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Mercator - Revista de Geografia da UFC E-ISSN: 1984-2201 [email protected] Universidade Federal do Ceará Brasil Dantas, Aldo; Avelino Tavares, Matheus Augusto OS DOIS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA EM JOÃO CÃMARAlRN, BRASIL Mercator - Revista de Geografia da UFC, vol. 11, núm. 26, septiembre-diciembre, 2012, pp. 57-73 Universidade Federal do Ceará Fortaleza, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273625981003 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

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Mercator - Revista de Geografia da UFC

E-ISSN: 1984-2201

[email protected]

Universidade Federal do Ceará

Brasil

Dantas, Aldo; Avelino Tavares, Matheus Augusto

OS DOIS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANA EM JOÃO CÃMARAlRN, BRASIL

Mercator - Revista de Geografia da UFC, vol. 11, núm. 26, septiembre-diciembre, 2012, pp. 57-73

Universidade Federal do Ceará

Fortaleza, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=273625981003

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Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto

www.mercator.ufc.br 00[: IOA2 IS!RM20 J2.1126. 0004

OS DOIS CIRCUITOS DA ECONOMIA URBANAEM JOÃO CÃMARAlRN, BRASIL

two urban economy circuits of João Câmara IRN, Brazil

Aldo Dantas"Mathe us Augusto Avelino Tavares"

Resum o

A part ir do final dos anos 198 0 a dinâmica te rritoria l de Joã o Câmara entra em uma nova fase, na qual oscir cuitos da econ omia urbana pa ssam a ser, cada vez mais, pr edom inant e para a sua org aniz ação espacial,so bretudo po rque temos o avanço intenso do consu mo em tod as as camada s da soc iedade. Ness e senti do,o objetivc desse tra balho con siste em ana lisar a expare...ão dos dois circu itos da economia urbana na cidad ede João C âmara, dando ênfase a sua atual configuraç ão espacial, bem como para os fatores que influenci amessa exp ansão na cidade. Para tanto, realizamos levantamento de dados a partir de fontes e proc edime ntos.Na etap a que diz respeito às font es, realizamos um a pesquisa bibliográ fica e documenta l sobre temas relaci o­na dos à problem ática em quest ão em bibliotec as, ins tituições públ icas e privadas . Ja no que diz respeito ao sprocedimentos, ou à produçã o de informações, realizamos entre vistas e aplicação de question ários com ospr incipa is ag entes sociai s envolvidos com os dois circuitos da economi a urbana na cida de de Jo ão Câmara.Os resu ltado s obtidos até o momento apontam que a economia urb an a de João Câmara vem se expa ndindo ,com maior intensida de, a parti r do seu circuito inferior, morm ente no que toca aos pequ eno s com ércios eestabelecimentos de pr est açã o de serviços que estão presentes em diversos subespa cos da c-idade.

Petavres-e haves .Ctrcuito inferio r e superior da economia, Joã o Câmara, Dinâmica territori al.

Abstract

From the end of 80s the dynamic te rritorial ln João Câmara goes to a ncw stage, which the urban cconom yci rcuit bccomes, Imle by little , more ascendant to its spatt al organiza tion, mainly because we havc thc upgradeof con sume in ali leveis ofthe society ln thi s wav, the aim of thi s job ccns ists in enaly ze the devclopcd ofthe tw c urban cconomy ci rcuit in Joã o Câm ara city, empha sizing its spetia l confign ration actually and alsoanalyz iug th e factc rs Influc uciug thi s exp ansion in the city lo get our proposal, we research cd in snurccsand procederes. l n this lcvel conccrniug th e scurc es wc co nducted a lite ratu re search and docum entation 011

issu es rclat cd in librarie s and public and privare institutions. Con cenung the proc edurc s, or the information'sproducüon, wc performed interviews and questi onnai res with thc main soc ial agcnts mvclved with the tw ourban econ o nry circui ts in João Câma ra ciry, lhe results in the mom cnt show us the urban econ om y in JoãoCâma ra exp andin g, w ith mo re intcnsity, in the lower circuit , usually in the sma ll tr ad es and the scrvi ceestablis hmcnt s that are in dive rse subsp aces of th e city.

Key words: Lowcr and upper circuit of cconcmy, Jo ão Câmara, Territori al dyna mic .

Resumen

Des de finales de 1980la din âmi ca terr itor ial de Jo ão Câmara entra eu una nuev a fase en la que los circui tosde la econ omia urbana SOI1, cada vez mas pn..'domina nte de la suya organiza ciôn espacial, espec ialm ente CI1

medida que avan ce el con sumo inten so de todas las capas de la sociedad. Por 10 tant o, el objctivo de esteestúdio cs analisar la expansión de los dos cir cuitos de la econ omia urbana cn la crudad de Joã o Câmara,com én fasi s en la suya actua l confi gur ación espa cial , asi como los factores que veng an a influenci ar esaexpansión de la ciudad. AsL hemos echo una recogid a de dates a parti r de fucnt cs y proc edrmientos. Eu elpaso con respecto a las fuentcs, hemos echo una busca bibliográf ica yde docum cntación sobre algunos temasrel aciona dos cn cues nóu en las bib liotecas y eulas instituicioncs pú blicas y privadas. En Io que se refierea los pro cedimienlOs, o a la produc ci6n de informaciones. hemos reali zad o entre vistas y cuestio narios conlos princ ipa les acto res sociales ell\olucrados en los dos circuitos de la economía ur ban a en la ciudad de JoãoCâmara. Lns n.-sultado s obten ido s hasta ahora indican que la econ omia urba na de João Câmara se ha expan­dido , com una may or intcn sida d, a partir de su circu ite. inferi M, espec ialmente com respecto a las peqlleiiasempres as y establecimientos de se rvicios que se hacen presentes en los difer entes subes pac ios de la cíudad .Palahra s clave:

Pala bras c1an~s : Circui to inferior y superior de la econ omi a, João Câma m, Dinâmica territori al.

("') Pro f. Dr. da Pós- Graduação em Geografia da Unive rsidad e Fed era l do Rio Gra nde do N ort e - AV". Senado r Salga do Filho,3000 - BR 101 Km, 92 - La goo Nova , CEP 59.07~-970 , Nata l (RN), B ras il - Tel: (+ 55 84) 9 193..6288 - aldodantas«·!;u frnet.h r

("'*) Doutorando em Geog rafia Hu mana pe la Unive rsidade de São Paulo e Prof. Msc. do Inst itut o Federal de Edu cação , Ciênciae Tecnologia do Rio Gran de do Nort e - Av. Sena dor Salgado Filho, 300 0 - BR 10 1 Km, 92 ..Lagoa Nova , C EP 59.07~ -970, Nata l(RN ), Brasil - Te l: (+ 55 84) 9 193-6288 - aldodantas@u fmet.br

MERCAfaR.Mereator, Fortaleza , v. 11, n. 26, p. 57-73, se t. / dez. 2012.

ISSN 1984-2201 © 2002, Universidade Fede ral do Ceará. Todos os cir eítos reserva dos .

DANTAS, A; TAVARES, M. A. A.

INTRODUÇÃO

No período histórico atual temos, cadavez mais, a incorporação de ciência, técnica e informaçãoao conteúdo dos terr itórios (SANTOS, 1994; 2005; 2006). No âmbito desse processo presenciamosuma reorganização da economia por meio de sua monetar iza ção e do aumento do consumo paranovos estratos da sociedade (SILVEIRA, 2007a), de modo podemos afirmar que uma dentre asvárias maneiras de entendimento da dinâmica e funcionamento das cidades, passa pela compreen­são de suas principais at ividades econômicas, ou como diria Souza (2008), pela s suas atividadesgeoeconômicas. Em João Câmara , cidade localizada nas proximidades da Região Me tropolitanade NatallRN (Mapa I), essas atividades dizem respeito, sobretudo ao comércio e à prestação deserviços , que exercem acentuada importância para a sua economia, principalmente nos últimosanos, quando a economia urbana torna-se determ inante para o município como um todo, após adecadéncia das economias ditas tradicionais (FELlPE, 1986), especialmente aquelas relacionadasaos circuitos espaciais de produção do algodão e do sisal. Esta predominância da economia urbanarevela-se por me io da renda gerada no município, a qual aproximadamente 90% (IEGE, 20 IOa) éproveniente de atividades tipicamente citadinas, tais como o comércio, os serviços e os pequenosestabelecimentos industriais .

No s últimos anos a economia urbana de João Câma ra vem sofrendo inten sa expansão de suasatividades, principalmente aquelas do circuito inferior da economia. O município tem hoje 527 es­tabelecimentos cada strados j unto a CDL (20 IO), mas de acordo com nosso levantamento de campo,este número pode atingir um total de aproximadamente 600, pois consta tamos que esse cadastronão contemplou muitos dos ambulantes e dos vendedores itinerários existentes na cidade que nãopossuem um pon to fixo. Entendemos que ma is de 90% do total de estabelecimentos da cidade,exercem atividades típicas do circuito inferior, uma vez que apresentam baixo nível de incorporaçãotecnológica, de organização e de capital. Desse modo, constata-se que a expansão das atividadeseconômicas em João Câmara está profundamente atrelada ao crescimen to do circuito inferior daeconomia e com o aumento do consumo entre as camadas mais pobres da sociedade.

É importante destacar que embora João Câmara tenha wna tradição comercial relevante,constatamos que a cidade vem passando por wn fenômeno relativamente recente de expansão doseu comércio e principalmente dos serviços, dado que do total de estabelecimentos registradosna CDL (20 10) ( tanto formais quanto informais), aproximadamente 50% foram inaugurados nosúltimos 5 anos, e se estendemo s o período paraos últimos 15 anos, perceberemos que es se númerochega próximo dos 70%, o que, consequentemente, evidencia que se trata de um fenômeno relati­vamente novo e intenso. Não queremos dizer que a cidade só recentemente v iu a expansão de seusestabel ecimentos do circuito inferior, dado sua tradição, sobretudo para o comércio; o que se podeconstatar é que a na tureza é outra, pois novas formas de comércio e de serviços que não existiamoutrora na cidade, tais como: estabelecimentos de vendagem de aparelho s de celulares e acessórios,de CDs e DVDs, financeiras, concessionárias de motocicle tas etc. , passaram a fazer parte da atualconfigura ção do espaço geográfico de João Câmara .

Dito isso, podemos afirmar que essas atividades que vem se expandindo e configurando aeconomia e o terri tório de João Câmara, fazem parte do que Santos (1979, 2008) denominou deCircuitos da Eco nomia Urbana. Esse sistema teórico busca interpretar a econom ia das cidades apartir da exi stência de dois circuitos , um c ircuito superior - composto pelos bancos , comércio,indústria de exportação, indústria moderna, serviço s modernos, atacadistas e transportadores ; eum circuito infer ior ~ que se constitui pelas formas de fabricação de uso não intensivo de capital,pelos pequenos comércios e pelo s serviço s não modernos, voltados, sobretudo, para o consumodos mais pobres (SANTOS, 2008).

Os circuitos da economia urbana podem ser vistos, como subsistemas da economia urbana,no qual todas as formas de trabalho estão integradas (SANTOS , 2008). Eles têm a mesma origem,ainda que resultem direta e indiretamente de vários processos de modern ização que atingem sele-

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Os Dois Circuitos da Economia lXbana em João Câmara / RN, Brasl

tivamente e descontinuamente as porções do território. Nesse processo, é preciso destacar que ocircuito in ferior, em muitos casos, se tom a dependente do circuito superio r, sobretudo por causa dosserviços prestados por atacadistas, transportadores, fornecedores de crédito e, a inda , pelos produtoscomercializados que em diversos aspectos procuram copiar aqueles do circuito superio r; por isso,o circuito inferior não pode ser analisa do de maneira isolada , pois e le mantém intensas re laçõescom o superior, se jam essas re lações de dependência ou não.

Nesse sentido , o ob jetivo desse trabalho consiste em analis ar a expansão dos dois circuitosda economia urbana na cidade de João Câmard!RN, como ênfase na compreensão dos fatores queinfluenci aram na sua constituição, bem co mo na sua dinâmica e atual configu ração espacia l.

Faz-scmistcr destacar que não pretendemos somente realizar uma aná lise da economia urbanado municíp io de João Câmara, mas intentamos contribuir na construção de um a metodologia par.!o estudo das cidades a partir da teoria dos circuitos da economia urbana desenvolvida por Santos( 1979) e renovada por Silveira (2004, 2007a, 2007b), sobretudo, no que consiste ao estudo das cidadesque não estão inseridas nas regi ões metropolitanas e que se co nstituem na maioria dos m unicípiosda formação sooioespacial brasi leira. Tais cidades vêm sendo estudadas e adjctivadas de médias epequenas, o que, do nosso ponto de vista, se constitui num equivoco crasso, dado que entendemosque é preciso e laborar teorias para entendermos as cidades independentes de seu tamanho, pois o queé uma cidade média para São Paulo , com certeza não o é para o Rio Grande do Norte e vicc versa.

Acreditamos que o sistema teórico tctalizante dos dois circuitos da econom ia urbana ofere ­ce subsidies panl o estudo das cidades independente de seu tamanho e/o u dimensões , pois buscacompreender a tota lidade das existências sociais, ou se ja, busca o entendimento do uso do terri tórioatravés da re lação dial ética entre o circu ito superior e o inferior, considerando que "a riqu eza pro­duzida pelo circuito superior não pode ser compreendida sem a pobreza própria do circuito inferior,que este também perpetua" (SILVEIRA, 2007a, p . 3}° art igo está divi dido em três partes . Na primeira fizem os uma análise das variáveis quecontribuíram tanto para a const ituição territoria l de João Câmara quanto para a formação dos doiscircuitos da economia urbana; na segunda , realizamos uma análise da existência e da dinâmicaproporcionada pelos dois circui tos na cidade de João Câmara; e, por fim, apresentamos algumascon clusões .

CONSTITUiÇÃO TERRITORIAL EVARIÁVEIS CHAVES PARA A EXPANSÃO DOS DOISCIRCUITOS DA ECONOMIA EM JOÃO CÂMARA/RN

Compreendemos que a const ituição e atual configu raçã o dos dois circuitos da economiaurbana em João Câmara decorrem da conj unção de vário s aspectos que ao longo dos anos foramdeline ando o seu território, indo desde variáve is relacionadas aos circuitos espaciais de produçãodo algodão e do sisai, marcantes em momentos pretéritos e em outra Divisão Territori al do Trabalh o(DTT), chegando até os proh"Tam as de assistência do Esta do Brasi le iro que, no curso dos últimosanos, favoreceram, sobremaneira , a expansão do consumo, sobretudo nas popul ações mais pobres.

Buscaremos, a partir da constituição territorial de João Câmara, levantar elementos que nospossibilitem compreender a atua l dinâmica dos dois circuitos da economia na cidade. Nesse sen­tido, Milton Santos (1994), aponta que é preciso compreender o processo formativo das coisas,pois a análise do presente somente a partir dele próprio, pode dificultar o pleno entendimento dosprocessos e as formas de constituição dos territórios.

Partindo dessa análise pode-se dizer que a constitu ição territor ial de João Câm ara tem o seuin icio a partir de 19 17 com a instalação de um grande objeto geogr áfico, a Estrada de Ferro Centra ldo Rio Grande do Norte ligando Nata l a Lajes, no interior do Estado. Uma das estações da ferroviafoi construída nas terras até então parcamente usadas, denominadas de Baixa Verde e posteriormenteJoào Câmara (TORQUATO, 20(9); (SILVA, 2006). Nesse período, podemos fa lar de um momentode "l etargi a" dessa região (SILVEIRA , 1999), dado que ainda predominava um meio natural, no

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DANTAS, A; TAVARES, M. A. A.

qual a a ção do homem ainda não produzi a grandes objetos e nem era eapaz de engendrar grandesfluxos que possibilitassem modificar a paisagem ou criar novas materialidades (SANTOS, 2006). Noentanto , esse sistem a de movimento pouco a pouco fo i favorecendo a constituição de novos espaço sque se destinavam tanto à produção como à comercialização de mercadorias (TORQUATO, 2009).

A densifica ção técnica desse meio geog ráfico se dá com a produção do algodão em largaescala, de modo que esse circuito espacial de produção foi fundamental para a constituição territo­rial de João Câm ara, pois engendrou, direta ou indiretamente, um intenso movimento no territórionão só de produtos diversos e de populações, mas também de ordens e de capitais.

Em um primeiro momento , o circuito espacial do algodão em João Câmara compreendia oplantio , descaroçamento e seu escoamento, sendo que o espaço concentrador de funções era o dafazenda, pois duas das principais etapas do processo ai se localizavam . Cabia à pequena aglome­ração urbana então existente realizar as funções da comercialização do produto e seu escoamentopor meio do novo sistema de mov imento recém constituído .

A partir de meados dos anos 20 e início da década de 1930 dois eventos se mostram funda­mentais no processo de formação territorial de João Câmara , são eles: as transformações na divisãoterri torial do trabalho e as mudanças na constituição do circuito do algodão . O primeiro está direta­mente relacionado ao processo de industrialização da região Sudeste que promove uma mudança noproce sso de circulação dessa mercadoria, uma ve z que se outrora o principal centro consumi dor eraa Inglaterra, a part ir desse momento passou ser São Paulo e Rio de Janeiro que expandiam de ma­neira intensa sua indústria têxtil, demandando uma quantidade maior dessa matéria prima (TAKEIA,198 1). Este processo teve grande repe rcussão no território potiguar e, particularmente, para as áreasprodutoras de algodão; no caso de João Câmara, tivemos uma expansão da área produzida que sematerializou no e spaço geográfico por meio daexistência de três usinas de beneficiamento e umade produção de óleo, ligadas às firmas de João Câmara & Irmãos e de Fernando Gomes Pedrosa.

:+ O segundo evento supracitado, proporcionou uma mudança na constituição do circuito espacialdo algodão. Trata-se da saída das máquinas do interior das fazendas e sua localiza ção em pequenosaglomerados que se tomaram cidades-sedes de vários municípios (CLEMENTIN O, 1987); (FELI­PE, 20 10) . Tal processo mudou radicalmente a organização e dinâmi ca territorial de João Câmara,sobretudo porque as usinas de beneficiamento que ai se constituíram intensi ficaram sua expansãoterritorial e seu processo de urbanização (SILVA, 2006). Assim, a partir dessa conj untura, toda aprodução do algodão se dirigia para a cidade para então ser comercializada, beneficiada e escoadapara Natal por meio da rede ferroviária, para então ser exportada.

Além disso, nesse momento temos uma densifica ção técnica do circuito espacial do algodãoque promo veu a emergência de uma usina produtora de óleo a partir do seu caroço. É assim quenasce mais uma " solidariedade técnica" para usarmos as palavras de Milton Santos (2006), pois oinicio do beneficiamento do caroço do algodão e sua transforma çã o em óleo permitiram o surgimentoda usina, o que possibilitou o aumento da demanda por essa matéria prima e, por conseguinte, aexpansão da área produzida.

Essa valorização do circuito espacial do algodão coloca em evidencia uma hierarquização eum controle dos lugares tanto em nível do território nacional, quanto em nível do sistema interna­cional ou da economia-mundo. Desse modo , na dimensão nacional , a hierarquização se dá tantopor meio do controle da produção que era exercido pelos grande s fazendeiro s que impun ham o seusistema de produção aos trabalhadores rurais, quanto ao nível da circulação e comercialização que,em parte, é controlado pelos grandes empresários ligados à indústria têxtil do Rio de Janeiro e deSão Paulo, principais compradores do produto.

A hierarquização dos lugares e controle do circuito espacial do algodão se concretiza com apartic ipação das grandes corporações internacionais das quais as três irmãs, SAMBRA, CLAYTONe MACHINE COTfON, que atuaram amplamente no território potiguar, são os melhores exemplos.Conforme expõem Oli veira ( 198 1, p. 48) são esses "grandes trustes internacionais que controlam

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a circulação internacional" e os preços dessa matéria prima a fim de mantê-los a níveis mínim osque garantam a extraçâo de uma mais-valia que já se most rava mundializada.

A intensificação e manutenção do circuito do algodão, por cerca de três década'i , foi fundamen­ta i para a constitu ição de um comércio tip icamente do circuito inferior. De acordo com Torquato(2009, p . 35) a partir de 192 1-19 23 a feira semanal come ça a se desenvo lver na cidade, tanto apartir de produtores que se dírecionavam para esse espaço com o objetivo de comercializarem suasmercadorias, quanto por meio daqueles que para aí convergiam para adquir ir novos bens. Pode-sedizcr que temos aí o início de uma das feiras livr es mais importantes do estado e a mais importanteda região em termos de dinâmica gcocco n ômica .

Essa dinâmica do circui to espacial do algodão que perdurou até mais ou menos os anos 1950 e19(,0, deixou pro fundas marcas na organização e dinâmica territorial de João Câmara que se tornoua princip al cidade de sua região , tanto do ponto de vista do circuito do algodão quanto do comér­cio que era alimentado pelo grande fluxo de capital e de mercadorias que o circuito proporcionou ,sobretudo em tempos de safras.

Após esse período, ao mesmo te mpo cm que presenciasse certo processo de retraimento docircuito do algodão, João Câmara vê o surgimento do circuito espacial do sísal. A expansão destecircuito nos revela traços de um novo processo de mundialização que então se configurava , umavez que atendia a mercados internacionais que, sobretudo a parti r da Segunda Guerra Mu ndial,passaram a demandar mais dessa matéria prima .

Assim , à medida que o mercado mundial e nacional aumentava sua demanda, o circuito espacialdo sisal pouco a pouco incorporou terras ao seu processo produtivo e avançou em áreas que outro raeram destinadas ao circuito do algodão. Esta reali dade traz à tona um processo de refuncionaliza çãcdo território e o advento de uma nova divi são te rrito rial do trabalho, que neste caso esteve pautadana exportação do sisal . É bem verdade que a lógica hierarquizada de organiza ção dos territó riospermanece, pois os centros de comando desse circuito estão estabelecidos nas mesmas áreas queo seu antecessor, ou seja , na região Sudeste, no território nacional, e na Europa a nível mundial.

Se no circuito do algodão o processo de produção era fragmentado em vários pequen os e mé­dios produtores, mesmo com a existênc ia de duas gra ndes empresas no municíp io, no caso do sisa iperce be-se u ma grande concentração do processo produtivo. Em João Câma ra foi a CompanhiaIndustrial de Fibras S/A (Sl SAF) , a empresa que comandou todas as etapas do processo, pois alémde deter uma grande fazenda que era responsável pela maior parte de sua produção , a empresa eraresponsável pelo beneficiamento , comerc ialização e pelo escoamento do produto até o seu destinofinal no território potíguar, que era o Porto de Natal.

Esse processo tecnifica ainda mais o meio geográfico de Joã o Câmara, tanto do ponto de 'vistado uso de transportes para o escoamento da produção , quanto por meio do uso de maquinários como,por exemplo, de tratorcs. para fazer a preparação das terras para plantio , bem como para seu cultivo .

De acordo com Oashi (1999), mesmo com a produção de fibras sintéticas a partir de meadosdos anos 1960, ve rifica-se, sobretudo nos anos 1970, uma grande expansão do espaço produtivo dosisai, um a vez que várias indústrias de manu faturados de sisal passaram a incorporar novas técnicasque tomavam o produto mai s competitivo no mercado nacional e internacional. É j ustamente nesseperíodo que a SISAF amplia sua área de produção em João Câmara e transforma o circuito do sisa ino principal dinamizador da organização territorial do municípi o.

Destaca mos que a expansão do circui to do sisai não se deu somente em João Câmara, mas emvários municípios do territó rio potiguar, onde imensas áreas de produção passaram a configurarespaços de monocultura, dada a vastidão das áreas ocupadas. Dos anos 1970 até meados da décadade 1980, a exportação do sisal, segun do Santos (1999), atingiu o seu apogeu com a quantidadede 2 1.000 toneladas som ado todo territó rio pctiguar cm u ma ún ica safra, sendo que João Câm aratomou-se um dos principais produtores devido à hegemonia da SISAF.

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DANTAS, A; TAVARES, M. A. A.

A dinâmica proporcionada por esses circuitos de produção (algodão e sisai) se refletiu naconstituição territorial por meio do processo de urbanização e pela formação de um comércio queapresentou grandes fluxos, não somente nos dias da feira semanal, umavez que para ai convergiampequenos e médios produtores de toda a Baixa Verde, mas também pela existência de um comérciopermanente que era ainda mais fortalecido nos períodos de safras desses produtos, haja vista queo fluxo de capital aumentava substancialmente. Podemos afirmar que parte da dinâmica dos doiscircuitos da economia urbana de João Câmara atualmente, é tributária das materialidades (feira ecomércio) e temporalidades (urbanização) fomentadas peloscircuitos espaciais do algodãoe do sisaI.

Dadas as caracteristicas citadinas desses circuitos espaciais de produção, eles engendraramum processo de urbanização em João Câmara que se mostrouascendente desde a década de 1970, ese intensificou nos anos 1980, repercutindo até o inicio da década de 1990, quando se verifica umafalência desses circuitos proporcionada por uma série de fatores, tais como: entrada no mercado deprodutos sintéticos, pragas naturais e pela não modernização do processo produtivo (CLEMENTI­Na , 1987; FELlPE, 1986).

Com isso, outravariávelque emerge como fundamental para o plenoentendimentoda constitui­ção dos dois circuitos da economia urbana em João Câmara é a aná lise do processo de urbanização.De acordo com dados do IBGE (BRASIL, 1970; 1980; 1991 ; 2000; 201 0b), nos últimos quarentaanos João Câmara presenciou não somente o aumento de sua população que passou de 18.297 em1970 para 22.826 em 1980, 25.854 em 1991, 29.248 em 2000 e para 31.518 em 2010, mas umaexpansão do seu processo de urbanização, uma vez que sua população urbana passou de 8.307 em1970 para 12.759 em 1980, 17.694 em 1991, 19.956 em 2000, e para mais de 22.000 habitantes em201 0 (Figura I), o que evidencia um acréscimo substancial na população urbana, que nesse períodoquase triplica. Esta realidade quando somada ao crescimentototal da população acaba funcionandocomo incremento para o alargamento do mercado consumidor da cidade.

:+ Não obstante, compreendemos que esse processo de urbanização não somente faz crescera população residente na cidade, mas também introduz novos hábitos e costumes, realidade quetambém contribui para emergência de novas formas de comércio, de serviços e de produção. En­tão, a expansão dessas atividades em João Câmara também possui relação direta com o avanço dodito "consumo moderno" em todas as camadas sociais, mesmo "se essa participação é parcial ouocasional nas camadas menos favorecidas", conforme argumenta Santos (2008, p, 37).

35.000

30.000

25.000

20.000

15.000

10.000

5.000

O

1991

o Urbana

• Rural

O Total

2000 2009

AnosFigura I - Gráfico daEvolução populacional em João Câmara

Fonte: Elaboração própria a partirde dados do IBGE

Na mesma proporção em que cresce a população da cidade e que se introduzem novas formasde consumo, verifica-se um incremento no número de estabelecimentos, especialmente aqueles do

MERCAill Mercator, Fortaleza , v.11 , n. 26, p. 57-73, seL/dez. 2012.

Os Dois Circuitos da Economia lXbana em João Câmara/RN, Brasl

circuito inferior, mais notadamente os de comércio e de serviços, que correspondem a aproxima­damente 95% (CDL, 20 10) das ativi dades exi stentes na cidade.

Podemos dizer que essa expansão do consum o também tem relação dircta com a disseminaçãodo meio t écnico-c ientifico-inforruacicnal (SANTOS, 2(05) pa ra distinta 'i partes do território, dadoque o mesmo traz em seu bojo a banalização e dissemi nação de inúmeros objctos técnicos que,devido à expansão do crédito e ao aumento do poder de consumo da socied ade, tornaram-se de fácilacesso , até mesmo para os segmentos mai s pobres da socie dade. Por isso, o autor afirma que noBrasil "a gama de artigos de consumo aumenta enormemente. A expansão do consu mo da saúde, daeducação, do lazer, é paralela à do consumo das batedei ras elétricas , televisões, e de tantos outrosobjetos" (SANTOS, 2005, p . 52)

Outro fator para entendermos o process o é aquele da publicidade que vem impulsionand oo consum o moderno, publicidade esta que invade o cotidiano da sociedade através da difusão deinformações veiculadas pelas mais variadas formas de comunicação, tais como: rádio, televisão,telefones e internet (CONTEL, 2006).

Em João Câmara a publicidade acontece por meio da utilização de banncrs, cartazes , cartões,folhetos , rádios locais c através de carros e motos de som que diariamente percorrem as principaisvias da cidade para divulgarem os produtos dos principais estabelecimentos. Vale destacar que aprodução dessas formas de publicidade é realizada pelos próprios agentes desse circuito, atravésdo uso de computadores e cm associação com pequenos estabelecimentos gráficos. De acordo comdados da CDL (2 0 1O), aproximadamente dffso dos estabelecimentos fazem algum tipo de publicidadecomo forma de divulgarem os seus empreendimentos.

Se nas grandes metrópoles a materiali zação dessas novas formas de consumo impulsionadaspela publicidade se dá também através dos hipermercados e dos shoppings ce nters, numa cidadeintcriorana como é João Câmara, a gcograf icizacão das novas formas consumo ocorre por meio deuma acentuada expansão do circuito inferior, principalmente por meio dos estabelecimentos quecomercializam produtos que, na realidade, são imitações de grandes marcas nacionais e internacio­nais, ou ainda por meio das inúmeras lojas locais de produtos técnicos contemporâneos, tais comoas de tel efones celula res e as de clctrod om ésticos.

Ainda merece ressalva que cm se tratando de circuito inferior da economia, a sua expansãotambém tem relação di reta com a questão do desemprego, que no período histórico atual atinge ummaior número de pessoas e, no caso de uma região pobre como é a de Baixa Verde, essa realidade sefaz sentir com maior intensidade. É difícil estabelecer com exatidão o núm ero de pessoas desemp re­gadas , mas os dados existentes para estado do Rio Grande do Norte indicam que aproximadamente11 % da população está desempregada (DJEESE, 2007) : e para João Câmara este número pode variar,de acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 20 1Oc}; entre 10% e 12%.

O fato é que com taxas de desemprego como estas é, consequentemente , cada vez maior onú mero de pessoas que buscam abrigo no circuito inferior: nas palavras de Silveira (2004, p . 10)essas pessoas devem "encontrar una actividade - y un lugar dentro de la ciudade - que soa capazde permitir su supcrvi vencia". Tal rea lidade tanto vale para aquelas pessoas que perderam os seusempregos e que nunca mais conseguiram recuperá-lo, quanto para aquelas inúmeras pessoas quenu nca tiveram a oportunidade de consegui r outra forma de em prego : em ambos os casos, o circuitoinferior aparece como alternativa devido à sua flexibi lidade que permite que , com um pequeno vo­lume de capital, se abra um "negócio" qualquer, e às vezes não é sequer necessário ter este capital,como ocorre, por exemplo, com os vendedores ambulantes das mai s variadas naturezas que traba­lham no regime de concessão de mercadorias, no qual eles recebem uma quantidade determinadae ao final de um período estab elecido eles prestam conta do que foi vendido.

Santos (2008, p . 202), diz que o circuito inferior é "uma est rutura de abrigo para os citadinos,antigos ou novos, desprovidos de capital c de quali ficação profissional". Os núm eros existentesacerca dos principais p roblemas das atívidadcs ccon ômícas de João Câmara, somente vêm ratificar

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essa afirmação, na medida em que, segundo dados da CDL (20 IO), 40,91% dos estabe lecimentosde com ércio , 44 ,51% dos de serviços e 66,67% das indústria s apontam como principal problemade seus negócios a eseassez de capital de giro , o que tem repercussão direta nas dificuldades deadquirir matéria prima, máquinas e equipamentos que permitam uma organização e uma mo derni­zação de seus empreendimentos.

Outro ponto que também corrobora com a afirmação supracitada é o nível de escolaridade dostraba lhadores que exercem atividades típicas do circuito inferior, sendo que essa realidade é aindamais agravante quando nos re ferimo s aos estabelecimento s ditos "informais", dado que, de aco rdocom nosso levantamento, somente 42,94% dos trabalhadores possuem o ensino médio completono setor formal , e por sua vez, no setor informal, esse número é de apenas 28,84%.

Outra variável importante para entendermos a expansão dos circ uitos na cidade de João Câ­mara, é o aumento do poder de consumo da sociedade, sendo que esta questão se revela por meiode quatro aspectos fundamentais: acesso ao crédito (tanto públi co quanto privado), aum ento dosprogramas de transferência de renda, pelo substancial número de aposentadorias e pelos funcio­nários públicos. Para as cidades do interior e particularm ente na cidade em questão, tais aspectosfuncionam como a principal mola propulsora para dinâmica dos circuitos.

Quanto ao primeiro aspecto podemos dizer que a disseminação do crédito é uma característicado período atual e está relacionada ao fato de quc as grandes redes financeiras e as agências bancárias(públicas e privadas), típicas do circuito superior, tendem a não deixar de lado nenh uma parcel ado territ ório nacional e da economia, o que, por consequência, vem ampliando a capilaridade dasagên cias e a o ferta de diversas formas de crédito aos usuários. Em João Câmara, de acordo com

'l........ pesquisa de cam po, essa alerta de crédito tem incrementado o consumo para todas as camadas so­ciais e é realizada tanto por meio das agências estatais, como Banco do Brasil e Caix a EconômicaFederal , quanto por interm édio de peq uenas filiai s de várias instituições financeiras , como, porexemplo, as agências do Panamericano, BMC, Cruzeiro do Sul, Santander, Mercantil do Bra sil ,BGM, Losango dentre outras existentes na cidade. No total são aproximadamente 10 agências definanc iamen to que exercem uma política audaciosa de busca por elíentes . De acordo com Lim a(2009, p. 18), essas redes financeiras "chegam a fazer hoje atendimento nas casas. Elas conseguemos tele fones de cl ientes em potencial (provavelmente junto ao INSS, ao Estado e às prefeituras) eagenda m vi sitas às casas", para lhes oferecer as suas linhas de crédito .

É sempre relevante destacar que tais instituições, embora apresentem taxas de ') uros leoninas"(SILVEIRA, 2007a) têm, em muitos casos, uma ampla arua ção no seio da soc iedade, sobretudo paraaq ueles agentes sociais que trabalham como pessoa física e que, por isso, possuem dificuldadespara conseguir acesso ao crédito dos banco s; para esses agentes, essas financeiras acabam sendo asaída mais fácil, tendo em vista que disponibilizam créditos mais fáceis e rápidos do que os bancosque possuem uma burocrac ia maior para a reali zação de empréstimos.

Todavia, é preciso destacar que, se em um primeiro mom ento essa ex pansão das redes finan­ceiras funciona como combustível para a intensificação do consumo, pois de posse do crédito aspessoas movimentam um vo lume maior de dinheiro para a aquisição de produtos; em um segundomomento, esse processo acaba se tornando um entrave para a continuação do consumo , uma vez queas pessoas assumem uma divida que, em alguns casos, pode comprometeraté 30% do orçamento, oque, consequentemente, inviabili za a continuação do consumo por rnnlongo período ( 12-60 meses),ou scja, depois da euforia segue um período de endi vidamento e pagamento de altas taxas de j uros.

A expansão dos sistemas de crédito bem como a existência do circuito superior em JoãoCâmara também se dá por meio da disseminação dos cartões de crédito, que são aceitos nos maisvariados estabelecimentos da cidade, desde pequenas lojas a redes de supermercados, sendo que asbandeiras mais utilizadas são master-card, visanet e hiper-card que, sendo as bandeiras co m maiorcapilaridade , são as mais difundidas entre as classes populares da cidade de João Câmara . Entre20 e 30% (CDL, 20 10) dos estabelecimentos j á utilizam esses sistemas de créditos e acreditamos

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que esse número tende a aumentar, pois muitos comerciantes afirmam que esta é uma tendênciaque deve ser seguida por muitos outros que procuram ampliar suas vendas.

Nos últimos seis anos, o alargamento dos programas de transferência de renda do governofederal também tem incrementado sobremaneira o poder de consumo da sociedade, sendo que issose torna mais intenso nas cidades que não apresentam a mesma dinâmica económica que as regiõesmetropolitanas, um a vez que esta fonte de renda acaba sendo um a das principais mantencdoras doconsumo, principalmente, aquele que impulsiona o circuito inferior. Em João Câmara, esses pro­gramas têm impulsionado o comércio local, dada a quantia de recursos que entram mensalmente nomunicípio que , embora seja baixa por família, quando somamos o montante final temos um volumeconsiderável, que é capaz de manter níveis mínimos de consumo para as camadas mais pobres. Deacordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Comb ate a Fome (MDS) (BRASIL,201Ud), na cidade de João Câmara são 4.46 1famílias recebendo os auxílios do Bolsa Família, o quequa ndo somado atinge RS 465.000 ,00, ou seja, um volume de dinheiro que possib ilita um incre­mento a mais para o consumo na cidade, favorecendo a expansão de diversas formas de consumo.

Somem-se a isso o montante gerado pelas aposentadorias e pelos funcionários da administraçãopública que , no estado do RN como um todo, constitui-se na principal fonte de renda para as famí­lias . Éa partir dessa renda que tanto temos o financiamento das motocicletas e de eletrcdom ésticcs,quanto a aquisição dos produtos mais básicos para a sobrevivência humana. De acordo com umcomerciante, proprietário de um pequeno estabelecimento no centro da cidade , são as aposentadoriase os funcionários públicos, bem como os benefícios do Bolsa Família que, grosso modo, movim en­tam o comércio de João Câmara, tanto os pequen os estabeleci mentos quanto aqueles maiores , demodo que se tirarmos a renda gerada por essas duas categorias, o comércio da cidade não resiste.

Também exerce significativa importância para a intensificação dos circuitos em João Câmaraa situação geográfica de primazia que a cidade se encontra dentro da rede urbana da região de Bai­xa Verde, ou seja, as relações que a cidade desenvolve com o seu entorno emergem como pontofundamental para entendermos a dinâmica de sua economia urbana. Santos ( 1980, p . 157), en fatizaa necessidade de compreendermos um a cidade em relação com a rede urbana na qual se insereao dizer que "as pesquisas feitas na perspectiva do acondicionamento do território mostram que,quando se quer conhecer a realidade viva de uma economia urbana, é preciso conside rar o conjuntodali células ur banas de uma dada região".

Essa influência sobre as demais cidades da rede se dá, sobretudo no que con cerne às atividadcsde comércio e de serviços, uma vez que parte da população dessas cidades v izinhas encontra emJoão Câmara o Iócus para a realização do consumo. De acordo com os comerciantes, entre 25%e 30% do público que consome no comércio local são de pessoas oriundas de cidades 'viz inhas,sendo que as cidades que apresentam uma maior conexão espacial com João Câmara são as quecompõem a Região de Baixa Verde, a saber: Poço Branco, Parazinho, Bento Fernandes e Jandaira.Também constatamos que populações de outras cidades também se deslocam para João Câmara parasatisfazerem suas necessidades (mapa 2 ), o que somente vem a confirmar a dinâmica dos circuitosexistente nessa cidade, bem como o papel de João Câmara na rede u rbana regional, ou ainda podenos revelar que a influência dessa cidade não se resum e somente aos municípios da região da qualela é a cidade principal, mas atinge outras cidades.

Embora a procura ocorra pelos mais variados tipos de estabel ecimentos, constatamos que essaspopulações buscam com maior inten sidade aqueles do sctor moveleíro, de eletrodomésticos , deroupas e de aparelhos de telefonia móvel. De modo geral, a procura ocorre com maior ênfase noperíodo que compreende o final e o iníc io de cada mês : além disso, a feira livre de João Câmara étambém bastante movimentada , principalmente, por aquelas populações que vivem nas áreas ruraisdesses muni cípios e que se deslocam para esse espaço em busca de alimentos e roupas. De acordocom um comerciante, possuidor de um pequeno mercadinho, os dias de feira são os mais intensosdo comércio, sobretudo porque nesses dias a circulação de pessoas pelas ruas da cidade é mais deduas vezes maior que às dos dias normais.

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Desse modo, o grande fluxo de pessoas que circulam diariamente na cidade, mas, principal­mente, no dia da feira semanal, está diretamente relacionada à influencia que esta cidade exe rcesobre aquelas que estão ao seu entorno, dado a sua maior dinâm ica para o comércio e serviços.

Não obstan te, é preciso aten tar que os circuitos se retroalimentam, de modo que a massa desalários gerada em wn circuito acaba fomentando o con sumo no âmbito do sistema como um todo.No caso de João Câmara, como temos uma enorme predominância do c ircuito inferior, é este como seu montante de renda gerado , que mais alimenta, tanto o seu próprio crescimento, quanto o docircuito superior. Quanto ao consumo neste circuito, podemos ex emplificar com o caso do pequenocomerciante ou do proprietário da cigarreira que compra a motocicleta em uma das conce ssioná­rias da cidade . Nesse sentido, trata-se de uma intera ção entre o s circuitos , situação que somentecomprova uma assertiva de San tos (2008, p. 26 1), segundo a qual "os do is circuitos não são doissistemas isolados e impermeáveis entre si, mas, ao contrário, estão em interação perm anente".

Em síntese, essas variáveis, quando tomadas em conjunto, nos permitem compreender comoe porque os circuitos da economia, mas principalmente, o circuito inferior vem se ex pandindo nacidade de João Câmara; além do mai s revelam que dependendo do contex to analisado , novas va­riáveis podem vir à tona para explicação dos circ uitos.

OS CIRCUITOS DA ECONOMIA E SUA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL NO MUNiCípIO DEJOÃO CÂMARA

Com base no que já foi exposto, podemos dizer que ao mesmo tempo em que presenciamosa intensificação do processo de urbanização da sociedade (SANTOS, 2005), temos urna expansãoacentuada do circuito inferior da economia, sobretudo porque o atual processo de urbanizaçãoé, cada vez mais, guiado pelas lógicas de reprodução desigual e combinada do capital (SMITH,1996) , que faz com que as atividades ma is modernas, típicas do circuito superior, se concentremnas reg iões metropolitanas e nas cidades mais dinâmicas do territ ório nac ional, ficando as demaiscidades, na maioria das vezes, excluídas desse processo . Todavia, isso não quer dizer que es sascidades não tenham ativida des do circuito superior, o fato é que estas se apresentam, v ia de regra,de maneira pon tual , de modo que na economia urbana dessas cidades prevalecem as form as detrabalho típ icas do circuito inferior.

Em João Câmara , como na maioria das cidades do territó rio potiguar, esta realidade se faz can­dente, pois é cada vez mais intensa a presença do circuito inferior, com destaque para os pequenoscomércios e estabelecimentos de prestação de serviços , que estão presen tes em diversos subespa çosda cidade. Do total de estabel ecim entos existentes, con forme já pontuado, calculamos que cerca de95% faz parle do que se chama de circuito inferior da economia urbana, dado que apresentam os seusprincipais elementos constitutivos, tais como: organização precária, baixo índice de capitalizaçãoe de incorporação tecnológica. Esses números , além de demonstrarem a importância desse circuitona d inâmica territorial de João Câmara, também nos revelam o peso desse circ uito na absorção demão de obra na cidade, mesmo que parte considerável desses emprego s sej am precários

Nesse sentido, constatou-se que do total de empregos ex istentes na cidade, mais 50% não ga­rantem os dire itos fundamentais do trabalhador, e, em alguns caso s, nem mesmo o salário mínimo égarantido. A análise com base nos dados do MTE (2010), que tem como enfoq ue central a questãoda Forma lidade e Informali dade das atividades, também aponta nesse sen tido , dado que apresentaque aproximadamente 60% dos postos de trabalho existentes na cidade estão em condições deinformalidade. Mesmo sabendo que este enfoque está permeado por diversas inconsistências tan todo ponto de vista teórico quanto empírico, conforme demonstraram San tos ( 1979), Silveira (2004)e Montenegro (2009), sobretudo, por que não considera as relações de complementaridade contra­ditó rias existentes entre as atividades económicas (formais e informais); ele nos revela a situaçãode precariedade das formas de trabalho existentes em João Câmara.

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Tais formas precárias de trabalho encontradas na cidade em questão, somente vêm comprovara relação contradi tóri a que permeia a formação e dinâmica dos dois circuitos da economia, e, emparticular, do circuito inferior, uma vez que ao me smo tempo em que ele pod e func ionar como umaestrutura de abrigo para os segmentos mais pobres da cidade , o mesmo também reproduz a situa­ção de pobreza dessas pessoas, porque além delas serem dcsassi stldas dos direitos mais básicos dotrabalhador, os seus ganhos somente permitem a reprodução mínima de sua existência .

O aumento no número empregos também nos revela a dinâmica dos circuitos da economia nacidade de Jo.1.0 Câmara, principalmente o circuito in ferior, pois a maior parte desses empregos estádirctamentc relacionada a esse circuito . De acordo com dados do MTE (2010), podemos constatarque a partir de 2002 o número de empregos pa ssa a ter sucessivos anos elevação em suas taxas.Mesmo registrando-se um rec uo nos anos 2004 e 2006, o acréscimo no n úmero de empregos vai severifi car até o presente ano . O período de m aior intensidade desse aumento do emprego urbano sedá no triénio que compreende os anos 2007/2008/2009 (Figura 2). Vale destacar que é j ustamentenesse momento que a renda da sociedade brasileira passou por uma elevação, o que, por consequ­éncia, pode ter funcionado como estímulo para o aumento de consumo.

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Fome: Elaboração própria a partir de dado s do Ministério do Trabalho

A dinâmica desses circuitos para a economia de João Câmara também é revelada a partir deuma aná lise da renda gerada no município em sua tota lidade. Com bas e nos dados existentes,constatamos que os dois circuitos respondem por aproximadamente 9Q'J/Ó (IBGE, 2010) da rendagerada em João Câmara , sendo que o comércio é o que apresenta uma maior dinâmica. Realizandoum cruzamento entre os dados MTE (2010) e do IBGE (20 1O), conclui-se que do tota l de empregosexistentes na cidade, cerca de 45% provém do comércio, ta l número somente revela o quanto essaatividade é importante na absorção de mão de obra.

Essa maior expressividade do comércio dá-se tanto porque João Câmara sempre teve umatradição para essa atividadc económica desde os tempos do algodão e do agave, quanto porque,conforme afuma Salgueiro ( 1989, p . 158), "em termos económicos a actividade comercial é a maisrelevante na circulação económ ica do capita l, po is é através da venda que o capita l-mercadoria setoma a converter no capital-dinheiro, indispensável á prossecução de novo ciclo produtivo".

Como o circuito inferior é o que apresenta maior expansão na cidade, pudemos constatarque essa expansão está se realizando por meio de uma p ulverização das atividadcs económicas ecom uma consequente expansão dos micronegócios ou dos micros estabe lecim entos. Aliás, Santos(2009) já havia dest acado que a pulverização das atividadcs económicas é um a característica es­sencial do circuito inte rior. Assim, João Câmara conta com in úmeros pequenos estabelecimentos,

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os quais, em muitos casos , só abrigam um funcion ário que pode ser o próprio proprietário ou umparente seu (filho ou c ônj uge). Nesses estabel ecimentos, o predomínio do traba lho familiar, dabaixa incorporação de capital, tecnologia e de informa ção é wna realidade concreta, de modo quetemos ai o desenvolvimento de uma atividade económica, na qual o que é inten so é o trabalho dosfuncion ários, o que não deixa de ser wna contra-racionalidade (SILVEIRA, 2004), tendo em vistaas características do período atual.

Mesmo que a cidade tenha espraiado o seu tec ido urbano o que, por consequência, fez surgirinúmeros pequenos estabelecimentos em suas áreas mais periféricas, principalmente os comérciosde gêneros alimentício s (as bodegas ou mercearias), a área central, as suas adjacência s e as ruasque estão imediatamente conectadas a es se núcleo urbano, são os espaços que se aprese ntam comoo lócus mais dinâmico da economia de João Câmara. De modo geral, podemos dizer que é nessaporção da cidade que o circuito inferior evidencia toda a sua diversidade, dado apresentar concen­tração significativa de estabel ecim entos.

Na área central de João Câmara é possível encontrar diversas formas de trabalho que tantoadaptam o meio construido às suas necess idades, como é o caso de inúmeras residências que setornaram pequenos comércios, quanto as que se adaptam a esse meio constnúdo, principalmenteno que concerne a busca por localidades próximas às vias mais dinâmicas dessa área.

Autores como Santos (2008 ) e Correa (2006) já demonstraram, de diferentes formas, a im­portância da área central para a configuração espacial e dinâmica das cidades. Usando Santos(2000), como referência, podemos dizer que o centro é o espaço par exce llence das rugosidades,dado apresentar diversas divisões territoriais do trabalho sobrepostas. Nesse sentido, é necessário

'l........ apreendermos que a área central de João Câmara é a parte mais acessível da cidade e é onde asatividades económicas começaram a se desenv olver a partir da relação direta entre os fluxos depessoas, capitais e mercadorias com as determinações do meio construído. Devido a sua maiorcarga de temporalidades materializadas no espaço, o centro de João Câmara acaba influenciando alocal ização das mais variadas formas de estabelecimentos.

Desse modo, esta área central é dominada pelo comércio e serviços que se imbricam e formamum espaço de atra ção, que influencia tanto a população que deseje estabelecer alguma relação eco­nômica, quanto novo s empreendedores que intentam iniciar um novo negócio. De modo geral, estaàrea compreende as ruas Cícero Varela , Pe. João Maria, Sete de Setembro, Vereador Severiano daCâmara, Monsenhor Walfredo Gurgel bem como toda a área que circunda a Praça Baixa Verde e aPraça António Justino Souza. É nesse subespaço que se concentram cnonne quantidade de estabe­lecimentos das mais variadas naturezas, tais como: lojas de eletrodom ésricos, de movei s, de roupas,estabelecimentos de admini stração pública, redes de supermercados, pequenos mercadinhos, perfu­marias, farm ácias, concessionária de motocicletas, bancos, agências de crédito, estabelecimentos dealimentação, lojas de material de construção, de DVDs, CDs e de importados em geral . Podemosafirmar que aí os dois circu itos da economia aparecem de maneira imbricada e convivendo lado alado e, em alguns casos , disputando a mesma clientela.

Dentre as atividades estabelecidas na área central de João Câmara, destacamos inicialmenteaquelas pertencentes ao circuito inferior, mas que apresentam uma relação direta com o circuitosuperior, tais como: lojas de roupas e de calçados e os pequenos comércios CDsIDVDs. Quanto asprimeiras (lojas de roupas e de calçados) é importante destacar as colocações de Santos ( 1979) eSilveira (2004, 2007a), quando estes argumentam que um dos pilares do funcionamento do circui toinfer ior é a imitação de produtos típicos do circuito superior. Desse modo, grande parte dos produ­tos comercializados nesses estabelecimentos é, na realidade, uma reprodução daqueles produz idospelas grandes marcas internacionais (Nike, Pwna, Adidas, Yves Saint Laurent, Colcci, etc.), queapresentam considerável influência no consumo da sociedade. Assim, se reproduzem na escala dolugar, formas de consumo engendradas pela economia globalizada.

Além disso, a parti r de nossas análises, pudemos constatar que, em muitos de sses estabele ­cimentos, coexistem vários circuitos espaciais de produção . Tanto temos comerciantes que estão

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inseridos no circuito de produção de roupas de Caruaru, Fortaleza e de São Paulo, se bem que esteaparece com menor frequência: quanto aqueles que se inserem nos circuitos dos calçados das cidadesserran as do Rio Grande do Sul e do Ceará . De maneira geral, esses comerciantes fazem comprasno atacado nos comércios especializados existen tes nessas cidades ou em outras capitais, para emseguida revenderem em João Câmara.

Já os pequenos estabe lecimentos de CDs e DVDs são uma constante no espaço urbano de JoãoCâmara, sobretudo, porque no período atual eles não são procu rados somente pelos grupos sociaisque não tem condições de adqu irir p rodutos originais, mas tam bém por pessoas que apresentamamplas condições de consumo. Aliás, é cada vez mais constante o consumo de produtos do circuitoinferior pela classe média da sociedade, o que comprova a tese de Santos (2007), segundo a qualtodas as classes sociais podem consumir fora do circuito ao qual estão mais ligadas, mesmo queesse consumo seja apenas ocasional ou esporádico.

A expansão do circuito inferior em João Câmara também se dá por meio da comercializaçãode produtos típicos do circu ito superior como é o caso dos aparelhos de celular, que, a cada dia,se fazem mais presentes no seio da sociedade. De acordo com Silveira (2004), se são as grandescorporações que dominam a produção e a venda desses objetos, o restante da circulação é realiza dapor outros agentes, sendo que são aqueles pertencentes ao circu ito inferior que fazem com que essesprodutos cheguem às mãos das camadas mais pobres da sociedade.

A difusão maciça do telefone celular entre aqueles grupos sociais que realizam atividadcsnão-hegemônicas apa rece como importante instrumento de trabalho, proporcionando que estesamplie m as suas fronte iras de trabal ho e garantam, desse modo, a realização de mais negócios. Narealidade de João Câmara, a títu lo de exemplificação, podemos destacar: moto-taxistas, pedreiros,marceneiros, mercadinhos, pequenas pizzurias, entre outras formas de trabalho e de comércio, queusam diariamente esse objeto técnico como forma de realização de seus negócios. É interessantelembrar que o te lefone celu lar faz parte do rol de objetos técnicos que Milton Santos (2000) cha­mou de dóceis e flexíveis, justamente porque são passíveis de serem apropriados para finalidadesdivers as das quais foram concebida s.

É preciso destacar que a difusão maciça desse novo objcto técnico, o celular, próprio do períodohistórico atual, não só vem proporcionando a criação de pequenos estabelecimentos destinados àsua comercialização, mas também de estabelecimentos que são destinados ao conserto e manuten­ção dos aparelhos, bem como fomenta o aparecimento de um amplo mercado voltado para vendade acessórios, como: capas, baterias , bolsinhas, adesivos ctc.: ta is ativi dades são realizadas em suamaior ia por ambulantes ou pequenos comerciantes que trazem essas form as de trabalho como asua única fonte de renda.

Expressões das formas de consum o moderno que emergem nas metrópoles e representanteslegítimas do circu ito superior, as redes de eletrodomésticos e as de supermercados também fazemparte da configuração dos circuitos da economia urbana em João Câmara.

Tais redes se expandem, cada vez mais, pelo território porque praticam formas de organizaçãoque permitem compras em grandes vo lumes com melhores preços e condições na forma de paga­mento das mercadorias . Tal situação possibilita que estabeleçam melhores preços para a revenda deseus produtos, o que, quando somado à grande flexibilidade em suas formas de pagamento, funcionacomo atrativo e est ímulo ao consumo.

No caso das redes de cletrodomósticos, constatamos a existência de três, a Unilar, a MaréMansa e as Casas Fra nça . Uma característica marcante dessas redes é que elas , em muitos casos,dirccionam-sc para atender as necessidades de consumo de um público tipicamente do circuitoinferior e tentam atraí-los por meio de facilidade no crédito como uso de cam ês ou crediários, como financiamento da própria loja.

Tais redes atuam em vá rias parcelas do te rritório Potigua r e em muitos casos concorrem deigual para igual com grandes redes nacionais, como, por exemplo, a Insinua nte e a Rabelo. Em

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João Câmara, a consequência direta da expansão dessas redes , em muitos casos, é o fechame nto deinúmeros outros pequenos estabelec imentos, que não dispondo dos mesmos mecanismos de comprade mercador ias acabam sucrnnbindo diante da for te concorrênc ia.

Quanto às redes de supermercados que se fazem presentes em João Câmara, des tacamo s a RedeMais, que se consti tui num dos mais sólidos grupos de supermercados do Estado do RN. A lógicade funcionamento, bem como as consequências da inserção dessa rede na cidade são as mesmasdaquelas das rede s de eletrodom ésticos. Entretanto, des tacamos que ainda que vár ias pequenasbodegas não resistam à concorr ência estabelecida por essa rede, constatamos que muitos aindasobrevivem no mercado, graças ao desenvolvimento de relações que não se explicam pela racio­nalidade do capital. Exemplo concreto é a prática do fiado ou das "cadernetas", que na realidadeco nsiste em um crédito inform al es tabe lecido pela relação de proximi dade e de confiança entre oclie nte e proprietário do estabelecimento.

Há ainda rnna variedade de estabe lecimentos de comércio e de pres tação de serviços comosalões de cabeleireiro, bares, lanchonetes, pontos de mototáxi , loja de material de construção, deferram entas, além de pequenas merc earias e mercadinhos. Todos esses es tabelec imentos se locali­zam nos mesmos subespaços de maneira contigua, formando um espaço densamente ocupado queem dias intensos chegam a lembraras grandes cidades

É preci so des tacar que não constatamos a existência de áreas de especialização urbana em umaúnica atividade ou ramo, mas de áreas de diversificação, nas quais predomi nam múltiplos circuitosespaciais de produção conforme destaca Silveira (2004). Des se modo, fica evidenciado que nessaárea da cidade o processo de trabalho apresenta diversas formas de realização, dado que se constitui

'l........ num subespaço no qual coexistem técnicas de diversos per íodos históricosOutro ponto importante para compreensão do circuito inferio r em João Câmara é a feira livre

semana l. Correia (1981), já havia destacado o papel dessas para as cidades nordestinas, sobretudoporque elas formam wn traço de uniã o entre o campo e a cidade. Tais feiras livres apresentamgrande dinâmica territorial, pois envolvem em um mesmo espaço produtores e come rciantes dasmais variadas naturezas e de vários pontos do território, que convergem para a cidade a fim decomercializarem produtos diversos, tais como : hortifruri granj ciros, cames, peixe s, frutas, cercais,leg umes, ferram entas agricolas, roupas, calçados etc. Em suma, uma diversidade de produtos quenos revelam um intenso movime nto no territ ório, bem como a existência de múltiplos circuitosespaciais de produção que se imbricam em um mesmo espaço paraconfigurarem uma das maioresfeiras livres do territó rio potiguar.

Assim, a feira livre semanal de João Câmara representa o momento de maior d inâmica do co­mércio da cidade não somen te para aqueles que possuem bancas na própria feira, mas também paratodo comércio da cidade. De acordo com um comerciante local , a feira livre semanal representa de30% a 40% de todo o seu faturamento mensal. rsto se deve ao fato de que a circulação na cidade émui to intensa, tanto a parti r de fluxos populacionais adv indos da área rural de João Câmara, quantodos vários municípios que estão sob a influência da cidade.

Além da área central e da feira livre, outro subespaço que apresenta intensa dinâmica ter­ritorial na cidade são as margens da Rodovia BR 406, que tem em João Câmara um importanteponto de apoio para inúmeros caminhoneiros e comerciantes que circulam diariamente por essaRodovia. Aliás, a BR 406 é um dos principais espaços de fluxos do território potiguar, dado fazeruma intera ção espacial da região metropolitana de Natal com a região de Macau , e a cidade de JoãoCâmara, por estar localizada às margens desse subespa ço, apresenta um número consideráve l deestabelecimentos que se relacionam com os fluxos que cortam essa rodovia federa l.

Este trecho da cidade abriga uma significativa quantidade de pequenos res taurantes, lanchonetes,pousadas, oficinas e pos tos de combustiveis que atendem wn público bastante diversificado. Sãoum total de 7 postos de combustiveis de várias bandeiras nacionais e mundiais (A le, Esso, Pe tro­bras, por exemplo) e mais de 20 estabel ecimentos entre pousadas e restaurantes, situados somenteàs margens da Rodovia BR 406. É preciso des tacar que esse considerável número de pos tos de

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combustíveis e pousadas dá-se também pela situação geográfica de João Câmara na rede urbana damicro região de Baixa verde, uma vez que a maio ria dos comerciantes responsáveis pelas revenda 'i

nos muni cípios da região tem na cidade um ponto de apoio permanente.A cidade de João Câmara também apresenta alguns espaços mais voltados para a realiza ção

de funções mais modernas da cidade contemporânea , através da existência de atividades que seorientam de acordo com a atual divisão internacional hegem ônica do trabalho (SILVEIRA, 2004).Desse modo, constatamos que o circuito super ior também se faz presente na economia de JoãoCâmara, por meio da presença de duas grandes concessionárias de motocicletas multinacionais:as empresas Honda e Yamaha. A existência dessas empresas mundiais na cidade de João Câmara,oco rre porque no período histórico atu al os espaços estão cada vez mais abertos aos investi mentosdo exterior (ISNARD, 197R).

Lembramos também que a presença dessas empresas no município de João Câmara vem pro­porcionando uma intensa expansão de moto cicletas, não so mente na cidade em foco , que apresentauma das maiores frota'i de todo estado , mas também nos municípios que estão em seu entorno . Deacordo com dados do IBGE, em 2010 o município de João Câmara tinha 2.733 motocicletas: talnúmero sofreu um incremento de aproximada mente 150 motocicletas, se considerarmos o ano de20 11.Tal expansão encontra nexo na difusão dos sistem as de crédito s que facilitam sobremaneira oconsumo desses objeto s técnicos, espec ialm ente para os aposentados e para aquel es que apresentamuma renda fixa e que tem , desse modo, a oportun idade de realizar diversas formas de financiamento.

Esses espaços organizados verticalmente, embora sejam portadores de um a racionalidade hc­gcruônica, pa ri passu, com os interesses das grandes corporacões. vem engendrando esp aços quesão organizados horizontalmente, pois atendem aos interesses dos agentes sociais locais, sobretudo,àqueles do circuito inferior da eco nomia urbana. Assim, ao mesmo tempo em que temos em JoãoCâmara o aumento de motocicletas, número este incrementado sobremaneira após a chegada dasempresas Honda e Yamaha, constatamos o surgim ento de inúmeras pequenas lojas de peças novas,usadas e de "genéricas", que surgem para atender a esta grande demanda existente na cídade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em síntese, a problemática ora exposta evidencia que os c ircuitos adqui rem formas diversasde existê ncia que em ergem a partir da relação contraditória entre as condições socíoespaciais decada parcela do território e os eventos externos, que como diria Santos (2006), tanto tem o poderde transformar uma fração do espaço, dando-lhe um novo conteúdo, quanto sofre as interferênciasdesse mesmo espaço que muitas vezes muda sua forma de existência.

A partir do que foi explic itado podemos compreender porque nos últimos anos a economiaurbana de João Câmara vem sofrendo uma intensa expansão de suas ativi dades, principalmenteàquel as do circui to inferior da econom ia, que entendemos que abarca mais de 900/0 do total deestabelecimentos da cidade, uma vez que apresentam baixo nível de inco rporação tecnológica , deorganização e de capital.

Desse modo, constata-se que a expansão das atívi dadcs econômi eas em João Câmara estápro fundamente atrelada ao crescim ento do circu ito inferior da economia e com o aumento do con­sumo entre as camadas mais pobres da sociedade.Além disso, constatou-se que a expansão dos doiscircuitos da ec onom ia, sobretudo o circuito infe rior, tornou-se o Iócus de reprodução de diversasformas de trabalho precário, bem como o abrigo para a reprodução da existênc ia das camadas maispobres da soc iedade.

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Trabalho enviado cm maio de 2012Trabalho aceito em junho de 2012

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