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Karina Beringuy da Silva
OS ARQUÉTIPOS FEMININOS NOS CONTOS DE FADA – uma
leitura de Cinderela, A Bela Adormecida, Branca de neve e A
moça tecelã.
Rio de Janeiro
2002
DOCUMENTO PROTEGID
O PELA
LEI D
E DIR
EITO AUTORAL
2
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
OS ARQUÉTIPOS FEMININOS NOS CONTOS DE FADA – uma
leitura de Cinderela, A Bela Adormecida, Branca de neve e A
moça tecelã.
OBJETIVOS:
Estabelecer uma ligação entre os contos de fada e as
imagens arquetípicas femininas, construídas ao longo de
milhares de anos no inconsciente coletivo, e de como
essas imagens são importantes para estabelecer uma
ligação da mulher com o arquétipo que mais fala ou seu
inconsciente. Objetiva-se desenvolver uma narrativa
onde fique claro para o leitor que cada um dos contos
desenvolvidos trabalha com um tipo diferente de imagem
arquetípica feminina.
3
AGRADECIMENTOS
A todos os amigos que contribuíram com esse trabalho,
emprestando suas narrativas e suas histórias de fadas e
de vida, para que aos poucos eu fosse conseguindo
montar esse quebra-cabeça; aos professores que
sempre ofereceram o máximo de si. Ao Conte-reconte –
Contadoras de Histórias, que começou tudo; e a Deus
em primeiro lugar, que fez e faz com que tudo seja
possível.
4
DEDICATÓRIA
A Ricardo, pela paciência, dedicação absoluta, carinho e
amor com que me ajudou na realização deste trabalho e
em tantos outros aspectos da minha vida, principalmente
nos que dizem respeito ao coração e, sem o qual, eu
não teria conseguido identificar minhas próprias imagens
arquetípicas. E aos meus pais, que me permitiram
conhecer todos os contos de fadas e agüentaram todas
as minhas fases princesa desde “Cinderela”, até “A
moça tecelã”.
5
RESUMO
Este trabalho nasce com a idéia de desvelar o que existe por traz da
natureza feminina mais primitiva. Todas as histórias inseridas aqui são
histórias tão antigas que ninguém sabe ao certo quando começaram a ser
contadas.
Na verdade, onde e quando essas histórias começaram a ser
contadas não importa tanto para nós aqui, o que importa e faz muita
diferença para nós é – a forma como essas histórias atingem nosso
inconsciente. A forma como somos afetados por elas. É isso que teremos
dentro dessas cinqüenta e poucas páginas. Uma sucessão de contos e suas
respectivas leituras simbólicas, aliadas a idéia de transmitir uma carga
feminina a esses aspecto simbólicos.
A idéia do arquétipo feminino surge com um trabalho realizado com
um grupo de contação de histórias a mais de três anos. São quatro mulheres
que contam e cantam histórias e que ao longo do tempo, foram descobrindo
que uma história tem mais a cara de uma que de outra. Que uma outra
história não poderia nunca ser contada por aquela – não fazia parte dela.
Aos poucos foi se percebendo que determinadas histórias deveriam ser
contadas por uma determinada contadora, senão não convenceriam o
público. Algumas histórias pertenciam mais a uma que a outras. E então se
fez a fatídica pergunta: por que?
E pesquisando, descobriram-se as teorias Junguianas e o conceito
que faltava: o arquétipo. Aquela determinada história só poderia ser contada
por uma contadora específica por que de alguma forma aquela contadora
encarnava aquele personagem; por que de alguma forma ela dava vida a
ele.
Aconteceu então a idéia de fazer uma monografia juntando coisas tão
pertinentes ao contexto: arquétipos, mulheres e histórias. E aqui estamos.
6
METODOLOGIA
A metodologia utilizada se destina a estabelecer pontos de tangência
entre os conceitos de arquétipo e sua aplicabilidade de análise em contos de
fada que retratem de algum modo a natureza feminina, levando em
consideração experiências de cunho pessoal e teórico.
O desenvolvimento se dá passo a passo introduzindo primeiro a
questão da arteterapia e seu processo terapêutico, depois falando sobre os
arquétipos, e por fim sobre os contos de fadas e os arquétipos femininos
contidos neles.
A proposta deste trabalho é concentrar um volume de informações
suficiente para que possamos entender como o arquétipo e o símbolo são de
fundamental importância para o desenvolvimento da psique, e como as
figuras femininas aparecem nesses contos revestidas de tantas
possibilidades, quando de versões para as histórias de fadas.
É importante ressaltar que um prévio conhecimento dos temas em
questão seria interessante para a compreensão mais abrangente do tema,
mas que uma consulta aos livros identificados na bibliografia podem resolver
qualquer problema que possa vir a ocorrer.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
SOBRE ARTETERAPIA 12 SOBRE ARQUÉTIPOS 15 SOBRE CONTOS DE FADAS 20 CONCLUSÃO 48 BIBLIOGRAFIA 50 ÍNDICE 52
8
Conta um mito grego que há três deusas irmãs,
denominadas as Moîras que personificam o destino.
Seus poderes são de tal forma inquestionáveis que nem
mesmo os deuses as podem inquestionáveis que nem
mesmo os deuses as podem contrariar sem que isso
coloque em perigo a ordem universal.
Donas incontestes do destino do homem, as três Moîras,
cumprem impassíveis, cada uma a sua função:
Cloto – a fiandeira – segura o fuso e vai puxando o fio da
vida do homem a partir de seu nascimento;
Láquesis – a sorteadora – enrola o fio da vida e sorteia o
momento da morte; e
Atròpos – a inflexível – corta o fio da vida no momento
certo.
Quando Cloto escolhe fios de cores suaves para colocar
no fuso, os dias são felizes e amenos, mas quando ela
escolhe tecer com fios escuros, os dias se tornam tristes
e pesados.
9
1 INTRODUÇÃO
“Era uma vez”. A maior parte das histórias que conhecemos, e
principalmente os conto de fada começam assim: Era uma vez. Por que?
Esse trabalho não tem como objetivo principal resolver essa questão, mas
por quê a ausência do era uma vez faz algo não conectar em nossas vidas.
Por que precisamos da narrativa do conto para estabelecer paralelos com
nossa própria vida?
As dificuldades deste trabalho foram inúmeras. A primeira delas foi que,
com a experiência de contadoras e colecionadora de histórias; e de amante
dos contos de fadas, a idéia de escolher apenas um conto para colocar aqui
com a função de ilustrar a imagem arquetípica, se avistava para mim como
algo impossível – e foi. Tanto que encontraremos no decorrer do trabalho
três contos de fada clássicos (Cinderela, A Bela Adormecida e Branca de
Neve) e um que determinei de um conto de fadas moderno (A moça tecelã).
A idéia principal de caracterizar apenas os arquétipos e especificá-los
foi perdendo território, para a idéia de revelar no texto a relação dessas
figuras femininas com a sua saga, com a sua própria história.
Impressionante é que tanto os contos contados e recontados por gerações,
quanto o moderno conto, tem uma estrutura narrativa e simbólica muito
semelhantes.
A forma como a mulher é abordada nesses contos, aparecendo em
forma de donzela ou em forma de bruxa é recorrente. Figuras arquetípicas
presentes no nosso imaginário e que certamente já foram absorvida por
qualquer mulher em algum momento de sua vida, seja na infância, na
adolescência ou, na fase adulta. Percebemos então que as imagens
arquetípicas continuam as mesmas apesar do passar dos anos.
10
Trataremos aqui da questão do arquétipo e fundamentalmente, do
arquétipo feminino nos contos de fadas. O que existe de tão profundo
nesses contos que faz com que meninas esperem anos a fio por seu
príncipe encantado, ou encarnem a Borralheira, e acreditem que serão
sempre submetidas ou jugo das irmãs e da madrasta má? Porque essas
estruturas arquetípicas continuam tão arraigadas em nosso inconsciente que
permanecem fazendo sentido para nós? De acordo com Marie Louise von
Franz;
“Contos de Fadas são a expressão mais pura e mais
simples dos processos psíquicos do inconsciente
coletivo. Conseqüentemente, o valor deles para a
investigação cientifica do inconsciente e sobejamente
superior a qualquer outro material. Eles representam os
arquétipos na sua forma mais simples, plena e concisa.
Nesta forma pura, as imagens arquetípicas fornecem-
nos as melhores pistas para compreensão dos
processos que se passam na psique coletiva”1
Para uma melhor compreensão, falaremos da arteterapia, uma vez
que os contos são usados como uma forma importante de ponte para o
inconsciente, e muito utilizados no processo da arteterapia. Depois
trataremos da questão dos arquétipos. O que são. Como se desenvolvem.
Qual a sua importância para nós. E como aparecem nos contos de fada.
Após isso, trataremos dos contos de fada e de seu desenvolvimento no
decorrer do tempo, utilizando os contos para marcar a presença do arquétipo
feminino nestes.
É obvio que não responderemos a todas as perguntas, mas
descobriremos que nem sempre o mais importante é obter as respostas.
1 FRANZ, Marie-Louise von. A Interpretação dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981 p. 15
11
Quando começamos a fazer as perguntas já estamos dando um grande
passo para a solução tanto dos contos quanto de nossa própria alma.
12
2 SOBRE ARTETERAPIA
Para falar sobre o início da arte com uso terapêutico (arteterapia),
utilizaremos um artigo extraído de um periódico da Universidade Cândido
Mendes:
“Tem-se conhecimento do uso terapêutico da arte nas
civilizações gregas mais antigas. Porém, a arte como
profissão Arte Terapia é de uso recente, data de
aproximadamente 30 anos.
No final do século XIX renomados psiquiatras europeus
demonstraram interesse nas produções plásticas dos
pacientes internados em hospitais psiquiátricos,
produzidas em oficinas de terapia ocupacional. Os
psiquiatras Kraepelin e Bleuler, conhecidos mestres da
psiquiatria, mencionaram e valorizaram a arte no
processo terapêutico. Na Alemanha, o psiquiatra
Prinzhorn (1922) enfatizou o papel da arte em relação ao
tratamento de doentes mentais, sugeriu que a alma
sofrida deveria ter acesso ao remédio da arte natural e
vital e acesso a imaginação “. No Brasil a psiquiatra Nise
da Silveira fundou o Museu da imagem e do
inconsciente, sendo pioneira no uso da arte como
processo terapêutico.
Após ter sido utilizada no passado como atividade
secundária e acessória no tratamento em hospitais
psiquiátricos europeus e norte-americanos, a arte como
terapia, Arte Terapia, tem hoje uma presença marcante
nos estudos e utilização prática por arte terapeutas de
vários países”2.
2 A Arteterapia através do tempo. Comunicandido, Rio de Janeiro, julho .2002. p.2
13
E ainda quanto ao saber relativo ao arteterapeuta a autora do artigo nos diz
o seguinte:
“A arte terapia utiliza conhecimentos das áreas da
psicologia e das artes plásticas. Porém sua prática, sua
metodologia e fundamentação teórica estão se
estruturando em um saber próprio, com formação
específica.
O processo arte terapêutico viabiliza o fazer criativo, o
crescimento interior, solidifica a relação do indivíduo
consigo mesmo e com uma linguagem artística. Este
processo acontece através do lidar com diferentes
modalidades expressivas, (...) Cabe ao terapeuta o papel
de guia, pois a forma como ele conduz o indivíduo ao
processo de criação e a “posterior” leitura de sua obra,
vai ser um fator relevante na relação que se desenvolve
entre ele e seu cliente, entre este e sua produção
plástica (sua arte) e seu estar no mundo.”3
Dessa forma, pudemos observar que ainda existe muito que se explorar
no que tange a arteterapia. Apesar de ser uma linguagem recente no Brasil e
que enfrentou algumas restrições por parte da própria comunidade
terapêutica, a arteterapia, sem dúvida trabalha com riquíssimas
possibilidades já que a arte, é inerente ao ser humano e este tem produzido
arte a milhões de anos, consciente ou inconscientemente.
A arteterapia é composta de inúmeras expressões artísticas. Dentre elas
podemos destacar: a dança, o teatro, a música, a expressão corporal, a
literatura (ou apenas textos soltos e, até mesmo palavras), o uso de imagens
da História da Arte ou de fotografias e as artes plásticas. No que tange as
artes plásticas, podem ser abordadas inúmeras técnicas, tais como:
colagem, pintura, escultura, modelagem, instalações, desenho etc. E, dentro
dessas técnicas, é ainda mais ampla a possibilidade de materiais que podem
3 ibid., p.2
14
ser utilizadas, podendo destacar: lápis (de cor, (aquareláveis, de cera), giz
de pastel seco ou oleoso, massinha, papier maché, argila, inúmeros tipos
diferentes de papel, vários tipos de fios e linhas, retalhos, contas coloridas,
tintas (guache, acrílica, óleo), aquarela, fitas e qualquer outro material que
permita ao homem a criação. “Essas atividades têm em comum a
objetivação da representação visual do domínio figurativo a partir da
transformação da matéria” (PAÏN, 1996, p.9).
Então, o que diferenciaria o artista que transforma a matéria e produz
um objeto artístico de uma pessoa que se submete ao processo terapêutico
que a arteterapia propõe e que também transforma a matéria? Na
arteterapia existe um atribuir simbólico. Ao contrário do artista que pensa e
executa, no processo terapêutico o que ocorre é o inverso – executa-se e
depois se reflete sobre o objeto. Procurando-se a atribuição de valor
simbólico a produção.
É obvio que muitas das obras de arte que conhecemos provavelmente
também foram primeiro produzidas e depois refletidas. Mas o modus
operandis do artista (que tem um domínio pleno da técnica que está sendo
utilizada) é diferente de um indivíduo sendo submetido a uma terapia onde, o
objetivo máximo é deixar fluir o inconsciente por meio da expressão artística,
seja ela plástica ou não.
15
3 SOBRE OS ARQUÉTIPOS.
A idéia central deste trabalho consiste em relacionar imagens
arquetípicas femininas e sua relação com os contos de fadas. Portanto,
definir arquétipos se torna fundamental. Utilizaremos aqui para introduzir a
questão arquétipo, palavras de Nise da Silveira que nos diz que (...)
“arquétipos são possibilidades herdadas para representar imagens similares,
são formas instintivas de imaginar. São matrizes arcaicas onde
configurações análogas ou semelhantes tomam forma”. (SILVEIRA, 1994,
p.79).
Quando falamos de contos de fadas e suas imagens arquetípicas,
estamos falando de matrizes arcaicas de figuras que povoaram o
inconsciente popular no passado e continuam a povoar atualmente. Mesmo
em culturas remotas, onde não haveria a menor possibilidade de contato
entre elas seja pelo tempo, seja pela distância, veremos que muitos
personagens de contos de fada irão aparecer com uma mesma história e
uma mesma estrutura de personalidade, que irão se adequar ou ao meio, ou
ao período histórico, mas não perderão o fio condutor de sua narrativa. Para
falar de imagens arquetípicas, utilizaremos a seguinte citação:
(...)”o arquétipo funciona como um módulo de
concentração de energia psíquica. quando essa energia,
em estado potencial, se atualiza, toma forma, então
teremos a imagem arquetípica. Não poderemos
denominar essa imagem de arquétipo, pois o arquétipo é
unicamente uma virtualidade.”4
Essas imagens pertencem ao nosso interior, a nossa estrutura de
pensamento desde os tempos mais remotos até os dias atuais. Qual a
menina que não pensa em esperar o príncipe encantado? Ou se depara com
4 SILVEIRA, Nise da. Jung – vida e obra.14ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra,1994. p. 80-81
16
a figura da bruxa no decorrer de sua vida? Assim como qual a menino que
não quer ser um herói como Hércules ou não crescer nunca como Peter
Pan? Estas imagens continuam permeando nosso imaginário porque
inconscientemente fazem um grande sentido para nós, porque nos
baseamos nelas para construir nosso ego.
“A noção de arquétipos, postulando a existência de uma
base psíquica comum a todos os seres humanos,
permite compreender por que em lugares e épocas
distantes aparecem temas idênticos nos contos de
fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas
artes, na filosofia, nas produções do inconsciente de um
modo geral – seja nos sonhos de pessoas normais, seja
em delírios de loucos.”5
Esse acontecimento, aparentemente inexplicável de repetições
aparentemente impossíveis de acontecer com a estrutura da narrativa dos
contos, Jung chamará de inconsciente coletivo: “Enquanto o inconsciente
pessoal é composto de conteúdos cuja existência decorre de experiências
individuais, os conteúdos que constituem o inconsciente coletivo são
impessoais, comuns a todos os homens e transmitem-se por
hereditariedade.” (SILVEIRA, 1994, p.79)
E como se originariam esses arquétipos? Como eles apareceriam tão
freqüentemente dentro das culturas mais diversas? Como explicar tantas
Cinderelas de origens e etnias tão diferentes? Ou tantas versões diferentes
para Chapeuzinho Vermelho?
Nise da Silveira comentará este fato utilizando as seguintes palavras:
“Resultariam do depósito das impressões superpostas
deixadas por certas vivências fundamentais, comuns a
todos os seres humanos, repetidas incontavelmente
5 ibid. p. 81
17
através de milênios.(...)Seriam disposições inerentes à
estrutura do sistema nervoso que conduziriam à
produção de representações sempre análogas ou
similares.(...), existiriam tendências herdadas para
construir representações análogas ou semelhantes.” 6
Ou ainda, no que tange a transformação dessa energia psíquica, no
referente a essa diversidade de possibilidades de imagens arquetípicas, ela
nos dirá o seguinte:
(...) Mas a prova da transformação de energia psíquica
em imagens nos é dada todas as noites nos nossos
próprios sonhos, quando personagens conhecidas os
estranhas surgem das profundezas para desempenhar
comédias ou dramas em cenários mais ou menos
fantásticos.”7
A grande questão do estudo dos contos de fada é que eles são
essenciais por que “delineiam a base humana universal ” (FRANZ, I990, p.
39). As imagens arquetípicas dos contos de fada são muito mais acessíveis
e chegam muito mais facilmente os ouvidos e ao coração porque podem
sempre ser revestidos de uma outra carga cultural. Ao contrário dos mitos,
que pertencem a uma determinada cultura e se tirados daquele contexto,
não fariam sentido por estarem carregados de uma estrutura sócio-cultural
muito forte, os contos de fadas, não estão atrelados a nenhuma cultura
específica sendo encontrados nas mais diversas culturas revestidos com um
outro contexto social, étnico ou temporal.
“Segundo Jung, as concepções de cada arquétipo são,
na sua essência, um fator psíquico desconhecido, e por
isso não há possibilidades de traduzir seu conteúdo em
6 ibid. p.80 7 ibid. p.81
18
termos intelectuais. O melhor que podemos fazer é
circunscrevê-lo com base em nossa própria experiência
psicológica e a partir de seus estudos comparativos,
trazendo à luz toda a rede de associações às quais as
imagens arquetípicas estão interligadas exatamente
como aparecem.” 8
Outro aspecto importante que deve ser observado é que os contos de
fada ao contrário dos mitos não pertencem a nenhuma civilização específica
eles simplesmente surgem no imaginário coletivo, por isso são muito melhor
absorvidos por diferentes culturas e por isso são recursos muito utilizados no
processo terapêutico e dentro do atendimento feito por arteterapeutas. Marie
Louise von Franz deixa isso muito claro no relato que se segue:
O estudo dos contos de fadas é essencial para nós, pois
eles delineiam a base humana universal. Eles são
especialmente importantes quando se analisa pessoas
do outro lado do mundo; se um hindu ou um australiano
chega ao seu consultório, e se você estudou apenas
alguns mitos, será difícil lançar uma ponte humana até
esse homem. Se, entretanto, o analista conhece as
formas humanas básicas, ele será capaz de contata-lo.
Eu ouvi, certa vez, um missionário das Ilhas dos Mares
do Sul dizer que a maneira mais simples de entrar em
contato como os habitantes de lá era contando-lhes
contos de fadas. É uma linguagem que todos entendem.
Se ele houvesse contado a história de algum grande
mito, não teria tido tão bons resultados. Ele tinha que
usar o material básico em sua forma mais simples,
porque esta é a expressão da estrutura mais geral, e ao
mesmo tempo mais básica do ser humano. Isto também
se deve ao fato de o conto de fadas estar além das
8 FRANZ. op. cit. P.15
19
diferenças culturais e raciais, podendo assim migrar
facilmente se um país para outro. A linguagem dos
contos de fadas parece ser a linguagem internacional de
toda a espécie humana – de idades, raças e culturas.9
9 FRANZ. op. cit. p.38.
20
4 SOBRE OS CONTOS DE FADA.
A importância das histórias para a vida é fundamental. É Por meio delas
que temos o primeiro contato com o mundo sobrenatural, é com elas que
viajamos para reinos distantes, matamos dragões, visitamos palácios e
castelos; conhecemos gênios, bruxas, heróis, ou a “fada que nenhum
homem viu10”. É por meio dela que temos o início do nosso processo de
sociabilização e aprendemos a lidar com o impossível e com o mágico
O mito grego acima nos mostra como seres mágicos sempre povoaram
o imaginário popular de forma aliviar a aridez da vida cotidiana. A fantasia
impulsiona o homem a procurar respostas, e mais que isso, a fazer
perguntas. E por quê utilizarmos a física ou a matemática para resolver
todos os problemas se é possível criar soluções mágicas para as
adversidades, se podemos dar uma solução criativa para aquilo que nos
atormenta ou incomoda. É isso que a humanidade tem feito através dos
tempos, e é por isso que os contos de fadas têm sua permanência
assegurada até o esmorecer da raça humana. Porque eles garantem a
nossa ligação com os deuses, eles dão respostas em campos onde muitas
vezes a ciência falha e, principalmente, pela carga simbólica que é absorvida
pela nossa psique e que garante a permanência dos arquétipos recorrentes
que são tão antigos quanto a própria existência humana,
Às vezes se encontram histórias muito parecidas, em lugares muito
distantes. seus enredos se repetem em diferentes culturas. Jung vai
identificar isso e atribuir ao inconsciente coletivo. Nise da Silveira em seu
livro Jung – Vida e Obra nos diz que: “O inconsciente coletivo funciona, na
interpretação psicológica, como o denominador comum que reúne e explica
numerosos fatos impossíveis de entender, no momento atual da ciência,
sem sua postulação”(SILVEIRA, 1994, P.79).
10 Refere-se ao conto africano O Baú de histórias, onde Anansi, o homem aranha, deve levar para Umboro – o rei dos céus – três prendas em troca de todas as histórias do mundo. Dentre essas prendas está Moatcha – a fada que nenhum homem viu.
21
Todos os contos de fadas têm finais felizes e sempre apresentam a
busca da felicidade, do amor, da riqueza etc. Existem sempre dificuldades
para serem vencidas. Eles continuam vivendo porque mexem com a nossa
imaginação e nossos sentimentos. Sempre ficamos torcendo pela vitória dos
personagens bons sobre os maus e vivendo com eles as dificuldades
encontradas, absorvendo aquilo que precisamos naquele momento de
nossas vidas, seja na infância ou na vida adulta – sempre extraímos algo de
alguma história ainda que ela não seja um conto de fadas. As histórias
sempre têm muito a dizer, ainda que nós não saibamos que precisamos
ouvir, existe sempre algo a falar à mente ou ao coração .
Nem todos os contos de fadas têm fadas – elas são criaturas
fantásticas, vivem na fantasia, assim como os gnomos e os duendes, que
estão no folclore de muitos países, principalmente nas zonas rurais. Dizia-
se que elas eram espíritos, anjos decaídos, sobreviventes de uma raça
extinta. Achava-se que tinham pouca simpatia pelos humanos e que
estavam sempre dispostas a se vingar de quem as ofendesse. Os
camponeses a chamavam de “boa gente” em sinal de respeito. (Warner,
1999, p. 13)
Depois de existirem muito tempo como histórias orais, os contos de
fadas começaram a ser escritos. Perrault, no final do século XVII (1697),
publicou os Contos da Mamãe Gansa, onde apareceram, pela primeira vez,
histórias conhecidas até hoje, como Cinderela, Bela Adormecida,
Chapeuzinho Vermelho, O gato de Botas, Barba Azul etc. No século XIX, os
Irmãos Grimm recolheram contos de fadas tradicionais junto com velhas
pessoas que os sabiam e escreveram esses contos, fazendo muito sucesso.
Em seguida, muitos outros pesquisadores também começaram a ouvir
histórias do povo e escreveram.
Mas a face que verdadeiramente nos interessa dos contos de fadas
aqui é aquela que aborda os contos e sua linguagem simbólica e,
22
incisivamente, aquela que aborda a linguagem simbólica quanto à
representação arquetípica feminina.
4.1 CINDERELA – A MULHER QUE ESPERA
4.1.1 A História
Um homem ficou viúvo e, tendo uma filha para acabar de criar, decidiu
se casar de novo. Escolheu então uma mulher grosseira e convencida, mãe
de duas meninas tão rudes e presunçosas quanto ela e em tudo contrarias à
orfãzinha, que era a criatura mais doce do mundo.
Mal se instalaram na casa do viúvo, mãe e filhas se dedicaram a
atormentar a pobre menina. Tratavam-na com maus modos, não admitiam
que vestisse outra coisa alem de trapos velhos e a obrigavam a trabalhar
com uma escrava. O único lugar onde a coitadinha conseguia encontrar um
pouco de paz era o cantinho ao lado do fogão, junto às cinzas. Por isso a
madrasta e suas filhas caçoavam dela e a chamavam de Cinderela.
Anos depois o rei daquele país organizou uma festa que se duraria
uma noite inteira, e convidou todos os aristocratas.
A perspectiva de se exibir no palácio empolgou as irmãs de Cinderela,
que passavam horas experimentando roupas, sapatos, jóias, penteados...
Naturalmente quem corria de um lado para o outro para atende-las era a
filha do viúvo, que, apesar de nunca reclamar de suas exigências e servi-las
sempre com gentileza, só recebia repreensões em vez de agradecimentos.
Quando as duas irmãs finalmente conseguiram caber em seus vestidos
novos e saíram, Cinderela foi para o seu cantinho perto do fogão, baixou a
cabeça e chorou.
De repente, ao erguer o rosto para enxugar as lágrimas, deparou-se
com uma velha senhora de sorriso bondoso eu trazia uma varinha na mão.
Dizia ser sua fada madrinha e após saber o motivo da tristeza da jovem - o
fato de não poder ir ao baile como as irmãs – mandou que esta fosse até o
23
quintal e pegasse uma abóbora e a trouxesse até sua presença. A fada
madrinha tocou a abóbora com a sua varinha mágica e esta se transformou
em uma carruagem dourada. Depois tocou seis ratinhos que estavam em
uma ratoeira e os transformou em elegantes cavalos; e em uma ratazana
que se transformou em um gorducho cocheiro; e finalmente pediu a afilhada
que fosse no quintal e pegasse seis lagartixas que estavam atrás do
regador, que foram transformadas, ao toque da varinha, em lacaios e pajens.
Por fim tocando com a varinha mágica os trapos sujos que a moça
vestia, estes se transformaram num rico vestido de fios de ouro e prata,
bordados de perolas, e substituiu seus chinelos rotos por reluzentes
sapatinhos de cristal.
Então, acompanhou a moça até a carruagem recomendando-lhe que
saísse da festa antes de soarem doze badaladas da meia noite, pois depois
disso tudo voltaria a ser como antes.
Prometendo não esquecer de suas palavras de aviso, Cinderela rumou
para o palácio, onde atraiu todas as atenções, especialmente a do príncipe,
filho do rei. Indiferente aos comentários, Cinderela dançou com o príncipe o
tempo todo se distraindo a tal ponto que só ouviu o relógio da torre quando
soou a primeira badalada da meia noite. Então, assustada, saiu correndo,
sem se despedir e correu para a carruagem. O príncipe a seguiu, mas em
seu rastro encontrou apenas um sapatinho de cristal. Perguntou aos guardas
se viram a princesa, porem eles responderam que por ali só passara uma
moça esfarrapada, rápida como uma flecha.
Enquanto isso, Cinderela corria para casa, sem carruagem, nem
cocheiro. Tudo o que lhe restara do esplendor daquela noite era um
sapatinho de cristal.
Perdidamente apaixonado, o príncipe anunciou que se casaria com a
jovem que conseguisse calçar o reluzente sapatinho. E foi pessoalmente
experimenta-lo em toda donzela do reino, sem encontrar sua legítima dona.
Por fim chegou à casa do viúvo. As duas irmãs tentaram a todo o custo
enfiar o pé no delicado sapato, mas não conseguiram.
Questionadas se não havia mais nenhuma moça naquela casa pelo
príncipe, já meio sem esperanças, responderam que se ele considerasse
24
uma maltrapilha imprestável que vivia junto as cinzas de um fogão com uma
moça, que havia sim. O príncipe ordenou que a chamassem, o que as irmãs
fizeram muito a contragosto.
E Cinderela calçou o sapatinho, que lhe coube como uma luva. Vendo-
a de pé, na sua frente, suja e esfarrapada, o príncipe ainda assim a
reconheceu como a moça elegante que conquistara para sempre o coração.
Alguns dias depois, Cinderela se casou com o príncipe e, como era
uma jovem de bom coração, perdoou suas irmãs e as convidou para morar
no palácio, onde mais tarde se uniriam a dois fidalgos da corte.
4.1.2 A Interpretação.
Cinderela, ou Borralheira, ou A Gata Borralheira, ou Aschenputtel.
Este conto é provavelmente a que possui o maior numero de versões e
talvez a mais conhecida história do mundo. Tem um atrativo especial porque
fala tanto para os meninos quanto para as meninas; é uma história que fala
da rivalidade fraternal: (...) “é uma história onde são vivenciados os
sofrimentos e as esperanças que constituem essencialmente a rivalidade
fraternal, bem como a vitória da heroína humilhada sobre as irmãs que a
maltrataram.”(...).(BETTELHEIM, 2002, p.277)
Cinderela perde a mãe e seu pai, então viúvo casa-se novamente
com uma mulher grosseira e convencida mãe de duas meninas rudes e
presunçosas. A história descrita acima é uma versão reduzida da narrativa
desenvolvida por um nobre francês do século XVI, utilizada por ele para
entreter as damas da corte. Contudo recebemos a informação de como são
a madrasta e as meio-irmãs de Cinderela.
Nesta versão Cinderela faz de tudo par agradar as irmãs e a
madrasta, mas ainda assim é tratada com indelicadeza. Cinderela – a
mulher que espera; quanto ela terá que suportar até se ver livre de tamanho
sofrimento? Quantas vezes em nossas vidas nos sentimos sufocados por
acontecimentos que nos jogam nas cinzas, no borralho. A rivalidade fraternal
25
aqui é lançada sobre a menina aponto dela viver entre as (...) “a madrasta
sacrifica os interesses de Borralheira em favor das irmãs; deve executar os
trabalhos mais sujos e mesmo fazendo-os bem, não é aceita por eles; só lhe
fazem mais exigências.” (...) (BETTELHEIM, 2002, p.278)
Existe uma outra questão envolvendo os elementos cinzas e borralho.
Cinzas são consideradas o produto final do fogo um elemento purificador,
então, cinzas estarão associadas a algo limpo, já borralho é o produto sujo
do fogo, contendo uma grande quantidade de impurezas.
Em seu livro “A psicanálise nos contos de fadas”, Bruno Bettelheim
estabelece uma comparação entre Cinderela e as virgens Vestais Romanas
– guardiãs do fogo sagrado, responsáveis por mante-lo acesso – ou mesmo
tempo em que possuíam uma posição de prestigio entre os cidadãos
romanos. Quando dizemos que a menina vivia entre as cinzas, podemos
estar atribuindo a ele características quase que sagradas. “Assim, ser
inocente, puro , e ser guardião do fogo significam a mesma coisa nas
conotações antigas. (BETTELHEIM, 2002, p. 295)
Quando as irmãs vão a festa e negam a Cinderela que ela também vá
a rivalidade fraternal fica ainda mais acirrada. Uma fada aparece então para
possibilitar a ida de Cinderela ao baile. Essa fada pode ser considerada
simbolicamente como uma imagem materna, já que em algumas versões a
fada surge dentro de um tronco de árvore planta por Cinderela no túmulo da
mãe. Então, utilizando uma abóbora, e alguns animaizinhos a fada-madrinha
concede o desejo de sua afilhada.
A transformação de animais considerados sujos em empregados pode
ser considerado um símbolo de sublimação de seus interesses fálicos
enquanto ela amadurece.
Cinderela vai ao baile, mas deve retornar antes da meia noite, porque
nesse momento o feitiço será desfeito. E no momento de saída perde um de
26
seus sapatos que são a chave entre ela e o príncipe, será a forma que ele
utilizará para encontrá-la.
Cabe ressaltar que no oriente, especialmente no Japão, pés
pequenos eram considerados sinais de beleza extrema a ponto de as
mulheres enfaixarem seus pés desde criança para que esses não
crescessem. Aqui os pés de Cinderela também sinalizam beleza porque as
irmãs fazem de tudo para tentar calçá-los, mas não conseguem. Apenas os
pés de Cinderela recebem o sapato sem maiores esforços e o príncipe
então, se descobre diante da mulher amada. No final, Cinderela renasce
das cinzas como a fênix mítica.
4.2 A BELA ADORMECIDA – A MULHER FADADA.
4.2.1 A História
Era uma vez uma vez um rei e uma rainha que queriam muito ter um
filho, mas precisaram esperar anos e anos para que seu desejo se
realizasse. Ficaram felicíssimos quando finalmente tiveram uma menina e
convidaram sete fadas para madrinhas. Sabiam que cada fada presentearia
a criança com um dom, e, assim sua filha seria a princesa mais perfeita do
mundo.
No banquete que celebrou o batizado as sete fadas se sentaram à
mesa, e tendo cada uma um prato, uma faca e um grafo de ouro maciço na
sua frente. Mal se acomodaram, uma fada velha e feia entrou no salão.
Andava sumida havia bem uns cinqüenta anos, por isso ninguém a
convidara. Vendo que o rei não mandara fazer prato e talheres de ouro e
prata para ela, ficou furiosa e jurou vingança. A fada mais jovem escutou e
se escondeu atrás da cortina, para oferecer o seu dom por último e assim
remediar o mal que a resmungona fizesse.
27
Terminado o banquete, as fadas começaram a atribuir qualidades para
a sua afilhada. A primeira lhe conferiu o dom da beleza; a segunda o da
sabedoria. As outras quatro garantiram que ela seria extremamente
graciosa, dançaria muito bem, cantaria como um rouxinol e teria
extraordinário talento para a música. Chegou a vez da velha fada que
grunhiu que a princesa havia de espetar o dedo em um fuso e morrer.
A fada mais jovem esperou a fada velha sair e saiu de seu esconderijo
e lançou um feitiço dizendo que ao se espetar no fuso a princesa não
morreria mais cairia em um sonso de cem anos até que um príncipe a
desperta-se com um beijo de amor verdadeiro.
Imediatamente o rei mandou queimar todos os fusos do reino, para
evitar que a praga da fada velha se cumprisse.
Assim a princesa cresceu, linda e saudável, longe do perigo.
Um dia ela viajou com seus pais para um castelo que tinha no campo.
Ali subiu até o alto da torre onde a velha fada, disfarçada de fiandeira, fingia
trabalhar inocentemente com seu fuso. A princesa observou durante algum
tempo e resolveu experimentar fiar também, mas, logo que pegou o fuso,
espetou o dedo e caiu num sono profundo.
Depois de esgotar todos os recursos para despertar a filha, o rei
ordenou aos criados que a levassem para o melhor quarto do castelo e a
deitassem numa linda cama de ouro e prata.
Quando soube do acontecido a fada mais jovem fez todos no castelo
cair em um sono profundo, evitando que quando acordasse, depois de cem
anos, a princesa se visse entre estranhos. De outra feita, ergueu mais uma
vez sua varinha mágica e imediatamente brotaram da terra espinheiros
enormes, que rodearam o castelo como uma muralha impenetrável,
deixando à vista apenas o topo das torres.
Cem anos se passaram e um dia o filho de um soberano de uma terra
distante estava cavalgando em busca de aventuras, com sua comitiva,
quando avistou de longe as torres do castelo encoberto por espinhos. Com o
coração saltando de curiosidade, o príncipe rumou para o castelo. Assim que
se aproximou da imensa muralha vegetal que rodeava o castelo, os
28
espinheiros misteriosamente se afastaram para lhe dar passagem, porem
logo se juntaram para impedir que sua comitiva o acompanhasse.
No pátio o príncipe encontrou as pessoas e os animais deitados no
chão, como se estivessem mortos. Sem se amedrontar, entrou no saguão e
viu uma fila de guardas roncando de pé, com as lanças em punho. E ao
longo de toda a sua caminhada se deparou com gente adormecida, inclusive
o rei e a rainha.
Algo em seu intimo o impelia para ir até a torre mais alta. Até que
finalmente chegou ao quarto da princesa. Aproximado-se da cama, beijou-a
com toda a delicadeza. Esta despertou de seu sono de cem anos linda e
com um sorriso encantador.
Nesse momento todas as criaturas do castelo despertaram. O fogo
reacendeu, crepitando sob a carne que voltou a girar no espeto. Os músicos
pegaram seus instrumentos e, apesar de terem ficado em silencio durante
um século, tocaram divinamente.
Depois do jantar num salão revestido de espelhos, o príncipe e a
princesa se casaram naquela mesma noite.
4.2.2 A Interpretação
A bela adormecida, a mulher fadada. Assim com todos os contos de
fada, existem muitas versões para este conto. Alguns diferem do número de
fadas, outros quanto ao tipo de espinheiro que cresce ao redor do castelo e
ainda outros quanto ao motivo do sono da princesa, mas o fato é que a
princesa está fadada, ou seja, ela está destinada a sofrer as conseqüências
de um acontecimento onde ninguém é culpado.
Como em Branca de Neve, os reis queriam muito um filho e seu
desejo demora muito para ser atendido, porém em A Bela Adormecida, a
mãe não morre assim que a menina nasce. Aliás, a figura da mãe só é
mencionada até o nascimento da menina, após isso o relacionamento dela
se dá com o rei e mais tarde com o príncipe.
29
A figura arquetípica da madrasta má é aqui substituída pela bruxa ou
pela fada que não foi convidada. Assim como Branca de Neve que está
fadada a cair no desgosto da madrasta sem ter feito nada para merecer o
tratamento que esta lhe dispensa, o mesmo acontece com A Bela
Adormecida (Aurora ou Bela em algumas versões) em que a bruxa lhe fada
a morrer quando espetar o dedo no fuso de uma roca.
As imagens arquetípicas femininas que aparecem aqui são: a de uma
menina no início da puberdade, despertando para a sexualidade e uma
bruxa que se sente rejeitada por que não foi convidada para a festa.
A conotação púbere é muito forte nesta história. A ligação com a
questão da menstruação é bem clara. Em algumas versões é dito pela fada
má que ela completará quinze anos, espetará o dedo no fuso de uma roca e
morrerá, o dedo sagrará e como o próprio dedo, ela mesma quando
completara a idade (levando em conta que a menstruação acontecia mais
tarde antigamente). É a maldição da fada que ocasiona o sangramento, é no
encontro com uma mulhere mais velha que ela sangra, não com um homem,
é uma “maldição herdada de mulher para mulher” (BETTELHEHEIM, 2002,
p.273), Assim como a conotação do fuso da roca é absolutamente fálica.
A ultima fada ao conceder sua benção, não podendo reverter a
maldição da outra (uma vez que é um fato inexorável na sua condição de
mulher o sangrar e o perfurar) diz que ela não morrerá, apenas dormirá um
sono de cem anos. A metáfora do sono pode ser entendida como o período
macilento que as meninas passam nos momento s que antecedem a sua
menstruação ou de acordo com Bettelheim:
“Atualmente muitos jovens – e seus pais – temem o
crescimento calmo, onde parece não acontecer nada,
devido a uma crença comum de que só se fazendo
coisas pode-se atingir os objetivos. “A Bela Adormecida
diz que um período longo de calma, de contemplação,
30
concentração sobre o eu, pode levar e seguidamente
leva às maiores realizações.” 11
O pai de Bela Adormecida tenta então impedir a todo o custo o
destino da filha e manda que todas as rocas sejam dstruidas, mas isso não
impede que a menina cumpra o destino que lhe foi previsto, então mesmo
com todas as rocas destruídas. A velha fada finge ser uma fiandeira e faz
com que o destino se cumpra esta parte é fundamental para que
compreendamos que o crescer independe da vontade paterna, ainda de
acordo com Bettelheim;
(...) “o tema central de todas as versões de “Bela
Adormecidaӎ que, embora os pais tentem de todas as
maneiras impedir o despertar da sexualidade do filho,
este ocorre inexoravelmente. Além disso, os esforços
mal-intencionados dos pais podem adiar a conquista da
maturidade no momento devido, como é simbolizado no
sono da Bela Adormecida de cem anos de duração, que
separa o despertar de sua sexualidade da união com o
amado.”(...)12
E ainda:
(...)“Por mais precauções que um pai tome, quando a
filha está madura para isso, a puberdade se instala. A
ausência temporária dos pais quando o fato ocorre
simboliza a incapacidade dos pais de protegerem os
filhos das várias crises de crescimento pelas quais todo
ser humano tem de passar.”13
11 BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. 16ª. Ed Paz e Terra: Rio de Janeiro, 2002. p.266 12 ibid. p. 271. 13 Ibid. p.272.
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Podemos concluir que Bela adormecida é uma menina despertando
para a sexualidade, contudo, existe um fato neste conto que o diferencia dos
outros que é sono de Bela Adormecida. Ela adormece porque é necessário
para ela esse período de latência. Entretanto ela não adormece como
Branca de Neve que está sob a maldição da madrasta. Ela adormece porque
precisa esperar, porque precisa passar por um período com o seu eu. Outro
fato importante é que junto com ela dormem todas as outras pessoas e coisa
do castelo, se estamos dormindo para o mundo, ele não existe para nós, ele
só passa a existir quando acordamos e decidimos fazer parte dele.
(...) “O mundo inteiro fica morto para a pessoa: eis o
significado simbólico e admonitório do sono mortífero em
que caem tudo e todos que circundam Bela Adormecida.
O mundo só está vivo para a pessoa que desperta para
ele. Só o relacionamento com outros nos”desperta”do
perigo de deixar nossa vida adormecida. O beijo do
príncipe rompe a praga do narcisismo e desperta a
feminilidade que até então não se desenvolvera. Só se a
donzela se transforma em mulher a vida pode
prosseguir”.14
Quando chega o momento certo, príncipe passa pela muralha de
espinhos, mas apenas ele, sua comitiva não penetra no interior do castelo.
Cabe a ele, e somente a ele, a missão de despertar a princesa. Ela espera
por ele a cem anos, e segundo o feitiço da última fada, ela só despertaria
com o beijo de um amor verdadeiro, ou seja, ela só coabitaria com um
homem quando estivesse pronta para tal.
Sem dúvida alguma esse é um dos contos que exercem maior
fascínio sobre as meninas e as mulheres em geral, talvez porque fale de
amor verdadeiro e sobre a importância do esperar talvez porque nos diga
que no final tudo acaba bem. Bettelheim termina seu capítulo sobre “A Bela
14 ibid. p.274.
32
Adormecida com um fantástico texto que vale a pena ser citado aqui como
um ponto final para este capítulo:
(...) “Mesmo na forma reduzida que o conto nos chegou,
onde o príncipe desperta Bela adormecida com um beijo
– sentimos – e não sem que isso seja explicitado como
nas versões mais antigas – que ela é a encarnação da
perfeita feminilidade.” (...)15
4.3 BRANCA DE NEVE – A MULHER QUE VENCE A MADRASTA
4.3.1 A História
Numa tarde nevosa, uma bela rainha bordava junto à janela, quando
picou o dedo com a agulha, fazendo-o sangrar. Ao ver o rubro do sangue no
tecido e a neve branca desejou ter uma filha de pele branca como a neve e,
lábios vermelhos como o sangue e cabelos negros como o ébano.
Meses mais tarde a rainha deu a luz uma menina como a que
desejara e a chamou de Branca de Neve. No entanto, a rainha morreu logo
após o parto.
Ao fim de um ano de luto, o rei se casou com uma mulher arrogante e
vaidosa, que vivia perguntando a seu espelho mágico quem era a mais bela
mulher que existia. Ao que o espelho respondia que somente a rainha era a
mulher mais bela.
Ela, então, sentia-se feliz, porque sabia que o espelho só podia dizer
a pura verdade. No entanto, Branca de Neve crescia e aumentava em
beleza e graça; aos sete anos de idade era tão linda como a luz do dia e
muito mais que a rainha.
Um dia a rainha, sua madrasta, consultou como de costume o
espelho.
15 ibid. p.276.
33
O espelho respondeu, porém, que Branca de Neve era ainda mais
bela!
A rainha estremeceu e ficou verde de ciúmes. E daí então, cada vez
que via Branca de Neve, por todos adorada pela sua gentileza, seu coração
tinha verdadeiros sobressaltos de raiva. Sua inveja e seus ciúmes
desenvolviam-se qual erva daninha, não lhe dando mais sossego, nem de
dia, nem de noite.
Enfim, já não podendo mais, mandou chamar um caçador e disse-lhe
que levasse a menina para a floresta onde teria de matá-la e trazer-lhe,
porém, o coração e o fígado como prova de sua morte.
O caçador obedeceu. Levou a menina para a floresta, sob pretexto de
lhe mostrar os veados e corças que lá havia. Mas, quando desembainhou a
faca para enterrá-la no coraçãozinho puro e inocente, a menina desatou a
chorar, implorando para que o caçador a deixasse viver, prometendo ficar na
floresta, e nunca mais voltar ao castelo.
Era tão linda e meiga a menina que o caçador, que não era mau
homem, apiedou-se dela e disse que ficasse na floresta, porque a morte
seria certa se ela voltasse ao castelo. E, em seu intimo, estava a pensando
que nada arriscava, pois os animais ferozes certamente iriam devorar a
menina em breve e a vontade da rainha iria ser satisfeita, sem que, fosse
obrigado a suportar o peso de um crime cruel.
Justamente nesse momento passou correndo um veadinho; o caçador
matou-o, tirou-lhe o coração e o fígado e levou-os a rainha como se fossem
de Branca de Neve. O cozinheiro foi incumbido de prepará-los e cozê-los. E,
no seu rancor feroz, a rainha comeu-os com alegria desumana, certa de
estar comendo o que pertencera, a Branca de Neve.
Durante esse tempo a pobre menina, que ficara abandonada na
floresta, vagava trêmula de medo, sem saber, que fazer. Tudo a assustava,
o ruído da brisa, uma folha que caía, enfim, tudo produzia nela um terrível
pavor.
Ouvindo o uivar dos lobos, pôs-se a correr cheia de terror; os
pezinhos delicados feriam-se nas pedras pontiagudas e estava toda
34
arranhada pelos espinhos. Passou ao pé de muitos animais ferozes, mas
estes não lhe fizeram mal algum.
Enfim, à noitinha, cansada e ofegante, encontrou-se diante de uma
linda casinha situada no meio de uma clareira. Entrou, mas não viu ninguém.
Contudo, a casa devia ser habitada, pois notou que tudo estava muito
asseado e arrumadinho, dando gosto de se ver.
Branca de Neve, que estava morta de fome e sede, aventurou-se a
comer um pouquinho do que estava servido em cada um dos sete pratinhos
que estavam em uma bela mesinha. Depois, não agüentando o cansaço, foi
deitar-se numa caminha, mas a primeira era curta demais, a Segunda muito
estreita, experimentando-as todas até que a sétima tinha a medida justa.
Então fez sua oração, encomendou-se a Deus e em breve adormeceu
profundamente.
Ao anoitecer chegaram os donos da casa; eram os setes anãos, que
trabalhavam durante o dia na escavação de minério na montanha.Viram que
alguém entrara em sua casa, porque não estava tudo na ordem perfeita
conforme haviam deixado ao sair. Descobriam, por fim, Branca de Neve
dormindo a sono solto na sua caminha. Sentiam-se tão transbordados de
alegria, com a beleza e meiguice da menina, que não quiseram acordá-la e
deixaram-na dormir tranqüilamente.
No dia seguinte, quando Branca de Neve acordou e levantou-se, ficou
muito assustada ao ver os sete anões. Mas eles sorriram-lhe e perguntaram
com a maior amabilidade. Ela contou-lhes como sua madrasta mandara
mata·-lá e como o caçador lhe permitira que vivesse na floresta. Após ter
corrido o dia todo chegara ali e, vendo a linda casinha, entrara para
descansar um pouco.
Os anões perguntaram-lhe se ela queria ficar com eles, cuidar da
casa, fazer a comida, lavar e passar a roupa, coser, tecer as meias e manter
tudo muito limpo e em ordem; mas; quando tiver acabado o trabalho, ser a
rainha deles. Anuiu a menina de todo o coração.
E ficou morando com eles, procurando manter tudo sempre em
ordem. Pela manhã eles partiam para as cavernas em busca de ouro e
minérios e, à noite, quando voltavam, todos jantavam juntos muito alegres.
35
Como a menina ficava só durante o dia, os anões advertiram-na que se
acautelasse e tivesse cuidado com a madrasta; pois não tardava em
descobrir onde ela estava, por isso, durante a ausência deles não devia
deixar ninguém entrar na casa.
A rainha, entretanto, certa de ter comido o fígado e o coração de
Branca de Neve, vivia despreocupada. Ela pensava, satisfeita, que era,
novamente, a primeira e mais bela mulher do reino.
Certo dia, porém, teve a fantasia de consultar o espelho, e certa de
que lhe responderia não ter mais nenhuma rival em beldade. Imaginem o
seu furor quando o espelho respondeu que ela era a mais formosa. Mas,
Branca de Neve, que por trás dos montes vive na casa dos sete anões, era
mil vezes mais formosa! A rainha ficou furiosa, pois sabia que o espelho não
podia mentir. Percebeu, assim, que o caçador a enganara e que Branca de
Neve continuava a viver.
Novamente devorada pelo ciúme e pela inveja, só pensava na
maneira de matar Branca de Neve. Pensou, pensou, pensou, depois tingiu o
rosto e disfarçou-se em velha vendedora de quinquilharias, de maneira
perfeitamente irreconhecível.
Assim disfarçada, transpôs as sete montanhas e foi à casa dos sete
anões. Chegando lá·, bateu à porta Branca de Neve, que estava no primeiro
andar e se aborrecia por ficar sozinha todo o santo dia, abriu a janela e
perguntou-lhe o que tinha para vender. Mostrou um cinto de cetim cor de
rosa, todo recamado de seda multicor. Branca de Neve; então desceu,
puxou o ferrolho e comprou o cinto.
A menina postou-se confiante na frente da velha, deixando que lhe
abotoasse o cinto; então a cruel inimiga, mais que depressa, apertou-o com
tanta força, que a menina perdeu a respiração e caiu desacordada no chão.
Gargalhando a rainha, fugiu rapidamente, voltando ao castelo.
Felizmente, os anões, nesse dia, tendo terminado o trabalho mais
cedo que de costume, voltaram logo para casa. E qual não foi seu susto ao
verem a querida Branca de Neve estendida no chão, rígida como se
estivesse morta! Ergueram-na e viram que o cinto apertava demais sua
36
cinturinha. Logo o desabotoaram e ela começou a respirar levemente e,
pouco a pouco, voltou a si e pôde contar o que sucedera.
A pérfida rainha, logo que chegou ao castelo, correu ao espelho,
esperando, enfim, ouvi-lo proclamar a sua absoluta beleza, o que para ela
soava mais deliciosamente que tudo.Como da outra vez, o espelho
respondeu que Branca de Neve que era mais formosa. Compreendeu que a
rival ainda estava viva. Pensou, novamente, num meio de matar a inocente
menina.
Pegou num magnífico pente cravejado de pérolas e besuntou-lhe os
dentes com o veneno. Depois, disfarçando-se de outro modo, dirigiu-se para
a casa dos sete anões.
Branca de Neve abriu a janela e dessa vez disse que não podias abrir
para ninguém. Mas, Branca de Neve deixou-se tentar pelo brilho das
pérolas; e depois de ter bem examinado o pente, quis comprá·- lo e abriu a
porta ã velha.
A pobre menina, sem saber, deixou-a pentear o seu cabelo para
demonstrar o pente. Então, a velha enterrou-lhe o pente com violência o
cabelo. Mal os dentes tocaram na pele, Branca de Neve caiu morta sob ação
do veneno. A rainha maldosa resmungou satisfeita e soltando uma
gargalhada medonha, apressou-se a regressar ao castelo.
Já estava anoitecendo e os anões não tardaram a chegar. Quando
viram Branca de Neve estendida no chão, desacordada, logo adivinharam
nisso a mão da madrasta. Procuraram o que lhe poderia ter feito e
encontraram o pente envenenado. Assim que o tiraram da cabeça, a menina
voltou a si e pôde contar o que sucedera. Novamente a preveniram que
tomasse cuidado e não abrisse a porta realmente para ninguém.
De volta ao castelo, a rainha correu a pegar no espelho apenas para saber
que a menina ainda vivia.
Levou vários dias consultando todos os livros de bruxaria;finalmente
fechou-se num quarto, ciosamente oculto, onde jamais entrava alma viva e
aí preparou uma maçã, impregnando-a de veneno mortífero.
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Disfarçou-se em camponesa e como tal encaminhou-se a casa dos
sete anões. Branca de Neve saiu à janela e disse que não podia abrir a
ninguém, pois os sete anões a proibiram.
a falsa camponesa disse que se a menina receava que, por acaso, a maça
estivesse envenenada, ela iria comer a metade da maçã para que a menina
ficasse mais tranqüilizada.
Cortou a maça e pôs-se a comer a parte mais tenra, pois a maçã
havia sido habilmente preparada, de maneira que o veneno estava todo
concentrado na cor vermelha.
Branca de Neve, tranqüilizada, olhava cobiçosamente para a linda maçã e
não resistiu e pegou a parte envenenada. Apenas lhe deu a primeira
dentada, caiu no chão, sem vida.
Apressou-se a madrasta a voltar ao castelo; mal chegou, dirigiu - se
ao espelho e perguntou ao espelho, obtendo, finalmente a resposta que
tanto almejava; agora era ela a única mais linda.
Os anões, regressando à noitinha; encontraram Branca de Neve
estendida no chão, morta. Levantaram-na e procuraram, em vão, o que
pudera causar-lhe a morte; desabotoaram-lhe os vestidos, pentearam-lhe os
cabelos. Lavaram-na com água e vinho, mas tudo foi inútil: a menina estava
realmente morta.
Então, colocaram-na num esquife e choraram durante três dias.
Depois cuidaram de enterra-la, porém ela conservava as cores frescas e
rosadas como se estivesse dormindo. Eles fabricaram um esquife de cristal
para que fosse visível de todos os lados e gravaram - na tampa, com letras
de ouro o seu nome e sua origem real; colocaram-na dentro e levaram-na
para o cume da montanha vizinha, onde ficou exposta, e cada um por sua
vez ficava ao pé dele para a guardar contra os animais ferozes.
Mas podiam dispensar-se disso; os animais, todos da floresta, até mesmo os
abutres, os lobos, os ursos, os esquilos e pombinhas, vinham chorar ao pé
da inocente Branca de Neve.
Muitos anos passaram Branca de Neve dentro do esquife, sem
apodrecer; parecia estar dormindo, pois sua tez era ainda como a desejara a
38
mãe: branca como a Neve, rosada como o sangue e os longos cabelos
pretos como ébano; não tinha o mais leve sinal de morte.
Um belo dia, um jovem príncipe, filho de um poderoso rei, tendo-se
extraviado durante a caça na floresta, chegou à montanha onde Branca de
Neve repousava dentro de, seu esquife de cristal. Viu-a e ficou deslumbrado
com tanta beleza, leu o que estava gravado em letras de ouro e não mais a
esqueceu.
Pernoitando em casa dos anões pediu o esquife para poder leva-lo ao
seu castelo. Vendo a grande tristeza do príncipe, os anões compadeceram-
se dele e deram-lhe Branca de Neve, certos de que ele não deixaria de
coloca-la na sala de honra do seu castelo.
O príncipe tendo encontrado seus criados, mandou que pegassem no
caixão e o carregassem nos ombros. Aconteceu, porém, que um dos criados
tropeçou numa raiz de árvore e, com o solavanco, pulou da boca meio
aberta o bocadinho de maça que ela mordera, mas não engolira.
Então Branca de Neve reanimou-se; respirou profundamente, abriu os
olhos, levantou a tampa do esquife e sentou-se, pois estava viva.
O príncipe, radiante de alegria era encantador e muito gentil, Branca de
Neve aceitou-lhe a mão. O rei muito satisfeito com a escolha do filho
mandou preparar tudo para umas núpcias suntuosas.
Para a festa, além dos anões, foi convidada também a rainha que,
ignorando quem era a noiva, vestiu os seus mais ricos trajes, pensando
eclipsar todas as damas e donzelas. Depois de vestida, foi contemplar-se no
espelho, certa de ouvir proclamar sua beleza triunfante. Qual não foi seu
espanto ao ouvi-lo responder que a noiva do filho do rei era mil vezes mais
formosa!
A perversa mulher soltou uma imprecação e ficou tão exasperada que
não podia controlar-se e não queria mais ir à festa. Entretanto, como a inveja
não lhe dava tréguas, sentiu-se arrastada a ver a jovem rainha. Quando fez
a entrada no castelo, perante a corte reunida, Branca de Neve logo
reconheceu sua madrasta e quase desmaiou de susto.
A horrível mulher fitava-a como uma serpente ao fascinar um
passarinho. Mas sobre o braseiro já estavam prontos uns pares de sapatos
39
de ferro, que haviam ficado a esquentar em ponto de brasa; os anões
apoderaram - se dela e, calçando-lhe à força aqueles sapatos quentes como
fogo, obrigaram-na a dançar, a dançar, a dançar, até cair morta no chão. Em
seguida, realizou-se a festa com um esplendor jamais visto sobre a terra, e
todos, grandes e pequenos, ficaram profundamente alegres.
4.3.2 A interpretação
No texto apresentado acima, entramos em contato com duas figuras
arquetípicas femininas centrais: o da menina ingênua e o da madrasta má.
Existe ainda uma terceira que pode ser observada como um desdobramento
da madrasta ou vice-versa, que é o da mãe zelosa.
“Ambas as figuras femininas coexistem nesse conto
quase até o fim, e quem sabe também dentro de nós
mesmos. Uma menininha inocente, toda bonitinha, mas
que contém igualmente um lado adulto, invejoso, que
não permite ao outro lado existir. Tão extremado, o lado
mais exigente, que quer ser o melhor e mais
reconhecido pelos outros, acaba sufocando o lado mais
frágil, pequeno e desprotegido.”16
Branca de Neve é desejada desde antes de sua concepção e quando
nasce perde a mãe que segundo podemos imaginar era uma bela mulher. O
Pai, que mantém luto por um ano, casa-se logo após este com uma mulher
muito bonita, mas profundamente amarga e invejosa.
Esta madrasta pode ser lida como uma outra face da mãe, a mãe que
é amorosa e presente até que a filha ameace o seu reinado então, o que ela
passa a desejar é a morte da filha ou a sua paralisação no processo de
tornar-se uma bela mulher, desabrochando para a sexualidade e tomando o
16 BONAVENTURE, Jette. O que conta o conto. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. p. 125
40
centro das atenções. Tanto que a presença da menina só começa a
incomodar depois dos sete anos.
Tornando-se bela, jovem, graciosa e inteligente mulher é obvio que as
comparações entre as duas haveriam de existir (...)”a filha torna-se o
espelho que lhe diz que ela já não é a mulher mais bonita do mundo.17”
E Branca de Neve não toma nenhum tipo de conhecimento dos
sentimentos que desperta na madrasta-mãe, ela permanece num absoluto
estágio de ignorância até o momento em que a madrasta resolve eliminar o
motivo de suas frustrações; até que a madrasta resolve eliminar Branca de
Neve. Mas ela não faz isso ela mesma num primeiro momento. Ela pede que
um caçador o faça – existem aí duas possibilidades. A primeira que esse
caçador seja a própria madrasta imbuída de uma outra imagem arquetípica –
a do caçador. Que é uma figura que caça, que elimina. E aqui a função dele
é eliminar Branca de Neve, ou seja a filha que começa a tomar o seu lugar e
que representa uma ameaça real.
Ou, em uma segunda possibilidade, esse caçador pode representar o
pai ausente, que não se interpela entre os desejos da mulher e da filha e
prefere observar tudo do lado de fora até que lhe é cobrada uma posição a
de ser o caçador responsável por eliminar a filha ou a ameaça a mulher-
madrasta.
“Em Branca de Neve a luta edípica da menina púbere
não é reprimida, mas se concretiza ao redor da mãe como
competidora. Na estória da Branca de Neve, o pai caçador não
consegue uma posição forte e definida. Nem cumpre seu dever
para a rainha, nem sua obrigação moral com Branca de Neve,
ou seja, de dar-lhe segurança e proteção.”(...)18
17 ibid. p. 137 18 BETTELHEIM. op. cit. p.245
41
Contudo, o caçador é incapaz de matar Branca de Neve e a deixa na
floresta, levando o coração e o fígado de um outro animal que a madrasta
insiste em comer. Em algumas tribos de índios, especialmente as africanas,
os guerreiros vencedores, após um luta como uma outra tribo, comiam seus
melhores adversários como forma de incorporar as habilidades destes como
soldados. Talvez, quando a madrasta exige ao caçador que ele lhe traga o
fígado e o coração de Branca de Neve para que ela os comesse, haveria
algo de intencional em absorver a qualidades da menina como pessoa gentil
e dócil que era.
Após isso ela encontra a casa dos anões que Bruno Bettelheim vai
caracterizar de “uma forma de existência imatura e pré-individual que Branca
de Neve deve transcender” (BETTELHEIM. 2002. p.249).
(...)”Estes “homenzinhos de corpos atarracados e
trabalhando na mineração – penetram habilidosamente
em cavidades escuras – sugerem conotações fálicas. De
certo não são homens em qualquer sentido sexual – seu
modo de vida e o interesse em bens materiais com
exclusão do amor sugerem uma existência pré-
edípica”.19
E passará então a conviver com eles. E aprende que deverá trabalhar
para que possa ficar lá, em troca de ser a rainha deles.
Após isso se sucedem várias tentativas da madrasta de eliminar
Branca de Neve, primeiro como um cinto20 e depois com um pente, ambos
enfeitiçados. Esses episódios conseguem representar o desejo da madrasta-
mãe de paralisar a filha e vê-la sob seu controle parando seu
desenvolvimento; e o desejo da menina-mulher que se enfeita para sentir-se
sexualmente atraente e desejável. 19 ibid. p.249 20 Em algumas versões do conto o cinto é substituído por uma outra peça de roupa; elemento que varia de cultura ou de temporalidade.
42
E por ambas as vezes os anões conseguem salvá-la, porque tanto o
cinto quanto o pente são elementos externos. Mas no momento em que ela
come a maçã eles não têm como identificar a causa da sua paralisia e não
podem mais salvá-la. Importante é que ela come a parte vermelha da maçã,
onde podemos identificar um outro aspecto o da sexualidade então
finalmente desabrochada. Bruno Bettelheim comenta o seguinte sobre esse
episódio:
(...)”Repetidamente falamos da natureza dupla de
Branca de Neve: era branca como a neve e vermelha
como o sangue – isto é, tinha tanto aspectos assexuais
como eróticos. Quando come a parte vermelha (erótica)
da maçã termina sua inocência.”(...)21
Sucede-se então um período de sono profundo pelo qual Branca de
Neve passa e que pode ser encarado como um período de latência, um
período de preparação para a maturidade ou, de um estágio mais avançado
dessa maturidade.
Quando esse período de latência passa – quando o pedaço de maça
que a sufocava e a mantinha inerte é expulso (o objeto sufocador oferecido
pela madrasta-mãe – ela acorda de seu sono profundo e esta pronta para
viver sua maturidade ao lado do príncipe, que não tem nenhum outro papel
que senão o de indicar o fato de que a menina-mulher pode agora envolver-
se sexualmente e deixar a madrasta-mãe para viver sua própria vida longe
de seu do invejoso, sufocante e controlador olhar. Branca de Neve vence a
madrasta, ou no momento em que consegue se libertar dela.
21 ibid. p.252.
43
4.4 UM MODERNO CONTO DE FADA; A MOÇA TECELÃ – A MULHER QUE TECE.
4.4.1 A História A moça tecelã
Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das
beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.
Linha clara, para começar o dia. Delicado traço da cor da luz, que ela
ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã
desenhava o horizonte.
Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo
tapete que nunca acabava.
Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça
colocava na lançadeira grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em
breve, na penumbra trazida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em
pontos longos rebordava sobre o tecido. Leve, a chuva vinha cumprimentá-la
à janela.
Mas, se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e
espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios
dourados para que o sol voltasse a acalmar a natureza.
Assim, jogando a lançadeira de um lado para o outro e batendo os
grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus
dias.
Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado
de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se
sede vinha, suave era a lã cor de leite que entremeava o tapete. E à noite,
depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranqüila.
Tecer era tudo que fazia. Tecer era tudo que queria fazer.
Mas, tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu
sozinha, e pela primeira vez pensou como seria bom ter um marido ao lado.
44
Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa
nunca conhecida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe
dariam companhia. E aos poucos seu desejo foi aparecendo, chapéu
emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava
justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos,
quando bateram à porta.
Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o
chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.
Aquela noite, deitada contra o ombro dele. A moça pensou nos lindos
filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.
E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em
filhos, logo os esqueceu. Porque, descoberto o poder do tear, em nada mais
pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.
- Uma casa melhor é necessária – disse para a mulher. E parecia
justo, agora eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo,
fios verdes para os batentes. E pressa para a casa acontecer.
Mas, pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.
- Para que ter uma casa, se podemos ter um palácio? – perguntou.
Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com
arremates em prata.
Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e
portas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para
chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia.
Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o
ritmo da lançadeira.
Afinal o palácio ficou pronto. E, entre tantos cômodos, o marido
escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.
- É para que ninguém saiba do tapete – disse. E, antes de trancar a
porta a chave, advertiu:
- Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!
Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o
palácio dos luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo
que fazia. Tecer era tudo que queria fazer.
45
E, tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe
pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira
vez pensou como seria bom estar sozinha de novo.
Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia
sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu
a longa escada da torre, sentou-se no tear.
Dessa vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a
lançadeira ao contrário e, jogando-a veloz de um lado para o outro, começou
a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias,
os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que
continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim
além da janela.
A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou
e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia
o desenho escuto dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo
as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o
emplumado chapéu.
Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha
clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, quando
a manhã repetiu na linha do horizonte.22
4.4.2 A Interpretação
A mulher que tece. A imagem arquetípica da tecelã. Neste conto, um
conto moderno, de um autora moderna, podemos traçar tantos paralelos
com os contos de fada tradicionais (se é que podemos dizer que existem
contos de fada tradicionais) e ao mesmo tempo nenhum. Temos aqui uma
mulher. Apenas uma mulher. Não é uma princesa, uma rainha ou uma fada.
Ela é apenas uma mulher, uma mulher que tece. Por outro lado seu tear é
dotado de poderes mágicos. Ela tece no imaginário e no tapete e algo de
22 COLASANTI, Marina. Um espinho de marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 9
- 12
46
mágico acontece nesse processo; as imagens produzidas no tear são
transportadas para a vida real.
Mas, como as Moîras citadas no início deste trabalho, Deusas gregas,
cujo comportamento simbolizava o cumprimento do destino, ela não tece um
simples tapete, ela tece sua própria vida. E que conotação fantástica a de
tecer, porque na verdade é isso que fazemos no decorrer de nossa
existência, tecemos nossa vida em um grande tapete e quando chegamos
num determinado ponto olhamos o nosso trabalho e ficamos satisfeitos ou
insatisfeitos com o que vemos e então paramos e pensamos no que iremos
tecer agora.
E ela tece coisas simples, coisas indispensáveis para a existência
humana, como o alvorecer e o anoitecer, a chuva e o vento, as nuvens e as
flores enfim, coisas simples.
Contudo, nossa heroína ou, nossa Moîra moderna, sente-se cansada
de tanto tecer e decide que quando tecer a próxima aurora tecerá junto com
ela um companheiro. Escolhe então os fios com que tecerá esta companhia.
Só que algo sai errado porque o homem que no início pareceu ser uma
resposta para sua solidão acabou utilizando-se dela para conseguir aquilo
que ele queria.
Numa aplicação prática, podemos escolher a nossa companhia, mas
não podemos prever o que irá acontecer ao ficarmos com ela. E nada para
ele parecia ser o suficiente. Talvez, numa visão moderna por mais que uma
mulher se entregue a um homem nunca será o suficiente, ele nunca terá
dela a dedicação suficiente.
O fio é o símbolo da ligação; e como relata Nise da Silveira: (...)”é
uma linguagem universal infinitamente rica, capaz de exprimir por meio de
imagens muitas coisas que transcendem as problemáticas específicas dos
47
indivíduos.”23 e aqui é a função simbólica que o fio tem, ligar necessidade
com realidade. Se for preciso a chuva, ela escolhe o fio e tece a chuva; se é
preciso o sol, ela escolhe o fio e tece o sol.
Mas a partir do momento em que ele começa a solicitar sempre mais
dela e do tear, ela deixa de ligar necessidade e realidade para ligar apenas
vontade e realidade e então a necessidade deixa de existir. E então ela
começa a sentir-se sozinha novamente, uma vez que ela foi confinada no
lugar mais alto do castelo para garantir a segurança não dela, mas do tear.
Que troca havia entre ela e o companheiro que ela tanto havia desejado?
Qual seria a próxima necessidade dele? Quanto mais ela teria que subjugar
a própria vontade em função da do homem?
E como ela bem sabe, lhe é dada a opção de desfazer o já feito e,
diferente de Penélope que tece e destece para ter assegurada a companhia
do marido quando este voltasse; aqui a moça tece para se desfazer da
companhia que ela não quer mais porque não sabe dividir, não sabe
diferenciar necessidade de vontade. E então ela destece o tapete e apaga
qualquer registro da passagem do homem pela sua vida.
A mulher que tece que cria, que transforma, pode tecer e destecer o
seu destino e a vida ao seu redor porque é dela esta função. E que deuses
serão capazes de questionar a sua decisão? E que homens serão capazes
de não se submeterem as suas fiadas?
23 SILVEIRA. op. cit. p. 85
48
5 CONCLUSÃO
Quando falamos de contos de fada, estamos falando de uma grande
carga de energia psíquica acumulada em anos de existência, tanto humana
quanto dos contos. Neste trabalho traçamos um paralelo entre a história que
esses contos narram e a nossa própria história.
Concluímos que arquétipos são estruturas muito antigas, mas que não
se cristalizaram. Permanecem atuais e dinâmicos. Fazendo Absoluto sentido
para que se depara com eles, assim como os contos, que não envelhecem.
Eles podem até trocar de roupa, mas permanecem com sua estrutura
intacta. O reconhecemos desde o “Era uma vez” até o “Felizes para
sempre”. Quantas e quantas versões modernas para Cinderela, A Bela
Adormecida e Chapeuzinho Vermelho nós conhecemos.
Com Cinderela aprendemos a esperar pelo príncipe, cultivamos a idéia
de que nos libertaremos do cativeiro e descobriremos nossa própria vida;
descobrimos que não teremos que fazer todo o serviço pesado sozinhos e
que no final, tudo acaba bem.
Com A Bela Adormecida aprendemos que faz parte da vida esperar. Um
período de dormência, que para muitos pode ser encarado como ruim, pode
ser fundamental para que entremos em contato com nós mesmos. É
importante saber esperar. E que, se estamos dormindo para o mundo, não
49
estamos vivendo. Só se passa a viver quando se acorda para o mundo
quando nos tornamos parte integrante dele.
Com Branca de Neve descobrimos que relacionamentos entre mãe e
filha podem ser muito conturbados se não estamos atentos para nosso
inconsciente. E que mais uma vez, é preciso esperara até que se esteja
maduro para tomar certas decisões.
Com a moça tecelã aprendemos que podemos tecer nosso destino de
acordo com o fio que queremos usar, mas precisamos ter cuidado para não
tecer errado porque nem sempre conseguiremos reverter o processo.
Para dar por encerrado este trabalho, utilizarei palavras de Marie
Louise von Franz, que sobre os contos de fada nos diz:
“Depois de trabalhar muitos anos neste campo, cheguei
à conclusão que todos os contos de fadas tentam
descrever apenas um fato psíquico, mas este fato é tão
complexo, difícil e distante de se representarem seus
diferentes aspectos, que centenas de contos e milhares
de versões (como variações musicais), são necessárias
até que esse fato desconhecido penetre na consciência,
sem que isso consiga exaurir o tema. Este fato
desconhecido é o que Jung chama de SELF, que é a
totalidade psíquica de um indivíduo e também,
paradoxalmente, o centro regulador do inconsciente
coletivo. Cada indivíduo e cada nação têm suas próprias
formas de experienciar esta realidade psíquica”.24
E cada mulher tem suas próprias formas de experienciar estas
realidades psíquicas.
24 FRANZ. op .cit. p.16.
50
6 BIBLIOGRAFIA BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. 16ª. Ed Paz e Terra: Rio de Janeiro, 2002 BETTELHEIM, Bruno. Na Terra das fadas - Análise dos personagens femininos. Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1997. BONAVENTURE, Jette. O que conta o conto. São Paulo: Edições Paulinas, 1992. DIECKMANN, Hans. Contos de fada vividos. São Paulo : Edições Paulinas, 1986. COLASANTI, Marina. Um espinho de marfim e outras histórias. Porto Alegre: L&PM, 1999. FRANZ, Marie-Louise von. A Individuação nos contos de fada. São Paulo : Edições Paulinas, 1984. FRANZ, Marie-Louise von. A Interpretação dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Achiamé, 1981. FRANZ, Marie-Louise von. A sombra e o mal nos contos de fada. São Paulo: Edições Paulinas, 1985. GREENE, Liz e BURKE,Juliet Sharman. Uma viagem através dos mitos. Rio de janeiro: Zahar, 2001. LEXIKON, Herder. Dicionário de Símbolos. 5ª edição. São Paulo: Cultrix, 2002. MOTTA, Fausto. Contos e lendas interpretados pela psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984 PAÏN, Sara e JARREAU, Gladys. Teoria e técnica da arteterapia – a compreensão do sujeito. Porto Alegre: Artes Médicas,1996. PHILIP, Neil. 52 Histórias ao redor do mundo. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998. PHILIPPINI, Angela. Cartografia da Coragem – Rotas em Arte Terapia. Rio de Janeiro: POMAR, 2001 SILVEIRA, Nise da. Jung – vida e obra.14ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra,1994.
51
WARNER, Marina. Da fera a loira – sobre contos de fadas e seus narradores. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. A Arteterapia através do tempo. Comunicandido, Rio de Janeiro, julho.2002. p.2
52
7 ÍNDICE
1 INTRODUÇÃO 9
2 SOBRE ARTETERAPIA 12
3 SOBRE OS ARQUÉTIPOS. 15
4 SOBRE OS CONTOS DE FADA. 20
4.1 CINDERELA – A MULHER QUE ESPERA 22 4.1.1 A História 22 4.1.2 A Interpretação. 24
4.2 A BELA ADORMECIDA – A MULHER FADADA. 26 4.2.1 A História 26 4.2.2 A Interpretação 28
4.3 BRANCA DE NEVE – A MULHER QUE VENCE A MADRASTA 32
4.3.1 A História 32 4.3.2 A interpretação 39
4.4 UM MODERNO CONTO DE FADA; A MOÇA TECELÃ – A MULHER QUE TECE. 43
4.4.1 A História 43 4.4.2 A Interpretação 45
5 CONCLUSÃO 48
6 BIBLIOGRAFIA 50 7 ÍNDICE 52