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DOM ALANO DE NODAY: Um relato biográfico, através de cartas e documentos históricos Janira Iolanda Lopes da Rosa Bacharel em Biblioteconomia, pós graduada em Docência do Ensino Superior Coordenadora da Biblioteca do Campus de Porto Nacional/UFT. Email: [email protected]; [email protected] Mariela Cristina Ayres de Oliveira Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas Mestra e Doutora em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é Professora Adjunta da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Email: [email protected] Rosane Balsan Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas/RS Mestra e Doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora da Universidade Federal do Tocantins (UFT) Campus de Porto Nacional. E-mail: [email protected] RESUMO Este artigo resgata uma parte da identidade cultural e histórica do município de Porto Nacional/TO, a partir de documentos encontrados no acervo da Mitra Diocesana da cidade, incluindo cartas e documentos pertencentes a Dom Alano Maria du Noday. Através destes documentos pessoais e correspondências, montou-se uma cronologia dos fatos importantes, por ele registrados. Entre os correspondentes encontram-se padres, freiras, bispos regionais e nacionais. De sua história pessoal, pode-se dizer que, depois de fazer seus estudos teológicos na França, onde se formou em 1928, veio para o Brasil. No Rio de Janeiro, ficou apenas algum tempo para aprender a língua portuguesa. Ao sentir que já assimilara o vocabulário desejável, pede a seus superiores para ser enviado à Comunidade de Porto Nacional, no norte de Goiás. Em meio a contratempos políticos e profissionais, apenas em 25 de março de 1936, frei Alano Du Noday é nomeado bispo de Porto Nacional. De suas ações religiosas, encontram-se entre outras, os desmembramentos de sua Diocese na prelazia de Tocantinópolis (20/12/54), de Cristalândia (26/03/65) e de Miracema do Norte. (28-10-66). Dos títulos recebidos pode-se citar a condecoração de grande oficial da ordem do mérito da Aeronáutica (23-10- 65). Em 1974 pede demissão do cargo de bispo, porém continua a serviço da comunidade assumindo a pequena e abandonada paróquia de Campos Belos. Em 1984 retorna a Porto Nacional, já bem cansado e doente, falecendo em 15 de setembro de 1985. Seu carisma principal foi o trabalho com as vocações sacerdotais, chegando a ordenar 28 padres, quase todos desta região. Assim espera-se tornar a história de Dom Alano conhecida, ao mesmo tempo em que se resgata a identidade de Porto Nacional/TO. Palavras chave: Patrimônio cultural. História. Porto Nacional. Don Alano

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DOM ALANO DE NODAY: Um relato biográfico, através de cartas e documentos históricos

Janira Iolanda Lopes da Rosa

Bacharel em Biblioteconomia, pós graduada em Docência do Ensino Superior Coordenadora da Biblioteca do Campus de Porto Nacional/UFT.

Email: [email protected]; [email protected]

Mariela Cristina Ayres de Oliveira

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas Mestra e Doutora em Engenharia Civil pela Universidade Estadual de Campinas.

Atualmente é Professora Adjunta da Fundação Universidade Federal do Tocantins. Email: [email protected]

Rosane Balsan

Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Pelotas/RS

Mestra e Doutora em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora da Universidade Federal do Tocantins (UFT) Campus de Porto Nacional.

E-mail: [email protected]

RESUMO

Este artigo resgata uma parte da identidade cultural e histórica do município de Porto Nacional/TO, a partir de documentos encontrados no acervo da Mitra Diocesana da cidade, incluindo cartas e documentos pertencentes a Dom Alano Maria du Noday. Através destes documentos pessoais e correspondências, montou-se uma cronologia dos fatos importantes, por ele registrados. Entre os correspondentes encontram-se padres, freiras, bispos regionais e nacionais. De sua história pessoal, pode-se dizer que, depois de fazer seus estudos teológicos na França, onde se formou em 1928, veio para o Brasil. No Rio de Janeiro, ficou apenas algum tempo para aprender a língua portuguesa. Ao sentir que já assimilara o vocabulário desejável, pede a seus superiores para ser enviado à Comunidade de Porto Nacional, no norte de Goiás. Em meio a contratempos políticos e profissionais, apenas em 25 de março de 1936, frei Alano Du Noday é nomeado bispo de Porto Nacional. De suas ações religiosas, encontram-se entre outras, os desmembramentos de sua Diocese na prelazia de Tocantinópolis (20/12/54), de Cristalândia (26/03/65) e de Miracema do Norte. (28-10-66). Dos títulos recebidos pode-se citar a condecoração de grande oficial da ordem do mérito da Aeronáutica (23-10-65). Em 1974 pede demissão do cargo de bispo, porém continua a serviço da comunidade assumindo a pequena e abandonada paróquia de Campos Belos. Em 1984 retorna a Porto Nacional, já bem cansado e doente, falecendo em 15 de setembro de 1985. Seu carisma principal foi o trabalho com as vocações sacerdotais, chegando a ordenar 28 padres, quase todos desta região. Assim espera-se tornar a história de Dom Alano conhecida, ao mesmo tempo em que se resgata a identidade de Porto Nacional/TO.

Palavras chave: Patrimônio cultural. História. Porto Nacional. Don Alano

INTRODUÇÃO

A cidade de Porto Nacional destaca-se no cenário cultural tocantinense, sendo

que sua história e herança foram preservadas e valorizadas através do ato de tombamento

homologado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em

novembro de 2008. O reconhecimento de Porto Nacional valorizou a identidade do povo

tocantinense, a partir do patrimônio pertencente ao Estado do Tocantins, de forma que

sejam também ressaltadas. as antigas ligações, tanto com a região de Minas, quanto com o

Norte do Brasil, A Diocese de Porto Nacional foi criada em 20/12/1915, pela bula

'Apostolattus officium' do papa Bento XV, desmembrada da então Diocese de Goiás.

Instalada em 11/07/1921, que conta com a passagem de cinco bispos. Num olhar nos

registros e nos arquivos desta instituição, é possível verificar a importância de preservação

do patrimônio de Porto Nacional, representados por documentos. Foram catalogados no

acervo da Cúria Diocesana, 15.237 documentos. Foi obedecida a delimitação cronológica do

IPHAN, ou seja, a década de 60. Dom Alano de Noday é um dos nomes mais importantes

para a História de todo o Goiás. Apesar de sua origem nobre, de sua vasta cultura e dons

marcantes de sua personalidade, ingressou na Ordem de São Domingos com o objetivo de

ser missionário no grande sertão brasileiro.

1 HISTÓRIA OFICIAL DE PORTO NACIONAL

O primeiro morador da região, conforme pesquisa de Rosa et al (2013), foi o

português Felix Camôa, barqueiro que, no final do século XVIII, transportava os mineiros

procedentes das minas de ouro de Bom Jesus do Pontal, a populosa vila situada a 12 km à

margem esquerda do rio Tocantins, para as minas do Arraial do Carmo, distante 42 km à

margem direita, e vice-versa. Localizada na região norte do Estado de Goiás (hoje

Tocantins), de acordo com a pesquisa de Oliveira (1997), a fundação da cidade deu-se por

forças externas, quando os moradores dos dois arraiais próximos (Pontal e Carmo) foram

surpreendidos por ataques dos índios Xerentes. As famílias destes arraiais encontraram

refúgio em uma clareira localizada à margem direita do rio Tocantins e ali fundaram o arraial

de Porto Real. Esses primeiros moradores encontraram na navegação o meio de

subsistência e de comércio, por ser passagem obrigatória entre dois centros mineratórios,

Monte do Carmo e Bom Jesus do Pontal. Em posição estratégica, à margem direita do rio

Tocantins, desenvolveu, mais tarde, animado intercâmbio comercial com o mercado

paraense através deste, tornando-se posteriormente, segundo as informações

disponibilizadas no portal da Secretaria de Cultura do Tocantins (2008 apud Rosa et al,

2013), destacamento militar encarregado da vigilância da navegação.

Os nomes atribuídos à cidade estão relacionados com a situação política vigente

no País: Porto Real, quando era Brasil - Reino; Porto Imperial, na época do Império e

finalmente Porto Nacional, após a proclamação da república. A vinda da Família Real

Portuguesa, em 1808, para o Brasil, também contribuiu para o engrandecimento da futura

Porto Nacional. D, João VI, em 9 de março de 1809, editou o Alvará de criação de uma

Comarca no Norte da província de Goiás, denominada São João da Barra, (hoje cidade de

Marabá – PA), e nomeando para dirigir essa Comarca o Desembargador Joaquim Teotônio

Segurado, dando-lhe a incumbência desenvolver a navegação nos rios Araguaia e

Tocantins e incentivar a lavoura e a pecuária da região.

Afeiçoando-se ao Arraial de Porto Real, Teotônio Segurado instala ali a “cabeça

de Julgado” e passa a residir alternadamente em porto Real, Palma (hoje Paranã) e

Natividade. Com o intuito de fazer crescer Porto Real, o Desembargador convidou as

principais famílias de Monte do Carmo par residirem no novo Arraial. O desenvolvimento de

Porto surpreendente, ocasionando, em 1831, sua promoção à categoria de “vila”, com a

denominação de Porto Imperial. A vila despontou como importante entreposto comercial

para os comerciantes que de “bote” faziam a viagem de Palmas até Belém do Pará e vice-

versa. A vila de Porto Imperial adquire o título de cidade em 1861, com o nome de Porto

Nacional.

Em 1886 chegam os Padres Dominicanos, importantes missionários que

contribuíram para que Porto conquistasse o cognome de “Berço Intelectual do Norte

Goiano”, inclusive Outro fator de relevância, de acordo com Oliveira (1997), foi a fundação

de periódicos locais. Já em 1891, Porto Nacional publicava seu primeiro periódico, a Folha

do Norte, O Incentivo, em 1901, e em 1905, o Norte de Goiás.. Desde 1889, Porto já

contava com assistência médica, oferecida pelo Dr. Francisco Ayres da Silva que, além de

médico, foi político e jornalista. Fundou o jornal “Norte de Goiaz”, que durante meio século,

defendeu as causas do desenvolvimento regional. Esse filho também trouxe, em 1929, os

primeiros veículos, um Ford e um caminhão Chevrolet, adquiridos no Rio de janeiro e

conduzidos até Porto, via estado de Minas Gerais e Bahia, abrindo caminho pelos sertões.

Em 1904 chegam a Porto Nacional as Freiras Dominicanas, cujo trabalho permanece,

através Colégio Sagrado Coração de Jesus, o que, de acordo com Oliveira (1997),

transformou a cidade num centro de irradiação espiritual e cultural para todo o norte de

Goiás.

Oliveira (1997) ressalta a efervescência em que se encontrava a Região Norte

do Brasil com a produção da borracha, que ocasionou grande afluxo populacional à região

norte, aumentando o tráfego pelo Araguaia e Tocantins, bem como, a demanda por produtos

goianos, principalmente o gado, para alimentação desse novo contingente humano. Porto

Nacional encontra-se em posição privilegiada para fornecimento e exportação de tais

produtos.

Depois deste surto de fatos importantes na formação da cidade, Porto Nacional

só conhecerá novas mudanças significativas na sua secular placidez com a construção da

Belém-Brasília. Depois, com a construção da ponte sobre o rio Tocantins junto à cidade, no

Governo Irapuan Costa Júnior e com o surgimento da nova capital do Estado, Palmas, em

área de seu antigo município.

2 A IMPORTÂNCIA DA IGREJA CATÓLICA NA FORMAÇÃO

CULTURAL PORTUENSE

No Brasil, de acordo com a pesquisa de Dourado (2013), logo após a

Proclamação da República, em 1890, por meio do Decreto Federal 119 de 7 de janeiro

deste mesmo ano, o Estado separou-se da Igreja, institucionalizou o casamento civil,

secularizou os cemitérios e decretou o ensino leigo nas escolas públicas.

Nesta época, a igreja Católica em Porto Nacional vivia um momento em que

eram seguidas as orientações da Santa Sé, nas quais cada estado deveria ter, no mínimo,

uma diocese, com o objetivo de centralizar e animar as ações pastorais em consonância

com as determinações da Cúria Romana e do episcopado brasileiro. Seguindo esta

orientação, D. Prudêncio Gomes da Silva, bispo de Goiás, obteve junto ao papa Bento XV

(1914-1922), um decreto que instituiu a criação da Diocese de Porto Nacional, em 20 de

dezembro de 1915. Para a efetivação desse projeto, o bispo contou com o apoio de uma

comissão presidida pelo frei Reginaldo Tournier, superior do convento dominicano (1912-

1917), e pelo vice-presidente dessa comissão, o deputado federal médico Francisco Ayres

da Silva. O bispo de Goiás, D. Prudêncio Gomes da Silva, contou, portanto, com a soma de

uma força religiosa com a força política do município, para a efetivação desse projeto.

Assim, em Porto Nacional, até o final da Primeira República, grande parte do

projeto da política de estadualização do poder eclesiástico, estava objetivamente cumprida,

uma vez que já havia sido construída a Catedral Nossa Senhora das Mercês, o Palácio

Episcopal/Seminário Diocesano São José, o Colégio Sagrado Coração de Jesus e estava

ocorrendo a participação efetiva de dominicanos na edição de jornais do município.

Percebe-se a grande influência da Igreja na formação espiritual, intelectual e moral da

juventude portuense, juventude esta que tem seu nome marcado no comando político-

administrativo do município, em anos posteriores.

Sobre a influência da ordem dominicana no desenvolvimento da educação associada à

cultura, em Porto Nacional, Moreira Filho, (2007, p. 13 apud Dourado, 2013), registra que

“os padres dominicanos semearam uma educação humanizadora e com sustentação,

sobretudo na religião, na filosofia, no teatro, na música, nos esportes, nas artes plásticas em

geral e nas línguas do velho mundo”.

Maya (2003 apud Dourado, 2013) pontua também, a criação de várias instituições

culturais e educacionais, por meio da conjugação do trabalho dos dominicanos. Essas

instituições, segundo Dourado (2013), dão a dimensão ao desenvolvimento social de uma

comunidade. Embora os colégios católicos tivessem maior interesse pelo sexo feminino, a

Igreja compreendia que a maioria dos jovens de ambos os sexos não se dedicaria à vida

religiosa, mas a vida civil. A Igreja precisava encontrar, por isso, uma estratégia para

abarcar a todos os cidadãos no processo de recristianização. O sistema de ensino foi uma

das estratégias encontradas para dar a essa juventude uma educação conforme os

princípios da reforma ultramontana e conservadora. Com essa concepção, a educação

masculina era muito importante, afinal, o homem era o principal agente social na época.

O episcopado conforme ressalta Dourado (2013) estava voltado não só para a

formação dos líderes eclesiásticos, mas também, para a questão da educação leiga, a

formação de jovens líderes civis. Os principais aspectos que caracterizavam a educação

católica nesse período eram “a tônica espiritualizante, o rigorismo moral, o caráter autoritário

da educação, a seriedade disciplinar e a qualidade do ensino, bem como, uma abertura para

educação artística e esportiva”. A grande meta da educação católica era a formação da

classe dirigente do País, e esta perspectiva educacional é notória na agenda da educação

da juventude portuense.

3 VIDA E OBRA DE DOM ALANO: o missionário do Tocantins

Jean Hubert Antoine du Noday, Dom Alano, de acordo com a narrativa de

Piagem e Sousa (2000), nasceu em 2 de Novembro de 1899, conforme consta no

documento reproduzido na Figura 1, no castelo de La Grand”ville, povoado de Grand

Champ, comuna de Saint Servant, região da Bretanha no Norte da França, terceiro filho do

casal Conde Arthur Rolland Du Noday e Condessa Antoinette R. Du Noday. Antes de Jean,

vieram Marthe e Henri.

Jean, desde cedo, experimentou a dor da separação de seus familiares, que

partiram prematuramente. O pai faleceu com 33 anos, vítima da tuberculose. A irmã Marthe,

aos 14 anos, 10 anos após a morte do pai. O irmão Henri, depois de concluir brilhantes

cursos, ingressou no exército, na arma da Infantaria e, por ocasião da Primeira Grande

Guerra, em 1915, ao enfrentar uma missão perigosa para a qual ele mesmo se oferecera,,

foi morto no campo de batalha, com apenas 17 anos.

O jovem Jean Hubert du Noday, de acordo com a pesquisa de Piagem e Sousa

(2000), ao concluir com brilhantismo o curso de Filosofia em Paris, sentiu-se atraído pela

vida militar, onde pelas suas virtudes humanas, cívicas e morais, pela sua coragem, retidão

e conduta irrepreensível, alcançou, em pouco tempo, os postos de Aspirante, Sub-Tenente e

Tenente, sendo muito estimado na corporação, tanto pelos comandantes quanto pelos

comandados, recebendo várias condecorações militares e moções de elogio.

Terminada a Grande Guerra, da qual participou ativamente, foi transferido para a

Artilharia da Argélia, em 1918 e, no ano seguinte, foi-lhe confiada a difícil missão de

apaziguar uma insurreição violenta em Marrocos, na África, cumprindo a tarefa em pouco

tempo e retornando à França como herói. Foi exatamente nesse momento áureo, em que o

tenente conde tinha todas as condições para ser promovido às mais altas patentes da

carreira militar e a invejáveis escalões sociais que Jean sentiu-se tocado por Notre Dame de

La Garde (Nossa Senhora da Guarda), cuja grande e bela imagem implantada nas

imediações do porto principal, domina eminentemente uma vasta circunvizinhança, a

exemplo do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Na mesma ocasião, estando com a mãe em

Marselha, atendendo a seu pedido para comungar e reconhecendo que não estava em

condições, resolve confessar-se num confessionário ocupado por um frade dominicano.

Após uma longa confissão, o Padre Etcheverry o aconselha a fazer um retiro no Convento

Dominicano, onde foi muito bem acolhido e permaneceu por três dias.

Retornou então ao castelo da família, encontrando sua mãe em grave estado de

saúde. Apesar disso, comunicou a seu primo, presente na ocasião, que estava a ponto de

tomar uma gravíssima decisão: voltar a São Maximino e fazer um retiro que decidirá, em

definitivo, o futuro de minha vida. De fato partiu, com o coração dilacerado por ter que deixar

a mãe naquele estado, voltando algum tempo depois, já como noviço, encontrando a mãe

nos momentos finais, porém ainda lúcida. Despediram-se e ela partiu confortada, não só

pelos sacramentos da Igreja, mas também por deixar o filho entregue à mesma Igreja.

O seu compromisso definitivo, na segunda profissão ou profissão solene, deu-se

três anos depois, na mesma data, 24 de Junho de 1926, pelas mãos do Prior Pio Jougla,

conforme consta no Livro de Registro de Profissões da Província de Tolouse. De 1922 a

1928, empenhou-se no aprimoramento da sua formação religiosa, missionária e intelectual.

Tinha grande preferência para estudos altamente especulativos da Filosofia e Teologia, mas

distinguia-se também, como ótimo aluno, em todas as demais disciplinas e os superiores,

percebendo-lhe o talento, aconselharam-no a defender uma tese de Leitorado, o que fez

com brilhantismo.

Com seis anos de formação, estava preparado, religiosa e intelectualmente, para

receber o Presbiterado, uma de suas metas. Aos 28 anos e 9 meses, comprometeu-se para

sempre com o serviço de Deus, em 4 de Agosto de 1928. Recebeu a comenda da ordem

sacra das mãos de Dom Simeone, Bispo de Freus. Logo após a ordenação, foi nomeado

sub-mestre dos estudantes, em São Maximino, bem como outros tantos ministérios, mas o

campo de trabalho sonhado, com a total realização do seu sacerdócio, era a missão no

Brasil, conhecida através de cartas, conferências e conversas de missionários dominicanos

no Brasil. Chegou ao Rio de Janeiro, de navio, no dia 23 de Junho de 1933, conforme

registro no Livro de Crônica do convento de São Tomás de Aquino, onde permaneceu até

19 de março de 1936, quando lhe foi revelado que havia sido escolhido para ser Bispo de

Porto Nacional, ilustrado na Figura 1.

Figura 1 – Documento de identificação como Bispo, fornecido pelo Vaticano

Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional

4. A HISTÓRIA DE DOM ALANO ATRAVÉS DOS DOCUMENTOS DA

CÚRIA

O primeiro contato de Dom Alano com seus diocesanos, foi através de uma carta

pastoral, datada de 1º de Maio de 1936, conforme demonstra a Figura 2, dia da sua

sagração episcopal, conforme Figura 3. Verdadeira obra prima literária e doutrinal, como

tantas outras cartas por ele escritas.

Figura 2 – Reprodução da carta de Dom Alano comunicando a sua nomeação como bispo de Porto nacional

Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional

Figura 3 - Ata da nomeação de Dom Alano como bispo de Porto Nacional

Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional

O território eclesiástico, de acordo com Piagem e Sousa (2000), compreendia

quatorze paróquias existentes à época em que foi criada a Diocese, em 20 de Janeiro de

1916, a saber: Nossa Senhora das Mercês, de Porto nacional; Nossa Senhora da

Conceição, de Boa Vista do Tocantins; São Pedro, de Pedro Afonso; Nossa Senhora do

Monte do Carmo; Espírito Santo, de Peixe; Santa Ana da Chapada; Nossa Senhora da

Natividade; de São Miguel das Almas; São José, do Duro; Santa Maria, de Taguatinga;

Nossa Senhora da Conceição do Norte; São João Batista, da Palma; Nossa Senhora dos

Remédios, de Arraias; Santo Antônio, do Chapéu.

Pelos limites fixados pela Bula Papal, a Diocese, apesar de ter sido criada para

diminuir a extensão da Diocese de Goiás, abrangia um vasto território, estendendo-se do

paralelo 5 ao 13, ou seja, do Bico do Papagaio, no extremo Norte, à cidade de Campos

Belos, no Sul, e dos extremos de Goiás com a Bahia, Piauí e Maranhão, ao Norte, até o rio

Araguaia, incluindo a grande Ilha do Bananal, a Oeste, abrangendo todo o Território atual do

Tocantins.

De acordo com as estatísticas de 1936, pesquisadas por Piagem e Sousa (2000),

a Diocese de Porto nacional contava com cerca de 200 mil habitantes espalhados nos

povoados, vilas, cidades, garimpos, aglomerados e aldeias indígenas, nos imensos sertões

do Tocantins, todos percorridos por Dom Alano, utilizando os únicos meios de transporte

disponíveis na época: barco e burro.

Por influência de Dom Alano, foi criada uma linha do Correio Aéreo Nacional, a

CAN, que interligava Rio - Belém, passando por Uberaba, Anápolis, Formosa, Porto

nacional, Tocantínia, Pedro Afonso, Conceição do Araguaia, Carolina, Marabá e Belém.

Através desse serviço, as notícias chegavam mais rápido, servindo muito toda a região e

transportando padres e freiras para o Sul e Para o Norte. Os aviadores da CAN eram muito

bem tratados pelos frades dominicanos, freiras e Dom Alano, que os recebia e acolhia muito

bem sempre pousavam em Porto Nacional, o que levou a Aeronáutica a conceder-lhe uma

comenda da Ordem do Mérito da Aeronáutica e também do Cruzeiro do Sul, a maior

condecoração do Brasil.

O fato dessa circunscrição já haver nascido Diocese, não significava que tivesse

seus quadros organizados e sua economia solidificada. Quando Dom Alano tomou posse,

não havia fontes de renda permanentes e nenhum patrimônio valioso. Apesar da região ser

rica em potencial natural, em nada ajudava os pastores. Sua flora e fauna continham

invejáveis recursos em madeira de lei, frutas, caças, peixes, assim como seu subsolo

abrigava abundante quantidade de minérios, como ouro, diamantes, cristais, tudo ainda por

explorar e fora do alcance da Igreja, passando a Diocese, por grades dificuldades

econômicas. O único auxílio que recebiam, eram alguns donativos particulares, as

espórtulas, valores cobrados pela Igreja quando esta ministra alguns Sacramentos (Batismo,

Crisma e Matrimônio), especialmente a Santa Missa por alguma intenção especial, além da

ajuda anual da Santa Sé. A maior parte da alimentação era proveniente de uma pequena

fazenda, organizada por Dom Domingos e pelos frades dominicanos, a Santa Rosa,

posteriormente Mato Escuro, onde se mantinham os burros utilizados nas viagens, algumas

vacas leiteiras, criatório de porcos e galinhas e cultivo de frutas e legumes.

O tempo que permaneceu no Rio de Janeiro, antes de transferir-se para Porto

nacional, proporcionou a Dom Alano a oportunidade de conquistar algumas amizades de

pessoas de prestígio e caridosas, que se transformaram depois, em benfeitoras de seu

seminário. Graças à essas amizades, que foram por ele cultivadas com visitas e

delicadíssimas cartas, foi possível efetuar a ordenação de 27 padres, oriundos da região e

dos sertões. O seu Amor à esta causa era tão radical, que o levou ao sacrifício de ficar mais

de 30 anos sem visitar sua família e sua pátria.

Promoveu, ao mesmo tempo, uma dinâmica de renovação pastoral sócio-

religiosa e o melhoramento do quadro físico da diocese, conseguindo a reforma e ampliação

de várias paróquias mais antigas, como Tocantinópolis, Filadélfia, Paraná, Peixe, Arraias,

Dianópolis, Taguatinga, Natividade e a própria catedral de Porto Nacional. Além disso,

muitas outras cidades e comunidades novas foram surgindo e exigindo a construção de

novas igrejas e capelas. Onde quer que houvesse uma construção, ele a visitava

frequentemente e, às vezes, permanecia ali por algum tempo, incentivando a população,

promovendo campanhas, dando apoio moral e até o seu trabalho físico.

Dom Alano veio ao Brasil a aos sertões goianos impulsionado pelo ideal

missionário de evangelização mas, ao defrontar-se com a realidade de sua diocese,

entendeu logo, claramente, que teria que cuidar do homem todo e de todos os homens, pois

as condições eram de carência em todas as dimensões, tanto a transcendente-religiosa

quanto a temporal-humana, no tocante ao sócio-econômico, à saúde, à instrução, ao

trabalho, etc.

Essa constatação, levou-o a implantar na diocese, mecanismos e instituições

que trouxessem ao povo uma vida melhor, insistindo junto aos poderes estaduais e federais,

para que criassem, não só em Porto Nacional, mas também em outros pontos da diocese,

postos de saúde , hospitais, escolas, agências bancárias e outros serviços que

proporcionassem melhor qualidade de vida e mais recursos para a população. Implementou

o combate e a prevenção às doenças mais comuns na região, como a malária, o pênfigo, a

lepra, a tuberculose, a verminose, etc. Criou, por iniciativa própria, em Porto Nacional, o

ambulatório Bom Pastor, transformado, posteriormente no hospital Lays Neto dos Reis,

trazendo de fora, excelentes médicos, que prestaram relevantes serviços à comunidade,

assim como enviou várias moças e rapazes para formarem-se como enfermeiras, médicos e

professores.

Outra grande preocupação de Dom Alano, era a educação em Porto nacional,

que contava com apenas um único estabelecimento de ensino secundário, o Colégio

Sagrado Coração de Jesus, das irmãs dominicanas, o que o levou a logo providenciar a

vinda de outros institutos de religiosas educadoras, localizados em pontos estratégicos,

totalizando, só na diocese, 9 estabelecimentos, a saber: Ginásio Estadual; Curso Normal

Regional; Ginásio Cristo Rei; Colégio Tocantins; Ginásio Belém-Brasília; Colégio Dom

Orione; Colégio Santa Cruz, Colégio São Geraldo e Colégio João XXIII.

Após duas décadas de evangelização e preparativos para uma caminhada mais

elevada do seu povo, ele julgou já ser o momento oportuno de pleitear, junto à Santa Sé, a

divisão da diocese, onde sua maior preocupação era a região norte, mais distante da sede e

também uma das mais problemáticas e desassistidas. Atendendo aos inúmeros pedidos, o

Papa Pio XII criou, em 20 de dezembro de 1952, a Prelazia de Tocantinópolis, através da

Bula Céu Castor. A nova circunscrição, desmembrada integralmente da Diocese de Porto

Nacional, situa-se no extremo Norte do atual Estado do Tocantins, entre as Dioceses de

Imperatriz e Carolina no Maranhão, Miracema do Tocantins e Conceição do Araguaia e

Mirabá no Pará. Pela Bula Conferentia Episcopalis Brasiliensis, de 30 de Outubro de 1980,

do Papa João Paulo II, foi elevada à Diocese. Dois anos após, em 26 de Março de 1956,

através da Bula Ne quid Filiis, foi suprimida a Prelazia da Ilhado Bananal e criada a de

Cristalândia, composta pelos territórios de parte da Diocese de Porto Nacional, parte da

Prelazia de São José do Alto Tocantins e Ilha do Bananal. Em 11 de outubro de 1966,

depois de reiterados pedidos de Dom Alano, acompanhados de minuciosos relatórios, O

Papa Paulo VI decidiu criar a Prelazia de Miracema do Norte, hoje Miracema do Tocantins,

através da Bula De animarum utilitat, a qual, quase 15 anos depois, em 21 de Novembro de

1981, foi promovida a diocese, através da Bula Apostólica Cum Ecclesiae, integrada pelos

municípios de Aparecida do Rio Negro, Barrolândia, Bernardo Sayão, Colinas do Tocantins,

Colméia, Divinópolis do Tocantins, Goiatins, Guaraí, Itacajá, Itaporã do Tocantins, Lizarda,

Marianópolis, Miracema do Tocantins, Miranorte, Pedro Afonso, Pequizeiro, Presidente

Kennedy, Rio do Sonoe Tocantínia.

No dia 10 de fevereiro de 1974, Dom Alano escreveu uma carta comunicando

aos senhores padres que havia pedido demissão de seu cargo de bispo, conforme Figura 4,

porém continuaria a serviço da comunidade, assumindo a pequena e abandonada paróquia

de Campos Belos. Em 1984 retorna a Porto Nacional, já bem cansado e doente, passando

seus últimos dias, sempre acompanhado do Frei Domingos Maia Leite, falecendo em 15 de

setembro de 1985.

Figura 4 – Reprodução da carta original do pedido de demissão do cargo de

bispo

Fonte: Mitra Diocesana de Porto Nacional

Foi grande a repercussão da morte de Dom Alano, desde Porto Nacional, onde

se encontravam milhares de pessoas vindas de todos os lados para lhe prestarem as

últimas homenagens. O prefeito local decretou feriado municipal o dia do enterro e luto

oficial por 8 dias, através do Decreto N.º 65/85, de 14 de Dezembro de 1985, considerando

que o Bispo Dom Alano Maria Du Noday exerceu por quarenta anos o bispado da Diocese

de Porto Nacional, com amor, dedicação e heroísmo, sendo em vida, figura exponencial de

caridade e fé cristã, dedicando toda a sua existência e obra, a semear o Evangelho. Em

toda a diocese, nas cidades, nas pequenas comunidades e no grande sertão, onde Dom

Alano era muito conhecido e querido, o abalo foi geral. Inúmeras foram as manifestações

vindas também de fora, da parte da Embaixada Francesa, de cardeais, bispos, sacerdotes,

religiosos, membros do Governo, brigadeiros, etc. Os meios de comunicação, imprensa,

rádio e televisão divulgaram o acontecimento.

Conclusão

Das diversas personalidades que fazem parte da História de Porto Nacional e do

Tocantins, destaca-se o admirável trabalho de Dom Alano, resgatado através da pesquisa

realizada nos documentos da Cúria Diocesana de Porto Nacional, e outros documentos, que

são o testemunho mais expressivo do muito que se pode fazer com o pouco que se tem,

quando se empenha com seriedade num trabalho nobre, realizado pela pessoa de um

nobre, fino, culto, vindo de uma realidade completamente diferente, tendo que enfrentar

tantas dificuldades, tais como a língua, o clima, a alimentação, a aculturação, etc.

Foi muito difícil resumir, nestas poucas páginas, a sua jornada de cinqüenta

anos de serviços prestados ao povo tocantinense, sem nunca falar de si mesmo nem do seu

passado, embora seu porte e dignidade confirmassem as suas origens nobres. Não veio ao

Brasil para converter índios nem reencontrar, com o habito branco, as populações que,

fardado, conhecera na África do Norte, como jovem oficial da cavalaria e membro do Estado

Maior do Marechal Lyaut. Roma fez dele um bispo e tornou-se herói do povo tocantinense.

Em 45 anos percorreu, em lombo de burro, a distância equivalente à uma volta ao mundo. O

território da sua diocese era tão grande quanto a metade da França, seu País de origem, e

suas ovelhas espalhadas em quase mil quilômetros dos caminhos que só ele conhecia.

Espera-se que este artigo, possa contribuir para enriquecer a escassa

bibliografia já publicada, e eternizar as lembranças sobre tão ilustre e digna personalidade.

Referências

DOURADO, B. B. 2013. A formação católica da juventude masculina de porto nacional.

Porto Nacional: UFT/NEUCIDADES.

OLIVEIRA, M. F. 1997. Um Porto no Sertão: cultura e cotidiano em Porto Nacional 1880/1910. Goiânia; Universidade Federal de Goiás. (Dissertação). PESAGEM, P. P.; SOUSA, C. J. de. 2000. Dom Alano: o missionário do Tocantins. Goiânia: Ed. dos Autores. ROSA, J. I. L. da et al. 2013. Reconstituindo a história através da preservação de documentos: relatos de uma experiência realizada em Porto Nacional, Tocantins. Porto Nacional: UFT/NEUCIDADES.