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doi: 10.5102/rdi.v12i2.3707 Direito Global em Pedaços: Fragmentação, Regimes e Pluralismo Global law in pieces: Fragmentation, Regimes and Pluralism Salem Hikmat Nasser** RESUMO A ideia de que a vida passa por um processo de diferenciação funcional, e de que, como consequência, o direito torna-se crescentemente especializa- do – e talvez se transforme em sua própria natureza – é agora generalizada. Os conjuntos especializados de normas e regulamentos são muitas vezes chamados de regimes, e na esfera internacional, regimes internacionais ou transnacionais. Este artigo lida, primeiro, com três fortes representações de regimes internacionais e discute alguns de seus problemas. Sustenta que, a fim de fazer bom uso da noção de regimes, é necessário ter em mente a diferença entre o jurídico e o não jurídico no contexto amplo de governan- ça. Assim, toma-se primeiramente a noção de regimes como fragmentos de uma ordem jurídica unificada e coerente de Direito Internacional Público e, em seguida, como um ponto de encontro de regulação, de produtos re- gulatórios, emergentes de ordens jurídicas diversas e também de fontes não jurídicas. Dentro do Direito Internacional Público, regimes são vistos como relacionados ao que se chama de dupla fragmentação de ordem jurídica. Como conjuntos de instrumentos regulatórios dentro de uma regulação glo- bal mais ampla, regimes são colocados em relação a dois tipos de pluralismo legal ou regulatório. Ao final faz uma discussão dos problemas de rule of law impostos ao direito internacional pela sua fragmentação e aos problemas equivalentes em relação à regulação global. Palavras Chave: fragmentação, regimes internacionais, direito global, direi- to internacional; pluralismo legal. ABSTRACT The idea that life undergoes a process of functional differentiation, and that, consequently, law becomes increasingly specialized – and maybe even transforms in its very nature – is now widespread. The specialized clusters of law or regulation are very often called regimes, in the international arena, international or transnatio- nal regimes. This paper deals, first, with three strong representations of internatio- nal regimes and discusses some of their problems. It argues that, in order to make a good use of the category, it is necessary to keep in mind the differentiation be- tween law and non-law in the wider context of governance. It then turns, firstly, to the notion of regimes as fragments of a unified and coherent public international law order and, secondly, as meeting points of regulations emerging from different ** Professor de Direito Internacional da FGV-SP.

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doi 105102rdiv12i23707 Direito Global em Pedaccedilos Fragmentaccedilatildeo Regimes e Pluralismo

Global law in pieces Fragmentation Regimes and Pluralism

Salem Hikmat Nasser

reSumO

A ideia de que a vida passa por um processo de diferenciaccedilatildeo funcional e de que como consequecircncia o direito torna-se crescentemente especializa-do ndash e talvez se transforme em sua proacutepria natureza ndash eacute agora generalizada Os conjuntos especializados de normas e regulamentos satildeo muitas vezes chamados de regimes e na esfera internacional regimes internacionais ou transnacionais Este artigo lida primeiro com trecircs fortes representaccedilotildees de regimes internacionais e discute alguns de seus problemas Sustenta que a fim de fazer bom uso da noccedilatildeo de regimes eacute necessaacuterio ter em mente a diferenccedila entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico no contexto amplo de governan-ccedila Assim toma-se primeiramente a noccedilatildeo de regimes como fragmentos de uma ordem juriacutedica unificada e coerente de Direito Internacional Puacuteblico e em seguida como um ponto de encontro de regulaccedilatildeo de produtos re-gulatoacuterios emergentes de ordens juriacutedicas diversas e tambeacutem de fontes natildeo juriacutedicas Dentro do Direito Internacional Puacuteblico regimes satildeo vistos como relacionados ao que se chama de dupla fragmentaccedilatildeo de ordem juriacutedica Como conjuntos de instrumentos regulatoacuterios dentro de uma regulaccedilatildeo glo-bal mais ampla regimes satildeo colocados em relaccedilatildeo a dois tipos de pluralismo legal ou regulatoacuterio Ao final faz uma discussatildeo dos problemas de rule of law impostos ao direito internacional pela sua fragmentaccedilatildeo e aos problemas equivalentes em relaccedilatildeo agrave regulaccedilatildeo global

Palavras Chave fragmentaccedilatildeo regimes internacionais direito global direi-to internacional pluralismo legal

abStraCt

The idea that life undergoes a process of functional differentiation and that consequently law becomes increasingly specialized ndash and maybe even transforms in its very nature ndash is now widespread The specialized clusters of law or regulation are very often called regimes in the international arena international or transnatio-nal regimes This paper deals first with three strong representations of internatio-nal regimes and discusses some of their problems It argues that in order to make a good use of the category it is necessary to keep in mind the differentiation be-tween law and non-law in the wider context of governance It then turns firstly to the notion of regimes as fragments of a unified and coherent public international law order and secondly as meeting points of regulations emerging from different Professor de Direito Internacional da

FGV-SP

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legal orders as well as from other non-legal sources Within public international law regimes are seen as related to what is called the double fragmentation of that legal order As clusters of regulation within a wider global regulatory order regimes are put in relation to two types of legal or regulatory pluralism At the end it discusses de issues related to the rule of law within international law and its fragmentation process and also the equivalent issues concerning global regulation

Keywords fragmentation international regimes global law international law legal pluralism

1 intrODuccedilatildeO

A literatura acadecircmica mais recente sobre o direito internacional tem sido preenchida com referecircncias a no-ccedilotildees como fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes

Entender o debate nelas centrado e construir con-ceitos competentes de uma ou outra das noccedilotildees de modo a avaliar sua utilidade e ou os riscos que trazem agrave tona natildeo satildeo tarefas que se apresentam faacuteceis

A literatura me parece eacute rica em incertezas em confusatildeo e em perspectivas embaralhadas Nesse ambiente e para natildeo dizer nada por ora sobre fragmentaccedilatildeo e pluralismo regimes recebem por vezes o que parecem ser definiccedilotildees claras mas que ao menos em alguns casos natildeo satildeo apropriadas agraves cons-truccedilotildees teoacutericas em que se inscrevem Mais do que isso ainda que se tenha clareza conceitual eacute particularmente difiacutecil iden-tificar na praacutetica os regimes tais como satildeo definidos e as suas relaccedilotildees tais como satildeo descritas

Aleacutem dessa fragilidade de conceitos e de consistecircn-cia quando se abordam os temas da fragmentaccedilatildeo do pluralismo ou dos regimes muito cedo se encontra um outro problema de consideraacutevel relevacircncia e dificulda-de Esse problema combina a transformaccedilatildeo do direito (internacional) a sua relaccedilatildeo com outros instrumentos ou sistemas regulatoacuterios e o lugar que ele ocupa na re-gulaccedilatildeo da vida na arena internacional

Na verdade a ideia geral de que direito e regulaccedilatildeo1

1 Regulaccedilatildeo eacute termo que pode receber mais de um sentido alguns mais geneacutericos e outros mais especiacuteficos Pode vir relacionado por exemplo ao direito administrativo e referir-se agraves normas produzidas por oacutergatildeos dotados de poder delegado pelo Estado e que organizam determinados setores da economia ou participam de determinadas poliacuteticas puacuteblicas Em sentido mais geral pode significar o ato ou o produto da atividade de criar regras e normas Eacute nesse sentido mais abrangente como conjuntos de normas e regras prescriccedilotildees que

tendem a se reorganizar em blocos relativamente autocirc-nomos para responder agrave complexidade da vida traz agrave luz o fato de que as normas pertencentes a um sistema juriacutedico passam a constituir fragmentos organizados em torno de temas e de que o direito pertencente a um sis-tema juriacutedico se combina com aquele pertencente a ou-tros sistemas assim como o direito formal se combina com regulaccedilatildeo de outras naturezas de modo a governar aacutereas especiacuteficas da vida

Os regimes entendidos em certos sentidos cons-tituem combinaccedilotildees aacutereas de confluecircncia de vaacuterios sistemas legais ou aacutereas de convergecircncia de direito e de regulaccedilatildeo surgida de uma multiplicidade de fontes inclusive privadas e cuja natureza juriacutedica ou outra eacute objeto de polecircmica

A polecircmica eacute provavelmente o resultado de uma dupla frustraccedilatildeo ou de uma dupla ambiccedilatildeo ao desco-brirem que o direito ndash o que usualmente se entende por direito ndash natildeo regula senatildeo uma pequena porccedilatildeo da vida juristas sentem a necessidade de alargar o escopo de seu objeto de estudos frequentemente no entanto desconfortaacuteveis ao lidar com o natildeo-direito sentem a ne-cessidade de chamar direito o que usualmente natildeo seria entendido como sendo tal

Quer sejam pensados como instacircncias de fragmen-taccedilatildeo de uma ordem juriacutedica dada ou como elementos de um ambiente regulatoacuterio plural os regimes ndash juriacutedi-cos ou regulatoacuterios e no nosso caso internacionais ou transnacionais ndash representam desafios para a qualidade da ordem juriacutedica ou do ambiente regulatoacuterio ou seja desafios agrave construccedilatildeo do rule of law

Comeccedilo a discussatildeo desses temas com um capiacutetulo que parte da noccedilatildeo de diferenciaccedilatildeo funcional e da in-fluecircncia que ela exerce sobre a ideia de regimes juriacutedicos internacionais ou transnacionais (Capiacutetulo I) Esse capiacute-tulo se ocupa essencialmente com explorar trecircs repre-sentaccedilotildees fortes dos regimes no espaccedilo internacional ou global e aponta para os seus problemas de inconsis-tecircncia e de contaminaccedilatildeo muacutetua

O capiacutetulo II se deteacutem na discussatildeo de um tema que subjaz a compreensatildeo que aqui se estaacute tentando do panorama da organizaccedilatildeo do mundo por normas reunidas em aglomerados em torno de problemas espe-ciacuteficos qual seja a relaccedilatildeo entre o direito e a noccedilatildeo de

podem natildeo ser juriacutedicas que o termo eacute usado aqui Tratarei mais adiante do tema em maior detalhe

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governanccedila e a necessidade de distinguir o juriacutedico do natildeo juriacutedico de distinguir o que pertence a uma ordem juriacutedica do que natildeo pertence

O capiacutetulo III cuida dos regimes enquanto manifes-taccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico Discuto ali o que identifico como os dois tipos de frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e apoacutes demonstrar a dificuldade de identificar e delimitar os regimes exploro o modo como o direito internacional resolve os con-flitos entre regimes ou dentro de um mesmo regime conflitos esses que tendem a ser apresentados sob uma luz um pouco distorcida

Jaacute o capiacutetulo IV lida primeiramente com os dois tipos de pluralismo juriacutedico que identifico no panorama da regu-laccedilatildeo das relaccedilotildees internacionais ou transnacionais aquele em que as unidades baacutesicas satildeo as ordens juriacutedicas e aquele em que satildeo os regimes os elementos constitutivos Partin-do da ideia de que regimes podem ser tambeacutem pontos de convergecircncia agregados de normas e organizaccedilotildees perten-centes a diferentes ordens juriacutedicas e de outros tipos de re-gulaccedilatildeo assim como podem mais raramente consistir em sistemas fechados de um tipo uacutenico de regulaccedilatildeo o capiacutetulo apresenta um quadro das formas de regulaccedilatildeo diversas di-ferentes do direito internacional e se vale para isso da lite-ratura sobre Global Administrative Law e Transnational Private Regulation

Finalmente no capiacutetulo V discuto a noccedilatildeo de rule of law e as suas funccedilotildees baacutesicas face a uma ordem juriacutedi-ca fragmentada o direito internacional puacuteblico e face a um ambiente regulatoacuterio global em que a accedilatildeo regula-toacuteria eacute empreendida por atores diversos e em processos que impactando o interesse puacuteblico natildeo se submetem necessariamente a mecanismos de controle e natildeo estatildeo sujeitos a exigecircncias de transparecircncia e responsividade

2 DiferenCiaccedilatildeO funCiOnal ndash nOccedilatildeO De regi-meS internaCiOnaiS

A vida nos eacute dito estaacute ficando crescentemente fragmentada Por meio de algo chamada lsquodiferenciaccedilatildeo funcionalrsquo as sociedades estariam sendo divididas em inuacutemeros setores organizados em torno de conjuntos de interesses temas saberes especiacuteficos Isto seria igual-mente verdade para as sociedades nacionais e para aque-

la internacional ou global2

Esses segmentos da sociedade demandariam ou ten-deriam a produzir ou ao menos provocariam a produ-ccedilatildeo de regulaccedilatildeo setorialmente especiacutefica As normas regras e possivelmente as instituiccedilotildees as organizaccedilotildees ou oacutergatildeos3 constitutivos desses conjuntos de regulaccedilatildeo especiacuteficas a cada setor apareceriam e tenderiam a ser vistas como conjuntos distintos e diferenciados razoa-velmente autocircnomos

Esses conjuntos de normas e instituiccedilotildees podem ser vistos e o seratildeo como constituindo ou fragmentos de uma uacutenica mas fragmentada ordem juriacutedica ou como uma variedade de ordens juriacutedicas em um ambiente juriacutedico pluraliacutestico Eles seriam expressatildeo ou de frag-mentaccedilatildeo ou de pluralismo juriacutedico ou de ambos Isto eacute claro se presumido o caraacuteter juriacutedico das regras ou normas que constituem o conjunto De outra forma falar-se-ia de fragmentaccedilatildeo de uma ordem regulatoacuteria ou de pluralismo regulatoacuterio

Quer sejam entendidos ou percebidos como partes diferenciadas de um uacutenico sistema juriacutedico ou como or-dens juriacutedicas independentes esses conjuntos regulatoacute-rios tendem a ser chamados lsquoregimes juriacutedicosrsquo

Porque a fragmentaccedilatildeo da vida e da sociedade natildeo acontece apenas no interior das sociedades domeacutesticas nacionais mas eacute um fenocircmeno que atinge o que eacute agora uma esfera social global unificada (em outro sentido) esses regimes juriacutedicos satildeo tambeacutem internacionais ou transnacionais ou globais

Eacute a existecircncia de algo chamado regimes juriacutedicos ndash ou regulatoacuterios ou de governanccedila ndash internacionais ndash ou transnacionais ndash que serve como desculpa para o que seguiraacute nas proacuteximas paacuteginas No entanto em ambiente saturado por saacutebia literatura sobre fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo juriacutedico talvez haja a necessidade de uma justi-ficaccedilatildeo para o que seguiraacute

2 Esta eacute uma famosa afirmaccedilatildeo trazida em partes dentro de dis-cussatildeo de GuntherTeuber Ver por exemplo TEUBNER G Glob-al Bukowina Legal Pluralism in the World Society In TEUBNER G (Ed) Global Law in the World Society Dartmouth Aldershot 1997 p 3-28 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 20043 Tambeacutem os termos instituiccedilatildeo ou instituiccedilotildees podem cobrir mais de um significado Eles satildeo usados aqui no sentido que mais se aproxima de organizaccedilatildeo ou oacutergatildeo querendo significar loci institu-cionais para a produccedilatildeo de normas ou para a sua implementaccedilatildeo ou para a soluccedilatildeo de controveacutersias

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O fato eacute que embora a descriccedilatildeo da realidade que veio sendo discutida seja razoavelmente acurada muitas variaacuteveis muito importantes permanecem desconheci-das ou sem resposta Por exemplo haacute alguma concep-ccedilatildeo de direito subjacente agrave discussatildeo que nos diraacute se e quando a regulaccedilatildeo que constitui o regime eacute juriacutedica Se existe qual eacute essa concepccedilatildeo do direito Haacute uma acei-taccedilatildeo da necessidade de diferenciar a regulaccedilatildeo juriacutedica daquela natildeo-juriacutedica ou ao contraacuterio dispensa-se essa necessidade Como eacute possiacutevel identificar uma norma ou uma instituiccedilatildeo como pertencente a um regime especiacute-fico Como se pode reconhecer os contornos de um regime Quais os criteacuterios usados se os haacute para identi-ficar o regime como sendo parte de uma ordem juriacutedica mais ampla e quais aqueles que o qualificam como uma ordem juriacutedica autocircnoma

Respostas a estas e outras perguntas podem apare-cer explicita ou implicitamente em parte da literatura sobre fragmentaccedilatildeo ou pluralismo Frequentemente natildeo aparecem ou natildeo se mostram cristalinas ao leitor

De todo modo quer as respostas apareccedilam claras ou natildeo eacute fato que essas questotildees constituem pontos de divergecircncia ou de desencontro entre autores que escre-vem sobre os fenocircmenos da fragmentaccedilatildeo do pluralis-mo e dos regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios Ao respon-derem de modos divergentes a essas questotildees centrais ou ao apresentarem atitudes diferentes em relaccedilatildeo a elas ndash alguns ignorando-as como desimportantes ou-tros respondendo com firmeza e outros ignorando sua existecircncia ndash os autores estatildeo na verdade construindo ou descrevendo realidades diferentes

Descrevem realidades diversas quando ao olharem a partir de perspectivas distintas para algo que existe levam em conta o que se encontra dentro de seu campo de visatildeo e claro excluem o que ali natildeo estaacute Constroem realidades diferentes quando interpretam e fazem afir-maccedilotildees normativas sobre o que existe e eacute visto a partir de distintas perspectivas

Perspectiva eacute tudo entatildeo ou quase Pode-se julgar uma teoria sobre fragmentaccedilatildeo por exemplo e apon-tar-lhe falhas ou porque a perspectiva em que encontra sua origem fornece uma visatildeo distorcida falsa da reali-dade ou porque constroacutei uma realidade que natildeo guarda relaccedilatildeo com o que existe

Pode-se tambeacutem apontar falhas numa teoria quando suas conclusotildees natildeo satildeo consistentes com a perspectiva sobre a qual se supotildee que esteja baseada Haacute portanto

uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre a perspectiva e o real e uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre as conclusotildees e as condicionantes fundamentais de uma dada perspectiva

Para que qualquer julgamento desse tipo possa ser feito no entanto deve haver clareza sobre a perspectiva adotada

Parece-me que haacute uma cacofonia razoavelmente ensurdecedora que permeia as discussotildees sobre frag-mentaccedilatildeo pluralismo e regimes Muito frequentemente conceitos argumentos diagnoacutesticos satildeo transportados de uma perspectiva a outra sem muito cuidado com o risco de que natildeo faccedila qualquer sentido ali ou com o risco de que desfaccedila a coerecircncia do ponto de vista para onde eacute feita a transferecircncia Por vezes independente-mente do eventual recurso a tais empreacutestimos inapro-priados algumas leituras satildeo simplesmente desprovidas de coesatildeo interna ou satildeo ao menos pouco convincentes

A fim de comeccedilar a pintar o panorama das discus-sotildees relacionadas aos regimes apresentarei brevemente trecircs representaccedilotildees fortes da noccedilatildeo

21 Regimes na teoria das relaccedilotildees internacio-nais

A noccedilatildeo de regimes internacionais apareceu e se de-senvolveu primariamente na teoria das relaccedilotildees interna-cionais Nesse campo a publicaccedilatildeo em 1983 de um livro editado por Stephen Krasner emoldurou o debate sobre a existecircncia a definiccedilatildeo e as funccedilotildees de regimes interna-cionais O livro organizou o que era agrave eacutepoca o estado da arte na mateacuteria e desde entatildeo continuou sendo uma re-ferecircncia necessaacuteria para quem quer que estude o tema4

Ali regimes internacionais satildeo vistos como uma possiacutevel ferramenta para a explicaccedilatildeo do funcionamen-to das relaccedilotildees internacionais A discussatildeo eacute centrada no possiacutevel papel dos regimes enquanto variaacuteveis que atuariam como intermediaacuterios entre as determinantes causais baacutesicas do comportamento e as resultantes e o efetivo comportamento

Uma definiccedilatildeo eacute oferecida regimes seriam lsquoconjun-tos de princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo impliacutecitos ou expliacutecitos em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em

4 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983

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uma dada aacuterea das relaccedilotildees internacionaisrsquo5

Os termos da definiccedilatildeo satildeo assim explicados lsquoPrin-ciacutepios satildeo crenccedilas de fato de causa e de retidatildeo Normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e obrigaccedilotildees Regras satildeo prescriccedilotildees ou proscri-ccedilotildees especiacuteficas de accedilatildeo Procedimentos de tomada de decisatildeo satildeo praacuteticas prevalentes para a feitura e a imple-mentaccedilatildeo de escolhas coletivasrsquo6 Nem essa definiccedilatildeo de regimes nem aquela de suas partes constitutivas eacute aceita por todos sem restriccedilotildees No entanto podem ser retidas como definiccedilotildees operativas working definitions7 e satildeo em todo caso definiccedilotildees referenciais

As posturas que os estudiosos das relaccedilotildees interna-cionais adotam em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de regimes em relaccedilatildeo ao papel que estes desempenham e em relaccedilatildeo agraves determinantes de sua existecircncia variam de acordo com a sua abordagem teoacuterica subjacente a partir da qual estudam o funcionamento da sociedade internacio-nal As diferenccedilas podem ser vistas em essecircncia como relacionadas ao papel do direito ou da regulaccedilatildeo ndash prin-ciacutepios normas regras ndash nas relaccedilotildees internacionais

Este aspecto fundamental da concepccedilatildeo de regi-mes que tem a teoria das relaccedilotildees internacionais apare-ce claramente regimes internacionais satildeo normativos regulatoacuterios juriacutedicos em sua natureza mesma Falar entatildeo sobre regimes lsquojuriacutedicosrsquo internacionais seria em certa medida pleonaacutestico Mas aqui o direito estaacute sen-do olhado desde fora como um produto das dinacircmicas que governam as relaccedilotildees na cena internacional e como uma possiacutevel condicionante dos comportamentos e re-sultados Natildeo se trata de uma discussatildeo juriacutedica sobre o direito mas de uma discussatildeo poliacutetica

5 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquosets of implicit or explicit principles norms rules and decision-making proce-dures around which actorsrsquo expectations converge in a given area of international relationsrsquo(KRASNER 1983)rdquotitlerdquo ldquoStructural causes and regime consequences regimes as intervening vari-ablesrdquo ldquotyperdquo ldquochapterrdquo ldquourisrdquo [ ldquohttpwwwmendeleycomdocumentsuuid=826f40ad-f706-4e72-8f96-08683c832d4brdquo ] ] ldquomendeleyrdquo ldquopreviouslyFormattedCitationrdquo ldquo(KRASNER 19836 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cornell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquoPrinciples are beliefs of fact causation and rectitude Norms are standards of behaviour de-fined in terms of rights and obligations Rules are specific prescrip-tions or proscriptions of action Decision-making procedures are prevailing practices for making and implementing collective choicersquo7 HANSENCLEVER A MAYER P RITTBERGER V Theo-ries of international regimes Cambridge Cambridge University Press 1997 p 13

Outro aspecto importante da discussatildeo neste terre-no eacute o fato de que apesar da definiccedilatildeo geral falar em lsquoexpectativas dos atoresrsquo ela estaacute centrada no compor-tamento e nas expectativas dos Estados Os Estados satildeo vistos como os atores centrais das relaccedilotildees internacio-nais e os regimes internacionais satildeo vistos como aqueles conjuntos de princiacutepios normas regras e procedimen-tos de tomada de decisatildeo produzidos pelos Estados e destinados a influenciar as expectativas e o comporta-mento dos Estados

Finalmente devo sublinhar um aspecto central dos regimes tal como definidos aqui esses conjuntos de princiacutepios normas etc governam aacutereas ou setores espe-ciacuteficos das relaccedilotildees internacionais8 Estaacute claro portanto que a discussatildeo de regimes que faz a teoria das relaccedilotildees internacionais natildeo estaacute preocupada ao menos natildeo de modo particular com a existecircncia funccedilatildeo ou unidade de um sistema juriacutedico constituiacutedo pelos vaacuterios regimes ou a eles sobreposto

Enquanto se esforccedila para explicar as interaccedilotildees entre Estados e identificar o caminho que leva das variaacuteveis causais baacutesicas ao correspondente comportamento ou resultante a teoria das relaccedilotildees internacionais olha para aglomerados conjuntos de instrumentos regulatoacuterios organizados em torno de temas especiacuteficos tais como seguranccedila meio ambiente comeacutercio etc

Vistos pelos teoacutericos das relaccedilotildees internacionais regimes internacionais aparecem essencialmente como conjuntos regulatoacuterios constituiacutedos por normas e orga-nizaccedilotildees que satildeo parte do que se conhece usualmente como direito internacional puacuteblico apesar de que ne-nhum esforccedilo particular eacute feito para verificar se de fato essas normas e organizaccedilotildees pertencem a essa ordem juriacutedica e correspondem aos cacircnones que aos olhos do proacuteprio direito internacional fazem desta ordem juriacutedi-ca um todo coerente

Esses traccedilos baacutesicos dos regimes internacionais ndash normas e organizaccedilotildees criadas ou produzidas pelos Estados e destinados a regular o comportamento dos Estados correspondendo agraves caracteriacutesticas do direito internacional puacuteblico organizadas em torno de temas especiacuteficos ndash satildeo os que resultam da literatura sobre re-laccedilotildees internacionais Mas regimes natildeo precisam neces-sariamente ser vistos assim e de fato natildeo o satildeo sempre

8 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 1

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nem por todos Outras concepccedilotildees de regimes interna-cionais existem

22 A concepccedilatildeo de regimes da teoria social

Uma concepccedilatildeo diferente de regimes pode ser en-contrada entre aqueles que enxergam a emergecircncia de um direito global que eacute fragmentado em diversos re-gimes diferenciados funcionalmente correspondendo a setores especiacuteficos do tecido social9

Essa visatildeo ancorada numa perspectiva de teoria so-cial vecirc o direito como uma realidade transformada Ele jaacute natildeo seria normativo nem fundado no territoacuterio O direito seria agora cognitivo e desprovido de qualquer capacidade de unidade10 Sua organizaccedilatildeo tradicional de acordo com territoacuterios nacionais estaria dando lugar a um direito fragmentado segundo linhas sociais setoriais os setores sendo economia ciecircncia e outros tantos11

Esses regimes setoriais porque constituiriam esse direito global que eacute diferente em sua essecircncia mesma satildeo pensados mais como transnacionais do que como internacionais12

Diferem ou pensa-se que diferem dos regimes in-

9 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100010 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100011 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1006-1007Diferentemente desta abordagem Gabriela Garcia Batis-ta Lima explora uma utilidade do conceito de governanccedila originado das relaccedilotildees internacionais como institucionalizaccedilatildeo para o estudo de um direito que cada vez mais inclui relaccedilotildees natildeo estatais As-sim aborda a complementaridade e convergecircncia dos conceitos de governanccedila regimes juriacutedicos direito reflexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autorregulaccedilatildeo que satildeo colocados como ferramentas para um estudo do direito poacutes-globalizaccedilatildeo Ver LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 201412 ldquoThe traditional differentiation in line with the political princi-ple of territoriality into relatively autonomous national legal orders is thus overlain by a sectoral differentiation principle the differentia-tion of global law into transnational legal regimes which define the external reach of their jurisdiction along issue-specific rather than territorial lines and which claim a global validity for them- selvesrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Colli-sions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1009

ternacionais em vaacuterios sentidos A comunidade cogni-tiva que daria origem ao regime e suas normas natildeo eacute vista como constituiacuteda exclusivamente por Estados13 As normas satildeo em princiacutepio pensadas como juriacutedicas ou legais mas natildeo precisariam conformar-se aos cacircno-nes quer do direito domeacutestico nacional quer do direi-to internacional Os destinataacuterios das normas aqueles cujo comportamento supotildee-se que regulem natildeo seriam os Estados ou ao menos natildeo apenas os Estados mas quem quer que seja um membro da comunidade cogni-tiva ou do setor social em questatildeo14

Porque essa visatildeo dos regimes pressupotildee uma trans-formaccedilatildeo na proacutepria natureza do direito eacute apenas na-tural que se espere uma resposta para o que significa serem esses regimes (transnacionais) juriacutedicos Essa res-posta natildeo se encontra em lugar algum Ela eacute no entanto de fundamental importacircncia jaacute que para os proponentes desta perspectiva que pretendem indicar um caminho para a soluccedilatildeo das colisotildees entre os regimes eacute muito importante decidir se e quando as normas colidentes satildeo juriacutedicas e natildeo apenas normas sociais15De acordo

13 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Isso porque haacute uma consequecircncia indireta da globali-zaccedilatildeo da diferenciaccedilatildeo social ldquothe unity of global law is no longer structure-based as in the case of the Nation- State within institu-tionally secured normative consistency but is rather process-based deriving simply from the modes of connection between legal opera-tions which transfer binding legality between even highly hetero-geneous legal ordersrdquoFISHER-LESCANO ANDREAS TEUB-NER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1008 Ainda ldquo[f]or centuries law had followed the political logic of nation-states and was manifest in the multitude of national legal orders each with their own territorial juris- dic-tion Even international law which viewed itself as the contract law of Nation-States did not depart from this model The final break with such conceptions was only signaled in the last century with the rapidly accelerating expansion of international organizations and regulatory regimes which in sharp contrast to their genesis within international treaties established themselves as autonomous legal orders The national differentiation of law is now overlain by secto-ral fragmentationrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100814 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Ver tambeacutem TEUBNER 199715 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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legal orders as well as from other non-legal sources Within public international law regimes are seen as related to what is called the double fragmentation of that legal order As clusters of regulation within a wider global regulatory order regimes are put in relation to two types of legal or regulatory pluralism At the end it discusses de issues related to the rule of law within international law and its fragmentation process and also the equivalent issues concerning global regulation

Keywords fragmentation international regimes global law international law legal pluralism

1 intrODuccedilatildeO

A literatura acadecircmica mais recente sobre o direito internacional tem sido preenchida com referecircncias a no-ccedilotildees como fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes

Entender o debate nelas centrado e construir con-ceitos competentes de uma ou outra das noccedilotildees de modo a avaliar sua utilidade e ou os riscos que trazem agrave tona natildeo satildeo tarefas que se apresentam faacuteceis

A literatura me parece eacute rica em incertezas em confusatildeo e em perspectivas embaralhadas Nesse ambiente e para natildeo dizer nada por ora sobre fragmentaccedilatildeo e pluralismo regimes recebem por vezes o que parecem ser definiccedilotildees claras mas que ao menos em alguns casos natildeo satildeo apropriadas agraves cons-truccedilotildees teoacutericas em que se inscrevem Mais do que isso ainda que se tenha clareza conceitual eacute particularmente difiacutecil iden-tificar na praacutetica os regimes tais como satildeo definidos e as suas relaccedilotildees tais como satildeo descritas

Aleacutem dessa fragilidade de conceitos e de consistecircn-cia quando se abordam os temas da fragmentaccedilatildeo do pluralismo ou dos regimes muito cedo se encontra um outro problema de consideraacutevel relevacircncia e dificulda-de Esse problema combina a transformaccedilatildeo do direito (internacional) a sua relaccedilatildeo com outros instrumentos ou sistemas regulatoacuterios e o lugar que ele ocupa na re-gulaccedilatildeo da vida na arena internacional

Na verdade a ideia geral de que direito e regulaccedilatildeo1

1 Regulaccedilatildeo eacute termo que pode receber mais de um sentido alguns mais geneacutericos e outros mais especiacuteficos Pode vir relacionado por exemplo ao direito administrativo e referir-se agraves normas produzidas por oacutergatildeos dotados de poder delegado pelo Estado e que organizam determinados setores da economia ou participam de determinadas poliacuteticas puacuteblicas Em sentido mais geral pode significar o ato ou o produto da atividade de criar regras e normas Eacute nesse sentido mais abrangente como conjuntos de normas e regras prescriccedilotildees que

tendem a se reorganizar em blocos relativamente autocirc-nomos para responder agrave complexidade da vida traz agrave luz o fato de que as normas pertencentes a um sistema juriacutedico passam a constituir fragmentos organizados em torno de temas e de que o direito pertencente a um sis-tema juriacutedico se combina com aquele pertencente a ou-tros sistemas assim como o direito formal se combina com regulaccedilatildeo de outras naturezas de modo a governar aacutereas especiacuteficas da vida

Os regimes entendidos em certos sentidos cons-tituem combinaccedilotildees aacutereas de confluecircncia de vaacuterios sistemas legais ou aacutereas de convergecircncia de direito e de regulaccedilatildeo surgida de uma multiplicidade de fontes inclusive privadas e cuja natureza juriacutedica ou outra eacute objeto de polecircmica

A polecircmica eacute provavelmente o resultado de uma dupla frustraccedilatildeo ou de uma dupla ambiccedilatildeo ao desco-brirem que o direito ndash o que usualmente se entende por direito ndash natildeo regula senatildeo uma pequena porccedilatildeo da vida juristas sentem a necessidade de alargar o escopo de seu objeto de estudos frequentemente no entanto desconfortaacuteveis ao lidar com o natildeo-direito sentem a ne-cessidade de chamar direito o que usualmente natildeo seria entendido como sendo tal

Quer sejam pensados como instacircncias de fragmen-taccedilatildeo de uma ordem juriacutedica dada ou como elementos de um ambiente regulatoacuterio plural os regimes ndash juriacutedi-cos ou regulatoacuterios e no nosso caso internacionais ou transnacionais ndash representam desafios para a qualidade da ordem juriacutedica ou do ambiente regulatoacuterio ou seja desafios agrave construccedilatildeo do rule of law

Comeccedilo a discussatildeo desses temas com um capiacutetulo que parte da noccedilatildeo de diferenciaccedilatildeo funcional e da in-fluecircncia que ela exerce sobre a ideia de regimes juriacutedicos internacionais ou transnacionais (Capiacutetulo I) Esse capiacute-tulo se ocupa essencialmente com explorar trecircs repre-sentaccedilotildees fortes dos regimes no espaccedilo internacional ou global e aponta para os seus problemas de inconsis-tecircncia e de contaminaccedilatildeo muacutetua

O capiacutetulo II se deteacutem na discussatildeo de um tema que subjaz a compreensatildeo que aqui se estaacute tentando do panorama da organizaccedilatildeo do mundo por normas reunidas em aglomerados em torno de problemas espe-ciacuteficos qual seja a relaccedilatildeo entre o direito e a noccedilatildeo de

podem natildeo ser juriacutedicas que o termo eacute usado aqui Tratarei mais adiante do tema em maior detalhe

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governanccedila e a necessidade de distinguir o juriacutedico do natildeo juriacutedico de distinguir o que pertence a uma ordem juriacutedica do que natildeo pertence

O capiacutetulo III cuida dos regimes enquanto manifes-taccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico Discuto ali o que identifico como os dois tipos de frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e apoacutes demonstrar a dificuldade de identificar e delimitar os regimes exploro o modo como o direito internacional resolve os con-flitos entre regimes ou dentro de um mesmo regime conflitos esses que tendem a ser apresentados sob uma luz um pouco distorcida

Jaacute o capiacutetulo IV lida primeiramente com os dois tipos de pluralismo juriacutedico que identifico no panorama da regu-laccedilatildeo das relaccedilotildees internacionais ou transnacionais aquele em que as unidades baacutesicas satildeo as ordens juriacutedicas e aquele em que satildeo os regimes os elementos constitutivos Partin-do da ideia de que regimes podem ser tambeacutem pontos de convergecircncia agregados de normas e organizaccedilotildees perten-centes a diferentes ordens juriacutedicas e de outros tipos de re-gulaccedilatildeo assim como podem mais raramente consistir em sistemas fechados de um tipo uacutenico de regulaccedilatildeo o capiacutetulo apresenta um quadro das formas de regulaccedilatildeo diversas di-ferentes do direito internacional e se vale para isso da lite-ratura sobre Global Administrative Law e Transnational Private Regulation

Finalmente no capiacutetulo V discuto a noccedilatildeo de rule of law e as suas funccedilotildees baacutesicas face a uma ordem juriacutedi-ca fragmentada o direito internacional puacuteblico e face a um ambiente regulatoacuterio global em que a accedilatildeo regula-toacuteria eacute empreendida por atores diversos e em processos que impactando o interesse puacuteblico natildeo se submetem necessariamente a mecanismos de controle e natildeo estatildeo sujeitos a exigecircncias de transparecircncia e responsividade

2 DiferenCiaccedilatildeO funCiOnal ndash nOccedilatildeO De regi-meS internaCiOnaiS

A vida nos eacute dito estaacute ficando crescentemente fragmentada Por meio de algo chamada lsquodiferenciaccedilatildeo funcionalrsquo as sociedades estariam sendo divididas em inuacutemeros setores organizados em torno de conjuntos de interesses temas saberes especiacuteficos Isto seria igual-mente verdade para as sociedades nacionais e para aque-

la internacional ou global2

Esses segmentos da sociedade demandariam ou ten-deriam a produzir ou ao menos provocariam a produ-ccedilatildeo de regulaccedilatildeo setorialmente especiacutefica As normas regras e possivelmente as instituiccedilotildees as organizaccedilotildees ou oacutergatildeos3 constitutivos desses conjuntos de regulaccedilatildeo especiacuteficas a cada setor apareceriam e tenderiam a ser vistas como conjuntos distintos e diferenciados razoa-velmente autocircnomos

Esses conjuntos de normas e instituiccedilotildees podem ser vistos e o seratildeo como constituindo ou fragmentos de uma uacutenica mas fragmentada ordem juriacutedica ou como uma variedade de ordens juriacutedicas em um ambiente juriacutedico pluraliacutestico Eles seriam expressatildeo ou de frag-mentaccedilatildeo ou de pluralismo juriacutedico ou de ambos Isto eacute claro se presumido o caraacuteter juriacutedico das regras ou normas que constituem o conjunto De outra forma falar-se-ia de fragmentaccedilatildeo de uma ordem regulatoacuteria ou de pluralismo regulatoacuterio

Quer sejam entendidos ou percebidos como partes diferenciadas de um uacutenico sistema juriacutedico ou como or-dens juriacutedicas independentes esses conjuntos regulatoacute-rios tendem a ser chamados lsquoregimes juriacutedicosrsquo

Porque a fragmentaccedilatildeo da vida e da sociedade natildeo acontece apenas no interior das sociedades domeacutesticas nacionais mas eacute um fenocircmeno que atinge o que eacute agora uma esfera social global unificada (em outro sentido) esses regimes juriacutedicos satildeo tambeacutem internacionais ou transnacionais ou globais

Eacute a existecircncia de algo chamado regimes juriacutedicos ndash ou regulatoacuterios ou de governanccedila ndash internacionais ndash ou transnacionais ndash que serve como desculpa para o que seguiraacute nas proacuteximas paacuteginas No entanto em ambiente saturado por saacutebia literatura sobre fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo juriacutedico talvez haja a necessidade de uma justi-ficaccedilatildeo para o que seguiraacute

2 Esta eacute uma famosa afirmaccedilatildeo trazida em partes dentro de dis-cussatildeo de GuntherTeuber Ver por exemplo TEUBNER G Glob-al Bukowina Legal Pluralism in the World Society In TEUBNER G (Ed) Global Law in the World Society Dartmouth Aldershot 1997 p 3-28 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 20043 Tambeacutem os termos instituiccedilatildeo ou instituiccedilotildees podem cobrir mais de um significado Eles satildeo usados aqui no sentido que mais se aproxima de organizaccedilatildeo ou oacutergatildeo querendo significar loci institu-cionais para a produccedilatildeo de normas ou para a sua implementaccedilatildeo ou para a soluccedilatildeo de controveacutersias

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O fato eacute que embora a descriccedilatildeo da realidade que veio sendo discutida seja razoavelmente acurada muitas variaacuteveis muito importantes permanecem desconheci-das ou sem resposta Por exemplo haacute alguma concep-ccedilatildeo de direito subjacente agrave discussatildeo que nos diraacute se e quando a regulaccedilatildeo que constitui o regime eacute juriacutedica Se existe qual eacute essa concepccedilatildeo do direito Haacute uma acei-taccedilatildeo da necessidade de diferenciar a regulaccedilatildeo juriacutedica daquela natildeo-juriacutedica ou ao contraacuterio dispensa-se essa necessidade Como eacute possiacutevel identificar uma norma ou uma instituiccedilatildeo como pertencente a um regime especiacute-fico Como se pode reconhecer os contornos de um regime Quais os criteacuterios usados se os haacute para identi-ficar o regime como sendo parte de uma ordem juriacutedica mais ampla e quais aqueles que o qualificam como uma ordem juriacutedica autocircnoma

Respostas a estas e outras perguntas podem apare-cer explicita ou implicitamente em parte da literatura sobre fragmentaccedilatildeo ou pluralismo Frequentemente natildeo aparecem ou natildeo se mostram cristalinas ao leitor

De todo modo quer as respostas apareccedilam claras ou natildeo eacute fato que essas questotildees constituem pontos de divergecircncia ou de desencontro entre autores que escre-vem sobre os fenocircmenos da fragmentaccedilatildeo do pluralis-mo e dos regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios Ao respon-derem de modos divergentes a essas questotildees centrais ou ao apresentarem atitudes diferentes em relaccedilatildeo a elas ndash alguns ignorando-as como desimportantes ou-tros respondendo com firmeza e outros ignorando sua existecircncia ndash os autores estatildeo na verdade construindo ou descrevendo realidades diferentes

Descrevem realidades diversas quando ao olharem a partir de perspectivas distintas para algo que existe levam em conta o que se encontra dentro de seu campo de visatildeo e claro excluem o que ali natildeo estaacute Constroem realidades diferentes quando interpretam e fazem afir-maccedilotildees normativas sobre o que existe e eacute visto a partir de distintas perspectivas

Perspectiva eacute tudo entatildeo ou quase Pode-se julgar uma teoria sobre fragmentaccedilatildeo por exemplo e apon-tar-lhe falhas ou porque a perspectiva em que encontra sua origem fornece uma visatildeo distorcida falsa da reali-dade ou porque constroacutei uma realidade que natildeo guarda relaccedilatildeo com o que existe

Pode-se tambeacutem apontar falhas numa teoria quando suas conclusotildees natildeo satildeo consistentes com a perspectiva sobre a qual se supotildee que esteja baseada Haacute portanto

uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre a perspectiva e o real e uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre as conclusotildees e as condicionantes fundamentais de uma dada perspectiva

Para que qualquer julgamento desse tipo possa ser feito no entanto deve haver clareza sobre a perspectiva adotada

Parece-me que haacute uma cacofonia razoavelmente ensurdecedora que permeia as discussotildees sobre frag-mentaccedilatildeo pluralismo e regimes Muito frequentemente conceitos argumentos diagnoacutesticos satildeo transportados de uma perspectiva a outra sem muito cuidado com o risco de que natildeo faccedila qualquer sentido ali ou com o risco de que desfaccedila a coerecircncia do ponto de vista para onde eacute feita a transferecircncia Por vezes independente-mente do eventual recurso a tais empreacutestimos inapro-priados algumas leituras satildeo simplesmente desprovidas de coesatildeo interna ou satildeo ao menos pouco convincentes

A fim de comeccedilar a pintar o panorama das discus-sotildees relacionadas aos regimes apresentarei brevemente trecircs representaccedilotildees fortes da noccedilatildeo

21 Regimes na teoria das relaccedilotildees internacio-nais

A noccedilatildeo de regimes internacionais apareceu e se de-senvolveu primariamente na teoria das relaccedilotildees interna-cionais Nesse campo a publicaccedilatildeo em 1983 de um livro editado por Stephen Krasner emoldurou o debate sobre a existecircncia a definiccedilatildeo e as funccedilotildees de regimes interna-cionais O livro organizou o que era agrave eacutepoca o estado da arte na mateacuteria e desde entatildeo continuou sendo uma re-ferecircncia necessaacuteria para quem quer que estude o tema4

Ali regimes internacionais satildeo vistos como uma possiacutevel ferramenta para a explicaccedilatildeo do funcionamen-to das relaccedilotildees internacionais A discussatildeo eacute centrada no possiacutevel papel dos regimes enquanto variaacuteveis que atuariam como intermediaacuterios entre as determinantes causais baacutesicas do comportamento e as resultantes e o efetivo comportamento

Uma definiccedilatildeo eacute oferecida regimes seriam lsquoconjun-tos de princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo impliacutecitos ou expliacutecitos em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em

4 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983

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uma dada aacuterea das relaccedilotildees internacionaisrsquo5

Os termos da definiccedilatildeo satildeo assim explicados lsquoPrin-ciacutepios satildeo crenccedilas de fato de causa e de retidatildeo Normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e obrigaccedilotildees Regras satildeo prescriccedilotildees ou proscri-ccedilotildees especiacuteficas de accedilatildeo Procedimentos de tomada de decisatildeo satildeo praacuteticas prevalentes para a feitura e a imple-mentaccedilatildeo de escolhas coletivasrsquo6 Nem essa definiccedilatildeo de regimes nem aquela de suas partes constitutivas eacute aceita por todos sem restriccedilotildees No entanto podem ser retidas como definiccedilotildees operativas working definitions7 e satildeo em todo caso definiccedilotildees referenciais

As posturas que os estudiosos das relaccedilotildees interna-cionais adotam em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de regimes em relaccedilatildeo ao papel que estes desempenham e em relaccedilatildeo agraves determinantes de sua existecircncia variam de acordo com a sua abordagem teoacuterica subjacente a partir da qual estudam o funcionamento da sociedade internacio-nal As diferenccedilas podem ser vistas em essecircncia como relacionadas ao papel do direito ou da regulaccedilatildeo ndash prin-ciacutepios normas regras ndash nas relaccedilotildees internacionais

Este aspecto fundamental da concepccedilatildeo de regi-mes que tem a teoria das relaccedilotildees internacionais apare-ce claramente regimes internacionais satildeo normativos regulatoacuterios juriacutedicos em sua natureza mesma Falar entatildeo sobre regimes lsquojuriacutedicosrsquo internacionais seria em certa medida pleonaacutestico Mas aqui o direito estaacute sen-do olhado desde fora como um produto das dinacircmicas que governam as relaccedilotildees na cena internacional e como uma possiacutevel condicionante dos comportamentos e re-sultados Natildeo se trata de uma discussatildeo juriacutedica sobre o direito mas de uma discussatildeo poliacutetica

5 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquosets of implicit or explicit principles norms rules and decision-making proce-dures around which actorsrsquo expectations converge in a given area of international relationsrsquo(KRASNER 1983)rdquotitlerdquo ldquoStructural causes and regime consequences regimes as intervening vari-ablesrdquo ldquotyperdquo ldquochapterrdquo ldquourisrdquo [ ldquohttpwwwmendeleycomdocumentsuuid=826f40ad-f706-4e72-8f96-08683c832d4brdquo ] ] ldquomendeleyrdquo ldquopreviouslyFormattedCitationrdquo ldquo(KRASNER 19836 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cornell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquoPrinciples are beliefs of fact causation and rectitude Norms are standards of behaviour de-fined in terms of rights and obligations Rules are specific prescrip-tions or proscriptions of action Decision-making procedures are prevailing practices for making and implementing collective choicersquo7 HANSENCLEVER A MAYER P RITTBERGER V Theo-ries of international regimes Cambridge Cambridge University Press 1997 p 13

Outro aspecto importante da discussatildeo neste terre-no eacute o fato de que apesar da definiccedilatildeo geral falar em lsquoexpectativas dos atoresrsquo ela estaacute centrada no compor-tamento e nas expectativas dos Estados Os Estados satildeo vistos como os atores centrais das relaccedilotildees internacio-nais e os regimes internacionais satildeo vistos como aqueles conjuntos de princiacutepios normas regras e procedimen-tos de tomada de decisatildeo produzidos pelos Estados e destinados a influenciar as expectativas e o comporta-mento dos Estados

Finalmente devo sublinhar um aspecto central dos regimes tal como definidos aqui esses conjuntos de princiacutepios normas etc governam aacutereas ou setores espe-ciacuteficos das relaccedilotildees internacionais8 Estaacute claro portanto que a discussatildeo de regimes que faz a teoria das relaccedilotildees internacionais natildeo estaacute preocupada ao menos natildeo de modo particular com a existecircncia funccedilatildeo ou unidade de um sistema juriacutedico constituiacutedo pelos vaacuterios regimes ou a eles sobreposto

Enquanto se esforccedila para explicar as interaccedilotildees entre Estados e identificar o caminho que leva das variaacuteveis causais baacutesicas ao correspondente comportamento ou resultante a teoria das relaccedilotildees internacionais olha para aglomerados conjuntos de instrumentos regulatoacuterios organizados em torno de temas especiacuteficos tais como seguranccedila meio ambiente comeacutercio etc

Vistos pelos teoacutericos das relaccedilotildees internacionais regimes internacionais aparecem essencialmente como conjuntos regulatoacuterios constituiacutedos por normas e orga-nizaccedilotildees que satildeo parte do que se conhece usualmente como direito internacional puacuteblico apesar de que ne-nhum esforccedilo particular eacute feito para verificar se de fato essas normas e organizaccedilotildees pertencem a essa ordem juriacutedica e correspondem aos cacircnones que aos olhos do proacuteprio direito internacional fazem desta ordem juriacutedi-ca um todo coerente

Esses traccedilos baacutesicos dos regimes internacionais ndash normas e organizaccedilotildees criadas ou produzidas pelos Estados e destinados a regular o comportamento dos Estados correspondendo agraves caracteriacutesticas do direito internacional puacuteblico organizadas em torno de temas especiacuteficos ndash satildeo os que resultam da literatura sobre re-laccedilotildees internacionais Mas regimes natildeo precisam neces-sariamente ser vistos assim e de fato natildeo o satildeo sempre

8 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 1

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nem por todos Outras concepccedilotildees de regimes interna-cionais existem

22 A concepccedilatildeo de regimes da teoria social

Uma concepccedilatildeo diferente de regimes pode ser en-contrada entre aqueles que enxergam a emergecircncia de um direito global que eacute fragmentado em diversos re-gimes diferenciados funcionalmente correspondendo a setores especiacuteficos do tecido social9

Essa visatildeo ancorada numa perspectiva de teoria so-cial vecirc o direito como uma realidade transformada Ele jaacute natildeo seria normativo nem fundado no territoacuterio O direito seria agora cognitivo e desprovido de qualquer capacidade de unidade10 Sua organizaccedilatildeo tradicional de acordo com territoacuterios nacionais estaria dando lugar a um direito fragmentado segundo linhas sociais setoriais os setores sendo economia ciecircncia e outros tantos11

Esses regimes setoriais porque constituiriam esse direito global que eacute diferente em sua essecircncia mesma satildeo pensados mais como transnacionais do que como internacionais12

Diferem ou pensa-se que diferem dos regimes in-

9 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100010 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100011 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1006-1007Diferentemente desta abordagem Gabriela Garcia Batis-ta Lima explora uma utilidade do conceito de governanccedila originado das relaccedilotildees internacionais como institucionalizaccedilatildeo para o estudo de um direito que cada vez mais inclui relaccedilotildees natildeo estatais As-sim aborda a complementaridade e convergecircncia dos conceitos de governanccedila regimes juriacutedicos direito reflexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autorregulaccedilatildeo que satildeo colocados como ferramentas para um estudo do direito poacutes-globalizaccedilatildeo Ver LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 201412 ldquoThe traditional differentiation in line with the political princi-ple of territoriality into relatively autonomous national legal orders is thus overlain by a sectoral differentiation principle the differentia-tion of global law into transnational legal regimes which define the external reach of their jurisdiction along issue-specific rather than territorial lines and which claim a global validity for them- selvesrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Colli-sions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1009

ternacionais em vaacuterios sentidos A comunidade cogni-tiva que daria origem ao regime e suas normas natildeo eacute vista como constituiacuteda exclusivamente por Estados13 As normas satildeo em princiacutepio pensadas como juriacutedicas ou legais mas natildeo precisariam conformar-se aos cacircno-nes quer do direito domeacutestico nacional quer do direi-to internacional Os destinataacuterios das normas aqueles cujo comportamento supotildee-se que regulem natildeo seriam os Estados ou ao menos natildeo apenas os Estados mas quem quer que seja um membro da comunidade cogni-tiva ou do setor social em questatildeo14

Porque essa visatildeo dos regimes pressupotildee uma trans-formaccedilatildeo na proacutepria natureza do direito eacute apenas na-tural que se espere uma resposta para o que significa serem esses regimes (transnacionais) juriacutedicos Essa res-posta natildeo se encontra em lugar algum Ela eacute no entanto de fundamental importacircncia jaacute que para os proponentes desta perspectiva que pretendem indicar um caminho para a soluccedilatildeo das colisotildees entre os regimes eacute muito importante decidir se e quando as normas colidentes satildeo juriacutedicas e natildeo apenas normas sociais15De acordo

13 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Isso porque haacute uma consequecircncia indireta da globali-zaccedilatildeo da diferenciaccedilatildeo social ldquothe unity of global law is no longer structure-based as in the case of the Nation- State within institu-tionally secured normative consistency but is rather process-based deriving simply from the modes of connection between legal opera-tions which transfer binding legality between even highly hetero-geneous legal ordersrdquoFISHER-LESCANO ANDREAS TEUB-NER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1008 Ainda ldquo[f]or centuries law had followed the political logic of nation-states and was manifest in the multitude of national legal orders each with their own territorial juris- dic-tion Even international law which viewed itself as the contract law of Nation-States did not depart from this model The final break with such conceptions was only signaled in the last century with the rapidly accelerating expansion of international organizations and regulatory regimes which in sharp contrast to their genesis within international treaties established themselves as autonomous legal orders The national differentiation of law is now overlain by secto-ral fragmentationrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100814 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Ver tambeacutem TEUBNER 199715 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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governanccedila e a necessidade de distinguir o juriacutedico do natildeo juriacutedico de distinguir o que pertence a uma ordem juriacutedica do que natildeo pertence

O capiacutetulo III cuida dos regimes enquanto manifes-taccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico Discuto ali o que identifico como os dois tipos de frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e apoacutes demonstrar a dificuldade de identificar e delimitar os regimes exploro o modo como o direito internacional resolve os con-flitos entre regimes ou dentro de um mesmo regime conflitos esses que tendem a ser apresentados sob uma luz um pouco distorcida

Jaacute o capiacutetulo IV lida primeiramente com os dois tipos de pluralismo juriacutedico que identifico no panorama da regu-laccedilatildeo das relaccedilotildees internacionais ou transnacionais aquele em que as unidades baacutesicas satildeo as ordens juriacutedicas e aquele em que satildeo os regimes os elementos constitutivos Partin-do da ideia de que regimes podem ser tambeacutem pontos de convergecircncia agregados de normas e organizaccedilotildees perten-centes a diferentes ordens juriacutedicas e de outros tipos de re-gulaccedilatildeo assim como podem mais raramente consistir em sistemas fechados de um tipo uacutenico de regulaccedilatildeo o capiacutetulo apresenta um quadro das formas de regulaccedilatildeo diversas di-ferentes do direito internacional e se vale para isso da lite-ratura sobre Global Administrative Law e Transnational Private Regulation

Finalmente no capiacutetulo V discuto a noccedilatildeo de rule of law e as suas funccedilotildees baacutesicas face a uma ordem juriacutedi-ca fragmentada o direito internacional puacuteblico e face a um ambiente regulatoacuterio global em que a accedilatildeo regula-toacuteria eacute empreendida por atores diversos e em processos que impactando o interesse puacuteblico natildeo se submetem necessariamente a mecanismos de controle e natildeo estatildeo sujeitos a exigecircncias de transparecircncia e responsividade

2 DiferenCiaccedilatildeO funCiOnal ndash nOccedilatildeO De regi-meS internaCiOnaiS

A vida nos eacute dito estaacute ficando crescentemente fragmentada Por meio de algo chamada lsquodiferenciaccedilatildeo funcionalrsquo as sociedades estariam sendo divididas em inuacutemeros setores organizados em torno de conjuntos de interesses temas saberes especiacuteficos Isto seria igual-mente verdade para as sociedades nacionais e para aque-

la internacional ou global2

Esses segmentos da sociedade demandariam ou ten-deriam a produzir ou ao menos provocariam a produ-ccedilatildeo de regulaccedilatildeo setorialmente especiacutefica As normas regras e possivelmente as instituiccedilotildees as organizaccedilotildees ou oacutergatildeos3 constitutivos desses conjuntos de regulaccedilatildeo especiacuteficas a cada setor apareceriam e tenderiam a ser vistas como conjuntos distintos e diferenciados razoa-velmente autocircnomos

Esses conjuntos de normas e instituiccedilotildees podem ser vistos e o seratildeo como constituindo ou fragmentos de uma uacutenica mas fragmentada ordem juriacutedica ou como uma variedade de ordens juriacutedicas em um ambiente juriacutedico pluraliacutestico Eles seriam expressatildeo ou de frag-mentaccedilatildeo ou de pluralismo juriacutedico ou de ambos Isto eacute claro se presumido o caraacuteter juriacutedico das regras ou normas que constituem o conjunto De outra forma falar-se-ia de fragmentaccedilatildeo de uma ordem regulatoacuteria ou de pluralismo regulatoacuterio

Quer sejam entendidos ou percebidos como partes diferenciadas de um uacutenico sistema juriacutedico ou como or-dens juriacutedicas independentes esses conjuntos regulatoacute-rios tendem a ser chamados lsquoregimes juriacutedicosrsquo

Porque a fragmentaccedilatildeo da vida e da sociedade natildeo acontece apenas no interior das sociedades domeacutesticas nacionais mas eacute um fenocircmeno que atinge o que eacute agora uma esfera social global unificada (em outro sentido) esses regimes juriacutedicos satildeo tambeacutem internacionais ou transnacionais ou globais

Eacute a existecircncia de algo chamado regimes juriacutedicos ndash ou regulatoacuterios ou de governanccedila ndash internacionais ndash ou transnacionais ndash que serve como desculpa para o que seguiraacute nas proacuteximas paacuteginas No entanto em ambiente saturado por saacutebia literatura sobre fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo juriacutedico talvez haja a necessidade de uma justi-ficaccedilatildeo para o que seguiraacute

2 Esta eacute uma famosa afirmaccedilatildeo trazida em partes dentro de dis-cussatildeo de GuntherTeuber Ver por exemplo TEUBNER G Glob-al Bukowina Legal Pluralism in the World Society In TEUBNER G (Ed) Global Law in the World Society Dartmouth Aldershot 1997 p 3-28 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 20043 Tambeacutem os termos instituiccedilatildeo ou instituiccedilotildees podem cobrir mais de um significado Eles satildeo usados aqui no sentido que mais se aproxima de organizaccedilatildeo ou oacutergatildeo querendo significar loci institu-cionais para a produccedilatildeo de normas ou para a sua implementaccedilatildeo ou para a soluccedilatildeo de controveacutersias

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O fato eacute que embora a descriccedilatildeo da realidade que veio sendo discutida seja razoavelmente acurada muitas variaacuteveis muito importantes permanecem desconheci-das ou sem resposta Por exemplo haacute alguma concep-ccedilatildeo de direito subjacente agrave discussatildeo que nos diraacute se e quando a regulaccedilatildeo que constitui o regime eacute juriacutedica Se existe qual eacute essa concepccedilatildeo do direito Haacute uma acei-taccedilatildeo da necessidade de diferenciar a regulaccedilatildeo juriacutedica daquela natildeo-juriacutedica ou ao contraacuterio dispensa-se essa necessidade Como eacute possiacutevel identificar uma norma ou uma instituiccedilatildeo como pertencente a um regime especiacute-fico Como se pode reconhecer os contornos de um regime Quais os criteacuterios usados se os haacute para identi-ficar o regime como sendo parte de uma ordem juriacutedica mais ampla e quais aqueles que o qualificam como uma ordem juriacutedica autocircnoma

Respostas a estas e outras perguntas podem apare-cer explicita ou implicitamente em parte da literatura sobre fragmentaccedilatildeo ou pluralismo Frequentemente natildeo aparecem ou natildeo se mostram cristalinas ao leitor

De todo modo quer as respostas apareccedilam claras ou natildeo eacute fato que essas questotildees constituem pontos de divergecircncia ou de desencontro entre autores que escre-vem sobre os fenocircmenos da fragmentaccedilatildeo do pluralis-mo e dos regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios Ao respon-derem de modos divergentes a essas questotildees centrais ou ao apresentarem atitudes diferentes em relaccedilatildeo a elas ndash alguns ignorando-as como desimportantes ou-tros respondendo com firmeza e outros ignorando sua existecircncia ndash os autores estatildeo na verdade construindo ou descrevendo realidades diferentes

Descrevem realidades diversas quando ao olharem a partir de perspectivas distintas para algo que existe levam em conta o que se encontra dentro de seu campo de visatildeo e claro excluem o que ali natildeo estaacute Constroem realidades diferentes quando interpretam e fazem afir-maccedilotildees normativas sobre o que existe e eacute visto a partir de distintas perspectivas

Perspectiva eacute tudo entatildeo ou quase Pode-se julgar uma teoria sobre fragmentaccedilatildeo por exemplo e apon-tar-lhe falhas ou porque a perspectiva em que encontra sua origem fornece uma visatildeo distorcida falsa da reali-dade ou porque constroacutei uma realidade que natildeo guarda relaccedilatildeo com o que existe

Pode-se tambeacutem apontar falhas numa teoria quando suas conclusotildees natildeo satildeo consistentes com a perspectiva sobre a qual se supotildee que esteja baseada Haacute portanto

uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre a perspectiva e o real e uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre as conclusotildees e as condicionantes fundamentais de uma dada perspectiva

Para que qualquer julgamento desse tipo possa ser feito no entanto deve haver clareza sobre a perspectiva adotada

Parece-me que haacute uma cacofonia razoavelmente ensurdecedora que permeia as discussotildees sobre frag-mentaccedilatildeo pluralismo e regimes Muito frequentemente conceitos argumentos diagnoacutesticos satildeo transportados de uma perspectiva a outra sem muito cuidado com o risco de que natildeo faccedila qualquer sentido ali ou com o risco de que desfaccedila a coerecircncia do ponto de vista para onde eacute feita a transferecircncia Por vezes independente-mente do eventual recurso a tais empreacutestimos inapro-priados algumas leituras satildeo simplesmente desprovidas de coesatildeo interna ou satildeo ao menos pouco convincentes

A fim de comeccedilar a pintar o panorama das discus-sotildees relacionadas aos regimes apresentarei brevemente trecircs representaccedilotildees fortes da noccedilatildeo

21 Regimes na teoria das relaccedilotildees internacio-nais

A noccedilatildeo de regimes internacionais apareceu e se de-senvolveu primariamente na teoria das relaccedilotildees interna-cionais Nesse campo a publicaccedilatildeo em 1983 de um livro editado por Stephen Krasner emoldurou o debate sobre a existecircncia a definiccedilatildeo e as funccedilotildees de regimes interna-cionais O livro organizou o que era agrave eacutepoca o estado da arte na mateacuteria e desde entatildeo continuou sendo uma re-ferecircncia necessaacuteria para quem quer que estude o tema4

Ali regimes internacionais satildeo vistos como uma possiacutevel ferramenta para a explicaccedilatildeo do funcionamen-to das relaccedilotildees internacionais A discussatildeo eacute centrada no possiacutevel papel dos regimes enquanto variaacuteveis que atuariam como intermediaacuterios entre as determinantes causais baacutesicas do comportamento e as resultantes e o efetivo comportamento

Uma definiccedilatildeo eacute oferecida regimes seriam lsquoconjun-tos de princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo impliacutecitos ou expliacutecitos em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em

4 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983

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uma dada aacuterea das relaccedilotildees internacionaisrsquo5

Os termos da definiccedilatildeo satildeo assim explicados lsquoPrin-ciacutepios satildeo crenccedilas de fato de causa e de retidatildeo Normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e obrigaccedilotildees Regras satildeo prescriccedilotildees ou proscri-ccedilotildees especiacuteficas de accedilatildeo Procedimentos de tomada de decisatildeo satildeo praacuteticas prevalentes para a feitura e a imple-mentaccedilatildeo de escolhas coletivasrsquo6 Nem essa definiccedilatildeo de regimes nem aquela de suas partes constitutivas eacute aceita por todos sem restriccedilotildees No entanto podem ser retidas como definiccedilotildees operativas working definitions7 e satildeo em todo caso definiccedilotildees referenciais

As posturas que os estudiosos das relaccedilotildees interna-cionais adotam em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de regimes em relaccedilatildeo ao papel que estes desempenham e em relaccedilatildeo agraves determinantes de sua existecircncia variam de acordo com a sua abordagem teoacuterica subjacente a partir da qual estudam o funcionamento da sociedade internacio-nal As diferenccedilas podem ser vistas em essecircncia como relacionadas ao papel do direito ou da regulaccedilatildeo ndash prin-ciacutepios normas regras ndash nas relaccedilotildees internacionais

Este aspecto fundamental da concepccedilatildeo de regi-mes que tem a teoria das relaccedilotildees internacionais apare-ce claramente regimes internacionais satildeo normativos regulatoacuterios juriacutedicos em sua natureza mesma Falar entatildeo sobre regimes lsquojuriacutedicosrsquo internacionais seria em certa medida pleonaacutestico Mas aqui o direito estaacute sen-do olhado desde fora como um produto das dinacircmicas que governam as relaccedilotildees na cena internacional e como uma possiacutevel condicionante dos comportamentos e re-sultados Natildeo se trata de uma discussatildeo juriacutedica sobre o direito mas de uma discussatildeo poliacutetica

5 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquosets of implicit or explicit principles norms rules and decision-making proce-dures around which actorsrsquo expectations converge in a given area of international relationsrsquo(KRASNER 1983)rdquotitlerdquo ldquoStructural causes and regime consequences regimes as intervening vari-ablesrdquo ldquotyperdquo ldquochapterrdquo ldquourisrdquo [ ldquohttpwwwmendeleycomdocumentsuuid=826f40ad-f706-4e72-8f96-08683c832d4brdquo ] ] ldquomendeleyrdquo ldquopreviouslyFormattedCitationrdquo ldquo(KRASNER 19836 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cornell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquoPrinciples are beliefs of fact causation and rectitude Norms are standards of behaviour de-fined in terms of rights and obligations Rules are specific prescrip-tions or proscriptions of action Decision-making procedures are prevailing practices for making and implementing collective choicersquo7 HANSENCLEVER A MAYER P RITTBERGER V Theo-ries of international regimes Cambridge Cambridge University Press 1997 p 13

Outro aspecto importante da discussatildeo neste terre-no eacute o fato de que apesar da definiccedilatildeo geral falar em lsquoexpectativas dos atoresrsquo ela estaacute centrada no compor-tamento e nas expectativas dos Estados Os Estados satildeo vistos como os atores centrais das relaccedilotildees internacio-nais e os regimes internacionais satildeo vistos como aqueles conjuntos de princiacutepios normas regras e procedimen-tos de tomada de decisatildeo produzidos pelos Estados e destinados a influenciar as expectativas e o comporta-mento dos Estados

Finalmente devo sublinhar um aspecto central dos regimes tal como definidos aqui esses conjuntos de princiacutepios normas etc governam aacutereas ou setores espe-ciacuteficos das relaccedilotildees internacionais8 Estaacute claro portanto que a discussatildeo de regimes que faz a teoria das relaccedilotildees internacionais natildeo estaacute preocupada ao menos natildeo de modo particular com a existecircncia funccedilatildeo ou unidade de um sistema juriacutedico constituiacutedo pelos vaacuterios regimes ou a eles sobreposto

Enquanto se esforccedila para explicar as interaccedilotildees entre Estados e identificar o caminho que leva das variaacuteveis causais baacutesicas ao correspondente comportamento ou resultante a teoria das relaccedilotildees internacionais olha para aglomerados conjuntos de instrumentos regulatoacuterios organizados em torno de temas especiacuteficos tais como seguranccedila meio ambiente comeacutercio etc

Vistos pelos teoacutericos das relaccedilotildees internacionais regimes internacionais aparecem essencialmente como conjuntos regulatoacuterios constituiacutedos por normas e orga-nizaccedilotildees que satildeo parte do que se conhece usualmente como direito internacional puacuteblico apesar de que ne-nhum esforccedilo particular eacute feito para verificar se de fato essas normas e organizaccedilotildees pertencem a essa ordem juriacutedica e correspondem aos cacircnones que aos olhos do proacuteprio direito internacional fazem desta ordem juriacutedi-ca um todo coerente

Esses traccedilos baacutesicos dos regimes internacionais ndash normas e organizaccedilotildees criadas ou produzidas pelos Estados e destinados a regular o comportamento dos Estados correspondendo agraves caracteriacutesticas do direito internacional puacuteblico organizadas em torno de temas especiacuteficos ndash satildeo os que resultam da literatura sobre re-laccedilotildees internacionais Mas regimes natildeo precisam neces-sariamente ser vistos assim e de fato natildeo o satildeo sempre

8 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 1

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nem por todos Outras concepccedilotildees de regimes interna-cionais existem

22 A concepccedilatildeo de regimes da teoria social

Uma concepccedilatildeo diferente de regimes pode ser en-contrada entre aqueles que enxergam a emergecircncia de um direito global que eacute fragmentado em diversos re-gimes diferenciados funcionalmente correspondendo a setores especiacuteficos do tecido social9

Essa visatildeo ancorada numa perspectiva de teoria so-cial vecirc o direito como uma realidade transformada Ele jaacute natildeo seria normativo nem fundado no territoacuterio O direito seria agora cognitivo e desprovido de qualquer capacidade de unidade10 Sua organizaccedilatildeo tradicional de acordo com territoacuterios nacionais estaria dando lugar a um direito fragmentado segundo linhas sociais setoriais os setores sendo economia ciecircncia e outros tantos11

Esses regimes setoriais porque constituiriam esse direito global que eacute diferente em sua essecircncia mesma satildeo pensados mais como transnacionais do que como internacionais12

Diferem ou pensa-se que diferem dos regimes in-

9 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100010 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100011 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1006-1007Diferentemente desta abordagem Gabriela Garcia Batis-ta Lima explora uma utilidade do conceito de governanccedila originado das relaccedilotildees internacionais como institucionalizaccedilatildeo para o estudo de um direito que cada vez mais inclui relaccedilotildees natildeo estatais As-sim aborda a complementaridade e convergecircncia dos conceitos de governanccedila regimes juriacutedicos direito reflexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autorregulaccedilatildeo que satildeo colocados como ferramentas para um estudo do direito poacutes-globalizaccedilatildeo Ver LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 201412 ldquoThe traditional differentiation in line with the political princi-ple of territoriality into relatively autonomous national legal orders is thus overlain by a sectoral differentiation principle the differentia-tion of global law into transnational legal regimes which define the external reach of their jurisdiction along issue-specific rather than territorial lines and which claim a global validity for them- selvesrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Colli-sions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1009

ternacionais em vaacuterios sentidos A comunidade cogni-tiva que daria origem ao regime e suas normas natildeo eacute vista como constituiacuteda exclusivamente por Estados13 As normas satildeo em princiacutepio pensadas como juriacutedicas ou legais mas natildeo precisariam conformar-se aos cacircno-nes quer do direito domeacutestico nacional quer do direi-to internacional Os destinataacuterios das normas aqueles cujo comportamento supotildee-se que regulem natildeo seriam os Estados ou ao menos natildeo apenas os Estados mas quem quer que seja um membro da comunidade cogni-tiva ou do setor social em questatildeo14

Porque essa visatildeo dos regimes pressupotildee uma trans-formaccedilatildeo na proacutepria natureza do direito eacute apenas na-tural que se espere uma resposta para o que significa serem esses regimes (transnacionais) juriacutedicos Essa res-posta natildeo se encontra em lugar algum Ela eacute no entanto de fundamental importacircncia jaacute que para os proponentes desta perspectiva que pretendem indicar um caminho para a soluccedilatildeo das colisotildees entre os regimes eacute muito importante decidir se e quando as normas colidentes satildeo juriacutedicas e natildeo apenas normas sociais15De acordo

13 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Isso porque haacute uma consequecircncia indireta da globali-zaccedilatildeo da diferenciaccedilatildeo social ldquothe unity of global law is no longer structure-based as in the case of the Nation- State within institu-tionally secured normative consistency but is rather process-based deriving simply from the modes of connection between legal opera-tions which transfer binding legality between even highly hetero-geneous legal ordersrdquoFISHER-LESCANO ANDREAS TEUB-NER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1008 Ainda ldquo[f]or centuries law had followed the political logic of nation-states and was manifest in the multitude of national legal orders each with their own territorial juris- dic-tion Even international law which viewed itself as the contract law of Nation-States did not depart from this model The final break with such conceptions was only signaled in the last century with the rapidly accelerating expansion of international organizations and regulatory regimes which in sharp contrast to their genesis within international treaties established themselves as autonomous legal orders The national differentiation of law is now overlain by secto-ral fragmentationrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100814 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Ver tambeacutem TEUBNER 199715 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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TEUBNER 2004 p 101324)

Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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O fato eacute que embora a descriccedilatildeo da realidade que veio sendo discutida seja razoavelmente acurada muitas variaacuteveis muito importantes permanecem desconheci-das ou sem resposta Por exemplo haacute alguma concep-ccedilatildeo de direito subjacente agrave discussatildeo que nos diraacute se e quando a regulaccedilatildeo que constitui o regime eacute juriacutedica Se existe qual eacute essa concepccedilatildeo do direito Haacute uma acei-taccedilatildeo da necessidade de diferenciar a regulaccedilatildeo juriacutedica daquela natildeo-juriacutedica ou ao contraacuterio dispensa-se essa necessidade Como eacute possiacutevel identificar uma norma ou uma instituiccedilatildeo como pertencente a um regime especiacute-fico Como se pode reconhecer os contornos de um regime Quais os criteacuterios usados se os haacute para identi-ficar o regime como sendo parte de uma ordem juriacutedica mais ampla e quais aqueles que o qualificam como uma ordem juriacutedica autocircnoma

Respostas a estas e outras perguntas podem apare-cer explicita ou implicitamente em parte da literatura sobre fragmentaccedilatildeo ou pluralismo Frequentemente natildeo aparecem ou natildeo se mostram cristalinas ao leitor

De todo modo quer as respostas apareccedilam claras ou natildeo eacute fato que essas questotildees constituem pontos de divergecircncia ou de desencontro entre autores que escre-vem sobre os fenocircmenos da fragmentaccedilatildeo do pluralis-mo e dos regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios Ao respon-derem de modos divergentes a essas questotildees centrais ou ao apresentarem atitudes diferentes em relaccedilatildeo a elas ndash alguns ignorando-as como desimportantes ou-tros respondendo com firmeza e outros ignorando sua existecircncia ndash os autores estatildeo na verdade construindo ou descrevendo realidades diferentes

Descrevem realidades diversas quando ao olharem a partir de perspectivas distintas para algo que existe levam em conta o que se encontra dentro de seu campo de visatildeo e claro excluem o que ali natildeo estaacute Constroem realidades diferentes quando interpretam e fazem afir-maccedilotildees normativas sobre o que existe e eacute visto a partir de distintas perspectivas

Perspectiva eacute tudo entatildeo ou quase Pode-se julgar uma teoria sobre fragmentaccedilatildeo por exemplo e apon-tar-lhe falhas ou porque a perspectiva em que encontra sua origem fornece uma visatildeo distorcida falsa da reali-dade ou porque constroacutei uma realidade que natildeo guarda relaccedilatildeo com o que existe

Pode-se tambeacutem apontar falhas numa teoria quando suas conclusotildees natildeo satildeo consistentes com a perspectiva sobre a qual se supotildee que esteja baseada Haacute portanto

uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre a perspectiva e o real e uma correspondecircncia ou uma falta de correspondecircncia entre as conclusotildees e as condicionantes fundamentais de uma dada perspectiva

Para que qualquer julgamento desse tipo possa ser feito no entanto deve haver clareza sobre a perspectiva adotada

Parece-me que haacute uma cacofonia razoavelmente ensurdecedora que permeia as discussotildees sobre frag-mentaccedilatildeo pluralismo e regimes Muito frequentemente conceitos argumentos diagnoacutesticos satildeo transportados de uma perspectiva a outra sem muito cuidado com o risco de que natildeo faccedila qualquer sentido ali ou com o risco de que desfaccedila a coerecircncia do ponto de vista para onde eacute feita a transferecircncia Por vezes independente-mente do eventual recurso a tais empreacutestimos inapro-priados algumas leituras satildeo simplesmente desprovidas de coesatildeo interna ou satildeo ao menos pouco convincentes

A fim de comeccedilar a pintar o panorama das discus-sotildees relacionadas aos regimes apresentarei brevemente trecircs representaccedilotildees fortes da noccedilatildeo

21 Regimes na teoria das relaccedilotildees internacio-nais

A noccedilatildeo de regimes internacionais apareceu e se de-senvolveu primariamente na teoria das relaccedilotildees interna-cionais Nesse campo a publicaccedilatildeo em 1983 de um livro editado por Stephen Krasner emoldurou o debate sobre a existecircncia a definiccedilatildeo e as funccedilotildees de regimes interna-cionais O livro organizou o que era agrave eacutepoca o estado da arte na mateacuteria e desde entatildeo continuou sendo uma re-ferecircncia necessaacuteria para quem quer que estude o tema4

Ali regimes internacionais satildeo vistos como uma possiacutevel ferramenta para a explicaccedilatildeo do funcionamen-to das relaccedilotildees internacionais A discussatildeo eacute centrada no possiacutevel papel dos regimes enquanto variaacuteveis que atuariam como intermediaacuterios entre as determinantes causais baacutesicas do comportamento e as resultantes e o efetivo comportamento

Uma definiccedilatildeo eacute oferecida regimes seriam lsquoconjun-tos de princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo impliacutecitos ou expliacutecitos em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em

4 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983

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uma dada aacuterea das relaccedilotildees internacionaisrsquo5

Os termos da definiccedilatildeo satildeo assim explicados lsquoPrin-ciacutepios satildeo crenccedilas de fato de causa e de retidatildeo Normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e obrigaccedilotildees Regras satildeo prescriccedilotildees ou proscri-ccedilotildees especiacuteficas de accedilatildeo Procedimentos de tomada de decisatildeo satildeo praacuteticas prevalentes para a feitura e a imple-mentaccedilatildeo de escolhas coletivasrsquo6 Nem essa definiccedilatildeo de regimes nem aquela de suas partes constitutivas eacute aceita por todos sem restriccedilotildees No entanto podem ser retidas como definiccedilotildees operativas working definitions7 e satildeo em todo caso definiccedilotildees referenciais

As posturas que os estudiosos das relaccedilotildees interna-cionais adotam em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de regimes em relaccedilatildeo ao papel que estes desempenham e em relaccedilatildeo agraves determinantes de sua existecircncia variam de acordo com a sua abordagem teoacuterica subjacente a partir da qual estudam o funcionamento da sociedade internacio-nal As diferenccedilas podem ser vistas em essecircncia como relacionadas ao papel do direito ou da regulaccedilatildeo ndash prin-ciacutepios normas regras ndash nas relaccedilotildees internacionais

Este aspecto fundamental da concepccedilatildeo de regi-mes que tem a teoria das relaccedilotildees internacionais apare-ce claramente regimes internacionais satildeo normativos regulatoacuterios juriacutedicos em sua natureza mesma Falar entatildeo sobre regimes lsquojuriacutedicosrsquo internacionais seria em certa medida pleonaacutestico Mas aqui o direito estaacute sen-do olhado desde fora como um produto das dinacircmicas que governam as relaccedilotildees na cena internacional e como uma possiacutevel condicionante dos comportamentos e re-sultados Natildeo se trata de uma discussatildeo juriacutedica sobre o direito mas de uma discussatildeo poliacutetica

5 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquosets of implicit or explicit principles norms rules and decision-making proce-dures around which actorsrsquo expectations converge in a given area of international relationsrsquo(KRASNER 1983)rdquotitlerdquo ldquoStructural causes and regime consequences regimes as intervening vari-ablesrdquo ldquotyperdquo ldquochapterrdquo ldquourisrdquo [ ldquohttpwwwmendeleycomdocumentsuuid=826f40ad-f706-4e72-8f96-08683c832d4brdquo ] ] ldquomendeleyrdquo ldquopreviouslyFormattedCitationrdquo ldquo(KRASNER 19836 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cornell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquoPrinciples are beliefs of fact causation and rectitude Norms are standards of behaviour de-fined in terms of rights and obligations Rules are specific prescrip-tions or proscriptions of action Decision-making procedures are prevailing practices for making and implementing collective choicersquo7 HANSENCLEVER A MAYER P RITTBERGER V Theo-ries of international regimes Cambridge Cambridge University Press 1997 p 13

Outro aspecto importante da discussatildeo neste terre-no eacute o fato de que apesar da definiccedilatildeo geral falar em lsquoexpectativas dos atoresrsquo ela estaacute centrada no compor-tamento e nas expectativas dos Estados Os Estados satildeo vistos como os atores centrais das relaccedilotildees internacio-nais e os regimes internacionais satildeo vistos como aqueles conjuntos de princiacutepios normas regras e procedimen-tos de tomada de decisatildeo produzidos pelos Estados e destinados a influenciar as expectativas e o comporta-mento dos Estados

Finalmente devo sublinhar um aspecto central dos regimes tal como definidos aqui esses conjuntos de princiacutepios normas etc governam aacutereas ou setores espe-ciacuteficos das relaccedilotildees internacionais8 Estaacute claro portanto que a discussatildeo de regimes que faz a teoria das relaccedilotildees internacionais natildeo estaacute preocupada ao menos natildeo de modo particular com a existecircncia funccedilatildeo ou unidade de um sistema juriacutedico constituiacutedo pelos vaacuterios regimes ou a eles sobreposto

Enquanto se esforccedila para explicar as interaccedilotildees entre Estados e identificar o caminho que leva das variaacuteveis causais baacutesicas ao correspondente comportamento ou resultante a teoria das relaccedilotildees internacionais olha para aglomerados conjuntos de instrumentos regulatoacuterios organizados em torno de temas especiacuteficos tais como seguranccedila meio ambiente comeacutercio etc

Vistos pelos teoacutericos das relaccedilotildees internacionais regimes internacionais aparecem essencialmente como conjuntos regulatoacuterios constituiacutedos por normas e orga-nizaccedilotildees que satildeo parte do que se conhece usualmente como direito internacional puacuteblico apesar de que ne-nhum esforccedilo particular eacute feito para verificar se de fato essas normas e organizaccedilotildees pertencem a essa ordem juriacutedica e correspondem aos cacircnones que aos olhos do proacuteprio direito internacional fazem desta ordem juriacutedi-ca um todo coerente

Esses traccedilos baacutesicos dos regimes internacionais ndash normas e organizaccedilotildees criadas ou produzidas pelos Estados e destinados a regular o comportamento dos Estados correspondendo agraves caracteriacutesticas do direito internacional puacuteblico organizadas em torno de temas especiacuteficos ndash satildeo os que resultam da literatura sobre re-laccedilotildees internacionais Mas regimes natildeo precisam neces-sariamente ser vistos assim e de fato natildeo o satildeo sempre

8 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 1

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nem por todos Outras concepccedilotildees de regimes interna-cionais existem

22 A concepccedilatildeo de regimes da teoria social

Uma concepccedilatildeo diferente de regimes pode ser en-contrada entre aqueles que enxergam a emergecircncia de um direito global que eacute fragmentado em diversos re-gimes diferenciados funcionalmente correspondendo a setores especiacuteficos do tecido social9

Essa visatildeo ancorada numa perspectiva de teoria so-cial vecirc o direito como uma realidade transformada Ele jaacute natildeo seria normativo nem fundado no territoacuterio O direito seria agora cognitivo e desprovido de qualquer capacidade de unidade10 Sua organizaccedilatildeo tradicional de acordo com territoacuterios nacionais estaria dando lugar a um direito fragmentado segundo linhas sociais setoriais os setores sendo economia ciecircncia e outros tantos11

Esses regimes setoriais porque constituiriam esse direito global que eacute diferente em sua essecircncia mesma satildeo pensados mais como transnacionais do que como internacionais12

Diferem ou pensa-se que diferem dos regimes in-

9 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100010 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100011 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1006-1007Diferentemente desta abordagem Gabriela Garcia Batis-ta Lima explora uma utilidade do conceito de governanccedila originado das relaccedilotildees internacionais como institucionalizaccedilatildeo para o estudo de um direito que cada vez mais inclui relaccedilotildees natildeo estatais As-sim aborda a complementaridade e convergecircncia dos conceitos de governanccedila regimes juriacutedicos direito reflexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autorregulaccedilatildeo que satildeo colocados como ferramentas para um estudo do direito poacutes-globalizaccedilatildeo Ver LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 201412 ldquoThe traditional differentiation in line with the political princi-ple of territoriality into relatively autonomous national legal orders is thus overlain by a sectoral differentiation principle the differentia-tion of global law into transnational legal regimes which define the external reach of their jurisdiction along issue-specific rather than territorial lines and which claim a global validity for them- selvesrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Colli-sions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1009

ternacionais em vaacuterios sentidos A comunidade cogni-tiva que daria origem ao regime e suas normas natildeo eacute vista como constituiacuteda exclusivamente por Estados13 As normas satildeo em princiacutepio pensadas como juriacutedicas ou legais mas natildeo precisariam conformar-se aos cacircno-nes quer do direito domeacutestico nacional quer do direi-to internacional Os destinataacuterios das normas aqueles cujo comportamento supotildee-se que regulem natildeo seriam os Estados ou ao menos natildeo apenas os Estados mas quem quer que seja um membro da comunidade cogni-tiva ou do setor social em questatildeo14

Porque essa visatildeo dos regimes pressupotildee uma trans-formaccedilatildeo na proacutepria natureza do direito eacute apenas na-tural que se espere uma resposta para o que significa serem esses regimes (transnacionais) juriacutedicos Essa res-posta natildeo se encontra em lugar algum Ela eacute no entanto de fundamental importacircncia jaacute que para os proponentes desta perspectiva que pretendem indicar um caminho para a soluccedilatildeo das colisotildees entre os regimes eacute muito importante decidir se e quando as normas colidentes satildeo juriacutedicas e natildeo apenas normas sociais15De acordo

13 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Isso porque haacute uma consequecircncia indireta da globali-zaccedilatildeo da diferenciaccedilatildeo social ldquothe unity of global law is no longer structure-based as in the case of the Nation- State within institu-tionally secured normative consistency but is rather process-based deriving simply from the modes of connection between legal opera-tions which transfer binding legality between even highly hetero-geneous legal ordersrdquoFISHER-LESCANO ANDREAS TEUB-NER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1008 Ainda ldquo[f]or centuries law had followed the political logic of nation-states and was manifest in the multitude of national legal orders each with their own territorial juris- dic-tion Even international law which viewed itself as the contract law of Nation-States did not depart from this model The final break with such conceptions was only signaled in the last century with the rapidly accelerating expansion of international organizations and regulatory regimes which in sharp contrast to their genesis within international treaties established themselves as autonomous legal orders The national differentiation of law is now overlain by secto-ral fragmentationrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100814 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Ver tambeacutem TEUBNER 199715 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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uma dada aacuterea das relaccedilotildees internacionaisrsquo5

Os termos da definiccedilatildeo satildeo assim explicados lsquoPrin-ciacutepios satildeo crenccedilas de fato de causa e de retidatildeo Normas satildeo padrotildees de comportamento definidos em termos de direitos e obrigaccedilotildees Regras satildeo prescriccedilotildees ou proscri-ccedilotildees especiacuteficas de accedilatildeo Procedimentos de tomada de decisatildeo satildeo praacuteticas prevalentes para a feitura e a imple-mentaccedilatildeo de escolhas coletivasrsquo6 Nem essa definiccedilatildeo de regimes nem aquela de suas partes constitutivas eacute aceita por todos sem restriccedilotildees No entanto podem ser retidas como definiccedilotildees operativas working definitions7 e satildeo em todo caso definiccedilotildees referenciais

As posturas que os estudiosos das relaccedilotildees interna-cionais adotam em relaccedilatildeo agrave definiccedilatildeo de regimes em relaccedilatildeo ao papel que estes desempenham e em relaccedilatildeo agraves determinantes de sua existecircncia variam de acordo com a sua abordagem teoacuterica subjacente a partir da qual estudam o funcionamento da sociedade internacio-nal As diferenccedilas podem ser vistas em essecircncia como relacionadas ao papel do direito ou da regulaccedilatildeo ndash prin-ciacutepios normas regras ndash nas relaccedilotildees internacionais

Este aspecto fundamental da concepccedilatildeo de regi-mes que tem a teoria das relaccedilotildees internacionais apare-ce claramente regimes internacionais satildeo normativos regulatoacuterios juriacutedicos em sua natureza mesma Falar entatildeo sobre regimes lsquojuriacutedicosrsquo internacionais seria em certa medida pleonaacutestico Mas aqui o direito estaacute sen-do olhado desde fora como um produto das dinacircmicas que governam as relaccedilotildees na cena internacional e como uma possiacutevel condicionante dos comportamentos e re-sultados Natildeo se trata de uma discussatildeo juriacutedica sobre o direito mas de uma discussatildeo poliacutetica

5 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquosets of implicit or explicit principles norms rules and decision-making proce-dures around which actorsrsquo expectations converge in a given area of international relationsrsquo(KRASNER 1983)rdquotitlerdquo ldquoStructural causes and regime consequences regimes as intervening vari-ablesrdquo ldquotyperdquo ldquochapterrdquo ldquourisrdquo [ ldquohttpwwwmendeleycomdocumentsuuid=826f40ad-f706-4e72-8f96-08683c832d4brdquo ] ] ldquomendeleyrdquo ldquopreviouslyFormattedCitationrdquo ldquo(KRASNER 19836 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cornell University Press 1983 p 2 traduccedilatildeo nossa lsquoPrinciples are beliefs of fact causation and rectitude Norms are standards of behaviour de-fined in terms of rights and obligations Rules are specific prescrip-tions or proscriptions of action Decision-making procedures are prevailing practices for making and implementing collective choicersquo7 HANSENCLEVER A MAYER P RITTBERGER V Theo-ries of international regimes Cambridge Cambridge University Press 1997 p 13

Outro aspecto importante da discussatildeo neste terre-no eacute o fato de que apesar da definiccedilatildeo geral falar em lsquoexpectativas dos atoresrsquo ela estaacute centrada no compor-tamento e nas expectativas dos Estados Os Estados satildeo vistos como os atores centrais das relaccedilotildees internacio-nais e os regimes internacionais satildeo vistos como aqueles conjuntos de princiacutepios normas regras e procedimen-tos de tomada de decisatildeo produzidos pelos Estados e destinados a influenciar as expectativas e o comporta-mento dos Estados

Finalmente devo sublinhar um aspecto central dos regimes tal como definidos aqui esses conjuntos de princiacutepios normas etc governam aacutereas ou setores espe-ciacuteficos das relaccedilotildees internacionais8 Estaacute claro portanto que a discussatildeo de regimes que faz a teoria das relaccedilotildees internacionais natildeo estaacute preocupada ao menos natildeo de modo particular com a existecircncia funccedilatildeo ou unidade de um sistema juriacutedico constituiacutedo pelos vaacuterios regimes ou a eles sobreposto

Enquanto se esforccedila para explicar as interaccedilotildees entre Estados e identificar o caminho que leva das variaacuteveis causais baacutesicas ao correspondente comportamento ou resultante a teoria das relaccedilotildees internacionais olha para aglomerados conjuntos de instrumentos regulatoacuterios organizados em torno de temas especiacuteficos tais como seguranccedila meio ambiente comeacutercio etc

Vistos pelos teoacutericos das relaccedilotildees internacionais regimes internacionais aparecem essencialmente como conjuntos regulatoacuterios constituiacutedos por normas e orga-nizaccedilotildees que satildeo parte do que se conhece usualmente como direito internacional puacuteblico apesar de que ne-nhum esforccedilo particular eacute feito para verificar se de fato essas normas e organizaccedilotildees pertencem a essa ordem juriacutedica e correspondem aos cacircnones que aos olhos do proacuteprio direito internacional fazem desta ordem juriacutedi-ca um todo coerente

Esses traccedilos baacutesicos dos regimes internacionais ndash normas e organizaccedilotildees criadas ou produzidas pelos Estados e destinados a regular o comportamento dos Estados correspondendo agraves caracteriacutesticas do direito internacional puacuteblico organizadas em torno de temas especiacuteficos ndash satildeo os que resultam da literatura sobre re-laccedilotildees internacionais Mas regimes natildeo precisam neces-sariamente ser vistos assim e de fato natildeo o satildeo sempre

8 KRASNER Stephen D (ed) International Regimes Ithaca Cor-nell University Press 1983 p 1

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nem por todos Outras concepccedilotildees de regimes interna-cionais existem

22 A concepccedilatildeo de regimes da teoria social

Uma concepccedilatildeo diferente de regimes pode ser en-contrada entre aqueles que enxergam a emergecircncia de um direito global que eacute fragmentado em diversos re-gimes diferenciados funcionalmente correspondendo a setores especiacuteficos do tecido social9

Essa visatildeo ancorada numa perspectiva de teoria so-cial vecirc o direito como uma realidade transformada Ele jaacute natildeo seria normativo nem fundado no territoacuterio O direito seria agora cognitivo e desprovido de qualquer capacidade de unidade10 Sua organizaccedilatildeo tradicional de acordo com territoacuterios nacionais estaria dando lugar a um direito fragmentado segundo linhas sociais setoriais os setores sendo economia ciecircncia e outros tantos11

Esses regimes setoriais porque constituiriam esse direito global que eacute diferente em sua essecircncia mesma satildeo pensados mais como transnacionais do que como internacionais12

Diferem ou pensa-se que diferem dos regimes in-

9 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100010 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100011 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1006-1007Diferentemente desta abordagem Gabriela Garcia Batis-ta Lima explora uma utilidade do conceito de governanccedila originado das relaccedilotildees internacionais como institucionalizaccedilatildeo para o estudo de um direito que cada vez mais inclui relaccedilotildees natildeo estatais As-sim aborda a complementaridade e convergecircncia dos conceitos de governanccedila regimes juriacutedicos direito reflexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autorregulaccedilatildeo que satildeo colocados como ferramentas para um estudo do direito poacutes-globalizaccedilatildeo Ver LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 201412 ldquoThe traditional differentiation in line with the political princi-ple of territoriality into relatively autonomous national legal orders is thus overlain by a sectoral differentiation principle the differentia-tion of global law into transnational legal regimes which define the external reach of their jurisdiction along issue-specific rather than territorial lines and which claim a global validity for them- selvesrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Colli-sions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1009

ternacionais em vaacuterios sentidos A comunidade cogni-tiva que daria origem ao regime e suas normas natildeo eacute vista como constituiacuteda exclusivamente por Estados13 As normas satildeo em princiacutepio pensadas como juriacutedicas ou legais mas natildeo precisariam conformar-se aos cacircno-nes quer do direito domeacutestico nacional quer do direi-to internacional Os destinataacuterios das normas aqueles cujo comportamento supotildee-se que regulem natildeo seriam os Estados ou ao menos natildeo apenas os Estados mas quem quer que seja um membro da comunidade cogni-tiva ou do setor social em questatildeo14

Porque essa visatildeo dos regimes pressupotildee uma trans-formaccedilatildeo na proacutepria natureza do direito eacute apenas na-tural que se espere uma resposta para o que significa serem esses regimes (transnacionais) juriacutedicos Essa res-posta natildeo se encontra em lugar algum Ela eacute no entanto de fundamental importacircncia jaacute que para os proponentes desta perspectiva que pretendem indicar um caminho para a soluccedilatildeo das colisotildees entre os regimes eacute muito importante decidir se e quando as normas colidentes satildeo juriacutedicas e natildeo apenas normas sociais15De acordo

13 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Isso porque haacute uma consequecircncia indireta da globali-zaccedilatildeo da diferenciaccedilatildeo social ldquothe unity of global law is no longer structure-based as in the case of the Nation- State within institu-tionally secured normative consistency but is rather process-based deriving simply from the modes of connection between legal opera-tions which transfer binding legality between even highly hetero-geneous legal ordersrdquoFISHER-LESCANO ANDREAS TEUB-NER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1008 Ainda ldquo[f]or centuries law had followed the political logic of nation-states and was manifest in the multitude of national legal orders each with their own territorial juris- dic-tion Even international law which viewed itself as the contract law of Nation-States did not depart from this model The final break with such conceptions was only signaled in the last century with the rapidly accelerating expansion of international organizations and regulatory regimes which in sharp contrast to their genesis within international treaties established themselves as autonomous legal orders The national differentiation of law is now overlain by secto-ral fragmentationrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100814 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Ver tambeacutem TEUBNER 199715 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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TEUBNER 2004 p 101324)

Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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nem por todos Outras concepccedilotildees de regimes interna-cionais existem

22 A concepccedilatildeo de regimes da teoria social

Uma concepccedilatildeo diferente de regimes pode ser en-contrada entre aqueles que enxergam a emergecircncia de um direito global que eacute fragmentado em diversos re-gimes diferenciados funcionalmente correspondendo a setores especiacuteficos do tecido social9

Essa visatildeo ancorada numa perspectiva de teoria so-cial vecirc o direito como uma realidade transformada Ele jaacute natildeo seria normativo nem fundado no territoacuterio O direito seria agora cognitivo e desprovido de qualquer capacidade de unidade10 Sua organizaccedilatildeo tradicional de acordo com territoacuterios nacionais estaria dando lugar a um direito fragmentado segundo linhas sociais setoriais os setores sendo economia ciecircncia e outros tantos11

Esses regimes setoriais porque constituiriam esse direito global que eacute diferente em sua essecircncia mesma satildeo pensados mais como transnacionais do que como internacionais12

Diferem ou pensa-se que diferem dos regimes in-

9 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100010 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100011 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1006-1007Diferentemente desta abordagem Gabriela Garcia Batis-ta Lima explora uma utilidade do conceito de governanccedila originado das relaccedilotildees internacionais como institucionalizaccedilatildeo para o estudo de um direito que cada vez mais inclui relaccedilotildees natildeo estatais As-sim aborda a complementaridade e convergecircncia dos conceitos de governanccedila regimes juriacutedicos direito reflexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autorregulaccedilatildeo que satildeo colocados como ferramentas para um estudo do direito poacutes-globalizaccedilatildeo Ver LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 201412 ldquoThe traditional differentiation in line with the political princi-ple of territoriality into relatively autonomous national legal orders is thus overlain by a sectoral differentiation principle the differentia-tion of global law into transnational legal regimes which define the external reach of their jurisdiction along issue-specific rather than territorial lines and which claim a global validity for them- selvesrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Colli-sions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1009

ternacionais em vaacuterios sentidos A comunidade cogni-tiva que daria origem ao regime e suas normas natildeo eacute vista como constituiacuteda exclusivamente por Estados13 As normas satildeo em princiacutepio pensadas como juriacutedicas ou legais mas natildeo precisariam conformar-se aos cacircno-nes quer do direito domeacutestico nacional quer do direi-to internacional Os destinataacuterios das normas aqueles cujo comportamento supotildee-se que regulem natildeo seriam os Estados ou ao menos natildeo apenas os Estados mas quem quer que seja um membro da comunidade cogni-tiva ou do setor social em questatildeo14

Porque essa visatildeo dos regimes pressupotildee uma trans-formaccedilatildeo na proacutepria natureza do direito eacute apenas na-tural que se espere uma resposta para o que significa serem esses regimes (transnacionais) juriacutedicos Essa res-posta natildeo se encontra em lugar algum Ela eacute no entanto de fundamental importacircncia jaacute que para os proponentes desta perspectiva que pretendem indicar um caminho para a soluccedilatildeo das colisotildees entre os regimes eacute muito importante decidir se e quando as normas colidentes satildeo juriacutedicas e natildeo apenas normas sociais15De acordo

13 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Isso porque haacute uma consequecircncia indireta da globali-zaccedilatildeo da diferenciaccedilatildeo social ldquothe unity of global law is no longer structure-based as in the case of the Nation- State within institu-tionally secured normative consistency but is rather process-based deriving simply from the modes of connection between legal opera-tions which transfer binding legality between even highly hetero-geneous legal ordersrdquoFISHER-LESCANO ANDREAS TEUB-NER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1008 Ainda ldquo[f]or centuries law had followed the political logic of nation-states and was manifest in the multitude of national legal orders each with their own territorial juris- dic-tion Even international law which viewed itself as the contract law of Nation-States did not depart from this model The final break with such conceptions was only signaled in the last century with the rapidly accelerating expansion of international organizations and regulatory regimes which in sharp contrast to their genesis within international treaties established themselves as autonomous legal orders The national differentiation of law is now overlain by secto-ral fragmentationrdquo FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Frag-mentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100814 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-1009 Ver tambeacutem TEUBNER 199715 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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com eles uma norma juriacutedica teraacute sempre precedecircncia sobre uma norma social com que colida16

Os regimes diferenciados funcionalmente satildeo por-tanto pensados como sendo direito mas seriam a ex-pressatildeo de um direito diferente organizado em torno de setores cognitivos especiacuteficos natildeo produzido por Estados natildeo destinado a governar as relaccedilotildees no inte-rior de um determinado territoacuterio ou as relaccedilotildees entre Estados territorialmente definidos Eles podem colidir e argumenta-se que colidem de fato tambeacutem com os direitos nacionais domeacutesticos e com o direito interna-cional jaacute que nem aqueles nem este desaparecem17

Isto traz algum conforto para quem dele precisar e indica a existecircncia ou a emergecircncia de um novo tipo de direito que ainda natildeo tem as condiccedilotildees de substituir o antigo normativo territorial Esperar-se-ia portanto que esses regimes legais transnacionais natildeo coincidam com aqueles regimes que no coraccedilatildeo do direito do-meacutestico ou do direito internacional satildeo expressotildees das caracteriacutesticas desses sistemas juriacutedicos ainda que or-ganizados em torno de aacutereas ou temas de preocupaccedilatildeo especiacuteficos

Regimes juriacutedicos transnacionais para serem juriacutedi-cos ou devem pressupor uma definiccedilatildeo de direito dife-rente de modo a diferenciaacute-los do que faz juriacutedicos os regimes que fazem parte do direito internacional puacutebli-co ou devem pressupor uma definiccedilatildeo ampliada mais inclusiva que possa abarcar ambos tipos de conjuntos de normas regras etc

Num mesmo focirclego direito do comeacutercio internacio-nal direito do meio ambiente lex mercatoria lex construc-tionis lex digitalis satildeo oferecidos como exemplos desses regimes funcionais que seriam a expressatildeo da fragmen-taccedilatildeo do direito global18 A proliferaccedilatildeo de tribunais e cortes internacionais eacute invocada como prova suple-

2012 p 5216 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 p 5217 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101318 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1010-1011 1013

mentar dessa fragmentaccedilatildeo19 Mas todos os exemplos dessa proliferaccedilatildeo satildeo tirados do direito internacional puacuteblico20

De acordo com essa visatildeo a fragmentaccedilatildeo do direito eacute apenas um reflexo efecircmero da fragmentaccedilatildeo social21 Qualquer desejo de unidade seria mera ilusatildeo22 No me-lhor dos casos pensa-se normas de conflito permitiratildeo o estabelecimento de redes fluidas entre as unidades em conflito23 No entanto ainda que assim fosse parece--me que deveria permanecer inteira a necessidade de se poder reconhecer e delimitar as unidades em questatildeo

Ou bem o direito do comeacutercio internacional e por exemplo a lex constructionis correspondem a uma uacutenica e mesma definiccedilatildeo geneacuterica ou natildeo Se natildeo correspon-dem a uacutenica justificativa possiacutevel para o fato de apare-cerem juntos eacute o fato de demonstrarem a tendecircncia do direito ou da regulaccedilatildeo de se tornarem especializados e compartimentalizados Seraacute realmente possiacutevel que o fato de um desses regimes ser parte do direito interna-cional puacuteblico natildeo tenha qualquer importacircncia

Para decidir sobre isso eacute preciso verificar o conceito de regime transnacional com que os proponentes dessa perspectiva estatildeo trabalhando Aquela oferecida eacute esta

ldquoA regime is a union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breaches When such a regime seeks precedence in regard to the general law we have a lsquoself-contained regimersquo a special case of lex specialisrdquo(FISCHER-LESCANO

19 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1012-101420 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 passim21 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global LawMichigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004 Ainda os autores concluem que nem a criaccedilatildeo de hierarquias judi-ciais soluccedilatildeo apresentada comumente para a fragmentaccedilatildeo juriacutedica solucionaria a questatildeo jaacute que tal fragmentaccedilatildeo deriva de contra-diccedilotildees estruturais sociais Citam entatildeo Luhmann (Die Gesellschaft der Gesellschaft 1997 p 1088-96) ldquo[T]hesino f differentiation can never be undone Paradise is lostrdquo22 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 100423 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1004

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Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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Essa definiccedilatildeo eacute apresentada como uma demonstra-ccedilatildeo de que esses regimes natildeo pertencem quer ao direi-to nacional quer ao direito internacional porque nos eacute dito suas normas secundaacuterias natildeo correspondem a qualquer dos dois tipos de sistema juriacutedico25 No entan-to a definiccedilatildeo eacute tomada emprestada de um relatoacuterio da Comissatildeo do Direito Internacional (CDI) sobre a frag-mentaccedilatildeo do direito internacional e faz referecircncia no relatoacuterio agrave noccedilatildeo de regimes autocontidos que funcio-nariam como lex specialis em relaccedilatildeo ao direito interna-cional puacuteblico geral

A definiccedilatildeo natildeo pode ser aplicada a lex mercatoria lex constructionis lex digitalis etc Os traccedilos gerais da definiccedilatildeo ndash ldquoa union of rules laying down particular rights duties and powers and rules having to do with the administration of such rules including in particular rules for reacting to breachesrdquo- po-dem se aplicar a esses conjuntos normativos como sis-temas juriacutedicos se quisermos independentes mas natildeo como regimes dentro de um sistema juriacutedico a que natildeo podem pertencer A ideia de derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao direito geral soacute poderia querer significar derrogaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao novo direito global que nos eacute tambeacutem dito natildeo eacute passiacutevel de unidade26

Algumas menccedilotildees agrave literatura referencial das rela-ccedilotildees internacionais a que me referi antes satildeo feitas nessa literatura que chamo de teoria social27 Mas aqui tam-beacutem estaacute claro que os regimes de que uns e outros falam soacute podem ser coisas totalmente diversas

Natildeo haacute nada aleacutem da ideia baacutesica de que conjuntos de normas regras e procedimentos tendem a surgir e evoluir em torno de aacutereas e problemas especiacuteficos que una a noccedilatildeo de regimes como concebidos pela teoria das relaccedilotildees internacionais agravequela de regimes transna-cionais pensados por cientistas sociais como partes de

24 Definiccedilatildeo citada de KOSKENNIEMI MarttiStudy on the Func-tion and Scope of the lex specialis Rule and the Question of ldquoSelf-Contained Regimes Preliminary Report by Martti Koskenniemi Chairman of the Study Group of the ILC Maio de 2004 p 9(KOSKENNIEMI 2004)25 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101326 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 101727 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1011 nota 45

um novo direito global Aleacutem disso estes uacuteltimos se ressentem da falta de uma definiccedilatildeo clara uma que natildeo seja tomada de empreacutestimo agrave literatura das relaccedilotildees in-ternacionais ou de estudos estritamente dogmaacuteticos de direito internacional E como dito natildeo haacute clareza sobre o que significaria serem esses regimes juriacutedicos

23 A fragmentaccedilatildeo no direito internacional puacuteblico

Uma terceira perspectiva a partir da qual se olhou para a noccedilatildeo de regimes eacute aquela do direito internacio-nal puacuteblico Ali regimes satildeo igualmente vistos como conjuntos normativos organizados em torno de aacutereas especiacuteficas mas constituem partes fragmentos de um sistema juriacutedico unificado coerente Os princiacutepios normas regras e procedimentos de tomada de decisatildeo assim como as organizaccedilotildees que podem ser pensados como constituindo conjuntos relativamente articulados ou autocontidos satildeo todos partes do direito interna-cional e correspondem aos criteacuterios de reconhecimento estabelecidos por essa ordem juriacutedica

231 A visatildeo dogmaacutetica

A fragmentaccedilatildeo do direito internacional (puacuteblico) decorre ao que parece da sua expansatildeo e de sua cres-cente especializaccedilatildeo e daria lugar por sua vez a vaacuterios problemas e dificuldades28 Tanto a expansatildeo quanto a especializaccedilatildeo dizem respeito agraves normas e tambeacutem agraves instituiccedilotildees ou estruturas organizacionais do direito in-ternacional29 A fragmentaccedilatildeo eacute portanto tanto norma-tiva quanto institucional

A possibilidade de que haja contradiccedilotildees e colisotildees entre as normas chamadas a regular o comportamen-to dos sujeitos de direito internacional e de que essas normas venham a ser aplicadas de modo divergente por diferentes tribunais ou instituiccedilotildees internacionais eacute normalmente apresentada como a principal dificulda-de associada agrave fragmentaccedilatildeo dessa ordem juriacutedica30 O problema portanto eacute a possibilidade de que um Estado se veja submetido a normas contraditoacuterias ou tenha que

28 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1529 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 1330 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8-9 15

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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fazer face a decisotildees contraditoacuterias emitidas por tribu-nais ou instituiccedilotildees diferentes baseando-se em normas pertencentes a diferentes fragmentos ou ramos do direi-to internacional

Um caminho para a soluccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo norma-tiva foi ensaiado pela CDI31 Os juristas da Comissatildeo con-sideraram por outro lado que era mais apropriado deixar que a soluccedilatildeo para as colisotildees decorrentes da fragmentaccedilatildeo institucional seja buscada pelas proacuteprias instituiccedilotildees32

Regimes satildeo o produto resultante da fragmentaccedilatildeo (ou um dos produtos jaacute que talvez nem sempre se as-sista agrave formaccedilatildeo de regimes autocontidos mas sim agrave de simples fragmentos ou mesmo de normas individuais isoladas)33 Eles podem ser entendidos como regimes especiacuteficos de responsabilidade internacional34 como um conjunto de normas relativas a um tema ou aacuterea especiacuteficos ou como um sistema mais complexo de nor-mas e estruturas organizacionais voltadas agrave regulaccedilatildeo de um tema35

A soluccedilatildeo ensaiada pelo relatoacuterio da CDI para os dois principais problemas identificados ndash a relaccedilatildeo en-tre os regimes e o direito internacional geral e a irrita-ccedilatildeo entre os regimes ndash comeccedila por adotar a Convenccedilatildeo de Viena sobre o Direito dos Tratados como guia Isto porque os regimes satildeo sempre pensa-se constituiacutedos por e contidos em tratados ou conjuntos de tratados36

Recorre-se em seguida agraves teacutecnicas claacutessicas para a soluccedilatildeo de antinomias lex specialis lex posteriori e hierar-quia37 Claro porque o direito internacional eacute um tipo especiacutefico e especial de ordem juriacutedica todas essas teacutec-

31 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 2006 p 248-25632 Entretanto indica-se[d]isputes concerning the operation of the regimes may not always be properly dealt with by the same organs that have to deal with the recognition of claims of rights Likewise when conflicts emerge between treaty provisions that have their home in different regimes care should be taken so as to guar-antee that any settlement is not dictated by organs exclusively linked with one of the other of the conflicting regimes RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 paacuteg 25233 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 14 Ver tambeacutem para 123-13734 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 138 ndash 152 Retornarei a essas possibilidades adiante no capiacute-tulo III35 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 159 - 18536 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 17 248 49237 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 8

nicas funcionam de modo tambeacutem especiacutefico especial-mente a ideia de hierarquia normativa

Eacute muito importante notar que a todo momento esta perspectiva da fragmentaccedilatildeo olha para o direito internacio-nal como uma ordem juriacutedica unitaacuteria coerente e olha para o fenocircmeno dos regimes como um desafio que pode e deve receber uma resposta no acircmbito de uma ordem unitaacuteria e coerente Eacute a partir dessa perspectiva que o direito interna-cional olha para si mesmo desde dentro

Desse ponto de vista regimes satildeo vistos como ma-nifestaccedilotildees de uma tendecircncia problemaacutetica e desafia-dora de fragmentaccedilatildeo O contexto da fragmentaccedilatildeo e dos regimes continua sendo a diferenciaccedilatildeo funcional da vida dividindo a sociedade em setores de conheci-mento e de interesses38 Aqui no entanto para o direi-to internacional a diferenciaccedilatildeo funcional setorial natildeo distribui diferentes atores em muacuteltiplos nuacutecleos sociais Aqui satildeo os Estados que produzem as normas e orga-nizaccedilotildees e ao mesmo tempo criam diferentes regimes temaacuteticos especiais de direito internacional39

Isto porque de acordo com essa visatildeo do direito pelo direito ainda satildeo os Estados a produzir o direito internacional assim como satildeo estes os destinataacuterios de suas normas Apenas os Estados agem atraveacutes de di-ferentes partes de suas burocracias ou atraveacutes de uma mesma autoridade responsaacutevel pelas relaccedilotildees externas produzindo diferentes respostas normativas para lidar com diferentes temas de preocupaccedilatildeo adotando e res-pondendo a diferentes racionalidades

Encontramos aqui portanto a mesma determinante baacutesica para a existecircncia de algo chamado lsquoregimes ju-riacutedicos internacionaisrsquo ndash a fragmentaccedilatildeo da vida social em temas especiacuteficos de preocupaccedilatildeo de conhecimen-to de interaccedilatildeo Apenas aqui os regimes de que fala o direito internacional problemaacuteticos mas ainda assim parte integrante de sua identidade como ordem juriacutedica parecem ser essencialmente os mesmos de que fala a literatura sobre teoria das relaccedilotildees internacionais A di-ferenccedila central eacute que esta uacuteltima ou natildeo se preocupa em estabelecer a natureza juriacutedica dos princiacutepios normas regras procedimentos de tomada de decisatildeo ou orga-nizaccedilotildees ou presume essa natureza juriacutedica tampouco se preocupa com o pertencimento dessas coisas a um

38 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 739 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 para 493

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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sistema juriacutedico unificado e coerente

De todo modo os regimes de que fala o direito in-ternacional natildeo satildeo os mesmos de que parece falar a teoria social mencionada antes

232 Discursos ou narrativas sobre a fragmen-taccedilatildeo do direito internacional

A visatildeo juriacutedica que acaba de ser discutida eacute dogmaacute-tica no sentido de que relata a visatildeo que o direito tem de si mesmo e usa a linguagem de que devem se valer os juristas para atuar no direito

Haacute abundante literatura juriacutedica sobre fragmenta-ccedilatildeo que se separa dessa visatildeo dogmaacutetica e que tende a discutir o tema desde um ponto de vista mais teoacuterico ou problematizante40 Uma parte dessa literatura discute as narrativas ou os discursos sobre fragmentaccedilatildeo e as colo-ca contra o pano de fundo das construccedilotildees intelectuais histoacutericas do direito internacional Uma parte discute os substratos filosoacuteficos ou poliacuteticos que informam as es-colhas por ou contra a fragmentaccedilatildeo41 As respostas ou opccedilotildees teoacutericas ndash sistema constitucionalismo pluralis-mo ndash tecircm mais a ver com isto do que com o verdadeiro funcionamento do direito internacional

E eacute claro uma parte importante da literatura lida com instacircncias concretas de colisatildeo ou fricccedilatildeo entre re-

40 Ver KOSKENNIEMI M LEINO P Fragmentation of In-ternational Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 2002 HAFNER G Pros and Cons Ensuing from Fragmen-tation of International Law Michigan Journal of International Law v 25 p 849-863 2004 SIMMA B Fragmentation in a Positive Light Michigan Journal of International Law v 25 p 845-8472012 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 p 999-1046 2004ABI SAAB G Fragmentation or Unification Some Concluding Remarks NYU Journal of International Law and Policy v 31 p 919-933 1998DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 2005KOSKEN-NIEMI M LEINO P Fragmentation of International Law Leiden Journal of International Law v 14 n 3 p 553-579 200241 Ver KOSKENNIEMI M Global Legal Pluralism Multiple Re-gimes and Multiple Modes of Thought Palestra proferida em Harvard em 5 de marccedilo de 2005MARTINEAU A-C The Rhetoric of Frag-mentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of In-ternational Law v 22 n 01 p 1 2009

gimes entre regimes especiacuteficos diante de tribunais ou organismos de tomada de decisatildeo especiacuteficos42 Alguns tentam oferecer ou discutir matrizes teoacutericas para a so-luccedilatildeo de casos concretos43

Parece-me no entanto que muitas das explicaccedilotildees teoacutericas e soluccedilotildees propostas sofrem de uma imperfeita construccedilatildeo dos problemas concretos e dos modos con-cretos em que os tribunais satildeo chamados a lidar com os casos de fragmentaccedilatildeo Mais seraacute dito sobre isso agrave frente

24 Coerecircncia e comunicaccedilatildeo entre as perspec-tivas

Como mencionado antes a compreensatildeo da noccedilatildeo de regimes e daquelas conexas de fragmentaccedilatildeo e plu-ralismo pode se revelar uma empreitada mais difiacutecil se natildeo satildeo tomadas em conta as diferenccedilas em perspectiva ndash os substratos teoacutericos o propoacutesito da investigaccedilatildeo a questatildeo colocada ndash e as loacutegicas internas de cada uma das perspectivas Pois eacute certo que cada perspectiva deve ter e manter-se fiel a uma loacutegica interna

Alguns podem ter reservas em relaccedilatildeo agrave perspectiva juriacutedico-dogmaacutetica sobre a fragmentaccedilatildeo consideran-do-a limitada em sua natureza mas permanece o fato de que ela eacute uma perspectiva vaacutelida assim como eacute vaacutelida a perspectiva adotada pela teoria social aqui mencionada quer apreciemos ou natildeo suas conclusotildees expansivas e revolucionaacuterias

No entanto diferenccedilas de perspectiva natildeo satildeo tudo que explica as dificuldades de compreensatildeo Como mencionei antes dois problemas ocorrem dentro das e entre as perspectivas

O primeiro desses eacute o problema dos empreacutestimos

42 DUPUY P-M A Doctrinal Debate in the Globalization Era On the ldquoFragmentationrdquo of International Law European Journal O Legal Studies v 1 n 1 p 1-20 2007 JACKSON J H Fragmentation or Unification Among International Institutions The World Trade Organization New York Journal of International Law and Politics v 31 p 823-831 1999SALAMA R Fragmentation of International Law Procedural Issues Arising of the Sea Disputes Australian and New Zealand Maritime Law Journal v 19 p 24-55 200543 HALBERSTAM D Local Global and Plural Constitution-alism Europe meets the world 2009 (working paper) Disponiacutevel em httpssrncomabstract=1521016 TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World Society In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation 1 ed Cam-bridge Cambridge University Press 2012 p 23-54

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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inapropriados de conceitos e raciociacutenios ou de referecircn-cias cruzadas inapropriadas

A visatildeo de regimes sustentada pela teoria das rela-ccedilotildees internacionais discutida acima natildeo carrega a culpa desse pecado e eacute mais comumente mero objeto de refe-recircncias feitas pelas demais perspectivas referecircncia que satildeo por vezes inofensivas e por vezes prejudiciais

Em princiacutepio como dito essa perspectiva tem mais coisas em comum com aquela do direito internacional puacuteblico jaacute que ambas estatildeo centradas nos conjuntos normativos que regulam o comportamento dos Es-tados Mas o direito internacional natildeo pode se apoiar sobre ou encontrar suporte na teoria das relaccedilotildees in-ternacionais para qualquer afirmaccedilatildeo normativa sobre a natureza juriacutedica das normas ou sobre seu pertencimen-to a algum sistema juriacutedico

As relaccedilotildees excessivamente liberais tecircm lugar entre a literatura juriacutedica e a teoria social especiacutefica que explorei acima

Boa parte da discussatildeo legal faz alguma referecircncia ao trabalho de Teubner e de Fischer-Lescano44 A eles eacute dado o creacutedito com alguma frequecircncia por haverem em princiacute-pio introduzido o tema da fragmentaccedilatildeo no campo do di-reito internacional45 As referecircncias soacute poderiam ser aceitas se a intenccedilatildeo eacute de apontar para um outro modo de olhar para fragmentaccedilatildeo e regimes para um conceito diverso de fragmentaccedilatildeo e um conceito diverso de regimes porque o fato eacute que ao escreverem sobre regimes esses autores cer-tamente natildeo falavam de direito internacional puacuteblico

E porque este eacute o caso Teubner e Fischer-Lescano natildeo poderiam e natildeo deveriam tomar emprestada a definiccedilatildeo de regimes autocontidos que foi dada pela CDI em seu relatoacute-rio sobre fragmentaccedilatildeo do direito internacional para des-crever algo completamente diferente que eles concebem como regimes setoriais transnacionais

Este exemplo relativo ao conceito mesmo de regime aquela que se espera seja a noccedilatildeo central de um trabalho lidando com colisotildees de regimes ilustra o segundo pro-blema que afeta o entendimento de regimes e de frag-mentaccedilatildeo Natildeo apenas trata-se do exemplo mais extre-mo de empreacutestimo inapropriado mas consiste tambeacutem

44 Trata-se da obra jaacute analisada aqui ldquoRegime-collisions The vain search for legal unity in the fragmentation of global lawrdquo de 200445 MARTINEAU A-C The Rhetoric of Fragmentation Fear and Faith in International Law Leiden Journal of International Law v 22 n 01 p 1 2009 nota 8

em uma quebra da coesatildeo interna da perspectiva de sua loacutegica interna

De fato nenhuma teoria geral consistente sobre a trans-formaccedilatildeo da natureza do direito sobre a diferenciaccedilatildeo fun-cional do direito sobre regimes e suas colisotildees e sobre re-meacutedios para as colisotildees eacute possiacutevel se o conceito de regimes precisa ser tomado emprestado da dogmaacutetica do direito internacional e se o conceito pode na melhor das hipoacuteteses cobrir um nuacutemero limitado de exemplos superficialmente descritos de direito fragmentado

As trecircs perspectivas discutidas acima oferecem re-presentaccedilotildees fortes do tema dos regimes internacionais ainda que natildeo sejam as uacutenicas possiacuteveis Muito esque-maticamente eacute possiacutevel dizer que elas anunciam dois grandes modos de enxergar a fragmentaccedilatildeo o pluralis-mo e a formaccedilatildeo de regimes O primeiro estaacute centrado no papel do Estado como regulador das relaccedilotildees inter-nacionais e por extensatildeo na centralidade do direito in-ternacional puacuteblico O segundo escapa a essa centrali-dade do Estado e do direito internacional ou ao menos natildeo se restringe a ela

Essa dicotomia fundamental anuncia a escolha cen-tral que fiz neste texto de discutir regimes como ma-nifestaccedilotildees da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico (capiacutetulo III) e enquanto aglomerados de nor-mas pertencentes a vaacuterios sistemas juriacutedicos e de outros tipos de regulaccedilatildeo (capiacutetulo IV)

Antes no entanto de proceder a essa discussatildeo cen-tral cabe lidar com uma outra dicotomia que eacute tambeacutem anunciada pelas implicaccedilotildees das diferentes perspectivas qual seja a relaccedilatildeo de oposiccedilatildeo ou de combinaccedilatildeo entre a noccedilatildeo de governanccedila e aquela de direito que chama por sua vez a uma discussatildeo sobre a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito

3 gOvernanccedila ndash DireitO e natildeO-DireitO ndash lugar e realiDaDe DO DireitO internaCiOnal

Antes de voltarmos a atenccedilatildeo aos problemas da perspectiva juriacutedica sobre regimes parece-me necessaacute-rio discutir um tema que corre em paralelo agravequele da fragmentaccedilatildeo se natildeo estaacute totalmente entrelaccedilado com ele Trata-se da questatildeo da natureza do direito e de seu papel na regulaccedilatildeo do mundo em nosso caso da socie-dade internacional Abstenho-me aqui de tentar definir

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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essa sociedade jaacute que o que se quer eacute dar agrave discussatildeo um caraacuteter mais geral

Tomemos a seguinte questatildeo como ponto de parti-da haacute um lugar um papel para o direito num mundo e num universo de pensamento dominados pela noccedilatildeo de governanccedila

Um jurista um pouco mais afim agrave tradiccedilatildeo pode sentir--se por vezes e ser visto como um espeacutecime de tempos haacute muito superados que desembarca em um novo mun-do mais complexo em que a liacutengua que fala natildeo guarda qualquer relaccedilatildeo com qualquer coisa real ou no melhor dos casos descreve uma parte muito insignificante da realidade

O termo governanccedila ainda que seja de difiacutecil con-ceituaccedilatildeo ndash eacute de fato uma dessas palavras que quando as ouvimos datildeo-nos a impressatildeo de que sabemos o que significam mas que se perguntados teriacuteamos dificulda-des para explicaacute-las ndash ganhou a preferecircncia de muitos e estaacute em todas as bocas46

Governanccedila pode ser entendida de modo mais abs-trato geneacuterico ou em sentido mais especiacutefico por vezes

46 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009BOumlRZEL T A HEARD-LAUREacuteOTE K Networks in EU Multi-level Governance Concepts and Contributions Journal of Public Policy v 29 n 02 p 135-151 2009 DANN P GOLDMANN M BOGDANDY A Developing the Publicness of Public International Law Towards a Legal Framework for Global Governance Activities German Law Journal v 9 n 11 p 1375-1400 2007 DAVIS D CORD-ER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Ju-ridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supra-national Scale Globalizing Administrative Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Principles and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006HOOGHE LIESBET MARKS G Un-raveling the Central State but How Types of Multi-Level Governance The American Political Science Review v 97 n 2 p 233-243 2003 KEYNES J M LEO C Multi-Level Governance and Ideological Rigidity The Failure of Deep Federalism Canadian Journal of Political Science v 42 n 1 p 93-116 2009 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JBGlobal Governance as Administration-National and Transna-tional Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006 MI-CHAELS R The Mirage of Non-State Governance Utah Law Review v 63 p 1-15 2010 PIATTONI S Multi-level Governance a Historical and Conceptual Analysis Journal of European Integration v 31 n 2 p 163-180 2009 SLAUGHTER A-M Everyday Global Governance Research Library Core v 132 n 1 p 83-90 2003 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

carregado Pode vir acompanhada por adjetivos ou pre-dicados tais como lsquonovarsquo47 ou lsquosem governorsquo48

Para nossos propoacutesitos mais importante do que de-finir precisamente a governanccedila ndash tarefa que natildeo tenta-rei aqui ndash eacute entender como a ideia se relaciona com o direito e com seu papel na regulaccedilatildeo da vida

Nesse sentido podem ser concebidos dois tipos baacute-sicos de relaccedilatildeo entre as duas noccedilotildees Uma que muitas vezes nos fica na mente como uma impressatildeo eacute a de que de algum modo elas se encontram em posiccedilotildees an-tagocircnicas uma contra a outra a governanccedila tentando ocupar o lugar do direito e o direito tentando resistir ao invasor

A segunda que parece estar mais de acordo com a realidade de hoje e de ontem na medida em que se quei-ra trabalhar a noccedilatildeo de governanccedila como significando os modos ndash meios e mecanismos ndash pelos quais a socie-dade eacute regulada eacute a de que o direito eacute como sempre foi parte da governanccedila

Eacute por esta razatildeo precisamente que a questatildeo diz respeito ao lugar ocupado pelo direito na governanccedila da vida ndash para nossos propoacutesitos da vida internacional Uma soluccedilatildeo ou resposta radical seria a de que o direi-to natildeo tem um lugar ou jaacute natildeo tem um lugar

Mais frequentemente no entanto a ecircnfase na gover-nanccedila como categoria privilegiada eacute usada para indicar que o direito tem um papel na regulaccedilatildeo da vida em sociedade que se encolhe progressivamente perdendo espaccedilo para outros tipos de meios ou instrumentos re-gulatoacuterios49

Eacute claro que ambas afirmaccedilotildees ndash de que ao direito natildeo cabe um papel ou de que esse papel se encolhe ndash podem ser lidas como significando que o direito como o conhecemos estaacute destinado agrave obsolescecircncia ou a um status menor E isto por sua vez pode levar a duas posturas

47 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Transformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 200748 Ver SLAUGHTER A-M The Real New World Order Foreign Affairs v 76 n 5 1997 p 18449 Ver variaccedilotildees de tratamento da relaccedilatildeo entre direito e gov-ernanccedila em KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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baacutesicas na mateacuteria ou algo diferente do direito estaacute to-mando o seu lugar ou o direito estaacute se transformando em algo que antes natildeo era para dar conta das novas rea-lidades

No segundo caso a natureza mesma do direito e o seu conceito seriam vistos como evoluindo Por exem-plo de modo a poder incluir novas formas de regulaccedilatildeo que antes eram dele excluiacutedas

Nada impede que ambas coisas possam estar acon-tecendo contemporaneamente a transformaccedilatildeo do di-reito e sua crescente insignificacircncia Se a transformaccedilatildeo que se concebe eacute aquela da expansatildeo fagocitaacuteria como pode ser que o direito seja mais do que antes era e ao mesmo tempo menos relevante Simplesmente porque transformando-se deste modo torna-se menos diferen-ciado

Parece natildeo haver portanto modo de escapar a uma questatildeo fundamental quer se diga que ao direito natildeo cabe papel ou que este papel perde em significacircncia ou que o direito se estaacute transformando seraacute preciso lidar com o que eacute o que era o que passa a ser e o que natildeo eacute direito Essa questatildeo eacute igualmente inescapaacutevel se natildeo mais para quem queira sustentar uma visatildeo mais tradi-cional do papel do direito

Essa questatildeo eacute frequentemente e conscientemente contornada evitada Eacute claro uma razatildeo muito simples para isso pode se encontrar no fato de que muitos con-sideram a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e o alimentar a dicotomia entre os dois um exerciacutecio fuacutetil ou desprovido de importacircncia

E essa eacute uma escolha legiacutetima No entanto percebe--se mal como algueacutem pode abandonar a diferenciaccedilatildeo entre direito e natildeo-direito e ao mesmo tempo calccedilar as botas do jurista falar a sua liacutengua e adotar suas posturas

Se o direito natildeo precisa ser diferenciado do que natildeo eacute ele eacute entatildeo potencialmente tudo e tambeacutem nada

Certamente natildeo faria sentido que um direito assim indiferenciado fosse o objeto de uma perspectiva legal juriacutedica sobre a governanccedila e para nossos propoacutesitos sobre fragmentaccedilatildeo pluralismo e regimes e isto pela simples razatildeo de que natildeo haveria significado relevante para os termos legal ou juriacutedica jaacute que estes natildeo seriam distinguiacuteveis de natildeo-legal ou natildeo-juriacutedica Nenhuma das categorias teria qualquer existecircncia significativa

Assim quando se abandona a necessidade de di-

ferenciar estaacute-se adotando uma perspectiva diversa aquela do cientista poliacutetico do socioacutelogo do filoacutesofo do antropoacutelogo etc Pode-se ateacute mesmo ser um jurista sustentando o argumento de que para certos propoacutesi-tos por exemplo para observar o comportamento em determinada esfera social e decidir sobre o que a in-fluencia natildeo haacute uma razatildeo imperativa de colar sobre esse algo uma etiqueta e chamaacute-lo direito ou outra coisa

Em verdade a perspectiva que se adota tem uma iacuten-tima relaccedilatildeo com os propoacutesitos perseguidos e com as perguntas que se quer fazer Estaacute-se preocupado com descrever a realidade de modo mais preciso e dizer quais satildeo os atores relevantes como interagem e por que o fazem de determinados modos Ou a preocupaccedilatildeo res-tringe-se a determinar a terminologia correta os nomes certos para as coisas direito regulaccedilatildeo governanccedila Ou se quer fazer afirmaccedilotildees normativas sobre como as coi-sas deveriam ser ou se transformar

Qual seraacute entatildeo o propoacutesito de pensar e falar no di-reito como parte da governanccedila se quisermos e mais especificamente quando lidamos com a ideia de regi-mes

O ponto de partida eacute este existe algo chamado di-reito que influencia os comportamentos participa da re-gulaccedilatildeo do espaccedilo social e serve como mecanismo para decidir sobre a correccedilatildeo das condutas e solucionar con-troveacutersias Se a resposta eacute positiva a proacutexima questatildeo eacute esta de modo a entender como o direito faz o que faz eacute preciso saber como funciona E seraacute que o seu modo de funcionar depende da imagem que o direito faz de si mesmo e da linguagem do coacutedigo que lhe eacute interior e especiacutefico

Jaacute que essa linguagem interna essa loacutegica interna diferencia entre o que estaacute dentro do direito e aquilo que estaacute fora e jaacute que ela determina como o direito rea-liza suas funccedilotildees e influencia os comportamentos noacutes natildeo podemos dispensar essa diferenciaccedilatildeo e ignoraacute-la se quisermos descrever de modo competente a realidade

31 Direito e natildeo-direito ndash pertencimento a um sistema juriacutedico

Esta questatildeo sobre a utilidade e ou a necessidade de diferenciaccedilatildeo se traduz portanto em duas pergun-tas que se complementam uma relativa agrave natureza do direito e outra relacionada agrave determinaccedilatildeo de que algo algum tipo de provisatildeo contido em algum instrumento

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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resultante de um processo de gecircnese qualquer eacute ou natildeo eacute direito

Jaacute se usou muita tinta para defender posiccedilotildees que ou tendiam a ser restritivas protetoras da exclusividade do status juriacutedico ou tendiam a ser extensivas abrindo o domiacutenio do direito a um maior nuacutemero de categorias novas de preferecircncia de prescriccedilotildees ou linguagem

Na arena internacional e fora dela em todo lugar na verdade haacute uma contiacutenua e permanente discussatildeo sobre serem as prescriccedilotildees ndash linguagem normativa por-tanto ndash que natildeo satildeo produzidas pelo Estado ou que natildeo surgem a partir das fontes reconhecidas do direito ou que natildeo pretendem ser mandatoacuterias ou que natildeo con-tecircm obrigaccedilotildees ou que satildeo de difiacutecil aplicaccedilatildeo etc parte do que se pode considerar direito Esses fenocircmenos satildeo por vezes referidos de modo geral como sendo o que se chama de soft law50

Eacute claro como foi dito antes que essa questatildeo eacute re-solvida de modo diverso segundo o conceito de direito esposado por quem tenta responder A resposta depen-deraacute de considerar o observador por exemplo que o direito eacute necessariamente constituiacutedo por normas que essas normas devem ser vaacutelidas que essa validade eacute consequecircncia de procedimentos especiacuteficos realizados por atores especialmente autorizados que a norma pre-cisa ser reconhecida como sendo parte de um sistema juriacutedico especiacutefico etc

Pode ser no entanto que apesar de despertar de-bates apaixonados e polecircmica a questatildeo sobre ser algo em sua natureza essecircncia ou substacircncia direito seja na verdade inuacutetil ou desimportante em certa medida

Primeiramente presume-se que a construccedilatildeo de ar-gumentos ou raciociacutenios para demonstrar ser algo di-reito eacute uma necessidade especialmente importante para quem se encontra fora das concepccedilotildees canocircnicas do direito O trabalho de quem quiser concordar com Kel-sen Hart ou Raz fica facilitado51

Mas de fato quando se quer e se tenta dizer que algo eacute direito porque tem efeitos juriacutedicos ou porque faz

50 Retomarei essa discussatildeo adiante no capiacutetulo IV51 A noccedilatildeo do que eacute direito ou como ele pode ser identificado eacute explorada por esses autores em suas principais obras Ver eg KELSEN H A Teoria Pura do Direito Satildeo Paulo Martins Fontes 2009 HART H L AO conceito de direitoSatildeo Paulo Martins Fontes 2012 RAZ JosephO conceito de sistema juriacutedicouma in-troduccedilatildeo agrave teoria dos sistemas juriacutedicos Satildeo Paulo Martins Fontes 2012

com que expectativas convirjam ou porque daacute razotildees para a accedilatildeo ou porque eacute efetivamente implementado pelos seus destinataacuterios ainda que esse algo natildeo surja a partir das fontes tradicionais e natildeo seja obrigatoacuterio natildeo se faz mais do que descrever esse algo falar de seus efeitos e de sua existecircncia real

Dizer que esse algo eacute direito natildeo tem qualquer conse-quecircncia especial Dizer que esse algo eacute direito porque afeta os comportamentos e dizer que tanto este algo ndash outra coi-sa que natildeo direito ndash quanto o direito afetam os comporta-mentos satildeo afirmaccedilotildees equivalentes e tecircm exatamente o mesmo peso na descriccedilatildeo da realidade faacutetica

A questatildeo ganha em importacircncia no entanto quan-do ao perguntar se algo eacute direito estamos de fato per-guntando se esse algo pertence a uma ordem juriacutedica especiacutefica Nesse sentido haacute uma diferenccedila entre per-guntar se uma prescriccedilatildeo dada contida em um parti-cular tipo de instrumento eacute falando genericamente direito em sua natureza e perguntar se essa prescriccedilatildeo eacute parte integrante do digamos direito internacional puacute-blico

Eacute mais faacutecil avanccedilar o argumento de que determi-nados tipos de prescriccedilotildees ou instrumentos podem ser qualificados genericamente de juriacutedicos ou legais do que eacute demonstrar que pertencem a um sistema juriacutedico especiacutefico jaacute que para essa segunda tarefa eacute preciso usar a linguagem do proacuteprio sistema

Para demonstrar o pertencimento a um sistema legal especiacutefico eacute preciso adotar o ponto de vista interno do sistema eacute preciso olhar para o sistema e vecirc-lo como ele mesmo se olha e enxerga Em outras palavras apenas aquilo que o sistema reconhece como lhe pertencendo pode pretender fazer parte de seu corpo

Tanto as ordens juriacutedicas domeacutesticas quanto o di-reito internacional puacuteblico tendem a diferenciar entre o que eacute e o que natildeo eacute direito recorrendo agraves noccedilotildees de obrigatoriedade e de validade das prescriccedilotildees legais Haacute eacute verdade a possibilidade de debater o sentido da obri-gatoriedade e a necessidade de que este seja o criteacuterio da juridicidade Mas ainda que se quisesse dispensar o criteacuterio e admitir a existecircncia de prescriccedilotildees juriacutedicas legais mas natildeo obrigatoacuterias permanece o fato de que essas prescriccedilotildees precisariam ser reconhecidas pelo sis-tema juriacutedico como pertencendo ao seu conjunto de prescriccedilotildees Para que esse reconhecimento se decirc elas devem ter passado a integrar o sistema atraveacutes de um

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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dos mecanismos uma das fontes por ele admitidas52

Eacute verdade que eacute sempre possiacutevel sustentar que um sistema juriacutedico deveria mudar ou que ele jaacute mudou e que o conjunto tradicional de fontes jaacute natildeo reflete ou natildeo refletiria a realidade do processo de gecircnese norma-tiva Tais argumentos no entanto ou significam sim-plesmente que algumas prescriccedilotildees natildeo reconhecidas pelo sistema como sendo direito influenciam o com-portamento dos sujeitos do sistema ou satildeo a expressatildeo de um esforccedilo militante para mudar o sistema juriacutedico

Se no entanto o sistema jaacute tiver mudado realmen-te incorporando por exemplo novas fontes ao seu rol nada muda em substancia jaacute que ainda seraacute o sistema a dizer quando uma prescriccedilatildeo eacute juriacutedica e parte integran-te sua53

Para nossos propoacutesitos enquanto olhamos para re-gimes regulatoacuterios ou legais que operam na esfera in-ternacional talvez devamos lidar com uma sequecircncia de questotildees i) se as prescriccedilotildees as normas as regras satildeo juriacutedicas em sua natureza ndash levando no entanto em consideraccedilatildeo o fato de que como dito essa questatildeo pode ser em si menos importante ii) se as prescriccedilotildees normas regras pertencem ao direito internacional puacute-blico ou a outro sistema juriacutedico conhecido iii) se per-tenceriam a e constituiriam um sistema normativo ou juriacutedico especiacutefico diferente

Uma chave-guia para a compreensatildeo do tema geral ndash a existecircncia e natureza de regimes juriacutedicos ou norma-tivos internacionais ndash que corre paralelamente a estas questotildees sobre a natureza juriacutedica das prescriccedilotildees e seu pertencimento a ordens juriacutedicas eacute representada por um outro conjunto de questotildees i) pode-se perguntar se um tema dado amplo ou restrito eacute regulado pelo direito internacional puacuteblico ii) pode-se perguntar se e como um tema eacute regulado ponto iii) e pode-se pergun-tar se existe um regime global ou internacional relativo ao tema ou ao problema

Como a esfera social que estamos observando eacute a sociedade internacional a relaccedilatildeo entre direito e gover-nanccedila que apareceraacute como mais relevante eacute aquela que tem lugar no cenaacuterio internacional ou global Seria pos-siacutevel olhar para os modos como o direito interno se re-

52 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 59 e ss53 Ver NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Estudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 60

laciona com o que chamariacuteamos governanccedila global mas muito provavelmente isso soacute se poderia fazer ndash de qual-quer modo que natildeo fosse puramente teoacuterico ndash olhando para sistemas juriacutedicos domeacutesticos particulares Natildeo eacute minha intenccedilatildeo fazecirc-lo meu foco seraacute a relaccedilatildeo com direito internacional puacuteblico

Haveraacute eacute claro quem nos diga que o direito inter-nacional como entendido historicamente eacute hoje res-ponsaacutevel por tatildeo pouco da organizaccedilatildeo do mundo poacutes--moderno que mal valeria a pena fazer dele assunto de discussatildeo quanto mais dominar sua linguagem interna Outros diriam que eacute justamente essa linguagem inter-na que estaacute ultrapassada e necessitando transformaccedilatildeo para poder lidar com as novas realidades

Ficamos assim essencialmente com duas questotildees centrais qual a importacircncia e o papel desempenhado pelo direito internacional e quais satildeo as caracteriacutesticas conhecidas e transformadas do direito internacional

Em outras palavras somos convidados a considerar um conjunto de investigaccedilotildees preliminares vale a pena falar de direito internacional Esse direito existe Ope-ra de algum modo significativo Eacute importante saber de quem regula o comportamento e como o faz Eacute impor-tante saber quais as suas relaccedilotildees com outros tipos ou conjuntos de regulaccedilatildeo

Natildeo devemos esquecer que a razatildeo de ser disto que se lecirc eacute a discussatildeo da noccedilatildeo de regimes Como exata-mente essa discussatildeo se entrelaccedila com aquela relativa ao lugar do direito na governanccedila

Se aceitamos a afirmaccedilatildeo original de que a vida estaacute ficando (mais) fragmentada e que a essa fragmentaccedilatildeo corresponde a formaccedilatildeo de conjuntos regulatoacuterios nuacute-cleos de governanccedila se quisermos entatildeo a relaccedilatildeo entre direito e o restante da governanccedila natildeo acontece apenas em geral mas se veraacute refletida potencialmente em cada singular particcedilatildeo da governanccedila da vida

Eacute por esta razatildeo que mais agrave frente discutirei o modo como sistemas juriacutedicos se encontram e se combinam entre si e com mecanismos regulatoacuterios natildeo-juriacutedicos para regular mais efetivamente setores da vida interna-cional

Mas essa particcedilatildeo da vida quer seja fenocircmeno novo ou antigo natildeo serve apenas para a compreensatildeo da interaccedilatildeo entre sistemas juriacutedicos e outros tipos de regulaccedilatildeo ela se materializa e reflete tambeacutem no interior do sistema juriacutedico em nosso caso o direito internacional puacuteblico

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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Concentrar-me-ei de iniacutecio no direito internacional e seu funcionamento e discutirei a noccedilatildeo de regime ju-riacutedico internacional no interior desse sistema juriacutedico Num segundo momento voltar-me-ei para a discussatildeo dos regimes como lugares de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diversos e de sua combinaccedilatildeo com regulaccedilatildeo natildeo-juriacutedica

4 DireitO internaCiOnal puacutebliCO e frag-mentaccedilatildeO

De acordo com sua linguagem interna o direito in-ternacional eacute essencialmente e ainda hoje uma ordem juriacutedica interestatal Seria certamente possiacutevel argumen-tar que num mundo em que o Estado jaacute natildeo seria ator tatildeo preponderante um tal sistema juriacutedico jaacute natildeo estaria adaptado agrave realidade social Mas o fato eacute que a socieda-de internacional nunca se constituiu exclusivamente de Estados e o papel crescente de outros atores eacute apenas mais um aspecto de sua transformaccedilatildeo

O que natildeo mudou ainda eacute o fato de que o Esta-do continua a ser o ator principal das relaccedilotildees inter-nacionais E ainda que isto viesse a ser provado falso ou equivocado continua sendo verdade que o direito internacional puacuteblico eacute produzido e operado em um sistema composto por Estados Se houvesse mudanccedila nessa caracteriacutestica essencial ele seria um outro direito internacional diferente e diverso Este direito interna-cional que conhecemos ainda natildeo desapareceu ainda que seja como eacute o caso para qualquer sistema juriacutedico fundado numa ficccedilatildeo

E a ficccedilatildeo eacute neste caso poderosa Pode-se sempre discutir se os Estados satildeo verdadeiramente soberanos se realmente ficam obrigados por normas que aceitaram voluntariamente se outros atores satildeo ou natildeo satildeo afeta-dos por essas normas etc Mas continua sendo verdade que o que chamamos de direito internacional continua a surgir ndash e suas normas criadas ndash atraveacutes dos Estados que ele regula direta e primariamente apenas o compor-tamento dos Estados de entes criados pelos Estados ou entes cujo comportamento os Estados decidem re-gular e que haacute um consenso sobre o que eacute preciso para que uma norma seja considerada vaacutelida e sobre o que eacute necessaacuterio para que uma norma seja aplicaacutevel a um Estado ou outro ente

Quando dois Estados ou um grupo de Estados ou

organizaccedilotildees e entes por eles autorizados comparecem perante um tribunal internacional ou outra instacircncia decisoacuteria criada pelo direito internacional pedindo que uma controveacutersia seja resolvida de acordo com o direi-to tal como este emerge de normas vaacutelidas eles natildeo estatildeo vivendo em algum tipo de mundo bizarro ou fa-lando uma liacutengua morta

41 As determinantes da dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacional54

A ideia de diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade eacute como visto central agraves noccedilotildees de fragmentaccedilatildeo do di-reito e de pluralismo juriacutedico De muitos modos a ideia de que atores sociais emergem e interagem em torno de temas ou problemas especiacuteficos eacute essencial agrave com-preensatildeo do fenocircmeno que faz reunirem-se em nuacutecleos normas regras e outros mecanismos regulatoacuterios De muitos modos parece impossiacutevel conceber ou entender esses nuacutecleos esses agregados esses regimes sem a re-ferecircncia ao tema ou ao problema subjacente

Essa particcedilatildeo da vida essa tendecircncia agrave especializa-ccedilatildeo eacute uma forccedila motora por traacutes da formaccedilatildeo de re-gimes juriacutedicos ou simplesmente regulatoacuterios Pensa-se que o tema com que o regime se ocupa determina ou ao menos corresponde a um ethos55 a objetivos que pai-ram sobre esse regime e suas normas56

Dependendo da perspectiva a partir da qual se olha para a fragmentaccedilatildeo ou se quisermos dependendo do tipo de fragmentaccedilatildeo de que se estaacute falando o tema pode ajudar a determinar os entes sobre os quais recai a expectativa de que produzam normas e estruturas orga-nizacionais e os entes que estatildeo autorizados a proceder a tal produccedilatildeo Tambeacutem pode ajudar a determinar quais satildeo os atores cujas expectativas supotildee-se que o regime atenda e cujos comportamentos supotildee-se que regule

54 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002 e TEUBNER G K P Two Kinds of Legal Pluralism Collision of Transnational Regimes in the Double Fragmentation of World So-ciety In YOUNG M (Ed) Regime Interaction in International Law Facing Fragmentation1 ed Cambridge Cambridge University Press 2012 fazem referecircncia igualmente a uma dupla fragmentaccedilatildeo que identificam no direito global assim como falam de dois tipos de pluralismo Natildeo se trata dos mesmos fenocircmenos de que falo eu Discutirei isso mais em detalhe adiante no capiacutetulo IV55 De acordo com o Merriam-Webster ldquothe distinguishing char-acter sentiment moral nature or guiding beliefs of a person group or institutionrdquo56 V e g KOSKENNIEMI 2007 passim

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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Como visto essa relaccedilatildeo entre tema e atores pode aparecer mais apropriada agrave visatildeo que tem a teoria so-cial sistecircmica dos regimes como sendo principalmente comunidades epistecircmicas e manifestaccedilotildees normativas da fragmentaccedilatildeo funcional da sociedade Para essa pers-pectiva os atores que participam da constituiccedilatildeo do re-gime e tecircm seus comportamentos regulados por suas normas constituem eles mesmos setores diferenciados da sociedade57

Por outro lado do que vimos da perspectiva da teo-ria das relaccedilotildees internacionais tradicional a respeito dos regimes o tema ou a mateacuteria com que lida o regime natildeo pode determinar a categoria de atores relevantes Segundo essa visatildeo os atores satildeo predeterminados os Estados satildeo vistos como os atores determinantes das relaccedilotildees internacionais e satildeo quem tende a regular seu proacuteprio comportamento em torno de temas especiacutefi-cos58 O tema pode no maacuteximo provocar a constitui-ccedilatildeo de regimes que reuacutenam nuacutemero maior ou menor de Estados ou grupos variaacuteveis de Estados interessados e concernidos

O mesmo eacute tambeacutem verdade para o direito inter-nacional puacuteblico Ali a fragmentaccedilatildeo e a multiplicaccedilatildeo de regimes eacute um traccedilo ndash novo ou crescentemente rele-vante ndash de um direito internacional que continua a ser criado pelos Estados e dirigido ao comportamento dos Estados A diferenciaccedilatildeo funcional da sociedade neste contexto significa a multiplicaccedilatildeo de temas em que a interaccedilatildeo entre Estados ocorre e demanda regulaccedilatildeo

Eacute por esta razatildeo essencialmente que no direito internacional a discussatildeo sobre sua fragmentaccedilatildeo estaacute centrada na potencial ocorrecircncia de situaccedilotildees em que Estados se veratildeo sujeitos a normas juriacutedicas conflitantes pertencentes a diferentes regimes de direito internacio-nal e potencialmente submetidos a diferentes proce-dimentos perante muacuteltiplas instituiccedilotildees aplicadoras do direito relevando tambeacutem estas de regimes distintos

O fenocircmeno mais geral de diferenciaccedilatildeo setorial na sociedade eacute filtrado portanto e limitado No caso da teoria das relaccedilotildees internacionais o filtro eacute a escolha teoacuterica e disciplinar que eacute feita o Estado como o ator

57 FISHER-LESCANO ANDREAS TEUBNER G Regime-Collisions The Vain Search for Legal Unity in the Fragmentation of Global Law Michigan Journal of International Law v 25 2004 p 1007-100958 KRASNER S Structural causes and regime consequences re-gimes as intervening variables In KRASNER S (Ed) International Regimes IthakaLondon Cornell University Press 1983 p1

central das interaccedilotildees poliacuteticas e sociais No caso do di-reito internacional o filtro eacute a loacutegica interna ao sistema juriacutedico que tem o Estado como o legislador e o sujeito primaacuterio

Para o direito internacional portanto a sua fragmen-taccedilatildeo eacute devida agrave diferenciaccedilatildeo da vida sim mas os efei-tos de tal diferenciaccedilatildeo sofrem uma limitaccedilatildeo na medida em que natildeo pode determinar os atores ndash legisladores e sujeitos ndash da regulaccedilatildeo setorial especiacutefica Aqueles atores que natildeo os Estados que estatildeo necessariamente envolvidos no setor social soacute afetaratildeo o direito interna-cional indiretamente e soacute seratildeo por ele afetados indire-tamente atraveacutes da accedilatildeo dos Estados

Mas as caracteriacutesticas especiacuteficas do direito interna-cional como ordem juriacutedica natildeo fazem apenas limitar o modo como a fragmentaccedilatildeo se daacute dentro do sistema Essas mesmas caracteriacutesticas operam tambeacutem como fa-cilitadoras da fragmentaccedilatildeo do sistema fragmentaccedilatildeo esta que ainda que relacionada com a diferenciaccedilatildeo se-torial natildeo eacute inteiramente determinada por ela

Em outras palavras o direito internacional natildeo sofre uma crescente fragmentaccedilatildeo apenas porque diferentes temas demandando sua accedilatildeo reguladora fazem emergir regimes diferenciados relativamente autocircnomos res-pondendo a loacutegicas diversas sofre tambeacutem um outro tipo de fragmentaccedilatildeo devida ao fato de que cada Es-tado tem a prerrogativa de decidir se quer ou aceita ser obrigado por cada norma tratado ou regime Exclui-se dessa loacutegica eacute claro as normas de relativamente recen-te aceitaccedilatildeo gerais de ordem puacuteblica ou erga omnes

Eacute claro que nesse sentido a fragmentaccedilatildeo eacute uma operaccedilatildeo matemaacutetica baacutesica cada um dos Estados de-cide ao tomar parte no processo de criaccedilatildeo normativa se e quando quer se ver obrigado por uma norma qual-quer dentre todas aquelas que surgem e se multiplicam em progressatildeo geomeacutetrica Por esta razatildeo uma questatildeo que pode sempre ser posta ndash e deve de fato ser posta - se um estado especiacutefico estaacute obrigado por uma norma especiacutefica - continua sendo necessaacuteria mas agora se co-loca muito mais vezes

Haacute portanto um tipo diferente de fragmentaccedilatildeo do direito internacional um em que os fragmentos satildeo os diferentes conjuntos de normas pelos quais cada Estado estaacute obrigado e os diferentes conjuntos normativos que obrigam cada par de Estados e cada grupo de Estados De fato cada vez que uma norma eacute adicionada ou sub-traiacuteda do conjunto normativo e cada vez que um Estado

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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passa a ser obrigado por uma norma ou um conjun-to normativo ou deixa de secirc-lo um fragmento diverso veraacute a luz

Quando esses fragmentos satildeo compostos por nor-mas que apresentam algum grau de organicidade desde que o conjunto apresente algum elemento unificador ou agregador talvez possam entatildeo receber o nome de regimes

Esse elemento agregador pode ser geograacutefico quan-do por exemplo Estados pertencentes a uma mesma regiatildeo celebram acordos ou se veem obrigados por nor-mas costumeiras regionais ou pode dizer respeito a ca-tegorias de Estados que ainda que de diferentes regiotildees do mundo tecircm caracteriacutesticas similares ou interesses afins

Talvez se pudesse falar entatildeo em regime quando se pensasse em algo como um direito internacional da Ameacuterica do Sul por exemplo ou como um direito in-ternacional dos paiacuteses desenvolvidos

Mas o mais usual seria falar de conjuntos do direito in-ternacional que ligando Estados de determinadas regiotildees ou estando aberto a todos os Estados do mundo trata de temas especiacuteficos Haveria entatildeo um regime sul-americano ou internacional de proteccedilatildeo dos direitos do homem um outro de desarmamento e assim por diante

Ainda que a questatildeo temaacutetica a diferenciaccedilatildeo fun-cional pareccedila ser a chave de compreensatildeo mais usual e mais natural para a existecircncia de regimes a verdade eacute que natildeo eacute exerciacutecio faacutecil identificar e delimitar as fron-teiras dos regimes internacionais

42 Dificuldades para a identificaccedilatildeo dos regi-mes juriacutedicos em direito internacional

Como vimos a ideia prevalente eacute a de que um regi-me eacute um agregado de normas e instituiccedilotildees organiza-ccedilotildees regulando um tema ou uma mateacuteria que eacute objeto de preocupaccedilatildeo ou atenccedilatildeo por parte dos Estados e outros atores sociais governado por um ethos ou loacutegica especiacutefica

421 O Tema e as representaccedilotildees dos regimes autocontidos

Natildeo haacute duacutevida de que eacute possiacutevel conceber um ili-mitado nuacutemero de temas que constituem preocupaccedilotildees

dos Estados Alguns dos mais tradicionais dos mais mencionados satildeo temas abrangentes como o meio am-biente direitos humanos seguranccedila internacional paz e guerra comeacutercio desenvolvimento etc

Um tema no entanto natildeo eacute definido por nature-za mas sim por convenccedilotildees comunicativas O nuacutemero de temas imaginaacuteveis eacute assim infinito Por isso a mera existecircncia de um tema ainda que superficialmente con-cebido ainda que se possa conectar a ele uma ou diver-sas normas de direito internacional ou natildeo daacute lugar agrave emergecircncia de um regime juriacutedico ou se o fizer isto criaraacute seacuterios problemas para as implicaccedilotildees teoacutericas e praacuteticas da ideia mesma de regimes de direito interna-cional

Imaginemos um exemplo Pode-se conceber alguns temas a floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas meio ambiente Eacute faacutecil localizar normas de direito internacional que obrigam conjuntos diversos de Estados e que lidam com esses temas Pode-se dizer que haacute um regime para cada um desses temas

Se o mero fato de que se pode conceber um tema e encontrar normas a ele relativas significar que a cada tema concebido corresponde um regime juriacutedico de di-reito internacional entatildeo poderaacute haver igualmente um nuacutemero infinito de regimes e qualquer utilidade que o conceito possa ter ficaraacute diminuiacuteda ou deveraacute ser uma utilidade que leve em conta a indeterminaccedilatildeo do nuacuteme-ro total de regimes

Natildeo apenas isso mas com um nuacutemero infinito de temas alguns mais gerais tenderatildeo a incluir outros mais especiacuteficos Se para cada tema com normas a ele conectadas haacute um regime enfrentar-se-aacute um cenaacuterio de bonecas russas com regimes contidos em regimes con-tidos em regimes E novamente a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo se colocaria

Ataquemos entatildeo de pronto a questatildeo da utilidade da noccedilatildeo de regime juriacutedico internacional

Penso que se deva comeccedilar por isto os regimes ndash e a noccedilatildeo ndash natildeo transformam nem afetam o funciona-mento do direito internacional mais especificamente eles natildeo alteram o modo como o direito internacional eacute interpretado e aplicado59 Regimes satildeo antes uma mani-festaccedilatildeo da estrutura e do funcionamento do direito in-ternacional agora em sentido diverso qual seja o meca-

59 Objeccedilotildees podem ser levantadas contra essa afirmaccedilatildeo mas creio lidar com elas adiante

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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nismo de gecircnese das suas normas e das suas instituiccedilotildees

O conceito serve para representar para explicar como os Estados podem dar lugar ao nascimento de normas diversas sobre temas diversos e podem criar estruturas organizacionais diversas talvez guiados por preocupaccedilotildees e por loacutegicas potencialmente conflitantes

Os problemas resultantes desse fato baacutesico do di-reito internacional que a noccedilatildeo de regimes vem anun-ciar satildeo a possibilidade de que normas pertencentes a conjuntos diversos inspiradas por loacutegicas diferentes sejam portadoras de conteuacutedos contraditoacuterios e a pos-sibilidade de que entes diferentes decidam de modos igualmente conflitantes quando interpretam ou aplicam as normas

A noccedilatildeo portanto natildeo altera a realidade do direito internacional natildeo altera o modo como satildeo resolvidos os problemas juriacutedicos o que ela faz eacute tentar explicar e retratar essa realidade e apontar os problemas que se pode vir a enfrentar quando da soluccedilatildeo de questotildees ju-riacutedicas num sistema assim fragmentado pelos temas e pelas loacutegicas subjacentes aos temas

Exploremos primeiramente os regimes enquan-to descriccedilatildeo da realidade para depois lidarmos com o modo como se apresentam os problemas e as suas so-luccedilotildees

Como estamos no acircmbito do direito internacional puacuteblico e da sua fragmentaccedilatildeo eacute apenas apropriado que recuperemos o tratamento que o relatoacuterio da Comissatildeo de Direito Internacional a que aludi acima daacute aos re-gimes

Haacute trecircs limitaccedilotildees contidas no tratamento que o relatoacuterio daacute aos regimes que devem ser consideradas antes de se seguir adiante A primeira estaacute no fato de que o relatoacuterio se refere a regimes como uma manifes-taccedilatildeo da fragmentaccedilatildeo e natildeo a uacutenica e nem talvez a mais importante A segunda eacute que o relatoacuterio escolhe falar de regimes como decorrentes principalmente se natildeo exclusivamente de tratados deixando assim de fora as normas costumeiras A terceira estaacute no foco dado agrave relaccedilatildeo que os regimes tecircm com o direito internacional geral e natildeo tanto agrave relaccedilatildeo dos regimes entre si Adicio-ne-se a isso tudo o fato de que o relatoacuterio qualifica os regimes de que fala os seus regimes satildeo aqueles chama-dos de autocontidos

Estando isso bem claro podemos ver que o relatoacuterio nos diz de trecircs coisas diferentes que podem receber e

recebem o nome de regimes autocontidos

Num sentido mais restrito ldquoo termo eacute usado para denotar um conjunto especial de regras secundaacuterias sob o direito da responsabilidade dos Estados que pretende ter primazia sobre as normas gerais relativas a conse-quecircncias de uma violaccedilatildeo rdquo60

Em sentido mais amplo ldquoo termo eacute usado para se referir a conjuntos integrados de regras primaacuterias e secundaacuterias agraves vezes tambeacutem referidos como lsquosistemasrsquo ou lsquosubsistemasrsquo de regras que cobrem algum problema particular diferentemente de como seria coberto sob o direito geral rdquo61 O relatoacuterio nos lembra que quando usado nesse sentido o termo regimes autocontidos se funde com o vieacutes contratual do direito dos tratados um vieacutes segundo o qual havendo norma convencional natildeo haacute necessidade de buscar no direito geral e nos costu-mes outras aplicaacuteveis62

Haacute ainda um uso que segundo o Relatoacuterio eacute oca-sional que estende a noccedilatildeo de regimes autocontidos a ldquocampos inteiros de especializaccedilatildeo funcional de ex-pertise diplomaacutetica e acadecircmicardquo63 Entende-se que em campos como direito dos direitos humanos direito da OMC direito da Uniatildeo Europeia direito humanitaacuterio direito do espaccedilo entre outros regras e teacutecnicas espe-ciais de interpretaccedilatildeo e administraccedilatildeo satildeo aplicaacuteveis sempre com o afastamento de princiacutepios divergentes contidos no direito geral64

Eacute-nos dito que o principal efeito desses conjuntos entendidos do modo mais abrangente como ldquoramos do direito internacionalrdquo eacute o de prover orientaccedilatildeo e direccedilatildeo interpretativas que de algum modo desviam do direito geral Esse sentido da expressatildeo cobriria ldquoum conjunto amplo de sistemas normativos inter-relacionadosrdquo e o ldquograu em que se pensa que o direito geral eacute afetado varia

60 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 3261 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 vide nota 33 Os exemplos citados satildeo instrutivos o regime de co-operaccedilatildeo judicial entre o Tribunal Penal Internacional e os Esta-dos Partes ou as teacutecnicas para interpretar a Convenccedilatildeo Europeia de Direitos do Homem como um instrumento de ordem puacuteblica europeia62 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68 63 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 6864 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 68

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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grandemente rdquo65

Perceba-se primeiramente que todos os trecircs senti-dos em que a expressatildeo costuma ser usada de acordo com o Relatoacuterio trazem as trecircs limitaccedilotildees a que me re-feri acima E perceba-se em seguida que soacute eacute relativa-mente mais faacutecil identificar e delimitar um regime quan-do ele eacute pensado mais restritivamente como no caso do segundo tipo e especialmente no do primeiro tipo

Mas eacute preciso notar que esses regimes soacute satildeo de-limitaacuteveis na medida em que o tema de preocupaccedilatildeo se combina com outros criteacuterios que estes sim datildeo os contornos da sua aplicaccedilatildeo os Estados que fazem par-te do mecanismo especiacutefico de responsabilidade ou do subsistema o tipo de resposta agraves violaccedilotildees a instituiccedilatildeo encarregada de aplicar a resposta ou as normas do sub-sistema etc

Quando no entanto se fala de regimes enquanto subsistemas mais amplos enquanto ramos do direito in-ternacional a delimitaccedilatildeo fica mais difiacutecil de fazer por-que o tema ndash direitos humanos meio ambiente comeacuter-cio etc ndash natildeo recebe o apoio dos outros criteacuterios com a mesma precisatildeo ou na mesma medida Na verdade no universo de normas que lidam com cada um desses temas ou preocupaccedilotildees haacute vaacuterias respostas especiacuteficas para diferentes violaccedilatildeo e mais importante haacute vaacuterios subsistemas que reuacutenem grupos diversos de Estados e haacute vaacuterias instituiccedilotildees encarregadas da administraccedilatildeo de diferentes conjuntos de normas

Retomemos para dar concretude agrave discussatildeo o exemplo anteriormente citado dos quatro temas relacio-nados ao ambiental floresta amazocircnica desmatamento mudanccedilas climaacuteticas e meio ambiente Pode-se dizer que os trecircs primeiros estatildeo relacionados ao tema geral constituiacutedo pelo uacuteltimo o meio ambiente Eacute tambeacutem verdade que todos esses temas tecircm alguma relaccedilatildeo com outros tantos comeacutercio direitos humanos desenvolvi-mento etc mas deixemos isto de lado por enquanto

Se o meio ambiente eacute o tema mais abrangente e as normas e instituiccedilotildees a ele relacionadas constituem o ramo do direito internacional entatildeo entende-se como os conjuntos de normas e organizaccedilotildees conectadas aos demais temas ndash e tais conjuntos existem de fato ndash cons-tituem o que se descreveu como subsistemas interliga-dos dentro do conjunto mais alargado

65 RELATOacuteRIO da Comissatildeo de Direito Internacional 2006 p 70 e tambeacutem p 81

A delimitaccedilatildeo quer do conjunto maior quer daque-les que ainda amplos participam dele resta por fazer O fato eacute que eacute virtualmente impossiacutevel conhecer todas as normas que se referem a cada um dos assuntos e eacute di-fiacutecil saber quais as instituiccedilotildees que fazem parte de cada sistema ou subsistema ndash e mais ainda saber quais as ins-tituiccedilotildees que podem vir a atuar sobre os assuntos ainda que natildeo tenham sido criadas pelas normas do regime e portanto natildeo faccedilam propriamente parte dele

Como quer que seja difiacuteceis como satildeo de delimitar uma boa parte da literatura juriacutedica internacionalista natildeo parece pronta a dispensar a categoria ainda que talvez dispensasse o nome que considera central ao entendi-mento das fricccedilotildees e colisotildees entre diferentes conjuntos de arranjos normativos Essa literatura reconhece que as fronteiras dos regimes natildeo satildeo necessariamente claras mas ainda os considera como conjuntos normativos e institucionais reconheciacuteveis e organizados em torno de um tema e guiados por um ethos

422 O ethos

Talvez seja entatildeo o ethos o criteacuterio central que daria aos regimes sua unidade e explicaria a relevacircncia das co-lisotildees e fricccedilotildees potenciais entre regimes jaacute que pensa--se cada um seria guiado por ethos especiacutefico e divergen-te daqueles dos demais

Mas o que eacute exatamente o ethos de um regime66 Seraacute uma orientaccedilatildeo uma motivaccedilatildeo que deve ser encon-trada no momento em que um regime foi construiacutedo ou suas normas criadas Seraacute o sentido que emerge das normas assim como satildeo Seraacute a orientaccedilatildeo ou a tendecircn-cia dos Estados e das instituiccedilotildees de interpretar e aplicar as normas de certos modos Seraacute o resultado concreto da operaccedilatildeo do regime da aplicaccedilatildeo de suas normas do funcionamento de suas instituiccedilotildees

Suponhamos a existecircncia de um regime juriacutedico in-ternacional do comeacutercio E suponhamos que o ethos des-se regime seja a ideia de que o comeacutercio deveria ser tatildeo livre quanto possiacutevel Pode-se entatildeo tentar verificar se os Estados quando criavam e enquanto continuamente recriam o regime atuaram e atuam sob a inspiraccedilatildeo real ou declarada de caminhar no sentido de uma maior li-berdade do comeacutercio

66 American Heritage Dictionary ldquoThe disposition character or fundamental values peculiar to a specific person people culture or movementrdquo

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

referecircnCiaS

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122 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 17

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Ou pode-se tentar identificar no conteuacutedo norma-tivo a partir da leitura e interpretaccedilatildeo sistemaacutetica das normas a liberdade de comeacutercio como sendo o valor ou o objetivo

Ou se pode perguntar se as instituiccedilotildees do regime por exemplo aquelas encarregadas da aplicaccedilatildeo das nor-mas e da soluccedilatildeo de controveacutersias agem interpretam e aplicam as normas com uma tendecircncia e o objetivo de fazer resultar uma maior liberdade de comeacutercio

Finalmente pode-se perguntar se o regime como um todo e em funcionamento de fato daacute lugar a essa liberdade incrementada

Eacute certo que a formulaccedilatildeo do ethos natildeo precisa ser uacutenica e indiscutiacutevel Algueacutem poderia avanccedilar o argumento de que mais e melhor desenvolvimento quer econocircmico quer mais geral eacute ou deveria ser o ethos do regime de comeacutercio antes ou em substituiccedilatildeo agrave liberdade de comeacutercio esta uacuteltima permanecendo apenas se e na medida em que for meio eficaz para atingir o primeiro

E as mesmas questotildees estariam agora postas para este novo ethos estabelecido ou identificado Conhecer o ethos de um regime eacute portanto uma questatildeo de escolha e perspectiva

Mas admitindo que um regime eacute afetado por algo que poderia ser chamado ethos como se espera que um regime seja dinacircmico e apto a transformar-se e evoluir natildeo deveria haver impedimento a que o ethos de um re-gime mude e evolua tambeacutem

Aleacutem disso natildeo haacute nada que diga que natildeo se chega-raacute a respostas divergentes para cada uma das questotildees concebidas acima as intenccedilotildees ou a orientaccedilatildeo dos Es-tados ainda que apenas declaradas ao criarem o regime podem natildeo coincidir com o contido nas normas uma e outra coisa podem natildeo coincidir com a disposiccedilatildeo mental das instituiccedilotildees quando chamadas a interpretar e aplicar as normas todas ou qualquer uma dessas podem divergir do que efetivamente resulta da operaccedilatildeo do re-gime e de seu funcionamento O mesmo regime pode portanto ser visto como tendo mais de um ethos

Ainda que seja difiacutecil delimitar os regimes pelo tema ou pelo ethos como jaacute se disse a noccedilatildeo aparece a muitos como necessaacuteria e relevante para explicar determinados proble-mas na relaccedilatildeo entre os vaacuterios conjuntos Usualmente a ecircn-fase eacute posta na possiacutevel relaccedilatildeo de contato fricccedilatildeo colisatildeo entre os diferentes regimes O ensaio de um mapa alternati-vo dessas relaccedilotildees pode se revelar uacutetil agrave investigaccedilatildeo

423 Relaccedilotildees entre regimes

Haacute ainda um problema que afeta tanto a delimita-ccedilatildeo dos regimes como as possiacuteveis relaccedilotildees entre eles Ainda que alguns de seus aspectos jaacute tenham sido men-cionados de passagem vale a pena detalhaacute-lo um pouco mais aqui

Considerando que uma norma de direito interna-cional pode estar presente em mais de um instrumento normativo assim como pode decorrer de mais de uma fonte67 nada impede que uma norma qualquer faccedila par-te de mais de um regime ou de mais de um subsistema normativo dentro do regime ou pertenccedila ao mesmo tempo a um regime e ao direito internacional geral

Mas o que ocorre quando uma norma formalmente natildeo faz parte do regime mas diz respeito agrave mateacuteria ao tema de que ele trata Pode-se pensar num exemplo uma norma sobre preservaccedilatildeo ambiental de um tipo es-peciacutefico contida num regime de comeacutercio internacional Essa norma passa a compor o regime do meio ambiente por forccedila de seu tema ou por forccedila da racionalidade ou do bem juriacutedico que quer proteger

E o que acontece na via contraacuteria Aquela mesma norma deixa de pertencer ou pode ser considerada como nunca tendo pertencido ao regime do comeacutercio em que natildeo obstante estava inscrita formalmente

Esses mesmos raciociacutenios ou perguntas se podem fazer em relaccedilatildeo agrave normas contidas em regimes e em direito internacional geral

E raciociacutenios similares podem ser feitos com rela-ccedilatildeo agraves estruturas organizacionais de administraccedilatildeo das normas ou de interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo do direito Pode

67 Com relaccedilatildeo por exemplo agrave possibilidade de uma norma estar ao mesmo tempo contida na Carta das Naccedilotildees Unidas e no costume internacional ver a decisatildeo da Corte Internacional de Justiccedila no caso Nicaraacutegua ldquoThe Court has now to turn its attention to the question of the law applicable to the present dispute In formulating its view on the significance of the United States multilateral treaty reserva-tion the Court has reached the conclusion that it must refrain from applying the multilateral treaties invoked by Nicaragua in support of its claims without prejudice either to other treaties or to the other sources of law enumerated in Article 38 of the Statute The first stage in its determination of the law actually to be applied to this dispute is to ascertain the consequences of the exclusion of the ap-plicability of the multilateral treaties for the definition of the con-tent of the customary international law which remains applicablerdquo CIJ Case Concerning Military And Paramilitary Activities in and Against Nicaragua (Nicaragua v United State of America) Meacuterito 1986 sect172) Disponiacutevel em httpwwwicj-cijorgdocketindexphpsum=367ampcode=nusampp1=3ampp2=3ampcase=70ampk=66ampp3=5

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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TRIBUNAL Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) International Tribunal for the Prosecution of Per-sons Responsible for Serious Violations of Internatio-nal Humanitarian Law Committed in the Territory of the Former Yugoslavia

TRIBUNAL Penal Internacional para a antiga Iugo-slaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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um mesmo oacutergatildeo pertencer a mais de um regime Seraacute que esse pertencimento eacute determinado pelo fato de ter sido criado pelos participantes do regime e atraveacutes das normas do mesmo

E para aleacutem da questatildeo do pertencimento pode um oacutergatildeo ser chamado a aplicar normas que natildeo satildeo per-tencentes ao regime de que ele mesmo eacute parte E po-dem instituiccedilotildees que natildeo pertencem especificamente a regimes temaacuteticos serem levadas a aplicarem normas de diferentes regimes

O fato eacute que as normas constituindo um regime po-dem ter criado uma instituiccedilatildeo um oacutergatildeo para adminis-trar o tratado ou para resolver disputas dele decorren-tes mas podem igualmente ter referido as controveacutersias a uma instituiccedilatildeo criada no contexto de um outro regi-me ou encarregado essa instituiccedilatildeo com a administra-ccedilatildeo das suas normas

Eacute igualmente certo que controveacutersias relativas agraves normas do regime podem cair sob a jurisdiccedilatildeo de um tribunal com competecircncia mais ampla A Corte Inter-nacional de Justiccedila eacute apenas o exemplo mais evidente

E tambeacutem eacute fato que algumas instituiccedilotildees interna-cionais tecircm atuaccedilatildeo expliacutecita na administraccedilatildeo de nor-mas do que poderiam ser vaacuterios regimes diferentes as-sim como na consecuccedilatildeo de seus objetivos Observe-se por exemplo a atuaccedilatildeo do Banco Mundial em relaccedilatildeo aos temas do meio ambiente do desenvolvimento dos direitos humanos do comeacutercio dos investimentos in-ternacionais etc

Essas questotildees aleacutem de explicitarem a dificuldade de delimitaccedilatildeo dos regimes ao adicionarem agraves limita-ccedilotildees do tema e do ethos para fornecerem as respostas colocam em evidecircncia problemas relacionados agrave ideia da relativa autonomia dos regimes uns em relaccedilatildeo aos outros e agraves noccedilotildees aceitas concernentes agraves colisotildees e fricccedilotildees entre eles

Consideremos quatro candidatos ao status de regi-me em direito internacional puacuteblico o regime da paz e da seguranccedila internacionais o regime dos direitos hu-manos o regime do direito humanitaacuterio e o regime do direito penal internacional

Primeiramente podemos usar esses candidatos para pensar a questatildeo das fronteiras dos regimes e de seus conteuacutedos Pode-se perguntar o regime internacional da paz e da seguranccedila estaacute limitado agraves disposiccedilotildees da Carta das Naccedilotildees Unidas sobre a mateacuteria Ele inclui os

tratados sobre proliferaccedilatildeo nuclear Inclui outros tra-tados relacionados ao desarmamento Inclui o direito internacional humanitaacuterio Essas e outras perguntas poderiam ser feitas em relaccedilatildeo ao regime dos direitos humanos por exemplo ele inclui as regras de direito humanitaacuterio E as de direito penal internacional

Em seguida eles podem nos servir para considerar o tema que eu chamaria de possiacutevel sequestro por parte de um regime do ethos ou do tema de um outro regime

Quando o Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Uni-das cria um tribunal penal internacional ad hoc ou quan-do refere um caso ao Tribunal Penal Internacional estaacute agindo de acordo com as regras contidas no regime da paz e da seguranccedila internacionais e salvaguardando o ethos e os objetivos desse regime ou estaraacute agindo den-tro do regime de direito penal internacional e perseguin-do os objetivos deste E nesse caso o oacutergatildeo Conselho de Seguranccedila eacute parte de que regime ou pode pertencer a ambos e a rigor a tantos outros

E mais natildeo estaraacute o Conselho de Seguranccedila seques-trando o ethos do regime do direito penal internacional e instrumentalizando-o submetendo-o ao ethos politi-camente carregado da loacutegica em que opera esse oacutergatildeo enquanto ostensivamente busca garantir a paz e a segu-ranccedila

Aleacutem disso os exemplos podem ainda iluminar a possibilidade de referecircncias cruzadas entre regimes O direito penal internacional por exemplo faz referecircncia agraves normas de direitos humanos e de direito humanitaacuterio para definir os crimes a serem julgados e punidos68

424 A resposta que vem das normas

O que resta claro portanto eacute que tanto a conceitua-ccedilatildeo dos regimes quanto a sua delimitaccedilatildeo com base nos temas e com base no ethos eacute virtualmente impossiacutevel ou se deve fazer com alto grau de imprecisatildeo

Tambeacutem estaacute claro que as complexas relaccedilotildees que se podem verificar entre os candidatos a regimes inter-nacionais relaccedilotildees que vatildeo muito aleacutem das concessotildees usualmente feitas ao tema das colisotildees e contatos pela literatura constituem mais um conjunto de dificuldades

68 Tribunal Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) Tribunal Penal Internac-ional para a antiga Iugoslaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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no caminho dessa delimitaccedilatildeo se quisermos que seja significativa

Penso em vista disso que se a noccedilatildeo de regime deve ter alguma chance de se provar uacutetil eacute preciso procurar os criteacuterios de sua existecircncia do lado das normas ou dos conjuntos normativos Seratildeo a identidade e as caracte-riacutesticas das normas que permitiratildeo a determinaccedilatildeo do tema para o qual existe um regime e natildeo o contraacuterio

O uacutenico caminho para fazer com que discussatildeo faccedila sentido eacute encontrar se os haacute criteacuterios juriacutedicos para o reconhecimento dos regimes Soacute se pode entender os limites as fronteiras de regimes autocontidos ou espe-ciais se estes forem determinados desde dentro pelas normas do regime na medida em que estas determinam o seu campo de aplicaccedilatildeo suas relaccedilotildees com outras normas do regime com outras normas relacionadas ao mesmo tema com normas de outros regimes e na me-dida em que estabelecem a competecircncia ou reconhecem a jurisdiccedilatildeo de tribunais ou outras instituiccedilotildees

Isto eacute verdade quer falemos de regimes ou natildeo Nes-se sentido se o regime tem um ethos ou princiacutepios ou objetivos reconheciacuteveis eles seratildeo dados pelas normas Esta eacute a delimitaccedilatildeo dos regimes desde dentro e nesse sentido a diferenciaccedilatildeo funcional original aquela geneacute-rica eacute apenas indicativa das condicionantes socioloacutegicas da fragmentaccedilatildeo funcional O que eacute funcional desde dentro eacute o que faz o regime juriacutedico

425 Colisotildees e conflitos

Falei um pouco acima de relaccedilotildees possiacuteveis entre os conjuntos normativos e organizacionais a que se pode e costuma chamar regimes e que dificultavam a sua de-limitaccedilatildeo

Mencionei especialmente a incorporaccedilatildeo de uma norma relativa a um tema ou pertencente a um regime por outro regime lidando com outro tema e a possibili-dade de que uma instituiccedilatildeo relacionada ou pertencente a um regime seja chamada a aplicar normas de outro regime

Jaacute havia anunciado no entanto que ecircnfase costuma ser posta em possiacuteveis relaccedilotildees de choque ou conflito entre os regimes que vatildeo aleacutem dessas duas Pensa-se sobretudo nas colisotildees que podem dar lugar a antino-mias e a decisotildees contraditoacuterias e que portanto trazem incerteza juriacutedica

A primeira possibilidade aventada eacute a de que um Es-tado se encontre obrigado por normas contraditoacuterias relevando de distintos regimes Que esteja por exem-plo obrigado por normas do comeacutercio internacional a liberar o comeacutercio de determinado bem e obrigado por normas do direito internacional do meio ambiente a restringir o comeacutercio do mesmo bem

A segunda possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees relacionadas a distintos regimes sejam chamadas a decidir sobre um mesmo conjunto factual e aplicando normas contraditoacuterias ou diversas cheguem a decisotildees que satildeo elas tambeacutem incompatiacuteveis

A terceira possibilidade eacute de que diferentes institui-ccedilotildees talvez igualmente relacionadas a regimes diversos sejam chamadas a decidir aplicando as mesmas normas mas as interpretem de modos diversos e novamente cheguem a conclusotildees contraditoacuterias

Sempre portanto se estaacute essencialmente preocupa-do com a possibilidade de que os conteuacutedos normati-vos ou a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo por instituiccedilotildees diversas comandem comportamentos divergentes aos Estados

Eacute claro que estaacute subentendido aiacute o risco mais abran-gente de que em um ambiente de inflaccedilatildeo normativa se estabeleccedila uma incerteza geral sobre normas e institui-ccedilotildees que natildeo se coordenam por pertencerem a regimes mais uma vez orientados por racionalidades diversas e voltados para a consecuccedilatildeo de objetivos distintos sem que haja esforccedilo ou preocupaccedilatildeo de coordenaccedilatildeo

O fato eacute no entanto que esses mesmos problemas se podem apresentar e se apresentam no direito inter-nacional independentemente da noccedilatildeo de regimes e in-dependentemente das noccedilotildees de tema e de ethos

Mas eacute verdade que os regimes podem funcionar como um complicador desse problema e como um mul-tiplicador das ocasiotildees em que ele vai se apresentar

Ainda assim o retrato que se faz desses conflitos muitas vezes apresenta os problemas de modo pouco fidedigno e de todo modo as soluccedilotildees satildeo as mesmas e devem ser buscadas na teacutecnica do direito internacional

426 Uma ilustraccedilatildeo

Um dos casos mais frequentemente citados quando se discute os problemas decorrentes da fragmentaccedilatildeo

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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e em que estes apareceriam em toda a sua forccedila eacute a sequecircncia de decisotildees tomadas por tribunais interna-cionais e tribunais arbitrais nos chamados casos MOX Plant69

Esses satildeo apresentados usualmente como uma ilus-traccedilatildeo de como o mesmo conjunto de fatos pode ser levado a diversos organismos de soluccedilatildeo de controveacuter-sias ou tomada de decisotildees ndash fragmentaccedilatildeo institucional ndash que seriam chamados a aplicar de modo conflitante normas pertencentes a regimes diversos ndash fragmentaccedilatildeo normativa ndash ou as mesmas normas chegando a resulta-dos divergentes70

Eacute verdade que o ponto de partida factual eacute o mes-mo a construccedilatildeo de uma faacutebrica de MOX71 pelo Reino

69 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cau-telares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001TIDM Caso Mox Plant (Ir-landa v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 1 ndash Irelandrsquos Amended Statement of Claim 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 2 ndash Tempo Limite para Submissotildees e pedidos 2002 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 2003CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 5 ndash Suspensatildeo dos Relatoacuterios Perioacutedicos pelas Partes 2007CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 6 ndash Fim dos Procedimentos 2008TCE Comissatildeo da Comu-nidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriServLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF 70 Gabriela Garcia Batista Lima traz outra possibilidade de ilus-traccedilatildeo desse fenocircmeno com trecircs casos do Centro Internacional para a Resoluccedilatildeo de Conflitos de Investimentos (ICSID) Ainda que se-jam individualmente mais simples que o caso aqui analisado apre-sentam elementos que evidenciam as mesmas questotildees nos choques entre acircmbitos espaciais ou temaacuteticos de regulaccedilatildeo LIMA Gabriela G B Conceitos de relaccedilotildees internacionais e teoria do direito diante dos efeitos pluralistas da globalizaccedilatildeo governanccedila global regimes juriacutedicos direito refexivo pluralismo juriacutedico corregulaccedilatildeo e autor-regulaccedilatildeo Revista de Direito Internacional v11 n1 2014 Outro estudo nacional sobre os efeitos da fragmentaccedilatildeo na praacutetica do direito in-ternacional eacute a anaacutelise de Andreacute Pires Gontijo sobre a ldquointernac-ionalizaccedilatildeo do direito na poacutes-modernidaderdquo observando o sistema interamericano e europeu de direitos humanos Segundo o autor ainda que os sistemas regionais de direitos humanos tenham desen-volvido um pano de fundo comum da proteccedilatildeo agrave dignidade da pes-soa humana os dois sistemas apontados se encontram em projetos diferentes o interamericano busca aumentar o acesso do indiviacuteduo ao sistema enquanto o europeu enfrenta o choque entre deman-das econocircmicas e de direitos humanos GONTIJO Andreacute P Os Caminhos Fragmentados da Proteccedilatildeo Humana o peticionamento individual o conceito de viacutetima e o amicus curiae como indicadores do acesso aos sistemas interamericano e europeu de proteccedilatildeo aos direitos humanos Revista de Direito Internacional v 9 n1 201271 A sigla corresponde a ldquomixed oxide fuelrdquo

Unido em seu territoacuterio agrave qual a Irlanda objetava E eacute verdade que ambos paiacuteses se encontram obrigados por um grande nuacutemero de normas juriacutedicas que poderiam ser relevantes para a soluccedilatildeo da controveacutersia definida de modo assim geneacuterico Mais especificamente ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo para a proteccedilatildeo do Atlacircntico nordeste (OSPAR)72 ambos satildeo partes da Convenccedilatildeo das Naccedilotildees Unidas para o Direito do Mar (Convenccedilatildeo do Mar)73 e ambos satildeo membros da Uniatildeo Europeia sendo-lhes portanto aplicaacutevel o conjunto do direito comunitaacuterio

Enquanto procurava por meios de impedir a exis-tecircncia da faacutebrica e seu funcionamento a Irlanda desen-volveu vaacuterias reclamaccedilotildees contra o Reino Unido Uma dessas dizia respeito agrave quantidade e agrave qualidade de infor-maccedilotildees fornecidas por este uacuteltimo Sentindo ou argu-mentando apenas que a informaccedilatildeo natildeo era satisfatoacuteria sustentou que o Reino Unido natildeo cumpria com uma obrigaccedilatildeo contida no artigo 9 da convenccedilatildeo OSPAR

Essa convenccedilatildeo conteacutem uma claacuteusula de soluccedilatildeo de controveacutersias que foi invocada pela Irlanda para dar iniacutecio a um procedimento arbitral74 O tribunal arbitral teve de lidar com essa questatildeo juriacutedica especiacutefica rela-tiva agrave observacircncia do artigo 9o E de modo correspon-dente teve que lidar com um universo factual especiacutefico que tinha relaccedilatildeo direta com a questatildeo juriacutedica sendo considerada

A Irlanda tambeacutem sentiu ou argumentou que o Rei-no Unido violava vaacuterias normas da Convenccedilatildeo do Mar e de acordo com as regras para soluccedilatildeo de controveacuter-sias contidas nessa convenccedilatildeo deu iniacutecio a um outro procedimento arbitral Este segundo tribunal arbitral tambeacutem devia lidar com questotildees juriacutedicas especiacuteficas relativas agrave violaccedilatildeo de normas juriacutedicas materiais especiacute-ficas e do mesmo modo tinha que lidar com o contexto factual a elas relacionado

Porque sentiu que medidas cautelares eram necessaacute-rias tambeacutem de acordo com a Convenccedilatildeo do Mar a Ir-landa pediu que o Tribunal Internacional para o Direito do Mar (Tribunal do Mar) as concedesse75 O Tribunal

72 Disponiacutevel em httpwwwosparorgcontentcontentaspmenu=01481200000000_000000_00000073 Disponiacutevel em httpdai-mreserprogovbratos-internacion-aismultilateraisdireito-do-marm_48774 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Memorial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436 75 TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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do Mar teve portanto que lidar com a questatildeo juriacutedica relativa a serem ou natildeo devidas as medidas cautelares e em caso afirmativo quais deviam ser essas medidas Precisaria estabelecer seu convencimento sobre estarem presentes as condiccedilotildees factuais para que concedesse a cautela

Finalmente porque a Comissatildeo das Comunidades Europeias (Comissatildeo)76 considerou que as provisotildees da Convenccedilatildeo do Mar cuja violaccedilatildeo a Irlanda arguia peran-te o tribunal arbitral haviam sido incorporadas ao direito comunitaacuterio apresentou uma demanda contra a Irlanda perante o Tribunal das Comunidades Europeias77 sob a acusaccedilatildeo de que a esta teria violado a obrigaccedilatildeo de levar qualquer controveacutersia relativa a direito comunitaacuterio que a opusesse a outro Estado membro da Comunidade agraves instituiccedilotildees desta uacuteltima Aqui tambeacutem o Tribunal co-munitaacuterio teve de lidar com uma questatildeo juriacutedica espe-ciacutefica e com os fatos a ela conectados se a Irlanda havia violado obrigaccedilotildees decorrentes do direito comunitaacuterio

Na verdade portanto cada tribunal estava tentando resolver uma questatildeo juriacutedica diferente lidando com conjuntos factuais diversos ainda que relacionados e tendo que aplicar normas distintas pertencentes se quisermos a diferentes regimes ju-riacutedicos Um dos tribunais arbitrais devia aplicar o artigo 9o da convenccedilatildeo OSPAR o outro algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar o Tribunal do Mar devia aplicar outras normas da mes-ma convenccedilatildeo e o Tribunal das Comunidades Europeias devia aplicar direito comunitaacuterio

O uacutenico momento em que os traccedilos problemaacuteticos da fragmentaccedilatildeo se mostram mais claramente eacute aquele do cruzamento entre o tribunal arbitral chamado a apli-car a Convenccedilatildeo do Mar e o Tribunal da Comunidade Europeia A interaccedilatildeo normativa aparece mais clara-mente no entanto apenas porque um regime ou para ser mais preciso um sistema juriacutedico ndash que em muitas coisas eacute o equivalente de um sistema juriacutedico domeacutesti-co fechado ndash o direito comunitaacuterio havia incorporado normas que constituem parte daquilo que se poderia olhar como sendo o regime internacional do mar ou seja algumas normas da Convenccedilatildeo do Mar

Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001 TIDM Caso Mox Pant (Irlanda v Reino Unido) Medidas Cautelares No 10 Ordem 20013 2001 76 Comissatildeo Europeia - Assuntos Legais Sumaacuterio de Sentenccedilas importantes Caso C-45903 (Comissatildeo v Irlanda) 2006 77 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 2006Disponiacutevel em httpeurlexeuropaeuLexUriS-ervLexUriServdouri=CELEX62003CJ0459ENPDF

O contato ou fricccedilatildeo institucional se manifesta na decisatildeo do tribunal arbitral de suspender o seu trabalho enquanto esperava o Tribunal comunitaacuterio tomar a sua decisatildeo78 Essa deferecircncia natildeo eacute fundada em qualquer crenccedila de que tendo ambos que aplicar as mesmas nor-mas o Tribunal comunitaacuterio teria precedecircncia sobre o tribunal arbitral jaacute que de fato eles natildeo eram chama-dos a aplicar as mesmas normas ou resolver as mesmas questotildees juriacutedicas A decisatildeo se baseou na crenccedila de que se o Tribunal comunitaacuterio viesse a decidir como afinal decidiu que a Irlanda havia violado o direito comuni-taacuterio ao comeccedilar o procedimento arbitral este natural-mente se veria terminado79

427 Uma Receita teacutecnica

Outros tantos exemplos ao mesmo tempo pareci-dos e distintos desse dos casos MOX Plant poderiam ser explorados aqui Penso por exemplo nas decisotildees relacionadas agrave importaccedilatildeo de pneus usados pelo Bra-sil80 Ali decisotildees divergentes foram tomadas dentro do sistema de soluccedilatildeo de controveacutersias da OMC e por arbitragem feita no acircmbito do MERCOSUL Mas ali

78 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido)Ordem No 3 ndash Suspensatildeo dos Procedimentos de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito e Pedidos de Medidas Cautelares 2003 CPA Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Ordem no 4 ndash Outras Suspensotildees de Jurisdiccedilatildeo e Meacuterito 200379 TCE Comissatildeo da Comunidade Europeia v Irlanda Caso C-45903 200680 BRASIL Superior Tribunal Federal Arguiccedilatildeo de Descumpri-mento de Preceito Fundamental no 101 (ADPF-101) Portaria DE-CEX N 8 Proibiccedilatildeo de Pneus Usados Relatora Ministra Carmem Luacutecia DF 21092006 OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres2008 (WTDS33216) OMC Brazil ndash Meas-ures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by Brazil 2009 (WTDS33219) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Status Report by BrazilNotification of an Ap-peal by the European Communities under Article 164 and Article 17 of the Understanding on Rules and Procedures Governing the Settlement of Disputes (DSU)and under Rule 20(1) of the Work-ing Procedures for Appellate Review 2007 (WTDS3329) OMC Brazil ndash Measures Affecting Imports of Retreaded Tyres Report of the Appellate Body 2007( WTDS332ABR) MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral relativas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante en adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada en adelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importacioacuten de Neumaacuteticos Re-moldeados (Remolded) Procedentes de Uruguay 2006 MERCO-SUL Criaccedilatildeo do grupo ad hoc para uma poliacutetica regional sobre pneus inclusive reformados e usados -GAHP (MERCOSULGMC EXTRES Nordm 2508) 2906 2008 CAMEX Resoluccedilatildeo no 38 22102007

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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tambeacutem as perguntas juriacutedicas feitas em cada uma das instacircncias eram diversas e comandavam portanto a consideraccedilatildeo do conjunto factual de modos diversos O que esses casos mostrariam no entanto eacute a possibi-lidade do mesmo tipo de problema ocorrer dentro do que para muitos efeitos eacute um e uacutenico regime juriacutedico o do comeacutercio internacional Ou no maacuteximo eacute o conflito entre normas e instituiccedilotildees de um regime com aquelas de um seu sub-regime

O que o caso MOX Plant e os demais que poderiacutea-mos conceber nos ensinam portanto eacute que fariacuteamos bem de lidar numa perspectiva mais ampla com o direi-to internacional como uma unidade como um sistema juriacutedico coerente dotado de determinadas caracteriacutes-ticas diferenciadoras Numa perspectiva mais restrita deveriacuteamos tentar uma descriccedilatildeo mais realista das suas dinacircmicas

A qualquer momento dado um Estado ou outro su-jeito de direito internacional perguntar-se-aacute se estaacute obri-gado por esta ou aquela norma Talvez natildeo se pergunte se a norma pertence a este ou aquele regime entre ou-tras razotildees porque talvez natildeo faccedila qualquer diferenccedila Se descobrir que haacute contradiccedilotildees concernentes aos di-reitos e obrigaccedilotildees decorrentes de normas diversas pe-las quais estaacute obrigado tentaraacute resolver isto se o tentar primeiramente reconhecendo que essas normas perten-cem igualmente a um sistema juriacutedico que deve ter e em principio tem regras secundaacuterias destinadas a lidar com as antinomias

Quando uma corte internacional ou um tribunal arbitral satildeo chamados a aplicar direito internacional estaratildeo lidando com uma ou mais questotildees juriacutedicas especiacuteficas e para provecirc-las com respostas considera-ratildeo primeiro se tecircm jurisdiccedilatildeo e em seguida quais as normas de direito internacionais aplicaacuteveis ao caso Natildeo precisam na verdade decidir se essas normas perten-cem a este ou aquele regime juriacutedico

Um tribunal pode estar obrigado a aplicar apenas normas que satildeo vistas como pertencendo a um desses regimes simplesmente porque aquelas satildeo as normas para cuja aplicaccedilatildeo tem competecircncia e se revelam apli-caacuteveis ao caso concreto que tem diante de si Um outro tribunal pode ter competecircncia para aplicar e descobrir aplicaacuteveis a um caso normas que seriam vistas como pertencendo a diferentes regimes juriacutedicos E pode des-cobrir enquanto tenta aplicar as normas a casos espe-ciacuteficos que haacute contradiccedilotildees antinomias para a soluccedilatildeo

das quais recorreraacute a normas e teacutecnicas que encontraraacute no direito internacional

E tudo isso soacute seraacute possiacutevel porque natildeo haacute duacutevida em relaccedilatildeo ao fato de que essas normas e tribunais ou instituiccedilotildees satildeo partes integrantes de um uacutenico sistema juriacutedico equipado com algum grau de coerecircncia interna

5 COnStelaccedilatildeO regulatoacuteria glObal

Se abordamos a mateacuteria pelo lado do tema ou da aacuterea especiacutefica da vida internacional ao nos perguntar-mos como e pelo que ela eacute regulada veremos uma gama de possiacuteveis respostas

Descobriremos possivelmente que o tema eacute com-pletamente regulado por direito internacional puacuteblico o que quereria dizer que toda a regulaccedilatildeo relativa ao tema deve ser encontrada dentro do direito internacional e eacute reconhecida como parte constitutiva desse sistema Ou descobriremos que a aacuterea eacute regulada por direito in-ternacional e por direito interno Ou veremos que ao lado das prescriccedilotildees juriacutedicas que pertencem ou ao di-reito internacional ou ao direito interno ou a ambos haacute outros tipos de regulaccedilatildeo outros instrumentos cujo caraacuteter ou natureza juriacutedica podem ser controvertidos e que satildeo produzidos por um ou vaacuterios tipos de atores sociais mas que tecircm em comum o fato inegaacutevel de que regulam efetivamente os comportamentos em setores sociais especiacuteficos entre certos atores em relaccedilatildeo a de-terminados temas

Talvez gostemos de pensar que o conjunto de pres-criccedilotildees normas que lidam com uma aacuterea especiacutefica constitui um regime regulatoacuterio talvez juriacutedico Se igno-ramos ou consideramos desimportante o exerciacutecio de determinar se partes ou o todo das prescriccedilotildees eacute direi-to e se todas elas ou apenas algumas pertencem a este ou aquele sistema juriacutedico estaremos escolhendo como uacutenico elemento organizador o fato de que aquela regu-laccedilatildeo se refere a um tema especiacutefico

Se assim fizermos estaremos nos condenando a ape-nas descrever como algo eacute regulado No entanto como jaacute se discutiu acima mesmo esse exerciacutecio descritivo es-taria incompleto jaacute que natildeo se pode verdadeiramente descrever o modo como algo eacute regulado passando ao largo da discussatildeo sobre se esta ou aquela prescriccedilatildeo eacute ou natildeo eacute obrigatoacuteria se pode ou natildeo pode ser aplicada

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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e exigida por um oacutergatildeo jurisdicional etc

Alternativamente como tambeacutem jaacute se disse acima podemos considerar que para descrever de modo apro-priado o conjunto de normas ou prescriccedilotildees que lidam com uma aacuterea ou tema especiacutefico eacute preciso decidir se satildeo juriacutedicas no sentido de que pertencem a um sistema juriacutedico quer seja este o direito internacional puacuteblico ou um direito nacional domeacutestico e se natildeo pertencem nem a um nem a outro decidir se satildeo ainda assim juriacutedi-cas porque por exemplo parte integrante de um tercei-ro tipo de sistema juriacutedico que operaria apenas em tor-no daquele tema entre aqueles atores para um conjunto especiacutefico de sujeitos juriacutedicos

As opccedilotildees teoacutericas satildeo portanto i) considerar que cada conjunto regulatoacuterio eacute um sistema juriacutedico que ao reconhecer as prescriccedilotildees relativas ao tema de que trata lhes daacute caraacuteter juriacutedico Isto colocaria o problema de saber se as normas pertencentes ao direito internacional ou aos direitos domeacutesticos seriam incorporadas repro-duzidas no interior da ordem juriacutedica setorial especiacutefi-ca ou se seriam simplesmente reconhecidas para efeito de aplicaccedilatildeo pelas instituiccedilotildees do regime ii) Conside-rar que o tema eacute um ponto de encontro um ponto de confluecircncia de sistemas juriacutedicos diferentes quando haacute mais de um envolvido cujas prescriccedilotildees regulam juntas o tema ou a mateacuteria especiacutefica em combinaccedilatildeo quando for o caso com prescriccedilotildees natildeo-juriacutedicas eou com o que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada

De fato frequentemente quando se olha para qual-quer tema global quer seja abrangente ndash meio ambien-te seguranccedila comeacutercio etc ndash quer restrito encontra-se direito internacional o de traccedilos tradicionais que lide com a mateacuteria isto quer dizer que seratildeo encontrados tratados eou normas costumeiras eou princiacutepios ge-rais de direito emergindo portanto das fontes reconhe-cidas da ordem juriacutedica que tratem do tema e regulem o campo

Essas normas seratildeo consideradas vaacutelidas e obrigatoacute-rias e sua inobservacircncia por parte dos Estados os sujei-tos da ordem juriacutedica faraacute entrar em operaccedilatildeo os me-canismos de sua responsabilizaccedilatildeo Se houver delegaccedilatildeo da funccedilatildeo de resolver controveacutersias a um organismo com competecircncia esse organismo interpretaraacute e apli-caraacute as normas aos casos que lhe forem apresentados

Tambeacutem eacute frequente que sejam encontradas outras prescriccedilotildees criadas por Estados ou por outros atores emergindo a partir de fontes outras que natildeo as reco-

nhecidas pelo direito internacional que desempenham um papel na ordenaccedilatildeo na organizaccedilatildeo da vida e do comportamento em relaccedilatildeo agravequele tema ou campo es-peciacutefico

Essas prescriccedilotildees emergiratildeo de resoluccedilotildees ou deci-sotildees de organismos internacionais de acordos infor-mais entre os Estados de coacutedigos de conduta e de um sem-nuacutemero de outros tipos de instrumentos e me-canismos Muitos desses porque satildeo tatildeo proacuteximos da mecacircnica do direito internacional e estatildeo intimamente ligados agrave atividade dos Estados e das organizaccedilotildees in-ternacionais datildeo lugar a questionamentos sobre a sua natureza juriacutedica no sentido de seu pertencimento ou natildeo ao ordenamento juriacutedico internacional

Muitas vezes ver-se-aacute que o tema especiacutefico ou o setor eacute tambeacutem ordenado organizado regulado pelo que eacute usualmente chamado regulaccedilatildeo privada arranjos ou acordos privados coacutedigos de conduta processos de certificaccedilatildeo redes de contratos etc81

Este tipo de regulaccedilatildeo natildeo pode ser suspeito de fa-zer parte do direito internacional puacuteblico Sua natureza juriacutedica no entanto eacute debatida e suas manifestaccedilotildees satildeo vistas por alguns como pertencentes a uma ordem ju-riacutedica global ou transnacional frouxamente definida ou agravequele regime ou sistema juriacutedico ou regulatoacuterio especi-ficamente direcionado a um tema

Finalmente quase sempre seraacute possiacutevel observar que o direito domeacutestico dos Estados trata do tema ou da aacuterea

Pode-se argumentar que tentar saber ou entender apenas o modo como um direito domeacutestico ou apenas como o direito internacional lida com um tema resul-taraacute em uma visatildeo apenas parcial daquele microcosmos regulatoacuterio e serviraacute a propoacutesitos muito limitados Seraacute aceitaacutevel se a intenccedilatildeo for de fato trabalhar apenas com propoacutesitos limitados como por exemplo quando um tribunal com competecircncia para aplicar apenas direito internacional tiver que responder a uma pergunta ju-riacutedica circunscrita a essa ordem juriacutedica mas natildeo seraacute

81 Um exemplo de estudo nacional com essa abordagem eacute o tra-balho de Mateus de Oliveira Fornasier e Luciano Vaz Ferreira sobre as normativas internas de conduta nas empresas transnacionais com capacidade de influecircncia expandida a outros setores explorada pelos autores como ordem juriacutedica natildeo-estatal de alta relevacircncia de autoria privada e relevacircncia global FORNASIER Mateus de O FERREI-RA Luciano V A regulaccedilatildeo das empresas transnacionais entre as ordens juriacutedicas estatais e natildeo estatais Revista de Direito Internacional v 12 n1 2015

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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apropriado se a intenccedilatildeo eacute descrever de maneira integral o modo como a regulaccedilatildeo daquele setor especiacutefico se apresenta

Mais uma vez no entanto uma descriccedilatildeo competen-te da realidade regulatoacuteria de um campo uacutenica base so-bre a qual propoacutesitos mais ambiciosos podem ser cons-truiacutedos natildeo pode dispensar a distinccedilotildees teacutecnicas entre o que eacute parte do direito internacional e o que natildeo eacute combinadas com a descriccedilatildeo afinada do funcionamento do sistema juriacutedicos e do funcionamento das prescri-ccedilotildees dentro do sistema a determinaccedilatildeo do que eacute parte deste ou daquele sistema juriacutedico domeacutestico tambeacutem combinada com o funcionamento do sistema e das suas prescriccedilotildees a determinaccedilatildeo do que eacute obrigatoacuterio do que natildeo o eacute de quem eacute o produtor de cada prescriccedilatildeo regulatoacuteria de quem eacute o destinataacuterio da provisotildees etc

A realidade regulatoacuteria internacional ou global ou transnacional se nos mostra assim como um comple-xo de sistemas juriacutedicos e de tipos de regulaccedilatildeo diversos e como um complexo de temas em torno dos quais nor-mas juriacutedicas e outros tipos de regulaccedilatildeo se aglutinam

51 Dois Pluralismos Juriacutedicos ou Regulatoacuterios

A ideia que nos servia de ponto de partida a da dife-renciaccedilatildeo funcional que leva as normas a se aglutinarem em torno de temas ou problemas especiacuteficos quando pensada em relaccedilatildeo agrave vida internacional nos coloca face a face com dois tipos de pluralismo juriacutedico82

O primeiro tem como suas unidades baacutesicas os siste-mas juriacutedicos as ordens juriacutedicas Essencialmente esses sistemas juriacutedicos satildeo os direitos nacionais e o direito internacional Eacute possiacutevel no entanto que alguns quei-ram incluir entre as ordens juriacutedicas sistemas cuja natu-reza juriacutedica eacute mais controvertida entre outras coisas

82 Como mencionado antes KORTH e TEUBNER tecircm um ar-tigo em que falam de dois tipos de pluralismo Ali os dois tipos satildeo equivalentes ou correspondem a uma dupla fragmentaccedilatildeo do direito global e tambeacutem a dois tipos de colisatildeo entre normas ou seja plural-ismo fragmentaccedilatildeo e colisotildees parecem ser termos intercambiaacuteveis Os exemplos usados fazem referecircncia a questotildees de propriedade intelectual em que se discute num caso a atribuiccedilatildeo de nome de domiacutenio na internet e no outro a proteccedilatildeo de saberes tradicionais Penso que mais uma vez os conflitos normativos satildeo equivocada-mente identificados e explicados Segundo os autores os dois tipos de pluralismo a dupla fragmentaccedilatildeo e os dois tipos de colisatildeo opo-riam primeiramente diferentes sistemas funcionais e suas normas e em segundo lugar direito formal e direitos tradicionais Como se pode ver natildeo eacute o mesmo de que falo eu aqui

por natildeo serem as suas normas produzidas pelos Esta-dos O exemplo talvez mais evidente eacute o da Lex mercato-ria Nesse caso falar-se ia de um pluralismo de sistemas juriacutedicos ou regulatoacuterios mas jaacute natildeo seria um pluralismo estritamente juriacutedico ou seja centrado no direito

Perceba-se que quando se pensa o pluralismo como um espaccedilo de muacuteltiplos sistemas juriacutedicos esses siste-mas natildeo satildeo definidos pelas suas preocupaccedilotildees temaacute-ticas mas sim pelas suas caracteriacutesticas sistecircmicas Ou seja cada ordem juriacutedica se define pelas respostas que daacute a uma seacuterie de perguntas que satildeo essencialmente es-tas i) qual o seu campo de aplicaccedilatildeo territorial ou so-cial ii) quais os mecanismos que reconhece como aptos a criar normas vaacutelidas iii) quem satildeo os destinataacuterios das normas iv) Quais satildeo e como operam as instituiccedilotildees criadas pelas normas do sistema

Essas perguntas podem ser feitas com naturalidade e respondidas com razoaacutevel simplicidade em relaccedilatildeo aos direitos nacionais estatais e ao direito internacional puacute-blico Mesmo que se queira incluir sistemas natildeo estatais e talvez natildeo juriacutedicos tais como a Lex mercatoria as res-postas agraves perguntas permitiriam identificar uma razoaacute-vel unidade e sistematicidade apesar de ser esse sistema especiacutefico marcado pelo tema pelo setor da vida que regula o comeacutercio diferentemente do que ocorre com os direitos nacionais e com o internacional

O segundo tipo de pluralismo juriacutedico internacional que se desenha perante noacutes a partir da ideia de dife-renciaccedilatildeo funcional eacute um em que as unidades baacutesicas natildeo satildeo os sistemas juriacutedicos mas sim os regimes juriacutedi-cos estes sim como vimos tendendo a serem definidos pelo tema pelo problema ou pelo setor regulado

Como dito eacute possiacutevel conceber regimes juriacutedicos ou regulatoacuterios que sejam compostos por apenas um tipo de regulaccedilatildeo e que constituam um sistema completo e fechado Poreacutem o mais comum seraacute que em torno do tema especiacutefico se reuacutenam ou venham a incidir conjun-tamente normas oriundas de mais de um sistema juriacutedi-co e que essas normas se faccedilam acompanhar igualmente de outros tipos de regulaccedilatildeo cujo caraacuteter juriacutedico seraacute controvertido

Eacute claro que aquilo que jaacute se apresentava difiacutecil quan-do se falava de regimes enquanto fragmentos de uma ordem juriacutedica dada o direito internacional puacuteblico ou seja a determinaccedilatildeo dos confins dos limites dos regi-mes das normas e estruturas institucionais que fazem parte dos regimes natildeo eacute tarefa mais simples quando se

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

Disponiacutevel em httpwwwssrncomabstract=1435170 DAVIS D CORDER H Globalization National Democratic Institutions and the Impact of Global Regulatory Governance on Developing Countries Acta Juridica v 09 p 68-89 2009 ESTY D C Good Governance at the Supranational Scale Globalizing Administra-tive Law The Yale Law Journal v 115 n 7 p 1490-1562 2011 HARLOW C Global Administrative Law The Quest for Princi-ples and Values European Journal of International Law v 17 n 1 p 187-214 2006 KINGSBURY B The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law European Journal of International Law v 20 n 1 p 23-57 2009 KINGSBURY B Co-Option and Resistance Two Faces of Global Administrative Law New York University Journal of International Law and Politics v 38 p 799-827 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIENER JB Global Govern-ance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emergence of Global Administrative Law Law and Contempo-rary Problems v 68 p 15-61 2005 KOCH C H Globalization of Administrative and Regulatory Practice Administrative Law Review v 54 n 1 p 409-414 2002KRISCH N Introduction Global Governance and Global Administrative Law in the International Legal Order European Journal of International Law v 17 n 1 p 1-13 2006a KRISCH N The Pluralism of Global Administrative Law European Journal of International Law v 17 n 1 p 247-278 2006b KRISCH N Global Administrative Law and the Constitutional Ambition Law Society Economy Working Papers 2009 Disponiacutevel em httpwwwlseacukcollectionslawwpsWPS2009-10_Krischpdf KUO M-S The Concept of ldquoLawrdquo in Global Administrative Law A Reply to Benedict Kingsbury European Journal of International Law v 20 n 4 p 997-1004 2010 MARKS S Naming Global Administrative Law New York Journal of International Law and Poli-tics v 95 p 995-1002 2005 MCLEAN J Divergent Conceptions of the State Implications for Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 n 3 p 167-187 2005 SANCHEZ M R The Global Administrative Law Project A review from Brazil Artigos Direito GV v 38 p 1-14 2009 SCHMIDT-ASSMAN B E The Internationalization of Administrative Relations as a Challenge for Administrative Law Scholarship German Law Journal v 9 n 11 2006 SHAPIRO M Administrative Law Unbounded Reflections on Government and Governance Indiana Journal of Legal Studies v 8 n 2 p 369-377 200185 Ver ABBOTT K WSNIDAL D Strengthening International Regulation through Transnational New Governance Overcoming the Orchestration Deficit Vanderbilt Journal of Transnational Law p 1-69 2009 BARTLEY T Institutional Emergence in an Era of Globalization The Rise of Transnational Private Regulation of La-bor and Environmental Conditions American Journal of Sociology v 113 n 2 p 297-351 2007 BENVENISTI E DOWNS G W National Courts Review of Transnational Private Regulation n 2003 p 1-18 2005 (working paper) Disponiacutevel em httppapersssrncomsol3paperscfmabstract_id=1742452 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private RegulationEUI Working Papers p 1-40 2010

Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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pensa o regime como ponto de confluecircncia de normas e de regulaccedilatildeo saiacutedas de sistemas e de fontes diversas

Aqui portanto tambeacutem se trabalha com zonas de indeterminaccedilatildeo Percebe-se os regimes de modo apro-ximado a partir do tema Como acontecia em relaccedilatildeo aos regimes inseridos no direito internacional puacuteblico os temas podem ser muito numerosos ser mais ou me-nos especiacuteficos se relacionarem uns com os outros dos modos mais variados em ciacuterculos concecircntricos inter-penetrando-se tangenciando-se

Assim como acontecia com os regimes autocontidos do direito internacional puacuteblico pode revelar-se difiacutecil identificar um ethos a comandar a gecircnese e a operaccedilatildeo das normas que lidam com um tema a partir de ordens juriacutedicas distintas e de outros tipos de regulaccedilatildeo Na verdade justamente por constituiacuterem um aglomerado de normas pertencentes a ordens diversas eacute ainda mais difiacutecil provar um ethos uacutenico

Pela mesma razatildeo aqui tambeacutem satildeo mais provaacuteveis as colisotildees ou as fricccedilotildees entre normas ou instacircncias de tomada de decisotildees conectadas a um mesmo tema para natildeo dizer nada daquelas que existiratildeo entre as normas e instacircncias que lidam com temas diversos pertencentes se quisermos a regimes diversos

Aqui como laacute seria exerciacutecio fuacutetil tentar mapear os regimes existentes Laacute eu ofereci uma descriccedilatildeo da so-luccedilatildeo teacutecnica que o direito internacional oferece para as percebidas fricccedilotildees entre normas e entre oacutergatildeos de tomada de decisatildeo ndash especialmente jurisdicionais ndash de regimes diversos ou ateacute de um mesmo regime

No que concerne os regimes entendidos como pon-tos de convergecircncia de normas juriacutedicas ou de regulaccedilatildeo de diferentes tipos ou pertencentes a diferentes ordens juriacutedicas uma soluccedilatildeo teacutecnica anaacuteloga eacute concebiacutevel mas natildeo eacute factiacutevel o seu mapeamento e a sua descriccedilatildeo aqui

Com relaccedilatildeo a este segundo tipo de regime preten-do concentrar esforccedilos em entender e tentar mapear justamente os instrumentos ou normas pertencentes ao que venho designando genericamente como outros ti-pos de regulaccedilatildeo

52 Regulaccedilatildeo no espaccedilo internacional ou global

Como vimos quando se tenta entender como eacute or-denada a vida no espaccedilo global internacional ou trans-nacional ou seja para aleacutem e atraveacutes das fronteiras

dos Estados quando se tenta entender e descrever o que muitos chamam de governanccedila global tende-se a apontar as limitaccedilotildees do direito internacional puacuteblico e a observar a sua incapacidade para regular sozinho esse espaccedilo global evidenciada pela existecircncia de uma pluralidade de outros meios de regulaccedilatildeo

A esta limitaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico e a esta oposiccedilatildeo entre essa ordem juriacutedica e os seus con-correntes sobrepotildee-se a percebida limitaccedilatildeo do direito do juriacutedico estritamente definido e a sua contraposiccedilatildeo a uma noccedilatildeo mais geneacuterica e inclusiva de regulaccedilatildeo

Um modo de representar essa dupla limitaccedilatildeo e essa du-pla oposiccedilatildeo eacute contrapondo noccedilotildees geneacutericas de hard law e soft law sendo esta uacuteltima expressatildeo entendida como desig-nando instrumentos normativos ndash no sentido de conterem prescriccedilotildees e tenderem a influenciar os comportamentos ndash mas natildeo vinculantes natildeo obrigatoacuterios

Em outro lugar83 eu discuti essa contraposiccedilatildeo entre as normas juriacutedicas que compunham o direito interna-cional puacuteblico por emergirem de processos de gecircnese de mecanismos de fontes reconhecidos dessa ordem e as prescriccedilotildees contidas em instrumentos normativos mas natildeo juriacutedicos que regulavam os comportamentos na esfera internacional e que eram produzidos ou pelos Estados ou por organizaccedilotildees internacionais ou por en-tes natildeo governamentais

Mas para aleacutem dessa dicotomia simplista e generali-zante haacute muitos que vecircm tentando descrever de modos diversos a arquitetura do espaccedilo normativo ou regulatoacuterio internacional ou partes especiacuteficas dele Usam para isso re-cortes e perspectivas variados Faccedilo mais adiante uma bre-ve discussatildeo de duas dessas leituras que por ser uma mais geneacuterica e a outra mais especiacutefica dialogam entre si e que por apresentarem bases teoacutericas mais soacutelidas permitem a discussatildeo da noccedilatildeo de regulaccedilatildeo nos termos por mim pro-postos aqui Trata-se do direito administrativo global84 e da

83 NASSER S H Fontes e Normas do Direito Internacional Um Es-tudo sobre a Soft Law 2a ed Satildeo Paulo Editora Atlas 2006 p 17584 Ver KINGSBURY B KRISCH S STEWART R WIE-NER JB Global Governance as Administration-National and Transnational Approaches to Global Administrative law Law and Contemporary Problems v 68 n 3-4 p 1-13 2005 CAROTTI B SAVINO M Global Administrative Law cases materials issues New York University School of Law 2008Disponiacutevelem httpiiljorgGALdocumentsGALCasebook2008pdf CASSESE S Global Administrative law An Introduction Anais da IIJL Conference 2005 Disponiacutevel em httpwwwiiljorgGALdocumentsGAL-CasebookBibliographypdf CHESTERMAN S Global Administra-tive Law Working Paper for the ST Lee Project on Global Governance2009

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

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Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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regulaccedilatildeo privada transnacional85

Antes de procedermos com a discussatildeo dessas duas leituras no entanto cabem alguns comentaacuterios acerca da compreensatildeo e do uso do termo regulaccedilatildeo e de outros a ele conectados

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Perceba-se que ateacute aqui a noccedilatildeo vem sendo usa-da como significando de modo muito geneacuterico algo equivalente agrave organizaccedilatildeo dos espaccedilos sociais por nor-mas ou regras Alguns dicionaacuterios da liacutengua portugue-sa admitem para o termo o sentido de ldquoato ou efeito de regularrdquo86 ou seja ato ou efeito da accedilatildeo de ldquodirigir estabelecer normas ou regrasrdquo87 Alguns outros como Houaiss consideram que o termo eacute um neologismo ina-propriado preferindo a ele a palavra regulamentaccedilatildeo88

Quando falava acima da contraposiccedilatildeo entre direito e a noccedilatildeo geneacuterica de regulaccedilatildeo esta uacuteltima era justa-mente entendida como um universo de organizaccedilatildeo dos comportamentos por normas

A rigor o direito faz parte desse universo normativo A contraposiccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute a que opotildee o tipo especiacutefico de regulaccedilatildeo que eacute o direito e as quali-dades especiais que tecircm as suas normas a outros tipos de regulaccedilatildeo que considerados em conjunto teriam em comum o traccedilo de serem natildeo juriacutedicos A limitaccedilatildeo a que se fez referecircncia eacute aquela que toca o direito por sofrer ele a necessidade de que suas normas se adeacutequem a certos criteacuterios

Natildeo estaacute dado no entanto que o termo regulaccedilatildeo seja sempre e necessariamente usado e entendido como o ato ou efeito de regular de dirigir de estabelecer regas ou normas ou como o conjunto das regras e normas que operam em um espaccedilo social

Regulaccedilatildeo pode aparecer tambeacutem como sinocircnimo de ldquonorma preceito regulamento por que se deve reger o comportamentordquo89 designando portanto a norma singularmente considerada

Parece-me que esse uso eacute mais especialmente in-fluenciado pelo peso tanto da liacutengua inglesa quanto da cultura juriacutedica norte-americana Nestas o termo que normalmente aparece no plural regulations pode carre-gar justamente esse sentido de norma singular que em portuguecircs noacutes chamariacuteamos normalmente regulamento

86 Dicionaacuterio PRIBERAM de Liacutengua Portuguesa Online Dis-poniacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3oMICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 180487 Dicionaacuterio Priberam de Liacutengua Portuguesa On-line Disponiacutevel em httpwwwpriberamptdlpodefaultaspxpal=regulau00e7u00e3o88 HOUAISS Antocircnio e VILLAR Mauro Salles Rio de Janeiro Objetiva 2001 p 241889 MICHAELIS Moderno Dicionaacuterio da Liacutengua Portuguesa Satildeo Paulo Companhia Melhoramentos 1998 p 1804

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Me-morial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436

TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medi-das Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001

TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Medi-das Cautelares com base no art 290 sect 5ordm da Convenccedilatildeo do Mar das Naccedilotildees Unidas No 10 Ordem 20015 2001

TRIBUNAL Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) International Tribunal for the Prosecution of Per-sons Responsible for Serious Violations of Internatio-nal Humanitarian Law Committed in the Territory of the Former Yugoslavia

TRIBUNAL Penal Internacional para a antiga Iugo-slaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Tran-sformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007

Page 31: doi: 10.5102/rdi.v12i2.3707 Direito Global em Pedaços: …bdjur.stj.jus.br/.../99493/direito_global_pedacos_nasser.pdf · 2016-04-13 · tações da fragmentação do direito internacional

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Mas haacute mais regulations satildeo definidas como ldquoregras ou outras diretivas emitidas por agecircncias administrativas que devem ter autorizaccedilatildeo especiacutefica para emitir direti-vas e com base nessa autorizaccedilatildeo devem usualmente seguir condiccedilotildees prescritas tais como notificaccedilatildeo preacute-via em registro puacuteblico da accedilatildeo proposta e um convite a comentaacuterios puacuteblicosrdquo90

Isto significa que as regras ou outras diretivas a que se faz referecircncia quando se usa o termo regulaccedilatildeo em inglecircs satildeo de natureza administrativa e emanam de agecircncias ou oacutergatildeos dotados de poderes especiacuteficos para regular ou regulamentar atividades ou setores especiacutefi-cos Os poderes ou a autorizaccedilatildeo supotildee-se satildeo conferi-dos delegados pelo Estado e a regulaccedilatildeo diz respeito a temas de interesse puacuteblico ou coletivo

Essa compreensatildeo do termo regulaccedilatildeo que o apro-xima do universo do direito administrativo e que deve tanto ao inglecircs e ao direito norte-americano eacute hoje mui-to usual e se estende a expressotildees conexas como agecircn-cias reguladoras setores regulados etc

Note-se que essa aproximaccedilatildeo entre regulaccedilatildeo e di-reito administrativo natildeo estaacute imune agraves duacutevidas sobre as fronteiras do direito e sobre a distinccedilatildeo entre o juriacutedico e o natildeo juriacutedico que aqui se apresentam com cores proacute-prias Afinal regulaccedilatildeo como entendida aqui eacute direito Eacute direito administrativo ou de outro tipo As agecircncias reguladoras ou quaisquer oacutergatildeos dotados de poderes de regulaccedilatildeo legislam Se legislam produzem direito admi-nistrativo

Com muito mais razatildeo essas duacutevidas e essas per-guntas se impotildeem quanto se faz referecircncia agraves noccedilotildees de autorregulaccedilatildeo e de regulaccedilatildeo privada Com relaccedilatildeo a estas talvez o conforto seja maior em responder pela negativa quanto agrave natureza juriacutedica das normas ou das regras mas aqui tambeacutem sobraratildeo perplexidades

De todo modo natildeo me interessa especialmente re-solver essas questotildees quer para a regulaccedilatildeo puacuteblica quer para a privada de outro modo que natildeo seja apon-tar para a dificuldade e para a possiacutevel controveacutersia In-teressa sim um pouco mais fazer notar que mesmo em relaccedilatildeo agrave autorregulaccedilatildeo e agrave regulaccedilatildeo privada eacute usual

90 ldquorules or other directives issued by administrative agencies that must have specific authorization to issue directives and upon such authorization must usually follow prescribed conditions such as prior notification of the proposed action in a public record and an invitation for public commentrdquo (GIFIS Steven H BARRONrsquoS LAW DICTIONARY p 425)

conectar a noccedilatildeo de regulaccedilatildeo agravequelas de espaccedilo de in-teresse ou de bens puacuteblicos ou coletivos

Essa conexatildeo orienta em grande medida tanto a reflexatildeo em torno da chamada regulaccedilatildeo privada trans-nacional quanto aquela que advoga a emergecircncia de um direito administrativo global Ela seraacute fundamental tam-beacutem para instruir a relaccedilatildeo entre essas categorias e as noccedilotildees de rule of law de accountability de transparecircncia de participaccedilatildeo etc

53 Espaccedilo regulatoacuterio administrativo global

Tendo em seu centro a ideia da conexatildeo entre os ins-trumentos ou mecanismos regulatoacuterios internacionais ou transnacionais e o espaccedilo e os interesses puacuteblicos desenvolveu-se uma literatura especialmente em torno do projeto Global Administrative Law que identifica a existecircncia de uma governanccedila global da qual ldquomuito pode ser entendido e analisado como accedilotildees administra-tivas criaccedilatildeo de regras adjudicaccedilatildeo administrativa entre interesses em competiccedilatildeo e outras formas de decisatildeo e de gerenciamento regulatoacuterios e administrativosrdquo91

Essa literatura presume a existecircncia de uma admi-nistraccedilatildeo transnacional global92 que realiza essas accedilotildees administrativas accedilotildees que difeririam da criaccedilatildeo norma-tiva por tratados e das soluccedilotildees judiciaacuterias episoacutedicas de disputas93 mas incluiriam a criaccedilatildeo de regras e pa-drotildees de aplicabilidade geral94 bem como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo dos regimes regulatoacuterios95

Essa administraccedilatildeo global em que se daacute a atividade regulatoacuteria transnacional e de onde emanam produtos re-gulatoacuterios dirigidos aos diversos atores estatais ou natildeo e

91 ldquohellipmuch of global governance can be understood and ana-lyzed as administrative action rulemaking administrative adjudica-tion between competing interests and other forms of regulatory and administrative decision and managementrdquo (traduccedilatildeo nossa) KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 1792 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 1893 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2894 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 4295 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 23

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

v 68 2005 p 21-22101 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 22102 ldquoO Codex Alimentarius (do latim Lei ou Coacutedigo dos Alimentos) eacute uma coletacircnea de normas alimentares adotadas internacionalmente e apresentadas de modo uniformerdquo Disponiacutevel em httpwwwan-visagovbrdivulgapublicalimentoscodex_alimentariuspdf103 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 p 15-61 2005 p 22-23104 (hellip)the private International Standardization Organization(ISO) has adopted over 13000 standards that harmonize product and process rules around the world (hellip)The ISO provides a good example not only do its decisions have major economic impacts but they are also used in regulatory decisions by treaty-based au-thorities such as the WTOrdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 22-23105 Sobre o projeto acessar httpprivateregulationeu106 Sobre o projeto acessar httpnilprojectorg

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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destinados a serem aplicados diretamente ou por imple-mentaccedilatildeo estatal natildeo eacute nem uacutenica nem centralizada

Pelo contraacuterio a paisagem da administraccedilatildeo transna-cional global eacute marcada pela variedade E eacute importante notar que para essa literatura a paisagem variada natildeo resulta apenas da variedade de temas e aacutereas e da di-ferenciaccedilatildeo funcional entre instituiccedilotildees correlata mas tambeacutem do caraacuteter multifolhas da administraccedilatildeo da go-vernanccedila global96

Especialmente interessante eacute a lista de tipos de ins-tacircncia em que se realizam as accedilotildees administrativas em que se daacute a atividade regulatoacuteria assim como a tomada de decisotildees para o controle e implementaccedilatildeo das nor-mas

Satildeo mencionados cinco tipos O primeiro eacute o da ad-ministraccedilatildeo propriamente internacional realizada pelas instacircncias criadas por direito internacional puacuteblico daacute--se como exemplo a atuaccedilatildeo do Conselho de Seguranccedila das Naccedilotildees Unidas97

O segundo tipo eacute aquele operado por redes trans-nacionais e arranjos de coordenaccedilatildeo entre Estados ou entes estatais98 o exemplo aqui usado eacute o do Comitecirc da Basileacuteia que atraveacutes de regulaccedilatildeo de implementaccedilatildeo voluntaacuteria organiza as atividades do setor bancaacuterio 99

O terceiro tipo eacute o produto da atuaccedilatildeo administra-tiva distribuiacuteda ou seja operada pelos reguladores na-cionais e com efeitos cumulativos e possivelmente extra territoriais100

96 Sobre isso vale ressaltar as ideias de SLAUGHTER 2003 p 9 ldquo(hellip)it is possible to identify three different types of transnational regulatory networks based on the different contexts in which they arise and operate First are those networks of national regulators that develop within the context of established international organi-zations Second are networks of national regulators that develop under the umbrella of an overall agreement negotiated by heads of state And third are the networks that have attracted the most at-tention over the past decade ndash networks of national regulators that develop outside any formal frameworkrdquo 97 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2198 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems v 68 2005 p 2199 rdquo(hellip) the Basle Committee brings together the heads of vari-ous central banks outside any treaty structure so they may coordi-nate on policy matters like capital adequacy requirements for banks The agreements are non-binding in legal form but can be highly effectiverdquo KINGSBURY KRISCH STEWART 2005 p 21100 KINGSBURY B KRISCH S STEWART R The Emer-gence of Global Administrative Law Law and Contemporary Problems

O quarto tipo eacute produzido por arranjos hiacutebridos em que participam entes estatais e privados101 o exemplo usado para ilustrar esse tipo eacute o Codex Alimentarius102

E finalmente o quinto tipo eacute aquele da accedilatildeo admi-nistrativa operada pelos entes privados diretamente103 o exemplo usado eacute o do ISO104

Perceba-se olhando para os tipos que segundo essa literatura pode-se falar de regulaccedilatildeo ainda quando o seu produtor satildeo instituiccedilotildees do direito internacional puacuteblico Isso marca o fato de que ainda que produzida por Estados ou por organizaccedilotildees intergovernamentais a produccedilatildeo eacute algo diferente do direito internacional que se encontra nos tratados e nos costumes ainda que pos-sa ser constituiacuteda de normas que determinam o com-portamento inclusive dos Estados

Qualquer um dos cinco tipos de atividade regulatoacuteria global daacute lugar a todo um universo passiacutevel de estudos um universo que seria fundamentalmente dependente de estudos de casos concretos Qualquer teoria geral de-penderia desse material empiacuterico o que explica de fato que deem lugar a pesquisas de focirclego que tentam dar conta das manifestaccedilotildees concretas dos problemas e das tendecircncias regulatoacuterias

O proacuteprio projeto Global Administrative Law gera continuamente estudos mais especiacuteficos Aleacutem dele eacute possiacutevel mencionar tambeacutem o projeto Transnational Pri-vate Regulation105 e o Informal International Law Making106

Faccedilo em seguida uma raacutepida discussatildeo do primeiro desses projetos apenas por duas razotildees baacutesicas A pri-meira delas eacute que de todos os tipos de regulaccedilatildeo con-

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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cebidos por aqueles que trabalham com o espaccedilo regu-latoacuterio global a regulaccedilatildeo privada eacute justamente aquela que escapa em maior medida agrave atuaccedilatildeo e agrave influecircncia dos Estados e por isso mesmo apresenta os maiores desafios para as noccedilotildees usuais de regulaccedilatildeo A segunda razatildeo estaacute em que o projeto eacute operando atraveacutes do estu-do de casos concretos de regulaccedilatildeo privada oferece um quadro mais completo do panorama regulatoacuterio

54 Regulaccedilatildeo Privada Transnacional

A noccedilatildeo de regulaccedilatildeo privada transnacional eacute objeto de um projeto contiacutenuo de pesquisa que se desenvolve sob os auspiacutecios do HIIL e jaacute deu lugar agrave produccedilatildeo de uma abundante literatura107 Essa literatura constitui o referencial na mateacuteria

Parte-se da constataccedilatildeo de que o que se poderia cha-mar de funccedilatildeo regulatoacuteria sofre um duplo processo de deslocamento do nacional para o transnacional e do puacuteblico para o privado Ou seja a regulaccedilatildeo que era pensada como fenocircmeno essencialmente domeacutestico in-traestatal e decorrente da atividade do proacuteprio Estado passa gradualmente a ser um fenocircmeno internacional ou na preferecircncia dos seus autores transnacional e de produccedilatildeo por atores privados

Eacute evidente que nem a regulaccedilatildeo nacional nem aquela puacuteblica desaparecem mas em circunstacircncias cada vez mais numerosas haveraacute essa passagem de um niacutevel a outro ou a flutuaccedilatildeo entre eles Tanto uma como outra coisa dependeratildeo da temaacutetica do objeto da regulaccedilatildeo e das circunstacircncias

Regulaccedilatildeo privada transnacional eacute assim definida ldquoum novo corpo de regras praacuteticas e processos criado primariamente por atores privados empresas ONGs especialistas independentes tais como aqueles que de-terminam padrotildees teacutecnicos e comunidades epistecircmi-cas ou exercendo poderes regulatoacuterios autocircnomos ou implementando poder delegado conferido pelo direito internacional ou pela legislaccedilatildeo nacionalrdquo108

107 Publicaccedilotildees disponiacuteveis em httpprivateregulationeupage_id=30108 ldquo a new body of rules practices and processes created primarily by private actors firms NGOs independent experts like technical standard setters and epistemic communities either exer-cising autonomous regulatory powers or implementing delegated power conferred by international law or by national legislationrdquo CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regula-tion EUI Working Papers 2010 p 20-21

O espaccedilo da regulaccedilatildeo transnacional eacute visto por essa literatura como composto por uma pluralidade de regimes dedicados a setores diversos das relaccedilotildees sociais109Esse fato eacute ilustrado pela discussatildeo que faz em torno da fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacuteblico

Sustenta-se que naquele sistema juriacutedico o chamado soft law tenha uma funccedilatildeo de coordenaccedilatildeo entre os vaacuterios regi-mes110 Jaacute na regulaccedilatildeo privada transnacional em contraste haveria mais fragmentaccedilatildeo e competiccedilatildeo do que harmoni-zaccedilatildeo entre os regimes111Alguns exemplos satildeo aportados para ilustrar essa competiccedilatildeo entre os quais estariam os regimes da responsabilidade social das empresas do meio ambiente da seguranccedila alimentar

Marca-se no projeto a existecircncia de diferenccedilas im-portantes entre a regulaccedilatildeo privada transnacional e o que se chama de regulaccedilatildeo privada tradicional a primei-ra teria uma ecircnfase regulatoacuteria e eacute a esse aspecto que eu dava ecircnfase acima na regulaccedilatildeo transnacional haveria tambeacutem uma variaccedilatildeo na identidade dos atores muitas vezes organizaccedilotildees natildeo governamentais e finalmente ela poderia produzir relevantes efeitos sobre terceiros

Eacute preciso insistir na importacircncia desses elementos diferenciadores jaacute que todos eles tendem a marcar o caraacuteter de regulaccedilatildeo tal como entendida antes incidin-do sobre o espaccedilo e os interesses puacuteblicos e podendo ser inclusive heteronormativa o ente privado regulado natildeo coincidindo com o ente privado regulador112 Essas marcas inscrevem a regulaccedilatildeo privada entre as manifes-taccedilotildees do espaccedilo regulatoacuterio global Elas nos informam igualmente sobre o fato de que ainda haacute regulaccedilatildeo de outros tipos pensada portanto com um significado diferente para aleacutem desse universo O quadro que tra-ccedilamos aqui natildeo inclui assim por exemplo a autorregu-laccedilatildeo ou a regulaccedilatildeo privada tradicionais

Os atores da regulaccedilatildeo privada transnacionais po-dem se encontra em trecircs situaccedilotildees diversas a de re-gulador a de regulado e de beneficiaacuterio113E a grande variedade de atores envolvidos daacute lugar a uma grande

109 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8110 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 10111 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p4112 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p9 e p13-14113 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p13-14

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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variedade de regulaccedilotildees que entram em competiccedilatildeo114 Por vezes essa variedade origina a formaccedilatildeo de organi-zaccedilotildees multi-stakeholder115 E sempre haacute o potencial para tensotildees entre atores de mesma ou diversas categorias ONGs grandes e pequenas empresas consumidores trabalhadores ambiental etc116

Perceba-se que tambeacutem a regulaccedilatildeo privada trans-nacional eacute pensada considerando as possiacuteveis colisotildees entre diferentes regimes O esforccedilo de descriccedilatildeo que eacute feito no entanto levanta tambeacutem a possibilidade de tensotildees internas aos regimes opondo os atores por eles implicados

Dos temas dos atores e das dinacircmicas que determi-nam as suas relaccedilotildees resultaraacute o tipo de regulaccedilatildeo priva-da que pode ser voluntaacuteria promovida ou obrigatoacuteria e a sua estrutura que pode ser contratual organizacional ou uma que combine elementos das duas117 Quando a estrutura eacute contratual pode ser constituiacuteda por contra-tos bilaterais (supply chain) ou multilaterais118 Quando eacute organizacional pode atender a um modelo associativo ou fundacional119

Eacute muito importante notar que os vaacuterios regimes dessa regulaccedilatildeo privada transnacional vatildeo surgindo e se multiplicando em grande medida como respostas da autonomia privada aos desafios e necessidades regu-latoacuterias Justamente por isso natildeo estatildeo inseridos num todo que lhes ofereccedila uma moldura coerente ou unitaacute-ria Muito frequentemente no entanto estabelecem re-laccedilotildees de complementaridade com a regulaccedilatildeo puacuteblica e veem o direito domeacutestico operar um preenchimento das lacunas

55 Mais uma vez a questatildeo dos limites

Como mencionado antes nos regimes regulatoacuterios transnacionais em geral e naqueles privados em par-ticular o problema da sua delimitaccedilatildeo se coloca com

114 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8115 C CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11116 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p8-9117 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p11-14118 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 13119 CAFAGGI F New Foundations of Transnational Private Regulation EUI Working Papers 2010 p 11

igual ou maior forccedila do que acontecia com os regimes do direito internacional puacuteblico

Aqui tambeacutem quanto mais amplamente se conceber o tema de preocupaccedilatildeo mais imprecisos seratildeo os limi-tes do conjunto de normas que com ele lidam e menos uacutetil seraacute a noccedilatildeo mesma de regime Aqui tambeacutem a de-limitaccedilatildeo seraacute mais factiacutevel na medida em que se puder circunscrever o regime a uma organizaccedilatildeo especiacutefica ou a uma rede particular de contratos

Como no direito internacional puacuteblico obter uma caracterizaccedilatildeo mais bem delimitada dos regimes na re-gulaccedilatildeo transnacional privada ou outra depende da determinaccedilatildeo das relaccedilotildees que as normas estabelecem entre si e das competecircncias estrutura e funcionamen-to das organizaccedilotildees O fato de as normas e instituiccedilotildees lidarem com este ou aquele tema pode ser visto como mero acidente ou como uma preocupaccedilatildeo originaacuteria jaacute que certamente haveraacute vaacuterios regimes definidos a partir da instituiccedilatildeo ou do conjunto especiacutefico de normas (ou de contratos no caso da regulaccedilatildeo privada) que se ocu-pem com um mesmo tema

Quanto mais amplamente se conceber o regime e quanto mais se quiser acompanhar a grandeza do tema mais certo seraacute o encontro da imbricaccedilatildeo entre as nor-mas e instituiccedilotildees dos vaacuterios tipos de regulaccedilatildeo e aque-las do direito internacional e dos direitos domeacutesticos Essas imbricaccedilotildees podem ser de conflito eacute verdade mas eacute usual que sejam de complementaridade de refe-recircncias cruzadas de incorporaccedilatildeo muacutetua etc

6 fragmentaccedilatildeO pluraliSmO e Rule of law

61 Fragmentaccedilatildeo do direito internacional puacute-blico e Rule of Law

Os mesmos traccedilos do direito internacional que datildeo lugar agrave sua fragmentaccedilatildeo de que a constituiccedilatildeo dos chamados regimes autocontidos seria apenas uma das manifestaccedilotildees satildeo determinantes em fazer do direito internacional um sistema juriacutedico menos propenso ao rule of law A fragmentaccedilatildeo do direito internacional eacute de fato um dos oacutebices ao estabelecimento de um alto grau de rule of law120

120 NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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Duas ideias fortes ao menos satildeo usualmente postas em relaccedilatildeo com o conceito a noccedilatildeo o ideal de rule of law Uma eacute que do axioma de que as interaccedilotildees sociais deveriam ser governadas pelo direito resulta que as nor-mas juriacutedicas deveriam ser conhecidas claras puacuteblicas abertas etc A outra eacute que o objetivo do ser governado pelo direito eacute a reduccedilatildeo do espaccedilo de arbitrariedade121

Como se sabe a fragmentaccedilatildeo do direito interna-cional natildeo eacute apenas um fenocircmeno natural dadas as caracteriacutesticas especiacuteficas desse sistema juriacutedico mas se relaciona intimamente com a expansatildeo normativa do sistema Novos conjuntos de normas constituem novos fragmentos e estes seratildeo mais numerosos na medida em que as normas continuam a se multiplicar

Nessas condiccedilotildees conhecer as normas pelas quais o comportamento e as interaccedilotildees sociais deveriam ser go-vernadas se transforma em exerciacutecio mais complexo jaacute que em direito internacional eacute relativamente mais difiacutecil saber quem estaacute obrigado por qual norma Em um caso particular com um conjunto especiacutefico de fatos e com uma ou um nuacutemero certo de questotildees juriacutedicas claras decidir se os sujeitos em questatildeo estatildeo obrigados pelas normas aplicaacuteveis eacute exerciacutecio mais factiacutevel

No entanto olhando para o sistema juriacutedico como um todo conhecer as normas pelas quais o compor-tamento dos sujeitos eacute em geral regulado revela-se uma tarefa mais difiacutecil porque o comportamento de cada sujeito eacute na verdade governado por um conjunto pessoal se quisermos de normas ndash que pode coinci-dir assemelhar-se ou diferir radicalmente dos conjuntos normativos correspondentes a cada um dos demais su-jeitos ndash e porque natildeo haacute uma necessaacuteria coerecircncia entre normas pertencentes ao conjunto que obriga um Esta-do ou entre normas pertencentes a conjuntos setoriais diversos

A multiplicaccedilatildeo das normas poderia por si soacute ser vis-ta como um movimento em direccedilatildeo a mais rule of law jaacute que mais da vida estaria sendo governado pelo direito Isto no entanto soacute pode ser verdade se o volume nor-mativo juriacutedico aumentado natildeo trouxer consigo a dimi-

aproximaccedilatildeo In VILHENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Es-tado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 70121 Uma discussatildeo mais abrangente sobre as diferentes concep-ccedilotildees de rule of law pode ser encontrada em NASSER S H Rule of Law e Direito Internacional uma nova aproximaccedilatildeo In VIL-HENA OSCAR DIMOULIS D (Ed) Estado de Direito e o Desafio do Desenvolvimento 1 ed Satildeo Paulo Saraiva 2011 p 59-66

nuiccedilatildeo da clareza com que se pode saber por quais nor-mas o comportamento de cada sujeito estaacute governado Essa clareza significa saber quais satildeo as normas quais os seus destinataacuterios quais os conteuacutedos normativos quando se aplicam e como se relacionam com outras normas

Natildeo haacute duacutevida de que mais aspectos das relaccedilotildees internacionais entre Estados estatildeo agora submetidos agrave regulaccedilatildeo normativa juriacutedica e nesse sentido mas ape-nas nesse sentido haacute uma reduccedilatildeo do espaccedilo para o exerciacutecio arbitraacuterio do poder por e entre os Estados

Esse aumento das normas eacute no entanto acompa-nhado pela dupla fragmentaccedilatildeo do direito internacio-nal em parte devida agrave diferenciaccedilatildeo setorial e em parte constitutiva da natureza do sistema juriacutedico Essa dupla fragmentaccedilatildeo torna mais difiacutecil a resposta agrave questatildeo so-bre quem estaacute submetido a que normas e quem tem que obrigaccedilotildees e que direitos Tambeacutem dificulta o exerciacutecio de estabelecer o conteuacutedo normativo natildeo apenas das normas particulares que podem ser menos claras ou mais lacunosas mas aquele resultante da possibilidade de haver normas contraditoacuterias contemporaneamente obrigatoacuterias e aplicaacuteveis

A multiplicaccedilatildeo das normas juriacutedicas e a dupla frag-mentaccedilatildeo representam uma maior complexidade do sistema juriacutedico internacional E a maior complexida-de amplia o fosso entre atores Estados que estatildeo mais bem equipados para lidar com ela e aqueles a quem fal-tam os meios para fazecirc-lo

Essas diferenccedilas nas capacidades para gerenciar complexidade colocam o problema da igualdade dos Estados perante o direito internacional Natildeo se trata daquela formal de acordo com a qual os Estados sen-do soberanos podem escolher por quais normas seratildeo obrigados e tambeacutem segundo a qual diante da norma individual soacute seratildeo desiguais na medida em que essa desigualdade decorrer de uma escolha soberana

Trata-se antes daquela igualdade em relaccedilatildeo ao sis-tema juriacutedico como um todo uma igualdade que estaacute relacionada agrave inclusatildeo e agrave exclusatildeo efetiva dos Estados da constituiccedilatildeo do gerenciamento e da possibilidade de transformaccedilatildeo da ordem juriacutedica

A complexidade e a decorrente desigualdade pode efetivamente excluir os Estados do processo de criaccedilatildeo normativa quando ainda que formalmente partiacutecipes e aptos a expressar sua voz estatildeo incapacitados para

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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construir uma vontade informada e eficaz

O mesmo pode se dar no processo de identificaccedilatildeo das normas e da determinaccedilatildeo de que se eacute ou natildeo se eacute obrigado ou seja da determinaccedilatildeo do conteuacutedo nor-mativo

Finalmente a complexidade funciona como barreira agrave participaccedilatildeo efetiva no gerenciamento das diferentes normas juriacutedicas especialmente no caso de haver con-flitos entre elas competecircncias distribuiacutedas entre diver-sas instituiccedilotildees e instacircncias muacuteltiplas de tomada de de-cisotildees

62 Regulaccedilatildeo e indicadores de Rule of Law

Aqui eacute claro poder-se-ia falar igualmente das duas ideias ou dos dois princiacutepios relacionados ao rule of law a possibilidade de saber o que diz o direito ou a regula-ccedilatildeo ndash ou seja saber qual eacute o comportamento prescrito ndash e a necessidade de limitar o exerciacutecio arbitraacuterio do poder

Como aqui se trata de conjuntos regulatoacuterios que concentram ou colocam em relaccedilatildeo potencialmente normas pertencentes ao direito internacional puacuteblico pertencentes a um ou mais direitos domeacutesticos e aque-las que natildeo satildeo juriacutedicas ou natildeo pertencem a qualquer desses sistemas mais claramente reconheciacuteveis a avalia-ccedilatildeo da qualidade do conjunto normativo depende em parte mas apenas em parte da qualidade dos sistemas juriacutedicos domeacutesticos eventualmente envolvidos e da qualidade acima discutida do direito internacional puacute-blico

Naquilo em que natildeo depende da qualidade dos direi-tos domeacutesticos ou do direito internacional essa qualida-de soacute pode ser avaliada no caso-a-caso

Mas seraacute possiacutevel falar de qualidade ou de grau de rule of law quando se fala de regulaccedilatildeo no sentido em que apareceu acima e em relaccedilatildeo a cada um dos seus tipos baacutesicos de manifestaccedilatildeo Ou seja como se avalia a qualidade da regulaccedilatildeo criada por redes transnacionais quer sejam puacuteblicas privadas ou hiacutebridas

Quando lida com a noccedilatildeo geral de governanccedila o com tipos especiacuteficos de regulaccedilatildeo a literatura tende a apoiar-se em noccedilotildees como legitimidade transparecircncia accountability participaccedilatildeo para avaliar ou para colocar os criteacuterios normativos para a qualidade da regulaccedilatildeo

Nenhuma conclusatildeo geral parece ser facilmente acessiacutevel senatildeo que alguns conjuntos regulatoacuterios po-dem refletir a inclusatildeo de e a participaccedilatildeo de atores concernidos ndash stakeholders- no processo de criaccedilatildeo de normas e na avaliaccedilatildeo a posteriori das normas tornan-do possiacutevel uma maior aderecircncia e melhores chances de efetividade para as normas assim como para seu con-tiacutenuo desenvolvimento Outros conjuntos regulatoacuterios podem ao contraacuterio refletir as desbalanceadas relaccedilotildees de poder

Eacute justamente com base no diagnoacutestico de que se pode verificar um deacuteficit de accountability e de legitimida-de no espaccedilo regulatoacuterio global deacuteficit que atinge tanto a accedilatildeo de atores nacionais com efeitos extraterritoriais quanto a accedilatildeo dos reguladores transnacionais que a li-teratura a que me referi antes enxerga a necessidade e o comeccedilo da emergecircncia de um direito administrativo global

Esse direito administrativo pode decorrer de meca-nismos nacionais que se estendam para a esfera trans-nacional ou estaraacute contido em mecanismos que satildeo eles mesmos transnacionais Ele compreenderia ldquomecanis-mos princiacutepios praacuteticas e entendimentos sociais sub-jacentes que promovem ou afetam de outro modo a accountability de entes administrativos globais particular-mente assegurando que atinjam padrotildees adequados de transparecircncia participaccedilatildeo decisotildees motivadas e legali-dade e fornecendo revisatildeo efetiva das regras e decisotildees por eles feitasrdquo122

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MERCOSUL Tribunal Arbitral - Laudo Arbitral de las presentes actuaciones ante este Tribunal Arbitral rela-tivas a la controversia entre la Repuacuteblica Oriental del Uruguay (Parte Reclamante em adelante ldquoUruguayrdquo) y la Repuacuteblica Federativa del Brasil (Parte Reclamada enadelante ldquoBrasilrdquo) sobre ldquoProhibicioacuten de Importa-cioacuten de Neumaacuteticos Remoldeados (Remolded) Proce-dentes de Uruguay 2006

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TIDM Caso Mox Plant (Irlanda v Reino Unido) Me-morial da Irlanda Volume 1 2002 sectsect 435-436

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TRIBUNAL Internacional para Ruanda Caso Jean Paul Sentenccedila 02101998 (Caso No ICTR - 96 - 4 ndash T) International Tribunal for the Prosecution of Per-sons Responsible for Serious Violations of Internatio-nal Humanitarian Law Committed in the Territory of the Former Yugoslavia

TRIBUNAL Penal Internacional para a antiga Iugo-slaacutevia Caso Zlatko Aleksovski 1999 (Caso no IT-95-141-T)

TRUBEK D M TRUBEK L G New Governance amp Legal Regulation Complementarity Rivalry and Tran-sformation Columbia Journal of International Law v 13 p 1-26 2007