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10º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa
Área Temática: AT5 - Forças Armadas, Estado e Sociedade
Intervenção Federal no Rio de Janeiro sob a ótica de Operações Baseadas em
Efeitos
Carlos Eduardo Valle Rosa1
Resumo
Em 16 de fevereiro de 2018, o Governo Federal brasileiro decretou uma intervenção
federal no Estado do Rio de Janeiro, cujo objetivo seria pôr termo ao grave
comprometimento da ordem pública naquele Estado. O processo que foi colocado em
curso é comandado por um general do Exército Brasileiro, que coordena as ações das
Forças Armadas, controla operacionalmente os órgãos estaduais de segurança pública e
pode requisitar o apoio de órgãos civis da administração federal. A ação está em curso e
é prematura uma análise de resultados, algo que somente poderá ser efetuado após a
conclusão da intervenção, que deverá se encerrar em 31 de dezembro de 2018. Entretanto,
uma apreciação inicial sobre elementos que devam ser considerados no planejamento das
ações, assim como na perspectiva de condução das operações, torna-se relevante como
análise do emprego do poder militar nacional em contexto de segurança pública. A fim
de atingir esse objetivo, empreendeu-se uma investigação, em fontes abertas à consulta,
buscando compreender o evento à luz da metodologia denominada Operação Baseada em
Efeitos. Os resultados obtidos indicam que as ações poderão objetivar a destruição
“física”, a neutralização “funcional”, ou o prejuízo “sistêmico”, todos em relação ao
oponente identificado. A pesquisa também identificou possíveis efeitos diretos e indiretos
da intervenção. Além disso, como parte significativa da metodologia, apontou-se o efeito
“psicológico” a ser obtido como um propósito de elevada prioridade.
Palavras-chave: Intervenção Federal; Forças Armadas; Operação Baseada em Efeitos.
1 Doutorando em Geografia (UFRN), Mestre em Ciências Aeroespaciais (UNIFA), Bacharel em Ciências
Aeronáuticas (AFA) e Bacharel em História (UFRN). Coronel Aviador da Reserva da Força Aérea
Brasileira. Instrutor em Escolas Militares e Universidades nos assuntos relacionados à Poder Aéreo e
Espacial, Geopolítica e Jogos de Guerra. Autor da obra “Poder Aéreo: guia de Estudos” (2014) e do
Capítulo “Brazilian Air Power” no livro Routledge Handbook of Air Power (2018).
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INTRODUÇÃO
No ano de 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92, realizada entre 3 e 14
de junho, na cidade do Rio de Janeiro, as Forças Armadas (FFAA) brasileiras debutaram
na atuação em segurança pública, sob a égide da Constituição Federal de 1988, cujo
Artigo n. 142, daria o respaldo para esse tipo de envolvimento, quando destaca que “As
Forças Armadas, [...] destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (BRASIL, 2016)
[grifo do autor].
Na verdade, constituições anteriores já previam o emprego das FFAA em
situações de garantia da ordem interna. A Constituição de 1824, no seu Artigo n. 145
impunha a todos os brasileiros “sustentar a integridade do Império”, e no Artigo n. 148
delegava ao Poder Executivo a competência para “empregar a força armada de mar e
terra, como bem lhe parecer conveniente à segurança e defesa do Império” (BRASIL,
1824). A Carta Magna de 1891, no Artigo n. 14, postulava que “As forças de terra e mar
são instituições nacionais permanentes, destinadas à defesa da Pátria no exterior e à
manutenção das leis no interior” (BRASIL, 1891). Em 1934, a Constituição, no Artigo n.
162, dizia que “As forças armadas são instituições nacionais permanentes [destinando-
se] a defender a Pátria e garantir os Poderes constitucionais, e a ordem e a lei” (BRASIL,
1934). A Constituição de 1946, no Artigo n. 177 dizia que “as forças armadas [destinam-
se] a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem” (BRASIL,
1946). A Carta Magna de 1967, no Artigo n. 92, § 1º, destinava “as forças armadas a
defender a Pátria e a garantir os Poderes constituídos, a lei e a ordem” (BRASIL, 1967).
Apesar dessa responsabilidade acumulada ao longo da história e do crescente
envolvimento das FFAA nesse tipo de atuação, surgiu a necessidade de instrumentos
regulatórios de maior amplitude e conteúdo, cuja finalidade seria a de especificar o
contexto dessa atuação e dar respaldo legal aos militares, estabelecendo limites e
ordenando o relacionamento com as demais instituições envolvidas nos casos específicos.
Em 1997, é editada a Lei Complementar n. 97, de 9 de junho, dispondo sobre a
organização, o preparo e o emprego das FFAA. Nesse dispositivo legal, o Artigo n. 15,
inciso III, § 2º, ressalta que as FFAA podem ser empregadas após “esgotados os
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instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas
e do patrimônio” (BRASIL, 1999). Nesse mesmo inciso, adicionou-se em 2004 o § 3º,
especificando o que se consideram instrumentos de segurança pública federais ou
estaduais.
Em 2001, surge outro marco legal para o emprego das FFAA em situações de
preservação da lei e da ordem interna, expresso no Decreto n. 3.897, de 24 de agosto
daquele ano. Nessa legislação, o artigo n. 3 institui que:
Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem,
objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e
do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no Art. 144
da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver
as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou
repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias
Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo
ordenamento jurídico (BRASIL, 2001).
Nesse mesmo dispositivo, destacam-se outras características das operações de garantia da
lei e da ordem, mormente aquelas relativas ao caráter episódico da ação, da possibilidade
de controle operacional sobre os meios de segurança pública estaduais e da
disponibilidade dos demais órgãos da administração federal quando demandados pelo
Ministério da Defesa (MD) (BRASIL, 2001).
As ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como foram denominadas,
desde então, cresceram em número, em dimensão territorial, em espaço temporal e em
quantidade de efetivos envolvidos. O MD, em seu portal da internet, apresenta algumas
dessas ações: a) Pacificação em diferentes comunidades do Rio de Janeiro; b) Uso de
tropas federais nos estados do Rio Grande Norte e do Espírito Santo; c) Conferência das
Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (Rio + 20), em
2012; d) Copa das Confederações da FIFA, em 2013; e) Visita do Papa Francisco a
Aparecida (SP) e ao Rio de Janeiro durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013; f)
Copa do Mundo de 2014; g) Jogos Olímpicos “Rio 2016”; e h) Em processos eleitorais
em municípios sob risco de perturbação da ordem. Além dessas, também ocorreram ações
de GLO nas seguintes situações: a) Operação Tucuruí, em 30 de abril de 2006, devido à
invasão da Usina de Tucuruí por integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens
no Pará; b) Greves de Polícias Estaduais no Maranhão, Rondônia e Ceará em 2011, e
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Bahia em 2012; e c) Protestos contra o leilão do Campo de Libra, em 20 de outubro de
2013.
Essa volumosa experiência em ações de preservação da ordem interna, aliada
à atualização dos dispositivos legais, credenciaram as FFAA a uma atuação subsidiária
de provimento ou de complementação da segurança pública. Em especial, quando se
observam os alarmantes índices de criminalidade do Brasil. Apenas para se ter uma noção
do quadro nacional, a apreciação de alguns indicadores é suficiente para se entender o
porquê da demanda de atuação das FFAA na segurança pública. O Atlas da Violência de
2017, editado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, uma fundação pública
federal vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, revela que
“o número de homicídios no Brasil, em 2015, [atingiu a quantidade de] 59.080 mortes”
superando a soma de pessoas mortas em ataques terroristas em outras nações
(CERQUEIRA; LIMA, et al., 2017, p. 55). Nesse mesmo Atlas vê-se que “o uso da arma
de fogo como instrumento para perpetrar homicídios atingiu [no Brasil] uma dimensão
apenas observada em poucos países da América Latina”, transformando-se no principal
meio de assassinatos em nosso país, cujo índice de “71,9% do total de casos [supera em
muito o da] Europa que encontra-se na ordem de 21%” (CERQUEIRA; LIMA, et al.,
2017, p. 43).
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública editou o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública de 2017. Nele, cita-se que “O Brasil teve 7 pessoas assassinadas por
hora em 2016” (LIMA; BUENO, 2017, p. 6). Tão alarmante quanto esse dado é a
informação de que as despesas com políticas públicas de segurança estão na casa de R$
81 bilhões, que existem efetivos policiais estaduais (militar e civil) na ordem de 425.000
homens e mulheres (ambos dados de 2016) e que os recursos do Ministério da Defesa
para as operações de GLO estiverem em torno de R$ 127 milhões, em 2017 (LIMA;
BUENO, 2017, p. 8, 66 e 73). Tão grave é a questão da segurança no Brasil que até mesmo
autoridades federais declararam que a situação se assemelha a uma guerra. O Ministro da
Justiça, Torquato Jardim, afirmou que estaríamos “vivendo uma guerra simétrica”, na
qual ocorreriam mortes, pois “Não há guerra que não seja letal” (VEJARIO, 2018). O
então Ministro da Defesa, Raul Jungmann, declarou em mais de uma oportunidade que a
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sociedade precisava se preparar para uma “espécie de guerra”, quando se combate o crime
organizado (OUCHANA, 2017).
Um dos estados brasileiros que tem sofrido constantemente com a
criminalidade é o Rio de Janeiro. A existência de comunidades que agregam trabalhadores
de baixa renda, jovens desempregados, falta de assistência estatal às necessidades básicas,
arquitetura urbana de caos nas favelas e a incapacidade do Governo estadual em agir
efetivamente contra as mais diversas formas de crime, principalmente o tráfico de
entorpecentes, os roubos de carga, a formação de milícias e o uso de armas automáticas
e de grosso calibre, caracterizam um contexto de crise na segurança pública.
Em função desse cenário calamitoso, o Governo Federal, considerando a
falência dos instrumentos estaduais e municipais, decidiu intervir na segurança pública
do Rio de Janeiro. O presente artigo considera a intervenção federal no Rio de Janeiro
como uma operação de GLO e que tal inciativa demanda uma análise.
INTERVENÇÃO FEDERAL NO RIO DE JANEIRO
Em 16 de fevereiro de 2018, por meio do Decreto n. 9.288, o Presidente da
República instituiu a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, cujo objetivo seria
“pôr termo ao grave comprometimento da ordem pública” (BRASIL, 2018, Art. 1º, § 2º).
Para a edição desse dispositivo legal, o Governo Federal considerou, nas palavras do
próprio presidente Michel Temer, que "O crime organizado quase tomou conta do estado
do Rio de Janeiro. É uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do
nosso povo” (MAZUI; CARAM; CASTILHO, 2018).
Na data de elaboração deste artigo (maio de 2018), ainda não era possível se
analisar amiúde os resultados dessa intervenção. Portanto, não é o objetivo desse trabalho
avaliar a extensão das ações como forma eficaz de redução ou de extinção desse cenário
apontado como justificativa para o decreto presidencial. Nosso propósito é elucidar as
premissas de planejamento da operação de GLO na intervenção federal no Rio de Janeiro,
identificando em que medida parâmetros de planejamento de operações militares podem
ser identificados nos fatos de domínio público expostos nessa situação. Para atingir esse
propósito, adotou-se como modelo de análise a concepção denominada Operação
Baseada em Efeitos (OBE).
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Assim é que se faz necessária uma compreensão mais detalhada de alguns
aspectos relativos à intervenção, iniciando pela apreciação do próprio Decreto n. 9.288.
Esses elementos serão, posteriormente, discutidos no capítulo da análise. Em primeiro
lugar, destaca-se a questão da temporalidade. Existe uma data para o encerramento da
GLO, exatamente o dia 31 de dezembro de 2018. Designou-se um oficial-general do
Exército Brasileiro para conduzir a função de interventor, o que inicialmente levou alguns
comentaristas a confundir intervenção federal com intervenção militar, interpretação essa
que acreditamos estar superada.
Outro ponto interessante a se destacar no Decreto é que a ação se dará
exclusivamente na esfera da Segurança Pública, desconsiderando-se as outras áreas de
atuação do Governo Estadual. Assim, o escopo da intervenção se dá nas corporações
policiais, Polícia Militar e Civil, e nos órgãos de Defesa Civil, tais como o Corpo de
Bombeiros, além dos recursos subordinados à Secretaria de Administração Penitenciária.
Portanto, é uma intervenção no Poder Executivo estadual na área da segurança pública.
Por fim, dois aspectos importantes do Decreto. A subordinação direta do interventor ao
Presidente da República e a possibilidade de requisição de “recursos financeiros,
tecnológicos, estruturais e humanos do Estado do Rio de Janeiro afetos ao objeto e
necessários à consecução do objetivo da intervenção” (BRASIL, 2018, Art. 3º, § 2º).
Um ponto importante dessa investigação é a questão conceitual. As ações de
natureza policial já foram definidas na Escola Superior de Guerra (ESG), no seu Manual
Básico, que se transformou em uma espécie de “doutrina” para os assuntos ligados à
segurança e defesa nacionais. Na visão da ESG, a segurança é uma sensação enquanto
que defesa é o trato da ameaça (BRASIL, 2008). No caso da intervenção, busca-se ampliar
a sensação de segurança por meio de medidas concretas, no nível individual (relativo à
liberdade, propriedade, locomoção, proteção contra o crime) e no nível comunitário
(relações políticas, econômicas e sociais). Parte-se da premissa de que a ordem pública,
compreendida como uma “situação de tranquilidade e normalidade”, foi perturbada,
demandando ações de “defesa pública”. Para a ESG (2008, p. 62), a defesa pública se
caracteriza como um “conjunto de medidas, atitudes e ações, coordenadas pelo Estado,
mediante aplicação do Poder de Polícia, para superar ameaças específicas à Ordem
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Pública”. Observe-se que o Decreto n. 9.288 coloca a expressão “ordem pública” como
aquilo que estaria comprometido.
Na apreciação conceitual cabe, ainda, uma investigação sobre o Manual
MD33-M-10, “Garantia da Lei e da Ordem”, editado pelo MD, em 2013. Trata-se de um
documento doutrinário, na medida que estabelece conceitos, fundamentos e uma
sistemática de planejamento e emprego em operações de GLO. Da leitura desse manual,
pode-se depreender alguns elementos conceituais relevantes.
Incialmente, destaca-se a demanda de coordenação das FFAA com todos os
demais atores participantes ou colaboradores em uma GLO. Para tanto, é necessária a
instituição de um “Centro de Coordenação de Operações, composto por representantes
dos órgãos públicos e/ou outros órgãos e agências, nos níveis federal, estadual e
municipal, bem como empresas e ONG” (BRASIL, 2013, p. 18). Integram-se à essa
demanda de coordenação, eventualmente o Gabinete de Segurança Institucional da
Presidência da República, os Ministérios da Justiça, do Planejamento, Orçamento e
Gestão, das Relações Exteriores, da Segurança Pública, o Ministério Público Federal, a
Advocacia-Geral da União e outras agências governamentais.
Um fator decisivo para o sucesso da GLO é o documento que estabelecerá a
“missão” das FFAA na determinada situação. A missão para as FFAA é um componente
essencial para atuação. Tecnicamente, ela deve conter em seu enunciado “claramente a
tarefa ou ação a ser executada e o fim a ser atingido” (BRASIL, 2015, p. 167). No caso
específico do Rio de Janeiro, depreende-se que essa missão está contida no Decreto n.
9.288, especificamente aquela expressa no seu “objetivo”2. A partir dessa missão
atribuída pelo Presidente da República pode-se deduzir missões complementares, que
levem ao cumprimento da missão maior definida no decreto.
Outro elemento essencial para as missões de GLO, conforme aponta o
Manual, é a existência de “Normas de Conduta” e as consequentes “Regras de
Engajamento” (BRASIL, 2013, p. 20). Antes de se constituírem em procedimento de
conduta frente às variadas situações de engajamento da tropa com a população e os
criminosos, esses documentos servem como instrumentos legais de amparo às ações
2 Segundo o Decreto n. 9.288, Art. 1º, § 2º, o objetivo da intervenção é pôr termo a grave comprometimento
da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro.
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militares, na eventualidade de conflitos que coloquem em risco as pessoas ou ocasionem
vítimas e efeitos colaterais.
Nas Regras de Engajamento, a conduta do militar em uma GLO deverá
sempre observar princípios. No princípio da razoabilidade a perspectiva é a de que haja
parcimônia3 na atuação militar. O princípio da proporcionalidade leva em conta a ação e
a reação, de forma a haver um equilíbrio. O princípio da legalidade é autoelucidativo,
pois implica no estrito cumprimento da lei (BRASIL, 2015).
Apesar de não se tratar de uma operação de guerra4, as GLO contêm
fundamentos muito semelhantes. A “atuação de forma integrada” é uma característica das
operações militares da atualidade, comumente denominadas de operações conjuntas.
Assim é que a GLO é uma forma de atuação conjunta, não somente no âmbito das FFAA,
mas também com todos os demais órgãos envolvidos. O “emprego da inteligência e
contrainteligência” é um fator que está no limiar entre o sucesso e o fracasso. As
informações sobre o oponente, seus líderes, formas de atuação e logística, dentre outras,
são essenciais nas operações de guerra, assim como nas de caráter policial.
A “limitação do uso da força e das restrições à população” é fundamental nas
operações urbanas, principalmente quando estão envolvidas comunidades nas quais
existem cidadãos de bem que não podem se transformar em vítimas pelo descuido da ação
militar. Esse fator tem sido amplamente explorado em guerras como a do Afeganistão,
em 2001, no Iraque em 2003 (JOHNSON, 2007) e, mais recentemente, no conflito da
Síria, desde 2011 (ROSA, 2016). Esse tipo de conduta a ser evitado é denominado
genericamente de dano colateral.
Outro fator marcante nos conflitos armados, e que pode ser observado em
operações de natureza policial, é a “dissuasão”. Quando conjugada com o “emprego da
comunicação social” e de “operações psicológicas” formam um conjunto que visa a
intimidar o criminoso, agindo na questão da (des)motivação para o crime. A
demonstração de força, a pressão constante, os cercos e a neutralização das formas de
atuação colaboram com a percepção da implacabilidade da ação policial e o iminente
insucesso. Essa tríade de fundamentos também tem por público-alvo a população em
3 Segundo o Dicionário Houaiss (2009), “Parcimônia” é a “qualidade ou característica de parco”, que por
sua vez pode significar economia, poupança, comedimento, sobriedade, simplicidade ou frugalidade. 4 Segundo a classificação do Manual MD51-M-04, “Doutrina Militar de Defesa”, 2007, p. 24-25.
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geral, principalmente quando a ideia-força da segurança é a sensação (BRASIL, 2008).
Assim é que a comunicação social ganha relevo demonstrando resultados e alertando
sobre os riscos. Por fim, como ocorre em todo o processo conflituoso, a “negociação” é
uma forma de se extinguir a ameaça com o menor dano possível.
Da forma como se propôs essa investigação, o passo seguinte é a
compreensão de uma metodologia sobre planejamento de operações militares
denominada “Operação Baseada em Efeitos”. No arcabouço doutrinário do MD brasileiro
não existe um manual que detalhe tal tipo de metodologia. No manual “Doutrina de
Operações Conjuntas – MD30-M-01”, 1º volume, existe a referência a este tipo de
operação, porém dentro do contexto da “Arte Operacional”, que segundo esse Manual
tem por essência “identificar previamente o que será decisivo e moldar as operações
necessárias para o sucesso” (BRASIL, 2011, p. 73).
OPERAÇÕES BASEADAS EM EFEITOS
A OBE constitui-se em um modelo diferenciado de interpretação do modus
operandi político-militar em situações de guerra, conflito ou crise, incluindo-se nelas as
operações de GLO, visando a obtenção de determinados efeitos em aliados, neutros ou
oponentes. O Manual sobre GLO, do MD, classifica como “forças oponentes [as] pessoas,
grupos de pessoas ou organizações cuja atuação comprometa a preservação da ordem
pública ou a incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 2013, p. 15). Portanto,
a OBE também é uma metodologia consoante com a proposta de oponente identificada
nas operações de GLO.
De acordo com Smith (2002, p. xiv), a OBE é “um conjunto coordenado de
ações direcionadas a moldar o comportamento de amigos, neutros e inimigos, na paz, em
situações de crise ou na guerra”. Uma ideia-chave, portanto, na OBE é moldar
comportamentos. O comportamento é uma atitude, reação, decisão, postura, enfim,
qualquer efeito que se possa almejar por meio da conexão entre as ações próprias e os
“cenários futuros desejados”. No nível operacional da guerra (vide Quadro 1) a intenção
de um comandante, quanto ao comportamento desejado do oponente, se concretizará
quando da identificação das vulnerabilidades e fraquezas do adversário, passo decisivo
para a obtenção dos efeitos desejados.
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A concepção da OBE veio se contrapor ao paradigma da “guerra de atrito”,
caracterizada pelas acentuadas perdas materiais e humanas, cujo exemplo clássico pôde
ser observado nas duas grandes guerras mundiais. Estimulados pelo desenvolvimento de
novas tecnologias de aplicação militar, tais como as armas de precisão, o uso de satélites
na comunicação e no posicionamento global, o emprego de sistemas computacionais nos
aparatos de comando e controle das forças, a invisibilidade ao radar, os equipamentos de
controle remoto de armas, dentre outros, teóricos visualizaram um novo tipo de guerra: a
guerra baseada em efeitos.
Alguns teóricos, como Meilinger (2016), ressaltam que a ideia de OBE não é
nova nas guerras. De uma forma ou de outra, os comandantes militares sempre buscaram
alguma forma de efeito com suas ações. Contudo, conforme destaca Cheek (2002), a
formulação do conceito de OBE teria surgido a partir das contribuições de John Warden
III e de David Deptula, na Guerra do Golfo de 1991. Nela, o conceito amadureceu nos
ataques que neutralizaram as forças iraquianas e impactaram psicologicamente o
oponente.
Outro componente essencial do conceito é a definição do que é efeito (ou
efeito desejado). Na doutrina militar norte-americana, efeito é “um estado físico e/ou
comportamental de um sistema derivado de uma ação isolada, de um conjunto de ações
ou de outro efeito” (EUA, 2017, p. xxii). No Brasil, o Glossário das Forças Armadas
define efeito desejado como o “resultado da ação a ser executada” (BRASIL, 2015, p.
289).
Duas premissas orientam a concepção de OBE. A primeira delas é a de que a
destruição física de um alvo não é necessariamente o objetivo final da ação. A
neutralização do alvo, ou do oponente, deve permitir um espectro mais amplo de efeitos.
Sejam eles físicos, funcionais, sistêmicos ou psicológicos. A segunda premissa é a de que
os “efeitos” devem ser percebidos nos níveis tático, operacional e estratégico (ou político)
(Quadro 1). O nível tático é aquele onde as forças policiais enfrentam os criminosos
diretamente. O nível operacional é aquele representado pela figura do interventor e seu
estado-maior, ou grupo de coordenação. O nível estratégico é o MD, enquanto que o nível
político se constitui pelas mais altas autoridades nacionais. Acrescentaríamos a essa
demanda de percepção dois grupos que são fundamentais para a avaliação do sucesso da
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operação: a mídia, formadora de opinião por natureza; e a população, aquela que sofre as
consequências da criminalidade.
Intervenção Federal no Rio de Janeiro
Atores
Nível Estado Oponente
Político Altas autoridades nacionais Traficante nacional
Estratégico Ministério da Defesa
Operadores do tráfico,
traficante-líder da região ou da
comunidade, chefe de facção
Operacional Interventor e seu estado-maior
ou grupo de coordenação
Traficante local ou regional,
chefe de “boca de fumo”
Tático Forças policiais que enfrentam
os criminosos diretamente
Assaltantes, “soldados do
tráfico”, criminosos em geral
Quadro 1 – Os atores e os níveis de decisão na Intervenção Federal no RJ
Fonte: o Autor, 2018.
No que tange aos níveis de impacto dos efeitos, dizem os teóricos da OBE,
entre eles Batschelet (2002) e Davis (2001), que os efeitos devem abranger os níveis
tático, operacional e estratégico (e político) (Quadro 2), de forma que o significado dos
resultados seja mais abrangente. De pouco importaria para a guerra um efeito obtido
apenas no nível tático, pois no cerne da OBE está claramente a tentativa de superar o
paradigma da guerra de atrito. Ou seja, a neutralização de um alvo no nível tático com
impacto apenas nesse nível não é coerente com a proposta da OBE. A ação precisa obter
reflexos nos níveis operacional e estratégico. Pois esses, respectivamente, referem-se ao
contexto global da guerra e ao contexto político. No primeiro, o efeito desejado é impactar
estruturalmente a capacidade de combate do oponente, enquanto que no segundo o choque
se dá na sua vontade de lutar.
Intervenção Federal no Rio de Janeiro
Tipos de Efeitos no Oponente
Físico Neutralização dos assaltantes comuns, dos “soldados do tráfico” ou dos
criminosos em geral
Funcional Interrupção no funcionamento do tráfico em determinada comunidade,
“boca de fumo” ou bairro
Sistêmico Interdição das linhas de comunicação do tráfico, impedindo o trânsito de
entorpecentes
Psicológico Sensação de incapacidade de efetivação do tráfico de entorpecentes
Quadro 2 – Os tipos de efeitos no oponente na Intervenção Federal no RJ
Fonte: o Autor, 2018.
De acordo com Mann III, Endersby e Searle (2002, p. 37-39), a destruição
(ou neutralização) “física” é representada pelo impacto direto ao alvo (ou contra o
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oponente). A “funcional”, impossibilita que o alvo (ou o oponente) execute sua função
essencial. A “sistêmica”, revela que a funcionalidade específica do alvo (ou do oponente)
atingiu o sistema do qual ele faz parte, prejudicando em determinado grau sua atividade.
O efeito “psicológico”, por sua vez, influencia as “emoções, motivos, a razão objetiva e
o comportamento de governos, organizações, grupos ou indivíduos”.
Esse também é o momento para ser afirmar que, apesar do crédito que se deu
à OBE, o conceito não deixou de receber críticas, inclusive de altas autoridades militares
americanas, como destacou Sæveraas (2012, p. 185), a partir do ano de 2008. O desafio
da OBE é se enquadrar em uma gama maior de dimensões de operações militares,
inclusive na GLO. Dentre os críticos da OBE estão aqueles que questionam até que ponto
ela será capaz de aferir se os efeitos obtidos, principalmente aqueles de natureza
psicológica, estão de fato modificando comportamentos em organizações terroristas ou
criminosas, que nem sempre funcionam de acordo com postulados “civilizados”. A
complexidade dos atores e das questões culturais e sociais estão presentes e demandarão
intensas análises antropológicas e sociais de forma a se estabelecer um conhecimento
adequado sobre as forças oponentes.
Ainda na identificação dos conceitos fundamentais expressos pela concepção
de OBE, apresentam-se as modalidades de efeitos. Como afirma Beagle Jr. (2001), uma
determinada ação pode gerar efeitos diretos e efeitos indiretos. Os efeitos diretos são
aqueles observados como resultado da ação, independente da natureza (físico, funcional,
sistêmico ou psicológico). Os indiretos são aqueles que decorrem da ação efetuada e
podem ser efeitos desejados ou indesejados. Esses últimos constituem-se em uma
categoria que geralmente é associada ao dano colateral ou a qualquer outra consequência
que venha a ser desfavorável aos objetivos estipulados pelo comandante.
Um último postulado inserido no conceito de OBE é o da “guerra paralela”.
A ideia, segundo sugere Deptula (2001), vem dos esquemas elétricos de ligação em série
e em paralelo. Enquanto que na guerra em série as ações se desenvolvem de forma
sequencial, uma após a outra, na guerra paralela as ações são intensas e simultâneas. A
concentração dos esforços se dá por meio de ataques concomitantes às vulnerabilidades
identificadas no oponente, deixando-o sem margem de manobra.
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Com essa breve revisão teórica sobre o conceito de operação baseada em
efeitos é possível prosseguir na análise da intervenção federal no Rio de Janeiro,
apreciando-a à luz dessa metodologia para as operações de natureza militar.
ANÁLISE
Novamente é necessário afirmar que a análise não se dá sobre os resultados
da intervenção. Tão somente o objetivo é apontar algumas demandas que, sob a ótica da
OBE, constituir-se-iam em pontos focais no planejamento e na execução da GLO.
Em função dos preceitos teóricos da OBE, entende-se que as operações de
GLO, como é o caso específico da intervenção no Rio de Janeiro, são casos apropriados
à aplicação dos conceitos, e o efeitos devem ser obtidos na questão da sensação de
segurança da população. Considerando que uma das premissas básicas da OBE é a
moldagem do comportamento do oponente, depreende-se que o cenário futuro desejado
é a incapacidade de articulação da criminalidade, levando ao colapso da marginalidade
como força efetiva de atuação social. Esse efeito deve ser claro, não somente na sua
eficácia em relação ao oponente, mas, em igual valor, na percepção por parte da sociedade
quanto à inefetividade da criminalidade enquanto organização atuante.
Ainda dentro dessa premissa, caberia uma clara identificação de
vulnerabilidades e fraquezas, de forma a se poder compor as estratégias de atuação na
direção do comportamento desejado. Há que se considerar, no caso do Rio de Janeiro,
que o planejamento e a condução da operação não podem focar na “guerra de atrito”. Ou
seja, não caberia, de acordo com os princípios da OBE, a busca apenas da eliminação
física dos marginais (compreenda-se a prisão ou a morte). A fim de se evitar a armadilha
da guerra de atrito, isso, na perspectiva dos efeitos, somente seria possível mediante a
utilização de tecnologia militar. As FFAA brasileiras possuem algumas das capacidades
elencadas como decisivas, colocando-as em condição de se alinhar com os preceitos da
OBE.
Esse ponto abre o espaço de discussão para uma amplitude considerável de
meios, técnicas, sistemas ou equipamentos que poderiam ser utilizados nessa operação.
Sem a intenção de esgotar o assunto, que bem poderia ser objeto de um outro artigo,
podemos incluir nesse domínio tecnológico, apenas a título de exemplo, a utilização de
14
aeronaves remotamente tripuladas (também conhecidas como “drones”, ou “sistemas de
aeronaves remotamente pilotadas – SARP).
Sabe-se que drones têm sido extensamente utilizados em operações de
localização e destruição de alvos de interesse militar em guerras como a do Afeganistão
(OLSEN, 2018). Esse diferencial tecnológico, ainda não disponível (referimo-nos aos
SARP de emprego militar) aos criminosos apontados como “oponentes” na intervenção
federal, permitiria uma ampla consciência situacional, tanto na dimensão espacial como
na temporal.
Voltando-se à discussão do conceito de efeito, um simples exemplo pode
ilustrar melhor as diferenças dos graus de neutralização e do efeito psicológico. Ao se
deter um traficante de entorpecentes, obtém-se um efeito físico, porém sem que se impeça
a principal finalidade da operação, qual seja a de se obter segurança enquanto fato e
sensação. Entretanto, se além do traficante citado, na ação consegue-se a apreensão de
grande quantidade de entorpecentes ou, até mesmo, de um centro de refino ou de
distribuição, ocorre a perda de uma capacidade funcional, qual seja a possibilidade de
efetivação do tráfico em determinada área urbana ou comunidade.
No grau seguinte de neutralização das forças oponentes, o efeito desejado é
sistêmico. Aqui, busca-se a destruição de toda a rede de “importação” ilegal de drogas,
da eliminação da logística que dá suporte ao tráfico (redes de comunicação, transportes,
financeira), da identificação e do tratamento aos viciados e consumidores de
entorpecentes, sem contar com um sem número de iniciativas que estariam coerentes com
a concepção de OBE, que integra as expressões do poder nacional (dentre elas as dos
campos diplomático, econômico, psicológico e militar) em ações que visam se sobrepor
aos óbices à perturbação da ordem pública.
Por fim, ações com finalidade física ou funcional podem ter impacto
psicológico. Porém, esse impacto tende a ser episódico. O verdadeiro impacto
psicológico, que agiria inclusive no mesmo caminho da fundamentação da GLO pela
dissuasão, seria o efeito sistêmico. Ante a impossibilidade de realizar a atividade de
tráfico, os novos aspirantes a grupos criminosos seriam levados a capitular na tentativa
de empreitada. Assim, atingir-se-ia o efeito psicológico.
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Obviamente que o exemplo acima é simplista. Trata-se mais de um esforço
de cunho didático, do que com propósito de análise dos resultados da intervenção federal,
algo que já citamos não ser o objeto dessa investigação. Até porque ainda não se possui
um lapso temporal adequado para esse tipo de análise.
No contexto da intervenção, tanto os conceitos de grau de neutralização
(física, funcional ou sistêmica), quanto o efeito psicológico, deveriam ser dirigidos contra
as forças oponentes, ou seja, os grupos criminosos foco da ação de GLO. Dessa forma, a
prisão ou a eliminação física de um criminoso não deve ser o objetivo em si, quando se
pensa pelo paradigma da OBE.
Sob a perspectiva desse tipo de operação, os efeitos indiretos, na medida em
que se consideram efeitos indesejados, devem, claramente, ser uma preocupação nas
operações do tipo GLO, pois o impacto de um efeito indireto pode trazer consequências
irreconciliáveis ao curso da operação. Um exemplo característico de efeito indireto é a
“bala perdida” que atinge um cidadão.
A intervenção, sob o enfoque da OBE, deve ser conduzida sob a lógica da
guerra paralela. Esse seria um importante postulado a ser observado, haja vista que ações
sequenciais darão margem à adaptação dos grupos criminosos à situação, modificando
sua forma de conduta e explorando outros nichos de vulnerabilidades sociais. Nesse caso,
talvez fossem adequadas ações simultâneas em diversas comunidades.
Na análise da Intervenção sob a perspectiva da OBE não se pode deixar de
considerar dois elementos de extrema importância: a mídia e a população, conforme
afirmamos acima. Em função do conceito, esses dois elementos podem ser caracterizados
como “neutros” ou “aliados”. Sob eles, há que se prospectar efeitos desejados, que
modifiquem o comportamento. Comportamento, nessa ótica, refere-se à forma como
ambos encaram a intervenção em si, no que tange aos propósitos, às ações em curso e,
principalmente, quanto aos resultados concretos. Trata-se, portanto, de efeitos de nível
psicológico primordialmente. Consoante com a proposição de “sensação” (ESG, 2008),
a segurança proporcionada pela ação governamental deve modificar o comportamento
tanto da mídia como dos habitantes da cidade no que diz respeito ao sentimento
proporcionado pela intervenção.
16
Nessa mudança de comportamento não cabem meras ações declaratórias que
não sejam consubstanciadas por efetivos resultados. Daí que os efeitos sistêmicos sobre
o oponente proporcionarão resultados mais duradouros, ao contrário de efeitos
meramente físicos, da forma como exemplificados acima.
Na análise dos efeitos a serem atingidos, destacam-se dois níveis que já foram
apontados como essenciais na abordagem de OBE: o estratégico e o operacional. Deptula
(2006), alerta que a aplicação do conceito, como se observará abaixo, não pode deixar de
considerar algum conhecimento sobre as intenções do inimigo, assim como levar em
conta que a dimensão humana sempre estará presente nas operações militares, mesmo
naquelas como o objeto desse artigo.
O nível operacional demandará uma integração de forças que nas palavras de
Batschelet (2002, p. 1) se configurará por meio de competências “intelectuais, operativas,
organizacionais, doutrinárias e técnicas”. Obter esse nível de integração não é tarefa
simples. No caso da Intervenção do Rio de Janeiro esse talvez seja um grande desafio.
Recordando que a perspectiva de efeito desejado no nível operacional seja a neutralização
da capacidade estrutural de conduzir ações criminosas, quando consideramos o alerta de
Hunerwadel (2006, p. 6) quanto a “reconhecer que a guerra é um entrechoque de sistemas
complexos e adaptativos”, concluímos que tal empreitada não é trivial.
No nível estratégico também podem ser encontrados grandes desafios para a
intervenção. Se considerarmos como efeito desejado a significativa redução ou mesmo a
eliminação da vontade de se conduzir ações criminais, inclusive oferecendo opções
socialmente aceitáveis aos marginais (ressocialização), ou àqueles que se vêm submetidos
à opção pela marginalidade em função de falta de oportunidades, percebe-se que a tarefa
da intervenção não é meramente militar. Storr (2005, p. 34) cita que “é perfeitamente
possível se ordenar um conjunto de efeitos mas, no ambiente real da guerra, não podemos
ter muita confiança na habilidade de alguém vir a atingi-los diretamente”. De fato, a
guerra, como também uma GLO, é fruto de contingências e decisões políticas, que não
nos deixam esquecer o pensamento de Clausewitz (2010, p. 27) quando afirma que “a
guerra não é somente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma
continuação das relações políticas, uma realização destas por outros meios”.
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Na verdade, o que queremos concluir é que a ênfase nas ações do nível tático,
aquelas que afloram na mídia e são efetivamente perceptíveis na realidade das
populações, apesar de necessárias, não devem ser o foco da intervenção, quando
utilizamos como parâmetro a OBE.
Uma outra forma de análise é a que pode ser obtida da apreciação do Manual
sobre Garantia da Lei e da Ordem - MD33-M-10 (BRASIL, 2013), quando trata das
“ações a realizar em GLO”. A partir do conceito de OBE, utilizando-se as conclusões de
Hunerwadel (2006), uma contribuição para essa operação ou quaisquer outras que tenham
o amparo legal no Decreto n. 3.897, de 24 de agosto de 2001, podem ser obtidas quando
se observa a síntese do Quadro 3.
Item 4.5 do MD33-M-10 Análise OBE (Hunerwadel, 2006)
Ações
Preventivas
Preparo da tropa e as atividades de
inteligência, de Operações Psicológicas e
de Comunicação Social. Também se
enquadram nesta classificação as ações de
dissuasão e outras adotadas frente a uma
possível ameaça detectada pela
Inteligência.
- OBE é um modo abrangente de se
pensar a respeito das operações;
- É um processo intelectual;
- Permeia todas as dimensões,
disciplinas e níveis da guerra
(portanto, não há que se pensar
exclusivamente em “ações
policiais”);
- Deve concentrar-se no estado final e
nos objetivos (por esse motivo, é
essencial a missão e o que se espera
com ela);
- Trata-se de um processo continuado
e ininterrupto de planejamento,
execução e avaliação em um todo
adaptativo (o oponente se adapta);
- São os efeitos que importam, e não
plataformas, armas ou métodos (a
tecnologia tem um peso mas não é a
solução para todos os problemas);
- A visão abrangente deve considerar
todos os tipos possíveis de efeito (e
em todos os níveis);
- Deve sempre considerar o
inesperado, a “névoa da guerra”, as
contingências, ou aquilo que não foi
planejado;
- Pensar, primeiro, em eficácia
(“fazer as coisas certas”) e, depois em
eficiência (“fazer certo as coisas”), na
consecução dos objetivos;
- A OBE reconhece que a guerra (e as
operações militares, de uma maneira
geral) é um entrechoque
de sistemas complexos e adaptativos;
Ações
Repressivas
Fazer frente a uma ameaça concretizada,
com o intuito de se restabelecer o livre
estado democrático de direito, a paz social
e a ordem pública.
Operações Tipo
Polícia
a) assegurar o funcionamento dos serviços
essenciais sob a responsabilidade do órgão
paralisado;
b) combater a criminalidade;
c) controlar vias de circulação urbanas e
rurais;
d) controlar distúrbios;
e) controlar o movimento da população;
f) desbloquear vias de circulação;
g) desocupar ou proteger as instalações de
infraestrutura crítica, garantindo o seu
funcionamento;
h) evacuar áreas ou instalações;
i) garantir a segurança de autoridades e de
comboios;
j) garantir o direito de ir e vir da
população;
k) impedir a ocupação de instalações de
serviços essenciais;
l) impedir o bloqueio de vias vitais para a
circulação de pessoas e cargas;
m) interditar áreas ou instalações em risco
de ocupação;
n) manter ou restabelecer a ordem pública
em situações de vandalismo, desordem ou
tumultos;
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o) permitir a realização do pleito eleitoral
dentro da ordem constitucional;
p) prestar apoio logístico aos OSP ou
outras agências;
q) proteger os locais de votação;
r) prover a segurança das instalações,
material e pessoal envolvido ou
participante de grandes eventos;
s) realizar a busca e apreensão de materiais
ilícitos;
t) realizar policiamento ostensivo,
estabelecendo patrulhamento a pé e
motorizado;
u) restabelecer a lei e a ordem em áreas
rurais; e
v) vasculhar áreas.
- Concentra-se primordialmente em
comportamento, não em apenas
mudanças físicas;
- Reconhece que o conhecimento
abrangente de todos os atores e do
ambiente operacional é importante
para o êxito, mas tem um preço.
Quadro 3 – Análise do item 4.5 do MD33-M-10 sob a ótica da OBE
Fonte: BRASIL, 2013, MD33-M-10 (adaptado)
A análise comparativa apresentada no quadro acima encerra a apreciação da
intervenção federal na segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. A fim de consolidar
os principais aspectos argumentados neste artigo, uma breve recapitulação será o passo
final do trabalho.
CONCLUSÃO
No início do artigo observou-se que o emprego das FFAA em situações de
instabilidade na segurança pública já era considerado em constituições federais anteriores
a de 1988. Entretanto, nessa carta magna, e em legislações posteriores dela decorrentes,
foram consolidados instrumentos legais para o uso das forças militares federais em
contextos que foram denominados de operações de Garantia da Lei e da Ordem.
A justificativa para intervenções federais, ou no acionamento de operações de
GLO, é, na maioria das vezes, a conturbada situação da segurança pública no país, cujos
índices vêm expressando um quadro preocupante no que tange a homicídios, narcotráfico
e outros delitos associados.
As FFAA acumulam, desde 1992, uma relevante experiência nesse tipo de
operação, mesmo que ela se constitua em ação subsidiária, não diretamente relacionada à
atividade-fim constitucional. Os diversos contextos de GLO, e de situações de emprego
similares, demandaram nas FFAA uma adaptação em suas doutrinas, estrutura de força e
técnicas de emprego, como bem revela a edição de um manual doutrinário específico para
a prática de GLO.
19
Nesse contexto, o artigo voltou-se para a recente (2018) Intervenção Federal
na Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, como objeto de estudo, buscando
apreciá-la sob o enfoque das operações baseadas em efeitos, uma metodologia, ou um
modo de pensar as operações militares, que evoluiu desde a Guerra do Golfo de 1991.
Mesmo em face das críticas que o modelo OBE têm recebido, por vezes decorrentes de
rivalidades institucionais, especialmente nos EUA, a expectativa da análise foi
direcionada para o que se pode deduzir, até o momento, sobre a intervenção no que diz
respeito a efeitos desejados. Não se tratou, portanto, de uma análise de resultados, pois o
momento ainda é prematuro para tal.
Aspectos importantes foram levantados na discussão. Por exemplo, o da
sensação de segurança, um aspecto psicológico já elaborado pela ESG em seu Manual
Básico de 2008. Outros elementos interessantes na intervenção foram a demanda pela
“missão”, as “regras de engajamento”, a “dissuasão” e o papel da “inteligência”, em
operações de guerra e em GLO.
Na conceituação da OBE, as principais características da metodologia
indicaram para os tipos de efeitos e os níveis em que os efeitos são percebidos.
Relacionando o conceito com o objeto, as dimensões teórica e empírica, foram elaborados
dois quadros que sintetizaram a discussão. Assim é que ficou demonstrada a propriedade
da OBE para emprego em GLO.
Porém, a análise demandou um outro passo necessário. Nele, foi observado
que a mídia e a população afetada pela criminalidade constituem-se em alvos de efeitos
psicológicos desejados. Daí é que a abrangência da OBE, postulada por vários de seus
teóricos (BATSCHELET, 2002) (DEPTULA, 2001) (MANN III; ENDERSBY;
SEARLE, 2002) (HUNERWADEL, 2006), apenas para citar alguns deles, se concretiza
não somente contra o oponente, mas também em aliados ou neutros.
Essa característica também foi observada quando se considerou os níveis
político, estratégico, operacional e tático, como dimensões nas quais determinados efeitos
devem ser obtidos. Não há, o que se procurou demonstrar, como se ignorar a importância
de cada nível. Porém, ficou o alerta de que a guerra, ou uma GLO, sob a ótica da OBE
não é uma operação no nível tático somente. Talvez essa seja uma das principais
conclusões do artigo.
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A etapa final da análise foi sintetizar, de forma crítica, a visão que o Manual
de GLO do MD possui na proposição de “ações” a serem conduzidas nesse tipo de
operação. O quadro-síntese da análise buscou apontar elementos que devem ser
considerados quando da efetivação das ações preventivas, repressivas ou de caráter
policial, em uma GLO, na fase de planejamento ou de execução, sob a ótica da EBO.
Como apreciação final, seria interessante relembrar, mais uma vez Clausewitz
e a incerteza da guerra, a qual estendemos para as operações militares em geral, como
uma GLO. Na obra Da Guerra, ele nos alertou para um fator que continua sendo uma
realidade e que não pode ser desconsiderado na questão da Intervenção no Rio de Janeiro:
“três quartos dos fatores em que se baseiam os combates na guerra estão envoltos numa
névoa de maior ou menor incerteza” (CLAUSEWITZ, 2010, p. 51).
21
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