doenças endocrinometabólicas em idosos

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CAP˝TULO 9 109 © Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA. CAP˝TULO 9 INTRODUÇÃO O envelhecimento do organismo humano é um processo caracterizado pelo declínio funcional dos diversos sistemas orgânicos, com redução da capacidade de manter a homeostase normal e de responder a fatores de estresse endógenos e exógenos. Esta perda de capacidade funcional pode ser retardada, amenizada e, ocasionalmente, evitada através de intervenções preventivas primá- rias, secundárias e terciárias. O sistema endócrino-metabólico representa uma complexa rede de regulação de funções como o crescimento, a reprodução, a nutrição e o equilíbrio hidroeletrolítico, além de intermediar a comunicação entre diversos grupos celulares, sejam estes contíguos ou distantes. A perda ou redu- ção funcional de um eixo deste sistema pode afetar diretamente outros eixos endócrinos, ao passo que quadros de disfunção hormonal podem ser secundários a distúrbios concomitantes e indepen- dentes nos diversos níveis da regulação endócrina. Embora tenham sido elucidadas as disfunções endócrinas decorrentes do envelhecimento, vários hormônios têm sido paradoxalmente implicados como agentes mediadores do processo de envelhecimento. Além disso, a redução da síntese de alguns hormônios pode ser apenas uma adap- tação à redução da depuração ou das necessidades metabólicas do organismo, enquanto a redução patológica da concentração de outros hormônios pode determinar um declínio funcional. Muitas vezes, os sintomas decorrentes dos distúrbios endócrinos se confundem com efeitos adversos de medicações, doenças intercorrentes, distúrbios psicológicos, falta de condicionamento físico e alterações do ciclo vigília-sono, sendo necessário estabelecer com precisão o diagnóstico, através da interpretação correta dos achados clínicos e laboratoriais. O objetivo é evitar dois extremos de conduta, como tratamentos intempestivos, sem comprovada necessidade, ou a omissão de trata- mento em condições que podem comprometer a qualidade de vida do idoso. A medida de concen- tração plasmática e urinária dos diversos hormônios deve ser interpretada no contexto das alterações do envelhecimento, que incluem mudanças nas proteínas carreadoras de hormônio, na taxa de secreção e depuração, na sensibilidade periférica das células-alvo e na resposta celular pós-recep- tor. Outro ponto a ser ressaltado é a possibilidade de encontrar valores basais normais de diversos hormônios, porém com reserva funcional subnormal frente a situações de maior exigência. Neste caso podemos realizar testes de estímulo agudo para estabelecer o diagnóstico funcional. Para organizar uma seqüência mais didática, os principais distúrbios endocrinometabólicos serão discutidos de forma individualizada, auxiliando na estruturação de diretrizes preventivas. Esta prevenção, definida à luz dos conhecimentos da ciência atual, abrange desde o âmbito da assistência individual até a formulação de normas e metas de interesse populacional. As terapias de reposição com de-hidroepiandrosterona (DHEA) e de melatonina não demons- traram eficácia comprovada em ensaios clínicos bem controlados, apesar de terem sido precoce- mente anunciadas como a panacéia do rejuvenescimento. As medidas dirigidas à prevenção ou retardo do processo de envelhecimento devem ser cientificamente comprovadas, para que se justi- Doenças Endocrinometabólicas Luciano Ricardo Giacaglia

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CAPÍTULO 9 109© Direitos reservados à EDITORA ATHENEU LTDA.

CAPÍTULO

9

INTRODUÇÃO

O envelhecimento do organismo humano é um processo caracterizado pelo declínio funcionaldos diversos sistemas orgânicos, com redução da capacidade de manter a homeostase normal e deresponder a fatores de estresse endógenos e exógenos. Esta perda de capacidade funcional podeser retardada, amenizada e, ocasionalmente, evitada através de intervenções preventivas primá-rias, secundárias e terciárias.

O sistema endócrino-metabólico representa uma complexa rede de regulação de funções comoo crescimento, a reprodução, a nutrição e o equilíbrio hidroeletrolítico, além de intermediar acomunicação entre diversos grupos celulares, sejam estes contíguos ou distantes. A perda ou redu-ção funcional de um eixo deste sistema pode afetar diretamente outros eixos endócrinos, ao passoque quadros de disfunção hormonal podem ser secundários a distúrbios concomitantes e indepen-dentes nos diversos níveis da regulação endócrina.

Embora tenham sido elucidadas as disfunções endócrinas decorrentes do envelhecimento,vários hormônios têm sido paradoxalmente implicados como agentes mediadores do processo deenvelhecimento. Além disso, a redução da síntese de alguns hormônios pode ser apenas uma adap-tação à redução da depuração ou das necessidades metabólicas do organismo, enquanto a reduçãopatológica da concentração de outros hormônios pode determinar um declínio funcional. Muitasvezes, os sintomas decorrentes dos distúrbios endócrinos se confundem com efeitos adversos demedicações, doenças intercorrentes, distúrbios psicológicos, falta de condicionamento físico ealterações do ciclo vigília-sono, sendo necessário estabelecer com precisão o diagnóstico, atravésda interpretação correta dos achados clínicos e laboratoriais. O objetivo é evitar dois extremos deconduta, como tratamentos intempestivos, sem comprovada necessidade, ou a omissão de trata-mento em condições que podem comprometer a qualidade de vida do idoso. A medida de concen-tração plasmática e urinária dos diversos hormônios deve ser interpretada no contexto das alteraçõesdo envelhecimento, que incluem mudanças nas proteínas carreadoras de hormônio, na taxa desecreção e depuração, na sensibilidade periférica das células-alvo e na resposta celular pós-recep-tor. Outro ponto a ser ressaltado é a possibilidade de encontrar valores basais normais de diversoshormônios, porém com reserva funcional subnormal frente a situações de maior exigência. Nestecaso podemos realizar testes de estímulo agudo para estabelecer o diagnóstico funcional.

Para organizar uma seqüência mais didática, os principais distúrbios endocrinometabólicosserão discutidos de forma individualizada, auxiliando na estruturação de diretrizes preventivas.Esta prevenção, definida à luz dos conhecimentos da ciência atual, abrange desde o âmbito daassistência individual até a formulação de normas e metas de interesse populacional.

As terapias de reposição com de-hidroepiandrosterona (DHEA) e de melatonina não demons-traram eficácia comprovada em ensaios clínicos bem controlados, apesar de terem sido precoce-mente anunciadas como a panacéia do rejuvenescimento. As medidas dirigidas à prevenção ouretardo do processo de envelhecimento devem ser cientificamente comprovadas, para que se justi-

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fiquem os custos empregados no rastreamento e tratamento da doença na população de interesse.Ao mesmo tempo, a capacidade de estender a expectativa de vida deve ser acompanhada da manu-tenção das habilidades físicas, mentais e emocionais, garantindo independência e boa qualidadede vida ao idoso.

DIABETES MELITO

O diabetes melito (DM) é uma doença heterogênea, caracterizada pela presença de hiperglice-mia e por alterações no metabolismo de gorduras e proteínas, conseqüentes a uma deficiênciaabsoluta ou relativa da atividade ou da secreção de insulina.

O DM está relacionado a um aumento da taxa de mortalidade e a um elevado risco de apresen-tar complicações cardiovasculares, renais, retinianas e neuropáticas, levando à incapacidade físicae à morte prematura. O DM apresenta elevada prevalência na população mundial e, embora existagrande variação geográfica e racial, o maior acometimento da população idosa é uma constante.Estudos multicêntricos revelam taxas de 3 a 5% nos indivíduos de 30 a 50 anos, de 10% na faixade 50 a 60 anos e de 18% naqueles acima de 65 anos de idade, podendo chegar a taxas alarmantesde até 30% em indivíduos acima de 80 anos. Um estudo brasileiro, realizado por Malerbi e col.entre os anos de 1987 e 1989, verificou uma prevalência de DM de 7,6%, em indivíduos de 30 a 69anos de idade, sendo esta prevalência mais elevada nas regiões Sul e Sudeste. Projeções da Orga-nização Mundial de Saúde (OMS) estimam que a prevalência deve aumentar dois pontos percen-tuais entre os anos de 1995 e 2025. A estimativa é que, em todo o mundo, o número de adultosdiabéticos se eleve de 135 milhões no ano de 1995 para cerca de 300 milhões no ano de 2025. Oenvelhecimento, por ser considerado um fator importante no desenvolvimento do DM, acarretaráum sério problema de saúde pública, dado o aumento previsto na expectativa média de vida paraeste novo milênio.

Além de constituir uma epidemia em progressão, o DM pode consumir até 5% de toda a verbaorçamentária destinada à saúde de um país, quando se leva em conta apenas o custo direto dadoença. Diversos fatores contribuem para este custo: os diabéticos apresentam uma taxa e duraçãode hospitalização quatro vezes superior a população geral; necessitam quatro vezes mais de inter-consultas com especialistas; procuram duas vezes mais os atendimentos ambulatoriais e despen-dem três vezes mais recursos com medicações. Outro agravante da doença é o elevado custoindireto, determinado pela redução de produtividade, resultante de deficiências físicas, de faltasno trabalho, de aposentadorias precoces ou morte prematura, além dos custos imensuráveis comoa dor e o sofrimento físico e emocional, tanto do indivíduo como de sua família.

Atualmente, exige-se dos portadores de doenças crônicas uma parcela de responsabilidade nocontrole adequado da doença, com o intuito de desonerar os serviços e os profissionais de saúde.Entretanto, as medidas preventivas e terapêuticas são menos acessíveis às populações de baixarenda econômica, agravando ainda mais sua condição de vida. Como em toda doença crônica, asnoções fisiopatológicas básicas relacionadas ao DM são pré-requisitos para um bom controle damesma e a obtenção de uma melhor qualidade de vida. Novamente, pelo baixo grau de instruçãodas populações de baixa renda, estas são negligenciadas quanto a informações preciosas para a suasaúde ou recebem de amigos e parentes informações contraditórias e imprecisas. Para melhorareste quadro precisamos compreender a estratificação do atendimento à saúde, adequando as medi-das educativas de acordo com a distribuição sociogeográfica da população-alvo. Dados a respeitodas fontes de aquisição de conhecimento permitirão recrutar equipes de saúde ou outros meios,como jornais regionais, revistas, igrejas, clubes, televisão, rádio e escolas, para a implementação econsolidação de programas de prevenção e tratamento do DM.

Do ponto de vista de atendimento médico, os serviços de assistência primária à saúde devemassumir o papel pela maioria dos casos de DM, reservando apenas os casos de difícil controle oucom complicações instaladas para o acompanhamento de especialistas. Isto requer uma adequaçãodos núcleos básicos de saúde pública e a participação mais ativa dos médicos clínicos gerais, com

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treinamento e capacitação constante. Conjuntamente, deve existir um suporte de outros profissio-nais como enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais. A construção de fluxogra-mas e diretrizes de tratamento, aliado a panfletos educativos e palestras comunitárias, pode tergrande impacto na prevenção e tratamento do DM. Este método tem sido utilizado com excelenteresultado nos Estados Unidos, sob a denominação Staged Diabetes Management.

Os principais tipos de DM são o tipo I dependente de insulina (DMDI) e o tipo II não-dependen-te de insulina (DMNDI). O DMDI é caracterizado pela falência completa da capacidade de secreçãode insulina, resultante da destruição das células β-pancreáticas por uma reação auto-imune específi-ca. O DMDI é mais comum em jovens abaixo de 30 anos, nos quais a manifestação dos sintomasclínicos se faz de forma súbita e intensa, com propensão a desenvolver cetoacidose. O DMDI ca-racteriza-se pela necessidade permanente de insulina exógena para a manutenção da vida.

O DMNDI, por sua vez, é a forma mais comum, correspondendo a cerca de 95% dos casos. ODMNDI é caracterizado por três distúrbios metabólicos: resistência à insulina, diminuição da fun-ção ß-pancreática e aumento na liberação hepática de glicose. A resistência insulínica, presenteem cerca de 25% de indivíduos adultos de países ocidentais, pode sobrecarregar a capacidadecompensatória das células ß-pancreáticas, acarretando o DMNDI. Recentes relatos, no entanto,têm demonstrado a participação dos elevados níveis circulantes de ácidos graxos livres, secundá-rios a uma incapacidade de síntese de insulina pelo pâncreas, no desenvolvimento da resistência àinsulina e da produção aumentada de glicose pelo fígado.

O DMNDI está freqüentemente relacionado à obesidade, presente em 85% dos casos. Muitospacientes com DMNDI podem apresentar quadros associados de dislipidemia, obesidade, hiper-tensão arterial e hiperuricemia, constituindo a chamada síndrome plurimetabólica, com elevadorisco de complicações cardiovasculares. O DMNDI apresenta um forte componente hereditário,com diversos genes descritos na regulação da liberação e ação periférica da insulina. O próprioenvelhecimento está associado a alterações do metabolismo glicêmico, que predispõe ao DM,como redução da capacidade de liberação pancreática de insulina, resistência à ação periférica dainsulina e prejuízo na regulação hepática do controle glicêmico.

Os sintomas clássicos do DM incluem polidipsia, poliúria, polifagia e perda de peso semmotivo aparente. Ocasionalmente, a primeira manifestação pode ser devida a complicação de al-gum órgão alvo, como angina de peito, acidente vascular cerebral, redução visual e neuropatiassensitivo-motoras. Entretanto, cerca de metade dos portadores de DM é assintomática ou relacionaos sintomas de cansaço, inapetência, perda de peso, emagrecimento, incontinência urinária, visãoturva, impotência e confusão mental, como eventos normais do envelhecimento. No estudo de Ma-lerbi e col., 46,5% dos indivíduos detectados com DM desconheciam a sua condição diabética.

A prevenção primária inclui orientações que visam evitar o aparecimento de DM em uma popu-lação geral ou em indivíduos considerados susceptíveis, através da modificação de diversos fatoresde risco. São considerados de risco para DMNDI os indivíduos com mais de 45 anos de idade osportadores de fatores de risco relacionados à síndrome plurimetabólica, aqueles com história préviade complicações cardiovasculares, de glicemias alteradas, com antecedentes familiares positivospara DMNDI, em uso de medicações de ação hiperglicemiante, ou com história de hiperglicemia efetos macrossômicos em gestações prévias. No futuro, será possível estabelecer um padrão de ras-treamento genético fidedigno para identificar indivíduos susceptíveis. A prevenção secundária refe-re-se à detecção precoce do DM e da correção imediata da glicemia. A prevenção terciária tem comofinalidade evitar complicações agudas e crônicas do DM, e amenizar as limitações físicas impostaspelo DM, dividindo-se em três etapas: prevenção do aparecimento de complicações, retardo da pro-gressão das complicações, e atenuação da incapacidade funcional determinada pelo DM.

Em relação à prevenção primária do DMNDI, como os fatores genéticos ainda não são total-mente conhecidos ou passíveis de modificação, devemos concentrar esforços nos fatores ambien-tais. Nos Estados Unidos, o Grupo de Pesquisa do Programa de Prevenção de Diabetes realizouum estudo randomizado, testando estratégias de prevenção ou retardo do aparecimento do DMN-

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DI, envolvendo 27 centros de excelência no tratamento de DM. Os resultados revelaram umaredução de 58% na incidência de DMNDI após modificações de fatores de risco.

A prática regular de exercícios físicos promove a utilização maior de reservas de glicose egordura, e diminui a resistência periférica à ação da insulina. A prevalência de DMNDI em indiví-duos sedentários corresponde a mais que o dobro do que em indivíduos fisicamente ativos. Aatividade física regular também previne outros fatores de risco para doenças cardiovasculares,como dislipidemias, hipertensão arterial, obesidade e distribuição corporal de gordura. O EstudoProspectivo de Malmo demonstrou em seis anos uma progressão para DM em indivíduos conside-rados de risco, da ordem de 28% nos sedentários contra 10% nos fisicamente ativos.

A obesidade está intimamente relacionada ao DMNDI, principalmente por determinar maiorresistência insulínica e aumento na liberação hepática de glicose. Medidas de orientação nutricio-nal, apoio psicológico, mudanças comportamentais e o uso de medicações seguras para a reduçãoponderal são extremamente úteis na prevenção do DMNDI. Por outro lado, flutuações constantesde peso, com várias tentativas frustradas de emagrecimento, mostram ter efeito diabetogênico.Índice de massa corpórea acima de 30kg/m2 está associado a um aumento de 3 a 10 vezes naprevalência do DM. Além disso, a deposição centrípeta de gordura, com padrão definido comoandróide, constitui um importante fator de risco para DMNDI e para doenças cardiovasculares.

Dietas ricas em gorduras e açúcares simples, e pobres em carboidratos complexos, frutas evegetais, são consideradas como predisponentes para o aparecimento do DMNDI. Diferentementedo que se aceitava no passado, dietas ricas em carboidratos complexos, especialmente para idosos,melhoram a sensibilidade à insulina, e têm papel preventivo no aparecimento do DM, enquantodietas ricas em gorduras vegetais e animais propiciam o aparecimento do DM. Recentementeobservou-se o efeito benéfico do medicamento orlistat, que reduz a absorção intestinal de gordu-ras, na prevenção e no controle do DMNDI.

O estresse físico e emocional está associado à liberação de hormônios antiinsulínicos, como ocortisol e a adrenalina, que reduzem a atividade β-pancreática e a ação periférica da insulina.Terapias de relaxamento e atividades de lazer são muito eficientes para prevenir o DM. Alémdisso, diversos medicamentos podem precipitar o DM, como diuréticos, β-bloqueadores, corticos-teróides, esteróides e anticonvulsivantes. Neste caso, devemos optar por drogas com menor efeitodiabetogênico ou utilizar a menor dose possível destas.

A prevenção secundária, através de métodos de detecção precoce, tem como princípio identifi-car os indivíduos diabéticos ou intolerantes à glicose, ainda não diagnosticados. Uma das maiorescontrovérsias atuais diz respeito à necessidade de as campanhas abrangerem toda a população ourestringir a pesquisa a indivíduos de elevado risco ou sintomáticos, em função dos custos envolvidos.A detecção precoce em indivíduos assintomáticos permitiria uma pronta intervenção, evitando aprogressão da doença e o surgimento de complicações secundárias. Sabe-se, também, por intermédiode estudos populacionais, que no momento do diagnóstico clínico de DMNDI a maioria dos indiví-duos já apresentava níveis glicêmicos alterados há algum tempo, em média de quatro a sete anos,tempo suficiente para que já apresentem sinais de complicações crônicas. As campanhas de detecçãocomunitária também fornecem dados epidemiológicos para a configuração de mapas de prevalência,de distribuição e da história natural do DM. Essas informações tornam-se essenciais para desenharplanos de saúde pública, despertar o interesse da comunidade para os assuntos da saúde e atualizar oscritérios laboratoriais de diagnóstico e prognóstico da doença.

A positividade para DM em um teste de rastreamento deve ser seguida de uma avaliaçãocomprobatória mais abrangente. Devemos estar cientes dos riscos inerentes aos exames, da sensi-bilidade, da especificidade e valor preditivo de cada teste, contabilizando custos e os recursosfísicos e humanos envolvidos nestes programas. Resultados falso-positivos podem trazer estressepsicológico, comprometer relações trabalhistas e acarretar condutas iatrogênicas. Por outro lado,resultados falso-negativos devem ser minimizados ao máximo, evitando uma falsa sensação detranqüilidade e omissão do tratamento precoce.

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A Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda a realização de rastreamento de DMa cada 3 anos, em indivíduos acima de 45 anos de idade e de baixo risco, e anualmente para os dealto risco. A medida de glicose plasmática de jejum, com pelo menos 8 a 12 horas sem consumo dealimentos sólidos e líquidos, é o método mais apropriado para a abordagem inicial, segundo aADA. Valores inferiores a 100mg/dl indicam baixa probabilidade de DM, enquanto valores supe-riores a 126mg/dl podem ser sugestivos de DM, sendo confirmado por um segundo valor elevado.Um valor isolado de glicemia superior a 200mg/dl, associado a sintomas típicos, é consideradodiagnóstico para DM. Valores entre 110 e 126mg/dl devem ser reavaliados pelo teste de tolerânciaoral à glicose (TTOG), que constitui a prova diagnóstica definitiva para a confirmação do diagnós-tico de DM ou de intolerância à glicose (ITG). O TTOG deve também ser indicado em indivíduosidosos ou com fatores de risco para DM, com glicemia de jejum entre 100 e 110mg/dl.

Os idosos constituem um grupo à parte, pois muitos podem apresentar glicemias de jejuminferiores a 126mg/dl e respostas anormais ao TTOG, devido à maior dificuldade em controlar aglicemia pós-prandial. Enquanto a glicemia de jejum eleva-se ao redor de 1-2 mg/dl a cada déca-da, o incremento na glicemia pós-prandial pode chegar a 10-15mg/dl no mesmo período de tempo.O TTOG é realizado com medida da glicemia de jejum seguida da ingesta oral de solução contendo75g de glicose anidra e a subseqüente medida da glicemia após 120 minutos. Valores glicêmicosapós 120 minutos do TTOG superiores a 200mg/dl são indicativos de DM, entre 140 e 200mg/dlindicam ITG e inferiores a 140mg/dl são normais. Um terço dos indivíduos com ITG evolui paraDMNDI no período de 10 anos.

A glicosúria é um método pouco sensível de rastreamento, já que a glicose aparece na urinaquando o transporte máximo renal é suplantado, ou seja, com glicemia em média superior a 180mg/dl,podendo atingir valores de até 240mg/dl nos idosos. A sensibilidade do teste pode ser incrementa-da utilizando-se amostras de urina pós-prandiais. A hemoglobina glicosilada (HbA1C) é um examede maior custo e complexidade, com menor sensibilidade que a glicemia de jejum. A HbA1c refletea média de concentração glicêmica dos últimos três meses, tendo sido estabelecida como métodode controle terapêutico, sem finalidade diagnóstica.

A prevenção terciária compreende todas as medidas adotadas para prevenir, retardar ou detec-tar precocemente as complicações agudas ou crônicas do DM.

Complicações Agudas

Hipoglicemia

A hipoglicemia é definida pela redução dos valores absolutos de glicemia, em geral inferioresa 60mg/dl. A sintomatologia pode ser classificada em adrenérgica, que inclui tremores, sudoresefria e palpitações, ou neuroglicopênica, com quadros de cefaléia, turvação visual, torpor, apatia,confusão mental, convulsões ou coma. Episódios repetidos de hipoglicemia podem acometer deforma permanente a função cognitiva, principalmente em idosos, enquanto respostas adrenérgicaspodem desencadear síndromes anginosas e isquemia cerebral focal. Pacientes com quadros repeti-dos de hipoglicemia, e também os idosos, podem não experimentar os sinais de alerta adrenérgico,evoluindo diretamente para o quadro neuroglicopênico.

Alguns fatores podem contribuir para a ocorrência de hipoglicemia, como desconhecimentodos sintomas e sinais de hipoglicemia, atrasos no horário de refeições, jejum prolongado para arealização de exames, atividades físicas intensas e prolongadas, uso de β-bloqueadores, que mas-caram a resposta adrenérgica, consumo de bebida alcoólica e erro na dosagem da medicação. Ahipoglicemia ocorre com mais freqüência naqueles em insulinoterapia ou uso de hipoglicemiantesorais de meia-vida prolongada, e também quando o controle glicêmico é realizado de forma meti-culosa. Estabelecer um nível glicêmico de segurança é uma tarefa árdua que deve levar em contaa capacidade do indivíduo reconhecer e corrigir a glicemia, ao mesmo tempo em que se garante

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um controle adequado da hiperglicemia. Assim sendo, podemos tolerar glicemias de jejum de até140mg/dl em idosos, especialmente na coexistência de neuropatia autonômica, síndrome angino-sa, isquemia cerebral, epilepsia, doença psiquiátrica, nefropatia crônica e restrição em leito insti-tucional. A educação do paciente e de seus familiares quanto à identificação e medidas de correçãoimediata constituem a principal abordagem da hipoglicemia, com as opções do uso de carboidratosorais de rápida absorção nos casos leves, como leite e sucos de fruta, e nos casos severos, a aplicaçãodireta de soluções concentradas de sacarose na mucosa bucal, como mel e xaropes, a infusão endo-venosa de soluções glicosadas ou a administração de glucagon por via subcutânea ou muscular.Nos pacientes com redução da função mental, e conseqüente prejuízo do reflexo da epiglote, écontra-indicado a oferta de líquidos e alimentos por via oral, pelo risco de aspiração pulmonar.

O uso de correntes, pulseiras ou carteiras de identificação, informando o diagnóstico de DM eas medicações em uso, deve ser estimulado. Deve existir uma perfeita harmonia entre o horário equantidade das refeições, intensidade da atividade física e dose de medicações. É adequado reali-zar medição glicêmica em indivíduos diabéticos antes de guiarem automóveis ou realizarem ativi-dades de alta periculosidade. Por fim, devemos lembrar que podem ocorrer recaídas no quadro dehipoglicemia em momentos tardios após a recuperação inicial, principalmente na presença dealcoolismo, medicações de longa meia-vida ou pós-exercício.

Infecções

O DM é fator predisponente para infecções, principalmente respiratórias, cutaneomucosas eurinárias. A hiperglicemia, além de constituir meio de cultura, acarreta redução do poder fagocíti-co do sistema leucocitário, comprometimento do sistema circulatório e reduz a sensibilidade peri-férica. As infecções evoluem de forma mais acelerada e agressiva no DM, que por sua vez elevamainda mais a glicemia. Portanto, elevações inesperadas da glicemia em diabéticos devem semprelevantar a hipótese de processo infeccioso ativo. É comum que os pacientes idosos e debilitadosnão apresentem febre, constituindo assim a glicemia no melhor parâmetro de resposta terapêutica.

A antibioticoterapia profilática pode ser indicada nas infecções repetidas. Entretanto, quadrosrepetidos de infecção urinária devem ser investigados quanto à necessidade de correções cirúrgi-cas do trato urinário de anomalias que facilitem a perpetuação da infecção, que podem levar ainsuficiência renal crônica.

Infecções oportunistas como tuberculose, candidíase e micoses profundas necrotizantes sãomais comuns no DM, assim como é mais freqüente a reativação de quadros de herpes zóster.Infecções gengivais e periodontais, comuns no DM, via de regra são negligenciadas na anamneseclínica, propiciando bacteremias e vegetações sépticas valvares, especialmente se existir históriaprévia sugestiva de febre reumática. Os cuidados intensivos na higiene oral e a visita periódica aoodontologista são obrigatórios para os diabéticos.

A vacinação periódica contra o tétano, influenza e pneumococos é fundamental em pacientesdiabéticos, principalmente nos idosos.

Descompensação Hiperglicêmica Hiperosmolar (DHH)

A DHH determina desidratação severa e desequilíbrio hidroeletrolítico, com elevada taxa demortalidade, especialmente em idosos. O idoso é mais propenso a desenvolver DHH por reduçãoda percepção de sede, maior restrição ao acesso de líquidos, menor capacidade renal de concentra-ção urinária e de eliminação de glicose, ingesta inadvertida de líquidos açucarados e falta decuidados por parte de familiares e agentes institucionais. A observância diária do estado de hidra-tação do idoso é a maneira mais fácil e eficaz de prevenir esta complicação. Entre os fatoresdesencadeantes da DHH destacam-se as infecções, o estresse físico e emocional, os medicamentoshiperglicemiantes, a infusão de soluções glicosadas, e a omissão da medicação.

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Complicações Crônicas

Com relação às complicações crônicas podemos classificá-las em macrovasculares e micro-vasculares. Embora sempre suspeitado, muito tempo se passou até que estudos populacionais pros-pectivos determinassem o papel da hiperglicemia crônica sobre os eventos mórbidos do DM.

O primeiro estudo de grande abrangência populacional, denominado Diabetes Control andComplications Trial (DCCT), avaliou portadores de DMDI, submetidos a tratamento intensivocom insulina. O DCCT verificou uma redução do risco de complicações microvasculares da or-dem de 35% a 75%. Essas complicações mostraram-se mais freqüentes quanto maior foi o tempode doença e o nível médio da glicemia, sendo que a hemoglobina glicosilada (HbA1c) se mostrou omelhor marcador prognóstico para o desenvolvimento de complicações. A melhora no controleglicêmico foi acompanhada de redução no risco de complicações macrovasculares, embora estadiferença não tenha sido estatisticamente significativa.

O DCCT constituiu a base para a realização do United Kingdom Prospective Diabetes Study(UKPDS), que recrutou mais de 5 mil indivíduos britânicos, com DMNDI recém-diagnosticado,para seguimento durante um período de 10 anos, para averiguar se os efeitos benéficos do controleglicêmico intensivo também eram válidos para o DMNDI, além de analisar a efetividade do con-trole da hipertensão arterial como tratamento adjunto nas complicações diabéticas. Assim comono DCCT, o risco de complicações microvasculares foi reduzido com o controle glicêmico inten-sivo, principalmente com um controle concomitante dos níveis pressóricos. Observou-se uma ní-tida relação entre a porcentagem de HbA1c e a presença destas complicações. Novamente, estetratamento intensivo demonstrou redução, estatisticamente não significativa, do risco de eventosmacrovasculares. O estudo japonês de Kumamoto envolvendo 110 indivíduos com DMNDI, não-obesos, obteve resultados semelhantes após tratamento intensivo da glicemia por seis anos.

Complicações Macrovasculares (Aterosclerose)

Os fatores determinantes da aterosclerose são acelerados pelo DM, incluindo alterações doendotélio e da parede arterial, distúrbios da coagulação e dislipidemias. Estudos epidemiológicossugerem que as complicações macrovasculares decorrem principalmente da resistência à insulinae dos níveis elevados de insulina circulante, com ação deletéria independente da hiperglicemia.

Doenças coronarianas e cerebrovasculares são três a cinco vezes mais freqüentes noDM, sendo pior o prognóstico após a ocorrência do evento agudo. Quadros isquêmicosrepetidos e assintomáticos podem em longo prazo determinar insuficiência cardíaca ou de-mência aterosclerótica.

O acometimento macrovascular é resultado de eventos como a glicosilação da parede arterial,o comprometimento microcirculatório do músculo cardíaco e do sistema nervoso, o padrão lipídi-co aterogênico, com redução do HDL-colesterol e aumento de triglicérides e do LDL-colesterol, ahipertensão da parede arterial, os efeitos tróficos da hiperinsulinemia sobre a parede arterial e aalteração da cinética da coagulação. O DM participa no desenvolvimento de hipertensão arterialpor aumento da rigidez da parede arterial, redução da filtração glomerular e hiperinsulinismo,entre outros.

A incidência de complicações macrovasculares pode ser maior na presença de outros fatores derisco como a obesidade, o sedentarismo e o tabagismo. Uma vez diagnosticado o DM ou o ITG,devemos identificar os diversos fatores de risco aterogênicos e incluir uma investigação sumáriada presença de alterações macrovasculares (Tabela 9.1).

O próximo passo é estabelecer metas de controle de dieta, de atividade física, de mudanças dehábitos e, se necessário, a complementação com medicamentos para controle da hiperglicemia, dadislipidemia e da hipertensão arterial.

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Estudos multicêntricos têm demonstrado que reduções de apenas 5-10% do peso inicial emobesos podem ser suficientes para trazer um grande benefício no controle do DM, da hipertensãoarterial e da dislipidemia. O ideal é associar dietas levemente hipocalóricas e aumentar o gastocalórico por meio da prática de atividades físicas regulares, em vez de dietas excessivamenterestritivas. Deve-se ter o cuidado de respeitar os padrões regionais e culturais de alimentação, paraaumentar a aderência em longo prazo. Os detalhes e dúvidas da dieta devem ser enfatizados cons-tantemente e plenamente esclarecidos, pois a motivação do paciente é diretamente proporcional aoentendimento das vantagens de uma dieta equilibrada, sendo também crucial a cooperação e par-ticipação ativa de todos os membros da família.

A disponibilidade atual de adoçantes artificiais, de alimentos isentos de gordura ou substitu-tos de gordura, melhorou bastante a aceitação das dietas hipocalóricas. As dietas fracionadas comtrês refeições principais e três refeições intermediárias, em menores quantidades, são úteis paraprevenir os picos glicêmicos pós-prandiais e reduzir as exigências de insulina. Além disso, carboi-dratos complexos e integrais, e as fibras de frutas e vegetais, retardam a absorção de carboidratos,reduzindo a sobrecarga aguda sobre o pâncreas e facilitando o controle glicêmico. A porcentagemde carboidratos complexos na dieta do DM tem sido por demais polemizada, mas aceita-se atual-mente que estes representem no mínimo 55% das calorias totais diárias. Em idosos, estudos nutri-cionais demonstram que porcentagens maiores, de até 60-70%, podem melhorar a sensibilidade àinsulina. Dietas ricas em açúcares simples, no entanto, promovem picos de hiperglicemia e difi-cultam a ação da insulina.

A ingesta de minerais e vitaminas antioxidantes, fornecidos por uma dieta balanceada, é impor-tante para o controle do DM, destacando-se o potássio, o magnésio, a vitamina C e a vitamina E.

As gorduras, por estarem diretamente relacionadas à resistência à insulina, devem ser restritasa não mais que 15% a 20%, evitando-se especialmente as saturadas, que elevam os níveis de LDL-colesterol.

Na ausência de nefropatia a oferta de proteínas deve corresponder a 10-20% do total de calo-rias. Embora os estudos não sejam totalmente conclusivos, ainda é consenso que indivíduos comnefropatia diabética devem restringir o consumo de proteínas a 10% das calorias, para evitar aprogressão da nefropatia e prevenir sintomas urêmicos. É aconselhável substituir as proteínas deorigem animal pelas vegetais, com o cuidado de garantir uma oferta suficiente de proteínas essen-ciais. Restrições excessivas, contudo, podem levar à desnutrição, anasarca, hipoalbuminemia, atrofiamuscular e infecções.

Tabela 9.1Abordagem dos Fatores de Risco nas Complicações Macrovasculares

• Perfil lipídico em jejum (colesterol total e frações, triglicérides, apolipoproteínas)• Medida da pressão arterial em repouso (3 aferições em dias diferentes)• Medida da altura, peso, circunferência abdominal e relação cintura/quadril• Antecedentes familiares de doenças macrovasculares (idade dos eventos)• Presença de vícios (tabagismo, etilismo, drogas)• Freqüência, intensidade e qualidade da atividade física• Avaliação de hábitos alimentares• Dosagens sangüíneas de hemoglobina glicosilada, uréia e creatinina• Dosagem da taxa de excreção urinária de albumina• Antecedentes de angina, infarto, claudicação e acidentes cerebrovasculares• Exame físico cardiológico e eletrocardiograma de repouso (12 derivações)• Exame vascular (pesquisa dos pulsos, ultra-som Doppler e sinais de isquemia)

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A restrição ao consumo de sal deve ser salientada em diabéticos hipertensos, nefropatas ecardiopatas, não devendo ultrapassar 2g ao dia. As bebidas alcoólicas também podem elevar osníveis pressóricos, além de elevar agudamente os níveis de glicemia e trigliceridemia, e tardia-mente determinar hipoglicemia pela depleção do glicogênio hepático. O álcool em excesso podeocasionar pancreatite e agravar a capacidade de síntese de insulina.

O exercício físico regular reduz os fatores de risco de doenças cardiovasculares como hiper-glicemia, hiperlipidemia, hipertensão e obesidade. O ideal é que se atinja um bom condicionamen-to físico, dedicando 30 a 40 minutos do dia, no mínimo quatro vezes por semana. O exercícioaumenta o fluxo sangüíneo e a captação de glicose pelo músculo, por duas vias distintas, sendouma independente da ação da insulina e outra dependente da insulina, que promove também aoxidação de ácidos graxos livres. Os exercícios com grandes grupos musculares e por tempo pro-longado são os mais eficientes para aumentar a atividade insulínica. Estas atividades, denomina-das aeróbias de baixo impacto, incluem caminhadas, corridas leves, natação, bicicleta e dança.Além disso, a atividade física traz uma sensação de bem-estar, com melhora na auto-estima erecuperação de quadros de depressão. Os exercícios facilitam o abandono de vícios, melhoram aforça muscular e flexibilidade dos tecidos moles, e reduzem as retrações e deformidades osteoar-ticulares. Ao orientar a atividade física devemos considerar o tipo, a intensidade e a duração, ocondicionamento físico de base, o sincronismo com horário, quantidade e calorias da alimentação,o ajuste da terapêutica em uso, o controle metabólico e a presença de complicações. No indivíduocom bom controle metabólico devemos ter o cuidado de ofertar suplemento de carboidratos antesda atividade física. Como a hipoglicemia pode ocorrer tardiamente ao exercício físico, devemosacrescentar um carboidrato de absorção prolongada, especialmente se a atividade for realizada àtarde ou à noite, quando o risco de hipoglicemia de madrugada é grande.

Outras considerações devem ser observadas quanto ao exercício (Tabela 9.2).

Tabela 9.2Cuidados na Orientação de Exercícios para Diabéticos

• Realizar teste de esforço para detectar possíveis cardiopatias e estabelecer a faixa defreqüência cardíaca ideal e a carga máxima do exercício;

• Orientar aquecimento de pelo menos 5 minutos, e alongamento da musculatura antes edepois do exercício físico;

• Considerar as limitações impostas por complicações crônicas. A neuropatia sensitivapropicia lesões musculoesqueléticas e lesões nos pés. A retinopatia facilita hemorragiasretinianas com movimentos cefálicos bruscos ou manobras de Valsalva;

• Levar em conta a preferência do paciente, para que a atividade seja prazerosa e,conseqüentemente, duradoura;

• Monitorizar a glicemia antes, durante e após a atividade física, reconhecendo a resposta doorganismo às diferentes modalidades e intensidades de exercício;

• Injetar a insulina longe da musculatura que será empregada no exercício e evitar realizar oexercício no horário do pico de ação da insulina;

• Evitar a atividade física quando a glicemia estiver acima de 300mg/dl, devido ao risco dedescompensação hiperglicêmica;

• Ter à mão um carboidrato simples para hipoglicemia eventual, especialmente se a glicemiafor inferior a 100mg/dl.

As medicações devem ser consideradas quando a dieta e a atividade física forem insuficientespara o controle satisfatório do DM. As medicações têm por objetivo aproximar a glicemia o maispróximo do normal, considerando as peculiaridades individuais. Devemos evitar atitudes negli-gentes, especialmente em idosos, quando se aceitam valores acima de 180mg/dl como “normais”para a idade. Em recente estudo observou-se que níveis glicêmicos moderadamente elevados estão

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associados a uma maior taxa de depressão e redução cognitiva em idosos. Outras razões para ocontrole glicêmico incluem a redução da poliúria e noctúria, reduzindo visitas noturnas ao banhei-ro e a possibilidade de queda, a prevenção de infecções, a redução de quadros trombóticos peladesidratação e hiperosmolaridade, a cicatrização mais eficiente de feridas, a melhora da acuidadevisual e a desaceleração das complicações crônicas.

A escolha do medicamento deve levar em consideração a idade, a condição socioeconômica,o acesso a instituições de saúde, o suporte familiar, a disposição para o automonitoramento, asdoenças coexistentes, as complicações crônicas e os aspectos inerentes à medicação, como vias deadministração, especificidade de ação, custo, existência de genéricos, risco de hipoglicemia, efei-tos adversos, interações medicamentosas, vias de metabolização e de excreção. Para se obter umcontrole glicêmico adequado sugere-se uma avaliação ambulatorial contínua, em intervalos detrês a quatro meses. A dosagem seriada da HbA1c é o melhor parâmetro de seguimento de longoprazo no controle do DM. De maneira paralela, o paciente deve ser encorajado a realizar o auto-monitoramento da glicemia pré e pós-prandial, permitindo avaliar a resposta individual a cadatratamento proposto. Muitos pacientes temem a possibilidade de hipoglicemia e ingerem quanti-dades excessivas de calorias diante de sintomas vagos e inespecíficos, quando a hipoglicemiapoderia ser descartada (ou confirmada) pela simples medição pelo glicosímetro manual. Uma daslimitações do automonitoramento continua sendo o custo elevado das fitas.

A ADA postula como critérios satisfatórios de controle do DM: HbA1c inferior a 7% (ou olimite superior pelo método utilizado pelo laboratório), glicemia de jejum entre 80 e 120mg/dl,duas horas depois da refeição inferior a 140mg/dl, e, ao deitar, entre 100 e 140mg/dl. Os melhoresresultados são obtidos quando o paciente está ciente destes objetivos e participa ativamente nacorreção de seus parâmetros bioquímicos. São considerados valores limítrofes 8% para HbA1c (ouum ponto percentual acima do limite superior do laboratório), 140mg/dl para a glicemia de jejume 180mg/dl para a glicemia pós-prandial. Estes últimos parâmetros também seriam aceitáveis nacondução de pacientes com risco elevado ante hipoglicemias, como portadores de doença corona-riana, cerebrovascular e neuropsiquiátrica.

As diversas classes de medicamentos orais para o tratamento do DM, com mecanismos deação distintos, ampliam o espectro terapêutico através de múltiplas combinações possíveis(Tabela 9.3).

Tabela 9.3Tratamento Farmacológico Oral no DMNDI

Classe Droga Dosagem

Inibidores de Acarbose 50-300mg/dia, no início das refeiçõesα-glicosidase

Biguanidas Metformina 0,5-2,5g/dia logo após a refeição

Tiazolidinedionas Pioglitazona 15-45mg/dia em dose únicaRosiglitazona 2-8mg/dia em 1-2 tomadas diárias

Sulfoniluréias Glipizida 5-40mg/dia em 1-2 doses, pré-refeiçõesGlibenclamida 5-20mg/dia em 1-2 doses, pré-refeiçõesGlimepirida 1-8mg/dia antes da principal refeiçãoGliclazida MR 30-120mg/dia antes da principal refeição

Análogos da meglitinida Nateglinida 60-120mg/dia antes das refeiçõesRepaglinida 0,5-4mg/dia antes das refeições

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Os inibidores da α-glucosidase, como a acarbose, promovem inibição reversível das enzimasintestinais, responsáveis pela digestão de oligossacarídeos, retardando assim a absorção intestinale evitando picos de hiperglicemia pós-prandial. Eles são seguros para o uso em idosos por nãocausarem hipoglicemia e por controlarem satisfatoriamente os casos de intolerância pós-prandialisolada. Os efeitos colaterais, como flatulência, dor abdominal e diarréia, melhoram com o usocontinuado da medicação e o aumento lento e progressivo das doses.

A metformina, do grupo das biguanidas, reduz a liberação hepática de glicose e melhora asensibilidade periférica à insulina. Ela também reduz os níveis lipêmicos e o apetite, sendo umadroga de escolha para diabéticos obesos. Mesmo com um baixo potencial de causar hipoglicemia,ela deve ser evitada em idosos acima de 80 anos de idade, e em pacientes com insuficiência cardía-ca, hepática ou renal, pelo risco de ocasionar acidose lática. Os efeitos adversos incluem diarréia edor abdominal.

As tiazolidinedionas, como a rosiglitazona e a pioglitazona, também aumentam a sensibilida-de periférica à insulina, potencializando os efeitos intracelulares da insulina e reduzindo o risco defalência ß-pancreática. Os efeitos adversos incluem aumento do peso e retenção hídrica, sendo,portanto, contra-indicadas em portadores de insuficiência cardíaca de grau III e IV. Devido à suametabolização hepática exclusiva, os níveis das enzimas hepáticas devem ser regularmente moni-torizados. Constituem uma boa alternativa para pacientes com redução da função renal ou paraaqueles que não necessitam reduzir o peso.

As sulfoniluréias estimulam a liberação de insulina pelas células ß-pancreáticas. A clorpro-pramida pode causar hipoglicemias graves, devido à sua meia-vida prolongada, além de determi-nar retenção hídrica, com hiponatremia e hipertensão arterial, secundária ao estímulo de secreçãodo hormônio antidiurético. As sulfoniluréias de segunda geração, especialmente a glimepirida e agliclazida, na forma de liberação lenta, são mais seguras em idosos, pela maior uniformidade naconcentração sérica, após dose única diária. Como as sulfoniluréias apresentam metabolizaçãohepática e excreção renal, devem ser evitadas na vigência de insuficiência hepática ou renal, e aglipizida parece oferecer maior segurança nos nefropatas. Todas determinam ganho de peso, o quepode constituir um problema em pacientes obesos. Falha terapêutica primária com as sulfoniluréiaspode ocorrer em 20% dos casos, sendo a falha secundária subseqüente da ordem de 4% ao ano.

A nova classe dos análogos da meglitinida, representada pela repaglinida e a nateglinida,promove uma liberação pancreática de insulina mais rápida, mais intensa e menos duradoura queas sulfoniluréias, sem picos de ação tardia e menor risco de hipoglicemia pré-prandial. Devem seringeridas imediatamente antes de todas as refeições, sendo drogas seguras para os nefropatas.

As insulinas são reservadas para os casos não responsivos às diferentes combinações dasclasses de medicamentos orais ou em situações de descompensação glicêmica temporária, comoinfecções, estresse emocional e cirurgias. O fenômeno da glicotoxicidade pode inicialmente daruma falsa idéia de falência primária aos medicamentos orais, sendo esta condição facilmente con-trolada com o uso temporário de baixas doses de insulina. Outros casos de falência terapêuticaprimária aos medicamentos orais podem corresponder a quadros de apresentação tardia de DMID,que acometem 5% a 10% dos diabéticos adultos, necessitando da manutenção terapêutica cominsulina. O ideal é procurar esgotar todas as possibilidades de medicações orais para que o mínimode insulina seja utilizado, evitando os efeitos adversos da hiperinsulinemia, entre eles o ganho depeso, a hipoglicemia e as complicações cardiovasculares, evitando o conhecido círculo vicioso(uso de insulina → ganho de peso → aumento da necessidade de insulina).

O uso de insulina exige cuidado em pacientes idosos, especialmente naqueles com distúrbiosgraves da visão, neuropatia motora, tremores em extremidades, redução da memória e prejuízocognitivo, e que não dispõe da ajuda de familiares ou amigos.

As insulinas encontram-se disponíveis sob formas de ação rápida, intermediária ou lenta,conforme o tempo de início, do pico e do término da ação, após a injeção subcutânea (Tabela 9.4).

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Também existem formas pré-misturadas de insulina rápida e intermediária, com proporçõesfixas, que embora diminua a flexibilidade nas alterações das doses, permite maior conveniência naaplicação. As insulinas humanas, menos imunogênicas, têm substituído progressivamente as insu-linas animais. O uso das insulinas requer cuidados meticulosos como armazenagem adequada,manuseio adequado de frascos e seringas, aspiração correta da dose e técnica de aplicação correta,com higiene local e variação dos locais de injeção. A educação e o acompanhamento do pacientesão fundamentais para uma boa resposta terapêutica, e o automonitoramento se torna ainda maisimprescindível. Em pacientes com distúrbios visuais orientamos as canetas de injeção graduadasou seringas prontas, com doses previamente aspiradas por familiares e armazenadas em geladeira.

Enquanto os estudos demonstram a importância de múltiplas aplicações de insulina no DMID,os pacientes com DMNDI podem ser satisfatoriamente controlados com duas aplicações diárias,ou até uma quando associada a medicamentos orais. Neste último caso, adota-se o esquema depequenas doses de insulina intermediária ou lenta ao deitar, reduzindo a glicemia de jejum e per-mitindo maior eficácia da terapia oral durante o dia. Os casos mais severos exigem esquemasintensivos com múltiplas aplicações de insulina rápida antes das refeições e duas doses de insulinaintermediária para manter níveis basais adequados. As insulinas de ação rápida devem ser aplica-das 20 a 30 minutos antes das refeições, para adequar o pico de ação à fase de maior elevação pós-prandial da glicemia.

Os análogos de insulina, como a lispro, a aspart e a glargina, produzidos mediante modificaçõesde bases moleculares da insulina humana, constituíram um grande marco no controle do DM. Asduas primeiras apresentam início de ação mais rápida, com pico precoce e duração do efeito maiscurto, reduzindo os episódios tardios de hipoglicemia e possibilitando o ajuste imediato da doseconforme a ingesta de carboidratos da refeição. Os análogos de ação longa, como a insulina glargina,apresentam a maior meia-vida de todas as insulinas sem, contudo, apresentar um pico de ação evi-dente, mantendo assim constante os níveis basais de glicemia, com menor risco de hipoglicemia emperíodos pré-prandiais. A possibilidade futura de formas inaladas de insulina e do transplanteisolado de ilhotas constitui uma esperança para reduzir o desconforto das aplicações injetáveis.

No controle das dislipidemias no DM, tolera-se um nível de LDL-colesterol inferior a 100mg/dl,de HDL-colesterol superior a 45mg/dl e de triglicérides inferior a 150mg/dl. O tratamento dahipertensão no DM também requer patamares mais rígidos, com valores sistólicos máximos de130mmHg e diastólicos de 80mmHg, desde que não ocorra hipotensão postural, especialmentequando existe risco de hipofluxo em pacientes com coronariopatia isquêmica ou isquemia cere-

Tabela 9.4Farmacocinética das Insulinas Disponíveis

Tipo Insulina Início de Ação Pico de Ação Duração

Rápida Regular 30-60 minutos 2-4 horas 6-8 horas

Rápida Lispro 5-15 minutos 1-2 horas 4-5 horas

Rápida Aspart 10-20 minutos 1-3 horas 3-5 horas

Intermediária NPH 1-2 horas 5-7 horas 13-18 horas

Intermediária Lenta 1-3 horas 5-8 horas 13-20 horas

Lenta Ultralenta 2-4 horas 8-10 horas 18-24 horas

Lenta Glargina 2-4 horas Não há 22-28 horas

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bral. As drogas de escolha são os inibidores da enzima de conversão de angiotensina (IECA),seguidos dos bloqueadores de angiotensina II. Os β-bloqueadores, úteis para os coronariopatas,podem bloquear a secreção pancreática de insulina, mascarar os sintomas adrenérgicos da hipogli-cemia, elevar as taxas de triglicérides e colesterol, e agravar estados de hipoperfusão de membrosinferiores. Os bloqueadores de canal de cálcio não interferem no metabolismo da glicose, porémpodem intensificar quadros de hipotensão ortostática, especialmente em idosos e portadores deneuropatia autonômica. A hipopotassemia e a hipomagnesemia, secundárias ao uso de diuréticos,podem aumentar a resistência à insulina.

Complicações Microvasculares

A prevalência de complicações microvasculares é muito aumentada no DM, sendo proporcio-nal à idade do indivíduo, à duração da doença, ao controle glicêmico e aos níveis de HbA1c. Anormalização glicêmica pode retardar o aparecimento ou a progressão da complicação microvas-cular. Os efeitos deletérios da hiperglicemia sobre a microcirculação incluem mudanças da viametabólica do sorbitol, competição tecidual com o mioinositol, e a glicosilação não-enzimática eagregação de proteínas. Além da hiperglicemia, outros fatores complicadores como predisposiçãogenética, tabagismo, dislipidemia, obesidade e hipertensão arterial estão envolvidos na gênesedestas complicações. Como a estrutura microvascular é semelhante em diversos órgãos, o envolvi-mento de um órgão-alvo deve dirigir a atenção para outros órgãos-alvo.

Oftalmopatia Diabética

O DM constitui a principal causa de amaurose em nosso meio, resultado de um acometimentoda mácula, afetando a visão central, e o acometimento isquêmico difuso da retina, pela retinopatiaproliferativa. Cerca de 10% dos indivíduos com DMNDI já apresentam sinais de alteração retini-niana no momento do diagnóstico. Esta prevalência pode chegar a 40% após 10 anos de evoluçãoe até 90% após 20 anos. As alterações retinianas são caracterizadas por extravasamento dos vasosretinianos (exsudatos) ou obstruções do fluxo sangüíneo nos vasos retinianos (isquemia), que cons-tituem um potente estímulo para a formação de neovasos.

A retinopatia pode ter várias formas de apresentação. A forma mais leve, denominada retino-patia incipiente, com a presença de alguns microaneurismas, de pequenos focos de hemorragia eexsudato algodonoso (isquêmico), em geral não compromete a visão. Entretanto, a presença deedema, exsudato e isquemia na região da mácula trazem maior gravidade ao quadro. Quando osfocos hemorrágicos se tornam mais extensos, os exsudatos aparecem em maior número e surgempequenas alças venosas, caracterizando então a retinopatia pré-proliferativa. O risco de evoluçãodeste processo para a forma mais severa, proliferativa, pode ultrapassar os 50%. Existe a correntede oftalmologistas que prefere acompanhar periodicamente estes casos e existe uma outra queadvoga o uso de laser nesta fase. A retinopatia proliferativa é caracterizada pela extensão isquêmi-ca superior a 25% da superfície retiniana e pelo aparecimento de neovasos de maior fragilidade,susceptíveis ao extravasamento proteico. Este quadro permanece assintomático até a ocorrênciade hemorragia destes neovasos, que dependendo da localização e extensão pode comprometeragudamente a visão. Simultaneamente, ocorre fibrose ao redor dos neovasos, gerando forças detração sobre a retina e propiciando focos de descolamento retiniano.

Recomenda-se a avaliação de fundo de olho, de preferência realizada por oftalmologista, nomomento do diagnóstico e depois anualmente, ou de acordo com a recomendação do oftalmolo-gista. O tratamento precoce com fotocoagulação representa a base do tratamento da retinopatiadiabética, pois não existem medicamentos com eficácia demonstrada. Uma hemorragia que seestenda ao humor vítreo dificulta a avaliação retiniana por alguns meses, e múltiplos episódios desangramento podem ocasionar fibrose vítreo-retiniana, necessitando de cirurgia para vitrectomia.

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O DM pode determinar outras condições que alteram a capacidade visual, como glaucoma,catarata, trombose de veia e artéria ocular, isquemia do disco óptico, isquemia do córtex visual ecomprometimento dos nervos cranianos, responsáveis pelo movimento ocular. A avaliação deveincluir medida da pressão intra-ocular, campimetria, estudo do movimento ocular e exame docristalino com lâmpada de fenda.

Nefropatia Diabética

A nefropatia diabética pode ser dividida em quatro fases: subclínica, clínica, avançada e ter-minal. A forma subclínica, presente em até 5-10% dos indivíduos com DMNDI recém-diagnosti-cado, é definida pela presença de microalbuminúria, com taxas de 30 a 300mg/ml em amostraurinária de 24 horas. Nesta fase existe uma hipertrofia e hiperfunção glomerular.

A nefropatia clínica é caracterizada por proteinúria franca, superior a 300mg/ml, geralmenteassociada à hipertensão arterial. Após evolução de 5-10 anos sobrevém a nefropatia avançada,com comprometimento progressivo do ritmo de filtração glomerular, na ordem de 5-10ml/min/ano. Após um período médio de cinco anos instala-se a nefropatia terminal, com falência completada função renal. Nesta fase os rins são atróficos, predominando a esclerose e atrofia glomerular,com progressiva queda da taxa de depuração e elevação dos níveis de uréia e creatinina.

O DM é o principal responsável por diálises e transplantes renais, conferindo um risco 15vezes maior que indivíduos não-diabéticos. O controle da glicemia, da pressão arterial e das infec-ções urinárias é essencial na prevenção da nefropatia diabética, que por sua vez agravaria aindamais a hipertensão arterial. Além do efeito hipotensor, as IECA têm demonstrado um efeito nefro-protetor, razão pela qual são utilizadas em pacientes com microalbuminúria e níveis pressóricosnormais. Entretanto, nas fases tardias de nefropatia, além da tendência à sobrecarga volêmica,existe o risco de hipercalemia com o uso destas medicações, sendo estas substituídas por drogasque facilitem a perda de potássio, como os diuréticos tiazídicos e os de alça.

Os rins são uma importante via de eliminação de drogas hipoglicemiantes e de inativaçãometabólica da insulina, portanto nas disfunções renais avançadas pode ser necessária a correção dasdoses de medicamentos, para evitar o risco de hipoglicemia. O acometimento renal está associado aoutras alterações que necessitam da abordagem clínica apropriada como a anemia por deficiência deeritropoetina, a hipoalbuminemia e a osteodistrofia renal. Com o progredir da nefropatia, devemosconsiderar as possibilidades de diálise peritoneal (CAPD), hemodiálise e transplante renal.

Todo diabético deve realizar um exame de microalbuminúria a cada 6-12 meses. Estandoalterado pela primeira vez, o exame deve ser repetido e confirmado, afastando situações que po-dem elevar transitoriamente a excreção de albumina, como exercício físico intenso, infecçõesurinárias, doenças agudas, presença de hematúria, contaminação com sêmen, dieta hiperproteica einsuficiência cardíaca. Na vigência de nefropatia clínica, associamos o teste de depuração da cre-atinina em 24 horas a cada seis meses. O DM pode acarretar outras complicações sobre o tratourinário, como bexiga neurogênica, maior susceptibilidade aos efeitos nefrotóxicos de antiinfla-matórios e contrastes radiológicos, glomerulonefrite membranosa e necrose papilar renal.

Neuropatia Diabética

A neuropatia pode acometer cerca de 30% a 40% dos diabéticos, sendo que não existe corre-lação precisa entre o grau de acometimento da fibra nervosa e a sintomatologia, embora o diagnós-tico seja eminentemente clínico. Ela é resultado de um comprometimento crônico e definitivo dascélulas nervosas. Sintomas neuropáticos agudos podem ser relatados durante as descompensaçõesglicêmicas, mas estes costumam regredir após a normalização metabólica. O diagnóstico de neu-ropatia diabética é firmado após afastar outras causas de neuropatia, como uremia, deficiência devitamina B, etilismo, hipotireoidismo e síndromes paraneoplásicas.

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A neuropatia diabética é ocasionada pelos efeitos da hiperglicemia crônica sobre o metabolis-mo neuronal, aumentando a atividade da via dos polióis, do mioinositol e da glicosilação proteica,somado à ação de fatores locais de crescimento, alterações de neurotransmissores, estresse oxida-tivo e hipóxia local.

A neuropatia diabética pode ser classificada em sensitivo-motora, autonômica, mononeuro-pática, neuropatia multifocal e amiotrófica. A forma mais comum é a neuropatia sensitivo-motoradistal simétrica. As alterações sensitivas acometem a extremidade de nervos longos, principal-mente em membros inferiores, configurando um padrão chamado “em bota”. A manifestação sin-tomática é variável, incluindo dores lancinantes, queimação, pressão ou sintomas de parestesias,hipoestesia até quadros severos de anestesia. Estes sintomas são mais percebidos no período no-turno, acarretando distúrbios importantes do sono. O uso de analgésicos e sedativos para estescasos corre o risco de potencializar quadros de confusão mental e vertigem em idosos, propiciandoquedas durante a madrugada.

A pesquisa de sinais clínicos da neuropatia envolve testes de sensibilidade dolorosa, realiza-dos com agulhas; de sensibilidade tátil, através de monofilamentos de náilon com diversos diâme-tros; de sensibilidade vibratória, com o uso de diapasão; da sensibilidade térmica, com fontes decalor e frio; da resposta dos arcos reflexos, como o aquileu e o patelar; e por fim a avaliação daforça muscular. A medida de condução nervosa por estímulos eletrofisiológicos deve ser reserva-da para apresentações atípicas, devido ao elevado custo, o desconforto ao paciente e resultadospouco específicos. Além do controle glicêmico rígido, o tratamento da dor pode incluir o uso deantidepressivos tricíclicos, de carbamazepina ou cremes tópicos à base de capsaicina. A acupuntu-ra pode ser benéfica em casos resistentes.

A neuropatia autonômica pode determinar hipotensão postural, sudorese excessiva ou abo-lida, distúrbios gastrointestinais, incontinência ou retenção urinária e impotência sexual. Ossinais clínicos evidenciam pele ressecada, alterações pupilares, queda da pressão sistólica maiorque 20mmHg após dois minutos na posição supina e variações da freqüência cardíaca, apósmanobras de Valsalva e inspiração profunda. A hipotensão postural pode ser amenizada pelahidratação adequada, evitando drogas potencializadoras do quadro, orientando a elevação gra-dual do corpo, a utilização de meia elástica, para aumentar o retorno venoso, e, se necessário,baixas doses de fludrocortisona.

As mononeuropatias são caracterizadas por quadros dolorosos em extremidades de nervossubmetidos à compressão extrínseca ou intrínseca, sendo a síndrome do túnel do carpo a maiscomum. As neuropatias de nervos cranianos, particularmente o III (oculomotor), o IV (troclear) eo VII (facial), têm bom prognóstico, regredindo após algumas semanas.

A neuropatia amiotrófica é um quadro dramático, mais incidente em idosos, com perda depeso acentuada, dores intensas nas coxas, fraqueza e atrofia muscular, dificultando a flexão doquadril e a deambulação.

Disfunção Erétil

A disfunção erétil é a incapacidade de atingir ou manter uma ereção satisfatória para a ativida-de sexual. A prevalência desta disfunção no DM é de aproximadamente 35%, chegando a valoresde 60% em indivíduos acima de 60 anos. Ela é causada por distúrbios como perda da complacên-cia cavernosa, neuropatia autonômica, aterosclerose de grandes vasos ou efeito adverso de medi-camentos. Quadros de ereção noturna adequada e sintomas de impotência intermitente, nãoacompanhado de descontrole glicêmico, sugerem origem psicológica do distúrbio.

A avaliação física deve pesquisar alterações em caracteres sexuais secundários, as presençasde fimose, placas fibróticas e balanopostites, o tamanho e consistência testicular, a sensibilidadepeniana, a palpação das artérias cavernosas e o reflexo bulbocavernoso, verificado pela contraçãosatisfatória do esfíncter anal após pressão na glande peniana. A avaliação complementar inclui a

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ultra-sonografia com Doppler, a arteriografia, a cavernografia, as fitas demarcadas de tensão e rigi-dez peniana durante o sono REM e a resposta de ereção após injeção intracavernosa de papaverina.

A terapêutica específica, orientada por médico habilitado, inclui a aplicação intracavernosade drogas vasoativas (papaverina, fentolamina e prostaglandina), drogas orais como o sildenafil,os aparatos de ingurgitamento peniano a vácuo, as cirurgias vasculares arteriais e venosas e aspróteses penianas.

Distúrbios Gastrintestinais

As complicações mais freqüentes do trato gastrintestinal são a monilíase gastresofágica e asdisfunções motoras gastresofágicas, como refluxo esofágico, gastroparesia, diarréia e obstipação.

A avaliação diagnóstica inclui a endoscopia digestiva, a manometria gastresofágica, o examedo trânsito digestivo, e coproculturas.

Com relação ao tratamento, além da dieta fracionada, salienta-se a restrição do sal, para redu-zir o efeito osmótico, e das gorduras, para facilitar o esvaziamento gástrico. Em casos resistentesassociam-se medicamentos estimulantes da motilidade gastresofágica (metoclopramida, domperi-dona, cisaprida, bromoprida), antidiarréicos (loperamida, colestiramina) e antibióticos na vigênciade superpopulações bacterianas.

Pé Diabético

O pé diabético constitui uma complicação multifatorial, envolvendo a combinação de neuro-patia sensitivo-motora, neuropatia autonômica, isquemia de grandes vasos, alterações biomecâni-cas do pé e infecções, favorecendo o aparecimento de lesões ulceradas.

Lesões ulceradas nos pés, geralmente secundárias a pequenos traumas, constituem a principalrazão de internações hospitalares em pacientes diabéticos, gerando enormes custos, de ordemfinanceira e emocional. Se não tratadas de forma rápida e adequada estas lesões podem culminarcom a amputação de extremidades. O DM é responsável pela maioria das amputações não-traumá-ticas de membros, com risco 40 vezes maior que indivíduos não-diabéticos. Entretanto, estudosdemonstram que até 50% destas amputações podem ser prevenidas com medidas preventivas eabordagem multiprofissional de endocrinologistas, cirurgiões vasculares, ortopedistas, dermato-logistas, fisioterapeutas, psicólogos, enfermeiras, podólogos, entre outros.

A neuropatia do membro inferior pode ser evidenciada por sinais clínicos como hiperemia eaumento da temperatura nas extremidades, distúrbios da sudorese e redução da sensibilidade tátil,térmica e dolorosa. A atrofia muscular progressiva e as retrações tendinosas provocam deformida-des ósseas nos pés, que podem deslocar o centro de distribuição do peso. A fricção constante sobreestas áreas determina a formação de calos, edema, hematomas, fissuras e ulcerações. A determina-ção dos pontos de sobrecarga de pressão é essencial na abordagem do pé diabético, podendo serindiretamente avaliada pela observação de deformidades na sola do calçado e dificuldades namarcha. A obesidade é um fator agravante por intensificar a carga de tensão vertical.

A isquemia é avaliada pela palpação do pulso, tibial posterior e pedioso, pela história rela-tada de claudicação intermitente, ou por sinais como atraso de enchimento capilar, extremidadefria, redução de pilificação, atrofia cutânea e, ocasionalmente, gangrena digital. A utilização dearteriografia deve ser realizada de forma cautelosa pelo risco de nefrotoxicidade com o uso decontrastes radiológicos.

A úlcera pode resultar também de deformidades ou espessamentos ungueais, infecções bac-terianas e fúngicas e queimaduras. Estas situações criam uma porta de entrada para inúmeras bactérias,que encontram um meio favorável à disseminação, complicando com necrose tecidual, trombosedas arteríolas terminais e acometimento de estruturas profundas.

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A radiografia é importante em todos os casos de úlcera para avaliar a presença de fraturasassintomáticas, corpos estranhos, sinais de osteomielite e gás no tecido subcutâneo, indicandoinfecção por anaeróbios.

As técnicas de prevenção da úlcera pelo próprio paciente continuam sendo a medida maiseficaz para controle desta complicação (Tabela 9.5).

O diabético deve ser orientado a procurar precocemente os serviços de apoio na eventualidadede lesões suspeitas, edema sem causa aparente e dores de repouso. Os podólogos especializadospodem realizar o desbridamento de calos, cortar as unhas de forma retilínea, corrigindo espessa-mentos e desvios ungueais, proteger áreas de pressão, aconselhar calçados com melhor distribui-ção da carga tensional, cuidar de extremidades amputadas e limpar as feridas abertas.

Uma vez instalada a úlcera no pé indica-se o repouso imediato, a limpeza com solução salina,os curativos com gazes úmidas, trocadas 2-3 vezes ao dia, além do desbridamento de todo o tecidonecrótico, expondo o tecido viável com sangramento ativo, averiguando o acometimento de ossos,articulações e tendões, além da realização de raspagem de calos circundantes da lesão e drenagemde coleções profundas. A presença de isquemia pode ser corrigida pela revascularização arterialou angioplastia, e nos casos de gangrena digital, pode ser necessária uma amputação regional.

DISFUNÇÕES TIREOIDIANAS

As disfunções tireoidianas vêm recebendo maior atenção dos órgãos públicos de saúde emrazão da elevada prevalência, da maior disponibilidade e sensibilidade dos métodos diagnósticos,e da relativa facilidade no controle terapêutico.

Tabela 9.5Prevenção do Pé Diabético

• Utilizar sapatos de boa qualidade, com solado macio e confortável, altura e largura suficientepara os dedos, cadarço ou velcro para ajuste da acomodação.

• Não caminhar descalço.• Comprar calçados novos à tarde, quando a dimensão do pé é maior, e utilizá-los por poucos

minutos, a cada dia, até que se adaptem aos pés.• Utilizar palmilhas e espumas próprias de proteção para áreas de saliências ósseas,

calosidades ou sobrecarga de peso.• Utilizar meias de algodão ou lã para absorver melhor o suor, ajustadas corretamente, sem

elásticos apertados, e trocando-as diariamente.• Cortar as unhas de forma reta e horizontal, evitando lesões da pele periungueal e retirada da

cutícula. Não retirar calosidades ou usar produtos químicos sem orientação.• Usar bengalas e apoios para evitar sobrecarga de peso.• Limpar diariamente os pés (entre os dedos), com água morna e sabonete neutro, sem esfregar

em demasia, utilizando panos secos e limpos para enxugá-los.• Observar com o auxílio de espelhos a presença de calos, úlceras, edemas, hiperemias,

hematomas e fissuras. Tratar micoses cutâneas e ungueais.• Procurar corpos estranhos no interior do sapato antes de calçá-lo, bem como objetos

perfurantes nas solas dos calçados (tachinhas, pregos...).• Evitar queimaduras com uso de bolsas de água quente ou aquecedores elétricos e aquecer os

pés apenas com meias quentes.• Abolir o cigarro e ter uma boa alimentação.• Mudar constantemente a posição dos membros inferiores de pacientes acamados.• Evitar trabalhos que exigem que se fique muito tempo de pé (garçom, vendedor...).

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A tireóide é reconhecida como um importante modulador do metabolismo orgânico, direta-mente envolvida no ritmo de crescimento, funcionamento e senescência celular. A tireóide exerceseus efeitos através dos hormônios tireoidianos (HT), que são sintetizados nos folículos tireoidia-nos, após a captação e organificação do iodo, que é então incorporado a radicais tirosínicos daproteína tireoglobulina, por ação da enzima tireoperoxidase. Os HT, principalmente a tiroxina(T4) e a triiodotironina (T3), são liberados para a circulação, onde mais de 95% se encontram naforma inativa, conjugada a proteínas plasmáticas, e o restante na forma livre ativa. A síntese e aliberação dos HT são estimuladas pelo hormônio tireoestimulante (TSH), produzido e secretadopela hipófise anterior, que por sua vez é regulado pelo hipotálamo. O TSH também apresentaefeito trófico, estimulando o crescimento dos folículos tireoidianos.

O hipotireoidismo é a principal disfunção da tireóide, sendo a grande maioria dos casos de-corrente da agressão do parênquima folicular por auto-anticorpos, denominando-se doença deHashimoto. Dependendo da população estudada a prevalência do hipotireoidismo varia de 3 a10%, sendo mais freqüente em mulheres e idosos. O hipotireoidismo reduz a capacidade cardio-vascular, aumenta a pressão arterial, eleva as taxas de colesterol e triglicérides, e compromete aqualidade de vida do indivíduo, constituindo um modelo de aceleração do envelhecimento. Omesmo ocorre com o hipertireoidismo, acompanhado de sobrecarrega do miocárdio, desencadean-do quadros anginosos e arritmias, perda de massa muscular e desmineralização óssea.

Dentre as causas de hipertireoidismo, o bócio multinodular tóxico (BMNT) se torna mais inci-dente com o avançar da idade, onde eventos mutagênicos geram clones foliculares hiperfuncionantese autônomos. Outras causas incluem o bócio difuso tóxico auto-imune, ou doença de Basedow-Graves, o adenoma tóxico (AT) e as causas iatrogênicas, pelo uso de doses excessivas de hormônioexógeno ou substâncias de elevado teor de iodo, como contrastes iodados e a amiodarona.

Os sintomas do hipotireoidismo são geralmente inespecíficos e de instalação lenta, incluindofadiga, inapetência, fraqueza e câimbras musculares, alterações de cognição e atenção, distúrbiosdo humor, pele seca, pêlos quebradiços, edemas, intolerância ao frio, lentificação de reflexos,ganho de peso e sonolência. Muitos sintomas se confundem com o próprio envelhecimento, nãosendo valorizados pelo paciente e familiares. O hipertireoidismo é caracterizado por quadros deagitação psíquica, tremores, taquicardia, taquiarritmias, emagrecimento, hiperfagia, intolerânciaao calor e sudorese excessiva.

A simples palpação da tireóide pode fornecer dados importantes relativos à dimensão, formae consistência da glândula. Quanto aos distúrbios funcionais, a dosagem hormonal é essencial paraestabelecer o diagnóstico, sendo válida a premissa de que as disfunções tireoidianas são diagnos-ticadas somente quando existe a suspeita do médico. A dosagem do TSH ultra-sensível e da fraçãolivre de T4 (T4L) é suficiente para estabelecer com segurança o estado funcional da tireóide (Tabe-la 9.6). Como a hipófise é sensível às pequenas variações dos níveis de HT, mesmo que estesestejam ainda dentro do espectro considerado normal para a população, o TSH acaba sendo oexame mais específico da função tireoidiana. A dosagem dos níveis totais de T3 e T4 está sujeitaa interferências de outras doenças, do estado nutricional e de diversas medicações, reduzindo oseu grau de sensibilidade e especificidade. Na presença de níveis normais de T4L, com dosagenselevadas ou reduzidas de TSH, em indivíduos assintomáticos ou com sintomatologia frustra, de-nominamos, respectivamente, hipotireoidismo subclínico e hipertireoidismo subclínico.

A presença de auto-anticorpos, direcionados contra antígenos tireoidianos, é útil para a defi-nição etiológica em casos de disfunção hormonal. Títulos elevados de auto-anticorpos não guar-dam necessariamente relação com a função tireoidiana, podendo denotar apenas maior propensãoa disfunções tireoidianas, que podem nunca vir a ocorrer. Estudos retrospectivos calcularam umrisco anual de apenas 2% de evolução para hipotireoidismo em indivíduos com auto-anticorposantitireoperoxidase detectáveis, não se justificando a realização destes exames em estudos de rastrea-mento populacional. Por outro lado, a presença de auto-anticorpos, em nível individual, tem sido

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correlacionada à condição do envelhecimento, detectando-se títulos mais elevados em idosos hos-pitalizados e debilitados, quando comparados a idosos saudáveis. Alguns autores até sugerem queos auto-anticorpos constituem marcadores importantes de longevidade e envelhecimento saudá-vel, embora este conceito não seja aceito pela maioria dos especialistas.

Tabela 9.6Diagnóstico Laboratorial das Disfunções Tireoidianas

Diagnóstico T4L

TSH

Eutireoidismo Normal Normal

Hipotireoidismo Reduzido Elevado

Hipotireoidismo subclínico Normal Elevado

Hipertireoidismo Elevado Reduzido

Hipertireoidismo subclínico Normal Reduzido

O programa nacional de iodinação do sal marinho constituiu um marco na prevenção primáriado bócio endêmico. A prevenção primária das disfunções auto-imunes, mediante determinação desuscetibilidade genética e da capacidade de modular a resposta imunológica, ainda é uma medidadistante da realidade atual, restando apenas a prevenção secundária, através do diagnóstico preco-ce e reposição hormonal. O rastreamento populacional das disfunções tireoidianas oligo ou assin-tomáticas, através da dosagem do TSH, apresenta como argumentos favoráveis uma elevadaprevalência na população, o risco cardiovascular associado, a maior propensão para desenvolverneoplasias tireoidianas, a redução na qualidade de vida, e o custo elevado de múltiplas consultas eexames complementares desnecessários aos quais o indivíduo se submeterá para a avaliação desintomas inespecíficos. De certa forma, o risco de deficiência mental relacionado ao hipotireoidis-mo congênito já foi suficiente para se padronizar em todas as maternidades a triagem neonatal,pela dosagem capilar de TSH.

Um estudo epidemiológico norte-americano comprovou a boa relação de custo-benefício norastreamento, a cada 5 anos, de indivíduos acima de 35 anos. Outros autores preferem restringir orastreamento para populações de alto risco como mulheres após a menopausa e no período pós-parto, quando os fenômenos auto-imunes são mais comuns, e em todos acima de 65 anos de idade,por meio de dosagens anuais de TSH.

A prevenção terciária envolve o equilíbrio da reposição hormonal, o controle de distúrbiosassociados, como obesidade, dislipidemia e hipertensão arterial, e a abordagem de nódulos compotencial neoplásico, mais comuns nas disfunções tireoidianas. Sinais que sugerem evolução neo-plásica incluem aumento progressivo das dimensões nodulares na vigência de reposição hormonaladequada, nódulos de características heterogêneas, com limites imprecisos, textura rígida, dimi-nuição da mobilidade, sintomas locais de dor, alteração de voz e disfagia e adenomegalia regional.A maioria dos nódulos apresenta comportamento benigno, necessitando apenas de seguimentoambulatorial, com apoio seriado de exames ultra-sonográficos e da biópsia por punção aspirativanos casos suspeitos. Não se recomenda atualmente a terapia supressiva com doses suprafisiológi-cas de L-T4, pela ineficácia demonstrada e pelo risco de tireotoxicose iatrogênica.

O tratamento do hipotireoidismo se faz pela reposição com a forma sintética do hormônio T4(L-T4), em doses progressivamente crescentes, até a normalização dos níveis do TSH. A dose dereposição em idosos tende a ser menor do que em indivíduos jovens, devido à menor metaboliza-

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ção do T4, devendo-se ter a cautela de iniciar com doses baixas (12,5 a 25mg/dia), com pe-quenos incrementos a cada 6 semanas. O risco inerente ao tratamento do hipotireoidismo,como a exacerbação de quadros anginosos, de ansiedade e aceleração da osteoporose, devemser continuamente monitorados. A reposição em casos de hipotireoidismo subclínico ainda écontroversa, embora a experiência clínica seja favorável à sua utilização na vigência de hiper-tensão arterial e dislipidemias.

O tratamento do hipertireoidismo depende da etiologia envolvida. A radioioterapia é preferí-vel em pacientes sem condições cirúrgicas, enquanto a cirurgia deve ser prioritária diante da pre-sença de nódulos suspeitos. Em qualquer situação, um curso temporário de terapêutica oral compropiltiouracil ou metimazol pode estabilizar o quadro clínico até a realização da terapia definiti-va, ou até que ocorra regressão espontânea, vista em alguns casos de doença de Basedow-Graves.Os sintomas adrenérgicos-símile podem ser amenizados com o uso de β-bloqueadores. Outrasopções terapêuticas incluem o carbonato de lítio, os corticosteróides e contrastes iodados orais.

DISFUNÇÃO GONADAL MASCULINA

O crescente aumento da população idosa mundial tem sido acompanhado de preocupaçõescom a qualidade de vida e a participação do idoso no convívio social e familiar, onde a atividadesexual constitui um meio de prazer e harmonia nas relações interpessoais. O envelhecimento de-termina um declínio da quantidade e qualidade da atividade sexual.

A denominação de andropausa, em analogia a menopausa da mulher, é inadequada, por sereste um fenômeno de evolução insidiosa e muito variável. Por outro lado, a impotência masculina,geralmente relacionada a disfunções hormonais, está, na maioria das vezes, associada a doençassistêmicas, distúrbios do sistema nervoso autônomo, efeitos de medicamentos ou fatores emocio-nais. Embora a impotência seja uma queixa freqüente, afetando 8% de homens até 55 anos, 20%até 65 anos e 40% até 75 anos, a resposta à reposição hormonal costuma ser desanimadora.

O testículo apresenta uma função reprodutora, representada pela produção de espermatozói-des nas células de Sertoli, e outra hormonal, com a síntese de testosterona pelas células de Leydig.A hipófise anterior, estimulada pelo hipotálamo, secreta o hormônio luteinizante (LH), que regulaa produção de testosterona, e o hormônio folículo-estimulante (FSH), que regula a espermatogê-nese. Cerca de 40% da testosterona encontra-se ligada de forma estável à globulina carreadora dehormônios sexuais (SHBG), enquanto 60% apresentam ligação fraca à albumina plasmática e 2%circulam na forma livre ativa.

Durante o envelhecimento ocorre um declínio da função testicular e da função hipotálamo-hipofisária, esta última caracterizada por reduções da amplitude e freqüência de resposta do FSHe do LH ao estímulo hipotalâmico. As alterações testiculares incluem uma redução do número decélulas de Leydig, da perfusão testicular, da responsividade das células de Leydig ao estímulo deLH e da capacidade de biossíntese de testosterona. Após os 40 anos de idade existe redução anualde 0,4% nos níveis de testosterona total e 1,2% nos níveis de testosterona livre. Cerca de 7% dosindivíduos entre 40 e 60 anos apresentam níveis hormonais na faixa hipogonádica, subindo estafreqüência para 21% entre 60 e 80 anos e até 35% naqueles acima de 80 anos de idade. Os critériosque definem a disfunção gonadal masculina ainda não são consensuais, sugerindo-se níveis detestosterona total inferiores a 250ng/dl, ou inferiores a 280ng/dl quando associados a sinais esintomas típicos (Tabela 9.7).

Além do efeito do envelhecimento, a obesidade também pode reduzir os níveis de testostero-na pela intensificação da aromatização adipocitária, convertendo andrógenos em estrogênios, epelo aumento na concentração da proteína SHBG, reduzindo a disponibilidade da fração livreativa. As doenças crônicas, as neoplasias, a desnutrição e outras disfunções endócrinas, comotireoidopatias, DM e hiperprolactinemia, podem reduzir a síntese de testosterona por inibição dosistema hipotálamo-hipofisário.

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A reposição de testosterona, quando indicada em adultos hipogonádicos, melhora a sensaçãode bem-estar e auto-estima, aumenta a capacidade aeróbia, aumenta a massa e força muscular,aumenta a libido sexual, reduz a gordura centrípeta, melhora os padrões bioquímicos e radiológi-cos da formação óssea e aumenta a sensibilidade à insulina. Existem relatos que sugerem umefeito benéfico na prevenção da doença de Alzheimer, da artrite reumatóide e na melhora clínicade pacientes com AIDS.

São objetivos ideais da reposição hormonal no idoso a obtenção de níveis circulantes de tes-tosterona superiores a 300ng/dl, mimetizando o ritmo circadiano normal, garantindo picos de con-centração entre 8 e 12 horas da manhã, e que apresentem poucos efeitos colaterais e mínimodesconforto na forma de administração. As opções atuais incluem os andrógenos aromatizáveisem preparações intramusculares, subcutâneas, e transdérmicas. A testosterona intramuscular tembaixo custo e deve ser administrada a cada 10 a 21 dias, na dose de 200-400mg. Sua concentraçãoé inconstante, com níveis suprafisiológicos após 72 horas da injeção e níveis insuficientes antes daaplicação seguinte, além da questão do inconveniente de injeções mensais por longa duração. Osimplantes subcutâneos de liberação lenta têm a praticidade da aplicação a cada 4 a 6 meses, semcontudo mimetizar o ritmo circadiano normal. Os adesivos de testosterona, utilizados ao deitar,podem mimetizar os níveis fisiológicos normais, tendo como fatores adversos o elevado custo, anecessidade de troca diária e os quadros locais de irritação cutânea.

Embora os estudos não tenham verificado correlação entre o uso de testosterona e a gênese dehiperplasia e tumores prostáticos, sugere-se a realização semestral do exame de toque retal e dosa-gem do antígeno prostático, sendo o tratamento contra-indicado na presença de tumores assinto-máticos de próstata. A possibilidade de aumento da massa eritrocitária exige a medida do hematócritoa cada três meses, pelo risco de fenômenos tromboembólicos, especialmente em tabagistas ouportadores de doença pulmonar crônica. Quando o hematócrito ultrapassa a faixa de 51% reco-menda-se a realização de doação sangüínea e/ou suspensão da reposição. Com relação ao metabo-lismo lipídico tanto o hipogonadismo como a reposição de doses suprafisiológicas de testosteronaconstituem fatores de risco para a doença cardiovascular aterosclerótica. Idosos hipogonádicosdemonstraram alterações discretamente favoráveis do perfil lipídico após seis meses de reposição,com elevação do HDL-colesterol e redução do LDL-colesterol. A testosterona também reduziu osníveis de lipoproteína (a), conferindo maior proteção contra a doença coronariana.

Os casos de infarto agudo do miocárdio e hepatotoxicidade, relatados em jovens usuários deanabolizantes esteróides, ainda geram receio na administração de esteróides androgênicos. Porém,tais efeitos foram evidenciados com doses suprafisiológicas, com preparações orais deletérias ao

Tabela 9.7Sintomas e Sinais da Deficiência de Testosterona no Homem

• Deterioração da sensação de bem-estar físico e falta de disposição• Fraqueza muscular e dores articulares• Diminuição da densidade mineral óssea• Aumento da sudorese e ondas de calor• Distúrbios do sono e sonolência diurna• Instabilidade emocional• Ansiedade e depressão• Menor crescimento de barba e pêlos• Impotência e redução da libido• Redução da memória e da orientação espacial• Redução da massa magra e aumento da gordura visceral• Redução da hematopoiese (tendência à anemia)• Redução da sensibilidade à insulina

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fígado, ou com preparações injetáveis de andrógenos não-aromatizáveis, não recomendadas parao uso humano. A retenção hídrica conferida pela reposição androgênica pode acarretar edemavariável e elevação da pressão arterial, ou até sobrecarga volumétrica em pacientes com baixareserva ventricular. Outros efeitos adversos incluem o aumento da agressividade, a ginecomastia eo agravamento de casos de apnéia do sono.

Alguns autores são favoráveis a reposição hormonal irrestrita dos idosos sintomáticos, mes-mo com níveis normais de testosterona, baseando-se no fato de desconhecermos os níveis basaisprévios e que a queda na produção hormonal seja um fenômeno inevitável. No entanto, aindaexiste controvérsia quanto à reposição androgênica em idosos, em função dos riscos possíveis comesta terapêutica e da insuficiência de dados populacionais que comprovem inequivocamente a suaeficácia. Podemos traçar um paralelo com a reposição hormonal na menopausa, tida há vários anoscomo prevenção segura do envelhecimento na mulher, e que ainda é cercada de incertezas apósestudos recentes que questionaram a capacidade de proteção cardiovascular e aumentaram o re-ceio do câncer de mama.

SOMATOPAUSA

O envelhecimento é acompanhado da redução progressiva dos níveis circulantes do hormôniode crescimento (GH) e de seu efetor periférico, o fator de crescimento insulino-símile tipo I(IGF-1). Muitos dos aspectos desta deficiência se confundem com os sinais do próprio envelheci-mento, como a sarcopenia, a osteopenia e o aumento da adiposidade corporal. Alguns autoressugerem que o envelhecimento seria decorrente do declínio funcional do eixo somatotrófico (hi-potálamo-GH-IGF-1), e que o restabelecimento deste sistema constituiria uma maneira de se pro-mover o rejuvenescimento, ou ao menos retardar o envelhecimento.

A deficiência de GH, em adultos com hipopituitarismo, têm sido implicada em inúmerossintomas, acarretando redução da qualidade de vida e da capacidade de trabalho, com solicitaçãode aposentadoria precoce e piora das relações sociais e familiares (Tabela 9.8). Outra característi-ca importante da deficiência de GH é a mortalidade prematura por doenças cardiovasculares, oca-sionadas pelo acúmulo preferencial de gordura visceral, pela determinação de um perfil lipídicoaterogênico, e pela redução da atividade fibrinolítica. A deficiência de GH guarda, assim, grandesemelhança com a síndrome plurimetabólica, sugerindo uma possível conexão fisiopatológica entrea somatopausa e as complicações cardiovasculares.

Tabela 9.8Sintomas e Sinais da Deficiência de GH

• Sensação de redução de bem-estar físico• Baixa auto-estima e isolamento social• Apatia e falta de vigor físico• Falta de concentração e redução da memória• Instabilidade psicológica (depressão, ansiedade, irritabilidade)• Fraqueza e redução da massa muscular• Redução da capacidade aeróbica e anaeróbica• Aumento de LDL-colesterol e triglicérides, e redução do HDL-colesterol• Redução da fibrinólise por aumento do ativador tecidual de plasminogênio• Redução da massa magra e do volume de líquido extracelular• Redução da densidade mineral óssea• Redução da taxa metabólica basal e tendência a obesidade centrípeta andróide• Redução do fluxo plasmático renal e da taxa de filtração glomerular

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Outros autores associam a redução do GH e IGF-1 a uma resposta fisiológica do organismo,com o intuito de inibir o crescimento de clones neoplásicos, o aumento na resistência à insulina ea piora dos quadros ateroscleróticos, como observado na acromegalia, que representa o extremooposto da insuficiência somatotrófica. Entretanto, as concentrações hormonais na acromegaliaexcedem em muito os níveis fisiológicos, podendo constituir um argumento favorável à reposição.

O GH exerce efeito anabólico sobre o sistema muscular, com aumento da massa e a forçamuscular. Este efeito é de primordial importância nos idosos ao propiciar maior estabilidade loco-motora, garantindo uma vida mais independente e com menor risco de queda, além de aumentar acapacidade da caixa respiratória, com maior capacidade funcional pulmonar e acentuação do re-flexo de tosse, prevenindo infecções respiratórias. O efeito anabólico sobre o sistema osteocondralapresenta seu auge durante o crescimento linear na criança, e na vida adulta o GH participa daremodelação óssea. Além do estímulo proliferativo sobre os osteoblastos, o GH aumenta a absor-ção intestinal de cálcio e fosfato, com incremento da densidade mineral óssea. O GH estimula asíntese protéica e o crescimento de diversos órgãos, especialmente fígado, baço, rins, timo e me-dula óssea. O GH parece ter papel importante na modulação da resposta linfomonocitária, nometabolismo da glicose, na retenção hidrossalina e um importante efeito lipolítico, com o aumentoda mobilização do tecido gorduroso de localização centrípeta e visceral.

O GH é um polipeptídeo sintetizado e armazenado pelas células somatotróficas da hipófiseanterior, sendo secretado em 8 a 14 pulsos diários. Esta pulsatilidade é resultante da oscilaçãoentre sinais estimulatórios, que incluem o hormônio liberador de GH (GHRH) e a grelina, e desinais inibitórios da somatostatina. A maior parte da secreção e as maiores amplitudes de pulsos deGH ocorrem nas primeiras 4 horas de sono, quando o tônus de somatostatina é menor. A queda dosníveis de GH em idosos ocorre paralelamente à redução do período de sono, denotando uma pos-sível relação entre a somatopausa e as alterações do sono.

O GH estimula a síntese de IGF-1, que potencializa seus efeitos tróficos e metabólicos. Quase 99%do IGF-1 circulam ligados a proteínas carreadoras específicas, das quais a principal é a IGFBP-3, cujasíntese é regulada pelo GH. Como o GH é liberado na forma de pulsos, a coleta de amostras aleatóriaspode não representar a real situação somatotrófica. Os testes de estímulo de liberação de GH são bas-tante onerosos, sendo temerários em idosos, principalmente na indução de hipoglicemia ou o uso declonidina. A dosagem de IGF-1 sérico, na sua maioria de origem hepática, pode não refletir fielmente aatividade de IGF-1 nos tecidos-alvo, cujo efeito parácrino é de difícil avaliação. A dosagem doIGFBP-3, por representar o resultado integrado da média de secreção diária de GH e por não sofrerinfluência da concentração de IGF-1, pode ser mais fidedigna na avaliação do eixo somatotrófico.

Os níveis de GH, IGF-1 e IGFBP-3 atingem valores máximos até a segunda década de vida, edepois reduzem exponencialmente na ordem de 14% a cada década, em razão da atrofia dos soma-totrofos hipofisários, do aumento do tônus da somatostatina, e da menor síntese do GHRH e dagrelina. Indivíduos entre 65 e 85 anos apresentam concentrações de IGF-1 50% inferiores emcomparação a indivíduos de 25 a 44 anos, enquanto metade dos indivíduos acima de 70 anosapresenta deficiência parcial ou absoluta de GH. A síntese de GH é também modulada por fatorescomo sexo, estado emocional, peso corporal, nutrição e atividade física. A relação mútua entre oeixo gonadal e somatotrófico, observado em sua plenitude no estirão da puberdade, pode ser afe-tada em quadros de menopausa precoce e hipogonadismo masculino.

Se os baixos níveis secretados de GH, observados em idosos deprimidos, diabéticos, obesosou sedentários, são fatores causais ou conseqüentes ainda é uma questão controversa. A obesidadeacarreta um círculo vicioso, em que o aumento da adiposidade corporal reduz a secreção de GH,que por sua vez aumenta a deposição de gordura corporal. As dietas muito restritivas e a desnutri-ção no idoso podem acarretar elevações dos níveis de GH, porém com queda dos níveis de IGF-1e uma falsa impressão benéfica sobre o eixo somatotrófico, configurando na verdade uma resistên-cia à ação do GH. Os estudos que avaliaram dietas ricas em aminoácidos e oligoelementos, comoferro e zinco, sobre a síntese de GH em idosos, apresentaram resultados contraditórios.

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As terapias disponíveis para a somatopausa abrangem o GH recombinante humano (rhGH), oIGF-1 recombinante humano (rhIGF-1), o GHRH e o peptídeo liberador de GH (GHRP). Emborasejam escassos os estudos de longo prazo, objetivando a prevenção e o retardo do envelhecimento,um dos principais fatores restritivos a estas terapias é o elevado custo financeiro. Apesar da expe-riência de uso de rhGH em crianças com déficit de crescimento e adultos com hipopituitarismoadquirido, devemos aguardar novos estudos populacionais, de longa duração, antes de indicar areposição irrestrita de rhGH com o intuito de retardar o envelhecimento, reservando estas terapiaspara os indivíduos com absoluta deficiência somatotrófica.

Utilizam-se injeções subcutâneas diárias de rhGH, aplicadas preferencialmente à noite, antesde dormir. A dose deve sempre ser individualizada, iniciando-se com doses de 0,01mU/kg/dia eincrementando lentamente até doses plenas ao redor de 0,02 a 0,04mU/kg/dia. Os objetivos daterapia com rhGH são a normalização dos níveis de IGF-1 (0,5 a 1U/ml) e IGFBP-3, evitando-se aocorrência de efeitos colaterais.

Resultados preliminares demonstraram que o rhGH em idosos foi capaz de reduzir a massa detecido adiposa, incrementar a massa magra, através de balanço positivo de nitrogênio e retençãohídrica, aumentar a densidade mineral óssea e normalizar os níveis de IGF-1 e IGFBP-3. Por outrolado, alguns autores demonstraram que o ganho de massa muscular observada com o uso de rhGHem idosos saudáveis não foi acompanhado de uma melhora na capacidade funcional, enquantooutros estudos demonstraram uma melhora mais acentuada da massa e da força muscular após 12meses de exercícios musculares anaeróbicos, quando comparada aos resultados com o uso derhGH. Portanto, ainda é desconhecido se estes efeitos na composição corporal traduzem benefíci-os da ordem funcional e de qualidade de vida em longo prazo, pela presença de outros aspectosque determinam o processo de senescência dos diversos tecidos orgânicos.

Outros estudos têm aventado um papel promissor do rhGH na prevenção de estados catabóli-cos associados ao uso crônico de glicocorticóides, às dietas hipocalóricas prolongadas, ao períodopós-operatório, às queimaduras extensas e às doenças crônicas, como a nefropatia terminal, aSIDA e a doença pulmonar obstrutiva crônica. Entretanto, o aumento da mortalidade relatada emestudos com idosos debilitados, internados em unidades de terapia intensiva e submetidos à repo-sição com elevadas doses de rhGH, ainda causa certa apreensão por parte de endocrinologistas egeriatras quanto ao uso de rhGH em idosos. Os efeitos colaterais do rhGH, que são mais intensosem idosos, incluem a síndrome do túnel do carpo, retenção hídrica, hipertensão arterial, cefaléia,ginecomastia, dores articulares e crescimento de processos cartilaginosos. Estes inconvenientespoderão ser contornados após estabelecer os resultados de longo prazo com outras terapias, comoo GHRH e os secretagogos sintéticos orais de GH, que mimetizam melhor a fisiologia normal desecreção do GH.

OBESIDADE

A obesidade é uma doença crônica, de etiologia multifatorial, caracterizada pelo acúmulo ex-cessivo de gordura corporal, com comprometimento da saúde e da qualidade de vida do indivíduo.

A prevalência de obesidade tem crescido de forma exponencial em todo o mundo, constituin-do uma grande epidemia global. Atualmente cerca de 35% da população adulta norte-americana éconsiderada obesa. No Brasil foram realizados três grandes censos populacionais, nos anos de1975, 1989 e 1996, para determinar a prevalência da obesidade. A comparação entre os estudos de1974 e 1996 demonstrou um aumento surpreendente da prevalência de obesidade de 2,4% para6,9%, no sexo masculino, e de 7,0% para 12,5%, no sexo feminino. Atualmente, no Brasil, estima-se uma prevalência de obesidade somada a sobrepeso de 40% para mulheres e 27% para homens.A obesidade não representa apenas um problema estético, mas sim um conjunto de alteraçõesendócrinas, metabólicas e psíquicas, que contribuem para o envelhecimento precoce, para a redu-

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ção de qualidade de vida do indivíduo e para uma maior taxa de morbidade e mortalidade. Esteproblema já não pode ser ignorado, uma vez que estimativas recentes apontam que os custosdiretos da obesidade podem representar até 10% de todo o orçamento público para a saúde, semlevar em conta os custos indiretos. Portanto, as políticas de saúde pública devem concentrar esfor-ços para garantir a manutenção do peso da população adulta, com peso normal, e a redução depeso nos indivíduos acima do peso normal. Ainda existem consideráveis barreiras a serem suplan-tadas, visto que muitos profissionais da saúde não encaram a obesidade como doença crônica, massim um distúrbio de caráter e falta de personalidade. O próprio indivíduo obeso carrega o estigmade culpa pela doença, sendo discriminado em todos os âmbitos sociais e vítima freqüente de atosou palavras desrespeitosas.

A obesidade resulta da incapacidade do organismo equilibrar a ingesta de calorias com ogasto energético, resultando uma equação com balanço positivo de calorias que serão armazena-das sob a forma de gordura. Em diversos estudos, tem-se observado que a obesidade é mais co-mum nas camadas socioeconômicas mais baixas, principalmente em países desenvolvidos ou emfase de desenvolvimento, como o Brasil. Isto poderia ser explicado em parte pela falta de informa-ção adequada, mas também pela exclusão do mercado de trabalho, determinada pela obesidade,onde a aparência física se torna determinante da admissão e ascensão profissional, e conseqüente-mente do ganho salarial. O Brasil vive atualmente um grande paradoxo, em que, por circunstân-cias da profunda desigualdade econômica, convive-se lado a lado com os dois extremos da balança,a obesidade e a desnutrição.

A OMS propõe uma classificação da obesidade, baseada na relação do índice de massa corpó-rea (IMC), calculado dividindo-se o peso em quilogramas pela altura em metros, elevada ao qua-drado (Tabela 9.9).

Tabela 9.9Classificação Ponderal do Indivíduo Baseada no IMC

Classificação IMC (Peso/Altura2)

Abaixo do peso normal < 18

Peso normal 18 a 24,9

Sobrepeso 25 a 29,9

Obesidade leve 30 a 34,9

Obesidade moderada 35 a 39,9

Obesidade severa ou mórbida > 39,9

O IMC, no entanto, carrega algumas limitações por não considerar o diferencial entre massamuscular, massa visceral, massa hídrica, massa óssea e massa gordurosa, que em conjunto com-põem o peso corpóreo total. Indivíduos com hipertrofia muscular podem ser classificados errone-amente como obesos, enquanto pacientes com sarcopenia e osteopenia, porém com alta porcentagemde gordura, podem ser considerados normais. Deste modo, as modificações da composição corpo-ral nos idosos, com redução da massa muscular, óssea e hídrica, acompanhadas de aumento dagordura corporal, podem tornar as análises do IMC pouco fidedignas. Outra limitação ocorre comindivíduos no limite inferior da normalidade que aumentem cerca de 15kg o seu peso de base, eque permaneçam ainda na faixa normal de IMC, visto que estudos mostraram risco elevado de

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complicações cardiovasculares em indivíduos com incrementos ponderais superiores a 10kg, apósos 18 anos de idade.

A distribuição da gordura no organismo é bastante variável, sendo determinada por fatoresgenéticos, nutricionais e hormonais. O padrão de distribuição guarda relação direta com os riscospara a saúde, sendo mais grave o acúmulo de gordura ao redor de vísceras (perivisceral) e emlocalizações centrípetas do corpo, como abdome e tórax (andróide), associadas a maior resistênciaà ação da insulina. A distribuição da gordura corporal pode ser avaliada pela circunferência abdo-minal (na altura da cicatriz umbilical ou naqueles com abdome proeminente, entre a última costelae a crista ilíaca), e medidas maiores que 102cm no homem e 88cm na mulher definem a obesidadeandróide, enquanto medidas maiores que 90cm e 80cm, respectivamente para homens e mulheres,podem indicar risco futuro de desenvolver obesidade andróide. Utiliza-se também a relação dacircunferência abdominal em relação à do quadril como marcador de risco, sendo considerado derisco elevado valores superiores a 0,95 para homens e 0,80 para mulheres. Estas medidas antropo-métricas, simples e de baixo custo, deveriam ser incorporadas na avaliação física habitual. Damesma forma que as elevações de peso superiores a 10kg devem gerar atenção especial, aumentosde circunferência abdominal superiores a 5cm podem traduzir a necessidade de abordagem pre-ventiva, mesmo que a circunferência total permaneça em níveis normais.

A mensuração da gordura corporal total pode ser feita através de aparelhos de bioimpedânciaelétrica, que calculam a porcentagem de gordura e massa magra pelo grau de condutância elétricados tecidos. Define-se sobrepeso e obesidade como porcentagens de gordura corporal superiores a20% e 25%, respectivamente, para homens, e 25% e 30% em mulheres. São considerados interva-los normais, porcentagens entre 12% e 18% para homens e 18% e 24% para mulheres.

A freqüência de obesidade aumenta ao longo dos anos, atingindo um pico ao redor de 50 a 60anos, quando a partir de então sofre um declínio progressivo. Este dado causa uma falsa impressãode melhora do controle ponderal após os 60 anos, escondendo a realidade da mortalidade precocedos obesos, fazendo com que apenas os indivíduos próximos ao peso ideal apresentem maior expec-tativa de vida. Além disso, a taxa de mortalidade relativa à obesidade, independentemente de suaintensidade, é menor em idosos, reforçando a tese de que os obesos que atingem idades avançadaspodem ter outros fatores que os protejam dos efeitos adversos da obesidade, ao mesmo tempo em queeles apresentam, pela obesidade, um menor risco de osteoporose e de fraturas por traumatismo ósseo.

Assim como a obesidade guarda relação geométrica positiva com a taxa de mortalidade, osextremos inferiores de peso, com IMC inferior a 19, assumem relação geométrica inversa com ataxa de mortalidade, configurando desta forma uma curva de relação peso-mortalidade na confor-mação tipo J. Portanto, os dois extremos de IMC constituem fatores de risco de morbidade emortalidade. O IMC muito baixo, no entanto, pode refletir situações patológicas de base, comoneoplasias, doenças crônicas debilitantes, desnutrição, tabagismo, etilismo, constituindo o pesouma conseqüência e não a causa deste risco elevado.

Os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese da obesidade ainda não estão total-mente esclarecidos. De maneira simplificada podemos classificá-los em fatores genéticos e fato-res ambientais. Estudos de gêmeos monozigóticos e análises de peso em famílias com criançasadotivas, observaram que a transmissão genética é responsável por cerca de 30% a 45% da deter-minação ponderal, sendo os 55% a 70% restantes devidos a fatores ambientais. É importante sali-entar que muitos genes poderiam reforçar os aspectos ambientais, propiciando escolhas menossaudáveis de alimentos, determinando preferências de paladar, estabelecendo um perfil psicológi-co específico, favorecendo compulsões e reforçando a escolha pelo sedentarismo. Portanto, mui-tas vezes se torna difícil distinguir entre a ação dos fatores genéticos e dos fatores ambientais.Sendo o pai e a mãe obesos, a chance de o filho herdar o problema é de 80%, caindo para 40% seapenas um deles for obeso e para menos de 10% se nenhum for obeso. Crianças adotadas guardamrelação mais estreita com o peso de seus pais biológicos, comparado aos pais adotivos. Diversosgenes, e respectivos produtos transcricionais, foram descritos com participação na regulação do

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peso, seja regulando o ritmo metabólico, a quantidade e qualidade da ingesta alimentar, a localiza-ção e grau de deposição adipocitária, a termogênese frente a estímulos diversos, a atividade dosistema nervoso simpático, a atividade insulínica, entre outros. O fenótipo da obesidade pode serconsiderado um complexo resultado da interação de uma herança poligênica, que determina oacúmulo excessivo de gordura em ambientes propícios. Apesar desta multiplicidade de variáveis,o organismo humano procura sempre ajustar a ingesta energética para o seu gasto energético, evice-versa, de forma a manter estável o peso corporal (homeostase energética). Alguns erros decompensação, determinados geneticamente, ou a sobrecarga excessiva dos fatores ambientais po-dem trazer desequilíbrio deste sistema.

Os fatores ambientais têm sido implicados no grande aumento da obesidade das últimas déca-das. Estes incluem a falta de exercício físico regular, a atividade física reduzida pelos mais diver-sos confortos da vida moderna, a grande oferta de alimentos ricos em gordura ou açúcar, aumentona quantidade de porções alimentícias vendidas, exemplificadas pelas promoções “leve mais, pa-gue menos”, e pelo aprimoramento no paladar, acondicionamento e distribuição dos alimentos. Acompetitividade comercial das indústrias alimentícias, através de propagandas massivas, tem esti-mulado o consumo crescente de alimentos ricos em calorias, além do fato de que os alimentos comredução calórica apresentam, via de regra, custo mais elevado quando comparados a produtossimilares sem redução calórica. Destaca-se, desta forma, um estudo realizado durante 7 meses emcantinas de universidades norte-americanas, quando se observou um aumento consciente de maisde 200% do consumo de produtos mais saudáveis e baixos em calorias, quando estes produtosapresentaram seus custos reduzidos de forma experimental.

Um estudo prospectivo finlandês observou um declínio de 225kcal no gasto calórico diáriorelacionado ao trabalho, no período de uma década. A disponibilidade crescente de computadores,televisores, telefones celulares, controles remotos, escadas rolantes, elevadores, aparelhos eletro-domésticos, alimentos pré-cozidos, atuam em conjunto para determinar uma redução do gastocalórico diário. Somam-se a estes fatores o descuido das políticas sociais, com redução progressi-va do programa mínimo de educação física em escolas públicas, a urbanização desgovernada, semplanejamento de praças e parques de convívio comunitário, sem planejamento de vias adequadaspara tráfego de pedestres e ciclistas, e a falta de iluminação e segurança que estimulem as ativida-des extradomiciliares. Mesmo que de forma inconsciente, todas as medidas de arquitetura e urba-nismo e todas as formas de propaganda e marketing, relacionadas à indústria e comércio alimentício,têm encorajado as pessoas a aumentar a ingesta alimentar e a reduzir o esforço físico. Indivíduosobesos mostram claramente um menor comprometimento com atividades físicas regulares. O queé difícil avaliar é se o sedentarismo é a causa ou a conseqüência da obesidade, em razão da baixatolerância a esforços, e os distúrbios osteomusculares advindos da sobrecarga ponderal. Estudosretrospectivos observaram que o risco de um indivíduo sedentário se tornar obeso pode ser até 3vezes maior quando comparado a indivíduos fisicamente ativos.

O gasto calórico diário de um indivíduo é representado em grande parte pela taxa metabólicabasal (ou de repouso), correspondente à cerca de 70% do dispêndio energético, sendo esta vitalpara a manutenção da temperatura corporal constante e das funções fisiológicas básicas do orga-nismo. O metabolismo basal é diretamente proporcional à quantidade de massa magra do indiví-duo, sendo a massa muscular o principal determinante do gasto calórico do metabolismo basal.Também existe relação com a idade e o sexo, além das variações individuais, determinadas gene-ticamente. As mulheres apresentam, em média, taxas metabólicas basais 5% inferiores aos ho-mens, provavelmente pela menor massa muscular e pelo efeito direto dos hormônios sexuais.Talvez isto justifique a maior incidência de obesidade em mulheres, além da maior dificuldade deredução ponderal destas comparada aos homens. Cerca de 10% do dispêndio de calorias decorreda termogênese alimentar, que é a energia gasta para o processo da ingestão, digestão, absorção eincorporação dos alimentos. Os alimentos fornecem o substrato energético, na proporção de 9kcal/gpara as gorduras, 7kcal/g para o etanol e 4kcal/g para carboidratos e proteínas. Além do maiorconteúdo calórico das gorduras, elas são absorvidas e incorporadas com maior eficiência e, conse-

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qüentemente, com menor gasto termogênico alimentar. Cerca de 5% do conteúdo calórico provin-do de gorduras é perdido no processo de termogênese alimentar, enquanto se perdem 25% com oscarboidratos e 15% com as proteínas. O gasto calórico, determinado pelos exercícios físicos vo-luntários e involuntários, representa ao redor de 20% do metabolismo total, podendo esta porcen-tagem variar intensamente para cima ou para baixo conforme os hábitos e estilo de vida do indivíduo.Esta corresponde à parte do metabolismo com maior variabilidade, constituindo assim um foco degrande impacto terapêutico.

Durante o processo de envelhecimento ocorrem alterações que propiciam o acúmulo de gor-dura, como a redução da taxa metabólica basal, possivelmente relacionada a sarcopenia; a deterio-ração do condicionamento físico, com conseqüente prejuízo da termogênese muscular do exercício;a diminuição da termogênese pós-prandial; a perda da capacidade regulatória dos centros hipo-talâmicos da fome e saciedade, bem como do tecido adipocitário; além de disfunções hormonaispreviamente descritas, como hipogonadismo, hipotireoidismo, hiperinsulinemia e a somatopausa.O metabolismo basal sofre uma redução progressiva após os 20 anos de idade, no ritmo de 1 a 2%a cada década. A tendência ao aumento de peso e deposição andróide de gordura nas mulheres emmenopausa, seja espontânea ou pós-cirúrgica, parece envolver tanto a deficiência estrogênica comoa ação androgênica não-inibida. Outro fator importante do envelhecimento é a perda progressivado paladar, fazendo com que o idoso passe a dar preferência a alimentos mais palatáveis, caracte-rística esta comum aos alimentos ricos em gordura.

Os indivíduos obesos estão mais propensos a diversas doenças, sendo estas diretamente pro-porcionais ao grau de acúmulo de gordura (Tabela 9.10).

Tabela 9.10Doenças Relacionadas à Obesidade

• Cardiovascular: hipertensão arterial, miocardiopatia dilatada, doença coronariana, doençacerebrovascular, doença arterial periférica, varizes, úlceras varicosas, flebites, trombosevenosa profunda, edema de estase

• Respiratória: embolia pulmonar, hipoventilação, cor pulmonale, apnéia do sono

• Abdominal: hérnia hiatal, cálculo biliar, cálculo urinário, colecistite, esteatose hepática,obstipação, hemorróidas, hérnias de parede abdominal, neoplasia (reto, cólon, vesícula,próstata), incontinência urinária

• Endócrino-metabólica: dislipidemia, DM, ITG, gota, ginecomastia

• Locomotora: lombalgia, osteoartrite, deformidades, hérnia de disco, síndrome do túnel do carpo

• Cutânea: dermatites, acantose nigricans, estrias, úlceras cutâneas, erisipelas e celulites,linfedema, infecções fúngicas, cicatrização deficiente

• Ginecológica: metrorragia, ovários policísticos, neoplasia (endométrio, mama), amenorréia

• Psiquiátrica: ansiedade, depressão

O estudo populacional de Framingham observou que o peso constitui o terceiro fator de riscoem importância na determinação de doenças cardiovasculares em homens, perdendo apenas paraas dislipidemias e a faixa etária. Observou-se, também, que a taxa de mortalidade aumentava 1%a cada incremento de 500g no peso, em indivíduos entre 30 e 40 anos de idade, elevando-se para2% em indivíduos entre 50 e 60 anos, sendo que as doenças cardiovasculares e a resistência à açãoda insulina estavam relacionadas à deposição de gordura com padrão andróide. Outros estudosdemonstraram que reduções de apenas 5-10% do peso inicial já podem ser suficientes para reduziras taxas lipêmicas, a pressão arterial e os valores glicêmicos. Entretanto, não podemos esquecerque um fator que eleva o risco de mortalidade é a oscilação freqüente do peso, com períodos

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repetidos de perda intercalada com recuperação ponderal, pela incapacidade de mudanças prolon-gadas dos hábitos de vida, ou pela utilização de dietas e práticas terapêuticas cientificamente nãorecomendadas para a perda ponderal.

Para se almejar a prevenção ou o tratamento da obesidade devemos partir da premissa de queo indivíduo e a sociedade estejam informados e cientes dos riscos para a saúde e do comprometi-mento da qualidade de vida, inerentes a obesidade. Um levantamento realizado nos Estados Uni-dos verificou que apenas metade dos pacientes obesos submetidos a exames de rotina com clínicosgerais recebera orientação com relação à redução de peso. Observou-se também que aqueles orien-tados a perder peso apresentavam 3 vezes mais êxito no controle de peso, comparados aos que nãorecebiam orientação. Em uma recente pesquisa de opinião pública nos Estados Unidos, 78% dosentrevistados relataram que o seu peso não constituía uma preocupação séria relacionada à suasaúde. Esta indiferença causou surpresa, já que 2/3 dos entrevistados encontravam-se acima dopeso normal. Portanto, a informação correta e as orientações direcionadas, desprendendo-se depreconceitos e estereótipos, pode ser uma arma poderosa dos agentes de saúde na prevenção etratamento da obesidade.

As companhias de seguro-saúde foram as primeiras a sugerir um efeito benéfico da reduçãoponderal na diminuição da taxa de mortalidade. A taxa de mortalidade de indivíduos com IMCsuperior a 35 pode ser até 7 vezes maior quando comparados a indivíduos normais. Um estudoprospectivo com 28.338 mulheres saudáveis demonstrou que reduções de peso superiores a 9kgestavam relacionadas a uma queda de 35% da taxa de mortalidade. Outros estudos verificaram quereduções de peso superior a 5kg foram capazes de prevenir o desenvolvimento de diabetes e neo-plasias, de forma escalonada e progressiva. Outros autores observaram uma associação significa-tiva entre o aumento na porcentagem de gordura corporal e a incidência de distúrbios funcionaisem idosos, independentemente de outros fatores de risco, comprometendo assim a qualidade e aexpectativa de vida, secundário a quedas, doenças crônicas, dependência de familiares, institucio-nalização e comprometimento cognitivo.

O tratamento e a prevenção compreendem intervenções simultâneas sobre a dieta, a atividadefísica e mudanças comportamentais e em casos resistentes a utilização de medicamentos.

Vários estudos de coorte demonstraram a eficácia do incremento da atividade física diáriacomo meio de prevenir e tratar a obesidade. A Cooper Clinic, nos Estados Unidos da América,demonstrou uma redução significativa na incidência da obesidade esperada com o envelhecimentoem mais de 5 mil indivíduos, entre os anos de 1970 e 1994. A taxa de prevenção era progressiva-mente maior de acordo com o incremento do condicionamento físico adquirido nestes 24 anos. Aatividade física promove uma redução de peso em curto prazo, quando combinado com modifica-ções da alimentação e do estilo de vida. Porém, os principais efeitos decorrem de longo prazo, emque a atividade física, e principalmente o exercício regular, é fundamental para a manutenção dopeso, preservando a reserva de tecido muscular. A atividade física também é capaz de melhorar ohumor e a auto-estima, além de prevenir quadros de insônia, ansiedade e depressão. O parâmetrode avaliação de resposta ao exercício não deve ser baseado exclusivamente no peso, mas sim naporcentagem de gordura, no bem-estar do indivíduo e na melhora dos parâmetros clínicos e meta-bólicos. O exercício regular reduz a resistência à insulina, melhora o perfil lipídico e diminui apressão arterial. O principal fator limitante continua sendo a baixa aderência do paciente obesoaos programas prolongados de exercício, seja pela falta de informação, pela falta de hábito, pelafalta de condicionamento físico, ou por limitações físicas, como distúrbios respiratórios e mus-culoesqueléticos. Os obesos apresentam queda da glicemia e elevação dos níveis de ácido láticosérico com maior intensidade, quando comparados a indivíduos de peso normal. Estes fatoresadversos podem ser contornados com o uso de equipamentos domiciliares, da progressão gra-dual da intensidade e duração do exercício, da escolha individualizada da modalidade de exercí-cio, de acordo com a disponibilidade e preferência do indivíduo, e da suplementação adequadade substratos nutricionais.

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O exercício ideal para a redução de peso é o aeróbico, utilizando-se grandes grupos muscula-res, com baixo impacto, por período prolongado (45 a 60 minutos), de forma continuada, manten-do uma freqüência cardíaca próxima a 70% do valor máximo (FC máxima = 220 – idade), e depreferência realizado diariamente. O indivíduo obeso apresenta um gasto energético superior paraum mesmo grau de intensidade de atividade física, quando comparado aos não-obesos, o que decerta forma acelera a perda de peso. Uma fase de aquecimento breve, ao redor de 10 minutos, éimportante para se evitar elevação rápida da freqüência cardíaca e sobrecarga da musculatura, quepode entrar em fadiga precoce. Como ação complementar, com o intuito de aumentar a massa, acoordenação e a elasticidade muscular, podemos orientar a realização de exercícios com peso eexercícios de alongamento em pelo menos dois dias por semana.

Quanto mais precoce for a abordagem da importância do exercício físico, maiores serão aschances de continuidade da mesma em longo prazo. Estudos com crianças e adolescentes têmdemonstrado uma clara relação direta entre o tempo gasto na televisão ou computadores e a preva-lência de obesidade, tanto atual como futura.

A indicação de atividade física regular, e se possível o exercício esportivo, deve ser orientadapara toda a população, sejam os indivíduos obesos ou não. Os agentes de saúde, ao indicarem aatividade física apenas como prevenção secundária aos obesos ou portadores de doenças crônicas,perdem uma grande oportunidade de exercer o seu papel na prevenção primária daqueles que setornarão obesos. A orientação e educação quanto à importância e os benefícios de uma vida maissaudável pode desencadear um efeito multiplicador sobre a família e os meios sociais freqüenta-dos pelo indivíduo. Da mesma forma, o alcance do médico ou profissional da saúde pode serexpandido através da realização de palestras dirigidas a grandes grupos de pessoas, enfocando osaspectos gerais da prevenção e tratamento, assim restando maior tempo nas consultas ambulato-riais para se deter aos aspectos particulares de cada indivíduo.

Uma vez atingido o peso satisfatório propõe-se a manutenção da atividade física com consu-mo médio de 1.500kcal por semana, distribuídos em pelo menos 3 a 4 dias. Diferentemente dopensamento popular, a prática regular de exercícios físicos promove inibição parcial da ingestacalórica, provavelmente pela liberação de catecolaminas no sistema circulatório, inibindo os cen-tros hipotalâmicos da fome. Além disso, as catecolaminas determinam lipólise preferencial sobreos depósitos gordurosos intra-abdominais e periviscerais, agindo primordialmente na correção dopadrão andróide de obesidade e posteriormente na redução de outros depósitos de gordura. Arealização de testes ergométricos é uma cautela essencial em indivíduos acima de 30 anos queplanejam iniciar uma atividade física regular, assim como todas as orientações de exercícios de-vem ser feitas por profissional com conhecimento profundo da área.

Levantamentos epidemiológicos evidenciaram que desde a metade do último século até osdias atuais, a quantidade média de calorias ingeridas aumentou cerca de 10%. No entanto, a modi-ficação mais acentuada ocorreu no aumento da porcentagem de calorias derivadas de gordurasanimais e/ou vegetais. Em 1997, uma pesquisa revelou que apenas 1% das crianças norte-america-nas seguia corretamente as recomendações de dieta do Food and Drug Administration (FDA).Cerca de 50% das calorias ingeridas diariamente, pela maioria das crianças, eram provenientes degorduras e açúcares simples.

A dieta deve ser flexível, sem grandes restrições calóricas, respeitando as variações regionaisda culinária, de modo a prolongar a aderência do paciente e evitar reduções rápidas de peso. Apalavra “dieta” deixa de ter uma conotação negativa para o obeso, quando ele compreende suaimportância e entende que dieta para emagrecer é sinônimo de dieta para uma vida longa e saudá-vel, sem passar fome. A redução da massa muscular, observada em dietas com muito baixas calo-rias ou dietas restritivas de carboidratos, deve ser evitada ao máximo, pelo risco de redução aindamaior do metabolismo basal de repouso, especialmente em idosos. Sugere-se iniciar com dietasque variem entre 1.200 e 1.800kcal diárias, de acordo com a idade, sexo, e história prévia deresposta a dietas anteriores, realizando-se ajustes posteriores conforme a evolução terapêutica.

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O gasto metabólico diário pode ser também estimado através de cálculos matemáticos(Tabela 9.11).

Tabela 9.11Cálculo Estimado do Gasto Metabólico Basal (GMB)

GMB (homens) = 1,3* × {66,4 + [13,7 × peso (kg)] + [5 × altura (cm)] – [6,7 × idade]}GMB (mulheres) = 1,3* × {655 + [9,5 × peso (kg)] + [1,8 × altura (cm)] – [4,6 × idade]}

*Utilizar fator multiplicador inicial de 1,5 em indivíduos com atividade física regular.

A alimentação deve ser prazerosa, buscando-se temperos e sabores alternativos, e variada,para evitar a monotonia. As gorduras devem constituir 20%-25% das calorias totais, quando sedeseja prevenir a obesidade, ou 15-20%, quando o objetivo é tratar a obesidade instalada, restrin-gindo ao máximo as gorduras saturadas. Vários estudos observaram que a saciedade alimentar émenor com dietas ricas em gordura, em comparação a dietas pobres em gordura, mesmo comquantidades calóricas totais equivalentes. A gordura é menos eficaz na deflagração de sinais deinibição do centro da fome localizado no hipotálamo, fazendo com que a substituição de gordurapor alimentos com menor conteúdo calórico prolongue o período de saciedade pós-prandial. ONational Institutes of Health (NIH) demonstrou que dietas com restrição de gordura, sem reduçãodo conteúdo calórico, foram suficientes para promover uma redução discreta de peso em obesos.Por outro lado, a oferta excessiva de substratos como álcool, carboidratos e proteínas desvia parasi o metabolismo oxidativo, inibindo a oxidação de gorduras, cujas reservas são mantidas ou au-mentadas. A gordura depositada no organismo provém quase exclusivamente da gordura alimen-tar em excesso. Assim, quando se associa a restrição de gordura a pequenas reduções calóricas dosoutros nutrientes, obtêm-se os melhores resultados, pois os depósitos de gordura corporal passama ser oxidados.

A alimentação deve ser rica e variada em verduras, legumes, frutas, fibras, sais minerais,vitaminas e água. Os carboidratos, que respondem por 55% a 65% das calorias totais diárias,devem ser ingeridos em todas as refeições, dando-se preferência aos integrais. A oferta adicionalde carboidratos é especialmente útil em indivíduos com prática regular de exercício físico, redu-zindo a sensação de fadiga. As proteínas devem ser preferencialmente derivadas de aves e peixes,enquanto os laticínios devem ser desnatados. Os açúcares simples devem ser evitados pela suaelevada densidade calórica, apesar de inferior às gorduras. Os alimentos ricos ou acrescidos deágua apresentam menor conteúdo calórico, sendo preferidos aos alimentos com pouca água, comobiscoitos salgados e frutas secas. Para a manutenção posterior do peso, a Mayo Clinic dos EstadosUnidos da América tem enfatizado que as dietas livres, baseadas em grande quantidade de carboi-dratos complexos, fibras e água, e baixa quantidade de gordura, têm apresentado melhores resulta-dos que as dietas com determinações calóricas fixas. Outra constatação freqüente é que a realizaçãode duas ou menos refeições diárias propicia períodos de jejum prolongado, que favorecem episódiosde compulsão, a busca por alimentos prontos de alto teor calórico e podem gerar redução compen-satória do metabolismo basal.

A capacidade de reconhecer as diversas variáveis que participam na gênese da obesidade écondição primária no seguimento terapêutico e preventivo. A análise integrada da estruturaçãosocioeconômica, comportamental, familiar, cultural e religiosa do indivíduo pode auxiliar na com-preensão dos desafios e na elaboração de estratégias de tratamento da obesidade. Diversas técni-cas de mudança comportamental podem ser sugeridas ao paciente (Tabela 9.12). Muitas vezespode ser necessário um acompanhamento psicoterápico especializado.

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Os órgãos governamentais e as associações profissionais da área da saúde devem realizarmobilizações com o intuito de determinar diretrizes para a prevenção da obesidade. Propostasincluiriam a regulamentação de clínicas e programas de tratamento da obesidade, do controle depropagandas comerciais envolvendo produtos para emagrecer, de controle da distribuição e pres-crição de medicamentos antiobesidade e acompanhamento das informações transmitidas por gru-pos de auto-ajuda. Alimentos ricos em gorduras e açúcares simples receberiam uma carga tributáriamais elevada, além de restrições quando à propaganda comercial, enquanto produtos saudáveisteriam incentivos fiscais, exigindo-se também de restaurantes a oferta de opções com baixa densi-dade de calorias. A indústria alimentícia seria responsável pela confecção de rótulos com informa-ções completas, fidedignas e padronizadas do produto, tornando-se de fácil compreensão para apopulação leiga, sendo supervisionada pelos órgãos competentes de saúde. Os órgãos de adminis-tração pública poderiam participar através da construção de áreas reservadas para o lazer e práti-cas esportivas, ciclovias, aumento da qualidade e das horas dedicadas à educação física em escolase facilidades para a terceira idade, incluindo grupos de apoio, supervisionados por diversos profis-sionais, como tem sido implantado em diversos hospitais e centros universitários. Outras medidasincluiriam a inclusão curricular dos conceitos básicos de nutrição em escolas e universidades,

Tabela 9.12Técnicas de Mudança Comportamental

• Registros diários da alimentação (qualidade, quantidade e horário)• Comer em ambiente adequado, sem distrações com leitura, computadores e televisão• Comer lentamente, mastigando bem e abaixando os talheres à mesa a cada garfada• Identificar e evitar os fatores que induzem a alimentação excessiva• Montar o prato individual e não deixar travessas ou panelas à mesa• Evitar comer alimentos diretamente de pacotes ou sacos de embalagem• Levantar da mesa ao terminar a refeição e evitar longas conversas à mesa• Utilizar copos, pratos e talheres de menor tamanho• Evitar um número excessivo de refeições no dia, que favorecem o excesso calórico• Não ficar longos períodos em jejum• Ir alimentado para festas, reuniões e eventos comemorativos• Buscar programas ativos de lazer que não envolvam alimentação• Evitar locais propícios a excessos (fast foods, rodízios, buffets, lojas de conveniência)• Não ir ao supermercado com fome e levar lista de compras, com dinheiro contado• Ler atentamente os rótulos dos alimentos• Deixar disponíveis alimentos de baixas calorias para períodos de compulsão• Não usar as crianças como desculpa para comprar alimentos não saudáveis• Evitar testes de novas receitas com muitas calorias• Evitar pesar todos os dias e, quando fazê-lo, utilizar balanças bem calibradas• Evitar variações bruscas de peso e manter metas realistas• Registros diários da atividade física (tipo, horário e intensidade)• Subir escadas em vez de elevadores e escadas rolantes• Pintar a casa, cortar a grama, lavar o carro, em vez de pedir a terceiros• Ocupar o tempo ocioso com atividades manuais• Restringir o tempo gasto em frente a televisores e computadores• Procurar ajuda e apoio de amigos, colegas e familiares• Ocupar os pensamentos com outras idéias além de calorias, dietas, gordura...• Utilizar métodos e terapias de relaxamento• Exigir respeito pelos outros e saber dizer não• Elevar a auto-estima, ignorar comentários negativos e valorizar as conquistas• Aprender a lidar com frustrações, ansiedade e depressão• Não desanimar com falhas ocasionais, que são normais para qualquer um• Participar em grupos de apoio

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acompanhada de melhorias na qualidade alimentar de cantinas e lanchonetes. As palestras dirigi-das a grupos comunitários e empresas poderiam contar com o incentivo de empresários, conscien-tizando-os sobre o excelente retorno financeiro após implementação de dietas saudáveis e atividadefísica no ambiente de trabalho, aumentando a disposição e a resistência física, e diminuindo asfaltas no trabalho.

Inúmeros estudos têm constatado uma eficácia maior das medidas de prevenção da obesidadeem crianças, quando comparadas a adultos, tanto em curto como longo prazo. Inclusive, estudoscom participação familiar demonstraram melhores resultados na redução do peso dos filhos com-parados aos seus pais. Considerando que crianças obesas apresentam um risco relativo de se torna-rem adultos obesos entre 5 e 7 vezes superior às crianças não-obesas, a necessidade de um enfoquedos órgãos públicos na prevenção e tratamento precoces da obesidade deve ser encorajada. Umestudo australiano de 2 anos demonstrou uma clara redução do percentual de gordura em criançassubmetidas à atividade física diária, com duração de 50 minutos, enquanto o aproveitamento inte-lectual não sofreu variação, quando comparado a crianças sem atividade física e com maior cargahorária em sala de aula.

A prescrição de fármacos, para o tratamento da obesidade, deve obedecer a indicações preci-sas, sempre prescritas e supervisionadas por médicos habilitados. Considera-se o uso de medica-mentos antiobesidade em indivíduos com IMC superior a 30, ou com IMC superior a 25 associadoa fatores de risco cardiovascular, ou quando o tratamento convencional não tenha obtido êxito,embora esta última indicação seja motivo de controvérsia pelo seu aspecto subjetivo. Quando seopta pelo uso de medicamentos presume-se que todos os outros métodos foram cumpridos e semostraram insuficientes. Assim sendo, o tratamento medicamentoso deve ser administrado portempo indefinido, como ocorre com outras doenças crônicas, como a hipertensão arterial, o DM eas dislipidemias. Embora partindo de um raciocínio lógico, o aspecto crônico do tratamento daobesidade foi muito pouco pesquisado pelos laboratórios farmacêuticos e centros de pesquisa,visto que a maioria dos estudos com fármacos antiobesidade se estenderam por no máximo 2 anos,quando a experiência clínica demonstra que os pacientes podem recuperar o peso original após 5anos de tratamento.

A escolha do medicamento deve ser criteriosa, de forma a garantir o efeito redutor sobre asreservas de tecido gorduroso, poupando ao máximo os outros tecidos e as reservas hídricas. De-vem existir trabalhos em revista de elevado impacto científico e um tempo de uso da droga sufi-ciente para garantir sua segurança, respeitando-se as contra-indicações específicas, conhecendo-seas ações farmacológicas, a tolerabilidade em longo prazo, as interações medicamentosas e ospossíveis efeitos adversos. Os medicamentos antiobesidade atuam de diversas maneiras, modulan-do os centros regulatórios da fome e da saciedade no sistema nervoso central, estimulando a ter-mogênese ou inibindo a absorção intestinal de gordura. Atualmente dispomos de diversas classesterapêuticas, incluindo drogas: catecolaminérgicas (femproporex, anfepramona, mazindol e fenil-propanolamina), serotoninérgicas (sertralina, fluoxetina), serotoninérgicas/catecolaminérgicas (si-butramina), termogênicas (efedrina, cafeína, aminofilina), antidiabéticas (metformina) e inibidorasda lipase (orlistat).

Reduções exageradas de peso, seja pelo abuso de medicamentos ou pelas dietas extremamen-te restritivas, podem induzir alterações metabólicas bruscas, redução importante da massa muscu-lar e/ou deficiências vitamínicas. Idosos merecem cuidado especial no ajuste de doses de medicaçõesrotineiras, como antidiabéticos, anti-hipertensivos, hormônios tireoidianos, psicotrópicos, anti-convulsivantes, entre outros, que dependem do peso corporal. Além disso, algumas medicaçõespodem induzir um aumento de peso e interferir com o tratamento da obesidade, como antidepres-sivos tricíclicos, carbonato de lítio, anticonvulsivantes, antipsicóticos, corticosteróides, progeste-rona, hipoglicemiantes orais e a insulina.

De uma maneira geral, maior ênfase deveria ser dada em condutas perenes de mudança dehábito, em vez de medidas temporárias e intempestivas de redução ponderal. O ideal é conciliar

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atividade física regular, leve redução calórica, restrição de gordura e açúcares simples, associadosou não a medicamentos, para garantir a perda de peso suave e gradual. Isto, no entanto, pode serinaceitável para muitos obesos, cujos conceitos sobre a doença ainda não estão firmados, podendoser necessário um acompanhamento psicológico complementar.

O fracasso no tratamento crônico da obesidade não deve ser encarado como inevitável, vistoque ele é freqüentemente a conseqüência de uma abordagem simplista e unifatorial da etiologia dadoença. Nem sempre o distúrbio está no indivíduo, mas sim no ambiente para o qual a sua genéticanão foi programada. O médico deve estimular, aconselhar e orientar, e nunca adotar o papel deinquisidor, visto que a maioria dos obesos não tem responsabilidade pela sua condição. As cirur-gias bariátricas por gastroplastia, colocação de anéis ou derivações gastrojejunais devem ser con-sideradas como alternativa de exclusão apenas para casos de obesidade mórbida que não obtiveramresultados satisfatórios por pelo menos 12 meses de tratamento convencional. Não podemos des-considerar que esta abordagem pode apresentar as mesmas complicações nefastas observadas comas dietas de muito baixas calorias, além dos riscos inerentes ao procedimento cirúrgico em umapopulação de alto risco operatório.

Por fim, o sucesso terapêutico não é somente a obtenção de um IMC normal, senão um con-junto de ações sobre a redução de mortalidade e morbidade, que podem ser atingidas mesmo comreduções de apenas 5% a 10% do peso inicial. Este sucesso, que via de regra se associa exclusiva-mente à idéia de fórmulas mágicas, de cirurgias curativas e de progressos milagrosos da biologiamolecular, pode ser também alcançado através de medidas simples de educação e apoio, que en-volvem maior comprometimento e motivação por parte do governo, da sociedade e dos profissio-nais da saúde.

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