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14 CIDADESA GAZETA DOMINGO, 25 DE AGOSTO DE 2013

DE VOLTA AOCENÁRIODE UMATRAGÉDIA

FREDERICO [email protected]

Oito dias antesda pedra des-moronar, algu-ma luz me indi-

cou o caminho para foradaquela casa. Só pode tersido coisa de Deus. Já mo-rava no Morro do Macaco,com marido e quatro fi-lhas, havia três anos. Foiaquele o morro que meacolheu depois que vim deResplendor, Minas Gerais,acompanhar meu marido,que havia arrumado umemprego de vigia.

Depois daquele sinal,sai dali em dois dias. Fuipara o outro lado do mes-mo morro, em uma partemais baixa, onde alugueioutra casa. Implorei queminha irmã Nelita, que ti-nha 40 anos, me acompa-nhasse.Elaeraminhavizi-nha. Mas nada a conven-cia. Dizia que, se fosse pa-ra morrer, morreria den-tro de seu lar.

Cadavezquechoviaeraum terror. A água descia

levando tudo o que via pe-la frente. Era tudo barracode madeira e eu não en-tendia como tudo conti-nuava de pé.

No dia que a pedra ro-lou, não sobrou nada. Nolocal onde minha irmã vi-via, só três das 15 pessoas

GILDO LOYOLA – 14/01/1985

Muitos dos 40 corpos – a maioria de crianças – nunca foram encontradosBERNARDO COUTINHO

Quase 30 anos após o deslizamento, Alverina continua morando com a família no Morro do Macaco

Alverina Augusta de Oliveira, 64, é sobrevivente de umadas maiores tragédias já vistas no Estado. Na madrugadade 14 de janeiro de 1985, uma forte chuva provocou odeslizamento de uma pedra de 150 toneladas, deixando150 feridos e 40 mortos – 12 faziam parte da família daex-faxineira. O cenário foi o Morro do Macaco, região doAlto Tabuazeiro, em Vitória, local que, 18 anos depois,ainda serve de morada para a aposentada. Todo essedrama foi retratado em páginas que marcaram a históriado Espírito Santo, do jornalismo capixaba e de A GAZETA.

“Não cheguei aver todos oscorpos porquenão deixaram.Reconheci doissobrinhos. Oresto continualá, embaixo daterra, até hoje”

se salvaram: meu cunha-do e dois sobrinhos. Dosmortos, só a minha irmã,que veio para Vitória meacompanhar, tinha maisidade, uns 40 anos. Os ou-troseramcrianças, filhosenetosdela.Omaisvelhoti-nha 12 anos.

Não cheguei a ver todosos corpos porque não dei-xaram. Reconheci apenasdoissobrinhos.Orestocon-tinua lá, embaixo da terra,atéhoje.Issoaindaapertaomeu coração. Assim comoacontece toda vez em queeu vejo parte da pedra, que

continua lá no alto.Depois de tudo, passei

um ano morando na casade minha sogra, em SãoTorquato, Vila Velha. Fi-quei tomando remédiocontroladopormuitotem-po para aguentar a dor.Masnãodavaparaficarna

casa dos outros. Tambémnão tinha dinheiro paraarrumar uma casa em ou-tro lugar.Voltei, então,pa-ra o Morro do Macaco.

O bairro continua larga-do.Parecequenãoexiste.Sóé lembrado na hora da elei-ção. Vivo com duas filhas, esuas famílias, em uma casade dois quartos, sala e umacozinha. Bem mais seguro.Mas toda vez que chove, omedo volta. Consegui meestabelecer trabalhandoco-mofaxineira.Eéestarpertode minha família o que medeixa feliz.

PATROCÍNIO:

Documento:AG25CACI014;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:24 de Aug de 2013 13:35:11

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