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DOM ALANO DE NODAY: Um relato biográfico, através de cartas e documentos históricos
Janira Iolanda Lopes da Rosa
Bacharel em Biblioteconomia, pós graduada em Docência do Ensino Superior Coordenadora da Biblioteca do Campus de Porto Nacional/UFT.
Email: [email protected]; [email protected]
Mariela Cristina Ayres de Oliveira
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas Mestra e Doutora em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas.
Atualmente é Professora Adjunta da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Email: [email protected]
Rosane Balsan
Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas/RS
Mestra e Doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora da Universidade Federal do Tocantins (UFT) Campus de Porto Nacional.
E-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo resgata uma parte da identidade cultural e histórica do município de Porto Nacional/TO, a partir de documentos encontrados no acervo da Mitra Diocesana da cidade, incluindo cartas e documentos pertencentes a Dom Alano Maria du Noday. Através destes documentos pessoais e correspondências, montou-se uma cronologia dos fatos importantes, por ele registrados. Entre os correspondentes encontram-se padres, freiras, bispos regionais e nacionais. De sua história pessoal, pode-se dizer que, depois de fazer seus estudos teológicos na França, onde se formou em 1928, veio para o Brasil. No Rio de Janeiro, ficou apenas algum tempo para aprender a língua portuguesa. Ao sentir que já assimilara o vocabulário desejável, pede a seus superiores para ser enviado à Comunidade de Porto Nacional, no norte de Goiás. Em meio a contratempos políticos e profissionais, apenas em 25 de março de 1936, frei Alano Du Noday é nomeado bispo de Porto Nacional. De suas ações religiosas, encontram-se entre outras, os desmembramentos de sua Diocese na prelazia de Tocantinópolis (20/12/54), de Cristalândia (26/03/65) e de Miracema do Norte. (28-10-66). Dos títulos recebidos pode-se citar a condecoração de grande oficial da ordem do mérito da Aeronáutica (23-10-65). Em 1974 pede demissão do cargo de bispo, porém continua a serviço da comunidade assumindo a pequena e abandonada paróquia de Campos Belos. Em 1984 retorna a Porto Nacional, já bem cansado e doente, falecendo em 15 de setembro de 1985. Seu carisma principal foi o trabalho com as vocações sacerdotais, chegando a ordenar 28 padres, quase todos desta região. Assim espera-se tornar a história de Dom Alano conhecida, ao mesmo tempo em que se resgata a identidade de Porto Nacional/TO.
Palavras chave: Patrimônio cultural. História. Porto Nacional. Don Alano
INTRODUÇÃO
A cidade de Porto Nacional destaca-se no cenário cultural tocantinense, sendo
que sua história e herança foram preservadas e valorizadas através do ato de tombamento
homologado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em
novembro de 2008. O reconhecimento de Porto Nacional valorizou a identidade do povo
tocantinense, a partir do patrimônio pertencente ao Estado do Tocantins, de forma que
sejam também ressaltadas. as antigas ligações, tanto com a região de Minas, quanto com o
Norte do Brasil, A Diocese de Porto Nacional foi criada em 20/12/1915, pela bula
'Apostolattus officium' do papa Bento XV, desmembrada da então Diocese de Goiás.
Instalada em 11/07/1921, que conta com a passagem de cinco bispos. Num olhar nos
registros e nos arquivos desta instituição, é possível verificar a importância de preservação
do patrimônio de Porto Nacional, representados por documentos. Foram catalogados no
acervo da Cúria Diocesana, 15.237 documentos. Foi obedecida a delimitação cronológica do
IPHAN, ou seja, a década de 60. Dom Alano de Noday é um dos nomes mais importantes
para a História de todo o Goiás. Apesar de sua origem nobre, de sua vasta cultura e dons
marcantes de sua personalidade, ingressou na Ordem de São Domingos com o objetivo de
ser missionário no grande sertão brasileiro.
1 HISTÓRIA OFICIAL DE PORTO NACIONAL
O primeiro morador da região, conforme pesquisa de Rosa et al (2013), foi o
português Felix Camôa, barqueiro que, no final do século XVIII, transportava os mineiros
procedentes das minas de ouro de Bom Jesus do Pontal, a populosa vila situada a 12 km à
margem esquerda do rio Tocantins, para as minas do Arraial do Carmo, distante 42 km à
margem direita, e vice-versa. Localizada na região norte do Estado de Goiás (hoje
Tocantins), de acordo com a pesquisa de Oliveira (1997), a fundação da cidade deu-se por
forças externas, quando os moradores dos dois arraiais próximos (Pontal e Carmo) foram
surpreendidos por ataques dos índios Xerentes. As famílias destes arraiais encontraram
refúgio em uma clareira localizada à margem direita do rio Tocantins e ali fundaram o arraial
de Porto Real. Esses primeiros moradores encontraram na navegação o meio de
subsistência e de comércio, por ser passagem obrigatória entre dois centros mineratórios,
Monte do Carmo e Bom Jesus do Pontal. Em posição estratégica, à margem direita do rio
Tocantins, desenvolveu, mais tarde, animado intercâmbio comercial com o mercado
paraense através deste, tornando-se posteriormente, segundo as informações
disponibilizadas no portal da Secretaria de Cultura do Tocantins (2008 apud Rosa et al,
2013), destacamento militar encarregado da vigilância da navegação.
Os nomes atribuídos à cidade estão relacionados com a situação política vigente
no País: Porto Real, quando era Brasil - Reino; Porto Imperial, na época do Império e
finalmente Porto Nacional, após a proclamação da república. A vinda da Família Real
Portuguesa, em 1808, para o Brasil, também contribuiu para o engrandecimento da futura
Porto Nacional. D, João VI, em 9 de março de 1809, editou o Alvará de criação de uma
Comarca no Norte da província de Goiás, denominada São João da Barra, (hoje cidade de
Marabá – PA), e nomeando para dirigir essa Comarca o Desembargador Joaquim Teotônio
Segurado, dando-lhe a incumbência desenvolver a navegação nos rios Araguaia e
Tocantins e incentivar a lavoura e a pecuária da região.
Afeiçoando-se ao Arraial de Porto Real, Teotônio Segurado instala ali a “cabeça
de Julgado” e passa a residir alternadamente em porto Real, Palma (hoje Paranã) e
Natividade. Com o intuito de fazer crescer Porto Real, o Desembargador convidou as
principais famílias de Monte do Carmo par residirem no novo Arraial. O desenvolvimento de
Porto surpreendente, ocasionando, em 1831, sua promoção à categoria de “vila”, com a
denominação de Porto Imperial. A vila despontou como importante entreposto comercial
para os comerciantes que de “bote” faziam a viagem de Palmas até Belém do Pará e vice-
versa. A vila de Porto Imperial adquire o título de cidade em 1861, com o nome de Porto
Nacional.
Em 1886 chegam os Padres Dominicanos, importantes missionários que
contribuíram para que Porto conquistasse o cognome de “Berço Intelectual do Norte
Goiano”, inclusive Outro fator de relevância, de acordo com Oliveira (1997), foi a fundação
de periódicos locais. Já em 1891, Porto Nacional publicava seu primeiro periódico, a Folha
do Norte, O Incentivo, em 1901, e em 1905, o Norte de Goiás.. Desde 1889, Porto já
contava com assistência médica, oferecida pelo Dr. Francisco Ayres da Silva que, além de
médico, foi político e jornalista. Fundou o jornal “Norte de Goiaz”, que durante meio século,
defendeu as causas do desenvolvimento regional. Esse filho também trouxe, em 1929, os
primeiros veículos, um Ford e um caminhão Chevrolet, adquiridos no Rio de janeiro e
conduzidos até Porto, via estado de Minas Gerais e Bahia, abrindo caminho pelos sertões.
Em 1904 chegam a Porto Nacional as Freiras Dominicanas, cujo trabalho permanece,
através Colégio Sagrado Coração de Jesus, o que, de acordo com Oliveira (1997),
transformou a cidade num centro de irradiação espiritual e cultural para todo o norte de
Goiás.
Oliveira (1997) ressalta a efervescência em que se encontrava a Região Norte
do Brasil com a produção da borracha, que ocasionou grande afluxo populacional à região
norte, aumentando o tráfego pelo Araguaia e Tocantins, bem como, a demanda por produtos
goianos, principalmente o gado, para alimentação desse novo contingente humano. Porto
Nacional encontra-se em posição privilegiada para fornecimento e exportação de tais
produtos.
Depois deste surto de fatos importantes na formação da cidade, Porto Nacional
só conhecerá novas mudanças significativas na sua secular placidez com a construção da
Belém-Brasília. Depois, com a construção da ponte sobre o rio Tocantins junto à cidade, no
Governo Irapuan Costa Júnior e com o surgimento da nova capital do Estado, Palmas, em
área de seu antigo município.
2 A IMPORTÂNCIA DA IGREJA CATÓLICA NA FORMAÇÃO
CULTURAL PORTUENSE
No Brasil, de acordo com a pesquisa de Dourado (2013), logo após a
Proclamação da República, em 1890, por meio do Decreto Federal 119 de 7 de janeiro
deste mesmo ano, o Estado separou-se da Igreja, institucionalizou o casamento civil,
secularizou os cemitérios e decretou o ensino leigo nas escolas públicas.
Nesta época, a igreja Católica em Porto Nacional vivia um momento em que
eram seguidas as orientações da Santa Sé, nas quais cada estado deveria ter, no mínimo,
uma diocese, com o objetivo de centralizar e animar as ações pastorais em consonância
com as determinações da Cúria Romana e do episcopado brasileiro. Seguindo esta
orientação, D. Prudêncio Gomes da Silva, bispo de Goiás, obteve junto ao papa Bento XV
(1914-1922), um decreto que instituiu a criação da Diocese de Porto Nacional, em 20 de
dezembro de 1915. Para a efetivação desse projeto, o bispo contou com o apoio de uma
comissão presidida pelo frei Reginaldo Tournier, superior do convento dominicano (1912-
1917), e pelo vice-presidente dessa comissão, o deputado federal médico Francisco Ayres
da Silva. O bispo de Goiás, D. Prudêncio Gomes da Silva, contou, portanto, com a soma de
uma força religiosa com a força política do município, para a efetivação desse projeto.
Assim, em Porto Nacional, até o final da Primeira República, grande parte do
projeto da política de estadualização do poder eclesiástico, estava objetivamente cumprida,
uma vez que já havia sido construída a Catedral Nossa Senhora das Mercês, o Palácio
Episcopal/Seminário Diocesano São José, o Colégio Sagrado Coração de Jesus e estava
ocorrendo a participação efetiva de dominicanos na edição de jornais do município.
Percebe-se a grande influência da Igreja na formação espiritual, intelectual e moral da
juventude portuense, juventude esta que tem seu nome marcado no comando político-
administrativo do município, em anos posteriores.
Sobre a influência da ordem dominicana no desenvolvimento da educação associada à
cultura, em Porto Nacional, Moreira Filho, (2007, p. 13 apud Dourado, 2013), registra que
“os padres dominicanos semearam uma educação humanizadora e com sustentação,
sobretudo na religião, na filosofia, no teatro, na música, nos esportes, nas artes plásticas em
geral e nas línguas do velho mundo”.
Maya (2003 apud Dourado, 2013) pontua também, a criação de várias instituições
culturais e educacionais, por meio da conjugação do trabalho dos dominicanos. Essas
instituições, segundo Dourado (2013), dão a dimensão ao desenvolvimento social de uma
comunidade. Embora os colégios católicos tivessem maior interesse pelo sexo feminino, a
Igreja compreendia que a maioria dos jovens de ambos os sexos não se dedicaria à vida
religiosa, mas a vida civil. A Igreja precisava encontrar, por isso, uma estratégia para
abarcar a todos os cidadãos no processo de recristianização. O sistema de ensino foi uma
das estratégias encontradas para dar a essa juventude uma educação conforme os
princípios da reforma ultramontana e conservadora. Com essa concepção, a educação
masculina era muito importante, afinal, o homem era o principal agente social na época.
O episcopado conforme ressalta Dourado (2013) estava voltado não só para a
formação dos líderes eclesiásticos, mas também, para a questão da educação leiga, a
formação de jovens líderes civis. Os principais aspectos que caracterizavam a educação
católica nesse período eram “a tônica espiritualizante, o rigorismo moral, o caráter autoritário
da educação, a seriedade disciplinar e a qualidade do ensino, bem como, uma abertura para
educação artística e esportiva”. A grande meta da educação católica era a formação da
classe dirigente do País, e esta perspectiva educacional é notória na agenda da educação
da juventude portuense.
3 VIDA E OBRA DE DOM ALANO: o missionário do Tocantins
Jean Hubert Antoine du Noday, Dom Alano, de acordo com a narrativa de
Piagem e Sousa (2000), nasceu em 2 de Novembro de 1899, conforme consta no
documento reproduzido na Figura 1, no castelo de La Grand”ville, povoado de Grand
Champ, comuna de Saint Servant, região da Bretanha no Norte da França, terceiro filho do
casal Conde Arthur Rolland Du Noday e Condessa Antoinette R. Du Noday. Antes de Jean,
vieram Marthe e Henri.
Jean, desde cedo, experimentou a dor da separação de seus familiares, que
partiram prematuramente. O pai faleceu com 33 anos, vítima da tuberculose. A irmã Marthe,
aos 14 anos, 10 anos após a morte do pai. O irmão Henri, depois de concluir brilhantes
cursos, ingressou no exército, na arma da Infantaria e, por ocasião da Primeira Grande
Guerra, em 1915, ao enfrentar uma missão perigosa para a qual ele mesmo se oferecera,,
foi morto no campo de batalha, com apenas 17 anos.
O jovem Jean Hubert du Noday, de acordo com a pesquisa de Piagem e Sousa
(2000), ao concluir com brilhantismo o curso de Filosofia em Paris, sentiu-se atraído pela
vida militar, onde pelas suas virtudes humanas, cívicas e morais, pela sua coragem, retidão
e conduta irrepreensível, alcançou, em pouco tempo, os postos de Aspirante, Sub-Tenente e
Tenente, sendo muito estimado na corporação, tanto pelos comandantes quanto pelos
comandados, recebendo várias condecorações militares e moções de elogio.
Terminada a Grande Guerra, da qual participou ativamente, foi transferido para a
Artilharia da Argélia, em 1918 e, no ano seguinte, foi-lhe confiada a difícil missão de
apaziguar uma insurreição violenta em Marrocos, na África, cumprindo a tarefa em pouco
tempo e retornando à França como herói. Foi exatamente nesse momento áureo, em que o
tenente conde tinha todas as condições para ser promovido às mais altas patentes da
carreira militar e a invejáveis escalões sociais que Jean sentiu-se tocado por Notre Dame de
La Garde (Nossa Senhora da Guarda), cuja grande e bela imagem implantada nas
imediações do porto principal, domina eminentemente uma vasta circunvizinhança, a
exemplo do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, estando com a mãe em
Marselha, atendendo a seu pedido para comungar e reconhecendo que não estava em
condições, resolve confessar-se num confessionário ocupado por um frade dominicano.
Após uma longa confissão, o Padre Etcheverry o aconselha a fazer um retiro no Convento
Dominicano, onde foi muito bem acolhido e permaneceu por três dias.
Retornou então ao castelo da família, encontrando sua mãe em grave estado de
saúde. Apesar disso, comunicou a seu primo, presente na ocasião, que estava a ponto de
tomar uma gravíssima decisão: voltar a São Maximino e fazer um retiro que decidirá, em
definitivo, o futuro de minha vida. De fato partiu, com o coração dilacerado por ter que deixar
a mãe naquele estado, voltando algum tempo depois, já como noviço, encontrando a mãe
nos momentos finais, porém ainda lúcida. Despediram-se e ela partiu confortada, não só
pelos sacramentos da Igreja, mas também por deixar o filho entregue à mesma Igreja.
O seu compromisso definitivo, na segunda profissão ou profissão solene, deu-se
três anos depois, na mesma data, 24 de Junho de 1926, pelas mãos do Prior Pio Jougla,
conforme consta no Livro de Registro de Profissões da Província de Tolouse. De 1922 a
1928, empenhou-se no aprimoramento da sua formação religiosa, missionária e intelectual.
Tinha grande preferência para estudos altamente especulativos da Filosofia e Teologia, mas
distinguia-se também, como ótimo aluno, em todas as demais disciplinas e os superiores,
percebendo-lhe o talento, aconselharam-no a defender uma tese de Leitorado, o que fez
com brilhantismo.
Com seis anos de formação, estava preparado, religiosa e intelectualmente, para
receber o Presbiterado, uma de suas metas. Aos 28 anos e 9 meses, comprometeu-se para
sempre com o serviço de Deus, em 4 de Agosto de 1928. Recebeu a comenda da ordem
sacra das mãos de Dom Simeone, Bispo de Freus. Logo após a ordenação, foi nomeado
sub-mestre dos estudantes, em São Maximino, bem como outros tantos ministérios, mas o
campo de trabalho sonhado, com a total realização do seu sacerdócio, era a missão no
Brasil, conhecida através de cartas, conferências e conversas de missionários dominicanos
no Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro, de navio, no dia 23 de Junho de 1933, conforme
registro no Livro de Crônica do convento de São Tomás de Aquino, onde permaneceu até
19 de março de 1936, quando lhe foi revelado que havia sido escolhido para ser Bispo de
Porto Nacional, ilustrado na Figura 1.
Figura 1 – Documento de identificação como Bispo, fornecido pelo Vaticano
Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional
4. A HISTÓRIA DE DOM ALANO ATRAVÉS DOS DOCUMENTOS DA
CÚRIA
O primeiro contato de Dom Alano com seus diocesanos, foi através de uma carta
pastoral, datada de 1º de Maio de 1936, conforme demonstra a Figura 2, dia da sua
sagração episcopal, conforme Figura 3. Verdadeira obra prima literária e doutrinal, como
tantas outras cartas por ele escritas.
Figura 2 – Reprodução da carta de Dom Alano comunicando a sua nomeação como bispo de Porto nacional
Figura 3 - Ata da nomeação de Dom Alano como bispo de Porto Nacional
Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional
O território eclesiástico, de acordo com Piagem e Sousa (2000), compreendia
quatorze paróquias existentes à época em que foi criada a Diocese, em 20 de Janeiro de
1916, a saber: Nossa Senhora das Mercês, de Porto nacional; Nossa Senhora da
Conceição, de Boa Vista do Tocantins; São Pedro, de Pedro Afonso; Nossa Senhora do
Monte do Carmo; Espírito Santo, de Peixe; Santa Ana da Chapada; Nossa Senhora da
Natividade; de São Miguel das Almas; São José, do Duro; Santa Maria, de Taguatinga;
Nossa Senhora da Conceição do Norte; São João Batista, da Palma; Nossa Senhora dos
Remédios, de Arraias; Santo Antônio, do Chapéu.
Pelos limites fixados pela Bula Papal, a Diocese, apesar de ter sido criada para
diminuir a extensão da Diocese de Goiás, abrangia um vasto território, estendendo-se do
paralelo 5 ao 13, ou seja, do Bico do Papagaio, no extremo Norte, à cidade de Campos
Belos, no Sul, e dos extremos de Goiás com a Bahia, Piauí e Maranhão, ao Norte, até o rio
Araguaia, incluindo a grande Ilha do Bananal, a Oeste, abrangendo todo o Território atual do
Tocantins.
De acordo com as estatísticas de 1936, pesquisadas por Piagem e Sousa (2000),
a Diocese de Porto nacional contava com cerca de 200 mil habitantes espalhados nos
povoados, vilas, cidades, garimpos, aglomerados e aldeias indígenas, nos imensos sertões
do Tocantins, todos percorridos por Dom Alano, utilizando os únicos meios de transporte
disponíveis na época: barco e burro.
Por influência de Dom Alano, foi criada uma linha do Correio Aéreo Nacional, a
CAN, que interligava Rio - Belém, passando por Uberaba, Anápolis, Formosa, Porto
nacional, Tocantínia, Pedro Afonso, Conceição do Araguaia, Carolina, Marabá e Belém.
Através desse serviço, as notícias chegavam mais rápido, servindo muito toda a região e
transportando padres e freiras para o Sul e Para o Norte. Os aviadores da CAN eram muito
bem tratados pelos frades dominicanos, freiras e Dom Alano, que os recebia e acolhia muito
bem sempre pousavam em Porto Nacional, o que levou a Aeronáutica a conceder-lhe uma
comenda da Ordem do Mérito da Aeronáutica e também do Cruzeiro do Sul, a maior
condecoração do Brasil.
O fato dessa circunscrição já haver nascido Diocese, não significava que tivesse
seus quadros organizados e sua economia solidificada. Quando Dom Alano tomou posse,
não havia fontes de renda permanentes e nenhum patrimônio valioso. Apesar da região ser
rica em potencial natural, em nada ajudava os pastores. Sua flora e fauna continham
invejáveis recursos em madeira de lei, frutas, caças, peixes, assim como seu subsolo
abrigava abundante quantidade de minérios, como ouro, diamantes, cristais, tudo ainda por
explorar e fora do alcance da Igreja, passando a Diocese, por grades dificuldades
econômicas. O único auxílio que recebiam, eram alguns donativos particulares, as
espórtulas, valores cobrados pela Igreja quando esta ministra alguns Sacramentos (Batismo,
Crisma e Matrimônio), especialmente a Santa Missa por alguma intenção especial, além da
ajuda anual da Santa Sé. A maior parte da alimentação era proveniente de uma pequena
fazenda, organizada por Dom Domingos e pelos frades dominicanos, a Santa Rosa,
posteriormente Mato Escuro, onde se mantinham os burros utilizados nas viagens, algumas
vacas leiteiras, criatório de porcos e galinhas e cultivo de frutas e legumes.
O tempo que permaneceu no Rio de Janeiro, antes de transferir-se para Porto
nacional, proporcionou a Dom Alano a oportunidade de conquistar algumas amizades de
pessoas de prestígio e caridosas, que se transformaram depois, em benfeitoras de seu
seminário. Graças à essas amizades, que foram por ele cultivadas com visitas e
delicadíssimas cartas, foi possível efetuar a ordenação de 27 padres, oriundos da região e
dos sertões. O seu Amor à esta causa era tão radical, que o levou ao sacrifício de ficar mais
de 30 anos sem visitar sua família e sua pátria.
Promoveu, ao mesmo tempo, uma dinâmica de renovação pastoral sócio-
religiosa e o melhoramento do quadro físico da diocese, conseguindo a reforma e ampliação
de várias paróquias mais antigas, como Tocantinópolis, Filadélfia, Paraná, Peixe, Arraias,
Dianópolis, Taguatinga, Natividade e a própria catedral de Porto Nacional. Além disso,
muitas outras cidades e comunidades novas foram surgindo e exigindo a construção de
novas igrejas e capelas. Onde quer que houvesse uma construção, ele a visitava
frequentemente e, às vezes, permanecia ali por algum tempo, incentivando a população,
promovendo campanhas, dando apoio moral e até o seu trabalho físico.
Dom Alano veio ao Brasil a aos sertões goianos impulsionado pelo ideal
missionário de evangelização mas, ao defrontar-se com a realidade de sua diocese,
entendeu logo, claramente, que teria que cuidar do homem todo e de todos os homens, pois
as condições eram de carência em todas as dimensões, tanto a transcendente-religiosa
quanto a temporal-humana, no tocante ao sócio-econômico, à saúde, à instrução, ao
trabalho, etc.
Essa constatação, levou-o a implantar na diocese, mecanismos e instituições
que trouxessem ao povo uma vida melhor, insistindo junto aos poderes estaduais e federais,
para que criassem, não só em Porto Nacional, mas também em outros pontos da diocese,
postos de saúde , hospitais, escolas, agências bancárias e outros serviços que
proporcionassem melhor qualidade de vida e mais recursos para a população. Implementou
o combate e a prevenção às doenças mais comuns na região, como a malária, o pênfigo, a
lepra, a tuberculose, a verminose, etc. Criou, por iniciativa própria, em Porto Nacional, o
ambulatório Bom Pastor, transformado, posteriormente no hospital Lays Neto dos Reis,
trazendo de fora, excelentes médicos, que prestaram relevantes serviços à comunidade,
assim como enviou várias moças e rapazes para formarem-se como enfermeiras, médicos e
professores.
Outra grande preocupação de Dom Alano, era a educação em Porto nacional,
que contava com apenas um único estabelecimento de ensino secundário, o Colégio
Sagrado Coração de Jesus, das irmãs dominicanas, o que o levou a logo providenciar a
vinda de outros institutos de religiosas educadoras, localizados em pontos estratégicos,
totalizando, só na diocese, 9 estabelecimentos, a saber: Ginásio Estadual; Curso Normal
Regional; Ginásio Cristo Rei; Colégio Tocantins; Ginásio Belém-Brasília; Colégio Dom
Orione; Colégio Santa Cruz, Colégio São Geraldo e Colégio João XXIII.
Após duas décadas de evangelização e preparativos para uma caminhada mais
elevada do seu povo, ele julgou já ser o momento oportuno de pleitear, junto à Santa Sé, a
divisão da diocese, onde sua maior preocupação era a região norte, mais distante da sede e
também uma das mais problemáticas e desassistidas. Atendendo aos inúmeros pedidos, o
Papa Pio XII criou, em 20 de dezembro de 1952, a Prelazia de Tocantinópolis, através da
Bula Céu Castor. A nova circunscrição, desmembrada integralmente da Diocese de Porto
Nacional, situa-se no extremo Norte do atual Estado do Tocantins, entre as Dioceses de
Imperatriz e Carolina no Maranhão, Miracema do Tocantins e Conceição do Araguaia e
Mirabá no Pará. Pela Bula Conferentia Episcopalis Brasiliensis, de 30 de Outubro de 1980,
do Papa João Paulo II, foi elevada à Diocese. Dois anos após, em 26 de Março de 1956,
através da Bula Ne quid Filiis, foi suprimida a Prelazia da Ilhado Bananal e criada a de
Cristalândia, composta pelos territórios de parte da Diocese de Porto Nacional, parte da
Prelazia de São José do Alto Tocantins e Ilha do Bananal. Em 11 de outubro de 1966,
depois de reiterados pedidos de Dom Alano, acompanhados de minuciosos relatórios, O
Papa Paulo VI decidiu criar a Prelazia de Miracema do Norte, hoje Miracema do Tocantins,
através da Bula De animarum utilitat, a qual, quase 15 anos depois, em 21 de Novembro de
1981, foi promovida a diocese, através da Bula Apostólica Cum Ecclesiae, integrada pelos
municípios de Aparecida do Rio Negro, Barrolândia, Bernardo Sayão, Colinas do Tocantins,
Colméia, Divinópolis do Tocantins, Goiatins, Guaraí, Itacajá, Itaporã do Tocantins, Lizarda,
Marianópolis, Miracema do Tocantins, Miranorte, Pedro Afonso, Pequizeiro, Presidente
Kennedy, Rio do Sonoe Tocantínia.
No dia 10 de fevereiro de 1974, Dom Alano escreveu uma carta comunicando
aos senhores padres que havia pedido demissão de seu cargo de bispo, conforme Figura 4,
porém continuaria a serviço da comunidade, assumindo a pequena e abandonada paróquia
de Campos Belos. Em 1984 retorna a Porto Nacional, já bem cansado e doente, passando
seus últimos dias, sempre acompanhado do Frei Domingos Maia Leite, falecendo em 15 de
setembro de 1985.
Figura 4 – Reprodução da carta original do pedido de demissão do cargo de
bispo
Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional
Foi grande a repercussão da morte de Dom Alano, desde Porto Nacional, onde
se encontravam milhares de pessoas vindas de todos os lados para lhe prestarem as
últimas homenagens. O prefeito local decretou feriado municipal o dia do enterro e luto
oficial por 8 dias, através do Decreto N.º 65/85, de 14 de Dezembro de 1985, considerando
que o Bispo Dom Alano Maria Du Noday exerceu por quarenta anos o bispado da Diocese
de Porto Nacional, com amor, dedicação e heroísmo, sendo em vida, figura exponencial de
caridade e fé cristã, dedicando toda a sua existência e obra, a semear o Evangelho. Em
toda a diocese, nas cidades, nas pequenas comunidades e no grande sertão, onde Dom
Alano era muito conhecido e querido, o abalo foi geral. Inúmeras foram as manifestações
vindas também de fora, da parte da Embaixada Francesa, de cardeais, bispos, sacerdotes,
religiosos, membros do Governo, brigadeiros, etc. Os meios de comunicação, imprensa,
rádio e televisão divulgaram o acontecimento.
Conclusão
Das diversas personalidades que fazem parte da História de Porto Nacional e do
Tocantins, destaca-se o admirável trabalho de Dom Alano, resgatado através da pesquisa
realizada nos documentos da Cúria Diocesana de Porto Nacional, e outros documentos, que
são o testemunho mais expressivo do muito que se pode fazer com o pouco que se tem,
quando se empenha com seriedade num trabalho nobre, realizado pela pessoa de um
nobre, fino, culto, vindo de uma realidade completamente diferente, tendo que enfrentar
tantas dificuldades, tais como a língua, o clima, a alimentação, a aculturação, etc.
Foi muito difícil resumir, nestas poucas páginas, a sua jornada de cinqüenta
anos de serviços prestados ao povo tocantinense, sem nunca falar de si mesmo nem do seu
passado, embora seu porte e dignidade confirmassem as suas origens nobres. Não veio ao
Brasil para converter índios nem reencontrar, com o habito branco, as populações que,
fardado, conhecera na África do Norte, como jovem oficial da cavalaria e membro do Estado
Maior do Marechal Lyaut. Roma fez dele um bispo e tornou-se herói do povo tocantinense.
Em 45 anos percorreu, em lombo de burro, a distância equivalente à uma volta ao mundo. O
território da sua diocese era tão grande quanto a metade da França, seu País de origem, e
suas ovelhas espalhadas em quase mil quilômetros dos caminhos que só ele conhecia.
Espera-se que este artigo, possa contribuir para enriquecer a escassa
bibliografia já publicada, e eternizar as lembranças sobre tão ilustre e digna personalidade.
Referências
DOURADO, B. B. 2013. A formação católica da juventude masculina de porto nacional.
Porto Nacional: UFT/NEUCIDADES.
OLIVEIRA, M. F. 1997. Um Porto no Sertão: cultura e cotidiano em Porto Nacional 1880/1910. Goiânia; Universidade Federal de Goiás. (Dissertação). PESAGEM, P. P.; SOUSA, C. J. de. 2000. Dom Alano: o missionário do Tocantins. Goiânia: Ed. dos Autores. ROSA, J. I. L. da et al. 2013. Reconstituindo a história através da preservação de documentos: relatos de uma experiência realizada em Porto Nacional, Tocantins. Porto Nacional: UFT/NEUCIDADES.