a linguagem dos quadrinhos japoneses para o pÚblico feminino: analisando personagens do mangÁ...

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UNIVERSIDADE DE SOROCABA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS Marcela Nohama A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY- WEENSY MONSTER Sorocaba/SP 2011

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Trabalho de conclusão do curso de Letras Português e Inglês.Este trabalho faz uma análise das personagens Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa do shoujo mangá Eensy-weensy Monster, da autora Masami Tsuda. O objetivo principal é investigar a ideologia por trás da representação visual das personagens e a demonstração do seu amadurecimento psicológico. A fundamentação teórica busca encontrar as respostas nos dados da história em quadrinhos levantados por Luyten (1985) e Feijó (1997), nos elementos constituintes dos quadrinhos de Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot (1994), McCloud (2005), na cultura pop japonesa de Gravett (2006), Luyten (2000, 2001-2002, 2005), na personagem de Brait (1985), e nos elementos diferenciais do mangá destacados por McCloud (2005, 2006, 2008). O trabalho divide-se em quatro capítulos. O primeiro capítulo constitui da fundamentação teórica citada acima, o segundo a metodologia utilizada, o terceiro a análise e discussão de dados, e o quarto as considerações finais. Assim o estudo realizado conclui que determinados elementos são utilizados como recurso para transmitir a ideologia e demonstrar o abstrato das personagens.

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Page 1: A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-WEENSY MONSTER

UNIVERSIDADE DE SOROCABA

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO

CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS E INGLÊS

Marcela Nohama

A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO

FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-

WEENSY MONSTER

Sorocaba/SP

2011

Page 2: A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-WEENSY MONSTER

Marcela Nohama

A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO

FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-

WEENSY MONSTER

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

como exigência parcial para obtenção do

Diploma de Graduação em Letras Português e

Inglês, da Universidade de Sorocaba.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes

Sorocaba/SP

2011

Page 3: A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-WEENSY MONSTER

Marcela Nohama

A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO

FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-

WEENSY MONSTER

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado

como requisito parcial para obtenção do

Diploma de Graduação em Letras Português e

Inglês, da Universidade de Sorocaba.

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA:

Ass.:______________________

Pres.; Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes, UNISO

Ass.: ______________________

1º Exam.:

Ass.: ______________________

2º Exam.:

Page 4: A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-WEENSY MONSTER

“O olhar correto só enxerga uma única direção... mas o

„outro‟ olhar, que enxerga tudo distorcido, vê uma

infinidade de direções que se pode tomar. E é nessas

direções que a gente encontra as coisas mais inusitadas.”

Masami Tsuda1

1 In: TSUDA, Masami. Eesy-weensy Monster. São Paulo: Panini Brasil Ltda, 2009 (v.2, p.139)

Page 5: A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-WEENSY MONSTER

RESUMO

Este trabalho faz uma análise das personagens Nanoha Satsuki e Hazuki

Tokiwa do shoujo mangá Eensy-weensy Monster, da autora Masami Tsuda. O

objetivo principal é investigar a ideologia por trás da representação visual das

personagens e a demonstração do seu amadurecimento psicológico. A

fundamentação teórica busca encontrar as respostas nos dados da história em

quadrinhos levantados por Luyten (1985) e Feijó (1997), nos elementos constituintes

dos quadrinhos de Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot (1994), McCloud

(2005), na cultura pop japonesa de Gravett (2006), Luyten (2000, 2001-2002, 2005),

na personagem de Brait (1985), e nos elementos diferenciais do mangá destacados

por McCloud (2005, 2006, 2008). O trabalho divide-se em quatro capítulos. O

primeiro capítulo constitui da fundamentação teórica citada acima, o segundo a

metodologia utilizada, o terceiro a análise e discussão de dados, e o quarto as

considerações finais. Assim o estudo realizado conclui que determinados elementos

são utilizados como recurso para transmitir a ideologia e demonstrar o abstrato das

personagens.

Palavras-chave:

História em quadrinhos. Linguagem. Cultura japonesa. Mangá. Personagem.

Page 6: A LINGUAGEM DOS QUADRINHOS JAPONESES PARA O PÚBLICO FEMININO: ANALISANDO PERSONAGENS DO MANGÁ EENSY-WEENSY MONSTER

ABSTRACT

This study is an analysis of characters Nanoha Satsuki and Hazuki Tokiwa in

the shoujo manga Eensy-weensy Monster, by Masami Tsuda. The main objective is

to investigate the ideology behind the visual representation of characters and the

demonstration of their psychological maturation. The theoretical foundation seeks to

find the answers in the data of comics collected by Luyten (1985) and Feijó (1997);

the constituent elements of comics by Eisner (1999), Cagnin (1975), Quella-Guyot

(1994) and McCloud (2005); japanese pop culture by Gravett (2006) and Luyten

(2000, 2001-2002, 2005); the character by Brait (1985); and the differential elements

of the manga seconded by McCloud (2005, 2006, 2008). The work is divided into four

chapters. The first chapter provides the theoretical framework mentioned above,

according to the methodology used, the third review and discussion of data, the

fourth and final considerations. Thus the study concludes that certain elements are

used as a resource to transmit the ideology and demonstrate the abstract characters.

Keywords:

Comics. Language. Japanese culture. Manga. Character.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8

1. REVISÃO TEÓRICA ............................................................................................. 10

1.1 História das Histórias em quadrinhos .......................................................... 10

1.2 Histórias em quadrinhos no Brasil ............................................................... 13

1.3 Linguagem dos quadrinhos .......................................................................... 15

1.3.1 O corpo humano ........................................................................................... 15

a) Gesto .............................................................................................................. 16

b) Postura ........................................................................................................... 16

c) Expressões faciais .......................................................................................... 16

1.3.3 Estilos de desenho ........................................................................................ 16

1.3.4 Quadrinho ou Vinheta ................................................................................... 17

1.3.10 Enquadramento ........................................................................................... 17

a) Planos ............................................................................................................. 17

b) Ângulos de visão ............................................................................................ 18

1.3.5 Requadro ...................................................................................................... 18

1.3.6 Hiato, Elipse ou Sarjeta ................................................................................. 19

1.3.7 Movimento..................................................................................................... 19

1.3.8 Tempo ........................................................................................................... 20

1.3.9 Sequência e Transição ................................................................................. 20

1.3.10 Balão ........................................................................................................... 21

1.3.11 Texto ........................................................................................................... 22

a) Fixação ........................................................................................................... 22

b) Ligação ........................................................................................................... 22

1.3.12 Legenda ...................................................................................................... 22

1.3.13 Onomatopéias ............................................................................................. 22

1.3.14 O texto Figura ............................................................................................. 23

1.3.15 Caracteres gráficos ..................................................................................... 23

1.3.16 Narrativa ..................................................................................................... 23

1.4 A história do Mangá ....................................................................................... 24

1.5 Shoujo Mangá: quadrinhos para meninas ................................................... 26

1.6 Josei Mangá: quadrinhos para mulheres .................................................... 27

1.7 A chegada dos mangás no Brasil ................................................................. 29

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1.8 Elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos .................. 30

1.8.1 Colagem ou inserção .................................................................................... 31

1.8.2 Expressionismo ............................................................................................. 31

1.8.3 Ligação palavra-imagem ............................................................................... 31

a) Escrita Japonesa ............................................................................................ 32

b) Onomatopeias ................................................................................................ 32

1.8.4 Movimento subjetivo ..................................................................................... 33

1.8.5 Personagens icônicos ................................................................................... 33

1.8.6 Efeito camuflador .......................................................................................... 33

1.8.7 Formatos ....................................................................................................... 34

1.8.8 Narrativa ....................................................................................................... 34

a) Transição de quadros: .................................................................................... 35

b) Enquadramento .............................................................................................. 35

1.9 Personagem.................................................................................................... 36

1.10 Personagens dos mangás em geral ............................................................... 36

1.11 Personagens dos mangás femininos ............................................................. 37

2. METODOLOGIA .................................................................................................... 38

3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS .................................................................. 39

3.1 Eensy-Weensy Monster ................................................................................... 39

3.1.1 Nanoha Satsuki ............................................................................................. 40

3.1.2 Hazuki Tokiwa ............................................................................................... 41

3.2 Colagem ou Inserção ....................................................................................... 43

3.3 Expressionismo ................................................................................................ 44

3.4 Ligação Palavra-Imagem ................................................................................. 49

3.5 Movimento Subjetivo ........................................................................................ 54

3.6 Personagens Icônicos ...................................................................................... 54

3.7 Efeito Camuflador Ou Efeito Máscara .............................................................. 55

3.8 Formatos .......................................................................................................... 57

3.9 Narrativa .......................................................................................................... 58

3.10. DISCUSSÃO DE DADOS ............................................................................. 60

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 61

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 64

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INTRODUÇÃO

Devido à expansão dos mangás (histórias em quadrinhos japoneses) pelo

mundo, e principalmente no Brasil, aonde vem sendo publicados uma grande

variedade de mangás - já traduzidos e adaptados para nossa língua materna -, e

periódicos nacionais como “Turma da Mônica Jovem” e “Luluzinha teen e sua turma”

- gibis inspirados no estilo mangá - surgiu a dúvida sobre o que poderia ser

considerado mangá e o porquê de fazer tamanho sucesso.

Estudando sobre mangá, um diferencial que podemos encontrar, e um dos

possíveis pontos de seu sucesso, é o sistema de mercado de quadrinhos do Japão.

As histórias são publicadas em capítulos em revistas periódicas com mais de 400

páginas em papel jornal. Cada uma dessas revistas é voltada para públicos de

diferentes faixas etárias e gêneros. Dentro dessa segmentação de mercado, temos

os shoujo mangás, voltados para o público feminino jovem, entre 10 a 18 anos, e os

chamado josei, voltados para o público feminino adulto.

Nessa diversidade, o que mais nos interessa destacar são os quadrinhos para

o público feminino, uma vez que quando se fala no assunto, imediatamente não se

pensa no público feminino como uma potencial massa de leitores.

Outro diferencial dos mangás são seus personagens, tanto no modo estético

visual de representação, que podem ser percebidos pelos seus olhos

exageradamente grandes e nos traços simples, como no seu desenvolvimento em

demonstrar suas emoções e seu crescimento físico e psicológico, através de ações

durante a história e a narrativa.

Durante a infância acompanhando os animes (como são chamados as

animações japonesas) como Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon, Pokémon,

Digimon, Sakura CardCaptor entre outros, que foram transmitidos na televisão e que

depois virariam “febre” entre a garotada, acabei me tornando uma fã, copiando e

desenhando os personagens.

Depois da “febre” dos animes, chegaria a “febre” dos mangás. Hoje temos

uma modesta variedade sendo publicadas por editoras como a JBC e a Panini.

Como ávida leitora, a fascinação pelos mangás foi tamanha a ponto de me

tornar mais uma aspirante a mangaká (quadrinista de mangá), por isso o meu

interesse é crescente para saber quais são os elementos essenciais na hora de

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compor uma história em quadrinhos tão dinâmica e atrativa quanto são os mangás.

Também como parte desse público que se identifica, simpatiza e se comove com as

personagens, cheguei a ler alguns livros e artigos sobre o assunto e conclui meu

ponto de partida para este trabalho: as personagens do mangá feminino.

O mangá voltado para o público feminino é um assunto que ainda não foi

estudado tão profundamente. Da primeira publicação de uma revista de mangá para

garotas, o Shoujo Club de 1923, até os dias atuais, muita coisa mudou (e espero que

ainda mude), os temas, elementos gráficos, e técnicas mudaram, com o uso da

computação gráfica, as novas tecnologias e também as novas ideologias, a cada dia

que passa a mulher está ganhando seu espaço no mercado de trabalho.

Esse trabalho pretende contribuir, com um pouco de tudo o que foi falado

sobre os personagens de mangá para o público feminino, numa análise mais

profunda, dando alguns exemplos de personagens que são encontrados em alguns

dos mangás femininos publicados aqui no Brasil.

Para atender aos objetivos dessa análise, procurei responder as seguintes

questões:

1. Qual é a ideologia por trás da representação visual das personagens?

2. Como é demonstrado o amadurecimento psicológico das

personagens?

Assim esse trabalho se justifica pela importância dos leitores numa reflexão

de suas leituras, principalmente as do cotidiano, para não acabarem se

transformando em seres alienados, tentando apenas fugir da realidade em que

vivem.

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1. REVISÃO TEÓRICA

1.1 História das Histórias em quadrinhos

Esse capítulo retomará a história em quadrinhos em geral.

De acordo com Luyten (1985, p.16) “as origens das histórias em quadrinhos

estão justamente no início da civilização, onde as inscrições rupestres nas cavernas

pré-históricas já revelavam a preocupação de narrar os acontecimentos através de

desenhos sucessivos.” Mosaicos, afrescos, tapeçarias e várias outras técnicas foram

utilizadas para registrar a história através de uma sequência de imagens.

De acordo com McCloud (1995, p.17) “o pai dos quadrinhos modernos é

Rodolphe Töpffer, cujas histórias com imagens satíricas, iniciadas em meados do

século XIX, empregavam caricaturas e requadros – além de apresentar a primeira

combinação interdependente de palavras e figuras na Europa.”

Porém, conforme Luyten conta, os pesquisadores convencionaram tomar

como marco inicial das histórias em quadrinhos o aparecimento de Yellow Kid, do

norte-americano Richard F. Outcault, no jornal New York World.

As grandes vendagens fizeram os empresários dos jornais enxergarem o

potencial dos quadrinhos. Desse modo mais publicações do tipo vieram a seguir,

como The Katzenjammer Kids de Rodolph Dirks.

Esses quadrinhos apareciam como suplementos dominicais. Só a partir de

1907 iria aparecer a tira diária, Mutt e Jeff, de Bud Fisher, abrindo novo espaço e

tomando o lugar do formato dos quadrinhos anterior.

Antes os quadrinhos para jornal eram uma ocupação dentro da indústria

jornalística. Luyten conta que “a grande difusão das HQ foi realmente conseguida

graças ao esquema dos syndicates ou agências distribuidoras.” O primeiro syndicate

foi o Internacional News Service, criado por Hearst em 1912.

Esses syndicates empregavam desenhistas para produzir séries de histórias,

que eram enviadas para jornais e editoras com contrato assinado. Eram elas que

cuidavam também dos direitos autorais e do merchandising.

Em 1929, a„quebra‟ da Bolsa de Nova Iorque gera uma crise mundial. É nessa

época que surgem as histórias de aventura. Desse gênero se destacam as histórias

de Tarzan, Flash Gordon e Príncipe Valente. “É como se os heróis envolvidos nas

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histórias compensassem as perturbações e inseguranças da triste realidade e todos

resolvessem fugir para lugares desconhecidos.” (LUYTEN, 1985, p.26)

Nessa época, na Europa, temos a criação de Tintin, do belga Hergé, que ao

invés de jornais, publica suas histórias em álbuns.

Ainda nesse início dos anos 30, aparece um desenho animado do famoso

Mickey Mouse, de Walt Disney, que logo depois passa para as revistas de

quadrinhos.

Em 1939, com a Segunda Guerra Mundial, os heróis de aventura já não eram

mais suficientes para manter a moral da população. Então surge o Super-Homem,

personagem dos jovens Joe Shuster e Jerry Spiegel.

Entrando na guerra, os EUA começam a divulgar suas mensagens de

propaganda ideológica. O herói que representou mais fortemente esse ideal foi o

Capitão América, declarando publicamente ser inimigo dos nazistas. Com seu

uniforme listrado e estrelado representava a própria bandeira americana.

Além dos EUA, outros países se apropriaram dos quadrinhos com finalidades

políticos. Na China, com a tomada dos comunistas em 1949, desenvolveu-se os

“Quadrinhos de Mao”, instrumento de educação e formação ideológica, inserindo os

pensamentos de Mao Tsé-Tung

A partir dos anos 40, começam a aparecer quadrinhos como Pogo, de Walt

Kelly, abordando temas sociais e políticos de sua época através de personagens

animais com cara de gente. Os quadrinhos passam a ter uma característica mais

pensante.

Nos anos 50, Charles Schulz, revoluciona com uma história aparentemente

inocente: Peanuts. Os personagens eram crianças que questionavam o mundo,

fazendo o leitor refletir junto. Na Argentina, temos Mafalda, de Quino.

Na França, temos Asterix, de R. Gosciny e A. Uderzo, com a inovação nos

diálogos, jogos de palavras e caracteres gráficos que exprimem determinada língua

estrangeira falada pelos personagens, os estereótipos que todos os povos faziam

entre si.

Em 1952 aparece a revista Mad, liderada por Harvey Kurtzman, satirizando

tudo: desde filmes famosos, programas de TV e até mesmo as próprias histórias em

quadrinhos. A partir dela houve um legado de outras revistas satíricas: a francesa

Hara-Kiri, e as brasileiras Crazy, Pancada, Plop, Klik e Gripho.

Depois da guerra, os quadrinhos tiveram uma fase bem difícil. Além da falta

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de recursos começaram a enfrentar uma série de artigos e livros acusando os

quadrinhos de serem a causa dos males da sociedade. O livro que fez maior estrago

foi A Sedução dos Inocentes (1952), de Frederic Wertham.

Em 1951 a Primeira Exposição Internacional de História em Quadrinhos é

organizada, por Álvaro de Moya, Jaime Cortez, Reinaldo de Oliveira, Miguel

Penteado, e outros artistas brasileiros. Essa exposição aconteceu na cidade de São

Paulo, tendo debates, análises, comparações; discussões sobre história, técnica,

estética, comunicação de massa e até a própria campanha contra os quadrinhos. Foi

também um espaço de reivindicação dos profissionais, que ganhavam a vida

traduzindo e adaptando material estrangeiro, mas pediam por um verdadeiro

quadrinho nacional. O evento ainda contou uma exposição de originais dos artistas

Milton Caniff, Al Capp, Alex Raymond, Hal Foster, Burne Hogarth e muitos outros.

Em 1962, Barbarella, do francês Jean-Claude Forest, foi criada, tornando-se o

carro-chefe das heroínas eróticas. Essa posição, tornando mulheres como heroínas

das histórias, era um reflexo da própria evolução da mulher na sociedade moderna.

Também é nos anos 60 que o movimento underground alastra-se para os

quadrinhos. Exemplo disso é Fritz the Cat, criado em 1967 por Robert Crumb. Sobre

esse período Luyten destaca que foi uma etapa importante como forma de protestar

num período de bastante agitação social. Os temas abordados eram as

comunidades marginais, a sexualidade, os hippies, a violência, as drogas e a

ecologia.

Nos EUA, além do movimento underground há grande efervescência na

produção dos novos super-heróis. Stan Lee os deixa mais humanizados, cheios de

defeitos, problemas e dúvidas. Foram criados: Homem-Aranha, Surfista Prateado,

Hulk, X-men, Thor, Homem de Ferro, Os vingadores, Demolidor, e recriados: Tocha

Humana, Namor e Capitão América.

Nos anos 70, o gênero fantasia heróica aparece, são temas misturados com

ficção científica, canções de cavaleiros e feitiçaria. Nos EUA, os mais conhecidos

foram Blackmark e Annikki.

Em termos editoriais, a França, em 1974, aparece com a revista Métal

Herlant, cujos fundadores foram Druillet, Grot, Dionnet e Farkas. Druillet cria um

novo tipo de anti-herói: Vuzz, um personagem misterioso vindo de algum planeta

perdido da galáxia.

A produção de 80 na América do Norte está voltada para as minisséries,

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lembrando um pouco as antigas novelas em capítulos. Elas representavam uma

nova fase das HQ. Na apresentação gráfica há influência do estilo do desenhista Will

Eisner. E o ocidente vai começar a buscar inspiração nas HQ japonesas tanto em

conteúdo como no estilo.

Nos anos 90, surge Universo 2099, uma coleção de títulos da editora Marvel,

ambientada no final do século XXI, em que vários personagens tradicionais ganham

novas versões ciberpunks. Ainda nessa década, Feijó (1997, p.77) descreve que:

“Várias tiras cômicas criadas para publicação em jornal, como a série Dilbert, já

foram adaptadas com sucesso para a Internet.” A informática também vai

revolucionar o modo de fazer e publicar quadrinhos.

Concluindo essa parte, podemos notar a influência dos fatos históricos sobre

as histórias em quadrinhos, assim como todos os outros meios de arte e

comunicação são influências também pela tecnologia e principalmente pela

criatividade.

1.2 Histórias em quadrinhos no Brasil

Esse tópico contará sobre a trajetória das histórias em quadrinhos no Brasil.

No Brasil, Luyten conta que nossa primeira revista de quadrinhos chamava-se

O Tico Tico, surgindo em 1905 e terminando em 1960. A revista, voltada para

crianças, tinha poucas páginas de quadrinhos, sendo o resto textos de curiosidades,

fábulas e fatos sobre a história do Brasil. Nela aparecem a história de Reco Reco,

Bolão e Azeitona, de Luís Sá, e Jujuba, Carrapicho e Lamparina, de J. Carlos.

Nos anos 30, o jornal A Gazeta, lança a Gazeta Infantil ou Gazetinha, que se

caracteriza pela publicação de quadrinhos tanto estrangeiros como nacionais.

Outro do tipo foi o Suplemento Juvenil, pelo jornal carioca A Nação, com um

dos maiores editores de quadrinhos do Brasil: Adolfo Aizen, que logo depois,

fundaria a EBAL (Editora Brasil-América Ltda.).

Em 1939 aparece a revista Gibi. A palavra significava moleque, mas a revista

se tornou tão popular que passou a designar tudo que é revista de HQ no Brasil.

Mesmo depois da Segunda Guerra Mundial e da campanha contra as HQ, a

revista O Herói conseguiu marcar o reinício da EBAL e a volta de Aizen às HQ. E a

partir de 1949 até a década de 60, a Edição Maravilhosa surge quadrinizando

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importantes obras literárias estrangeiras e nacionais, como Os Sertões, de Euclides

da Cunha, Mar Morto, de Jorge Amado, O Menino de Engenho, de José Lins do

Rego, A Moreninha, de J. M. Macedo, O Guarani e muitas outras. Entre os

desenhistas estavam Nico Rosso e André Le Blanc.

A influência do público sobre personagens de programas radiofônicos, como

Vingador e o Capitão Atlas, de Péricles do Amaral, Jerônimo, o Herói do Sertão, de

Moisés Weltman; de palhaços do circo, como Arrelia e Pimentinha, Fuzarca e

Torresco e Fred e Carequinha; e até do meio cinematográfico, como Oscarito e

Grande Otelo; motivaram editoras a lançarem uma série de histórias em quadrinhos.

Houve também grandes mestres do desenho numa tentativa de colocar nas

bancas mais heróis brasileiros. Foram lançados personagens como: Sérgio do

Amazonas, de Jayme Cortez, O Anjo, de Flávio Colin, e Raimundo, o Cangaceiro, de

José Lancelotti.

Ainda nesse movimento nacionalista, nasce o Pererê, de Ziraldo. Lançado em

outubro de 1960, a história teve toda uma ambiência brasileira, com os personagens

da “Mata do Fundão” e as propostas temáticas inspiradas em nossos costumes e

superstições, porém acaba em abril de 1964, alegando que a história vendia menos

que a estrangeira.

Na década de 60, no Brasil, houve destaque para as revistas de terror.

Publicava-se histórias traduzidas, iniciando o gênero em 1951 com o Terror Negro

pela Editora La Selva. Mesmo depois dos EUA terem parado as publicações desse

gênero, as editoras brasileiras continuaram. Foram criadas O Estranho Mundo do Zé

do Caixão, Histórias Caipiras de Assombração, Histórias que o Povo Conta, e Sexta-

feira 13. Com a censura e outros fatores o gênero terror termina no Brasil. A partir de

1972, passa-se a exigir a leitura prévia das revistas. “Isto porque, com a proliferação

de muitas revistas pornográficas, o sexo atingiu o terror.”, explica Luyten (1985,

p.77).

Em 1959, o personagem Bidu apareceu como o começo do sucesso de

Maurício de Souza. Depois vieram as publicações das tiras na Folha de S. Paulo e

suplementos dominicais só com seus personagens. No início dos anos 70, Marurício

de Souza conseguiu seus personagens Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento e

Pelezinho, lançados pela Editora Abril. Luyten explica que parte desse sucesso se

deu pelo merchandising, a utilização de seus personagens em camisetas, toalhas,

produtos alimentícios e escolares, entre outros.

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No início dos anos 70 nasce O Pasquim, dando uma reviravolta no estilo

jornalístico e revolucionando o humor do Brasil. Consagrou grandes desenhistas e

roteiristas como Jaguar, Henfil, Ziraldo e Fortuna. Com uma maneira simples e direta

das mensagens de profunda crítica social, O Pasquim foi apreendido inúmeras

vezes pela censura.

A revista Crás, lançada pela Abril, era promessa de espaço para o material

nacional. Passaram por ela Zélio, Perotti, Michele, Jayme Cortez, Michio e Ciça. Mas

a revista logo saiu das bancas para dar espaço aos quadrinhos Disney.

Nos anos 80, a Editora Graphipar, sob a capa de quadrinhos eróticos, para

garantir a venda ao público, manteve com uma produção 100% nacional. Seus

autores eram: Flávio Colin, Shimamoto, Watson, Seto, Athayde, Kussumoto e

Franco.

Nos anos 90, quem quisesse viver de quadrinhos precisava sair do país. Feijó

(1997, p.76) escreve que havia muitas oportunidades no estrangeiro. Vários artistas

como Rogério Cruz, Deodato Filho, Benedito e Luciano Queiroz, trabalham nos

EUA, assinando com pseudônimos, para que lá ninguém pense que as editoras

estão prestigiando gente de fora, ficando assim conhecidos por lá como Roger Cruz,

Mike Deodato Jr, Joe Bennett, Luke Ross.

1.3 Linguagem dos quadrinhos

Este tópico tratará dos elementos que compõe a linguagem das histórias

quadrinhos em geral.

De acordo com Cagnin: “A história em quadrinhos é um sistema narrativo

formado de dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho, e a

linguagem escrita.”

Podemos encontrar obras sem a linguagem verbal, só narrada pelos

desenhos. No entanto, a criação do balão para transmitir o discurso direto das

personagens, acabou se tornando um símbolo das histórias em quadrinhos. Desse

modo é importante destacar como a linguagem verbal é tratada nesse meio.

1.3.1 O corpo humano

Há grande importância em retratar o corpo humano nos quadrinhos:

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16

Decididamente, a imagem mais universal com que o artista seqüencial tem

de lidar é a forma humana. De todo o inumerável inventário de imagens que

constituem a experiência dos homens, a forma humana é a mais

assiduamente estudada, e, portanto, a mais familiar. (EISNER, 1999, p.100)

Dentro dessa importante retratação temos:

a) Gesto

Nele Cagnin (1975, p.75) observa:

Alguns gestos representados nos desenhos não encontram um referente na

realidade. São criações dos próprios quadrinhos e certamente se originaram

do desejo de caricaturar ou da necessidade de acentuar ou exagerar as

formas para que fossem capazes de sugerir a ação.

b) Postura

Sobre ela Eisner (1999, p.105) comenta:

[...] é um movimento selecionado de uma sequência de momentos

relacionados de uma única ação. [...] é preciso selecionar uma postura, de

um fluxo de movimentos, para se contar um segmento de uma história. Ela

é então congelada no quadrinho, num bloco de tempo. E também é ela que

dará informações sobre o antes e o depois do evento. [...] A seleção, ou

“congelamento”, de posturas-chave procura comunicar o tempo, assim

como a emoção. Na narrativa, todas as posturas têm a mesma importância.

c) Expressões faciais

De acordo com Eisner (1999 p 109):

Na arte das histórias em quadrinhos é essa parte da anatomia que desperta

maior atenção e envolvimento. [...] Os movimentos musculares de

sobrancelhas, lábios, mandíbulas, pálpebras e maçãs do rosto respondem a

um comando emocional localizado no cérebro. [...] Seu papel na

comunicação é registrar emoções. [...] também dá sentido à palavra escrita

[...] é a parte mais individual do corpo.

1.3.3 Estilos de desenho

Sobre esse item comenta Cagnin (1975, p. 111):

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Os desenhos têm o estilo próprio de cada artista; definem e identificam o

seu autor, sendo possível falar em desenho deste ou daquele desenhista.

[...] não há uma nomenclatura científica ou uma mescla para medir as

diferenças [...] O que é possível fazer é apresentar alguns exemplos de

desenhos realizados, numa tentativa de tipologia iconográfica em que se

percebam as diferenças do grau de estilização ou de semelhança com o

real (há desenhos em quadrinhos que são elaborados com modelos reais,

ou com auxílio de fotografias); do instrumental usado (bico-de-pena, pincel);

do estilo individual de alguns autores mais conhecidos; e dos recursos

expressivos usados na composição.

Nisso, Cagnin faz a divisão de desenho realista, estilizado e caricato.

1.3.4 Quadrinho ou Vinheta

Não confundir o quadrinho com o requadro, com a sua moldura apenas.

De acordo com Eisner (1999, p.38):

A função fundamental da arte dos quadrinhos (tira ou revista), que é

comunicar ideias e/ou histórias por meio de palavras e figuras, envolve o

movimento de certas imagens (tais como pessoas e coisas) no espaço.

Para lidar com a captura ou encapsulamento desses eventos no fluxo da

narrativa, eles devem ser decompostos em segmentos seqüenciados.

Esses segmentos são chamados quadrinhos.

1.3.10 Enquadramento

No enquadramento, a imagem capturada pelo quadrinho é escolhida de modo

a mostrar diferentes planos e ângulos, de acordo com o propósito narrativo da

história a ser contada.

a) Planos

As HQ tiveram uma grande influência do cinema nesse aspecto. Por isso

esses elementos são muitas vezes chamados de planos cinematográficos. Temos

vários tipos de planos, de acordo com o livro de Didier Quella-Guyot (1994 p.44-41):

Plano Panorâmico e Plano Geral (ou de conjunto): cobrem espaços de dimensões

cada vez mais vastas em que as personagens, quando aparecem, têm tamanho bem

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reduzido. Ligados a cenas de exposição, eles têm na maior parte do tempo um valor

descritivo.

Plano Médio: a personagem é valorizada. Tem uma função narrativa clássica; é com

ele que seguimos as personagens (visão dos pés à cabeça)

Plano Americano: apreendida mais de perto, a personagem nos é proposta cortada à

altura da metade da coxa.

Plano Italiano: como no Plano Americano, mas a personagem é cortado à altura dos

joelhos.

Plano dito “Aproximado”: cortam a personagem à altura da cintura, por vezes do

peito ou do ombro. Isolando o busto, o autor põe em relevo as expressões do rosto e

nos faz participar de perto de certas cenas de ação.

Primeiro Plano ou Primeiríssimo Plano: mostram partes do corpo ou de objetos,

concentram a atenção, isolam certos detalhes. Seu valor narrativo pode ser forte

(dramático) ou fraco (documentário).

b) Ângulos de visão

De acordo com Quella-Guyot (1994, p.41) “a „direção do olhar‟ é um elemento

fundamental de enquadramento, já que pode, a partir de um só e mesmo plano,

fazer variar a representação em função de valores a serem traduzidos.”

Sendo assim o ângulo pode ter visão:

Plana: vista de frente, horizontalmente, sem deformações.

Oblíqua: vista de lado, verticalmente;

Superior: vista de cima para baixo;

Inferior: vista de baixo para cima.

Dependendo do ângulo a ser usado, pode-se conseguir diferentes efeitos,

como o de redução da personagem ou o de engrandecimento.

1.3.5 Requadro

Sobre o Requadro Eisner (1999. p. 44) escreve: “Além da sua função principal

de moldura dentro da qual se colocam objetos e ações, o requadro do quadrinho em

si pode ser usado como parte da linguagem “não verbal” da arte seqüencial.”

Por exemplo: requadros retangulares com traçado reto podem sugerir que a

narrativa esteja no tempo presente; o traçado sinuoso ou ondulado é o indicador

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mais comum de passado; além de poder transmitir outros sentidos, no caso de

expressar som, emoção ou pensamento, com a finalidade de envolver o leitor na

narrativa.

E ainda Eisner (1999, p. 45) escreve: “A ausência de requadro expressa

espaço ilimitado. Tem o efeito de abranger o que não está visível, mas que tem

existência reconhecida.”

1.3.6 Hiato, Elipse ou Sarjeta

É o espaço que fica vazio entre os quadros.

Sobre ele McCloud (1995, p. 66-67) comenta:

É aqui, no limbo da sarjeta, que a imaginação humana capta duas imagens

distintas e transforma em uma única idéia. Nada é visto entre os dois

quadros, mas a experiência indica que deve ter alguma coisa lá. Os quadros

das histórias fragmentam o tempo e o espaço, oferecendo um ritmo

recortado de momentos dissociados. Mas a conclusão nos permite conectar

esses momentos e concluir mentalmente uma realidade contínua e

unificada.

1.3.7 Movimento

Sobre a sensação de causar movimento McCloud conta sobre as tentativas

de se capturá-lo e representá-lo em imagens estáticas. Escreve: “Duchamp, mais

preocupado com a idéia do movimento do que com a sensação reduziu o conceito

do movimento a uma única linha.”

Com o tempo, essas linhas de movimento foram ficando mais estilizadas, até

ganharem com Bill Everet e Jack Kirby a habilidade de representar ação com drama.

“Nesta abordagem tanto o objeto em movimento quanto os cenários são desenhados

num estilo claro, e o caminho do movimento é imposto sobre a cena.” (McCLOUD,

1999, p. 112)

Outros artistas tentaram efeitos como imagens múltiplas, procurando

envolver o leitor mais profundamente na ação. Outros ainda, como Gene

Colan, começaram a incorporar efeitos fotográficos com resultados

interessantes nos anos 60 e 70. (McCLOUD, 1999, p. 112-113)

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1.3.8 Tempo

Quanto à noção do tempo na sequência narrativa, Cagnin (1975, p. 55)

separa:

O tempo enquanto sequência de um antes e um depois: não pode ser obtido

com uma só imagem. (...) Este caso se dá nas historinhas de um quadro só, quando

por elipse, se omitem um ou mais momentos de uma sequência. Numa série de

imagens fixas a sequência temporal é mais facilmente percebida.

O tempo enquanto época histórica: pode ser sugerido pelos informantes

secundários da própria imagem.

O tempo astronômico: enquanto divisão do dia, é facilmente sugerido pelos

tons e contrastes de tons, jogos de massas, ou pela utilização de uma figura que no

quadro tem a função exclusiva de indicar metonimicamente a noite do dia. (...)

O tempo meteorológico (calor, frio, chuva, neve, etc.): é traduzido diretamente

por figuras específicas (...)

O tempo da narração: como nas HQ se trata de mimese, ou representação

imitativa de uma ação, a narrativa é direta e tem-se, não exatamente uma narrativa,

mas uma representação. O tempo passado, portanto, é reconstruído em cada

quadro, torna-se presente à medida que é lido.

O tempo de leitura: na leitura linear dos quadros em sequência, embora os

tenhamos todos diante da vista, o tempo de leitura vai caminhando sem ser forçado,

como no cinema, nesta linearidade. Um quadrinho passará por três modalidades de

tempo:

- futuro (enquanto não lido);

- presente (no momento da leitura);

-passado (depois dela).

1.3.9 Sequência e Transição

Elementos importantes para o fluxo da narrativa. McCloud (2005, p. 74) faz

uma escala de transição quadro-a-quadro dividindo em:

movimento-pra-movimento: exige pouquíssima conclusão

ação-pra-ação: que apresentam um único tema em progressão distinta

tema-pra-tema (ou sujeito a sujeito): permanecendo dentro de uma cena ou

idéia. Há um grau de envolvimento necessário pro leitor dar sentido a essas

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transições.

cena-pra-cena: levam-nos através de distâncias significativas de tempo e

espaço. O raciocínio dedutivo é exigido nessa leitura.

aspecto-pra-aspecto: estabelece um olho migratório sobre diferentes aspectos

de um lugar, idéia ou atmosfera.

nos-sequitur: não oferece nenhuma sequência lógica entre os quadros.

1.3.10 Balão

De acordo com Cagnin (1975, p.120): “o balão é o elemento que indica o

diálogo entre as personagens e introduz o discurso direto na sequência narrativa”.

Há diversas formas de balões:

Balão-fala: o mais comum, tem seu contorno nítido, contínuo. O apêndice em

forma de seta sai da boca do falante.

Balão-pensamento: a linha de contorno é irregular, ondulada, quebrada ou de

pequenos arcos ligados. O apêndice é formado por pequenas bolhas ou

nuvenzinhas que saem do alto da cabeça do pensante.

Balão-cochicho: a linha de contorno é pontilhada. É usado quando o

personagem diz ao seu interlocutor alguma coisa que não pode ser ouvida por um

terceiro.

Balão-berro: tem suas extremidades dos arcos voltadas para fora , como

explosão.

Balão-trêmulo: tem as linhas tortuosas como tremular das ondas. Indica o

medo que se sente ou que se quer transmitir.

Balões de linhas quebradas: em formas de faísca elétrica. Representam os

sons e falas emitidos por aparelhos elétricos ou eletrônicos.

Balão-vibrado: procura reproduzir a vibração de voz tremida.

Balão-glacial: mostra frieza, o desprezo de uma personagem por outra.

Balão-uníssono: engloba a fala única de diversas personagens

Balões-duplos: são os que, pertencendo a uma só personagem, são ligados

por um “estreito” e informam que a fala foi dividida por um breve silêncio, em duas

partes.

Balões intercalados: entre dois globos (dos balões-duplos) pode ser

intercalada a fala de outra personagem.

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1.3.11 Texto

Sobre a função do texto na linguagem dos quadrinhos, Cagnin (1975, p. 118)

explica que frequentemente ele se une à imagem, alternando com ela funções de

dominância e complementaridade.

Quando ela não é elemento dominante, Barthes lhe atribui duas funções

básicas: ancrage e relais (fixação e ligação).

a) Fixação

Nesta função a palavra poderá desvendar o sentido denotativo da imagem e

ajudar na interpretação dos seus semas conotativos. Ampliando esta segunda

função, à palavra do texto cabe dirigir a leitura segundo a intenção que o emissor lhe

quer dar. Ele seleciona o significado.

b) Ligação

Neste caso, palavra e imagem se acham em relação complementar. Ambas

fazem parte de um sintagma superior, que é, no caso, o narrativo. Por isso, a palavra

é importante nas HQ como no cinema. Os diálogos não são mera representação

mimética do ato da fala, mas fazem caminhar a ação, emprestando à imagem os

significados que ela não pode ter.

1.3.12 Legenda

Cagnin define como “elemento narrativo, especificamente diegético.”

É nele que vai o texto do narrador. Não somente o narrador onisciente, mas

também o narrador-personagem.

1.3.13 Onomatopéias

De acordo com Cagnin (1975, p. 135) é:

[...] outro elemento que se liga diretamente ligada à cena representada. [...]

Apresenta o duplo aspecto: analógico, com motivação fácil (tamanho dos

grafemas, volume, tridimensionalidade, formas as mais variadas) participa

da montagem da cena; e lingüístico, aproveitando a qualidade sonora do

grafema representado, variando de língua para língua.

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1.3.14 O texto Figura

Cagnin (1975, p.138) escreve:

O texto pode disfarçar ambas as funções (fixação e ligação) nas figuras que

formam a cena. Fixa-se o significado do desenho e faz-se a ligação com os

outros elementos narrativos dinâmicos do quadro, que culmina na

identificação da ação. [...] Esta forma de apresentação do texto pode vir em

cartas, cartazes, letreiros, placas e etiquetas.

1.3.15 Caracteres gráficos

Cagnin (1975, p. 130) escreve que as letras podem assumir diferentes

intenções e mensagens a serem transmitidas. As palavras em tamanho maior, em

negrito, destacadas, podem significar uma entonação na voz, assim como as letras

tremidas podem significar medo.

Outros exemplos são a aparência do caractere como sendo uma língua

estrangeira, como explica Cagnin: “Na fala de um chinês, por exemplo, as frases

portuguesas podem vir traçadas com os pauzinhos que formam os ideogramas

chineses. Isto pode significar que esta personagem tem um forte sotaque de sua

língua de origem”

Outros caracteres podem cobrir elementos censurados, no lugar de palavrões

aparecendo desenhos de cobras, sapos, lagartos e espirais.

Ainda, outros caracteres podem representar o pensamento das personagens:

“uma lâmpada traduz uma idéia luminosa que a personagem teve”, ou uma nota

musical para conotar um assobio, etc.

1.3.16 Narrativa

De acordo com Eisner (1999, p. 38) “A representação dos elementos dentro

do quadrinho, a disposição das imagens dentro deles e a sua relação e associação

com as imagens da sequência são a „Gramática‟ básica a partir da qual se constrói a

narrativa.”

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1.4 A história do Mangá

Sobre o termo designado para nomear as histórias em quadrinhos no Japão:

Em seu livro, Schodt explicava a palavra: man, que significava “involuntário

ou “a despeito de si mesmo”, e ga, que significava “imagens”. O termo

mangá data do século XVIII e foi usado pelo artista Hokusai em 1814 para

designar seus livros de “rascunhos excêntricos”

(GRAVETT, 2006, p.14)

Como precursores do mangá, Gravett diz sobre os desenhos do século XII,

pintados em rolos de papel com até 6 metros de comprimento que eram colocados

em sequência para narrar lendas, batalhas e eventos da vida cotidiana.

Além desses rolos, chamados emakimonos, havia as gravuras de ukiyo-e,

entre os séculos XVII e XIX, eram impressões feitas com blocos xilográficos,

produzidas às centenas com até 15 cores, e que retratavam todos os tipos de

assuntos mundanos; o toba-e; o kibyoshi ou “livros de capa amarela” que

ironizavam as autoridades; e o ukiyo-zoahi ou “romances do mundo flutuante” que

continham imagens com diálogos adicionais não encontrados no texto principal

Em 1862, foi publicada a Revista Punch Japan por Charles Wirgman, que logo

foi apelidado de ponchi-e. Na década de 1890, a designação de ponchi-e para todo

tipo de cartum da época foi substituída pelo termo mangá.

Nos anos 40, as histórias Norakuro Joutouhei, de Tagawa Suiho; e Bouken

Dankichi, de Shimada Keizo. Artistas dessa época, como Tagawa, tinham um

enfoque quase teatral em seus quadrinhos: desenhavam seus personagens da

cabeça aos pés, raramente usando close ou pontos de vista não convencionais,

como se o leitor estivesse assistindo a atores num palco.

No período das guerras, assim como foi no ocidente, o governo japonês fez

propagandas ideológicas, e também houve censura por parte do governo.

Os quadrinhos americanos entraram no Japão a partir de 1945, levados pelas

forças de ocupação.

Trabalhando de forma mais marginal, esses jovens artistas acabaram

desenvolvendo um tipo mais sombrio de mangá conhecido como gekigá, ou

“imagens dramáticas”. Eles eram bem diferentes dos principais títulos

direcionados para crianças na época, menos simplistas e fantásticos, com

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cenários bem próximos da rua e da realidade contemporânea. Por

conseqüência, eram lidos por adolescentes mais velhos e jovens adultos. O

termo gekigá foi cunhado por um dos mestres do gênero, Yoshihiro Tatsumi,

em 1957. (GRAVETT, 2006, p.14)

As histórias de fantasmas de Shigeru Mizuki, do guerreiro esqueleto Ôgon Bat

de Tatsuo Nagamatsu e as aventuras de samurai de Sanpei Shirato saíram dos

kami-shibai “teatros de papel” móveis, muito populares na época.

Os akahon, ou “livros vermelhos” foram lançados entre 1947 e mais ou menos

1956, como alternativa criada pelos editores do distrito de Osaka para jovens

aspirantes. Esses livros eram comercializados informalmente. Com a inflação as

vendas caíram, então, passaram a alugar os livros nas Kashihonya, “locadores de

livro”.

Com o avanço da TV, em 1963, praticamente todas as editoras que

abasteciam as kashihonya haviam desaparecido.

Em 1967 Tezuka criou sua própria revista mensal, a COM. A revista tinha o

intuito de provar o que um “mangá narrativo de verdade” poderia conquistar. Entre as

histórias que obtiveram destaque, temos Hi no Tori (Fênix). A revista deixou de ser

publicada em 1972.

Sobre Osamu Tezuka, ele foi um importante artista, considerado o pai dos

mangás, pois muitos das características por ele aplicadas ficaram.

Na infância, Tezuka já lia mangás. Sofreu grande influencia dos desenhos

animados de Walt Disney e do próprio cinema. Também teve influência do teatro

Takarazuka, cidade onde morava. Ao contrário do teatro Kabuki, Takarazuka era

composto só de mulheres que interpretavam tanto papéis femininos quanto

masculinos. No palco com todas aquelas luzes refletindo, inspirou Tezuka na

questão dos grandes e brilhantes olhos característicos do mangá moderno, que ficou

principalmente no mangá shoujo, trazendo muita expressividade.

Em 1941, Tezuka criou Shintakarajima [A nova ilha do tesouro], quando

começou a introduzir efeitos cinematográficos nessa história de 200 páginas, vendeu

800 mil exemplares. Foi convidado para estrear em duas revistas, publicando Jungle

Taitel e Atomu Taishi (mais tarde mudado para Tetsuwan Atomu, ficando conhecido

no ocidente como Astro Boy). Depois Tezuka transformaria seus mangás em

animações.

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Assim, com todas as contribuições postas no percorrer dos anos, o mangá foi

crescendo. Já em 1914 havia sido lançada a Shonen Club, a primeira revista

destinada aos garotos. Logo outras revistas do tipo surgiriam como a Shonen Jump,

Shonen Champion, Shonen Magazine, Shonen Sunday e Shonen King. Como

explica Gravett, as histórias tratariam principalmente de três elementos: amizade,

perseverança e triunfo. Havia uma variedade de temas, desde esportes, como o

futebol de Captain Tsubasa (Supercampeões), criado em 1978 por Yoichi Takahashi,

o mangá de boxe de Ashita no Joe (o amanhã de Joe), de Tetsuya Chiba; mangás

de robô gigantes, como Tetsujin 28-GO, ou Gigantor; até o holocausto da bomba de

Hiroshima retratado em Hadashi no Gen (Gen pés descalços), de Keiji Nakazawa.

Mas o mangá não ficou somente direcionado para os garotos. Mais tarde

surgiriam revistas direcionadas para homens adultos, o seinen mangá, garotas, o

shoujo mangá, mulheres adultas, o josei mangá; além dos mangás direcionados

para crianças em fase de alfabetização, do primário, os kodomo mangá, até para os

idosos.

Muitos autores ressaltam essa diversidade imensa de temas e gêneros que os

quadrinhos japoneses possuem. Além da criatividade para estarem sempre

inventando transformar qualquer assunto em história para mangá.

1.5 Shoujo Mangá: quadrinhos para meninas

A primeira revista de mangá para meninas foi a Shoujo Club, publicada em

1923. A palavra “shoujo” quer dizer menina.

Antes da década de 1960 toda a história de shoujo mangá era criado por

homens. Um exemplo é Ribon no Kishi (A Princesa e o Cavaleiro) de Osamu Tezuka.

Gravett (2006, p. 78) conta então sobre Machiko Satonaka:

[...] em 1964, ela entrou num concurso de talento da Ribon, a nova

revista semanal para meninas. Saiu vencedora e estreou aos 16 anos com

sua história de vampiro Pia no Shôzo (“Retrato de Pia”), dando início à

chegada ao mercado de mangá shojo de uma jovem e brilhante geração de

mulheres trabalhadoras, que passaram a dominar o segmento no início da

década de 1970, período em que o campo desabrochou com novos gêneros

e uma nova sofisticação.

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Nos anos 50, desenhistas como Hideko Mizuno, Miyako Maki, Masako

Watanabe, Riyoko Ikeda, Moto Hagio, Yumiko Oshima, Keiko Takemiya e Yumiko

Igashi se destacaram e fizeram sucesso. E conforme o mercado ia crescendo mais

revistas surgiram como a Ribbon, a Nakayoshi, a Margaret, a Friend e a Hana to

Yume.

Sobre as características dos shoujo mangá temos o seguinte:

O desenho do mangá feminino é muito característico, simbólico e o que há

de mais engenhoso dentro da técnica da quadrinização. O estilo

cinematográfico é bastante utilizado para dar ênfase aos detalhes de uma

ação, de um gesto e até de um olhar. O desenho flui pela ação ininterrupta

de imagens sobrepostas e muitos closes que segmentam o momento exato

do sentimento e da emoção. Desenhos de estrelinhas, corações, flores,

folhas e pétalas caídas, esparsos pelo cenário, sugerem uma linguagem

musical imaginária. Cria-se uma atmosfera para o romance.

(LUYTEN, 2000, p.52):

Sobre os temas abordados e retratados Luyten(2000, p. 52) conta:

Basicamente, as revistas femininas são românticas e é dentro desse clima

que se desenvolve as histórias. Os temas são variados, sempre enfocando

o amor impossível, as separações chorosas, as rivalidades entre amigas, a

admiração homossexual por outras, a tenacidade nas competições

esportivas e a morte como solução viável aos problemas que envolvem tudo

isso. São muito populares também as quadrinizações de romances e de

vidas de personalidades famosas, como foi o caso de Berusaiyu no Bara [a

rosa de Versalhes], um sucesso de vendas criado por Ryoko Ikeda,

baseado na vida de Maria Antonieta.

1.6 Josei Mangá: quadrinhos para mulheres

A palavra “josei” quer dizer mulher. Aqui, Gravett nomeia esse gênero como

redikomi, vindo da junção das palavras em inglês “ladies” (sendo que no japonês a

pronuncia ficaria algo como “rediisu”). e “comic”.

De acordo com Gravett, em meio a tanta mudança em relação às mulheres,

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entrando para o mercado de trabalho e casando mais tarde, contrariando a sua

geração passada, viu-se uma boa oportunidade de expandir os mangás para esse

público.

Já em 1960, as revistas femininas vinham com algumas páginas de

quadrinhos seriados. Algumas tentativas foram feitas em 1969, com a Funny,

publicação experimental de Tezuka, e em 1974 com a Josei Comic Papilon, ambas

se encerrando em um ano. Foi apenas em 1980 que a editora Kodansha conseguiu

sucesso com o lançamento da revista Be Love. Depois outras revistas entraram para

ficar, como a For Lady, You e Bonita.

Gravett (2006, p. 120) descreve os “quadrinhos para moças” como redikomi:

A maioria desses títulos é criada por mulheres, algumas delas estreantes,

outras antigas artistas do mangá shojo que alguns esperavam que se

aposentassem e passassem a se dedicar aos afazeres domésticos aos 30

anos. O redikomi aborda a vida e os sonhos das mulheres adultas. Dentro

desse gênero romance, a doce heroína comum quase sempre consegue

seu homem perfeito no final. Essas histórias de amor meloso e cor-de-rosa

raramente são mais estimulantes do que aqueles romances típicos da

editora Harlequin

O autor também conta que, nessa época, em certos quadrinhos, houve a

liberdade das criadoras a mostrar a sexualidade negada aos mangás para meninas:

No final da década de 1980, quase um quarto dos quadrinhos para moças

apresentava o chamado conteúdo hentai. Conhecido pela inicial “H”

(pronuncia-se “etchi”), o rótulo hentai é bastante abrangente, cobrindo

qualquer coisa entre o ligeiramente ousado e o seriamente pervertido. Em

revistas mensais como Aya, Rouge, e Comic Amour, o retrato feminino das

ligações eróticas entre uma secretária e seu chefe casado, uma estudante e

seu professor, uma dona-de-casa desprezada e seu amante ou outras

combinações, é tão desinibido quanto qualquer coisa mostrada nos mangás

de sexo editados para homens. A única distinção pode ser a inclusão de um

pouco mais de enredo e preâmbulos. Quem leva muito a sério a idéia de

que todas as mulheres japonesas são conservadoras e acanhadas, vai se

chocar com esses mangás “H”. [...]

Embora, essas revistas fossem direcionadas para mulheres da faixa etária de

19 a 29 anos, jovens de 15 anos liam, curiosas para saber o que as aguardariam no

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futuro.

Sobre as histórias e os temas decorrentes desse gênero temos o seguinte:

Há algumas pérolas em meio a essa “literatura para mulher”, variando de

buscas doentias pelo homem ideal, uma mistura de Sex and the City com O

Diário de Bridget Jones, a imprevisíveis psicodramas frequentemente

ilustrados num minimalismo de “linha clara”, similar à ilustração de moda. A

variedade de redikomi é tão grande quanto à de revistas femininas. Algumas

delas oferecem conselhos em forma de mangá sobre casamento, gravidez,

saúde e criação de filhos, enquanto outras motivam através de relatos do

glamour da telinha (“Mulheres em Programas de Variedades da TV”) ou de

mulheres de carreira ascendendo no mundo corporativo.

(GRAVETT, 2006, p. 123)

1.7 A chegada dos mangás no Brasil

Por causa dos imigrantes japoneses no Brasil, havia, desde cedo, a

importação de mangás, que chegavam por meio de navios a pedido das

importadoras que comercializavam o produto.

Segundo Luyten, o mangá teve um papel importante para os imigrantes

japoneses, além da alfabetização das crianças, havia a manutenção da língua

coloquial:

Os quadrinhos em geral são caracterizados pela inclusão de gírias, termos

correntes usados pelo povo, linguagem informal, e, no caso japonês,

principalmente após a Segunda Guerra, ocorreu grande quantidade de

palavras de origem inglesa que foram incorporadas ao vocabulário.

(LUYTEN, 2000, p. 194)

Luyten conta ainda sobre as influencias nas suas leituras dos mangás que

alguns artistas de quadrinhos tiveram como Júlio Shimamoto, Cláudio Seto.

Assim como no resto do mundo, antes dos mangás ficarem famosos, as

animações japonesas foram usadas como uma divulgação de seus traços

característicos. De acordo com Nagado (2005) a indústria dos animes (da

abreviação em inglês “animation”) surgiu discretamente nos anos 1950, mas

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“somente ganhou grande impulso na década de 1970, graças ao fenômeno Uchuu

Senkan Yamato (Encouraçado Espacial Yamato) conhecido no Brasil como Patrulha

Estrelar.”

Outros animes como Candy Candy, A princesa e o cavaleiro, Kimba o leão

branco, vieram nessa época.

Em 1988, o mangá Lobo Solitário de Kazuo Koike e Goseki Kojima, foi

publicado no Brasil, e cancelado em 1993. Outro título foi a história Akira, publicado

em 1990 pela editora Globo, durando um pouco mais que Lobo Solitário por causa

de sua animação cinematográfica. Outros títulos foram lançados sem grande

repercussão: Crying Freeman, Mai, a garota Sensitiva, A Lenda de Kamui. (OKA,

2005)

Nos anos 90 foi a vez da extinta Rede Manchete ganhar audiência com os

animes. Sailor Moon, Cavaleiros do Zodíaco, Shurato, entre outros, e séries de

efeitos especiais (em japonês tokusatsu) como Kamen Raider, e até Patrine.

Em 1999 e 2001, animes como Dragon Ball, Pokémon, Samurai X, Sakura

Card Captor viraram mania na TV aberta. [...] Então em 2001, a editora JBC lançou 4

títulos nas bancas: Samurai X, Sakura Card Captors, Video Girl Ai e Guerreiras

Mágicas de Rayerth. O mercado evoluiu e mais títulos foram lançados e mais

editoras se interessaram em publicar mangá. (OKA, 2005)

Hoje podemos encontrar nas bancas de jornal uma variedade significativa de

títulos de mangás lançadas por diferentes editoras, além de alguns outros poderem

ser encontrados em formato de livro.

1.8 Elementos que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos

Podemos perceber as diferenças acontecendo já em sua história,

comparando o desenvolvimento dos quadrinhos no ocidente com o modo que se deu

no oriente.

McCloud (2005, p. 210) descreve essa série de abordagens únicas em:

Colagem; Expressionismo; Ligação palavra-imagem; Movimento subjetivo;

Personagens icônicos; Efeito camuflador; Formatos; e Narrativa.

A partir do que McCloud observa, tratarei de cada um desses itens.

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1.8.1 Colagem ou inserção

Sobre a Colagem, McCloud (2005, p. 123) comenta:

E num sem-número de quadrinhos românticos escritos por Riyoko Ikeda e

outros, os conflitos emocionais interiores eram visualizados em colagem de

rostos e em efeitos simbólicos e expressionistas, que removiam a ênfase de

relações externas em favor de relações emocionais internas.

Essa técnica também pode ser chamada de inserção. Conforme Quella-Guyot

(1994, p.41):

uma inserção é uma imagem que, como o indica seu nome, é “inserida”,

embutida, numa outra bem maior. Seu tamanho favorece principalmente os

primeiros planos, mas em nenhum caso ela é sinônimo de primeiro plano.

Incluída numa vinheta de tamanho “normal”, a inserção mostra de bom

grado uma ação simultânea à da outra vinheta. Ela serve também para

evidenciar um detalhe cujo papel é iminente. Indiquemos contudo que a

grande vinheta também pode mostrar um plano aproximado de uma

personagem e a inserção numa vasta paisagem. Suas relações são

inseparavelmente narrativas.

1.8.2 Expressionismo

De acordo com McCloud (2005, p. 132-133), os efeitos expressionistas são

usados para criar emoções. Como exemplo: “um fundo distorcido ou expressionista

pode afetar nossa leitura dos estados interiores do personagem.”

Certos padrões podem produzir um efeito quase fisiológico no espectador...

só que ele vai atribuir essas sensações, não a si mesmo, mas aos

personagens com os quais se identifica. Claro que tais efeitos internos são

mais adequados pra história sobre questões internas. Quando uma história

se baseia mais na caracterização do que na trama, não há muito pra se ver

externamente, as o cenário mental dos personagens pode ser uma visão e

tanto! Esse princípio é evidente em muitos quadrinhos europeus e em

quadrinhos românticos japoneses, onde foram criados efeitos

expressionistas pra quase qualquer emoção imaginável!

1.8.3 Ligação palavra-imagem

Esse tópico tratará de explicar um pouco sobre a escrita japonesa (seus

ideogramas) e as onomatopéias.

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a) Escrita Japonesa

Luyten (2000, p.31-32) conta que só no século IX os japoneses utilizaram os

ideogramas na China e através dele fizeram seu silabário de 50 caracteres,

denominado hiragana, e a letra de imprensa, o katakana.

Assim, constatam-se as diferenças entre escrita japonesa e a nossa escrita

alfabética. Enquanto na japonesa cada ideograma representa visualmente uma idéia

das palavras,no nosso alfabeto é preciso decodificar as palavras em conceitos para

obter seu sentido.

Entre essa sequência de imagens significativas (que é a escrita

japonesa) e imagens sucessivas (que são as histórias em quadrinhos), há

portanto, uma continuidade: o mesmo traço de tinta e o mesmo

deslocamento linear do olhar à linha da narrativa. Dessa maneira, os

japoneses se acostumaram a visualizar muito mais as coisas do que nós

ocidentais. A aproximação entre abstrações de figuras e figuras

propriamente ditas é muito sensível, fluindo de um antigo costume de se

fazer a junção de ambas.

b) Onomatopeias

Luyten no seu artigo “Onomatopéia e mímesis no mangá” publicada na edição

52 da Revista USP comenta as diferenças:

[...] as onomatopéias no Ocidente são, a grosso modo, consideradas como

linguagem infantil e não totalmente integradas na maneira de falar adulta.

No idioma japonês não somente as onomatopéias mas também a mímesis

são parte integral da linguagem escrita e falada por um adulto e constituem

um universo à parte dentro do idioma.

Luyten conta ainda que dentro da categoria de onomatopéia na língua

japonesa, elas são classificadas em:

giseigo: as palavras que imitam sons de humanos ou animais, ou

onomatopéias de vozes;

giongo: que imitam sons ouvidos – como o bater de um sino ou o estraçalhar

de uma madeira;

gitaigo: palavras que expressam os estados ou condições de seres animados

ou inanimados, assim como mudanças, fenômenos, movimentos, crescimentos de

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árvores e plantas na natureza;

gijogo: que descrevem emoções ou sentimentos humanos.

1.8.4 Movimento subjetivo

McCloud (2005, p. 114) diz:

“Movimento Subjetivo”, como eu chamo, se baseia numa idéia: se a

observação de um objeto em movimento é envolvente, ser esse objeto deve

ser mais ainda. Artistas japoneses, no final dos anos 60, começaram a

colocar seus leitores “no banco do motorista”.

Ou seja, no movimento subjetivo, ao invés de fazer a personagem se mover, é

o cenário que se move no lugar. Na cena, a personagem permanece estática,

enquanto o cenário se desloca.

1.8.5 Personagens icônicos

Sobre personagens icônicos, McCloud (2005, p. 46) faz referência ao cartum

sendo esta uma forma simples, icônica, subjetiva e universal.

O autor explica sobre a universalidade do cartum, que ao retratar uma pessoa

o mais cartunizada possível mais rostos ela passa a representar. “Quando você olha

para uma foto ou desenho realista de um rosto, você vê isso como o rosto de outra

pessoa. Contudo, quando entra no mundo do cartum, você vê a si mesmo” E então:

“Nós não observamos o cartum. Nós passamos a ser ele.” (McCloud, 2005, p. 36)

1.8.6 Efeito camuflador

McCloud explica que esse efeito camuflador ou efeito máscara se deve ao

uso de paisagens realistas e personagens icônicos.

Por exemplo, enquanto a maioria dos personagens era desenhada com

simplicidade, para melhor identificação do leitor, outros eram feitos de forma

mais realista, pra serem objetificados, enfatizando sua “infamiliaridade” pro

leitor. No quadrinho japonês, a espada deve se tornar bem realista, não só

pra mostrar os detalhes, mas pra gente se conscientizar dela como objeto,

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uma coisa com peso, textura e complexidade física.

1.8.7 Formatos

Sobre a influência dos formatos em relação à transição aspecto-pra-aspecto,

McCloud (2005, p. 80) opina:

O tamanho pode ser um dos fatores responsáveis. Os quadrinhos

japoneses são publicados como livros de antologia, onde a pressão sobre

qualquer um dos capítulos pra mostrar muita coisa não é tão grande.

Quando se juntam as características individuais, vamos ter milhares de

páginas. Com isso, é possível dedicar muitos quadros pra mostra um lento

movimento cinematográfico ou estabelecer um clima.

No Japão as histórias são publicadas em capítulos em revistas periódicas

com mais de 400 páginas em papel jornal monocromática, variando entre rosa, azul,

verde, roxo ou preto. Luyten (2000, p. 43) explica:

A utilização dessas cores de papel pode parecer, à primeira vista, fortuita,

mas tem um significado relacionado com o contexto da história em que

figura, se levarmos em conta a simbologia das cores dentro da cultura

japonesa. [...] Para o leitor japonês, a presença das cores como pano de

fundo da história já é um indício para o significado do discurso e ajuda a

criar a atmosfera.

Depois de lidos, essas revistas são descartadas, assim como nossos jornais.

Somente quando certa quantidade de capítulos é publicada, a história pode ser

compilada em tamanho menor, com melhor qualidade de papel, chamado tankobon,

este para ser guardado e colecionado. Cada uma dessas revistas é voltada para

determinados públicos de diferentes faixas etárias e gêneros.

1.8.8 Narrativa

Determinados elementos implicarão mais na narrativa dos quadrinhos que

outras. Aqui passo a destacar as questões da transição de quadros, do

enquadramento e do tempo.

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a) Transição de quadros:

Analisando as transições de cena de diferentes histórias em quadrinhos,

McCloud observou que a grande parte delas era dominada pelas transições ação-

pra-ação e cena-pra-cena. Porém, nos quadrinhos japoneses as transições tema-

pra-tema estão em quase toda a ação, as de movimento-pra-movimento eram

responsáveis por 4%, e o mais surpreendente para McCloud foi presença maciça da

transição aspecto-pra-aspecto:

Na maioria das vezes, usada para estabelecer um clima ou sentido de lugar,

o tempo parece parar nessas combinações silenciosas. Até a sequência

parece menos importante aqui do que nos outros tipos de transição. Em vez

de atuar como uma ponte entre momentos distintos, aqui o leitor deve

compor um único momento, utilizando fragmentos dispersos. (McCLOUD,

2005, p.79)

McCloud (2005, p.81) conta que no Ocidente a cultura é muito orientada pelo

objetivo, já no oriente há toda uma tradição de obras de arte cíclicas e labirínticas.

Os quadrinhos japoneses parecem herdar uma tradição, enfatizando mais o

estar lá do que o chegar lá, mais do que em qualquer outro lugar,

quadrinhos é uma arte de intervalos. A idéia de que os elementos omitidos

de uma obra são tão partes dela quanto os incluídos é típica do oriente há

vários séculos. Nas artes gráficas, isso significou um grande enfoque nas

relações entre figura/fundo e no “espaço negativo” Na música, também,

enquanto a tradição do ocidente enfatiza os mundos ligados e contínuos da

melodia e harmonia, a música clássica oriental se preocupava com o papel

do silêncio. (McCloud, 2005, p.81-82)

b) Enquadramento

McCloud (2005, p.103) explica sobre o uso dos “quadros sangrados” –

aqueles que extrapolam a margem da página, técnica usada com freqüência no

Japão. Nele “o tempo não é mais contida pelo ícone familiar do quadro fechado. Ele

sofre uma hemorragia e escapa pro espaço infinito. Essas imagens podem

estabelecer o clima ou sendo de lugar em cenas inteiras pela sua presença

atemporal.”

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1.9 Personagem

Esse tópico se dispõe a estudar sobre a personagem na literatura.

Brait (1985, p. 11) conta:

[...] se quisermos saber alguma coisa a respeito de personagens, teremos

de encarar frente a frente a construção do texto, a maneira que o autor

encontrou para dar forma às suas criaturas, e aí pinçar a independência, a

autonomia e a “vida” desses seres de ficção”. É somente sob essa

perspectiva, tentativa de deslindamento do espaço habitado pelas

personagens, que poderemos, se útil e se necessário, vasculhar a

existência da personagem enquanto representação de uma realidade

exterior ao texto.

Portanto, para se estudar as personagens de mangá feminino é preciso

estudar sobre a sua linguagem, além do seu contexto de produção, os fatos

históricos, políticos e sociais de sua época.

1.10 Personagens dos mangás em geral

De acordo com Luyten (2000, p.73):

Os heróis são retratados como pessoas comuns que desejam tornar-se os

melhores naquilo que estão empreendendo. A ação das histórias está

voltada para como se deve ser o desempenho do herói para alcançar o

sucesso: treinos exaustivos, força de vontade e muita paciência.

Conforme Luyten (2000, p. 75) descreve: “Os mestres são caracterizados

como pessoas más, intransigentes e que maltratam seus aprendizes.” E sobre a

representação das personagens femininas nas revistas para rapazes:

[...] são frequentemente retratadas como objetos sexuais ou mulheres

idealizadas, usadas para dar mais encanto ou suavidade ao conteúdo do

mundo do mangá masculino. Há uma tendência recente para a criação de

personagens mais independentes ou amigos e confidentes de seus

parceiros, porém isso á encoberto pela grande porcentagem de heroínas

tradicionais. (LUYTEN, 2000, p.78)

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1.11 Personagens dos mangás femininos

Luyten (2000, p.76) diz o seguinte:

As heroínas dos quadrinhos japoneses chamam muito mais atenção pelo

seu aspecto físico: são altas, esguias, os cabelos na maioria das vezes

claros e ondulados, os olhos muito grandes. Essa marca registrada do

mangá feminino começou a tomar vulto a partir dos anos 50, e a geração de

japoneses nascida após essa época não consegue imaginar heroínas,

associando-as a outra imagem.

Apesar de muito parecidas, as heroínas são facilmente identificadas pelas

leitoras. “O que contribui para lhes dar individualidade é a maneira de caracterizá-la.

As roupas, os sapatos, os laços, os estilos de penteados são meticulosamente

dados para compor a personagem.”

A característica mais marcante nessas personagens são seus imensos olhos,

revelando força de expressão nas emoções, trazendo para alguns ocidentais certa

agressão e estranhamento, mas para outros pode trazer o romantismo.

Em relação aos personagens masculinos Luyten (2000 p.78) aponta:

[...] são apresentados de forma femininamente linda. Os heróis são

decorativos: na aparência física, distinguem-se pelas roupas e pela estatura

um pouco mais elevada do que a das heroínas. No conjunto, formam uma

representação quimérica do príncipe encantado que poderá chegar a

qualquer hora e levá-la para seu palácio.

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2. METODOLOGIA

Para a realização deste trabalho foi feita a pesquisa bibliográfica. Foram

consultados livros a respeito das histórias em quadrinhos e dos mangás. Assim a

fundamentação teórica foi organizada em história da história em quadrinhos e seus

elementos constituintes, a história do mangá e destacados os principais elementos

diferenciais em relação aos demais quadrinhos, dando destaque ao gênero shoujo e

algumas características formais dos personagens.

A partir disso, na análise, seriam escolhidos personagens de shoujo mangá

(gênero dos quadrinhos japoneses destinados ao público feminino) já publicados no

Brasil. A escolha foi difícil, visto ter, hoje, uma boa diversidade de títulos desse

gênero. Enfim, foram escolhidos personagens do mangá Eensy Weensy Monster de

Masami Tsuda.

O mangá Eensy Weensy Monster foi escolhido por ser relativamente curto,

uma história de 12 capítulos, publicado no Brasil pela editora Panini em 2 volumes

(no formato tankobon, compilação), portanto não recebendo tanto destaque quanto a

obra anterior da autora (Kareshi Kanojyo no Jijyo, apelidado de Karekano, também

publicado no Brasil pela editora Panini, em 21 volumes) e não aparentando tanta

profundidade que uma obra mais longa poderia mostrar. Como a própria autora

escreve em seu “diário” (espaço onde se comunica diretamente com os leitores

sobre qualquer assunto, chamado de free-talk), no final do segundo volume, o tema

para essa história era “relaxar”. Levando em consideração a justificativa dessa

pesquisa que é a importância da reflexão, podemos nos perguntar o que uma obra

como Eensy Weensy Monster poderia proporcionar ao leitor além do entretenimento.

Decidido o mangá, os personagens selecionados para análise foram o par

romântico da história: Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa.

A partir desses personagens serão analisados suas características físicas e

psicológicas através dos elementos dos quadrinhos que diferenciam o mangá,

destacados por McCloud: colagem, expressionismo, ligação palavra-imagem,

movimento subjetivo, personagens icônicos, efeito camuflador, formatos e narrativa.

E, através dessa análise, tentarei responder as seguintes perguntas:

Existe alguma ideologia por trás da representação visual das personagens?

Como é demonstrado o amadurecimento psicológico das personagens?

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3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS

Primeiramente farei uma introdução a respeito de Eensy-weensy Monster, e

sobre os personagens Nanoha Satsuki e Hazuki Tokiwa; depois será feita a

retomada dos elementos destacados por McCloud, dando exemplos de cada um

deles nas páginas do mangá estudado; só então será feito uma discussão dos

dados com base nas observações feitas nos exemplos anteriores.

Para as imagens ilustrativas de exemplos dos elementos, foi usado os

volumes compilados do mangá no original japonês. Os termos usados nos resumos

das personagens foram extraídos da tradução do mangá em sua versão brasileira.

3.1 Eensy-Weensy Monster

Eensy-weensy Monster é um mangá escrito e desenhado por Masami Tsuda.

Foi publicado originalmente na revista mensal Lala da editora Hakushensha em

dezembro de 2006. No Brasil o mangá foi licenciado pela editora Panini, sendo

lançado em 2009, com o subtítulo “o monstrinho dentro de mim”. Essa versão

brasileira manteve a ordem de leitura oriental, ou seja, da direita para a esquerda.

O mangá conta a história de uma garota do colegial chamada Nanoha

Figura 1: detalhes das capas das edições brasileiras de Eensy-Weensy Monster, respectivamente 1 e 2, lado a lado

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Satsuki, uma aluna comum que tem duas amigas muito populares na escola: Nobara

Ryuzaki, que é muito bonita, e Renge Midou, que é muito inteligente. Nanoha passa

seus dias escolares tranquilos e despercebidos dos demais, até que começa a notar

Hazuki Tokiwa, um garoto bom nos estudos e nos esportes e que é apelidado de

“príncipe” pelas suas várias admiradoras da escola. A partir daí, Nanoha cria uma

grande antipatia por Hazuki, sentindo como se um monstrinho tomasse conta de sua

personalidade. Certo dia, ao se encontrar com Hazuki, o monstrinho que há em

Nanoha solta tudo o que pensa a seu respeito, o que acaba mexendo muito com o

rapaz.

3.1.1 Nanoha Satsuki

Nanoha é a protagonista da história. Suas notas da escola estão na média,

seu desempenho nos esportes abaixo da média. Tem uma aparência comum, mas

mesmo assim as pessoas sentem certa inveja dela por ser amiga de infância da

maravilhosa Nobara Ryuzaki, “a encarnação de Oscar-sama do colégio Yotsuba”, e

Renge Midou, “a beldade mais inteligente da escola”. No entanto, Nanoha acaba

percebendo alguns problemas em ter amigas como Nobara e Renge: sua presença

nunca é percebida e ninguém se lembra de seu nome. Mas tudo isso não faz

Nanoha deixar de ser feliz e gostar as suas amigas.

Nanoha conta sobre algumas de suas especialidades como organizar cópias

para os alunos e dividir comida em partes iguais.

Quanto a família, Nanoha tem um irmão mais velho, chamado Raito, que tem

uma personalidade um tanto agressiva, mas que adora a irmãzinha. O pai e a mãe

de Nanoha aparecem pouco na história, aliás, uma observação que podemos fazer

aqui é que os personagens adultos (como o professor que sempre esquece o nome

de Nanoha Satsuki) em geral não têm uma grande participação na história.

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41

Nanoha faz a narração do primeiro capítulo aos leitores, contando seu ponto

de vista, que só tem gente peculiar à sua volta, que ela deve ser a única normal.

“Uma pessoa como qualquer outra, cuja maior felicidade é tomar um chá bem

quente assistindo à transmissão ao vivo do campeonato de sumô pela TV. Uma

pessoa tranquila que não perde a cabeça com qualquer coisinha.”

O monstrinho que vive em Nanoha é desenhado de forma iconizado,

lembrando um diabinho. Como se fosse uma espécie de consciência, por vezes ele

é mostrado ao lado da garota. Toda vez que altera sua personalidade tranquila, o

monstrinho sai do fundo do estômago de Nanoha aparecendo para os leitores.

3.1.2 Hazuki Tokiwa

Hazuki é um aluno da mesma escola que Nanoha, chamado de “príncipe”

pelas meninas que o rodeiam. Em contraposição a Nanoha, ele tira notas altíssimas

sem sequer estudar e “arrasa” em qualquer esporte. Tem uma aparência tão

Figura 3: Nanoha Satsuki, imagem interna de capa

Figura 2: o "monstrinho" de Nanoha Satsuki

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exuberante que em suas imagens aparecem estrelas cintilantes, mostrando seu

esplendor.

No começo da história Hazuki é convencido pela sua aparência de “príncipe”,

bonito, inteligente e esportista. Tendo sua bondade reprovada por Nanoha, já que

Hazuki só ajudava as garotas mais bonitas, ignorando as de aparência mais comum,

e fingindo não gostar da atenção dado pelas suas admiradoras, enquanto adorava

ser paparicado.

Hazuki se sentia ameaçado pelas amigas de Nanoha: por Nobara, que

mesmo sendo mulher fazia mais sucesso, ganhando mais presentes na época do

Natal do que ele; e por Renge por pegar o primeiro lugar na lista de melhores notas

da escola.

Hazuki levava sua vida conseguindo as coisas facilmente. Até que certo dia,

se depara com Nanoha no corredor da escola carregando um presente. Pensando

que o presente era para ele, Hazuki pega da mão de Nanoha sem exitar, fazendo

com que o monstrinho da garota aparecesse e o xingasse de “convencido de uma

figa”. Esse incidente acaba incomodando muito o garoto que fica ressentido e vai

perguntar a Nanoha qual o problema que ela tinha com ele, de maneira tão

arrogante, cheio de confiança, que faz com que o monstrinho apareça novamente e

lhe diga o quanto superficial é Hazuki. O garoto fica ainda mais incomodado e vai

desabafar com algumas de suas admiradoras que acabam rindo da situação toda e

dizendo outras verdades para ele. Hazuki que pensava ser popular entre as garotas,

era usado como “um bobo alegre fantasiado de príncipe cintilante”. A partir dessa

situação toda sua atitude começa a mudar drasticamente, notando coisas que antes

não percebia por estar sempre rodeado de garotas, como o olhar hostil dos meninos.

Assim como Nanoha narra a sua vida e seus pensamentos, também é

possível para o leitor ler a vida de Hazuki e saiba de seus pensamentos.

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3.2 Colagem ou Inserção

Usando a inserção, as personagens são destacadas. Logo na primeira página

de um novo capítulo, ou na introdução de um novo personagem ou ambiente, os

rostos são bem destacados, são engrandecidos em relação ao quadrinho, ignorando

os limites deste, entrando em primeiro plano.

Na página mostrada a seguir (figura 5), o personagem Hazuki é destacado em

relação ao cenário do primeiro quadro, seguido do rosto de Nanoha que passa do

limite de seu quadro, encobrindo parte do primeiro. Os dois ganham destaque na

página. Hazuki aparece com um pouco mais da metade do corpo, sendo distribuído

entre os dois quadros, não pertencendo a exatamente a nenhum deles por passar

dos limites, se transformando num elemento livre. Nanoha tem seu rosto bem

engrandecido, sendo muito maior do que a de Hazuki, mas mesmo assim

pertencendo a um plano anterior.

Como se fosse uma colagem, o cenário estaria no fundo, sendo colada a foto

de Nanoha e logo depois a de Hazuki. A partir disso, pode-se fazer a leitura de que

Nanoha esteja vendo Hazuki em destaque ao cenário urbano de fundo.

Visto este exemplo, podemos concluir que a colagem ou inserção tem a

função de destacar determinados elementos da página como a primeira imagem a

ser notado pelo leitor, dando certa grandiosidade à personagem.

Figura 4: Hazuki Tokiwa, imagem interna de capa

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3.3 Expressionismo

Os efeitos expressionistas são usados muito nos mangás, principalmente nos

shoujo mangá onde a trama foca o psicológico das personagens. São usados

diferentes padrões de desenho como fundo dos quadros que podem nos revelar ou

até intensificar o estado de espírito das personagens.

Figura 5: página 22 do capítulo 9

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Como pode ser visto na figura 6, no primeiro quadro é usado o desenho de

estrelas, criando um clima brilhante e reluzente ao redor do personagem Hazuki,

dando uma sensação de esplendor a ele e criando uma aura de beleza fora do

comum. Já no quadro abaixo, o padrão colocado de névoa negra, intensifica o

desagrado da personagem Nanoha juntamente com sua expressão de desdém.

Figura 6: página 24 do capítulo 145

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Na figura 7 podemos notar um fundo distorcido nos relatando que as

personagens estão numa grande confusão de sentimentos.

Figura 7: página 44 do capítulo 1

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47

Na figura 8 também temos um fundo distorcido, mas usado aqui para

intensificar o desagrado de Hazuki, que está com a expressão meio irritada,

franzindo um pouco as sobrancelhas, com a boca reta, e uma discreta veia saltando

na bochecha representando sua raiva.

Na figura 9, temos Nanoha com um padrão de flores brilhantes com pequenas

estrelas ao redor. A face da personagem demonstra um sorriso meigo, com

bochechas coradas. As flores brilhantes estão intensificando a felicidade de espírito

em que a personagem se encontra.

Figura 8: quadro da página 110 do volume 1

Figura 9: quadro da página 37 do volume 1

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Na figura 10 temos o padrão de cabeças de coelhinhos e flores. No quadro da

esquerda, Nanoha está mostrando uma face mais neutra, mas combinado com o

padrão, pode demonstrar por parte dela uma grande inocência. No quadro ao lado,

mesmo com a cara assustada, com olhos saltados, pingos de suor e boca aberta de

surpresa, o padrão desenhado ao seu redor faz com que pareça com uma criança

inocente.

Na figura 11, os olhos fechados, boca com um leve sorriso e sobrancelhas

levemente levantadas faz Nanoha ter uma face serena. A harmonia e leveza de seu

estado interior se intensificam ainda mais com o padrão desenhado: delicados

círculos quase transparentes.

Figura 10: quadro da página 83 do volume 2

Figura 11: quadros da página 17 do volume 2

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Como visto nos exemplos dados, podemos dizer que os efeitos

expressionistas tem a função de revelar o mundo interior da personagem ou até

intensificar a leitura de suas emoções em conjunto com sua expressão facial, gestos

ou/e postura.

3.4 Ligação Palavra-Imagem

Comparando com a escrita ocidental, a escrita japonesa se torna muito mais

visual, harmonizando com as imagens que estão sendo narradas.

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Na figura 12, onomatopeias são usados para diferentes sons, usados para

cada situação, e das formas hiragana e katana. Há falas fora dos balões, no primeiro

quadro. No segundo quadro, podemos notar o uso diferencial das fontes e tamanho

das letras em relação aos balões do quadro abaixo.

Figura 12: página 168 do volume 2

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Na figura 13, a forma das letras e do balão acompanham o som, mostrando

essa intensidade, expressando um grito estridente de susto e medo da personagem.

Figura 13: página 120 do volume 1

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Na figura 14, foi escolhido uma onomatopeia ocidental “Swish!” para a entrada

da bola na cesta.

Na figura 15 letras ocidentais “SAMURAI”, usado como um tipo de

onomatopeia para expressar o estado espírito conflituoso em que se encontra o

personagem.

Figura 15: detalhe da página 23 do volume 1

Figura 14: detalhe da página 146 do volume 2

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Na figura 16 os ideogramas japoneses novamente estão servindo como

padrão de fundo para expressar o estado de espírito do personagem. Foi usado um

trecho da obra “A arte da guerra” de Sun Tzu.

Figura 16: página 162 do volume 2

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3.5 Movimento Subjetivo

O cenário ao redor se tornam nada mais que linhas traçadas. Isso enfatiza a

dramaticidade do movimento, sendo extremamente exagerado, a figura 17 se torna

cômica.

A função do movimento subjetivo é dar dinamismo e intensidade para a ação

da cena, além de fazer com que o leitor se sinta no lugar da personagem.

3.6 Personagens Icônicos

Muitas vezes, em situações extremas, os personagens se transformam,

passam a ser desenhados mais simples e de modo deformado: seus corpos

diminuem e o nariz que quase não aparecia, sendo apenas um ponto ou risco,

desaparece completamente, exemplo mostrado na figura 18.

A função das personagens icônicas também é a de aproximar o leitor, fazer

com que ele passe a ser a personagem.

Figura 17: quadro da página 103 do volume 2

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3.7 Efeito Camuflador Ou Efeito Máscara

Estudado anteriormente na revisão teórica, o efeito camuflador ou efeito

máscara se deve a combinação de paisagens realistas e personagens icônicos. Com

a função de trazer um forte senso de localidade, os detalhes ambientais ativam a

nossa memória sensorial. Como exemplo temos a figura 19.

O uso desse efeito também pode ser visto na retratação mais realista de

objetos e de determinados personagens.

Figura 18: quadro da página 132 do volume 2

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Figura 19: página 76 volume 2

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3.8 Formatos

No Brasil o mangá Eensy-weensy Monster foi publicado já no seu formato

compilado (tankohon) com aproximadamente 200 páginas cada volume. No entanto

esse mangá foi originalmente publicado para uma revista mensal, portando sendo

dividido em capítulos.

Os capítulos são dados como “Passos” (step, no original) e nomeados com

relação aos meses do ano. O primeiro capítulo é composto de 40 páginas, já os

demais tem 30 páginas, percebendo aqui que há certa regularidade na quantidade

de páginas. O primeiro capítulo obtém mais páginas, talvez para dar uma melhor

introdução e chamar a atenção dos leitores para a história.

A regularidade na quantidade de páginas são administradas pela própria

revista. Esses formatos criam certo limite ao mesmo tempo em que direcionam o

rumo que o autor deve tomar ao fazer a sua história para o mangá.

A história de cada capítulo se passa em um determinado mês do ano em que

foi nomeado:

Passo 1. Dezembro Ainda eram dois estranhos

Passo 2. Janeiro As coisas se complicam

Passo 3. Fevereiro Os holofotes são dos irmãos

Passo 4. Março Enfim uma conversa decente

Passo 5. Abril Mês de mudanças (Nanoha à direita, Hazuki à esquerda)

Passo 6. Maio Transforma as meninas em monstrinhos

Passo 7. Junho O príncipe se apaixona

Passo 8. Julho Do monstrinho, ou melhor, da diabinha

Passo 9. Agosto Com finzinho um pouco amargo

Passo 10. Setembro Surge o verdadeiro amor da vida do príncipe

Passo 11. Outubro Aprendendo sobre a vida

Último Passo. Novembro Das lamúrias de um jovem príncipe

Segundo McCloud, o formato é um dos influenciadores da transição aspecto-

pra-aspecto. Em relação à numerosa quantidade de páginas, é possível dedicar

muitos quadros para mostrar um lento processo cinematográfico ou estabelecer um

clima. A pressão de mostrar muita coisa não é grande. Logo, pode-se concluir que o

formato afetará a narrativa da história.

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3.9 Narrativa

A narrativa tem a função de dar o ritmo à história a ser transmitida ao leitor.

Estudado na revisão teórica, em relação aos tipos de transição de quadros,

nos mangás em que McCloud analisou foi anotado por ele que as transições tema-

pra-tema estavam em quase toda a ação, as de movimento-pra-movimento eram

responsáveis por 4% e as de aspecto-pra-aspecto tinham uma presença maciça. E

em relação ao enquadramento e ao tempo, McCloud comenta que o uso de “quadros

sangrados” é uma técnica bastante empregada no Japão.

Na figura 20, podemos notar a presença da transição aspecto-pra-aspecto, e

o “sangramento” dos quadros. No terceiro quadro da página 134, podemos notar um

“espaço negativo”: um quadro em branco apenas preenchido com as falas da

personagem. Esse “espaço negativo”, visto na revisão teórica, mostra a ideia da

omissão de elementos como parte da obra, típico do oriente.

Na figura 21, temos a transição tema-pra-tema, quebrando uma transição

movimento-pra-movimento, quando Hazuki toca Nanoha e esta abre os olhos, e

também temos a presença dos “quadros sangrados”.

Tanto nas figura 20 como na 21, o “sangramento” dos quadros é tão grande

que passam para a outra página, tornando-se uma “página dupla”.

Como se trata mais de uma história que trabalha com o psicológico das

personagens, é comum ter esse tipo de quadro que transcende os limites, pois ele

tem justamente a função trazer atemporalidade para a cena, libertar o tempo do

quadro fechado. Podemos dizer que seria esse um modo de representar o tempo

psicológico nos quadrinhos. Assim os pensamentos das personagens fluem sem a

contagem exata do tempo corrido.

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Figura 21: páginas 134 e 135 do volume 2

Figura 20: páginas 174 e 175 do volume 2

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3.10. DISCUSSÃO DE DADOS

Como vistos anteriormente nos exemplos dados, cada um desses oito

elementos abordados tem uma função em relação à leitura dos quadrinhos

japoneses.

Alguns desses elementos irão nos revelar mais aspectos sobre a personagem

que outros. Outros podem nos especificar determinados aspectos desta. Pensando

nisso, podemos responder as seguintes questões levantadas no começo desta

pesquisa referentes à ideologia na representação visual da personagem e à

demonstração do seu amadurecimento psicológico.

Quanto à ideologia por trás da representação visual das personagens

Dos elementos abordados, os que podem nos dizer mais sobre a personagem

visualmente são: a colagem, o expressionismo, o movimento subjetivo, a iconicidade

das personagens e o efeito camuflador. Todos são usados com a pretensão de

aproximar o leitor da personagem. Eles tentam dar uma visão da própria

personagem ao leitor.

Quanto à ligação palavra-imagem, é ela que harmoniza a cena desenhada e

transforma a escrita visual em algo mais sonoro dentro de nossa mente. Assim,

podemos ser transportados ainda mais para o mundo dessa personagem.

Quanto à demonstração do amadurecimento psicológico das personagens

Os elementos que irão demonstrar e influenciar o processo de

amadurecimento das personagens são o formato e a narrativa.

Na narrativa temos a transição de quadros e o enquadramento das cenas.

Vimos que o formato cria uma influência sobre a narrativa, conforme o limite do

número de páginas a serem desenhadas.

Muito mais do que contar a história e os pensamentos da personagem, é

preciso saber como contar e como mostrar isso.

Na lenta narrativa mostrada em Eensy-weensy Monster, é possível notar

como as personagens mudam de pensamento e consequentemente de

comportamento. Mesmo que o tempo cronológico seja de mês em mês, de capítulo

para capítulo, o tempo psicológico perdura na narrativa nas transições aspecto-pra-

aspecto e nos “quadros sangrados”.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através dos estudos realizados nesse trabalho pude descobrir os elementos

que diferenciam o mangá dos demais quadrinhos, e entender, como leitora, que

mesmo sendo diferente das personagens, sendo de outro país e outra cultura,

acabamos sentindo empatia pelas personagens pela aproximação que determinados

elementos nos proporcionam, tornando, assim, a história cativante.

Além da ideologia descrita por Luyten sobre as personagens de shoujo

mangá, podemos compreender que não apenas a figura que compõe a personagem

traz a idéia, mas as figuras que a cercam também trazem uma carga significativa

para a composição da personagem.

Brait aponta que para sabermos algo a respeito da personagem precisamos

ver a construção do texto, a maneira como o autor encontrou para dar forma às suas

criaturas, concluindo a importância dos estudos feitos de maneira a separar, em

elementos, a linguagem utilizada pelos quadrinhos.

Aprendemos que cada elemento que encontramos terá uma função específica

sobre como a personagem será tratada. Cada elemento destacará determinada

característica da personagem e nos contará como esta personagem é. E, desse

modo, estudando cada um desses elementos, poderemos deixar de ser apenas

simples leitores para sermos leitores críticos, e ainda mais: nos tornarmos autores,

conseguindo fazer nossas próprias histórias.

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REFERÊNCIAS

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FEIJÓ, Mário. Quadrinhos em ação: um século de história. São Paulo: Moderna,

1997.

GRAVETT, Paul. Mangá: como o Japão reinventou os quadrinhos. São Paulo:

Conrad, 2006.

LUYTEN, Sonia M. Bibe. (Org.) Cultura Pop Japonesa. São Paulo: Hedra, 2005.

LUYTEN, Sonia M. Bibe. Mangá – o Poder dos Quadrinhos. São Paulo: Hedra,

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LUYTEN, Sonia M. Bibe. O que é quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1985.

LUYTEN, Sonia M. Bibe. Onomatopéia e mímesis no mangá. Revista USP, São

Paulo, n 52, p. 176-188, dez./fev. 2001-2002

McCLOUD, Scott. Desenhando quadrinhos. São Paulo: M.Books do Brasil Editora

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McCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M.Books do Brasil

Editora Ltda., 2005.

McCLOUD, Scott. Reinventando os quadrinhos. São Paulo: M.Books do Brasil

Editora Ltda., 2006.

QUELLA-GUYOT, Didier. A História em quadrinhos. São Paulo: Edições Loyola e

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Unimarco Editora, 1994.

TSUDA, Masami. Eensy-weensy Monster. Tokyo: Hakushensha Inc., 2008.

TSUDA, Masami. Eensy-weensy Monster. São Paulo: Panini Brasil Ltda, 2009.