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Nas Trincheiras de uma Poltica Criminal com Derramamento de
Sangue: Depoimento sobre os Danos Diretos e Colaterais Provocados
pela Guerra s Drogas*
Salo de Carvalho**
1. H muito tempo venho observando que os profissionais e
pesquisadores do campo da psicologia social vm assumindo publicamente
uma postura de vanguarda em relao a temas que tradicionalmente foram
objeto de estudo da criminologia p. ex., crtica s instituies prisionais,
questionamento sobre o papel dos psiclogos na execuo penal
(notadamente em relao questo dos laudos psicolgicos), denncia das
polticas higienistas de internao compulsria, luta para implementao de
polticas pblicas que substituam os regimes de internao manicomial
aplicados s pessoas submetidas medida de segurana e na efetivao da
Lei de Reforma Psiquitrica.
possvel dizer, inclusive, que no campo da poltica (criminal)
brasileira os profissionais e pesquisadores da psicologia social esto
ocupando um espao que durante muito tempo foi de titularidade exclusiva
dos atores do direito. Com raras excees, a lacuna provocada pela inrcia
poltica que se instalou no campo jurdico nas ltimas dcadas, em grande
parte decorrente da formao burocrtica e conservadora dos seus
profissionais (operadores jurdicos), permitiu que novos atores sociais
reivindicassem o protagonismo nas lutas pela efetivao dos direitoshumanos no sistema de justia criminal.
Dentre estes novos atores polticos, os Conselhos Regionais e o
Conselho Federal de Psicologia merecem especial destaque.
* Palestra realizada na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ),em 04 de abril de 2013, no painel Poltica de Drogas: Mudanas de Paradigmas, evento
promovido pela Law Enforcement Against Prohibition (LEAP Brasil).** Mestre (UFSC) e Doutor em Direito (UFPR). Autor, dentre outros, de A PolticaCriminal de Drogas no Brasil (6. ed., So Paulo: Saraiva, 2013).
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Inserido neste contexto, no final de dezembro de 2012, fui
convidado pelo Conselho de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) para
participar de uma mesa de debate intitulada Legalizao das Drogas, uma
das atividades do seminrio Entre Garantia de Direito e Prticas Libertrias,
promovido pelas Comisses de Polticas Pblica e de Direitos Humanos.
2. A ideia central da minha fala foi a de expor os efeitos diretos
da poltica criminal de drogas brasileira, visualizados nos ndices
superlativos de encarceramento. A hiptese do discurso partiu de uma
constatao normativa (plano do direito penal) e do seu imediato efeito
emprico (plano da criminologia): a existncia de vazios e dobras de
legalidade legitima o aprisionamento massivo da juventude vulnervel.
Identifiquei como vazios (ou lacunas, na linguagem da teoria geral
do direito) e dobras de legalidade as estruturas incriminadoras da Lei
11.343/06 que permitem um amplo poder criminalizador s agncias da
persecuo criminal, notadamente a agncia policial. Estruturas normativas
abertas, contraditrias ou complexas que criam zonas dbias que so
instantaneamente ocupadas pela lgica punitivista e encarceradora.
2.1. A dobra de legalidade estaria associada a um excesso
normativo: a previso (ou proliferao) de condutas idnticas nos dois tipos
penais que estruturam e edificam a poltica criminal de drogas proibio das
condutas facilitadoras do consumo (art. 28, caput, da Lei 11.343/06) e
incriminao do comrcio (art. 33, caput, da Lei 11.343/06). No quadro, em
destaque e numeradas, as condutas tpicas compartilhadas por ambos os
tipos penais.
Quem [1] adquirir, [2] guardar, [3] tiver
em depsito, [4] transportar ou [5] trouxer
consigo, para consumo pessoal, drogas
sem autorizao ou em desacordo com
determinao legal ou regulamentar ser
submetido s seguintes penas: I
advertncia sobre os efeitos das drogas; II
prestao de servios comunidade; III
medida educativa de comparecimento aprograma ou curso educativo. (art. 28,
Importar, exportar, remeter, preparar,
produzir, fabricar, [1] adquirir, vender, expor
venda, oferecer, [3] ter em depsito, [4]
transportar, [5] trazer consigo, [2]
guardar, prescrever, ministrar, entregar a
consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorizao ou em
desacordo com determinao legal ou
regulamentar: pena recluso de 5 (cinco) a15 (quinze) anos e pagamento de 500
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caput, da Lei 11.343/06) (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.(art. 33, caput, da Lei 11.343/06)
A observao inicial a de que cinco condutas objetivas (i.e.,
empiricamente observveis) idnticas (adquirir, guardar, ter em depsito,transportar e trazer consigo) impem consequncias jurdicas radicalmente
diversas: o enquadramento no art. 28 da Lei de Drogas submete o infrator s
penas restritivas de direito (admoestao verbal, prestao de servios e
medida educativa); a imputao do art. 33 da Lei 11.343/06 impe regime
carcerrio com pena privativa de liberdade varivel entre 5 (cinco) e 15
(quinze) anos.
possvel afirmar, inclusive, que estas duas figuras normativas traduzidas pelo senso comum como porte e trfico de drogas estabelecem
as consequncias jurdicas mais e menos severas previstas no ordenamento
penal brasileiro. A nova Lei de Drogas vedou qualquer possibilidade de priso
(provisria ou definitiva) ao sujeito processado porporte de drogas para
consumo. Alis, a proibio da deteno, disciplinada no art. 48, 1o, 2o e
3o, uma regra indita no ordenamento nacional, aplicvel exclusivamente
ao consumidor de drogas. A vedao de qualquer forma de regime carcerrio
e a previso autnoma de pena restritiva de direito no preceito secundrio do
tipo penal permitem concluir que a incriminao do porte para consumo
pessoal configura o tratamento jurdico mais brando previsto em toda a
legislao penal brasileira.
Por outro lado, aos casos de comrcio de drogas, o legislador
estabeleceu o regime penal mais rigoroso possvel, no apenas pela
quantidade de pena aplicvel note-se, p. ex., que a pena prevista para o
trfico varia entre 5 e 15 anos de recluso enquanto a pena cominada ao
estupro modulada entre 6 e 10 anos de recluso (art. 213, caput, do Cdigo
Penal) e a do homicdio simples entre 6 e 20 anos de recluso (art. 121,
caput, do Cdigo Penal) , mas, sobretudo, pela sua equiparao
constitucional aos crimes hediondos. Como se sabe, o status hediondo
impe um regime jurdico diferenciado no processo de instruo (priso
preventiva, fiana) e no de execuo penal (regime inicial de cumprimento de
pena, progresso de regime, livramento condicional, indulto).
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2.2. O primeiro vazio de legalidade que procurei demonstrar foi o
estabelecido pelo dispositivo que pretende criar parmetros para identificar
quais as condutas (adquirir, guardar, ter em depsito, transportar ou trazer
consigo) que se destinam ao consumo pessoal. Segundo o art. 28, 2 da
Lei de Drogas, para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal,
o juiz atender natureza e quantidade da substncia apreendida, ao local
e s condies em que se desenvolveu a ao, s circunstncias sociais e
pessoais, bem como conduta e aos antecedentes do agente.
Embora o dispositivo seja destinado ao juiz, sabe-se que a
primeira agncia de controle que habilitada ao exerccio criminalizador a
policial. As guias normativas definem, pois, os critrios de interpretao dos
agentes policiais e, posteriormente, judiciais. Logicamente, conforme a
estrutura da persecuo criminal brasileira, o primeiro filtro sempre ser o
policial, que ir identificar se o sujeito, p. ex., que traz consigo droga, realiza
a conduta incriminada com intuito (elemento subjetivo especial do tipo) de
consumo pessoal (art. 28) ou se porta com qualquer outro objetivo, que no
implica necessariamente uma finalidade mercantil, tpica do que se conhece
como trfico de entorpecentes (art. 33).
No necessria uma consistente base criminolgica em
perspectiva crtica para perceber que o dispositivo legal, ao invs de definir
precisamente critrios de imputao, prolifera metarregras que se fundam em
determinadas imagens e representaes sociais de quem so, onde vivem e
onde circulam os traficantes e os consumidores. Os esteretipos do
elemento suspeito ou da atitude suspeita, p. ex., traduzem importantes
mecanismos de interpretao que, no cotidiano do exerccio do poder depolcia, criminalizam um grupo social vulnervel muito bem representado no
sistema carcerrio: jovens pobres, em sua maioria negros, que vivem nas
periferias dos grandes centros urbanos (neste sentido, Batista, 2003;
Carvalho, 2013; Weigert, 2009; Mayora, 2011; Mayora, Garcia, Weigert &
Carvalho, 2012).
2.3. O segundo vazio de legalidade que identifiquei naquelemomento foi o relativo conduta de entregar a consumo ou fornecer drogas
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ainda que gratuitamente, prevista no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Apesar
de o 3 do art. 33 prever pena de 6 meses a 1 ano s situaes de
consumo compartilhado oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de
lucro, a pessoa do seu relacionamento, para juntos a consumirem , a
hiptese narrada no caput introduz, como figura paritria ao trfico
(internacional e domstico), uma conduta sem qualquer intuito de comrcio.
Assim, se a entrega a consumo ou se o fornecimento da droga for destinado
a uma pessoa que no seja do relacionamento do autor do fato ou, mesmo
sendo do seu crculo, no tiver como objetivo o consumo conjunto, haver
incidncia do crime equiparado aos hediondos.
2.4. As aberturas (lacunas ou vazios de legalidade) e os excessos
apresentados inegavelmente ativam a mquina persecutria, habilitando as
agncias punitivas aos processos de criminalizao que, na atualidade,
refletem o cenrio de hiperencarceramento. Os nmeros que so derivados
desta poltica criminal blica (war on drugs), aqui compreendidos como
custos diretos da criminalizao, no permitem outra concluso.
Em uma anlise relativamente simples dos dados oficiais
apresentados pelo Ministrio da Justia, possvel perceber que o aumento
dos ndices de encarceramento por trfico de drogas, sobretudo do
encarceramento feminino, em muito pode ser explicado por estes vazios e
dobras de legalidade. Atualmente a populao carcerria nacional de
549.577 (288,14 presos por 100.000 habitantes), 513.538 homens e 26.411
mulheres; 133.946 pessoas esto aprisionadas em decorrncia da imputao
do art. 33 da Lei de Drogas (116.768 homens e 17.178 mulheres), segundo
as estatsticas do Departamento Penitencirio Nacional.Os efeitos imediatos (diretos) da poltica proibicionista
(encarceramento massivo) podem ser resumidos nos seguintes dados
(consolidao relativa ao primeiro semestre de 2012):
(a) 24,37% da populao carcerria nacional foi condenada pelo
art. 33 da Lei 11.343/06 em 2009 correspondia a 18,05%.
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(b) 22,73% da populao carcerria masculina foi condenada
pelo art. 33 da Lei 11.343/06 em 2009 correspondia a
15,73%.
(c) 65,04% da populao carcerria feminina foi condenada pelo
art. 33 da Lei 11.343/06 em 2009 correspondia a 48,31%.
(d) em comparao com o roubo qualificado, a prevalncia do
encarceramento foi invertida em 2010: em 2007, o nmero de
encarcerados pelo art. 33 da Lei de Drogas correspondia a
17% e de presos pelo art. 157, 2o do Cdigo Penal, era de
23%, ndices transpostos na mesma proporo, ou seja, em
2010, 23% da populao carcerria derivava da imputao
de trfico e 17% dos crimes patrimoniais violentos.
(e) dos presos em flagrante no Rio de Janeiro e em Braslia, nos
anos de 2008 e 2009, aos quais foram imputadas condutas
previstas no art. 33 da Lei de Drogas, 55% eram primrios,
60% estavam sozinhos e 94% estavam desarmados (Boiteux
et al, 2009).
Todavia estes efeitos diretos do proibicionismo ganham efetiva
relevncia quando a assepsia dos nmeros transformada em biografia de
pessoas de carne e osso que sofrem as consequncias da poltica de drogas.
Somente quando concretizamos os problemas que percebemos os danos
colaterais, para alm daqueles descritos burocraticamente nas estatsticas
criminais (ndice numrico da criminalizao oficial).
3. Aps a apresentao do material que havia preparado para oSemirio, foram abertos os debates. Dentre as inmeras questes
pertinentes que foram colocadas, uma em particular chamou minha ateno.
E confesso que, em um primeiro momento, pela sua aparente impropriedade.
Um jovem universitrio que acompanhava os debates pediu a
palavra e descreveu ao pblico que havia sido abordado em uma blitz policial
na praia e que fora flagrado com uma quantidade pequena de maconha. Ele
perguntou sem qualquer constrangimento, como enfrentar o problema, poishavia sido intimado para comparecer a uma audincia no Juizado Especial
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Criminal. Mais: como seria possvel sustentar a inconstitucionalidade da
proibio, tendo em vista os inmeros argumentos que eu havia apresentado
na palestra.
Os risos da plateia foram inevitveis. Sobretudo porque ficou claro
para todos que o ouvinte estava fazendo uma consultajurdica.
Aps alguns segundos de descontrao, porm, todos
percebemos a pertinncia do questionamento e a angstia do jovem. Se
fosse um pblico jurdico, fatalmente a resposta seria: procure um
advogado.
Logicamente a resposta tambm passava pela indicao de, antes
de qualquer atitude, um profissional do direito. Todavia, e para alm de uma
eventual tentativa de consulta particular, entendi necessrio readequar a
questo e indagar ao jovem o que ele pretendia fazer diante daquela
situao.
Isto porque, no caso, desde o meu ponto de vista, a postura e a
forma de enfrentamento do problema mudariam a abordagem jurdica a ser
utilizada. A primeira alternativa seria a de procurar uma estratgia que
reduzisse os danos pessoais causados por aquele processo de
criminalizao. Neste sentido, uma das possibilidades seria a de comparecer
audincia, aceitar a transao penal com o Ministrio Pblico, negociar
algumas condies viveis de cumprimento do acordo para evitar o processo
criminal e os seus efeitos p. ex., comparecimento em algumas sesses de
grupos de auto-ajuda como narcticos annimos, proposta padro realizada
pelo Ministrio Pblico gacho no caso de imputao de porte de drogas para
consumo pessoal (sobre o tema, conferir Mayora, Garcia, Weigert &
Carvalho, 2012).A segunda alternativa, porm, implicaria em uma posio de
enfrentamento do proibicionismo. Expliquei ao jovem que o processo poderia
ser utilizado como um manifesto e que, se levado s ltimas consequncias,
seria um instrumento de guerrilha contra a poltica de guerra s drogas.
Neste caso, a inconstitucionalidade da proibio de que um jovem adulto,
consciente, se relacione voluntariamente com uma substncia que lhe d
prazer, para alm dos possveis riscos do consumo, poderia ser utilizadacomo um argumento que imprimisse tenso ao proibicionismo. Assim, na
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audincia, poderia negar a transao penal, afirmando que o Estado no
possui legitimidade para ditar o que ele pode ou no consumir. Como referi, o
processo seria transformado em um manifesto.
No restam dvidas que inexigvel que todas as pessoas
criminalizadas tenham esta postura. A propsito, tentar reduzir ao mximo os
danos individuais causados pela criminalizao uma atitude totalmente
legtima. Mas ingressar nesta trincheira e transformar um caso em um
manifesto (um case jurdico) uma alternativa que inmeros militantes do
movimento antiproibicionista esto adotando, mesmo cientes dos eventuais
custos derivados da criminalizao.
4. Com base nestas duas perspectivas gostaria de narrar algumas
experincias da trincheira, algumas histrias que acompanhei de perto,
atuando como advogado pro bono em Porto Alegre, tanto na defesa de
pessoas sem qualquer envolvimento com os movimentos antiproibicionistas e
que procuravam apenas minimizar os problemas derivados da criminalizao,
quanto na atuao poltica junto aos coletivos militantes contrrios
criminalizao. Em ambos os casos, porm, a diretriz que orientou o trabalho
foi a de produzir defesas de ruptura expresso utilizada pelo advogado
francs Jacques Vergs para descrever o seu estilo de atuao, nas dcadas
de 50 e 60, na defesa dos militantes da Frente de Libertao Nacional pela
independncia da Arglia, ou seja, atuar de forma a expor incisivamente os
danos do proibicionismo e o papel de legitimao e de manuteno que as
agncias penais exercem em relao poltica de guerra s drogas, sem
postular qualquer piedade ou clemncia do Poder Judicirio.
4.1. O primeiro caso em que me senti profundamente envolvido e
que possibilitou uma percepo clara da perversidade da poltica
proibicionista foi o de Marco Antnio.
Marco Antnio, um jovem de classe mdia de Porto Alegre, foi
preso em flagrante em 14 de janeiro de 2003, ainda sob o regime da Lei
6.368/76, pela posse de 6,30 gramas de cannabis sativa e R$ 8,05.
Conforme narrou o Ministrio Pblico na denncia, Marco Antnio foi detidono parque da Redeno, em um domingo, por volta das 21 horas, ocasio em
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que teria oferecido droga a um casal que se encontrava no local. Segundo os
depoimentos do casal e do denunciado, Marco Antnio estava sozinho,
fumando maconha, quando foi abordado pela garota que teria pedido para
consumir conjuntamente a droga. Sem hesitao, alcanou para a jovem,
momento em que foi preso, pois o casal era formado por agentes da Polcia
Civil.
A denncia foi oferecida e recebida pela infrao ao art. 12 da Lei
6.368/76 fornecer, ainda que gratuitamente, droga. O flagrante foi
convertido em priso preventiva que perdurou durante toda a instruo
processual e a fase de recurso. Marco Antnio foi condenado a pena de 4
anos de recluso, em regime integralmente fechado. Na sentena, o julgador
registrou a impossibilidade de o ru apelar em liberdade em razo da
equiparao do delito de trfico aos de natureza hedionda.
Alm da conduta de fornecer droga a terceiro, confirmada no
interrogatrio do acusado, outros elementos circunstanciais fundamentaram a
condenao, notadamente para afastar a alegao de que o porte de droga
destinava-se ao consumo pessoal, dos quais destacam-se: (a) o local
frequentado pelo ru o parque da Redeno, notadamente aos domingos,
um conhecido local de consumo e de comrcio de droga em Porto Alegre; e
(b) as circunstncias do fato, pois os valores que Marco Antnio possua (R$
8,05) estavam dispostos em vrias cdulas, o que indiciaria atividade
mercantil.
No julgamento da apelao, a 1a Cmara Criminal do Tribunal de
Justia do Rio Grande do Sul votou, por maioria, pelo improvimento do
recurso interposto pela Defensoria Pblica em nome de Marco Antnio. Com
base no voto divergente do Desembargador vogal que entendeu (a) serduvidosa a prova e (b) ser desproporcional a imputao de crime anlogo ao
do trfico para o fornecimento gratuito de droga, e, consequentemente,
desclassificou a conduta para o delito para o art. 16 da Lei 6.368/76, fixando
pena em 8 meses de deteno , os defensores pblicos ingressaram com
embargos infringentes. As preliminares, notadamente a do flagrante
preparado, foram afastadas unanimidade.
No intervalo entre a interposio e o julgamento dos Embargos, afamlia de Marco Antnio, em decorrncia de vnculos antigos de amizade,
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entrou em contato para que eu apresentasse memoriais e sustentasse o
recurso no Grupo. No dia da sesso, em 1o de outubro de 2004, os embargos
foram acolhidos pela diferena de um voto, sendo desclassificada a conduta
para o art. 16 da antiga Lei de Drogas (TJRS, Embargos Infringentes
70008836132, 1o Grupo Criminal, Rel. Des. Marcel Hoppe, j. 01/10/04). A
questo que sensibilizou parte dos julgadores foi o histrico de dependncia
que Marco Antnio apresentava, destacados amplamente pela defesa desde
a instruo.
Importante ressaltar, neste caso, o mrito integral da Defensoria
Pblica, na instruo probatria e na fase recursal. Minha participao foi
acidental e, apesar de singela, foi suficiente para experimentar a grave e
direta consequncia da poltica proibicionista: a ampliao dos horizontes de
punitividade. Marco Antnio ficou preso provisoriamente 1 ano, 9 meses e 13
dias por fora dos critrios dbios de criminalizao que, em um ambiente
punitivista, acabam sempre otimizando o encarceramento.
4.2. O segundo caso que gostaria de destacar relativo a um dano
secundrio provocado pela poltica de guerra s drogas e que pode ser
caracterizado como uma varivel reflexa do processo de criminalizao que
atinge o movimento antiproibicionista.
Desde h muito tempo apoio os coletivos antiproibicionistas,
sobretudo os sediados em Porto Alegre. Juntos obtivemos algumas vitrias
bastante significativas como, p. ex., ter conseguido autorizao judicial para a
realizao das Marchas da Maconha. Em maio de 2008, em nome do
coletivo Princpio Ativo, junto com Mariana Weigert, ingressei com um
Habeas Corpus (coletivo) preventivo com o objetivo de assegurar arealizao da manifestao em Porto Alegre. Na ao constitucional,
interposta contra o Comandante da Brigada Militar do Rio Grande do Sul,
demonstramos o risco de constrangimento, apresentando inmeras
entrevistas do policial militar no sentido de que no permitiria a manifestao
e que, se houvesse, os participantes seriam presos por apologia ao crime. A
juza de planto concedeu a liminar (salvo conduto) e a Marcha da Maconha
ocorreu pacificamente, sem qualquer conflito, diferente do que houve emoutros Estados em que o Poder Judicirio negou o direito livre exposio do
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pensamento. Como de conhecimento geral, a matria foi julgada pelo
Supremo Tribunal Federal, que garantiu o direito de livre manifestao,
afirmando no haver crime de apologia em manifestaes contra leis injustas
e pela descriminalizao de determinadas condutas neste sentido, STF,
Tribunal Pleno, ADPF 187/DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 15.06.11.
Aps esta deciso em 2008, nos anos seguintes, com o objetivo
de assegurar a Marcha, foram impetrados novos Habeas Corpus, sempre
com o deferimento do salvo conduto e a realizao das manifestaes.
Importante dizer que em nenhuma ocasio houve qualquer conflito ou
desrespeito s decises judiciais, as quais, de forma expressa, asseguravam
a Marcha mas vedavam o consumo de droga ou a distribuio de sementes.
No entanto, em maio de 2010, o magistrado de planto indeferiu o
salvo-conduto ajuizado em nome do Princpio Ativo. A deciso foi publicada
nos sites do coletivo (www.principioativo.org) e do Centro Acadmico Andr
da Rocha, entidade representativa dos estudantes de direito da UFRGS
(www.caar.ufrgs.br).
Como era de se esperar, em face da frustrao na expectativa -
notadamente pelos precedentes dos anos anteriores inmeras foram as
manifestaes contrrias deciso do juiz plantonista. Algumas opinies
bastante fortes, dentre as quais destaco dois comentrios do acadmico
Pedro:
Vejam s as ideias do Juiz conservador de 1 Grau
que nos negou o livre direito de manifestao. Ser mal-
informado? (sic) Acionista em alguma empresa de armamentos,
de segurana privada ou de leitos psiquitricos? Ou seria maisum mero leitor de Zero-Hora (sic), com um adesivo crack-nem
pensar no carro? Decidam a o naipe.
A esto os fatos: este juiz de posse de sua caneta,
decide que a) Se um policial achar que um cartaz verde
apologia, isto justificaria descer porrada n@s man ifestantes;
que b) o nome Marcha da Maconha faz apologia s drogas; e
c) As drogas sumiriam automaticamente do planeta caso no
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fossem toleradas. Perguntamos: ser que o juiz sentiu vontade
de consumir psicoativos ao ler o nome Marcha da Maconha?
Temos certeza que no, mas ns at toleramos sua pretenso
aparente, de acabar com o problema contemporneo das
drogas alimentando-se o trfico de armas.
Ocorre que, ao tomar conhecimento das manifestaes, o
magistrado representou criminalmente contra Pedro, imputando-lhe a prtica
de delitos contra honra. De posse da representao, o Ministrio Pblico
gacho determinou algumas diligncias investigatrias e denunciou Pedro e
Leonardo pelas condutas previstas no art. 139 e art. 140, c/c art. 29 e art.
141, incisos II e III, na forma do art. 69, todos do Cdigo Penal.
Segundo a denncia, nos dias 15 e 22 de maio de 2010, os
acusados, em conjuno de esforos e convergncia de vontades, teriam
injuriado e difamado o julgador que havia indeferido o salvo-conduto para
realizao da Marcha da Maconha. Interessante notar, para alm da
importante discusso sobre a (a)tipicidade da crtica deciso judicial, o fato
de que Leonardo foi denunciado exclusivamente por ser o responsvel pela
manuteno do stio web do coletivo o acusado Leonardo, a seu turno,
concorreu decisivamente para a prtica dos delitos, ao publicar no stio,
www.principioativo.org, sob sua responsabilidade tcnica, informao de fl.
30, os artigos Habeas Corpus da Marcha da Maconha e Refletindo os
Bastidores da Jurisprudncia. (TJRS, Processo Criminal 001/2.10.0092147-
0, 7a Vara Criminal, Denncia, fls. 02-06). Quem conhece minimamente a
web e navega em sites e blogs opinativos, sabe que, em muitos espaos
virtuais como ficou demonstrado ser o caso da pgina do Princpio Ativo
, quem publica o comentrio o prprio autor, no havendo necessidade de
intermediao do responsvel formal.
De qualquer forma, juntamente com o colega Marcelo Mayora,
interpus Habeas Corpus para trancamento da ao penal, alegando, em
sntese, (a) a atipicidade da conduta de Pedro em razo do seu legtimo
direito de crtica deciso judicial argumento reforado posteriormente no
julgamento do mrito da ADPF da Marcha da Maconha pelo Supremo e(b) a insuficincia da denncia ao narrar a participao de Leonardo (art. 41
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do Cdigo de Processo Penal), em face de no haver qualquer nexo de
causalidade (art. 13, caput, cdigo Penal) entre a eventual ofensa honra e o
fato de ser o responsvel pelo site. O Tribunal denegou, unanimidade, a
ordem por entender que as teses demandavam instruo probatria (TJRS,
Habeas Corpus 70047084280, 3 Cmara Criminal, Rel. Des. Francesco
Conti, j. 09/02/12).
Proposto o debate ao Superior Tribunal de Justia inclusive com
a juntada de parecer elaborado pela representante da Law Enforcement
Against Prohibition (LEAP) no Brasil, Maria Lucia Karam, em uma precisa
anlise do direito de livre manifestao e de crtica , o caso encontra-se
pendente de julgamento (STJ, Habeas Corpus 241948, 5a Turma, Rel. Min.
Campos Marques).
4.3. O terceiro caso de referncia ganhou notoriedade nacional em
razo de o seu protagonista ter exposto publicamente o problema no
documentrio Cortina de Fumaa (www.cortinadefumaca.com). Trata-se,
em realidade, de mais um produto direto da equivocada poltica de guerra s
drogas, sobretudo pelo fato de o proibicionismo, posto em forma de lei,
reduzir as tragdias humanas aos folhetins fictcios (denncias criminais) que
simplificam toda a complexidade da vida no irreal e abstrato cdigo crime-
pena.
Alexandre Thomaz, formado em Comunicao Social, atuava
como publicitrio no Jornal Dirio de Canoas, quando, aos 35 anos de idade,
apresentou problema de sade posteriormente diagnosticado como
neoplasma maligno (linfoma) na regio do pescoo. Submeteu-se s
intervenes cirrgicas pertinentes e iniciou tratamento, realizando inmerassesses de qumio e de radioterapia. Em razo da doena e dos efeitos
colaterais do procedimento medicamentoso, Alexandre procurou tratamento
psiquitrico, pois sentia que no tinha mais foras para suportar a luta contra
a doena. O psiquiatra, na tentativa de minimizar os efeitos das drogas
terpicas e de recuperar emocionalmente o paciente, receitou um
psicofrmaco muito potente, denominado Tranquinol, cujos efeitos so
profundas alteraes de conscincia, mais fortes, p. ex., que as geradas pelouso da maconha. Tranquinol um ansioltico, um tranquilizante de alta
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potncia com profundo efeito de sedao e de induo do sono. Os efeitos
podem durar at 12 horas e as consequncias colaterais so bastante
relevantes: tontura e vertigem. Alm disso, a droga (Tranquinol) gera
dependncia fsica e o usurio, em estado de abstinncia, pode sentir muita
irritabilidade, insnia, tonturas, enjoo, cansao e fortes dores de cabea e
musculares.
Segundo os relatos de Alexandre Thomaz no documentrio
Cortina de Fumaa e no Inqurito Policial no qual foi indiciado e,
posteriormente, denunciado pelo delito previsto no art. 33, 1o, II, da Lei
11.343/06 (TJRS, Apelao Criminal 70050818152, 2 Cmara Criminal, Rel.
Des. Lizete Andreis Sebben), a droga receitada pelo psiquiatra produziu um
efeito ainda mais desgastante, pois agregou nova dosagem qumica s
outras substncias que estavam sendo ingeridas em decorrncia da rdio e
da quimioterapia.
No desgastante cenrio em que vivia, orientado por um
oncologista, tomou conhecimento do uso medicinal da cannabis,
notadamente dos resultados satisfatrios na diminuio dos efeitos colaterais
do tratamento qumico. Paralelamente, tomou a deciso de mudar
radicalmente o seu estilo de vida urbano e o foco profissional altamente
competitivo determinado pelo mercado publicitrio em consultas na
internet, livros etc, soube o declarante que precisava se alimentar melhor
com alimentos naturais. Diante desta nova descoberta, adquiriu um pequeno
stio de dois mil metros quadrados, onde pretendia fazer uma horta 100%
orgnica. Que realmente fez a horta com plantao de temperos, ervas
medicinais, rvores frutferas (...) e mais de outras trinta rvores diversas.
(Polcia Civil do Rio Grande do Sul, Procedimento Policial 586/2009-100514,fl. 28)
No mesmo perodo, soube que em diversos pases (Estados
Unidos, Canad, Holanda, p. ex.) a cannabis sativa estava sendo prescrita
para minimizao dos efeitos da rdio e da quimioterapia, principalmente os
sintomas de enjoo, nusea, falta de apetite e dores crnicas, os quais no
eram tratados satisfatoriamente pelos medicamentos tradicionais. Em Israel,
p. ex., existem programas estatais de distribuio de maconha para casossemelhantes.
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Neste cenrio, descobriu uma espcie de cannabis sativa com
baixo teor de THC, indicada exatamente para o tratamento do cncer. Assim,
toma a deciso de plantar para consumo pessoal. Importa as sementes da
Holanda, cultiva em seu stio e (...) passou a consumir a planta em chs,
colocava em receitas de bolos e, eventualmente, fumava. Notou melhoria em
seu estado clnico com o alvio das dores. (Polcia Civil do Rio Grande do
Sul, Procedimento Policial 586/2009-100514, fl. 29)
A deciso de plantar para consumo pessoal, ou seja, de produzir o
seu remdio que reside sozinho no stio. Mantinha sigilo em relao s
plantas que cultivava. Nunca vendeu e nem doou a erva para ningum
(Polcia Civil do Rio Grande do Sul, Procedimento Policial 586/2009-100514,
fl. 29) decorreu, fundamentalmente, da opo consciente de no se
envolver com o comrcio ilegal e de no se submeter ao consumo de drogas
adulteradas vendidas no mercado varejista.
Como seria possvel prever, aps uma denncia annima, no dia
13 de dezembro de 2009, a Polcia Militar do Rio Grande do Sul, sem
autorizao judicial, ingressou no stio de Alexandre e confiscou a plantao
interessante destacar que em decorrncia de os responsveis pela invaso
terem destrudo a residncia do ru, o Delegado que presidiu o Inqurito
indiciou os Policiais Militares pelos delitos de abuso de autoridade (art. 3o, b,
Lei 4.898/65) e de usurpao de funo pblica (art. 328, Cdigo Penal):
poderiam os PMs terem trazido os fatos ao conhecimento da Autoridade
Policial que, certamente, faria um trabalho legtimo e sem a truculncia de
uma invaso a fora e ilegal casa do indiciado. Diante dos exageros,
entendemos que os PMS tenham cometido excesso (...). (Polcia Civil do Rio
Grande do Sul, Procedimento Policial 586/2009-100514, Relatrio Policial, fl.17).
O Ministrio Pblico, ao receber o Inqurito, (a) denunciou
Alexandre Thomaz como incurso no art. 33, 1, II, Lei 11.343/06, e (b)
requereu, apesar das provas e do indiciamento, o arquivamento do caso em
relao aos delitos de abuso de autoridade e usurpao de funo pblica.
No entanto, em uma deciso relativamente surpreendente
sobretudo porque a lgica proibicionista amplia os espaos de punitividade e,mesmo nos casos de baixa complexidade, potencializa a criminalizao
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secundria, o magistrado de primeiro grau desclassificou a conduta para a
hiptese do art. 28, 1, Lei 11.343/06, remetendo os autos aos Juizados
Especiais Criminais, argumentando serem robustas as provas no sentido de
o produto do plantio ter finalidade teraputica (consumo pessoal) e inexistir
dados concretos acerca de eventual comrcio (TJRS, Processo Criminal
008/2.11.0008041-7, Deciso Judicial, fls. 248-251v).
O Ministrio Pblico ingressou com recurso de apelao, alegando
que a finalidade (consumo pessoal ou comrcio) deveria ser comprovada na
instruo probatria. Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justia e o
recurso aguarda pauta de julgamento na 2a Cmara Criminal.
5. interessante notar, em todos os casos expostos, que a
postura dos atores do sistema punitivo seguiu uma lgica similar e que pode
ser afirmada como juridicamente adequada, se os atos de interpretao dos
seus protagonistas forem reduzidos estrita legalidade (vigncia da lei
penal). Os indiciamentos realizados pelos agentes da Polcia, as denncias
produzidas pelos membros do Ministrio Pblico e as decises exaradas
pelos juzes seguem um padro de ampliao dos nveis de punitividade
sustentado por uma racionalidade paleopositivista (Ferrajoli, 1998; Carvalho,
2008) que ignora as diretrizes constitucionais de validao dos dispositivos
incriminadores e a complexidade do mundo da vida. Neste aspecto, a
sucesso e o encadeamento de atos formais de incriminao atestam
profundos dficits dogmticos e criminolgicos, se ambas as cincias
(dogmtica jurdica e criminologia) forem pensadas desde uma perspectiva
crtica.
Pensar (primeiro) em imputaes pelo art. 33 da Lei 343/06,apesar de demonstrao da ausncia de finalidade mercantil das condutas,
o trao mais evidente de como a lgica proibicionista expande os horizontes
de encarceramento. Os casos de Marco Antnio e Alexandre Thomaz so
experincias vivas da inverso do sentido da realidade gerada pelo
proibicionismo. Dificilmente um leigo atribuiria quelas condutas o rtulo de
trfico de entorpecentes. No entanto a normatividade produzida pela poltica
de war on drugs torna esta espcie de atribuio de responsabilidadeabsolutamente natural.
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No mesmo sentido, igualmente desproporcional, situao que,
inclusive, beira insanidade, constatar (segundo) que um agente do Estado,
membro do Ministrio Pblico, criminalize como trfico a conduta de uma
pessoa que faz comprovado uso teraputico de cannabis e, no mesmo ato,
considere normal o evidente abuso de autoridade empregado na ao
policial que apreendeu a droga. A distoro de valores perceptvel na
denncia contra Alexandre Thomaz um retrato bastante evidente dos
efeitos do proibicionismo no campo da administrao da justia criminal:
legitimao da violncia (policial), criminalizao do usurio, encarceramento
massivo.
Ademais, como foi possvel ver no processo movido contra Pedro
e Leonardo e nos inmeros casos de represso Marcha da Maconha
mesmo aps a deciso do Supremo Tribunal Federal , (terceiro) a poltica
criminal de drogas na atualidade irradia efeitos, operando na criminalizao
dos movimentos sociais antiproibicionistas.
neste cenrio de plena vigncia de uma poltica criminal com
derramamento de sangue, na precisa expresso de Nilo Batista (1998), que
emergem aes antiproibicionistas, individuais e coletivas, de resistncia,
com o objetivo exclusivo de conquistar a paz, o que significa, em ltima
instncia, o fim da guerra s drogas e a implementao de polticas pblicas
inteligentes para a preveno dos danos provocados pelo abuso e pela
dependncia. Experincias, alis, que vm acontecendo de forma bastante
satisfatria em inmeros pases ocidentais.
Do contrrio, a manuteno deste paradigma blico de poltica
criminal seguir produzindo histrias similares s de Marco Antnio, Pedro,
Leonardo e Alexandre. Ocorre que, infelizmente, os casos relatados no sonarrativas picas e romnticas, mas histrias de vidas atravessadas por uma
poltica criminal genocida e que legitimada, dia a dia, pelos atores do
sistema penal.
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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Batista, Nilo. Poltica Criminal com Derramamento de Sangue in DiscursosSediciosos, v. 05/06, Rio de Janeiro, 1998.
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Roma: Laterza, 1998.Mayora, Marcelo; Garcia, Mariana, Weigert & Carvalho, Salo.
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Weigert, Mariana de Assis Brasil. Uso de Drogas e Sistema Penal: Entre oProibicionismo e a Reduo de Danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.