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unesp UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHOFaculdade de Cincias e Letras
Campus de Araraquara - SP
VANESSA GERTRUDES RABATINI
A CONCEPO DE CULTURA EM BRUNER E
VIGOTSKI:::IIMMPPLLIICCAAEESS PPAARRAA AA EEDDUUCCAAOO EESSCCOOLLAARR
ARARAQUARASOPAULO.2010
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VANESSAGERTRUDESRABATINI
A CONCEPO DE CULTURA EM BRUNER E
VIGOTSKI:::IMPLICAES PARA A EDUCAO ESCOLAR
Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programade Ps-Graduao em Educao Escolar da
Faculdade de Cincias e Letras UNESP/ARARAQUARA, como requisito paraobteno do ttulo de Mestre em Educao Escolar.
Linha de pesquisa: Teorias Pedaggicas,Trabalho Educativo e Sociedade.
Orientador (a): Lgia Mrcia Martins.
Bolsa: CAPES
ARARAQUARASOPAULO.2010
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Rabatini, Vanessa
A concepo de cultura em Bruner e Vigotski:
implicaes para a Educao Escolar/Vanessa GertrudesRabatini. Araraquara.127 f:il. ; xx cm
Dissertao (mestrado em Educao Escolar) Faculdadede Filosofia e Cincias Universidade Estadual Paulista,Araraquara, 2010.
1.Educao Escolar. 2.Psicologia da Educao. 3 . Cultura. I.Autor II. Ttulo.
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VANESSA GERTRUDES RABATINI
A CONCEPO DE CULTURA EM BRUNER E
VIGOTSKI:::IMPLICAES PARA A EDUCAO ESCOLAR
Dissertao de Mestrado, apresentada ao Programade Ps-Graduao em Educao Escolar daFaculdade de Cincias e Letras
UNESP/ARARAQUARA, como requisito paraobteno do ttulo de Mestre em Educao Escolar.
Linha de pesquisa: Teorias Pedaggicas,Trabalho Educativo e Sociedade.
Orientador (a): Lgia Mrcia Martins.
Bolsa: CAPES
Data de aprovao: ___/___/____
MEMBROS COMPONENTES DA BANCA EXAMINADORA:
Presidente e Orientador: Nome e ttuloUniversidade.
Membro Titular: Nome e ttuloUniversidade.
Membro Titular: Nome e ttuloUniversidade.
Local: Universidade Estadual PaulistaFaculdade de Cincias e LetrasUNESP Campus de Araraquara
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Para minha irm Taina Anzia Rabatini
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Primeiramente gostaria de agradecer minha orientadora e amiga, professora Lgia MrciaMartins, pessoa de carter mpar por quem tenho absoluto respeito e admirao. Agradeo adedicao e cuidado que sempre teve com e para alm da minha formao intelectual,
exigindo-lhe muitas vezes uma pacincia histrica. uma honra t-la como orientadora eestar sempre aprendendo ao seu lado.
professora Patrcia Laura Torriglia pela imensa contribuio terica neste trabalho. Pelaanlise criteriosa realizada no exame de qualificao. Pela imensa generosidade e prontido.
Ao professor Jos Luis Vieira, por me ensinar muito do materialismo histrico dialtico. Pelaamizade e solicitude.
professora Sandra Della Fonte, que muito gentilmente me acolheu nos momentos dedvidas. Por todo seu carinho, amizade e contribuio para este trabalho.
professora Silvia Sigolo e Ndia Eidt pela solicitude e pelo modelo de profissionais queso.
Ao professor Newton Duarte pela contribuio na minha formao intelectual.
Aos amigos e companheiros de luta e estudos, Mauro Sala e Afonso Mancuso.
Nathalia, Nanci e Gabriela Botura pela amizade, angstias e alegrias compartilhadas.
s minhas queridas amigas, Celina Rizzo, Haline dos Santos Mathias e Marcela Roque, pela
amizade pura, que apesar do tempo e distncia se intensifica e se constitui a cada dia.Agradeo por estarem sempre ao meu lado me acolhendo e fortalecendo.
Ao meu pai Valentim Rabatini que sempre muito humildemente me ensinou a valorizar abusca pelo conhecimento. minha querida irm Taina Anzia Rabatini e meus tios Gilberto eDirce Rabatini, pessoas a que tenho um amor inestimvel.
minha madrinha e amiga Adle Vitalino Herrera, Flvio Francisco e Eduarda Herrera pelocarinho e amizade ao longo de tantos anos.
Dante Villa Cl pela infinita amizade, compreenso e pacincia. Por me fazer acreditar noamor e por quem desejo e sonho intensamente dedicar vrios escritos ao longo da vida.
CAPES, pelo apoio financeiro.
Por fim, tomo as palavras de Joo Cabral de Mello Neto um galo sozinho no tece umamanh para afirmar que essa dissertao no seria possvel sem a unio direta e indireta entrens.
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Tecendo a manh
Um galo sozinho no tece a manh: eleprecisar sempre de outros galos.De um que apanhe esse grito que ele e olance a outro; de um outro galo queapanhe o grito que um galo antes e olance a outro; e de outros galos que commuitos outros galos se cruzem os fios desol de seus gritos de galo, para que amanh, desde uma teia tnue, se vtecendo, entre todos os galos.E se encorpando em tela, entre todos, seerguendo tenda, onde entrem todos, seentretendo para todos, no toldo (amanh) que plana livre de armao.
A manh, toldo de um tecido to areoque, tecido, se eleva por si: luz balo.
(NETO, Joo C. de Melo. Poesias completas. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1979. p.19-20)
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RESUMO
A presente pesquisa de mestrado teve como objetivo analisar a concepo de cultura em obrasselecionadas do psiclogo norte-americano Jerome Bruner e do psiclogo sovitico LevSemenovich Vigotski e as suas implicaes para a Educao Escolar. Este trabalho fruto deuma pesquisa de iniciao cientfica, que analisou as concepes de escola em autorescontemporneos sob a perspectiva da Teoria da Atividade, comparando-as com as ideias
pedaggicas contidas nos trabalhos de Vigotski, Leontiev e Luria. No decorrer dessa pesquisaconstatou-se que muitas dessas concepes sobre a escola eram perpassadas pela questo dacultura. Portanto, com o objetivo de um estudo aprofundado, selecionamos autores comoBruner e Vigotski porque ambos desenvolveram uma concepo de cultura que traz vriasimplicaes para a Educao Escolar na atualidade. Para analisar a cultura nas obras deBruner e Vigotski, procedemos inicialmente a uma primeira leitura exploratria por meio daqual apreendemos de suas obras ncleos tericos conceituais, sejam eles: universo simblico,narrativa e comunidade cultural, para o primeiro autor; e natureza social do psiquismo, signosou instrumentos culturais e funo psquica superior, para o segundo autor. Feito isso,realizamos uma anlise comparativa dessa concepo e constatamos que Bruner transita emum veio fenomenolgico hermenutico, afirmando premissas da ps-modernidade e domulticulturalismo; enquanto Vigotski em uma vertente materialista histrico-dialtica sustentaa ontologia do ser ligado sua historicidade e s relaes sociais. No que tange a anlisedialtica singular-particular-universal, conclumos que a concepo de cultura entre os dois
autores se distancia. Para Bruner essa concepo focada na particularidade aparente, jVigotski, entende que a prtica humana, na qual se inclui a produo da cultura, encerrasempre a relao entre o singular-particular-universal, por dotar-se de uma correspondnciaessencialmente histrica e universal.Palavras chave: Bruner, Vigotski, Educao Escolar, Cultura, Psicologia.
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ABSTRACT
The objective of this masters research was to analyze the concept of culture in selected worksof the North American psychologist, Jerome Bruner, and of the Soviet psychologist, LevSemenovich Vigotski, and the implications for school education. This work is the result ofscientific initiation research and is an analysis of the concept of school in the writings ofcontemporary authors, from the perspective of the activity theory, comparing these conceptswith the pedagogical ideas in the work of Vigotski, Leontiev and Luria. During the research,it was found that many of these concepts of school are imbued with the issue of culture. Inorder to carry out an in-depth study, we selected authors like Bruner and Vigotski, as bothdeveloped a concept of culture that has various implications for school education today. Toanalyze the concept of culture in the work of Bruner and Vigotski, we began with an initial
exploratory reading through which we grasped the existence in their work of a theoretical-conceptual unity, as follows: symbolic universe, cultural narrative and community in the caseof the first author, and the social nature of psychism, signs or cultural instruments, andsuperior psychic function, in the case of the second author. That done, we carried out acomparative analysis of this conception and found that Bruner follows a hermeneutic
phenomenological vein, affirming the premises of postmodernism and multiculturalism, whileVigotski, from a materialistic, historical-dialectic angle, supports the ontology of being linkedto his historicity and social relations. With regard to the singular-particular-universal dialecticanalysis, we concluded that the conception of culture is distant when comparing these twoauthors. For Bruner, the conception is focused on particularity, while for Vigotski, it is human
practice, including the production of culture, which always contains the relationship between
the singular-particular-universal, as it has an essentially historical and universalcorrespondence.Key words: Bruner, Vigotski, school education, culture, psychology.
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SUMRIO
INTRODUO....................................................................................................................... 11
CAPTULO I: A Concepo de Cultura em Jerome Bruner............................................. 23
1 A Psicologia Cultural e a Pedagogia Popular:origens e pressupostos gerais.................... 24
2 Aporte Terico Metodolgico........................................................................................... 27
2.1 A Pedagogia Popular e a Concepo de Conhecimento................................................ 27
2.2 Relaes entre Ensino e Aprendizagem......................................................................... 41
2.3 O Currculo e o Papel do Professor................................................................................ 43
3 Concepo de Escola......................................................................................................... 45
4 A Concepo de Cultura................................................................................................... 50
CAPTULO II: A Concepo de Cultura em Lev SemenovichVigotski........................... 54
1 Psicologia Histrico-Cultural: origens e pressupostos gerais........................................... 54
2 Aporte Terico Metodolgico........................................................................................... 60
2.1. A Teoria da Atividade....................................................................................................60
2.2 Relaes entre os Instrumentos Culturais, a rea de Desenvolvimento Prximo e aEducao Escolar................................................................................................................. 62
2.3 A Formao das Funes Psicolgicas Superiores........................................................ 66
3 Concepo de Escola........................................................................................................ 73
4 A Concepo de Cultura................................................................................................... 77
CAPTULO III: Anlise da Concepo de Cultura em Jerome Bruner e Lev S. Vigotski:
implicaes para a Educao Escolar .......................................................................................... 811 A Fenomenologia Hermenutica em Bruner..................................................................... 82
2 A Ontologia Crtica em Vigotski...................................................................................... 92
3 A Concepo de Cultura em Bruner e Vigotski............................................................... 95
4 A Educao Escolar para Bruner e Vigotski................................................................... 100
CONSIDERAES FINAIS............................................................................................... 105
REFERNCIAS.................................................................................................................... 113
ANEXOS................................................................................................................................ 120
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INTRODUO
Esta dissertao identifica a concepo1 de cultura em obras selecionadas de Jerome
Bruner e Lev S. Vigotski e suas implicaes para a Educao Escolar. Especificamente,
analisa a concepo de cultura e de suas relaes com a escola em trabalhos selecionados de
cada um desses autores, comparando suas aproximaes e distanciamentos.
Este trabalho um desdobramento de nossa pesquisa de iniciao cientfica:
Concepes sobre Educao Escolar em Pesquisadores Contemporneos na Perspectiva da
Teoria da Atividade, desenvolvida durante os anos de 2006 e 2007, com o apoio da FAPESP.
Esse estudo teve como objetivo, investigar as concepes sobre a Educao Escolar presentes
nos trabalhos de autores contemporneos que tenham a Teoria da Atividade como referencial
terico-metodolgico para suas pesquisas. E num segundo momento, comparar essas
concepes com as ideias pedaggicas contidas nos trabalhos de Vigotski, Leontiev e Luria.
No decorrer dessa pesquisa foi constatado que muitas das concepes de Educao Escolar
eram perpassadas pela questo da cultura com uma forte influncia das ideias brunerianas no
que concerne concepo vigotskiana de cultura. Nesse sentido, a anlise dessa concepo
tornou-se a chave para um aprofundamento e uma continuidade de nossos estudos nessadireo.
Como parte das contribuies da Psicologia Histrico-Cultural para a Educao
Escolar2, esta dissertao teve como objetivo um estudo aprofundado da concepo de cultura
em autores como Bruner e Vigotski, que alm de serem referncias no cenrio educacional,
desenvolveram uma concepo de cultura que traz vrias implicaes para a Educao
Escolar na atualidade.
Portanto, nossa primeira questo de pesquisa foi: Qual a concepo de cultura emBruner e Vigotski e quais as implicaes dessas concepes para a Educao Escolar? Esta
questo de grande importncia, uma vez que no cenrio educacional contemporneo
1 Optamos pela palavra concepo, em detrimento de conceito, com base no Dicionrio de FilosofiaNicolaAbbagnano (2007, p.199). Este termo designa tanto o ato do conceber quanto o objeto concebido, maspreferivelmente, o ato de conceber e no o objeto, para o qual deve ser reservado o termo conceito. Nessesentido, a concepo o nosso conceito revestido do particular e pessoal.
2 Visando o aprofundamento tanto no que se refere ao conhecimento dos pilares tericos da Psicologia Histrico-
Cultural, como tambm no que se refere ao debate sobre as principais correntes do pensamento pedaggicocontemporneo, este trabalho tambm procurou contribuir na constituio da Pedagogia Histrico-Crtica (1983,2005, 2006, 2007) como aporte terico que possa mediar prtica educativa.
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coexistem concepes de cultura no apenas distintas, como tambm, em alguns casos,
conflitantes entre si. Nesse sentido, um dos procedimentos que adotamos na tentativa de
desvelar os vnculos e rupturas postos no cenrio educacional entre Bruner e Vigotski foi a
realizao de uma reviso de literatura no portal da CAPES; com uma busca nas categorias:
resumos, teses e dissertaes. Explicitamos agora, passo a passo, os resultados desse
processo.
Em um primeiro momento foram usadas para a busca as palavras: Jerome Bruner e
Vigotski. Foram levantados 20 trabalhos, dos quais selecionamos 17; os outros 3 no tinham
Bruner e Vigotski como centralidade, fazendo maior aluso a autores como Piaget, Ausebel,
Gardener, entre outros. Em um segundo momento, foi utilizada a frase: A concepo de
cultura em Vigotski, tendo sido levantadas 150 teses e dissertaes. Dessas 150 teses edissertaes no apareceram ideias acerca da concepo de cultura em Vigotski, apenas as
palavras, sem relacionar cultura ao autor, e mais uma vez o nome Vigotski no era o
referencial central. Em um terceiro momento, utilizamos a frase: A concepo de cultura em
Bruner, que obteve como resultado 4 dissertaes.
Em um quarto momento, pesquisamos:A concepo de cultura em Bruner e Vigotski,
e nada constou. Por fim, optamos pela seguinte frase: cultura em Vigotski e Bruner sendo
encontrado apenas um trabalho j selecionado na primeira busca. No total foram selecionados15 trabalhos, que analisamos com base em sua rea de conhecimento e linha de pesquisa.
Mais precisamente se estavam vinculados Educao Escolar, e principalmente, se estavam
associados aos trabalhos de Bruner e Vigotski. Destes 15 trabalhos selecionados, destacaram-
se 5 deles3: 1. Reflexes sobre Linguagem e constituio da conscincia: relaes com a
linguagem escrita. 01/08/2005. 2. Anlise das oportunidades de aprendizagem em aulas
expositivo-participativas: estudo de caso de um professor de Biologia. 01/03/2005. 3.
Narrativas intergeracionais: o papel educativo da narrativa e a importncia da mediaodialgica na relao idoso-criana-adolescente. 01/08/2005. 4. Linguagem teatral e
aquisio de contedos escolares: uma perspectiva cultural e histrica. 01/08/2005. 5.As
estratgias discursivas na interao entre professor e aluno: suporte mediado e
comunicao. 01/09/2007.
Os trabalhos selecionados no correspondem diretamente ao tema de nosso trabalho,
ou seja, uma anlise da concepo de cultura em Bruner e Vigotski. Porm, so relevantes no
3 Encontram-se em anexo os resumos destes trabalhos.
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que concerne s implicaes pedaggicas dessa concepo, e para a concluso do que tem
sido produzido nessa rea at o momento.
O primeiro trabalho analisa algumas questes sobre a natureza da conscincia e da
conscincia lingustica; em suma, as relaes entre conscincia e linguagem escrita,
desencadeadas por concepes presentes nas pesquisas sobre conscincia fonolgica que,
segundo a autora, suscitou um aprofundamento terico. Este aprofundamento terico se
embasou em Bruner e Vigotski, tambm em Bakhtin, Ferreiro, Olson e Ong.
A segunda pesquisa se insere em uma linha investigativa, pautada na abordagem
cognitivista da aprendizagem, procurando compreender a fala nas situaes de ensino e seus
impactos no processo de aprendizagem dos alunos. Segundo a autora, este trabalho tem
referncia na psicologia scio-histrica, a respeito da caracterizao do pensamento e daestrutura dos conhecimentos cientficos, articulando esse embasamento a resultados que
demonstraria a proficuidade de construes tericas oriundas de conceitos como o bruneriano:
scaffolding4. Cabe enfatizar, que a autora cita Bruner por meio de outros autores, para a
anlise de situaes concretas de interao entre professor-aluno.
O terceiro trabalho teve como objetivo pesquisar o papel educativo e cultural das
narrativas intergeracionais e a importncia da mediao na relao idoso-criana-adolescente,
visando o estabelecimento de vnculos entre geraes nos processos educativos. Essa pesquisanorteou-se segundo a autora, em reflexes cognitivistas-culturalistas de Jerome Bruner e
pelos estudos socioculturais e interacionais de Vygotsky, o que desembocaria no conceito de
mediao dialgica, ao focar a narrativa e a memria como processo de construo e
reconstruo de conhecimentos significativos.
A quarta pesquisa analisou o papel do teatro, entendido como recurso didtico para a
aprendizagem de conceitos cientficos ligados disciplina de Histria. A anlise do processo
e dos resultados foi feita a partir do referencial terico de Vigotski, Bruner, Brecht e Boal, oque, conforme o autor inscreveria seu trabalho em uma perspectiva histrica e cultural, j que
haveria encontrado em Vigotski os fundamentos para a atividade coletiva e para as situaes
de interao social geradoras de zonas de desenvolvimento potencial, bem como para os usos
de variados recursos semnticos prprios da atividade teatral, que permitem maior riqueza de
mediaes. Em Bruner, a pesquisa encontraria apoio para a promoo da aprendizagem a
partir de uma estrutura conceitual subjacente e para a importncia do professor como principal
mediador do processo de aprendizagem.
4Scaffolding refere-se palavra andaime em ingls.
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O ltimo trabalho analisado investigou estratgias discursivas utilizadas por um
professor de ingls como lngua estrangeira na interao com seus alunos em sala de aula,
com o intuito de oferecer algum tipo de auxlio lingustico na aprendizagem da lngua
estrangeira. Esta pesquisa, segundo o autor, adotou a teoria sociocultural como eixo
orientador, tomando como principais referncias as noes vygotskyanas de suporte mediado
(scaffolding) e zona de desenvolvimento proximal.
Entendemos que em tais resumos, a concepo de linguagem (narrativa, discurso ou
fala), encontra-se na posio de eixo articulador desses trabalhos, bem como na associao da
teoria de Vigotski e Bruner. Outro aspecto que pode ser inferido que todos os trabalhos que
realizam uma aproximao entre os dois autores parecem ter como referncia as obras de
Vigotski das tradues do ingls, veja-se apenas a utilizao da nomenclatura Vygotsky (ouso do y de influncia do ingls), ou seja, esto de acordo com o que se foi disseminado da
obra vigotskiana a partir de uma leitura norte-americana. Como podemos notar, os autores
contemporneos fazem a juno da obra bruneriana e vigotskiana, tendo por base vrias
justificativas que se desdobraram ao longo do tempo, fruto de uma releitura da obra desses
autores, que apesar de suas especificidades, acabam sendo agrupadas indiscriminadamente.
Neste sentido, esta dissertao se props a esclarecer essas aproximaes incoerentes e
apresentar, em torno do ncleo central cultura, a especificidade terica de cada autor.Consideremos ainda que, a anlise da concepo de cultura em Bruner e Vigotski pode
trazer contribuies para as pesquisas no campo da Educao Escolar, tanto no que se refere
s discusses sobre as relaes entre cultura e contedos escolares, como tambm no que se
refere aos estudos sobre o carter essencialmente cultural dos processos psicolgicos
presentes na atividade de aprendizagem daqueles contedos.
Para a consecuo dos objetivos presentes neste trabalho, recorremos aos preceitos
metodolgicos do materialismo histrico-dialtico que ancoram a metodologia comparada, talcomo proposto por Torriglia. De acordo com esta autora em seu texto Ontologia, Educao
Comparada e Produo de Conhecimento: preocupaes terico-metodolgicas na pesquisa
educacional5, segundo a qual, a metodologia comparada uma possibilidade para
proporcionar um conhecimento especfico de cada fenmeno singular como um campo
possvel de regularidades, semelhanas e diferenas. Apoiamo-nos tambm na tese da autora,
5 O seguinte texto uma verso ampliada do paper apresentado nas V Jornadas de Educacin: Educacin y
Perspectiva: contribuciones tericas y metodolgicas en debate. Crdoba, 4 y 5 de julio de 2007. UniversidadNacional de Crdoba. Facultad de Filosofa y Humanidades. Centro de Investigacin Maria Burnichon.Crdoba. Argentina.
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defendida em 2004, e que se intitula: A Formao Docente no Contexto Histrico-Poltico
das Reformas Educacionais no Brasil e na Argentina. Neste trabalho, Torriglia prioriza os
aspectos terico-metodolgicos com base em uma ontologia crtica, ao realizar uma anlise
comparativa no que concerne formao docente no contexto das reformas educacionais
entre Brasil e Argentina nos anos de 1990.
A autora adota a perspectiva ontolgica de Georg Lukcs, fundamentada em Marx, de
compreenso de aspectos da totalidade social em seu processo histrico, marcado pelo
complexo da relao sujeito-objeto e o movimento entre o singular, particular e o universal.
Esse processo de produo e reproduo social da vida humana inicia-se com o primeiro ato
histrico trabalho e constitui-se por objetivaes cada vez mais complexas entre as
relaes humanas e a dialtica das atividades teleolgicas dos indivduos. Nessa direo,Torriglia (2007, p. 3) aponta que a perspectiva onto-metodolgica abordada por Lukcs
requer um compromisso intelectual abrangente. De acordo com a autora, na argumentao
ontolgica, os processos sociais so analisados a partir de uma base cientfica e filosfica para
a compreenso de seu complexo e contraditrio movimento. Essa perspectiva, portanto,
entende o significado da ontologia proposta por Lukcs baseada fundamentalmente em Marx,
bem como o processo de mediaes sociais nela implcito, que permite uma compreenso
mais acurada do complexo educacional e sua articulao com a realidade social, ou seja,busca-se desvelar e compreender os fenmenos educacionais no apenas em sua aparncia,
mas tambm em sua essncia.
Buscamos tambm respaldo metodolgico em Martins, (2001, 2006, 2007), para quem
a metodologia de cunho marxista deve buscar a essncia da realidade objetiva humana em
toda sua complexidade, ou mltiplas determinaes. A construo do conhecimento demanda
ento, a apreenso do contedo do fenmeno, prenhe de mediaes histricas concretas que
s podem ser reconhecidas luz das abstraes do pensamento, isto , do pensamento tericoconceitual. Para Martins, no se trata de descartar a forma pela qual o dado se manifesta, pelo
contrrio, trata-se de sab-la como dimenso parcial, superficial e perifrica do mesmo.
Portanto, o conhecimento calcado na superao da aparncia em direo essncia requer a
descoberta das tenses imanentes na intervinculao e interdependncia entre forma e
contedo.
O mundo emprico representa apenas a manifestao fenomnica da realidade em suas
definibilidades exteriores. Os fenmenos imediatamente perceptveis, ou seja, as
representaes primrias decorrentes de suas projees na conscincia do homem,
desenvolvem-se superfcie da essncia do prprio fenmeno. Fundamentado neste princpio
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marxiano, Kosik (1976) afirma que a essncia do fenmeno no est posta explicitamente em
suapseudoconcreticidade (concreticidade aparente), no se revelando de modo imediato, mas
sim pelo desvelamento de suas mediaes e de suas contradies internas fundamentais.
Nesse sentido, fundamentando-se no pensamento dialtico buscamos entender a concepo de
cultura em Bruner e Vigotski para alm do que Kosik (1976) chamou de
pseudoconcreticidade, ou seja, em suas manifestaes imediatas. O fenmeno contm em si
a essncia no desvendada, e esta essncia que nos propusemos extrair da concepo de
cultura nesses dois autores.
Logo, para analisarmos a questo da concepo de cultura nos trabalhos de Bruner e
Vigotski, procedemos inicialmente a uma primeira leitura exploratria, por meio da qual
procuramos apreender cada trabalho como uma unidade terico-conceitual para, em seguida,estabelecermos relaes entre os trabalhos selecionados de cada autor.
Dessa primeira anlise, destacamos os ncleos conceituais mais significativos para
nossa temtica, sejam eles na obra bruneriana (universo simblico, narrativa e comunidade
cultural) em Vigotski (natureza social do psiquismo, signos ou instrumentos culturais e
funo psquica superior), e a partir deles, procedemos a uma anlise comparativa da
concepo de cultura nos dois autores.
importante explicitar que esta dissertao no teve por objetivo analisar de formaabsoluta, ou seja, de forma acabada, a concepo de cultura no pensamento contemporneo;
no s por saber que isso ultrapassaria em muito os limites de uma dissertao de mestrado,
mas tambm pela conscincia de que o tema cultura um dos mais complexos na atualidade,
como afirma Eagleton:
Cultura considerada uma das duas ou trs palavras mais complexas danossa lngua [ingls], e ao termo que por vezes considerado o seu oposto
natureza comumente conferida a honra de ser o mais complexo detodos (EAGLETON, 2005, p. 9).
Nessa perspectiva, Eagleton (2005), ao analisar a ideia de cultura toma o seu oposto, a
natureza. Portanto, para entendermos a concepo de cultura para alm de sua aparncia
devemos tomar o todo que se estabelece na relao que chamamos primeira natureza
(natureza orgnica) e segunda natureza (natureza cultural). Essa relao mediada pelo
trabalho, e organizada em nossa sociedade pelo modo de produo capitalista.
A complexidade do tema cultura revela-se, entre outras coisas, na grande diversidadede significados que o mesmo assume nos estudos realizados por psiclogos, antroplogos,
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moderno e nos mostrar a produtividade de entendermos que melhorfalarmos de culturas em vez de falarmos em Cultura (VEIGA, 2003, p.1-11).
Uma das questes que analisamos a respeito da concepo de cultura em Bruner e emVigotski justamente a compreenso de como esses autores abordam o tema das relaes
entre cultura universal e cultura local. Existe na obra desses autores espao para a ideia de
cultura universal? Dariam eles apoio para proposies multiculturalistas no campo da
Educao Escolar? Claro que, ao refletirmos sobre essas questes, procuramos no perder de
vista o contexto histrico e cultural no qual ambos viveram e produziram. Nesse sentido,
pautada em uma concepo histrica que permeia a nossa posio metodolgica no
transpomos para suas obras discusses que nelas no estejam presentes. E esse um pontoque focamos no momento da anlise comparativa entre as ideias de Bruner e Vigotski no
tocante cultura, pois os estudos do primeiro no campo de uma psicologia cultural pertencem
s duas ltimas dcadas do sculo XX e foram realizadas no contexto da Amrica do Norte e
da Europa, ao passo que o segundo realizou suas pesquisas no contexto da Unio Sovitica na
primeira metade do sculo XX, no perodo que vai de 1917, ano de sua formatura e da
Revoluo Russa, at 1934, ano de sua morte.
Importa-nos ainda, analisar a concepo de cultura em Bruner, na medida em que ele um dos mais destacados psiclogos culturais do mundo ocidental e desempenhou um decisivo
papel nos destinos que a obra de Vigotski teve nas suas apropriaes por autores ocidentais.
No por acaso Bruner escreveu, no incio dos anos de 1960, o prlogo da primeira edio
norte-americana do livro Pensamento e Linguagem de Vigotski (BRUNER, 1962), e vinte e
cinco anos depois escreveu o prlogo do primeiro volume das obras escolhidas de Vigotski,
publicado nos Estados Unidos (BRUNER, 1987). Alm disso, proferiu em 1996, em um
congresso internacional que comemorou, em Genebra, o centenrio do nascimento tanto de
Piaget como de Vigotski, uma conferncia intitulada Piaget e Vigotski: celebrando as
diferenas (BRUNER, 2006, p. 187-197) e no ano de 2005 gravou uma conferncia que foi
exibida na seo de encerramento do primeiro congresso da International Society for Cultural
and Activity Research, realizado em Sevilha, Espanha.
Bruner (1997, p.22) reconhece que Vigotski teria sido um dos primeiros psiclogos a
estudar o papel constitutivo que a cultura exerceu sobre a evoluo da natureza da espcie
humana, e que exerce sobre o desenvolvimento psicolgico dos seres humanos. O psiclogo
americano defende o desenvolvimento de uma psicologia que tenha em seu centro a ideia de
significados culturalmente produzidos e compartilhados e, mais do que isso, uma psicologia
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que veja a si mesma inserida nos processos culturais de compartilhamento e negociao de
significados. Defendendo a ideia de que o relativismo no to perigoso quanto alguns
afirmam, Bruner aponta que a relatividade dos significados e dos valores no implica uma
total falta de referncias, pois estas seriam constitudas pelo estilo de vida e pela comunidade
cultural:
Tanto a abordagem irracionalista como a racionalista desconsideram umponto crucial: os valores so inerentes a compromissos assumidos comestilos de vida, e os estilos de vida, em sua complexa interao, constituemuma cultura. Ns no fazemos com que nossos valores eclodam caso a caso,
por puro modismo, ao sabor de cada situao de escolha, nem elesconstituem o produto de indivduos isolados, sujeitos a fortes impulsos e
neuroses compulsivas. Ao contrrio, eles so compartilhados e dizemrespeito nossa relao com uma comunidade cultural (BRUNER, 1997, p.34).
A ideia de comunidade cultural um dos conceitos centrais em nossa anlise da
concepo de cultura em Bruner e suas implicaes para a Educao Escolar. Essa afirmao
ampara-se na anlise que realizamos das consideraes feitas por Bruner acerca da
complexidade dos objetivos educacionais (BRUNER, 2001, p. 71-87)7. Neste texto, Bruner
tem como objetivo analisar as antinomias da educao no atual contexto histrico do povo
norte-americano, contexto esse considerado por Bruner revolucionrio no que concerne s
constantes mudanas do conhecimento e da vida social. Seriam trs essas antinomias: a
primeira corresponderia contradio entre o desenvolvimento humano individual e o
desenvolvimento da sociedade, a segunda concerniria contradio entre uma aprendizagem
de carter inato e uma aprendizagem em que o indivduo apropria-se de ferramentas culturais
j existentes na sociedade, por meio da transmisso do professor e a terceira corresponderia
concepo de cultura na Educao.
Com base nessas antinomias na obra bruneriana, questionamos: a cultura local seria
legtima em si mesma ou a cultura seria uma expresso universal de todos os povos
independentes de raa, etnia ou gnero? Para esclarecer essas antinomias Bruner apresenta
exemplos de projetos desenvolvidos na educao norte-americana e defende a necessidade das
escolas tornarem-se comunidades de aprendizagem mtua:
A nica questo que eu gostaria de registrar que o que se precisa nosEstados Unidos assim como na maioria dos pases do mundo desenvolvido
no simplesmente uma renovao das qualificaes que tornam um pas
7 A primeira publicao desse livro em ingls data do ano de 1996.
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um melhor concorrente nos mercados mundiais, mas uma renovao e umareconsiderao do que chamei de cultura escolar. Tentei caracterizar anova idia de se criar comunidades de aprendizes. De fato, com base no queaprendemos nos ltimos anos sobre a aprendizagem humana que ela melhor se for participativa, proativa, comunitria, cooperativa e se tiver porobjetivo construir significados, ao invs de receb-los, nos samos melhorno ensino das cincias, da matemtica e das lnguas nestas escolas do que emescolas mais tradicionais (BRUNER, 2001, p. 84).
Por sua vez, Vigotski atribua grande importncia ao domnio da cultura no processo
de desenvolvimento psicolgico da criana. A passagem abaixo ilustra como ele analisava as
relaes entre a cultura e o desenvolvimento psicolgico, bem como suas implicaes no
campo pedaggico:
Antes os psiclogos estudavam de maneira unilateral o processo dodesenvolvimento cultural e o processo da educao cultural. Procuravamaveriguar que capacidades naturais condicionam a possibilidade dodesenvolvimento da criana, em quais funes naturais da criana deviaapoiar-se o pedagogo para introduzi-la em uma ou outra esfera do cultural.Analisava-se, por exemplo, como o desenvolvimento da linguagem ou aaprendizagem da aritmtica dependem de suas funes naturais, como so
preparados durante o desenvolvimento das funes naturais e do crescimentonatural da criana, porm no se analisava o contrrio, isto , como aassimilao da linguagem ou da aritmtica transformam essas funes
naturais, a profunda reorganizao que introduzem em todo o curso dopensamento natural, como interrompem e deslocam as velhas tendncias elinhas do desenvolvimento. O educador comea a compreender agora quequando a criana adentra na cultura no somente toma algo dela, nosomente assimila e se enriquece com o que est fora dela, mas sim que a
prpria cultura reelabora em profundidade a composio natural da condutae d uma orientao completamente nova a todo o curso dodesenvolvimento. A diferena entre os dois planos de desenvolvimento docomportamento o natural e o cultural se converte em ponto de partida
para a nova teoria da educao (VIGOTSKI, 1995, p. 305).
A influncia da cultura sobre o desenvolvimento psicolgico era estudada por Vigotskia partir da anlise do processo de emprego de signos como meios auxiliares das funes
psquicas, transformando-as de funes espontneas em funes voluntrias. As funes
psquicas mediadas pelo uso dos signos existentes na cultura eram consideradas por Vigotski
como funes superiores e seriam elas as responsveis pela diferenciao entre o psiquismo
humano e o psiquismo animal. Vigotski comenta as consequncias, para a atividade psquica,
do uso dos signos, apresentando os resultados de uma pesquisa realizada por Leontiev sobre a
funo psquica da memria. Como explica Vigotski (1995, p. 254-256), a pesquisa realizada
por Leontiev revelou que medida que a criana cresce e submetida Educao Escolar,
desenvolve-se o uso de recursos mnemotcnicos, ou seja, o uso de recursos externos que
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auxiliam a memorizao, e ento, a memria cultural (mediada por signos) desenvolver-se-ia
cada vez mais rapidamente do que a memria natural (espontnea, sem o uso de signos).
Vigotski compara esse processo ao impacto que o uso de instrumentos trouxe atividade
humana: a incluso de um signo em qualquer processo remodela toda a estrutura das
operaes psicolgicas, da mesma forma que a incluso da ferramenta remodela toda a
estrutura da operao de trabalho (VIGOTSKI, 1929, p.254).
nesse contexto que Vigotski (1995) defende a tese de que todas as funes psquicas
desenvolvem-se do exterior para o interior, ou melhor, do social para o psicolgico, ou seja, a
princpio surge no plano coletivo como categoria interpsquica e depois no interior da criana
como categoria intrapsquica.
Claro que uma anlise entre Bruner e Vigotski, no que se refere concepo decultura, no escapou de abordar as relaes entre o famoso conceito vigotskiano de rea de
desenvolvimento prximo e a famosa metfora bruneriana de andaime (scaffolding), na
medida em que h aproximaes entre esses dois conceitos, e tambm a ideia de que andaime
seria outro conceito de Vigotski implcito em sua obra (BRUNER, 1997). Tambm
procuramos responder qual seria a diferena entre ambos os autores tendo como horizonte o
desenvolvimento da criana.
Perante os limites temporais postos realizao de uma pesquisa em nvel de mestrado,selecionamos da obra de Bruner e de Vigotski aqueles trabalhos que, a princpio, estivessem
mais prximos ao objeto desta pesquisa. Desta forma, no primeiro captulo, ao analisarmos a
concepo de cultura de Bruner, adotamos esse critrio para seleo de seus trabalhos,
acrescido do fato de que o prprio autor, na introduo ao segundo volume de uma coletnea
de seus textos em educao8, apresenta um marco delimitador da fase de sua obra na qual ele
teria se voltado mais decisivamente para a questo da cultura. Nessa introduo, Bruner
(2006, p.1) esclarece que seus trabalhos relacionados educao reunidos nesse citadovolume, escritos a partir de 1979, apresentam uma caracterstica que os diferencia
marcadamente daqueles escritos anteriormente, medida que a partir dessa data ele passou a
interessar-se mais acentuadamente pela questo de como as culturas modelam o
desenvolvimento mental. Nesse sentido os trabalhos de Bruner selecionados para este estudo
so: The collected Work of L.S Vygotsky, Volume I, (1987); Realidade Mental e Mundos
Possveis (1986); Atos de significao (1997); Cultura da Educao (1996) e Search of
Pedagogy (2006).
8 In Search of Pedagogy Volume II: The selected works of Jerome Bruner; 2006.
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Em relao ao segundo captulo, ao analisar a concepo de cultura em Vigotski, no
entramos em discusses sobre as possveis periodizaes das obras desse autor. Esse tema
extrapolaria os limites desta pesquisa. Nesse sentido, a seleo feita de trabalhos de Vigotski,
teve por critrio a opo por textos nos quais Vigotski abordasse questes nas quais se
explicitassem mais claramente sua concepo de cultura. Os trabalhos de Vigotski selecionados
para este estudo so os seguintes: The Problem of the Cultural Development of the Child
(1929); El Mtodo Instrumental en Psicologa (1991); Problemas de Psicologa General
(1993); Historia del Desarrollo de las Funciones Psquicas Superiores (1995) e O Mtodo
Instrumental em Psicologia (1996).
O terceiro captulo apresenta, luz da metodologia comparada, os fundamentos da
ontologia presente em Bruner e Vigotski, a partir do qual podemos analisar comparativamentea concepo da cultura nesses dois autores e suas implicaes para a Educao Escolar.
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CAPTULO I
A CONCEPO DE CULTURA EM JEROME BRUNER
Neste captulo, teceremos consideraes gerais acerca da obra bruneriana, bem como
apresentaremos anlises centrais para a compreenso de sua concepo de cultura no limite
das obras selecionadas para essa pesquisa.
De incio abordaremos, brevemente, o contexto histrico e social em que foram
desenvolvidos os trabalhos de Jerome Bruner e a constituio de sua Psicologia Cultural e
Pedagogia Popular. Mais tarde, apresentaremos as expresses e relaes dessa concepo nos
temas ensino-aprendizagem, currculo, professor e escola.
A concepo de Psicologia Cultural nos remete a Psicologia Popular, na medida em
que esta na obra bruneriana o instrumento de anlise da primeira. Por conseguinte, a
Psicologia Popular, corresponde esfera da vida idiossincrtica dos sujeitos e orienta a
Pedagogia Popular. Esta pedagogia corresponde ao senso comum dos alunos e professores
acerca de como se d o processo de ensino e aprendizagem, o que o autor chama de teorias
populares.
Nessa direo Bruner categoriza quatro concepes de teorias pedaggicas ou modelos
de mente que ele reconhece no campo educacional e tece seus pressupostos em relao a cada
uma delas, que sinteticamente, enumeramos aqui: 1. Enxergar as crianas como aprendizes
por imitao: a aquisio do know-how; 2. Enxergar as crianas como se estas aprendessem a
partir da exposio didtica: a aquisio do conhecimento proposicional; 3. Enxergar as
crianas como seres pensantes: o desenvolvimento do intercmbio intersubjetivo; 4. Ascrianas como detentoras de conhecimento: a lida do conhecimento objetivo. Estes quatro
modelos de mente so divididos pelo autor em dois grupos: internalista-externalista e
intersubjetiva-objetiva.
Entendendo que toda concepo pedaggica est vinculada tambm a uma concepo
de conhecimento, na sequncia da Pedagogia Popular, abordamos a viso de conhecimento do
autor. Desta forma, destacamos a concepo do Construtivismo Social presente na obra
bruneriana, que transita no seu entendimento de apreenso da realidade e que se expressa empressupostos como: habilidade, narrativa, linguagem, realidade, selfe pensamento. Dentre tais
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pressupostos destaca-se a linguagem, como eixo norteador dos demais. Finalizaremos com
consideraes acerca da concepo de cultura bruneriana a partir dos ncleos tericos:
universo simblico, narrativa e comunidade cultural.
1 A Psicologia Cultural e a Pedagogia Popular: origens e pressupostos gerais
A obra do psiclogo norte-americano Jerome Bruner foi fortemente marcada pela
revoluo cognitiva do final da dcada de 1950 e incio da dcada de 1960 e por uma segunda
revoluo cognitiva na dcada de 1980, que permaneceria at os dias atuais. Essa primeirarevoluo, segundo Bruner (1997) 9, foi uma resposta ao objetivismo behaviorista, escola de
psicologia experimental predominante da poca, que descartaria, segundo os propulsores
desse movimento, as atividades simblicas dos seres humanos. Essa revoluo visou trazer a
mente de volta s cincias humanas, com uma abordagem mais interpretativa da cognio,
interessada na produo de significado, e com a contribuio de outras reas, como a
antropologia, a lingustica, a filosofia, a teoria literria, entre outras (BRUNER, 1997, p.15).
Cabe observar que, concomitantemente, a essa revoluo na cincia acadmica, o contextopoltico e social da poca teve como marco o conflito ideolgico da Guerra Fria.
Nesse perodo, houve uma mudana paradigmtica, na medida em que o
comportamento10 deixa de ser objeto e passa a ser dado de pesquisa nas cincias humanas. O
propsito foi o de descobrir os mecanismos internos da mente que culminariam nesse
comportamento. Nesse sentido, essa revoluo cognitiva abarcou o surgimento de correntes
na psicologia.
Segundo Bruner (2001), existiram duas correntes da psicologia durante esse perodo.Essas duas correntes teriam sido expresses divergentes das concepes sobre a mente
humana. A primeira tinha a hiptese de que a mente poderia ser concebida como um
mecanismo computacional, e a segunda, de que a mente seria construda pela cultura humana.
Nesse sentido, cada uma dessas duas correntes possua ideias distintas sobre como a mente
poderia ser melhorada por meio da educao. Bruner concebe a primeira corrente como
viso computacional e a segunda como culturalismo.
9 As datas que constam como referncias so das publicaes brasileiras, portanto, no correspondem data daprimeira publicao no original, apesar de tambm seguirem uma ordem crescente em sua cronologia no queconcerne obra do autor.10 O uso da palavra comportamento refere-se escola behaviorista de Skinner.
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No computacionalismo, a educao limitada aos auxlios oferecidos mente
passveis de operao por um mecanismo computacional, ou seja, trata do processamento de
informaes. Essa viso toma as informaes como dadas e assume trs formas: a primeira, a
de reformular antigas teorias da aprendizagem, a segunda, analisar a aplicao da teoria
computacional em estudos que demonstrariam como novatos tornar-se-iam especialistas e a
terceira e ltima forma a coincidncia de que a teoria computacional estaria ligada a
metacognio ou teoria cognitiva.
Na perspectiva de Bruner, distintamente da abordagem computacional, a abordagem
culturalista na psicologia cognitiva e na educao vista como parte integrante de uma
concepo mais ampla, que a de cultura. Essa abordagem ressalta a intersubjetividade, ou
seja, de que forma os seres humanos passam a conhecer as mentes uns dos outros. Bruneraponta que um equvoco dizer que a psicologia cognitiva na sua abordagem culturalista
descartaria a emoo e o sentimento na sua verso cultural. Ele ressalta a representao da
emoo e do sentimento nos processos de produo de significado e em nossas construes da
realidade (BRUNER, 1998).
Atuante nesse movimento, Bruner empenha-se na proposta de uma Psicologia Cultural
que teve o campo da educao como referncia para suas pesquisas. Os primeiros
empreendimentos do autor se deram na tentativa de amenizar os impactos da Guerra Fria naeducao norte-americana que, preocupada em manter sua tecnologia frente da antiga
URSS, focou seu ensino nas reas de cincias e matemtica, provocando lacunas de
conhecimento nas demais (BRUNER, 2001).
Esse esforo para diminuir o empobrecimento dos contedos escolares norte-
americanos impulsionou, portanto, o autor a elaborar propostas de superao deste problema e
aps esses primeiros empreendimentos, a relao entre cultura e a aprendizagem escolar
comeou a tomar forma em seus trabalhos.Segundo Bruner, ao entrar em contato com expoentes da escola de Vigotski, como
Alexander Luria, sua confiana nas teorias de Jean Piaget abalou-se. O autor percebeu que as
teorias piagetianas dariam pouco espao para o papel capacitador da cultura no
desenvolvimento mental, e ressalta que isso no fez dele um vigotskiano, medida que
apenas utilizou-se de alguns trabalhos do autor para pensar a respeito da educao. Nesse
sentido, Bruner foi delineando ao longo da trajetria de sua obra uma Psicologia Cultural,
que, inicialmente, buscou um enriquecimento nos contedos da escola norte-americana,
propondo um novo modelo pedaggico de ensino-aprendizagem que ser expresso na sua
concepo de Pedagogia Popular.
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A dcada de 80 do sculo XX foi palco de um renascimento do interesse pela cultura
da educao, tanto teoricamente como nas prticas em sala de aula. Foi o incio da segunda
revoluo na Psicologia, ou o renascimento da primeira, j que ressurgem vrias questes que
no haviam sido respondidas no primeiro empreendimento11. E de acordo com Correia
(2003), Bruner se encontraria tambm atuante nessa segunda revoluo. Conhecida tambm
como interpretativismo, ela procurou interpretar os fenmenos cognitivos sempre luz da
cultura humana, dirigida produo de significados. Correia (2003, p.507) explica que
no demorou muito e as mesmas questes que levaram primeira revoluoressurgiram, uma vez que o novo caminho no foi capaz de respond-las.Em outras palavras, as questes verdadeiramente psicolgicas, relacionadas
caixa preta e que implicavam em mente ou subjetividade, permaneciamfora do cenrio que se dizia da Psicologia. Iniciou-se, ento, um novomovimento revolucionrio, mais forte, mais claro e mais consciente, emboratambm mais lento. Nesta segunda revoluo, Bruner est to presente eatuante quanto na primeira. Este autor afirma que tal revoluo ainda estacontecendo e chama-se transacionalismo, no sentido de mente situada,compartilhada, em transao ou negociao, e como sinnimo tambm decontextualismo, contra o objetivismo ilusrio.
Para Bruner, o problema que enfrentamos nos dias de hoje, consiste na nfase do
significado para a informao, e da construo do significado para o processamento de
informaes. O autor bastante explcito em afirmar que se a primeira revoluo se voltou
contrria a um positivismo reinante na psicologia, essa segunda revoluo buscou diminuir
esse tecnicismo a que se voltaram s reas humanas no campo da Psicologia e da Educao.
Assim, nessa segunda revoluo cognitiva, a questo central voltou-se para a construo de
uma cincia mental em torno do conceito de significado e dos processos pelos quais as
significaes so criadas e negociadas dentro de uma comunidade (BRUNER, 1997, p. 21).
Cabe enfatizarmos que, para Bruner, a informao no seria conhecimento uma vez
que, para o autor, conhecimento sempre concebido por meio da atividade do sujeito em seu
universo simblico pessoal, ou seja, por meio das significaes que ele vai construindo ao
longo de sua vida. O conhecimento aquilo que verdade para o indivduo, visto que a
forma pela qual entendemos e representamos nossa realidade. Nesta perspectiva, a informao
no concebe a realidade do indivduo.
11 Na dcada de 50, do sculo XX, como j abordamos, a psicologia cognitiva promoveu uma revoluoparadigmtica ao colocar a conscincia no centro das pesquisas em psicologia novamente, culminando com o
surgimento das correntes computacionalista e culturalista. No entanto, a abordagem cognitiva dominante foi acomputacionalista, na medida em que a Revoluo da Informtica ocorria no mundo ps-industrial, desviando ointeresse da mente e do significado para oprocessamento de informao (BRUNER, 1997, p.20). Desta forma, aabordagem da interpretao dos sistemas simblicos veio a ganhar fora apenas na dcada de 80.
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2 Aporte Terico Metodolgico
Em Bruner, cuja aproximao da filosofia hermenutica notvel, a realidade
subjetivada, ou seja, relativizada de acordo com o ponto de vista de cada indivduo. E
nenhuma teoria verdade definitiva, j que h verses de conhecimento, prprias a cada
indivduo e comunidade, que se d em sua produo de significado. A realidade expressa
por meio das narrativas dos sujeitos de forma a relativizar, tambm, o conhecimento na
qualidade de uma verdade particular e sempre passvel de interpretaes, havendo ainda, um
enfoque pela atividade mental e linguagem simblica dos sujeitos.
A linguagem uma manifestao humana capaz de representar seus estados mentaisque, quando passa a ser narrativa ou discurso, individualizadamente, passa a expressar a
identidade de algum. Portanto, realidade, narrativa e conhecimento se equivalem na condio
de verses de mundo a serem interpretadas. Para Bruner (2001) a realidade compreendida
como um crculo hermenutico sujeito interpretao e no a explicao.
2.1 A Pedagogia Popular e a Concepo de Conhecimento
Jerome Bruner prope a necessidade de uma Psicologia Cultural que levasse em conta
a produo de significados para a constituio social da mente, e tambm uma chamada
Psicologia Popular (BRUNER, 1997) como instrumento da primeira.
A Psicologia Popular levaria em conta: as intenes, as vicissitudes e crenas dos
personagens no contexto em que nascem, alm de ser, tambm, uma caracterstica daPsicologia Cultural e se constituir pelos significados institucionalizados e relacionados s
aes humanas.
Dentre as obras de Bruner, selecionadas para essa pesquisa, h uma evoluo de
nomenclatura e concepo acerca da preconizao de um modelo de mente, que surge
inicialmente como Teoria da Instruo (1 publicao em 1966), depois como Psicologia
Popular(1 publicao 1990), e por ltimo como Pedagogia Popular(1 publicao 1996). A
Psicologia Popular (as intenes e crenas das pessoas) orientaria a Pedagogia Popular dos
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professores, pais, entre outros no ato de ensinar.12 Nesse sentido, a Psicologia Popular se
expressa nas teorias intuitivas e cotidianas dos indivduos.
A Pedagogia Popular a ao de qualquer sujeito, seja uma bab, uma me ou um
professor, (tidos como tericos da pedagogia, para o autor) em socializar sua Psicologia
Popular a uma criana. Desta forma, Bruner (2001, p. 55) prope que devemos aplicar a teoria
psicolgica prtica, ou seja, situar nosso conhecimento terico na sala de aula ou em
contexto vivo.
Entendemos assim, que na proposta dessa Pedagogia Popular o autor no difere
conhecimentos tericos, referentes aos contedos escolares, das ideias idiossincrticas dos
indivduos; bem como no difere um profissional pedaggico (professor) de qualquer pessoa
que possa ensinar algo a uma criana.Acerca da relao central entre mente e cultura na obra bruneriana, que se d no
processo de produo de significados e sua incorporao, na condio de processo educativo,
Feldman tece algumas consideraes:
Bruner estabelece uma relao especial entre a mente humana e a cultura, e,portanto, entre o desenvolvimento da mente e a educao. Em um duplo
sentido essa proposta mediadora. Em primeiro lugar, porque cr que otrabalho daquele que aprende est entre o ensino e a aprendizagem. Emsegundo lugar, porque o prprio desenvolvimento da mente reside em umaidia de mediao. O desenvolvimento da mente, dos dispositivos com osquais conhecemos e organizamos a informao, produto da interiorizaode ferramentas. Nos termos de Bruner, o desenvolvimento da mente
possvel pela interao com uma cultura que proporciona a caixa deferramentas.Esta relao est mediada por algum conhecedor que j domina essesinstrumentos. Se a educao tem algum sentido forte, o de ajudar odesenvolvimento intelectual mediante a incorporao de instrumentos nolimite de interaes mediadas pela linguagem, pelo dilogo. Por isso suaafirmao de que compreender a educao entender como se transmite umacultura (FELDMAN, 2001, p.4) 13.
12 Cabe aqui, explicitarmos, um pouco dos vnculos entre a Psicologia e a Pedagogia no campo das cinciashumanas. Entendemos que estas duas reas do conhecimento relacionam-se, na medida em que, odesenvolvimento, objeto de anlise da Psicologia, condicionado pelo processo pedaggico. Rubinstain apudDavidov (1987) afirma: o que para uma objeto, para outra condio. Desta forma, podemos compreenderde maneira mais clara a relao que Bruner estabelece entre Psicologia Cultural e Pedagogia Popular.
13 Bruner establece una especial relacin entre la mente humana y la cultura, y, por lo tanto, entre el desarrollo dela mente y la educacin. En un doble sentido, su planteo es mediador. En primer lugar, porque cree que entre laenseanza y el aprendizaje intermedia el trabajo del que aprende. En segundo lugar, porque el propio desarrollo
de la mente descansa en una idea de mediacin. El desarrollo de la mente, de los dispositivos con los cualesconocemos y organizamos la informacin, es producto de La interiorizacin de herramientas. En trminos deBruner, el desarrollo de la mente es posible por la interaccin con una cultura que proporciona la caja deherramientas.
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Nesse movimento entre mente14 e cultura, a educao aparece como mediadora. Desta
forma, podemos destacar que a concepo de uma Psicologia Popular ressurge em um livro
mais atual do autor, Cultura da Educao (2001), juntamente com o conceito de Pedagogia
Popular. Portanto, a cultura ou a caixa de ferramentas, forneceria instrumentos a serem
assimilados pelos indivduos por meio da educao, tais como signos sociais, os quais so
negociados ou compartilhados por meio deste processo. E pode-se inferir neste item que a
escola uma comunidade na qual os indivduos negociam os seus significados.
A Pedagogia Popular concebida como o senso comum dos professores e alunos
que vigora cotidianamente, ou seja, o que eles entendem da maneira como os processos de
ensino e aprendizagem se do. E o que o professor e o aluno esperam um do outro, dentro desuas concepes de cotidiano. Destarte, para Bruner (2001, p.54)
quase que completamente desconsiderado pelos behavioristas anti-subjetivosno passado, nossas interaes com os outros so profundamente afetadas pornossas teorias intuitivas cotidianas sobre como outras mentes funcionam.Essas teorias, que raramente so explcitas, so onipresentes, mas s h
pouco tempo foram submetidas a um estudo intenso. Tais teorias leigasagora so chamadas, profissionalmente, pelo nome bastante condescendentede psicologia popular. As psicologias populares refletem determinadas
tendncias humanas (como ver as pessoas normalmente como se estivessemoperando sob seu controle), mas elas tambm refletem algumas crenasculturais sobre a mente, profundamente arraigadas. A psicologia popularno apenas trata da forma como a mente funciona aqui e agora, mas tambmest equipada com noes sobre como a mente da criana aprende e atmesmo o que a faz crescer. Da mesma forma que somos guiados nainterao corriqueira por nossa psicologia popular, tambm somos guiadosna atividade de ajudar as crianas a aprender sobre o mundo por noes depedagogia popular.
Quando um terico da pedagogia quer introduzir uma inovao no processo de
ensino e aprendizagem, afirma Bruner, necessariamente entrar em conflito com essas teorias
populares ou crenas culturais. Desta forma, ele sugere uma desconstruo dessa
pedagogia, fazendo com que os professores e as crianas consigam pensar sobre seu
Esta relacin est mediada por algn conocedor que ya domina esos instrumentos. Si la educacin tiene algnsentido fuerte, es el de ayudar al desarrollo intelectual mediante la incorporacin de instrumentos en el marco deinteracciones mediadas por el lenguaje, por el dilogo. De ah su afirmacin de que comprender la educacin es
entender cmo se transmite una cultura (FELDMAN, 2001, p.4).
14 Utilizamos a palavra mente de acordo com a terminologia adotada pelo autor, que tambm poderia ser tomadacomo conscincia.
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pensamento. Este processo, segundo o autor, deveria vigorar nas prticas educacionais das
salas de aula.
Sob essa perspectiva, a aquisio do conhecimento pelos alunos se daria de forma
derivacional, j que se consideraria que a criana j conhece o suficiente para ir alm, ou
seja, partir do conhecimento cotidiano do aluno ou de sua crena popular. De modo mais
detalhado, categoriza algumas concepes alternativas sobre as mentes dos aprendizes, ou
seja, teorias pedaggicas que ele chamou de Modelos da Mente e Modelos de Pedagogia:
1. Enxergar as crianas como aprendizes por imitao: a aquisio do know-how
Existiriam dois pressupostos neste modelo: o primeiro de que se pode ensinar os
menos habilidosos por meio de demonstrao e que eles possuem a habilidade de aprenderpor imitao (BRUNER, 2001 p.60), e o segundo de que a demonstrao de um modelo e a
imitao possibilitariam o acmulo de conhecimentos culturalmente relevantes, at mesmo a
transmisso da cultura de uma gerao outra. Porm, segundo o prprio autor, ao se utilizar
desses preceitos para ensinar, deve-se levar em conta um novo pressuposto, o de que a
competncia humana consistiria em talentos, capacidades e habilidades, e no em
conhecimento e compreenso. Sendo que, a competncia humana, do ponto de vista da
imitao, s poderia ser adquirida por meio da prtica. No entanto, esse modelo impediria oconhecimento derivacional, ou o que ele tambm chamou de habilidade flexvel, quando se
aprende com a combinao da prtica e da explicao conceitual.
2. Enxergar as crianas como se estas aprendessem a partir da exposio didtica: a
aquisio do conhecimento proposicional
Neste modelo pedaggico, entendido como um ensino didtico, o autor parte
inicialmente do pressuposto de que o aluno ignora o que lhe ser ensinado. O conhecimentoestaria nos livros ou nas mentes dos professores devendo ser, portanto, consultado ou
escutado pelos alunos. Neste modelo de mente, a habilidade no considerada apenas
competncia mental para se adquirir novos conhecimentos. Para Bruner, esse modelo o mais
empregado na atualidade, tendo como exemplo as questes de mltipla escolha; no qual
presume-se que a criana uma tabula rasa, em uma posio passiva, sendo cumulativo o
conhecimento colocado em sua mente. Entretanto, alega que a criana deveria sair dessa
posio de receptora, passando posio ativa de primeira pessoa.
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3. Enxergar as crianas como seres pensantes: o desenvolvimento do intercmbio
intersubjetivo
J neste modelo, a aprendizagem desenvolvida por meio da discusso e da
colaborao. A criana incentivada a expressar melhor seus pontos de vista para que
construa um entendimento com seus colegas, o que Bruner chama de um encontro de
mentes. O modelo presumiria que todas as mentes humanas so capazes de ter crenas e
ideias, e que por meio da interao e discusso so movidas em direo a uma estrutura de
referncia compartilhada.
Na concepo bruneriana, a criana, assim como o adulto, possui uma teoria sobre o
mundo e sobre sua prpria mente. Essas teorias, que segundo o autor so ingnuas,
harmonizar-se-iam com as dos pais e professores, no pela imitao nem pela instruodidtica, mas por meio do discurso, da colaborao e da negociao (BRUNER, 2001,
p.62). um conhecimento compartilhado dentro do discurso, sendo um modelo mutualista e
dialtico, e mais envolvido com a interpretao do que com o conhecimento factual.
Mas essa viso no se centraria na criana simplesmente, buscando um
entendimento entre professor e aluno, segundo ele, encontraria nas intuies da criana as
razes do conhecimento sistemtico, como haveria recomendado Dewey.
Quatro linhas de pesquisas enriqueceriam esta perspectiva:a) A intersubjetividade relacionada forma como a criana desenvolveria sua habilidade de
ler outras mentes;
b)As teorias da mente que envolveriam a compreenso pela criana dos estados intencionais
dos outros suas crenas, suas promessas, intenes, desejos, em outras palavras;
c) A terceira linha intitula-se metacognio e teria como objetivo estudar como as crianas
pensariam sobre lembrar e pensar em especial por conta prpria, sendo o mais importante o
pensar sobre suas prprias operaes cognitivas afetando seus procedimentos mentais;d) A aprendizagem colaborativa que se concentraria na forma como as crianas explicariam e
revisariam suas crenas no discurso (esta linha de pesquisa floresceu na Sucia e no nos
Estados Unidos, aponta o autor).
Ainda sob a perspectiva bruneriana, essas linhas de pesquisa teriam em comum a
maneira pela qual a criana organizaria e pensaria a prpria aprendizagem diferentemente do
que chamou de teorias psicolgicas mais antigas, ou tradicionais, que impunham modelos
cientficos sobre as atividades cognitivas das crianas.
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4. As crianas como detentoras de conhecimento: o manejo do conhecimento
objetivo
Para este modelo pedaggico ou modelo de mente, o conhecimento sempre passvel
de ser revisado, o que, segundo Bruner, no poderia ser confundido com certo relativismo
desregrado, j que nenhuma teoria verdade definitiva, todas as teorias, como todas as
pessoas so iguais (BRUNER, 2001, p.65).
Essa quarta perspectiva considera que o ensino deveria ajudar as crianas a
compreenderem a distino de seu conhecimento pessoal do que j est colocado em seu meio
cultural. Mas h de se ter parcimnia, observa o autor, ao descartarmos conhecimentos
objetivos acumulados na sociedade. O uso do termo objetivo neste modelo refere-se no a
um conhecimento objetivo da realidade, mas sim sua resistncia ao tempo, porque todoconhecimento possui uma histria.
Portanto, o conhecimento idiossincrtico dos indivduos relacionado ao que
conhecido ou ao que resistiu ao tempo. Ele tambm ressalta que h sempre uma verso do
conhecimento realizada por cada um dos aprendizes.
As quatro vises de ensino (Modelos de Pedagogia), segundo Bruner, podem ser
agrupadas em duas dimenses: a primeira a dimenso internalista-externalista, a segunda,
a dimenso intersubjetiva-objetiva . A primeira tida como externalista pelo fato de osadultos proporcionarem uma aprendizagem para as crianas de fora para dentro. Aspecto o
qual, seria o principal da psicologia educacional tradicional. A segunda, como descrio do
grau de intersubjetividade ou de entendimento comum entre os tericos da pedagogia e dos
sujeitos aos quais se relacionariam suas teorias.
Para Bruner (2001) as teorias objetivistas no passam de mero treinamento que um
professor realizaria com seu aluno. Os tericos intersubjetivos criaram teorias psicolgicas
que so teis para as crianas na organizao de sua aprendizagem e no manejo de suas vidas,assim como para os adultos que com elas trabalham. E ao descrever esse modelo de
pedagogia, intersubjetiva-objetiva, nos deixa clara sua viso construtivista, ao apresentar a
ideia da criana como ser ativo e central no modelo pedaggico. Para ele, a criana um ser
ativo e intencional como o conhecimento construdo pelo homem no algo simplesmente
dado, mas sim negociado com os outros indivduos.
Bruner acreditava que a Pedagogia Moderna estaria indo cada vez mais em direo a
metacognio da criana, ou seja, que esta ltima deve estar ciente de seus prprios processos
de cognio. Concluindo assim, que atingir habilidades e acumular conhecimentos no basta,
deve-se tambm equipar o aluno com uma boa teoria da mente, sendo esta a funo do
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professor ou, como ele chamou: terico da pedagogia. Seria um estudo de como a criana
lidaria com a prpria aprendizagem, uma pedagogia do aprender a aprender.
Inferimos que essa Pedagogia Moderna equipara-se aos dois ltimos modelos de
mente que o autor apresenta.
Ressalta, tambm, que necessria a fuso dos quatro modelos pedaggicos,
formando o que ele chamou de unidade congruente, sendo reconhecidas como partes de um
continente comum. Porm, as vises mais antigas da mente deveriam ser destitudas da sua
viso estreita de excluso e novas vises deveriam ser reformuladas de forma a reconhecer
que embora as habilidades e fatos no existam fora do contexto, eles no so menos
importantes que o prprio contexto.
Diante desses modelos de pedagogia, Bruner explicita sua valorizao da concepode prtica em que a cultura forneceria um rebus15 para o desenvolvimento cognitivo. Na
concepo bruneriana a prtica forneceria um prottipo de cultura e precederia o
desenvolvimento humano, o pensamento terico surgiria depois (o autor cita Vigotski como
se tivesse sido referncia para se chegar nessa compreenso).
Toda concepo pedaggica est vinculada a uma ideia de conhecimento. Nesse
sentido, entendemos que o modelo pedaggico proposto por Bruner vincula-se a uma viso
Construtivista Social da realidade. A concepo de conhecimento na obra bruneriana temcomo expresses principais as ideias de habilidade, narrativa, linguagem, realidade, self e
pensamento. Vejamos, na sequncia, o tratamento dispensado a esses conceitos.
A habilidade se caracterizaria por ser uma forma de lidar com as coisas e no uma
derivao da teoria. O conhecimento pode nesse sentido enriquecer a ao, mas apenas se
transformado em hbito. A habilidade sai da trivialidade e gera dois motivos que implicariam
a cultura: a convencionalizao e a distribuio.
A convencionalizao refere-se forma (habilidade) como fazemos nossas coisas,implicando a insero cultural, alm do que conhecemos explicitamente. O autor d como
exemplo as variadas formas de cumprimento em diferentes culturas. Bruner cita Harold
Garfinkel, Bourdieu e Erving Goffman, para reforar essa concepo de que a cultura uma
prtica implcita e no apenas uma conscincia ciente de estruturas, de regras e coisas desta
natureza (BRUNER, 2001, p.147).
A distribuio significa uma inteligncia compartilhada, ou seja, em uma cultura
essa inteligncia no existente em uma nica cabea. Para o autor, ns no
15 Deriva-se do latim res e denota como as coisas e no as ideias controlariam o que fazemos.
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compartilharamos apenas convenes, mas tambm prticas que vo alm de cada indivduo,
sendo sua operao dependente dessa distribuio na comunidade.
Bruner entende a Psicologia Cultural como prtica ou representao do homem em sua
realidade. Essa Psicologia se deu de trs maneiras: primeiro pelo que ele chamou de
promulgao, a ao do homem no mundo por meio do uso de instrumentos; a segunda, a
representao figurativa do homem, que deu incio ao pensamento pr-conceitual; e a terceira,
a construo desses sistemas simblicos pelo homem diante do mundo.
Bruner cita o livro de Michel Foucault, como exemplo explcito para demonstrar como
a prtica da punio haveria precedido a teoria, e como esta passou a existir, ou seja,
constri uma teoria adequada prtica. Seria um vislumbramento de uma psicologia do
trabalho, inspirada no trabalho de Sylvia Scribner16. Mais especificamente na pesquisa em quea autora analisou trabalhadores de um laticnio na tentativa de constituir uma psicologia
cultural do trabalho, o que para ela, seria uma extenso da psicologia cognitiva vigotskiana.
A narrativa vincula-se ao discurso do indivduo, bem como sua capacidade de
entender e verbalizar sua realidade psquica, como a prpria linguagem. A narrativa
polissmica, ou seja, passvel de vrias interpretaes e significados, ao contrrio da
explicao que envolve a preempo (no qual quem explica tem o direito verdade). Assim
como a explicao na cincia rigorosa, os estudos sociais, a histria, e a literatura tambmpossuem o seu prprio tipo de rigor.
O autor caracteriza a narrativa como uma forma de arte, ou melhor, a arte a estrutura
da narrativa. A realidade psquica dominaria a narrativa, ou seja, o estado temporal o da
realidade cotidiana. Se considerarmos que a narrativa a introspeco do individuo
convertida em linguagem, como sugere Bruner ao citar o tempo psquico nas obras literrias,
o mundo real estaria implcito.
De acordo com sua viso, o uso de narrativas na educao contribuiria para aconstruo da identidade do aluno dentro da cultura em que ele est inserido, ou seja, o aluno
criaria uma verso do mundo na qual ele vislumbraria um lugar para si, criando seu mundo
pessoal.
A partir desse conceito, Kishimoto, Santos e Baslio (2007) descrevem uma pesquisa
da qual utilizaram do conceito de narrativa bruneriano para o entendimento do que
conceituam como narrativas infantis:
16 Silvia Scribner faz parte dos autores contemporneos da Teoria da Atividade, cujaspesquisas foram analisadasem nossa pesquisa de iniciao cientfica: a concepo de Educao Escolar em autores contemporneos daTeoria da Atividade.
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enfrentando a pedagogia tradicional adultocntrica, uma professora deEducao Infantil conduz projetos com a participao das crianas em umasala com reas diversificadas para brincadeiras livres. Ao utilizar a
abordagem de projetos integrada aos pressupostos do High/Scope, aprofessora valoriza os saberes e as narrativas das crianas durante aconstruo de uma bruxa com caixa de papelo. O caso focaliza narrativascontendo expresses verbais de natureza binria, tpicas do processo decategorizao da criana, pesquisadas por Bruner e similares s do
pensamento selvagem analisado por Lvi-Strauss [...] Jerome SeymourBruner tem vasta produo terica sobre aprendizagem e desenvolvimentoinfantil. Ele pesquisa como o beb constri seus saberes e elabora umaconcepo de aprendizagem por descoberta, que depende da criana e doapoio do adulto; como a criana representa o mundo, expressa saberes; ecomo os contos de fadas contribuem para o desenvolvimento de mentesnarrativas. Dessa forma, cria espao para delinear pedagogias que favorecema iniciativa da criana, o protagonismo, a aprendizagem e a expresso doconhecimento, pressupostos encontrados na Abordagem de Projetos. Por taisrazes, o psicopedagogo, que atua na interface entre a psicologia e aeducao (Cambi, 1999), referncia para a compreenso de prticas como aabordagem de projetos, relacionada com as narrativas infantis [...] Maisrecentemente, preocupado com as formas especficas do pensamento infantil,em Actual minds, possible worlds, prope a narrativa para dar sentido aomundo e experincia da criana e alinha-se aos estudiosos que relacionamos contos de fadas cognio (KHSIMOTO, SANTOS, BASLIO, 2007, p.2-5).
A narrativa uma forma de o indivduo organizar sua experincia e conhecimento, de
tal forma que a compreenso de ideias dependa da incorporao destas ideias em uma histria
ou formato narrativo. Tais consideraes apontam na direo da importncia conferida
questo da linguagem em suas relaes com a concepo de realidade. Para Bruner a
linguagempode ser entendida como a realidade dos seres humanos na medida em que ela o
principal signo a representar a psique humana.
A maneira do ser humano apreender sua realidade se d, de acordo com a concepo
bruneriana, por meio da sua relao ativa com o mundo que o circunda. A linguagem nessaviso no s seria o principal modo de apreenso dessa realidade, como tambm a
representao da prpria. E esses seriam alguns dos aspectos do Construtivismo Social em sua
obra.
Conforme Castaon (2005), o termo Construtivismo vem assumindo vrias facetas no
campo da Psicologia, Educao, Sociologia e Filosofia da Mente, que muitas vezes romperia
com seu sentido estrito: o papel ativo do sujeito na sua relao com o objeto do conhecimento
e construo de suas representaes da realidade. Nesse sentido, o autor nos apresenta vriascorrentes do Construtivismo como: o Construtivismo Piagetiano, o Construtivismo Social
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presente em Bruner, e o Construtivismo radical de Ernst Von Glasersfeld. Nessa direo, no
livro Realidade Mental, Mundos Possveis (BRUNER, 1986, p. 164), o autor tenta nos
apresentar uma viso construtivista da realidade, afirmando que
no podemos conhecer uma realidade primitiva; que no h nenhuma; quequalquer realidade que criemos baseada em uma transmutao de umarealidade anterior que tnhamos tomado como dada. Construmos muitasrealidades e o fazemos partindo de diferentes intenes. Mas no aconstrumos a partir dos borres de Rorschach, mas a partir de inmerasformas nas quais estruturamos a experincia, ou a experincia dos sentidos[...] a experincia profunda e simbolicamente codificada que ganhamosatravs da interao com nosso mundo social.
E tomando o preceito construtivista como modelo pedaggico de aprendizagem,entende que o aluno tem sua realidade na produo de significados moldada pelas tradies,
pelo conjunto de ferramentas e formas de pensamento de uma cultura.
A realidade subjetivada, ou seja, relativizada de acordo com o ponto de vista e a
cultura em que cada indivduo se insere; de tal forma que realidade e cultura acabam por
convergir, na concepo bruneriana. E, partindo deste pressuposto, conclui que a educao
deve ser concebida como algo que auxiliasse o homem a aprendera utilizar as ferramentas de
produo de significado e de construo da realidade e a adaptar-se melhor ao mundo em quese encontra. Com base em Bruner, Khismoto (2007, p. 10) entende que:
sozinha, a criana no o consegue, mas se o adulto coloca andaimes, umaforma de tutoramento, cria possibilidades para a aprendizagem e para aconstruo do mundo. Para Goodman (apudBruner, 1986), no existe ummundo real independente da atividade mental e da linguagem simblica. Oque se chama de mundo um produto de mentes humanas. Bruner (1986)descreve como a realidade construda pela mente infantil nas narrativas, oque explica o ttulo do seu livro: Actual minds, possible worlds. Como
construtivista convicto, Bruner (1996) acredita que todo ser humanoconstri-se e constri o mundo pela ao e simbolizao.
A linguagem do indivduo, para Bruner, tambm pode ser concebida como uma
realidade interna. Para o autor, essa autoconscincia tem como condio necessria o
reconhecimento do outro como um self, que nossa experincia interna, ocorrendo por meio
da concepo que ele formulou de selves. Esses so aspectos universais da selfhood17, uma
vez que culturas distintas moldam-na de maneiras diferentes, ressalta o autor.
17Selfhoodrefere-se ao estado de se ter uma identidade ou individualidade.
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O psiclogo apresenta dois aspectos tidos como universais da selfhood: o primeiro
aspecto a agncia, e o segundo aspecto o self expandido de Williams James. Naquele o
indivduo inicializa e realiza atividades por conta prpria e neste h a extenso do selfpara
fora, ou seja, em direo a coisas, atividades e lugares envolvendo o indivduo com o ego,
como por exemplo, as escolas e a aprendizagem escolar.
O autor considera que a agncia implicaria no apenas na capacidade de iniciar, mas
tambm na concluso dos atos, como a habilidade e Know-how. O sucesso e o fracasso so os
principais nutrientes no desenvolvimento da selfhood, contudo no somos ns que decidimos
isso. A segunda caracterstica onipresente da selfhood a avaliao. O self no apenas
agente, mas tambm avaliador de nossa eficcia. A essa mistura de eficcia de ser agente e
autoavaliao, chamou autoestima. E adverte-nos ainda, que deveria ser promovida pela aescola.
O self transacional a forma que os seres humanos relacionam-se por meio do uso da
linguagem. Tomando o desenvolvimento da criana para explicar este processo Bruner (1998)
questiona o que faz com que a criana esteja preparada to cedo para realizar transaes em
sua vida com outros com base em certas intuies funcionais sobre outras mentes, e talvez,
tambm, sobre situaes humanas. Para tanto, ele descreve quatro preceitos que seriam
padres nas transaes que a criana realizaria com outras mentes, so eles: daperspectiva egocntrica, da privacidade, do conceitualismo no-mediado, e do tripartismo.
As crianas so inicialmente egocntricas, ou seja, incapazes de assumirem a
perspectiva dos outros. Opreceito da privacidade entende o selfcomo algo individualista que
se desenvolveria determinado pela natureza universal do homem, estando alm da cultura,
afirma Bruner.
Inferimos, portanto, que o self inato. J opreceito do conceitualismo no-mediado,
o conhecimento da criana proporcionado pelo seu encontro direto com o mundo. Otripartismo corresponde cognio, emoo e ao, que so representadas por processos
separados, mas que com o tempo e a socializao passam a interagir entre si.
Apesar de apontar o preceito da privacidade como fruto de uma natureza humana
universal, Bruner acrescenta que esses quatro preceitos no so necessariamente verdadeiros
ou universais, posto dependerem das condies de cada cultura em que so tomadas.
Eu no quero dizer que estas quatro premissas estejam erradas, somente
que elas so arbitrrias, parciais e profundamente arraigadas na moralidadede nossa prpria cultura. Elas so verdadeiras sob certas condies, falsassob outras e sua universalizao reflete a parcialidade cultural. Alm do
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mais, sua aceitao como universais inibe o desenvolvimento de uma teoriafuncional da natureza da transao social e, at mesmo, do conceito do Self.Poder-se-ia argumentar contra o preceito da privacidade, por exemplo(inspirado por antroplogos), que a distino entre o selfprivado e o self
pblico uma funo das convenes da cultura sobre quando algum fala enegocia os significados dos eventos e quando algum cala, e do estadoontolgico conferido quilo que no dito e quilo que se torna pblico. Asculturas e subculturas diferem a esse respeito; at mesmo as famlias(BRUNER, 1998, p. 66).
A linguagem a referncia para o self transacional. Ela nos auxilia no entendimento
das outras mentes, cujo processo de negociao hermenutico e mobilizado pelo
pensamento, dentro da perspectiva bruneriana. Ainda sob essa perspectiva, haveria dois
modos de pensamentos: o paradigmtico e o narrativo. O paradigmtico, ou lgico-cientfico,
tentaria preencher o ideal de um sistema formal e matemtico de descrio e explicao; e o
narrativo, cuja referncia William James, trata das vicissitudes das intenes humanas.
Bruner defende a narrativa interpretativa como um modo de pensamento que
apropriadamente disciplinado para interpretar a condio humana presente, passada e
possvel. Para isto discorreu um pouco sobre as diferenas entre explicar e interpretar.
O autor procura restringir essa anlise abstrata do conhecimento realizao do ensino
e da aprendizagem em sala de aula. Desta forma, toma como exemplo mais especfico, sobre
o qual se debruaram muitos psiclogos: a forma pela qual as crianas aprenderiam a
interpretar o que os outros estariam pensando, e o que elas pretendem dizer com o que
dizem. Segundo Bruner, uma forma de entender outras mentes, sendo por excelncia um
processo interpretativo, assim como buscamos entender o que um antroplogo nos diria sobre
determinada poca da histria. E tal processo no menos importante quanto o professor
entender o que seu aluno pensa e vice-versa.
Para o autor existiria uma pergunta prototpica do psiclogo: se o processo de
interpretao pode ser cientificamente explicado. Ele ressalta que se a resposta for positiva, a
interpretao mais um fato da natureza sujeito a explicao cientifica, ou usando sua
expresso, reduzido cincia convencional, apenas mais um tpico difcil para ser domado
cientificamente.
J que assim como as formas de trabalho de um bilogo e de um historiador,
interpretar e explicar possuiriam ligao, essas duas maneiras de buscar sentido no poderiam
ser substitudas uma pela outra, por serem fundamentalmente diferentes.
A abordagem explicativa segundo Bruner teria por objetivo elucidar as condiesnecessrias e suficientes para se reconhecer um estado mental. O autor cita como exemplo
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como uma leso na tonsila hipotalmica destruiria nossa habilidade em reconhecer a emoo
facial. A tonsila teria um papel causal no reconhecimento da expresso facial. Enquanto a
abordagem interpretativa buscaria o fato que dependeria de um contexto, sendo desta forma,
histrica. Para tal, o autor cita o captulo Briga de Galo Balinesa do livro a Interpretao
das culturas de Clifford Geertz, questionando: a execuo em massa no vilarejo balins de
Pare durante a revoluo indonsia foi um reflexo de um sistema social oprimido? Ou poderia
ser atribuda poltica de revoluo anticolonialista do terceiro mundo na dcada de 60? Para
ele, o mais sensato buscar uma forma de interpretar como as pessoas em Pare extraam
sentido de sua situao, ressaltando que uma interpretao no impediria outra.
Diante da revoluo cultural, sob viso do autor, sempre se sups que o objeto de
estudo que determinariam quais das duas abordagens apropriada ao mesmo. E a aohumana que se acreditaria ser mediada pelo significado considerada como domnio da
interpretao. O significado de acordo com o mantra clssico alerta, no poderia ser
explicado causalmente, assim como as explicaes teleolgicas que pressuporiam significado.
A explicao causal pressupe a generalidade e no particularidade,