 1 milhão,
nem a questões meramente factuais, podendo incidir, igualmente, sobre questões de direito.
A resolução do litígio deve concluir-se no prazo de entre 60 a 90 dias. De modo idêntico aos
demais programas de mediação supra referidos, também o mediador será um funcionário do
Office Appeals do Internal Revenue Service. No entanto, possibilita-se que o sujeito passivo
indique um co-mediador que não integre o Office Appeals, sendo que, neste caso, as custas
ficarão inteiramente a seu cargo28.
Em Itália, a mediazione tributaria é um instrumento recente, tendo aí sido instituído
pelo artigo 39.º, n.º 9, do decreto-legge di 6 de luglio, de 2011, que adicionou ao decreto
legislativo n.º 546/92, di 31 di dicembre o artigo 17.º Bis, intitulado «Il reclamo e la mediazione»
(itálico nosso).
De acordo com o diploma citado, o sujeito passivo que entenda recorrer
jurisdicionalmente de um ato da Agenzia, deve, nas questões de valor inferior a 20.000€,
apresentar, previamente, uma reclamação. É no âmbito dessa reclamação, que é obrigatória,
que o sujeito passivo pode, ou não, apresentar uma proposta de mediazione tributaria. Essa
proposta de mediazione tributária deve ser devidamente motivada e fundamentada, não
devendo, o sujeito passivo, limitar-se a pedir a anulação total ou parcial do ato. A reclamação,
com a proposta de mediação, é apresentada na junta da Direzione provinciale ou da Direzione
regionale de que depende o órgão que haja praticado o ato, devendo esta proceder ao seu
reencaminhamento para junto de um departamento jurídico autónomo aí sedeado. Estes
departamentos analisam a proposta apresentada e podem aceitá-la, ainda que parcialmente,
rejeitá-la, ou então, apresentar uma contraproposta de mediazione, tendo em atenção o
princípio da economicidade da ação administrativa. O acordo é celebrado mediante o
assentimento de l’Ufficio e do sujeito passivo que o devem assinar e concretiza-se com o
pagamento, pelo sujeito passivo, do montante acordado. Este procedimento de mediazone
28 As regras a que deve obedecer o Post Appeals Mediation constam, atualmente, do Revenue Procedure 2014-63,
disponível em http://www.irs.gov/irb/2014-53_IRB/ar10.html.
tributaria tem, ainda, como vantagem, para o sujeito passivo, o facto de este beneficiar de
uma redução da sanção administrativa na proporção de 60%.
Este procedimento de mediazione tributaria, assume, na verdade, algumas
peculiaridades que nos fazem rejeitar a sua classificação como uma verdadeira mediação.
Desde logo, porque não se está, neste procedimento, perante um verdadeiro mediador, na
medida em que ele se confunde com uma das partes (l’Ufficio).
3. Conclusões
I) A mediação é um meio alternativo de resolução de litígios, tal como o são a
arbitragem e a conciliação.
II) Pode definir-se a mediação como um meio alternativo de resolução de litígios no
âmbito do qual intervém um terceiro, neutro e imparcial, que tem por objetivo
aproximar e auxiliar as partes na obtenção de um acordo, podendo, para o efeito,
sugerir acordos, mas que, frustrada a mediação, não tem qualquer poder
adjudicatório sobre o processo.
III) Na medida em que o terceiro, mediador, não tem qualquer contacto com o
processo jurisdicional, a mediação distingue-se da conciliação e na medida em que
o mediador não tem qualquer poder de imposição às partes de uma decisão,
distingue-se da arbitragem.
IV) Ao contrário da mediação, a arbitragem é uma realidade que já existe no
ordenamento jurídico português.
V) São vários os obstáculos que se podem levantar à mediabilidade dos litígios em
matéria jurídico-tributária, nomeadamente o princípio da legalidade, o princípio da
igualdade e o princípio da indisponibilidade do crédito tributário.
VI) Tais obstáculos do foro principológico não constituem um impedimento, em
absoluto, à mediabilidade dos litígios em matéria tributária, desde logo porque é
possível uma interpretação daqueles princípios que não só aceita a mediação em
matéria tributária como a exige.
VII) A própria Constituição da República Portuguesa não proíbe, mas, pelo contrário,
exige a existência de meios alternativos de resolução de litígios em matéria
tributária, como a mediação. Isto por força do Direito de Participação, consagrado
no artigo 267.º, n.º 1, da CRP, e do Direito Fundamental de acesso ao Direito e
aos Tribunais, consagrado no artigo 20.º, da CRP.
VIII) A mediação tributária, ainda que com uma configuração ligeiramente diferente
daquela que pensamos para o ordenamento jurídico português (verdadeira
mediação, em nosso entendimento), particularmente da modalidade presente no
ordenamento jurídico italiano (temos algumas dúvidas de que a mediazione
tributaria configure uma mediação, tal como a conceituamos), está prevista em
alguns ordenamentos jurídicos, nomeadamente nos E.U.A e em Itália.
IX) Perante a factualidade descrita, estamos em crer que, efetivamente, a mediação é
uma realidade a pensar para o futuro da resolução de litígios em matéria tributária,
no ordenamento jurídico português.
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