Transcript

CONSTRUINDO UMA BRASILIDADE HBRIDA: A TROPICLIA DE HLIO OITICICABUILDING A HYBRID BRASILLITY: THE TROPICLIA FROM HELIO OITICICACarla Hermann1RESUMO:A partirdaleituradas manifestaesculturaiscontemporneasenquantoculturas hbridas, oartigopretende compreender comoseconformaa formaode umsentidode brasilidade igualmente hbrido,e toma a instalao do artista hlio oiticica de 196,tropic!lia, como um e"emplo esttico#$isualdisso% &nterpretando a cultura popular como resultante do mo$imento duplo de conter e resistir, e considerando as mudanas sofridas pelos aspectos mais tradicionais da cultura, bem como as transformaes operadas por eles frente 's modificaes do meiotcnico#cientficodomundoglobali(ante, noprocurou#se fa(er distines acerca da legitimidade da referida instalao enquanto pertencente ou no ' cultura popular% A obra de arte aqui $ista como parte integrante da cultura popular brasileira e capa( de re$elar as mediaes entre poderessimb)licos, polticos e culturais nela e"istentes,bem como ilustrar a brasilidade hbrida em construo%Palavras-!ave: *rasilidade, +lio ,iticica, -ultura .opular, -ulturas +bridas%ABSTRACT: -onsidering the idea of contemporar/ cultures as h/brid cultures, this article see0s to understand ho1 the meaning of a sense of h/brid brasilidade is built, and uses hlio oiticica2s 1or0 tropic!lia from 196 as a $isual and aesthetic e"ampleof it% 3ra1ing on popular culture as the result of the double mo$ement of resisting and containg, and considering both the changes suffered b/ the most tradicional aspects of culture and the transformations that the/ ma0e o$er the global 1orld ans its technical and cientific en$ironments, 1e ha$e not discussed the legitimit/ of the referred 1or0 of art as popular art% &nstead, it is seen here as part of popular bra(ilian culture, a manifestation able to re$eals s/mbolical, political and cultural issues that e"ist in it as 1ell as ilustrate the h/brid brasilidade in construction%"e# $%r&s: *rasilidade, +lio ,iticica, .opular -ulture, +/brid -ultures%A %ns'r()*% &e (ma +ras,l,&a&e e % !,+r,&,sm% (l'(ral.ensando as manifestaes contemporneas da cultura como culturas hbridas, -anclini 41995 6178 argumenta, com base nas mudanas sofridas por elas, que as culturas populares no foramsuprimidas pela cultura tradicional nemdesapareceramfrente ao mo$imento de 19estre em +ist)ria e -rtica de Arte na :ni$ersidade do ;stado do heodor Adorno e 9a" +orheimer cunharam o termo &ndBstria -ultural em 19X, de modo a descre$er os produtos da culturade massa, marcandodepre$isibilidade aculturapopular% Acultura popular se reforou ento como sinAnimo de cultura de massas num sentido negati$o% 3ei"ou de ser $ista como uma ameaa, passando a ser o lugar onde estabelecida a ordem social, pois o lugar da alienao% , papel da &ndBstria -ultural seria o de despoliti(ar as massas, utili(ando#se da cultura de massas para legitimar a ideologia capitalista%Aheranamaisproblem!tica da $iso da cultura popular como cultura de massas a dicotomi(ao entre duas culturas M a superior e a inferior # onde a cultura popular inferior e precisa de tutela, enfati(ando a diferena entre a cultura popular como algo produ(ido pelo po$o, simpl)rio, e a GaltaH cultura burguesa, praticada e e"posta em museus% , perigo est! em pensar as manifestaes culturais como GblocosH, unidades inteiras e coerentes5 ou dominadas ou inteiramente autFnticas, quando so na $erdade, elas pr)prias, locais de conflitos e contradies% Carla Hermann16As culturas no e"istem fora da relao entre as di$ersas formas culturais, e tampouco Ge"iste uma Qcultura popularR ntegra, autFntica e autAnoma, situada fora do campo das relaes de poder e de dominaes culturaisH 4+ADD 6JJV5 p% 6VP8Lellner aponta para outra herana complicada ad$inda da ;scola de Nran0furt5 a canoni(ao da cultura superior modernista como contestadora, uma idia que a contemporaneidade artstica brasileira dentro da qual se encai"a +lio ,iticica parece ter aEudado acomear adesconstruir% G.recisamos pensar napossibilidade desedetectaremmomentos crticos e sub$ersi$os nas produes da indBstria cultural assim como nos cl!ssicos canoni(ados daculturasuperior modernistaquea;scoladeNran0furt pareciapri$ilegiar comolugar de contestao e emancipao artsticaH 4L;DDI;< 6JJ15 p% X78,usoque,iticicafa(dos obEetos e materiais cotidianos e populares no resultado somentedeGfascnioHouadmiraopeloordin!rio% ;leusaocotidiano$ulgarpararesol$er questionamentos artsticos e tambm para e"teriori(ar, atra$s das suas obras, questionamentos polticos, sociais, crticasaocircuitoartsticoe's $anguardas modernistas%+lio,iticicano queria apenas que sua arte se confundisse com a $idaS queria que ela a ampliasse e intensificasse%,s ;studos -ulturais *ritnicos e sua recuperao de argumentos te)ricos de Yramsci nos au"iliama compreender a cultura popular enquanto embate,locusda negociao% A transposio do modelogramsciano de estabilidade da sociedade por meio da combinao de fora e hegemoniaV para o campo dos estudos culturais conceitua o embate entre foras culturais hegemAnicas de dominaoe foras contra#hegemAnicas de resistFncia% >al apro$eitamento conceitual se torna muito $!lido ' medida que percebemos que o campo da cultura popular est! en$ol$ido na disputa pela hegemonia, especialmente atra$s dos aspectos mais $ariados da $ida cotidiana, E! que para Yramsci o processo pelo qual a hegemonia disputada se engrendra no dia#a#dia% A idia de uma cultura de massas imposta para consolidar a ideologia dominante capitalista insuficiente nesse entendimento, onde a resposta a mistura entre $alores e elementos culturais 3 G.ara Yramsci, as sociedades mantm a estabilidade por meio de uma combinao de fora e hegemonia, em que algumas insituies egrupos e"ercem$iolentamente opoder para conser$ar intactas as fronteiras sociais 4%%%8 enquanto outras instituies ser$em para indu(ir anuFncia ' ordem dominante, estabelecendo a hegemonia,ou o domnio ideol)gico, de determinado tipo de ordem socialH 4L;DDI;< 6JJ15 p% XP8Carla Hermann17e ideol)gicos dominantes e subordinados, antagAnicos ou consonantes, em diferentes transformaes%3e$oltaaoBrasil Diarria419PJ8, podemosdi(erque,iticicateori(asobreacultura brasileira, defendendo a negociao entre a e"presso cultural do que nosso e do que seria uma culturahegemAnica% Aodestacarque para desen$ol$er o potencialGsubterrneoH da condio brasileira seria necess!rio assumir toda a condio de subdesen$ol$imento e reconhecer aquilo que temos de melhor 4e"atamente a condio de subdesen$ol$idos8, o artista defende a criao de uma linguagem#*rasil, brasileira e mundial, dialtica da negociao entre a nossa construo artstica 4um passado construti$o muito recente, sem o mesmo peso hist)rico da tradio europia8 e a arte produ(ida nos grandes centros urbanos do mundo, tal como os ;stados :nidos e a ;uropa e a influFncia por eles e"ercida na conformao da nossa construo%A Tr%.,/l,a: e0em.l% &a (l'(ra .%.(lar %m% ne1%,a)*% e !,+r,&,sm% (l'(ralAidia de popular comonegociaoentre diferentes aspectos da cultura pode ser aplicada ' forma de apresentao das obras de +lio ,iticica, em especial ' Tropiclia, uma obra ambiental apresentada pela primeira $e( ao pBblico em 196, onde o artista literalmente constr)i uma ambiFncia com elementos retirados do cotidiano das classes populares, imagens da chamada culturademassas4umatele$iso, nocaso8, imagensquerepresenta$amaidiadebrasilidade associada a elementos tropicais ' poca 4duas araras e plantas tropicais como espada#de#so#Eorge, por e"emplo8 e elementos poticos% .odemos di(er que ele promo$e no s) o di!logo entre a GaltaH cultura e a Gcultura popularH, como na $erdade, sinteti(a a noo de uma cultura hbrida, ao unir as esferas e superar essa separao% Ao le$ar para dentro do museu os elementos que no eram pensados como obras de arte 4por e"emplo, os $asos de planta e as araras8 ,iticica no reali(a simples readymades% ,s elementos deslocados aqui afirmam que no h! a diferena entre o que popular e o que digno de estar dentro do espao do museu% Alm disso, carregam neles uma discusso social e poltica, atra$s das relaes que eles engendram% A obra Tropiclia deu o nome ' canohomAnima de -aetanoZeloso, que daria nome a todoummo$imentode Carla Hermann18contracultura e questionamento dos problemas sociais brasileiros no final dos anos 196J, bem como o posicionamento da arte em relao a eles% .ortanto, no parece e"agero pensar que o mo$imentodo>ropicalismorepresentoutambmaentradadosproblemasculturaisna$ida polticadopas, tra(endo, emescalanacional, oquestionamentosobreaindBstriacultural 4e colocando em e$idFncia, especialmente no meio acadFmico de esquerda as teorias da ;scola de Nran0furt8% A obra de ,iticica, a Tropiclia, aparece como parte fundamental dessa mudana de posicionamento da arte perante a cultura e a poltica, tradu(indo a assimilao de elementos da modernidade, ao mesmo tempo em que promo$ia a crtica e o questionamento de tantos outros%1 2 OITICICA3 H-l,%4Tr%.,/l,a2 5%'% &a m%n'a1em %r,1,nal4 E0.%s,)*% C%le',va 6N%va O+7e',v,&a&e Bras,le,ra84R,% &e 9ane,r%3 MAM3 1:;%n'e: Pr%7e'% H-l,% O,',,aAe"periFnciadaTropicliaseestrutura a partir daconstruo deum ambiente,dando corpo 'quilo que +lio ,iticica chamou de arte ambiental% >rata#se de um conEunto de !enetr"eis e outros obEetos sensoriais, onde a $isualidade desempenha papel importante% As cores $i$as e fortesestopresentesnasestampasde tecidos floridos,nas pr)priasplantas, nasararas eem tiEolos% A$isualidade profusa eo espectador participa primeiramente com os olhos, lidando Carla Hermann19com uma gama de informaes dispersas no ambiente, mas estruturadas de maneira a imprimir uma narrati$idade nele%ATropicliafoi montada pela primeira $e( em196 na e"posio coleti$a GIo$a ,bEeti$idade *rasileiraH no 9useu de Arte 9oderna do udo se articula em torno do aparelho de tele$iso da fa$ela cenogr!fica, mostrando que as imagens da cultura de massa 4ou de mdia, como tal$e( seEa melhor chamar8 tambm fa(iam parte daquele Carla Hermann21cotidiano% Aheterogeneidade e"pe imagens icAnicas originadas emdiferentes correntes culturais5 a t$, situada no centro do labirinto, transborda para todas as outras partes sua presena e"istencial 4pelos barulhos e sons ou pelas lu(es das imagens proEetadas8 e cercada, do lado de forado!enetr"elpordi$ersasrepresentaesGtpicasHdaculturabrasileira% Aassimilaoda cultura de mdia como cultura popular e das cultura popular como obEeto artstico 4e no apenas Gantropol)gicoH8 marcam a contribuio da Tropiclia para a traduo de certa brasilidade, entre o moderno e o contemporneo, rBstica e tele$isi$a ao mesmo tempo%C%ns,&era)=es >,na,sAobra daTropicliaser$e como e"emplo da cultura popular enquanto campo da negociao entre foras, especialmente por ser uma obra de arte contempornea que promo$e, mesmo que indiretamente, a discusso acerca da entrada dos meios de mdia na cultura popular e reconsidera as diferenciaes entre a cultura popular 4tal como era tido o termo na poca M para designar aquilo que era feito pelo po$o8 e a cultura GeruditaH%Autili(aodeelementos mundialmente assimilados comorepresentantes dacultura brasileira, como as plantas tropicais e o par de araras intenciona$a questionar esses significados% G, pr)prio termo Tropicliaera para definiti$amente colocar de maneira )b$ia o problema da imagem%%%H 4,&>&-&-Aapud [&D&,19PP5 p% V18% Arecuperao das imagens )b$ias de tropicalidade resultou em uma moderni(ao da linguagem nacional#popular, uma redefinio da brasilidade% , uso irAnico das ob$iedades permitiu a atuali(ao da imagem esttica, retratando a realidade brasileira e, ao mesmo tempo, re#significando aquelas formas )b$ias, graas ' estrutura narrati$a construda por ,iticica para re$elar tal ironia% Assim foi poss$el a construo 4ou parte da construo8 de uma brasilidade de aparFncia contempornea e com algum dinamismo, alguma fluide(, bem de acordo com os moldes estticos e sociais e"istentes ' poca%RE>ERCNCIAS BIBLIODR>ICASCarla Hermann22*;II;>, >on/%P%.(lar (l'(rean&'!eE'(rn'%Drams,F% &n5 K>,


Top Related