UNIVERSIDADE DE SOROCABA
PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS
Marcela Nohama
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO
FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-
WEENSY MONSTER
Sorocaba/SP
2011
Marcela Nohama
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO
FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-
WEENSY MONSTER
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como exigência parcial para obtenção do
Diploma de Graduação em Letras Português e
Inglês, da Universidade de Sorocaba.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes
Sorocaba/SP
2011
Marcela Nohama
A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO
FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-
WEENSY MONSTER
Trabalho de Conclusão de Curso aprovado
como requisito parcial para obtenção do
Diploma de Graduação em Letras Português e
Inglês, da Universidade de Sorocaba.
Aprovado em:
BANCA EXAMINADORA:
Ass.:______________________
Pres.; Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes, UNISO
Ass.: ______________________
1º Exam.:
Ass.: ______________________
2º Exam.:
“O olhar correto só enxerga uma única direção... mas o
„outro‟ olhar, que enxerga tudo distorcido, vê uma
infinidade de direções que se pode tomar. E é nessas
direções que a gente encontra as coisas mais inusitadas.”
Masami Tsuda1
1 In: TSUDA, Masami. Eesy-weensy Monster. São Paulo: Panini Brasil Ltda, 2009 (v.2, p.139)
RESUMO
Este trabalho faz uma análise das personagens Nanoha Satsuki e Hazuki
Tokiwa do shoujo mangá Eensy-weensy Monster, da autora Masami Tsuda. O
objetivo principal é investigar a ideologia por trás da representação visual das
personagens e a demonstração do seu amadurecimento psicológico. A
fundamentação teórica busca encontrar as respostas nos dados da história em
quadrinhos levantados por Luyten (1985) e Feijó (1997), nos elementos constituintes
dos quadrinhos de Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot (1994), McCloud
(2005), na cultura pop japonesa de Gravett (2006), Luyten (2000, 2001-2002, 2005),
na personagem de Brait (1985), e nos elementos diferenciais do mangá destacados
por McCloud (2005, 2006, 2008). O trabalho divide-se em quatro capítulos. O
primeiro capítulo constitui da fundamentação teórica citada acima, o segundo a
metodologia utilizada, o terceiro a análise e discussão de dados, e o quarto as
considerações finais. Assim o estudo realizado conclui que determinados elementos
são utilizados como recurso para transmitir a ideologia e demonstrar o abstrato das
personagens.
Palavras-chave:
História em quadrinhos. Linguagem. Cultura japonesa. Mangá. Personagem.
ABSTRACT
This study is an analysis of characters Nanoha Satsuki and Hazuki Tokiwa in
the shoujo manga Eensy-weensy Monster, by Masami Tsuda. The main objective is
to investigate the ideology behind the visual representation of characters and the
demonstration of their psychological maturation. The theoretical foundation seeks to
find the answers in the data of comics collected by Luyten (1985) and Feijó (1997);
the constituent elements of comics by Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot
(1994) and McCloud (2005); japanese pop culture by Gravett (2006) and Luyten
(2000, 2001-2002, 2005); the character by Brait (1985); and the differential elements
of the manga seconded by McCloud (2005, 2006, 2008). The work is divided into four
chapters. The first chapter provides the theoretical framework mentioned above,
according to the methodology used, the third review and discussion of data, the
fourth and final considerations. Thus the study concludes that certain elements are
used as a resource to transmit the ideology and demonstrate the abstract characters.
Keywords:
Comics. Language. Japanese culture. Manga. Character.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1. REVISÃO TEÓRICA ............................................................................................. 10
1.1 História das Histórias em quadrinhos .......................................................... 10
1.2 Histórias em quadrinhos no Brasil ............................................................... 13
1.3 Linguagem dos quadrinhos .......................................................................... 15
1.3.1 O corpo humano ........................................................................................... 15
a) Gesto .............................................................................................................. 16
b) Postura ........................................................................................................... 16
c) Expressões faciais .......................................................................................... 16
1.3.3 Estilos de desenho ........................................................................................ 16
1.3.4 Quadrinho ou Vinheta ................................................................................... 17
1.3.10 Enquadramento ........................................................................................... 17
a) Planos ............................................................................................................. 17
b) Ângulos de visão ............................................................................................ 18
1.3.5 Requadro ...................................................................................................... 18
1.3.6 Hiato, Elipse ou Sarjeta ................................................................................. 19
1.3.7 Movimento..................................................................................................... 19
1.3.8 Tempo ........................................................................................................... 20
1.3.9 Sequência e Transição ................................................................................. 20
1.3.10 Balão ........................................................................................................... 21
1.3.11 Texto ........................................................................................................... 22
a) Fixação ........................................................................................................... 22
b) Ligação ........................................................................................................... 22
1.3.12 Legenda ...................................................................................................... 22
1.3.13 Onomatopéias ............................................................................................. 22
1.3.14 O texto Figura ............................................................................................. 23
1.3.15 Caracteres gráficos ..................................................................................... 23
1.3.16 Narrativa ..................................................................................................... 23
1.4 A história do Mangá ....................................................................................... 24
1.5 Shoujo Mangá: quadrinhos para meninas ................................................... 26
1.6 Josei Mangá: quadrinhos para mulheres .................................................... 27
1.7 A chegada dos mangás no Brasil ................................................................. 29
1.8 Elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos .................. 30
1.8.1 Colagem ou inserção .................................................................................... 31
1.8.2 Expressionismo ............................................................................................. 31
1.8.3 Ligação palavra-imagem ............................................................................... 31
a) Escrita Japonesa ............................................................................................ 32
b) Onomatopeias ................................................................................................ 32
1.8.4 Movimento subjetivo ..................................................................................... 33
1.8.5 Personagens icônicos ................................................................................... 33
1.8.6 Efeito camuflador .......................................................................................... 33
1.8.7 Formatos ....................................................................................................... 34
1.8.8 Narrativa ....................................................................................................... 34
a) Transição de quadros: .................................................................................... 35
b) Enquadramento .............................................................................................. 35
1.9 Personagem.................................................................................................... 36
1.10 Personagens dos mangás em geral ............................................................... 36
1.11 Personagens dos mangás femininos ............................................................. 37
2. METODOLOGIA .................................................................................................... 38
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS .................................................................. 39
3.1 Eensy-Weensy Monster ................................................................................... 39
3.1.1 Nanoha Satsuki ............................................................................................. 40
3.1.2 Hazuki Tokiwa ............................................................................................... 41
3.2 Colagem ou Inserção ....................................................................................... 43
3.3 Expressionismo ................................................................................................ 44
3.4 Ligação Palavra-Imagem ................................................................................. 49
3.5 Movimento Subjetivo ........................................................................................ 54
3.6 Personagens Icônicos ...................................................................................... 54
3.7 Efeito Camuflador Ou Efeito Máscara .............................................................. 55
3.8 Formatos .......................................................................................................... 57
3.9 Narrativa .......................................................................................................... 58
3.10. DISCUSSÃO DE DADOS ............................................................................. 60
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 61
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64
8
INTRODUÇÃO
Devido à expansão dos mangás (histórias em quadrinhos japoneses) pelo
mundo, e principalmente no Brasil, aonde vem sendo publicados uma grande
variedade de mangás - já traduzidos e adaptados para nossa língua materna -, e
periódicos nacionais como “Turma da Mônica Jovem” e “Luluzinha teen e sua turma”
- gibis inspirados no estilo mangá - surgiu a dúvida sobre o que poderia ser
considerado mangá e o porquê de fazer tamanho sucesso.
Estudando sobre mangá, um diferencial que podemos encontrar, e um dos
possíveis pontos de seu sucesso, é o sistema de mercado de quadrinhos do Japão.
As histórias são publicadas em capítulos em revistas periódicas com mais de 400
páginas em papel jornal. Cada uma dessas revistas é voltada para públicos de
diferentes faixas etárias e gêneros. Dentro dessa segmentação de mercado, temos
os shoujo mangás, voltados para o público feminino jovem, entre 10 a 18 anos, e os
chamado josei, voltados para o público feminino adulto.
Nessa diversidade, o que mais nos interessa destacar são os quadrinhos para
o público feminino, uma vez que quando se fala no assunto, imediatamente não se
pensa no público feminino como uma potencial massa de leitores.
Outro diferencial dos mangás são seus personagens, tanto no modo estético
visual de representação, que podem ser percebidos pelos seus olhos
exageradamente grandes e nos traços simples, como no seu desenvolvimento em
demonstrar suas emoções e seu crescimento físico e psicológico, através de ações
durante a história e a narrativa.
Durante a infância acompanhando os animes (como são chamados as
animações japonesas) como Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Pokémon,
Digimon, Sakura CardCaptor entre outros, que foram transmitidos na televisão e que
depois virariam “febre” entre a garotada, acabei me tornando uma fã, copiando e
desenhando os personagens.
Depois da “febre” dos animes, chegaria a “febre” dos mangás. Hoje temos
uma modesta variedade sendo publicadas por editoras como a JBC e a Panini.
Como ávida leitora, a fascinação pelos mangás foi tamanha a ponto de me
tornar mais uma aspirante a mangaká (quadrinista de mangá), por isso o meu
interesse é crescente para saber quais são os elementos essenciais na hora de
9
compor uma história em quadrinhos tão dinâmica e atrativa quanto são os mangás.
Também como parte desse público que se identifica, simpatiza e se comove com as
personagens, cheguei a ler alguns livros e artigos sobre o assunto e conclui meu
ponto de partida para este trabalho: as personagens do mangá feminino.
O mangá voltado para o público feminino é um assunto que ainda não foi
estudado tão profundamente. Da primeira publicação de uma revista de mangá para
garotas, o Shoujo Club de 1923, até os dias atuais, muita coisa mudou (e espero que
ainda mude), os temas, elementos gráficos, e técnicas mudaram, com o uso da
computação gráfica, as novas tecnologias e também as novas ideologias, a cada dia
que passa a mulher está ganhando seu espaço no mercado de trabalho.
Esse trabalho pretende contribuir, com um pouco de tudo o que foi falado
sobre os personagens de mangá para o público feminino, numa análise mais
profunda, dando alguns exemplos de personagens que são encontrados em alguns
dos mangás femininos publicados aqui no Brasil.
Para atender aos objetivos dessa análise, procurei responder as seguintes
questões:
1. Qual é a ideologia por trás da representação visual das personagens?
2. Como é demonstrado o amadurecimento psicológico das
personagens?
Assim esse trabalho se justifica pela importância dos leitores numa reflexão
de suas leituras, principalmente as do cotidiano, para não acabarem se
transformando em seres alienados, tentando apenas fugir da realidade em que
vivem.
10
1. REVISÃO TEÓRICA
1.1 História das Histórias em quadrinhos
Esse capítulo retomará a história em quadrinhos em geral.
De acordo com Luyten (1985, p.16) “as origens das histórias em quadrinhos
estão justamente no início da civilização, onde as inscrições rupestres nas cavernas
pré-históricas já revelavam a preocupação de narrar os acontecimentos através de
desenhos sucessivos.” Mosaicos, afrescos, tapeçarias e várias outras técnicas foram
utilizadas para registrar a história através de uma sequência de imagens.
De acordo com McCloud (1995, p.17) “o pai dos quadrinhos modernos é
Rodolphe Töpffer, cujas histórias com imagens satíricas, iniciadas em meados do
século XIX, empregavam caricaturas e requadros – além de apresentar a primeira
combinação interdependente de palavras e figuras na Europa.”
Porém, conforme Luyten conta, os pesquisadores convencionaram tomar
como marco inicial das histórias em quadrinhos o aparecimento de Yellow Kid, do
norte-americano Richard F. Outcault, no jornal New York World.
As grandes vendagens fizeram os empresários dos jornais enxergarem o
potencial dos quadrinhos. Desse modo mais publicações do tipo vieram a seguir,
como The Katzenjammer Kids de Rodolph Dirks.
Esses quadrinhos apareciam como suplementos dominicais. Só a partir de
1907 iria aparecer a tira diária, Mutt e Jeff, de Bud Fisher, abrindo novo espaço e
tomando o lugar do formato dos quadrinhos anterior.
Antes os quadrinhos para jornal eram uma ocupação dentro da indústria
jornalística. Luyten conta que “a grande difusão das HQ foi realmente conseguida
graças ao esquema dos syndicates ou agências distribuidoras.” O primeiro syndicate
foi o Internacional News Service, criado por Hearst em 1912.
Esses syndicates empregavam desenhistas para produzir séries de histórias,
que eram enviadas para jornais e editoras com contrato assinado. Eram elas que
cuidavam também dos direitos autorais e do merchandising.
Em 1929, a„quebra‟ da Bolsa de Nova Iorque gera uma crise mundial. É nessa
época que surgem as histórias de aventura. Desse gênero se destacam as histórias
de Tarzan, Flash Gordon e Príncipe Valente. “É como se os heróis envolvidos nas
11
histórias compensassem as perturbações e inseguranças da triste realidade e todos
resolvessem fugir para lugares desconhecidos.” (LUYTEN, 1985, p.26)
Nessa época, na Europa, temos a criação de Tintin, do belga Hergé, que ao
invés de jornais, publica suas histórias em álbuns.
Ainda nesse início dos anos 30, aparece um desenho animado do famoso
Mickey Mouse, de Walt Disney, que logo depois passa para as revistas de
quadrinhos.
Em 1939, com a Segunda Guerra Mundial, os heróis de aventura já não eram
mais suficientes para manter a moral da população. Então surge o Super-Homem,
personagem dos jovens Joe Shuster e Jerry Spiegel.
Entrando na guerra, os EUA começam a divulgar suas mensagens de
propaganda ideológica. O herói que representou mais fortemente esse ideal foi o
Capitão América, declarando publicamente ser inimigo dos nazistas. Com seu
uniforme listrado e estrelado representava a própria bandeira americana.
Além dos EUA, outros países se apropriaram dos quadrinhos com finalidades
políticos. Na China, com a tomada dos comunistas em 1949, desenvolveu-se os
“Quadrinhos de Mao”, instrumento de educação e formação ideológica, inserindo os
pensamentos de Mao Tsé-Tung
A partir dos anos 40, começam a aparecer quadrinhos como Pogo, de Walt
Kelly, abordando temas sociais e políticos de sua época através de personagens
animais com cara de gente. Os quadrinhos passam a ter uma característica mais
pensante.
Nos anos 50, Charles Schulz, revoluciona com uma história aparentemente
inocente: Peanuts. Os personagens eram crianças que questionavam o mundo,
fazendo o leitor refletir junto. Na Argentina, temos Mafalda, de Quino.
Na França, temos Asterix, de R. Gosciny e A. Uderzo, com a inovação nos
diálogos, jogos de palavras e caracteres gráficos que exprimem determinada língua
estrangeira falada pelos personagens, os estereótipos que todos os povos faziam
entre si.
Em 1952 aparece a revista Mad, liderada por Harvey Kurtzman, satirizando
tudo: desde filmes famosos, programas de TV e até mesmo as próprias histórias em
quadrinhos. A partir dela houve um legado de outras revistas satíricas: a francesa
Hara-Kiri, e as brasileiras Crazy, Pancada, Plop, Klik e Gripho.
Depois da guerra, os quadrinhos tiveram uma fase bem difícil. Além da falta
12
de recursos começaram a enfrentar uma série de artigos e livros acusando os
quadrinhos de serem a causa dos males da sociedade. O livro que fez maior estrago
foi A Sedução dos Inocentes (1952), de Frederic Wertham.
Em 1951 a Primeira Exposição Internacional de História em Quadrinhos é
organizada, por Álvaro de Moya, Jaime Cortez, Reinaldo de Oliveira, Miguel
Penteado, e outros artistas brasileiros. Essa exposição aconteceu na cidade de São
Paulo, tendo debates, análises, comparações; discussões sobre história, técnica,
estética, comunicação de massa e até a própria campanha contra os quadrinhos. Foi
também um espaço de reivindicação dos profissionais, que ganhavam a vida
traduzindo e adaptando material estrangeiro, mas pediam por um verdadeiro
quadrinho nacional. O evento ainda contou uma exposição de originais dos artistas
Milton Caniff, Al Capp, Alex Raymond, Hal Foster, Burne Hogarth e muitos outros.
Em 1962, Barbarella, do francês Jean-Claude Forest, foi criada, tornando-se o
carro-chefe das heroínas eróticas. Essa posição, tornando mulheres como heroínas
das histórias, era um reflexo da própria evolução da mulher na sociedade moderna.
Também é nos anos 60 que o movimento underground alastra-se para os
quadrinhos. Exemplo disso é Fritz the Cat, criado em 1967 por Robert Crumb. Sobre
esse período Luyten destaca que foi uma etapa importante como forma de protestar
num período de bastante agitação social. Os temas abordados eram as
comunidades marginais, a sexualidade, os hippies, a violência, as drogas e a
ecologia.
Nos EUA, além do movimento underground há grande efervescência na
produção dos novos super-heróis. Stan Lee os deixa mais humanizados, cheios de
defeitos, problemas e dúvidas. Foram criados: Homem-Aranha, Surfista Prateado,
Hulk, X-men, Thor, Homem de Ferro, Os vingadores, Demolidor, e recriados: Tocha
Humana, Namor e Capitão América.
Nos anos 70, o gênero fantasia heróica aparece, são temas misturados com
ficção científica, canções de cavaleiros e feitiçaria. Nos EUA, os mais conhecidos
foram Blackmark e Annikki.
Em termos editoriais, a França, em 1974, aparece com a revista Métal
Herlant, cujos fundadores foram Druillet, Grot, Dionnet e Farkas. Druillet cria um
novo tipo de anti-herói: Vuzz, um personagem misterioso vindo de algum planeta
perdido da galáxia.
A produção de 80 na América do Norte está voltada para as minisséries,
13
lembrando um pouco as antigas novelas em capítulos. Elas representavam uma
nova fase das HQ. Na apresentação gráfica há influência do estilo do desenhista Will
Eisner. E o ocidente vai começar a buscar inspiração nas HQ japonesas tanto em
conteúdo como no estilo.
Nos anos 90, surge Universo 2099, uma coleção de títulos da editora Marvel,
ambientada no final do século XXI, em que vários personagens tradicionais ganham
novas versões ciberpunks. Ainda nessa década, Feijó (1997, p.77) descreve que:
“Várias tiras cômicas criadas para publicação em jornal, como a série Dilbert, já
foram adaptadas com sucesso para a Internet.” A informática também vai
revolucionar o modo de fazer e publicar quadrinhos.
Concluindo essa parte, podemos notar a influência dos fatos históricos sobre
as histórias em quadrinhos, assim como todos os outros meios de arte e
comunicação são influências também pela tecnologia e principalmente pela
criatividade.
1.2 Histórias em quadrinhos no Brasil
Esse tópico contará sobre a trajetória das histórias em quadrinhos no Brasil.
No Brasil, Luyten conta que nossa primeira revista de quadrinhos chamava-se
O Tico Tico, surgindo em 1905 e terminando em 1960. A revista, voltada para
crianças, tinha poucas páginas de quadrinhos, sendo o resto textos de curiosidades,
fábulas e fatos sobre a história do Brasil. Nela aparecem a história de Reco Reco,
Bolão e Azeitona, de Luís Sá, e Jujuba, Carrapicho e Lamparina, de J. Carlos.
Nos anos 30, o jornal A Gazeta, lança a Gazeta Infantil ou Gazetinha, que se
caracteriza pela publicação de quadrinhos tanto estrangeiros como nacionais.
Outro do tipo foi o Suplemento Juvenil, pelo jornal carioca A Nação, com um
dos maiores editores de quadrinhos do Brasil: Adolfo Aizen, que logo depois,
fundaria a EBAL (Editora Brasil-América Ltda.).
Em 1939 aparece a revista Gibi. A palavra significava moleque, mas a revista
se tornou tão popular que passou a designar tudo que é revista de HQ no Brasil.
Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial e da campanha contra as HQ, a
revista O Herói conseguiu marcar o reinício da EBAL e a volta de Aizen às HQ. E a
partir de 1949 até a década de 60, a Edição Maravilhosa surge quadrinizando
14
importantes obras literárias estrangeiras e nacionais, como Os Sertões, de Euclides
da Cunha, Mar Morto, de Jorge Amado, O Menino de Engenho, de José Lins do
Rego, A Moreninha, de J. M. Macedo, O Guarani e muitas outras. Entre os
desenhistas estavam Nico Rosso e André Le Blanc.
A influência do público sobre personagens de programas radiofônicos, como
Vingador e o Capitão Atlas, de Péricles do Amaral, Jerônimo, o Herói do Sertão, de
Moisés Weltman; de palhaços do circo, como Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e
Torresco e Fred e Carequinha; e até do meio cinematográfico, como Oscarito e
Grande Otelo; motivaram editoras a lançarem uma série de histórias em quadrinhos.
Houve também grandes mestres do desenho numa tentativa de colocar nas
bancas mais heróis brasileiros. Foram lançados personagens como: Sérgio do
Amazonas, de Jayme Cortez, O Anjo, de Flávio Colin, e Raimundo, o Cangaceiro, de
José Lancelotti.
Ainda nesse movimento nacionalista, nasce o Pererê, de Ziraldo. Lançado em
outubro de 1960, a história teve toda uma ambiência brasileira, com os personagens
da “Mata do Fundão” e as propostas temáticas inspiradas em nossos costumes e
superstições, porém acaba em abril de 1964, alegando que a história vendia menos
que a estrangeira.
Na década de 60, no Brasil, houve destaque para as revistas de terror.
Publicava-se histórias traduzidas, iniciando o gênero em 1951 com o Terror Negro
pela Editora La Selva. Mesmo depois dos EUA terem parado as publicações desse
gênero, as editoras brasileiras continuaram. Foram criadas O Estranho Mundo do Zé
do Caixão, Histórias Caipiras de Assombração, Histórias que o Povo Conta, e Sexta-
feira 13. Com a censura e outros fatores o gênero terror termina no Brasil. A partir de
1972, passa-se a exigir a leitura prévia das revistas. “Isto porque, com a proliferação
de muitas revistas pornográficas, o sexo atingiu o terror.”, explica Luyten (1985,
p.77).
Em 1959, o personagem Bidu apareceu como o começo do sucesso de
Maurício de Souza. Depois vieram as publicações das tiras na Folha de S. Paulo e
suplementos dominicais só com seus personagens. No início dos anos 70, Marurício
de Souza conseguiu seus personagens Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e
Pelezinho, lançados pela Editora Abril. Luyten explica que parte desse sucesso se
deu pelo merchandising, a utilização de seus personagens em camisetas, toalhas,
produtos alimentícios e escolares, entre outros.
15
No início dos anos 70 nasce O Pasquim, dando uma reviravolta no estilo
jornalístico e revolucionando o humor do Brasil. Consagrou grandes desenhistas e
roteiristas como Jaguar, Henfil, Ziraldo e Fortuna. Com uma maneira simples e direta
das mensagens de profunda crítica social, O Pasquim foi apreendido inúmeras
vezes pela censura.
A revista Crás, lançada pela Abril, era promessa de espaço para o material
nacional. Passaram por ela Zélio, Perotti, Michele, Jayme Cortez, Michio e Ciça. Mas
a revista logo saiu das bancas para dar espaço aos quadrinhos Disney.
Nos anos 80, a Editora Graphipar, sob a capa de quadrinhos eróticos, para
garantir a venda ao público, manteve com uma produção 100% nacional. Seus
autores eram: Flávio Colin, Shimamoto, Watson, Seto, Athayde, Kussumoto e
Franco.
Nos anos 90, quem quisesse viver de quadrinhos precisava sair do país. Feijó
(1997, p.76) escreve que havia muitas oportunidades no estrangeiro. Vários artistas
como Rogério Cruz, Deodato Filho, Benedito e Luciano Queiroz, trabalham nos
EUA, assinando com pseudônimos, para que lá ninguém pense que as editoras
estão prestigiando gente de fora, ficando assim conhecidos por lá como Roger Cruz,
Mike Deodato Jr, Joe Bennett, Luke Ross.
1.3 Linguagem dos quadrinhos
Este tópico tratará dos elementos que compõe a linguagem das histórias
quadrinhos em geral.
De acordo com Cagnin: “A história em quadrinhos é um sistema narrativo
formado de dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho, e a
linguagem escrita.”
Podemos encontrar obras sem a linguagem verbal, só narrada pelos
desenhos. No entanto, a criação do balão para transmitir o discurso direto das
personagens, acabou se tornando um símbolo das histórias em quadrinhos. Desse
modo é importante destacar como a linguagem verbal é tratada nesse meio.
1.3.1 O corpo humano
Há grande importância em retratar o corpo humano nos quadrinhos:
16
Decididamente, a imagem mais universal com que o artista seqüencial tem
de lidar é a forma humana. De todo o inumerável inventário de imagens que
constituem a experiência dos homens, a forma humana é a mais
assiduamente estudada, e, portanto, a mais familiar. (EISNER, 1999, p.100)
Dentro dessa importante retratação temos:
a) Gesto
Nele Cagnin (1975, p.75) observa:
Alguns gestos representados nos desenhos não encontram um referente na
realidade. São criações dos próprios quadrinhos e certamente se originaram
do desejo de caricaturar ou da necessidade de acentuar ou exagerar as
formas para que fossem capazes de sugerir a ação.
b) Postura
Sobre ela Eisner (1999, p.105) comenta:
[...] é um movimento selecionado de uma sequência de momentos
relacionados de uma única ação. [...] é preciso selecionar uma postura, de
um fluxo de movimentos, para se contar um segmento de uma história. Ela
é então congelada no quadrinho, num bloco de tempo. E também é ela que
dará informações sobre o antes e o depois do evento. [...] A seleção, ou
“congelamento”, de posturas-chave procura comunicar o tempo, assim
como a emoção. Na narrativa, todas as posturas têm a mesma importância.
c) Expressões faciais
De acordo com Eisner (1999 p 109):
Na arte das histórias em quadrinhos é essa parte da anatomia que desperta
maior atenção e envolvimento. [...] Os movimentos musculares de
sobrancelhas, lábios, mandíbulas, pálpebras e maçãs do rosto respondem a
um comando emocional localizado no cérebro. [...] Seu papel na
comunicação é registrar emoções. [...] também dá sentido à palavra escrita
[...] é a parte mais individual do corpo.
1.3.3 Estilos de desenho
Sobre esse item comenta Cagnin (1975, p. 111):
17
Os desenhos têm o estilo próprio de cada artista; definem e identificam o
seu autor, sendo possível falar em desenho deste ou daquele desenhista.
[...] não há uma nomenclatura científica ou uma mescla para medir as
diferenças [...] O que é possível fazer é apresentar alguns exemplos de
desenhos realizados, numa tentativa de tipologia iconográfica em que se
percebam as diferenças do grau de estilização ou de semelhança com o
real (há desenhos em quadrinhos que são elaborados com modelos reais,
ou com auxílio de fotografias); do instrumental usado (bico-de-pena, pincel);
do estilo individual de alguns autores mais conhecidos; e dos recursos
expressivos usados na composição.
Nisso, Cagnin faz a divisão de desenho realista, estilizado e caricato.
1.3.4 Quadrinho ou Vinheta
Não confundir o quadrinho com o requadro, com a sua moldura apenas.
De acordo com Eisner (1999, p.38):
A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é
comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolve o
movimento de certas imagens (tais como pessoas e coisas) no espaço.
Para lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos no fluxo da
narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos seqüenciados.
Esses segmentos são chamados quadrinhos.
1.3.10 Enquadramento
No enquadramento, a imagem capturada pelo quadrinho é escolhida de modo
a mostrar diferentes planos e ângulos, de acordo com o propósito narrativo da
história a ser contada.
a) Planos
As HQ tiveram uma grande influência do cinema nesse aspecto. Por isso
esses elementos são muitas vezes chamados de planos cinematográficos. Temos
vários tipos de planos, de acordo com o livro de Didier Quella-Guyot (1994 p.44-41):
Plano Panorâmico e Plano Geral (ou de conjunto): cobrem espaços de dimensões
cada vez mais vastas em que as personagens, quando aparecem, têm tamanho bem
18
reduzido. Ligados a cenas de exposição, eles têm na maior parte do tempo um valor
descritivo.
Plano Médio: a personagem é valorizada. Tem uma função narrativa clássica; é com
ele que seguimos as personagens (visão dos pés à cabeça)
Plano Americano: apreendida mais de perto, a personagem nos é proposta cortada à
altura da metade da coxa.
Plano Italiano: como no Plano Americano, mas a personagem é cortado à altura dos
joelhos.
Plano dito “Aproximado”: cortam a personagem à altura da cintura, por vezes do
peito ou do ombro. Isolando o busto, o autor põe em relevo as expressões do rosto e
nos faz participar de perto de certas cenas de ação.
Primeiro Plano ou Primeiríssimo Plano: mostram partes do corpo ou de objetos,
concentram a atenção, isolam certos detalhes. Seu valor narrativo pode ser forte
(dramático) ou fraco (documentário).
b) Ângulos de visão
De acordo com Quella-Guyot (1994, p.41) “a „direção do olhar‟ é um elemento
fundamental de enquadramento, já que pode, a partir de um só e mesmo plano,
fazer variar a representação em função de valores a serem traduzidos.”
Sendo assim o ângulo pode ter visão:
Plana: vista de frente, horizontalmente, sem deformações.
Oblíqua: vista de lado, verticalmente;
Superior: vista de cima para baixo;
Inferior: vista de baixo para cima.
Dependendo do ângulo a ser usado, pode-se conseguir diferentes efeitos,
como o de redução da personagem ou o de engrandecimento.
1.3.5 Requadro
Sobre o Requadro Eisner (1999. p. 44) escreve: “Além da sua função principal
de moldura dentro da qual se colocam objetos e ações, o requadro do quadrinho em
si pode ser usado como parte da linguagem “não verbal” da arte seqüencial.”
Por exemplo: requadros retangulares com traçado reto podem sugerir que a
narrativa esteja no tempo presente; o traçado sinuoso ou ondulado é o indicador
19
mais comum de passado; além de poder transmitir outros sentidos, no caso de
expressar som, emoção ou pensamento, com a finalidade de envolver o leitor na
narrativa.
E ainda Eisner (1999, p. 45) escreve: “A ausência de requadro expressa
espaço ilimitado. Tem o efeito de abranger o que não está visível, mas que tem
existência reconhecida.”
1.3.6 Hiato, Elipse ou Sarjeta
É o espaço que fica vazio entre os quadros.
Sobre ele McCloud (1995, p. 66-67) comenta:
É aqui, no limbo da sarjeta, que a imaginação humana capta duas imagens
distintas e transforma em uma única idéia. Nada é visto entre os dois
quadros, mas a experiência indica que deve ter alguma coisa lá. Os quadros
das histórias fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo
recortado de momentos dissociados. Mas a conclusão nos permite conectar
esses momentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e
unificada.
1.3.7 Movimento
Sobre a sensação de causar movimento McCloud conta sobre as tentativas
de se capturá-lo e representá-lo em imagens estáticas. Escreve: “Duchamp, mais
preocupado com a idéia do movimento do que com a sensação reduziu o conceito
do movimento a uma única linha.”
Com o tempo, essas linhas de movimento foram ficando mais estilizadas, até
ganharem com Bill Everet e Jack Kirby a habilidade de representar ação com drama.
“Nesta abordagem tanto o objeto em movimento quanto os cenários são desenhados
num estilo claro, e o caminho do movimento é imposto sobre a cena.” (McCLOUD,
1999, p. 112)
Outros artistas tentaram efeitos como imagens múltiplas, procurando
envolver o leitor mais profundamente na ação. Outros ainda, como Gene
Colan, começaram a incorporar efeitos fotográficos com resultados
interessantes nos anos 60 e 70. (McCLOUD, 1999, p. 112-113)
20
1.3.8 Tempo
Quanto à noção do tempo na sequência narrativa, Cagnin (1975, p. 55)
separa:
O tempo enquanto sequência de um antes e um depois: não pode ser obtido
com uma só imagem. (...) Este caso se dá nas historinhas de um quadro só, quando
por elipse, se omitem um ou mais momentos de uma sequência. Numa série de
imagens fixas a sequência temporal é mais facilmente percebida.
O tempo enquanto época histórica: pode ser sugerido pelos informantes
secundários da própria imagem.
O tempo astronômico: enquanto divisão do dia, é facilmente sugerido pelos
tons e contrastes de tons, jogos de massas, ou pela utilização de uma figura que no
quadro tem a função exclusiva de indicar metonimicamente a noite do dia. (...)
O tempo meteorológico (calor, frio, chuva, neve, etc.): é traduzido diretamente
por figuras específicas (...)
O tempo da narração: como nas HQ se trata de mimese, ou representação
imitativa de uma ação, a narrativa é direta e tem-se, não exatamente uma narrativa,
mas uma representação. O tempo passado, portanto, é reconstruído em cada
quadro, torna-se presente à medida que é lido.
O tempo de leitura: na leitura linear dos quadros em sequência, embora os
tenhamos todos diante da vista, o tempo de leitura vai caminhando sem ser forçado,
como no cinema, nesta linearidade. Um quadrinho passará por três modalidades de
tempo:
- futuro (enquanto não lido);
- presente (no momento da leitura);
-passado (depois dela).
1.3.9 Sequência e Transição
Elementos importantes para o fluxo da narrativa. McCloud (2005, p. 74) faz
uma escala de transição quadro-a-quadro dividindo em:
movimento-pra-movimento: exige pouquíssima conclusão
ação-pra-ação: que apresentam um único tema em progressão distinta
tema-pra-tema (ou sujeito a sujeito): permanecendo dentro de uma cena ou
idéia. Há um grau de envolvimento necessário pro leitor dar sentido a essas
21
transições.
cena-pra-cena: levam-nos através de distâncias significativas de tempo e
espaço. O raciocínio dedutivo é exigido nessa leitura.
aspecto-pra-aspecto: estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos
de um lugar, idéia ou atmosfera.
nos-sequitur: não oferece nenhuma sequência lógica entre os quadros.
1.3.10 Balão
De acordo com Cagnin (1975, p.120): “o balão é o elemento que indica o
diálogo entre as personagens e introduz o discurso direto na sequência narrativa”.
Há diversas formas de balões:
Balão-fala: o mais comum, tem seu contorno nítido, contínuo. O apêndice em
forma de seta sai da boca do falante.
Balão-pensamento: a linha de contorno é irregular, ondulada, quebrada ou de
pequenos arcos ligados. O apêndice é formado por pequenas bolhas ou
nuvenzinhas que saem do alto da cabeça do pensante.
Balão-cochicho: a linha de contorno é pontilhada. É usado quando o
personagem diz ao seu interlocutor alguma coisa que não pode ser ouvida por um
terceiro.
Balão-berro: tem suas extremidades dos arcos voltadas para fora , como
explosão.
Balão-trêmulo: tem as linhas tortuosas como tremular das ondas. Indica o
medo que se sente ou que se quer transmitir.
Balões de linhas quebradas: em formas de faísca elétrica. Representam os
sons e falas emitidos por aparelhos elétricos ou eletrônicos.
Balão-vibrado: procura reproduzir a vibração de voz tremida.
Balão-glacial: mostra frieza, o desprezo de uma personagem por outra.
Balão-uníssono: engloba a fala única de diversas personagens
Balões-duplos: são os que, pertencendo a uma só personagem, são ligados
por um “estreito” e informam que a fala foi dividida por um breve silêncio, em duas
partes.
Balões intercalados: entre dois globos (dos balões-duplos) pode ser
intercalada a fala de outra personagem.
22
1.3.11 Texto
Sobre a função do texto na linguagem dos quadrinhos, Cagnin (1975, p. 118)
explica que frequentemente ele se une à imagem, alternando com ela funções de
dominância e complementaridade.
Quando ela não é elemento dominante, Barthes lhe atribui duas funções
básicas: ancrage e relais (fixação e ligação).
a) Fixação
Nesta função a palavra poderá desvendar o sentido denotativo da imagem e
ajudar na interpretação dos seus semas conotativos. Ampliando esta segunda
função, à palavra do texto cabe dirigir a leitura segundo a intenção que o emissor lhe
quer dar. Ele seleciona o significado.
b) Ligação
Neste caso, palavra e imagem se acham em relação complementar. Ambas
fazem parte de um sintagma superior, que é, no caso, o narrativo. Por isso, a palavra
é importante nas HQ como no cinema. Os diálogos não são mera representação
mimética do ato da fala, mas fazem caminhar a ação, emprestando à imagem os
significados que ela não pode ter.
1.3.12 Legenda
Cagnin define como “elemento narrativo, especificamente diegético.”
É nele que vai o texto do narrador. Não somente o narrador onisciente, mas
também o narrador-personagem.
1.3.13 Onomatopéias
De acordo com Cagnin (1975, p. 135) é:
[...] outro elemento que se liga diretamente ligada à cena representada. [...]
Apresenta o duplo aspecto: analógico, com motivação fácil (tamanho dos
grafemas, volume, tridimensionalidade, formas as mais variadas) participa
da montagem da cena; e lingüístico, aproveitando a qualidade sonora do
grafema representado, variando de língua para língua.
23
1.3.14 O texto Figura
Cagnin (1975, p.138) escreve:
O texto pode disfarçar ambas as funções (fixação e ligação) nas figuras que
formam a cena. Fixa-se o significado do desenho e faz-se a ligação com os
outros elementos narrativos dinâmicos do quadro, que culmina na
identificação da ação. [...] Esta forma de apresentação do texto pode vir em
cartas, cartazes, letreiros, placas e etiquetas.
1.3.15 Caracteres gráficos
Cagnin (1975, p. 130) escreve que as letras podem assumir diferentes
intenções e mensagens a serem transmitidas. As palavras em tamanho maior, em
negrito, destacadas, podem significar uma entonação na voz, assim como as letras
tremidas podem significar medo.
Outros exemplos são a aparência do caractere como sendo uma língua
estrangeira, como explica Cagnin: “Na fala de um chinês, por exemplo, as frases
portuguesas podem vir traçadas com os pauzinhos que formam os ideogramas
chineses. Isto pode significar que esta personagem tem um forte sotaque de sua
língua de origem”
Outros caracteres podem cobrir elementos censurados, no lugar de palavrões
aparecendo desenhos de cobras, sapos, lagartos e espirais.
Ainda, outros caracteres podem representar o pensamento das personagens:
“uma lâmpada traduz uma idéia luminosa que a personagem teve”, ou uma nota
musical para conotar um assobio, etc.
1.3.16 Narrativa
De acordo com Eisner (1999, p. 38) “A representação dos elementos dentro
do quadrinho, a disposição das imagens dentro deles e a sua relação e associação
com as imagens da sequência são a „Gramática‟ básica a partir da qual se constrói a
narrativa.”
24
1.4 A história do Mangá
Sobre o termo designado para nomear as histórias em quadrinhos no Japão:
Em seu livro, Schodt explicava a palavra: man, que significava “involuntário
ou “a despeito de si mesmo”, e ga, que significava “imagens”. O termo
mangá data do século XVIII e foi usado pelo artista Hokusai em 1814 para
designar seus livros de “rascunhos excêntricos”
(GRAVETT, 2006, p.14)
Como precursores do mangá, Gravett diz sobre os desenhos do século XII,
pintados em rolos de papel com até 6 metros de comprimento que eram colocados
em sequência para narrar lendas, batalhas e eventos da vida cotidiana.
Além desses rolos, chamados emakimonos, havia as gravuras de ukiyo-e,
entre os séculos XVII e XIX, eram impressões feitas com blocos xilográficos,
produzidas às centenas com até 15 cores, e que retratavam todos os tipos de
assuntos mundanos; o toba-e; o kibyoshi ou “livros de capa amarela” que
ironizavam as autoridades; e o ukiyo-zoahi ou “romances do mundo flutuante” que
continham imagens com diálogos adicionais não encontrados no texto principal
Em 1862, foi publicada a Revista Punch Japan por Charles Wirgman, que logo
foi apelidado de ponchi-e. Na década de 1890, a designação de ponchi-e para todo
tipo de cartum da época foi substituída pelo termo mangá.
Nos anos 40, as histórias Norakuro Joutouhei, de Tagawa Suiho; e Bouken
Dankichi, de Shimada Keizo. Artistas dessa época, como Tagawa, tinham um
enfoque quase teatral em seus quadrinhos: desenhavam seus personagens da
cabeça aos pés, raramente usando close ou pontos de vista não convencionais,
como se o leitor estivesse assistindo a atores num palco.
No período das guerras, assim como foi no ocidente, o governo japonês fez
propagandas ideológicas, e também houve censura por parte do governo.
Os quadrinhos americanos entraram no Japão a partir de 1945, levados pelas
forças de ocupação.
Trabalhando de forma mais marginal, esses jovens artistas acabaram
desenvolvendo um tipo mais sombrio de mangá conhecido como gekigá, ou
“imagens dramáticas”. Eles eram bem diferentes dos principais títulos
direcionados para crianças na época, menos simplistas e fantásticos, com
25
cenários bem próximos da rua e da realidade contemporânea. Por
conseqüência, eram lidos por adolescentes mais velhos e jovens adultos. O
termo gekigá foi cunhado por um dos mestres do gênero, Yoshihiro Tatsumi,
em 1957. (GRAVETT, 2006, p.14)
As histórias de fantasmas de Shigeru Mizuki, do guerreiro esqueleto Ôgon Bat
de Tatsuo Nagamatsu e as aventuras de samurai de Sanpei Shirato saíram dos
kami-shibai “teatros de papel” móveis, muito populares na época.
Os akahon, ou “livros vermelhos” foram lançados entre 1947 e mais ou menos
1956, como alternativa criada pelos editores do distrito de Osaka para jovens
aspirantes. Esses livros eram comercializados informalmente. Com a inflação as
vendas caíram, então, passaram a alugar os livros nas Kashihonya, “locadores de
livro”.
Com o avanço da TV, em 1963, praticamente todas as editoras que
abasteciam as kashihonya haviam desaparecido.
Em 1967 Tezuka criou sua própria revista mensal, a COM. A revista tinha o
intuito de provar o que um “mangá narrativo de verdade” poderia conquistar. Entre as
histórias que obtiveram destaque, temos Hi no Tori (Fênix). A revista deixou de ser
publicada em 1972.
Sobre Osamu Tezuka, ele foi um importante artista, considerado o pai dos
mangás, pois muitos das características por ele aplicadas ficaram.
Na infância, Tezuka já lia mangás. Sofreu grande influencia dos desenhos
animados de Walt Disney e do próprio cinema. Também teve influência do teatro
Takarazuka, cidade onde morava. Ao contrário do teatro Kabuki, Takarazuka era
composto só de mulheres que interpretavam tanto papéis femininos quanto
masculinos. No palco com todas aquelas luzes refletindo, inspirou Tezuka na
questão dos grandes e brilhantes olhos característicos do mangá moderno, que ficou
principalmente no mangá shoujo, trazendo muita expressividade.
Em 1941, Tezuka criou Shintakarajima [A nova ilha do tesouro], quando
começou a introduzir efeitos cinematográficos nessa história de 200 páginas, vendeu
800 mil exemplares. Foi convidado para estrear em duas revistas, publicando Jungle
Taitel e Atomu Taishi (mais tarde mudado para Tetsuwan Atomu, ficando conhecido
no ocidente como Astro Boy). Depois Tezuka transformaria seus mangás em
animações.
26
Assim, com todas as contribuições postas no percorrer dos anos, o mangá foi
crescendo. Já em 1914 havia sido lançada a Shonen Club, a primeira revista
destinada aos garotos. Logo outras revistas do tipo surgiriam como a Shonen Jump,
Shonen Champion, Shonen Magazine, Shonen Sunday e Shonen King. Como
explica Gravett, as histórias tratariam principalmente de três elementos: amizade,
perseverança e triunfo. Havia uma variedade de temas, desde esportes, como o
futebol de Captain Tsubasa (Supercampeões), criado em 1978 por Yoichi Takahashi,
o mangá de boxe de Ashita no Joe (o amanhã de Joe), de Tetsuya Chiba; mangás
de robô gigantes, como Tetsujin 28-GO, ou Gigantor; até o holocausto da bomba de
Hiroshima retratado em Hadashi no Gen (Gen pés descalços), de Keiji Nakazawa.
Mas o mangá não ficou somente direcionado para os garotos. Mais tarde
surgiriam revistas direcionadas para homens adultos, o seinen mangá, garotas, o
shoujo mangá, mulheres adultas, o josei mangá; além dos mangás direcionados
para crianças em fase de alfabetização, do primário, os kodomo mangá, até para os
idosos.
Muitos autores ressaltam essa diversidade imensa de temas e gêneros que os
quadrinhos japoneses possuem. Além da criatividade para estarem sempre
inventando transformar qualquer assunto em história para mangá.
1.5 Shoujo Mangá: quadrinhos para meninas
A primeira revista de mangá para meninas foi a Shoujo Club, publicada em
1923. A palavra “shoujo” quer dizer menina.
Antes da década de 1960 toda a história de shoujo mangá era criado por
homens. Um exemplo é Ribon no Kishi (A Princesa e o Cavaleiro) de Osamu Tezuka.
Gravett (2006, p. 78) conta então sobre Machiko Satonaka:
[...] em 1964, ela entrou num concurso de talento da Ribon, a nova
revista semanal para meninas. Saiu vencedora e estreou aos 16 anos com
sua história de vampiro Pia no Shôzo (“Retrato de Pia”), dando início à
chegada ao mercado de mangá shojo de uma jovem e brilhante geração de
mulheres trabalhadoras, que passaram a dominar o segmento no início da
década de 1970, período em que o campo desabrochou com novos gêneros
e uma nova sofisticação.
27
Nos anos 50, desenhistas como Hideko Mizuno, Miyako Maki, Masako
Watanabe, Riyoko Ikeda, Moto Hagio, Yumiko Oshima, Keiko Takemiya e Yumiko
Igashi se destacaram e fizeram sucesso. E conforme o mercado ia crescendo mais
revistas surgiram como a Ribbon, a Nakayoshi, a Margaret, a Friend e a Hana to
Yume.
Sobre as características dos shoujo mangá temos o seguinte:
O desenho do mangá feminino é muito característico, simbólico e o que há
de mais engenhoso dentro da técnica da quadrinização. O estilo
cinematográfico é bastante utilizado para dar ênfase aos detalhes de uma
ação, de um gesto e até de um olhar. O desenho flui pela ação ininterrupta
de imagens sobrepostas e muitos closes que segmentam o momento exato
do sentimento e da emoção. Desenhos de estrelinhas, corações, flores,
folhas e pétalas caídas, esparsos pelo cenário, sugerem uma linguagem
musical imaginária. Cria-se uma atmosfera para o romance.
(LUYTEN, 2000, p.52):
Sobre os temas abordados e retratados Luyten(2000, p. 52) conta:
Basicamente, as revistas femininas são românticas e é dentro desse clima
que se desenvolve as histórias. Os temas são variados, sempre enfocando
o amor impossível, as separações chorosas, as rivalidades entre amigas, a
admiração homossexual por outras, a tenacidade nas competições
esportivas e a morte como solução viável aos problemas que envolvem tudo
isso. São muito populares também as quadrinizações de romances e de
vidas de personalidades famosas, como foi o caso de Berusaiyu no Bara [a
rosa de Versalhes], um sucesso de vendas criado por Ryoko Ikeda,
baseado na vida de Maria Antonieta.
1.6 Josei Mangá: quadrinhos para mulheres
A palavra “josei” quer dizer mulher. Aqui, Gravett nomeia esse gênero como
redikomi, vindo da junção das palavras em inglês “ladies” (sendo que no japonês a
pronuncia ficaria algo como “rediisu”). e “comic”.
De acordo com Gravett, em meio a tanta mudança em relação às mulheres,
28
entrando para o mercado de trabalho e casando mais tarde, contrariando a sua
geração passada, viu-se uma boa oportunidade de expandir os mangás para esse
público.
Já em 1960, as revistas femininas vinham com algumas páginas de
quadrinhos seriados. Algumas tentativas foram feitas em 1969, com a Funny,
publicação experimental de Tezuka, e em 1974 com a Josei Comic Papilon, ambas
se encerrando em um ano. Foi apenas em 1980 que a editora Kodansha conseguiu
sucesso com o lançamento da revista Be Love. Depois outras revistas entraram para
ficar, como a For Lady, You e Bonita.
Gravett (2006, p. 120) descreve os “quadrinhos para moças” como redikomi:
A maioria desses títulos é criada por mulheres, algumas delas estreantes,
outras antigas artistas do mangá shojo que alguns esperavam que se
aposentassem e passassem a se dedicar aos afazeres domésticos aos 30
anos. O redikomi aborda a vida e os sonhos das mulheres adultas. Dentro
desse gênero romance, a doce heroína comum quase sempre consegue
seu homem perfeito no final. Essas histórias de amor meloso e cor-de-rosa
raramente são mais estimulantes do que aqueles romances típicos da
editora Harlequin
O autor também conta que, nessa época, em certos quadrinhos, houve a
liberdade das criadoras a mostrar a sexualidade negada aos mangás para meninas:
No final da década de 1980, quase um quarto dos quadrinhos para moças
apresentava o chamado conteúdo hentai. Conhecido pela inicial “H”
(pronuncia-se “etchi”), o rótulo hentai é bastante abrangente, cobrindo
qualquer coisa entre o ligeiramente ousado e o seriamente pervertido. Em
revistas mensais como Aya, Rouge, e Comic Amour, o retrato feminino das
ligações eróticas entre uma secretária e seu chefe casado, uma estudante e
seu professor, uma dona-de-casa desprezada e seu amante ou outras
combinações, é tão desinibido quanto qualquer coisa mostrada nos mangás
de sexo editados para homens. A única distinção pode ser a inclusão de um
pouco mais de enredo e preâmbulos. Quem leva muito a sério a idéia de
que todas as mulheres japonesas são conservadoras e acanhadas, vai se
chocar com esses mangás “H”. [...]
Embora, essas revistas fossem direcionadas para mulheres da faixa etária de
19 a 29 anos, jovens de 15 anos liam, curiosas para saber o que as aguardariam no
29
futuro.
Sobre as histórias e os temas decorrentes desse gênero temos o seguinte:
Há algumas pérolas em meio a essa “literatura para mulher”, variando de
buscas doentias pelo homem ideal, uma mistura de Sex and the City com O
Diário de Bridget Jones, a imprevisíveis psicodramas frequentemente
ilustrados num minimalismo de “linha clara”, similar à ilustração de moda. A
variedade de redikomi é tão grande quanto à de revistas femininas. Algumas
delas oferecem conselhos em forma de mangá sobre casamento, gravidez,
saúde e criação de filhos, enquanto outras motivam através de relatos do
glamour da telinha (“Mulheres em Programas de Variedades da TV”) ou de
mulheres de carreira ascendendo no mundo corporativo.
(GRAVETT, 2006, p. 123)
1.7 A chegada dos mangás no Brasil
Por causa dos imigrantes japoneses no Brasil, havia, desde cedo, a
importação de mangás, que chegavam por meio de navios a pedido das
importadoras que comercializavam o produto.
Segundo Luyten, o mangá teve um papel importante para os imigrantes
japoneses, além da alfabetização das crianças, havia a manutenção da língua
coloquial:
Os quadrinhos em geral são caracterizados pela inclusão de gírias, termos
correntes usados pelo povo, linguagem informal, e, no caso japonês,
principalmente após a Segunda Guerra, ocorreu grande quantidade de
palavras de origem inglesa que foram incorporadas ao vocabulário.
(LUYTEN, 2000, p. 194)
Luyten conta ainda sobre as influencias nas suas leituras dos mangás que
alguns artistas de quadrinhos tiveram como Júlio Shimamoto, Cláudio Seto.
Assim como no resto do mundo, antes dos mangás ficarem famosos, as
animações japonesas foram usadas como uma divulgação de seus traços
característicos. De acordo com Nagado (2005) a indústria dos animes (da
abreviação em inglês “animation”) surgiu discretamente nos anos 1950, mas
30
“somente ganhou grande impulso na década de 1970, graças ao fenômeno Uchuu
Senkan Yamato (Encouraçado Espacial Yamato) conhecido no Brasil como Patrulha
Estrelar.”
Outros animes como Candy Candy, A princesa e o cavaleiro, Kimba o leão
branco, vieram nessa época.
Em 1988, o mangá Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima, foi
publicado no Brasil, e cancelado em 1993. Outro título foi a história Akira, publicado
em 1990 pela editora Globo, durando um pouco mais que Lobo Solitário por causa
de sua animação cinematográfica. Outros títulos foram lançados sem grande
repercussão: Crying Freeman, Mai, a garota Sensitiva, A Lenda de Kamui. (OKA,
2005)
Nos anos 90 foi a vez da extinta Rede Manchete ganhar audiência com os
animes. Sailor Moon, Cavaleiros do Zodíaco, Shurato, entre outros, e séries de
efeitos especiais (em japonês tokusatsu) como Kamen Raider, e até Patrine.
Em 1999 e 2001, animes como Dragon Ball, Pokémon, Samurai X, Sakura
Card Captor viraram mania na TV aberta. [...] Então em 2001, a editora JBC lançou 4
títulos nas bancas: Samurai X, Sakura Card Captors, Video Girl Ai e Guerreiras
Mágicas de Rayerth. O mercado evoluiu e mais títulos foram lançados e mais
editoras se interessaram em publicar mangá. (OKA, 2005)
Hoje podemos encontrar nas bancas de jornal uma variedade significativa de
títulos de mangás lançadas por diferentes editoras, além de alguns outros poderem
ser encontrados em formato de livro.
1.8 Elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos
Podemos perceber as diferenças acontecendo já em sua história,
comparando o desenvolvimento dos quadrinhos no ocidente com o modo que se deu
no oriente.
McCloud (2005, p. 210) descreve essa série de abordagens únicas em:
Colagem; Expressionismo; Ligação palavra-imagem; Movimento subjetivo;
Personagens icônicos; Efeito camuflador; Formatos; e Narrativa.
A partir do que McCloud observa, tratarei de cada um desses itens.
31
1.8.1 Colagem ou inserção
Sobre a Colagem, McCloud (2005, p. 123) comenta:
E num sem-número de quadrinhos românticos escritos por Riyoko Ikeda e
outros, os conflitos emocionais interiores eram visualizados em colagem de
rostos e em efeitos simbólicos e expressionistas, que removiam a ênfase de
relações externas em favor de relações emocionais internas.
Essa técnica também pode ser chamada de inserção. Conforme Quella-Guyot
(1994, p.41):
uma inserção é uma imagem que, como o indica seu nome, é “inserida”,
embutida, numa outra bem maior. Seu tamanho favorece principalmente os
primeiros planos, mas em nenhum caso ela é sinônimo de primeiro plano.
Incluída numa vinheta de tamanho “normal”, a inserção mostra de bom
grado uma ação simultânea à da outra vinheta. Ela serve também para
evidenciar um detalhe cujo papel é iminente. Indiquemos contudo que a
grande vinheta também pode mostrar um plano aproximado de uma
personagem e a inserção numa vasta paisagem. Suas relações são
inseparavelmente narrativas.
1.8.2 Expressionismo
De acordo com McCloud (2005, p. 132-133), os efeitos expressionistas são
usados para criar emoções. Como exemplo: “um fundo distorcido ou expressionista
pode afetar nossa leitura dos estados interiores do personagem.”
Certos padrões podem produzir um efeito quase fisiológico no espectador...
só que ele vai atribuir essas sensações, não a si mesmo, mas aos
personagens com os quais se identifica. Claro que tais efeitos internos são
mais adequados pra história sobre questões internas. Quando uma história
se baseia mais na caracterização do que na trama, não há muito pra se ver
externamente, as o cenário mental dos personagens pode ser uma visão e
tanto! Esse princípio é evidente em muitos quadrinhos europeus e em
quadrinhos românticos japoneses, onde foram criados efeitos
expressionistas pra quase qualquer emoção imaginável!
1.8.3 Ligação palavra-imagem
Esse tópico tratará de explicar um pouco sobre a escrita japonesa (seus
ideogramas) e as onomatopéias.
32
a) Escrita Japonesa
Luyten (2000, p.31-32) conta que só no século IX os japoneses utilizaram os
ideogramas na China e através dele fizeram seu silabário de 50 caracteres,
denominado hiragana, e a letra de imprensa, o katakana.
Assim, constatam-se as diferenças entre escrita japonesa e a nossa escrita
alfabética. Enquanto na japonesa cada ideograma representa visualmente uma idéia
das palavras,no nosso alfabeto é preciso decodificar as palavras em conceitos para
obter seu sentido.
Entre essa sequência de imagens significativas (que é a escrita
japonesa) e imagens sucessivas (que são as histórias em quadrinhos), há
portanto, uma continuidade: o mesmo traço de tinta e o mesmo
deslocamento linear do olhar à linha da narrativa. Dessa maneira, os
japoneses se acostumaram a visualizar muito mais as coisas do que nós
ocidentais. A aproximação entre abstrações de figuras e figuras
propriamente ditas é muito sensível, fluindo de um antigo costume de se
fazer a junção de ambas.
b) Onomatopeias
Luyten no seu artigo “Onomatopéia e mímesis no mangá” publicada na edição
52 da Revista USP comenta as diferenças:
[...] as onomatopéias no Ocidente são, a grosso modo, consideradas como
linguagem infantil e não totalmente integradas na maneira de falar adulta.
No idioma japonês não somente as onomatopéias mas também a mímesis
são parte integral da linguagem escrita e falada por um adulto e constituem
um universo à parte dentro do idioma.
Luyten conta ainda que dentro da categoria de onomatopéia na língua
japonesa, elas são classificadas em:
giseigo: as palavras que imitam sons de humanos ou animais, ou
onomatopéias de vozes;
giongo: que imitam sons ouvidos – como o bater de um sino ou o estraçalhar
de uma madeira;
gitaigo: palavras que expressam os estados ou condições de seres animados
ou inanimados, assim como mudanças, fenômenos, movimentos, crescimentos de
33
árvores e plantas na natureza;
gijogo: que descrevem emoções ou sentimentos humanos.
1.8.4 Movimento subjetivo
McCloud (2005, p. 114) diz:
“Movimento Subjetivo”, como eu chamo, se baseia numa idéia: se a
observação de um objeto em movimento é envolvente, ser esse objeto deve
ser mais ainda. Artistas japoneses, no final dos anos 60, começaram a
colocar seus leitores “no banco do motorista”.
Ou seja, no movimento subjetivo, ao invés de fazer a personagem se mover, é
o cenário que se move no lugar. Na cena, a personagem permanece estática,
enquanto o cenário se desloca.
1.8.5 Personagens icônicos
Sobre personagens icônicos, McCloud (2005, p. 46) faz referência ao cartum
sendo esta uma forma simples, icônica, subjetiva e universal.
O autor explica sobre a universalidade do cartum, que ao retratar uma pessoa
o mais cartunizada possível mais rostos ela passa a representar. “Quando você olha
para uma foto ou desenho realista de um rosto, você vê isso como o rosto de outra
pessoa. Contudo, quando entra no mundo do cartum, você vê a si mesmo” E então:
“Nós não observamos o cartum. Nós passamos a ser ele.” (McCloud, 2005, p. 36)
1.8.6 Efeito camuflador
McCloud explica que esse efeito camuflador ou efeito máscara se deve ao
uso de paisagens realistas e personagens icônicos.
Por exemplo, enquanto a maioria dos personagens era desenhada com
simplicidade, para melhor identificação do leitor, outros eram feitos de forma
mais realista, pra serem objetificados, enfatizando sua “infamiliaridade” pro
leitor. No quadrinho japonês, a espada deve se tornar bem realista, não só
pra mostrar os detalhes, mas pra gente se conscientizar dela como objeto,
34
uma coisa com peso, textura e complexidade física.
1.8.7 Formatos
Sobre a influência dos formatos em relação à transição aspecto-pra-aspecto,
McCloud (2005, p. 80) opina:
O tamanho pode ser um dos fatores responsáveis. Os quadrinhos
japoneses são publicados como livros de antologia, onde a pressão sobre
qualquer um dos capítulos pra mostrar muita coisa não é tão grande.
Quando se juntam as características individuais, vamos ter milhares de
páginas. Com isso, é possível dedicar muitos quadros pra mostra um lento
movimento cinematográfico ou estabelecer um clima.
No Japão as histórias são publicadas em capítulos em revistas periódicas
com mais de 400 páginas em papel jornal monocromática, variando entre rosa, azul,
verde, roxo ou preto. Luyten (2000, p. 43) explica:
A utilização dessas cores de papel pode parecer, à primeira vista, fortuita,
mas tem um significado relacionado com o contexto da história em que
figura, se levarmos em conta a simbologia das cores dentro da cultura
japonesa. [...] Para o leitor japonês, a presença das cores como pano de
fundo da história já é um indício para o significado do discurso e ajuda a
criar a atmosfera.
Depois de lidos, essas revistas são descartadas, assim como nossos jornais.
Somente quando certa quantidade de capítulos é publicada, a história pode ser
compilada em tamanho menor, com melhor qualidade de papel, chamado tankobon,
este para ser guardado e colecionado. Cada uma dessas revistas é voltada para
determinados públicos de diferentes faixas etárias e gêneros.
1.8.8 Narrativa
Determinados elementos implicarão mais na narrativa dos quadrinhos que
outras. Aqui passo a destacar as questões da transição de quadros, do
enquadramento e do tempo.
35
a) Transição de quadros:
Analisando as transições de cena de diferentes histórias em quadrinhos,
McCloud observou que a grande parte delas era dominada pelas transições ação-
pra-ação e cena-pra-cena. Porém, nos quadrinhos japoneses as transições tema-
pra-tema estão em quase toda a ação, as de movimento-pra-movimento eram
responsáveis por 4%, e o mais surpreendente para McCloud foi presença maciça da
transição aspecto-pra-aspecto:
Na maioria das vezes, usada para estabelecer um clima ou sentido de lugar,
o tempo parece parar nessas combinações silenciosas. Até a sequência
parece menos importante aqui do que nos outros tipos de transição. Em vez
de atuar como uma ponte entre momentos distintos, aqui o leitor deve
compor um único momento, utilizando fragmentos dispersos. (McCLOUD,
2005, p.79)
McCloud (2005, p.81) conta que no Ocidente a cultura é muito orientada pelo
objetivo, já no oriente há toda uma tradição de obras de arte cíclicas e labirínticas.
Os quadrinhos japoneses parecem herdar uma tradição, enfatizando mais o
estar lá do que o chegar lá, mais do que em qualquer outro lugar,
quadrinhos é uma arte de intervalos. A idéia de que os elementos omitidos
de uma obra são tão partes dela quanto os incluídos é típica do oriente há
vários séculos. Nas artes gráficas, isso significou um grande enfoque nas
relações entre figura/fundo e no “espaço negativo” Na música, também,
enquanto a tradição do ocidente enfatiza os mundos ligados e contínuos da
melodia e harmonia, a música clássica oriental se preocupava com o papel
do silêncio. (McCloud, 2005, p.81-82)
b) Enquadramento
McCloud (2005, p.103) explica sobre o uso dos “quadros sangrados” –
aqueles que extrapolam a margem da página, técnica usada com freqüência no
Japão. Nele “o tempo não é mais contida pelo ícone familiar do quadro fechado. Ele
sofre uma hemorragia e escapa pro espaço infinito. Essas imagens podem
estabelecer o clima ou sendo de lugar em cenas inteiras pela sua presença
atemporal.”
36
1.9 Personagem
Esse tópico se dispõe a estudar sobre a personagem na literatura.
Brait (1985, p. 11) conta:
[...] se quisermos saber alguma coisa a respeito de personagens, teremos
de encarar frente a frente a construção do texto, a maneira que o autor
encontrou para dar forma às suas criaturas, e aí pinçar a independência, a
autonomia e a “vida” desses seres de ficção”. É somente sob essa
perspectiva, tentativa de deslindamento do espaço habitado pelas
personagens, que poderemos, se útil e se necessário, vasculhar a
existência da personagem enquanto representação de uma realidade
exterior ao texto.
Portanto, para se estudar as personagens de mangá feminino é preciso
estudar sobre a sua linguagem, além do seu contexto de produção, os fatos
históricos, políticos e sociais de sua época.
1.10 Personagens dos mangás em geral
De acordo com Luyten (2000, p.73):
Os heróis são retratados como pessoas comuns que desejam tornar-se os
melhores naquilo que estão empreendendo. A ação das histórias está
voltada para como se deve ser o desempenho do herói para alcançar o
sucesso: treinos exaustivos, força de vontade e muita paciência.
Conforme Luyten (2000, p. 75) descreve: “Os mestres são caracterizados
como pessoas más, intransigentes e que maltratam seus aprendizes.” E sobre a
representação das personagens femininas nas revistas para rapazes:
[...] são frequentemente retratadas como objetos sexuais ou mulheres
idealizadas, usadas para dar mais encanto ou suavidade ao conteúdo do
mundo do mangá masculino. Há uma tendência recente para a criação de
personagens mais independentes ou amigos e confidentes de seus
parceiros, porém isso á encoberto pela grande porcentagem de heroínas
tradicionais. (LUYTEN, 2000, p.78)
37
1.11 Personagens dos mangás femininos
Luyten (2000, p.76) diz o seguinte:
As heroínas dos quadrinhos japoneses chamam muito mais atenção pelo
seu aspecto físico: são altas, esguias, os cabelos na maioria das vezes
claros e ondulados, os olhos muito grandes. Essa marca registrada do
mangá feminino começou a tomar vulto a partir dos anos 50, e a geração de
japoneses nascida após essa época não consegue imaginar heroínas,
associando-as a outra imagem.
Apesar de muito parecidas, as heroínas são facilmente identificadas pelas
leitoras. “O que contribui para lhes dar individualidade é a maneira de caracterizá-la.
As roupas, os sapatos, os laços, os estilos de penteados são meticulosamente
dados para compor a personagem.”
A característica mais marcante nessas personagens são seus imensos olhos,
revelando força de expressão nas emoções, trazendo para alguns ocidentais certa
agressão e estranhamento, mas para outros pode trazer o romantismo.
Em relação aos personagens masculinos Luyten (2000 p.78) aponta:
[...] são apresentados de forma femininamente linda. Os heróis são
decorativos: na aparência física, distinguem-se pelas roupas e pela estatura
um pouco mais elevada do que a das heroínas. No conjunto, formam uma
representação quimérica do príncipe encantado que poderá chegar a
qualquer hora e levá-la para seu palácio.
38
2. METODOLOGIA
Para a realização deste trabalho foi feita a pesquisa bibliográfica. Foram
consultados livros a respeito das histórias em quadrinhos e dos mangás. Assim a
fundamentação teórica foi organizada em história da história em quadrinhos e seus
elementos constituintes, a história do mangá e destacados os principais elementos
diferenciais em relação aos demais quadrinhos, dando destaque ao gênero shoujo e
algumas características formais dos personagens.
A partir disso, na análise, seriam escolhidos personagens de shoujo mangá
(gênero dos quadrinhos japoneses destinados ao público feminino) já publicados no
Brasil. A escolha foi difícil, visto ter, hoje, uma boa diversidade de títulos desse
gênero. Enfim, foram escolhidos personagens do mangá Eensy Weensy Monster de
Masami Tsuda.
O mangá Eensy Weensy Monster foi escolhido por ser relativamente curto,
uma história de 12 capítulos, publicado no Brasil pela editora Panini em 2 volumes
(no formato tankobon, compilação), portanto não recebendo tanto destaque quanto a
obra anterior da autora (Kareshi Kanojyo no Jijyo, apelidado de Karekano, também
publicado no Brasil pela editora Panini, em 21 volumes) e não aparentando tanta
profundidade que uma obra mais longa poderia mostrar. Como a própria autora
escreve em seu “diário” (espaço onde se comunica diretamente com os leitores
sobre qualquer assunto, chamado de free-talk), no final do segundo volume, o tema
para essa história era “relaxar”. Levando em consideração a justificativa dessa
pesquisa que é a importância da reflexão, podemos nos perguntar o que uma obra
como Eensy Weensy Monster poderia proporcionar ao leitor além do entretenimento.
Decidido o mangá, os personagens selecionados para análise foram o par
romântico da história: Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa.
A partir desses personagens serão analisados suas características físicas e
psicológicas através dos elementos dos quadrinhos que diferenciam o mangá,
destacados por McCloud: colagem, expressionismo, ligação palavra-imagem,
movimento subjetivo, personagens icônicos, efeito camuflador, formatos e narrativa.
E, através dessa análise, tentarei responder as seguintes perguntas:
Existe alguma ideologia por trás da representação visual das personagens?
Como é demonstrado o amadurecimento psicológico das personagens?
39
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS
Primeiramente farei uma introdução a respeito de Eensy-weensy Monster, e
sobre os personagens Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa; depois será feita a
retomada dos elementos destacados por McCloud, dando exemplos de cada um
deles nas páginas do mangá estudado; só então será feito uma discussão dos
dados com base nas observações feitas nos exemplos anteriores.
Para as imagens ilustrativas de exemplos dos elementos, foi usado os
volumes compilados do mangá no original japonês. Os termos usados nos resumos
das personagens foram extraídos da tradução do mangá em sua versão brasileira.
3.1 Eensy-Weensy Monster
Eensy-weensy Monster é um mangá escrito e desenhado por Masami Tsuda.
Foi publicado originalmente na revista mensal Lala da editora Hakushensha em
dezembro de 2006. No Brasil o mangá foi licenciado pela editora Panini, sendo
lançado em 2009, com o subtítulo “o monstrinho dentro de mim”. Essa versão
brasileira manteve a ordem de leitura oriental, ou seja, da direita para a esquerda.
O mangá conta a história de uma garota do colegial chamada Nanoha
Figura 1: detalhes das capas das edições brasileiras de Eensy-Weensy Monster, respectivamente 1 e 2, lado a lado
40
Satsuki, uma aluna comum que tem duas amigas muito populares na escola: Nobara
Ryuzaki, que é muito bonita, e Renge Midou, que é muito inteligente. Nanoha passa
seus dias escolares tranquilos e despercebidos dos demais, até que começa a notar
Hazuki Tokiwa, um garoto bom nos estudos e nos esportes e que é apelidado de
“príncipe” pelas suas várias admiradoras da escola. A partir daí, Nanoha cria uma
grande antipatia por Hazuki, sentindo como se um monstrinho tomasse conta de sua
personalidade. Certo dia, ao se encontrar com Hazuki, o monstrinho que há em
Nanoha solta tudo o que pensa a seu respeito, o que acaba mexendo muito com o
rapaz.
3.1.1 Nanoha Satsuki
Nanoha é a protagonista da história. Suas notas da escola estão na média,
seu desempenho nos esportes abaixo da média. Tem uma aparência comum, mas
mesmo assim as pessoas sentem certa inveja dela por ser amiga de infância da
maravilhosa Nobara Ryuzaki, “a encarnação de Oscar-sama do colégio Yotsuba”, e
Renge Midou, “a beldade mais inteligente da escola”. No entanto, Nanoha acaba
percebendo alguns problemas em ter amigas como Nobara e Renge: sua presença
nunca é percebida e ninguém se lembra de seu nome. Mas tudo isso não faz
Nanoha deixar de ser feliz e gostar as suas amigas.
Nanoha conta sobre algumas de suas especialidades como organizar cópias
para os alunos e dividir comida em partes iguais.
Quanto a família, Nanoha tem um irmão mais velho, chamado Raito, que tem
uma personalidade um tanto agressiva, mas que adora a irmãzinha. O pai e a mãe
de Nanoha aparecem pouco na história, aliás, uma observação que podemos fazer
aqui é que os personagens adultos (como o professor que sempre esquece o nome
de Nanoha Satsuki) em geral não têm uma grande participação na história.
41
Nanoha faz a narração do primeiro capítulo aos leitores, contando seu ponto
de vista, que só tem gente peculiar à sua volta, que ela deve ser a única normal.
“Uma pessoa como qualquer outra, cuja maior felicidade é tomar um chá bem
quente assistindo à transmissão ao vivo do campeonato de sumô pela TV. Uma
pessoa tranquila que não perde a cabeça com qualquer coisinha.”
O monstrinho que vive em Nanoha é desenhado de forma iconizado,
lembrando um diabinho. Como se fosse uma espécie de consciência, por vezes ele
é mostrado ao lado da garota. Toda vez que altera sua personalidade tranquila, o
monstrinho sai do fundo do estômago de Nanoha aparecendo para os leitores.
3.1.2 Hazuki Tokiwa
Hazuki é um aluno da mesma escola que Nanoha, chamado de “príncipe”
pelas meninas que o rodeiam. Em contraposição a Nanoha, ele tira notas altíssimas
sem sequer estudar e “arrasa” em qualquer esporte. Tem uma aparência tão
Figura 3: Nanoha Satsuki, imagem interna de capa
Figura 2: o "monstrinho" de Nanoha Satsuki
42
exuberante que em suas imagens aparecem estrelas cintilantes, mostrando seu
esplendor.
No começo da história Hazuki é convencido pela sua aparência de “príncipe”,
bonito, inteligente e esportista. Tendo sua bondade reprovada por Nanoha, já que
Hazuki só ajudava as garotas mais bonitas, ignorando as de aparência mais comum,
e fingindo não gostar da atenção dado pelas suas admiradoras, enquanto adorava
ser paparicado.
Hazuki se sentia ameaçado pelas amigas de Nanoha: por Nobara, que
mesmo sendo mulher fazia mais sucesso, ganhando mais presentes na época do
Natal do que ele; e por Renge por pegar o primeiro lugar na lista de melhores notas
da escola.
Hazuki levava sua vida conseguindo as coisas facilmente. Até que certo dia,
se depara com Nanoha no corredor da escola carregando um presente. Pensando
que o presente era para ele, Hazuki pega da mão de Nanoha sem exitar, fazendo
com que o monstrinho da garota aparecesse e o xingasse de “convencido de uma
figa”. Esse incidente acaba incomodando muito o garoto que fica ressentido e vai
perguntar a Nanoha qual o problema que ela tinha com ele, de maneira tão
arrogante, cheio de confiança, que faz com que o monstrinho apareça novamente e
lhe diga o quanto superficial é Hazuki. O garoto fica ainda mais incomodado e vai
desabafar com algumas de suas admiradoras que acabam rindo da situação toda e
dizendo outras verdades para ele. Hazuki que pensava ser popular entre as garotas,
era usado como “um bobo alegre fantasiado de príncipe cintilante”. A partir dessa
situação toda sua atitude começa a mudar drasticamente, notando coisas que antes
não percebia por estar sempre rodeado de garotas, como o olhar hostil dos meninos.
Assim como Nanoha narra a sua vida e seus pensamentos, também é
possível para o leitor ler a vida de Hazuki e saiba de seus pensamentos.
43
3.2 Colagem ou Inserção
Usando a inserção, as personagens são destacadas. Logo na primeira página
de um novo capítulo, ou na introdução de um novo personagem ou ambiente, os
rostos são bem destacados, são engrandecidos em relação ao quadrinho, ignorando
os limites deste, entrando em primeiro plano.
Na página mostrada a seguir (figura 5), o personagem Hazuki é destacado em
relação ao cenário do primeiro quadro, seguido do rosto de Nanoha que passa do
limite de seu quadro, encobrindo parte do primeiro. Os dois ganham destaque na
página. Hazuki aparece com um pouco mais da metade do corpo, sendo distribuído
entre os dois quadros, não pertencendo a exatamente a nenhum deles por passar
dos limites, se transformando num elemento livre. Nanoha tem seu rosto bem
engrandecido, sendo muito maior do que a de Hazuki, mas mesmo assim
pertencendo a um plano anterior.
Como se fosse uma colagem, o cenário estaria no fundo, sendo colada a foto
de Nanoha e logo depois a de Hazuki. A partir disso, pode-se fazer a leitura de que
Nanoha esteja vendo Hazuki em destaque ao cenário urbano de fundo.
Visto este exemplo, podemos concluir que a colagem ou inserção tem a
função de destacar determinados elementos da página como a primeira imagem a
ser notado pelo leitor, dando certa grandiosidade à personagem.
Figura 4: Hazuki Tokiwa, imagem interna de capa
44
3.3 Expressionismo
Os efeitos expressionistas são usados muito nos mangás, principalmente nos
shoujo mangá onde a trama foca o psicológico das personagens. São usados
diferentes padrões de desenho como fundo dos quadros que podem nos revelar ou
até intensificar o estado de espírito das personagens.
Figura 5: página 22 do capítulo 9
45
Como pode ser visto na figura 6, no primeiro quadro é usado o desenho de
estrelas, criando um clima brilhante e reluzente ao redor do personagem Hazuki,
dando uma sensação de esplendor a ele e criando uma aura de beleza fora do
comum. Já no quadro abaixo, o padrão colocado de névoa negra, intensifica o
desagrado da personagem Nanoha juntamente com sua expressão de desdém.
Figura 6: página 24 do capítulo 145
46
Na figura 7 podemos notar um fundo distorcido nos relatando que as
personagens estão numa grande confusão de sentimentos.
Figura 7: página 44 do capítulo 1
47
Na figura 8 também temos um fundo distorcido, mas usado aqui para
intensificar o desagrado de Hazuki, que está com a expressão meio irritada,
franzindo um pouco as sobrancelhas, com a boca reta, e uma discreta veia saltando
na bochecha representando sua raiva.
Na figura 9, temos Nanoha com um padrão de flores brilhantes com pequenas
estrelas ao redor. A face da personagem demonstra um sorriso meigo, com
bochechas coradas. As flores brilhantes estão intensificando a felicidade de espírito
em que a personagem se encontra.
Figura 8: quadro da página 110 do volume 1
Figura 9: quadro da página 37 do volume 1
48
Na figura 10 temos o padrão de cabeças de coelhinhos e flores. No quadro da
esquerda, Nanoha está mostrando uma face mais neutra, mas combinado com o
padrão, pode demonstrar por parte dela uma grande inocência. No quadro ao lado,
mesmo com a cara assustada, com olhos saltados, pingos de suor e boca aberta de
surpresa, o padrão desenhado ao seu redor faz com que pareça com uma criança
inocente.
Na figura 11, os olhos fechados, boca com um leve sorriso e sobrancelhas
levemente levantadas faz Nanoha ter uma face serena. A harmonia e leveza de seu
estado interior se intensificam ainda mais com o padrão desenhado: delicados
círculos quase transparentes.
Figura 10: quadro da página 83 do volume 2
Figura 11: quadros da página 17 do volume 2
49
Como visto nos exemplos dados, podemos dizer que os efeitos
expressionistas tem a função de revelar o mundo interior da personagem ou até
intensificar a leitura de suas emoções em conjunto com sua expressão facial, gestos
ou/e postura.
3.4 Ligação Palavra-Imagem
Comparando com a escrita ocidental, a escrita japonesa se torna muito mais
visual, harmonizando com as imagens que estão sendo narradas.
50
Na figura 12, onomatopeias são usados para diferentes sons, usados para
cada situação, e das formas hiragana e katana. Há falas fora dos balões, no primeiro
quadro. No segundo quadro, podemos notar o uso diferencial das fontes e tamanho
das letras em relação aos balões do quadro abaixo.
Figura 12: página 168 do volume 2
51
Na figura 13, a forma das letras e do balão acompanham o som, mostrando
essa intensidade, expressando um grito estridente de susto e medo da personagem.
Figura 13: página 120 do volume 1
52
Na figura 14, foi escolhido uma onomatopeia ocidental “Swish!” para a entrada
da bola na cesta.
Na figura 15 letras ocidentais “SAMURAI”, usado como um tipo de
onomatopeia para expressar o estado espírito conflituoso em que se encontra o
personagem.
Figura 15: detalhe da página 23 do volume 1
Figura 14: detalhe da página 146 do volume 2
53
Na figura 16 os ideogramas japoneses novamente estão servindo como
padrão de fundo para expressar o estado de espírito do personagem. Foi usado um
trecho da obra “A arte da guerra” de Sun Tzu.
Figura 16: página 162 do volume 2
54
3.5 Movimento Subjetivo
O cenário ao redor se tornam nada mais que linhas traçadas. Isso enfatiza a
dramaticidade do movimento, sendo extremamente exagerado, a figura 17 se torna
cômica.
A função do movimento subjetivo é dar dinamismo e intensidade para a ação
da cena, além de fazer com que o leitor se sinta no lugar da personagem.
3.6 Personagens Icônicos
Muitas vezes, em situações extremas, os personagens se transformam,
passam a ser desenhados mais simples e de modo deformado: seus corpos
diminuem e o nariz que quase não aparecia, sendo apenas um ponto ou risco,
desaparece completamente, exemplo mostrado na figura 18.
A função das personagens icônicas também é a de aproximar o leitor, fazer
com que ele passe a ser a personagem.
Figura 17: quadro da página 103 do volume 2
55
3.7 Efeito Camuflador Ou Efeito Máscara
Estudado anteriormente na revisão teórica, o efeito camuflador ou efeito
máscara se deve a combinação de paisagens realistas e personagens icônicos. Com
a função de trazer um forte senso de localidade, os detalhes ambientais ativam a
nossa memória sensorial. Como exemplo temos a figura 19.
O uso desse efeito também pode ser visto na retratação mais realista de
objetos e de determinados personagens.
Figura 18: quadro da página 132 do volume 2
56
Figura 19: página 76 volume 2
57
3.8 Formatos
No Brasil o mangá Eensy-weensy Monster foi publicado já no seu formato
compilado (tankohon) com aproximadamente 200 páginas cada volume. No entanto
esse mangá foi originalmente publicado para uma revista mensal, portando sendo
dividido em capítulos.
Os capítulos são dados como “Passos” (step, no original) e nomeados com
relação aos meses do ano. O primeiro capítulo é composto de 40 páginas, já os
demais tem 30 páginas, percebendo aqui que há certa regularidade na quantidade
de páginas. O primeiro capítulo obtém mais páginas, talvez para dar uma melhor
introdução e chamar a atenção dos leitores para a história.
A regularidade na quantidade de páginas são administradas pela própria
revista. Esses formatos criam certo limite ao mesmo tempo em que direcionam o
rumo que o autor deve tomar ao fazer a sua história para o mangá.
A história de cada capítulo se passa em um determinado mês do ano em que
foi nomeado:
Passo 1. Dezembro Ainda eram dois estranhos
Passo 2. Janeiro As coisas se complicam
Passo 3. Fevereiro Os holofotes são dos irmãos
Passo 4. Março Enfim uma conversa decente
Passo 5. Abril Mês de mudanças (Nanoha à direita, Hazuki à esquerda)
Passo 6. Maio Transforma as meninas em monstrinhos
Passo 7. Junho O príncipe se apaixona
Passo 8. Julho Do monstrinho, ou melhor, da diabinha
Passo 9. Agosto Com finzinho um pouco amargo
Passo 10. Setembro Surge o verdadeiro amor da vida do príncipe
Passo 11. Outubro Aprendendo sobre a vida
Último Passo. Novembro Das lamúrias de um jovem príncipe
Segundo McCloud, o formato é um dos influenciadores da transição aspecto-
pra-aspecto. Em relação à numerosa quantidade de páginas, é possível dedicar
muitos quadros para mostrar um lento processo cinematográfico ou estabelecer um
clima. A pressão de mostrar muita coisa não é grande. Logo, pode-se concluir que o
formato afetará a narrativa da história.
58
3.9 Narrativa
A narrativa tem a função de dar o ritmo à história a ser transmitida ao leitor.
Estudado na revisão teórica, em relação aos tipos de transição de quadros,
nos mangás em que McCloud analisou foi anotado por ele que as transições tema-
pra-tema estavam em quase toda a ação, as de movimento-pra-movimento eram
responsáveis por 4% e as de aspecto-pra-aspecto tinham uma presença maciça. E
em relação ao enquadramento e ao tempo, McCloud comenta que o uso de “quadros
sangrados” é uma técnica bastante empregada no Japão.
Na figura 20, podemos notar a presença da transição aspecto-pra-aspecto, e
o “sangramento” dos quadros. No terceiro quadro da página 134, podemos notar um
“espaço negativo”: um quadro em branco apenas preenchido com as falas da
personagem. Esse “espaço negativo”, visto na revisão teórica, mostra a ideia da
omissão de elementos como parte da obra, típico do oriente.
Na figura 21, temos a transição tema-pra-tema, quebrando uma transição
movimento-pra-movimento, quando Hazuki toca Nanoha e esta abre os olhos, e
também temos a presença dos “quadros sangrados”.
Tanto nas figura 20 como na 21, o “sangramento” dos quadros é tão grande
que passam para a outra página, tornando-se uma “página dupla”.
Como se trata mais de uma história que trabalha com o psicológico das
personagens, é comum ter esse tipo de quadro que transcende os limites, pois ele
tem justamente a função trazer atemporalidade para a cena, libertar o tempo do
quadro fechado. Podemos dizer que seria esse um modo de representar o tempo
psicológico nos quadrinhos. Assim os pensamentos das personagens fluem sem a
contagem exata do tempo corrido.
59
Figura 21: páginas 134 e 135 do volume 2
Figura 20: páginas 174 e 175 do volume 2
60
3.10. DISCUSSÃO DE DADOS
Como vistos anteriormente nos exemplos dados, cada um desses oito
elementos abordados tem uma função em relação à leitura dos quadrinhos
japoneses.
Alguns desses elementos irão nos revelar mais aspectos sobre a personagem
que outros. Outros podem nos especificar determinados aspectos desta. Pensando
nisso, podemos responder as seguintes questões levantadas no começo desta
pesquisa referentes à ideologia na representação visual da personagem e à
demonstração do seu amadurecimento psicológico.
Quanto à ideologia por trás da representação visual das personagens
Dos elementos abordados, os que podem nos dizer mais sobre a personagem
visualmente são: a colagem, o expressionismo, o movimento subjetivo, a iconicidade
das personagens e o efeito camuflador. Todos são usados com a pretensão de
aproximar o leitor da personagem. Eles tentam dar uma visão da própria
personagem ao leitor.
Quanto à ligação palavra-imagem, é ela que harmoniza a cena desenhada e
transforma a escrita visual em algo mais sonoro dentro de nossa mente. Assim,
podemos ser transportados ainda mais para o mundo dessa personagem.
Quanto à demonstração do amadurecimento psicológico das personagens
Os elementos que irão demonstrar e influenciar o processo de
amadurecimento das personagens são o formato e a narrativa.
Na narrativa temos a transição de quadros e o enquadramento das cenas.
Vimos que o formato cria uma influência sobre a narrativa, conforme o limite do
número de páginas a serem desenhadas.
Muito mais do que contar a história e os pensamentos da personagem, é
preciso saber como contar e como mostrar isso.
Na lenta narrativa mostrada em Eensy-weensy Monster, é possível notar
como as personagens mudam de pensamento e consequentemente de
comportamento. Mesmo que o tempo cronológico seja de mês em mês, de capítulo
para capítulo, o tempo psicológico perdura na narrativa nas transições aspecto-pra-
aspecto e nos “quadros sangrados”.
61
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através dos estudos realizados nesse trabalho pude descobrir os elementos
que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos, e entender, como leitora, que
mesmo sendo diferente das personagens, sendo de outro país e outra cultura,
acabamos sentindo empatia pelas personagens pela aproximação que determinados
elementos nos proporcionam, tornando, assim, a história cativante.
Além da ideologia descrita por Luyten sobre as personagens de shoujo
mangá, podemos compreender que não apenas a figura que compõe a personagem
traz a idéia, mas as figuras que a cercam também trazem uma carga significativa
para a composição da personagem.
Brait aponta que para sabermos algo a respeito da personagem precisamos
ver a construção do texto, a maneira como o autor encontrou para dar forma às suas
criaturas, concluindo a importância dos estudos feitos de maneira a separar, em
elementos, a linguagem utilizada pelos quadrinhos.
Aprendemos que cada elemento que encontramos terá uma função específica
sobre como a personagem será tratada. Cada elemento destacará determinada
característica da personagem e nos contará como esta personagem é. E, desse
modo, estudando cada um desses elementos, poderemos deixar de ser apenas
simples leitores para sermos leitores críticos, e ainda mais: nos tornarmos autores,
conseguindo fazer nossas próprias histórias.
62
REFERÊNCIAS
BRAIT, Beth. A personagem. 2ª edição. São Paulo: Ática, 1985.
CAGNIN, Antonio Luiz. Os quadrinhos. São Paulo: Ática, 1975.
EISNER, Will. Arte Sequencial. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FEIJÓ, Mário. Quadrinhos em ação: um século de história. São Paulo: Moderna,
1997.
GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo:
Conrad, 2006.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. (Org.) Cultura Pop Japonesa. São Paulo: Hedra, 2005.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. Mangá – o Poder dos Quadrinhos. São Paulo: Hedra,
2000.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. O que é quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1985.
LUYTEN, Sonia M. Bibe. Onomatopéia e mímesis no mangá. Revista USP, São
Paulo, n 52, p. 176-188, dez./fev. 2001-2002
McCLOUD, Scott. Desenhando quadrinhos. São Paulo: M.Books do Brasil Editora
Ltda., 2008.
McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M.Books do Brasil
Editora Ltda., 2005.
McCLOUD, Scott. Reinventando os quadrinhos. São Paulo: M.Books do Brasil
Editora Ltda., 2006.
QUELLA-GUYOT, Didier. A História em quadrinhos. São Paulo: Edições Loyola e
63
Unimarco Editora, 1994.
TSUDA, Masami. Eensy-weensy Monster. Tokyo: Hakushensha Inc., 2008.
TSUDA, Masami. Eensy-weensy Monster. São Paulo: Panini Brasil Ltda, 2009.