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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI - MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA A HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO. UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA Jefferson Santos Rocha Orientador Profº Willian Rocha Rio de Janeiro 2015 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI -

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA A

HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO. UMA QUESTÃO

DE CONSCIÊNCIA

Jefferson Santos Rocha

Orientador Profº Willian Rocha

Rio de Janeiro 2015

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI -

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA A

HUMANIZAÇÃO DO ATENDIMENTO. UMA QUESTÃO

DE CONSCIÊNCIA

Apresentação da monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção

do grau de especialista em Psicologia Jurídica.

Por: Jefferson Santos Rocha

Rio de Janeiro

2015

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AGRADECIMENTOS

Agradeço o apoio que tive do amigo e

companheiro de batalhas Paulo Cavalcanti

Albuquerque Filho durante toda a trajetória do

curso e no desenvolvimento deste trabalho.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos os meus “filhos”,

alunos do Centro de Atendimento Intensivo de

Belford Roxo, que nesses quinze anos de

atuação no DEGASE me fortalecem com

subsídios e emoções para poder desenvolver

essa pesquisa.

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“O homem recebe duas classes de

educação: Uma, a que lhe dão os demais,

a outra, a mais importante, que ele dá a si

mesmo”

Gibbon

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar os processos e caminhos

percorridos pelos adolescentes que cometem ato infracional e cumprem

medida socioeducativa de privação de liberdade, evidenciando os desafios e

possibilidades deste processo na busca da humanização do atendimento a

esses jovens.

Deste modo, o trabalho é mais uma alternativa no combate a

discriminação cometida contra esses adolescentes, pois se percebe que

muitos desses adolescentes têm um histórico de abandono familiar, abandono

social que começou ainda no século XIX e perdura até os dias atuais.

O trabalho apresenta a trajetória que começa com o Código de

Menores de 1927 e culmina no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei

8.069/90 que passa a vigorar a partir de então trazendo novos ventos a Política

de Atendimento à criança e ao adolescente e, no Estado do Rio de Janeiro, a

partir de 1994 com a criação do DEGASE – Departamento Geral de Ações

Socioeducativas promove um novo olhar para os adolescentes que cometem

ato infracional.

Sendo assim, a questão central deste trabalho será discutir

propostas que promovam a humanização do atendimento a esses jovens nas

unidades de privação de liberdade, viabilizando a melhoria da qualidade do

trabalho desenvolvido, envolvendo aspectos metodológicos e a definição clara

sobre o que fazer para ressocializar esses adolescentes.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................08

CAPÍTULO I – Conjunturas históricas...............................................................13

CAPÍTULO II – Parâmetros da Socioeducação................................................38

CAPÍTULO III – As Bases e Estruturas da Ação Socioeducativa.....................57

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................79

ÍNDICE..............................................................................................................86

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INTRODUÇÃO

Desde a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), em 1990 a preocupação com o adolescente privado de liberdade no

Estado do Rio de Janeiro deixou de ser apenas mais um entre tantos

problemas relacionados a esses jovens, passando a ser uma responsabilidade

da sociedade civil, na medida em que os perfis encontrados são grandes

motivadores de debates atuais sobre a maioridade penal. Cabe ressaltar que

as Unidades Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro têm papel

primordial na humanização desse atendimento a fim de ajudar na reinserção

desse jovem à sociedade.

O DEGASE (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) possui

em suas dependências (07) sete Colégios Estaduais onde alunos e alunas

privados (as) de liberdade estudam da mesma forma que os estudantes das

escolas regulares. Da mesma forma, neste caso significam ter as mesmas

disciplinas, métodos de ensino organizados pela Secretaria de Educação do

Estado do Rio de Janeiro. Talvez a única diferença existente seja que as

escolas que trabalham com esses jovens fazem parte atualmente da DIESP

(Diretoria de Escolas Socioeducativas e Prisionais), incluídas aí os adultos que

cumprem medidas nos presídios do Estado do Rio de Janeiro. Dentro do organograma funcional dessas Unidades Escolares, os

Operadores Educacionais tem características semelhantes para que o trabalho

se adéqüe e estabeleça um padrão de igualdade para propiciar a esses

adolescentes um atendimento digno e cidadão. Paulo Freire (1996) como educador se apropria do legado grego e

segue a orientação de que “educar é construir, é libertar o homem do

determinismo...”, sobretudo projeta a ideia de progresso e modernidade. Prova

que ensinar é uma arte e aprender é uma arte igual. Os Operadores

Educacionais que trabalham nas Unidades Socioeducativas estão neste

contexto diariamente. Ensinando e Aprendendo. Tomando parte deste conceito, o trabalho se propõe a observar a

importância dos Operadores Educacionais na vida desses adolescentes em

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privação de liberdade, pois, por ela, se aprendem os princípios básicos da boa

convivência social e cidadania. Entende-se por Operadores Educacionais todos os atores que

compõe a estrutura de uma Unidade de privação de liberdade. Diretores,

Agentes Socioeducativos, Equipe Técnica (pedagogos, psicólogos, assistentes

sociais, psiquiatras, médicos, enfermeiros), professores, equipe de

profissionais de oficinas de arte, música, informática, educação física etc.

Neste entendimento, tem a intenção de aproximar o olhar para a

escola, onde tudo começa e é extremante importante na formação e

desenvolvimento de qualquer adolescente, principalmente aqueles que,

privados de sua liberdade, em sua fase de crescimento e descobertas

precisam construir seu futuro.

Procurando respostas para perguntas aparentemente irrefutáveis, o

enfoque principal deste trabalho concentra-se na forma e nas estratégias de

gestores e especialistas para, dentro de um sistema de exclusão, incorporar

regras, atitudes, comportamentos face à dificuldade de se fazer prevalecer os

direitos às diferenças, a cidadania, a convivência pacífica entre todos os atores

envolvidos com as medidas socioeducativas, mediando conflitos e fortalecendo

os valores embutidos no trinômio: educação, sociedade e indivíduo, pois o que

se observa na realidade dessas Unidades de Privação de Liberdade é que as

práticas de culpabilização e punição confrontam-se com a ideia da

Humanização do atendimento como prática social ampla a serviço das

medidas protetivas e da socioeducação para a formação do adolescente para

o seu retorno a sociedade e a vida e, neste caso especificamente, o

estabelecimento de metas e métodos para alcançar e afirmar as garantias de

direitos desses adolescentes privados de liberdade, fazendo a articulação

entre as medidas socioeducativas de privação de liberdade e a família,

procurando caminhos possíveis para que a garantia de direitos e deveres

sejam cumpridas de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Cabe lembrar que o Brasil possui, no sistema socioeducativo, uma

população juvenil de 39.378 adolescentes em conflito com a lei, representando

0,2% do total de adolescentes brasileiros na idade de 12 a 18 anos. Essa

estatística desmitifica a ideia, diariamente repassada pela mídia, em termos de

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dimensão da violência praticada por jovens na sociedade brasileira (SINASE,

2006).

O trabalho procura então tratar a educação e mais especificamente

o papel dos Operadores do Sistema Socioeducativo como agente da ‘não-

violência’, quebrando paradigmas, preconceitos e todo e qualquer

etiquetamento, ou seja, buscando explicar porque a falta de beleza física está

conectada ao crime, rótulos que são colocados por todas as pessoas em todas

as demais com as quais há contato visual, gerando prejuízo quanto à

aparência do outro que, automaticamente, impele certas reações instintivas,

como aproximar-se do belo e afastar-se do feio. É necessário que os

Operadores Educacionais, neste caso todos aqueles que integram o sistema

socioeducativo e que trabalham nas Unidades de Internação do DEGASE

(Departamento Geral de Ações Socioeducativas) tenham um olhar de

esperança nessa busca pelo recomeço e passe a assumir atitudes e práticas

pedagógicas que contribuam para o desenvolvimento pessoal desse

adolescente, a partir de uma escuta mais atenciosa, com a presença de uma

pedagogia efetiva e afetiva.

Portanto, o objetivo geral dessa monografia é analisar e identificar

os caminhos que os Operadores Educacionais podem e devem percorrer para

tornar o atendimento nas escolas socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro

mais humanizados, e quais as formas que estes Operadores estão buscando

para atender às necessidades desses adolescentes em privação de liberdade

e sua reinserção à sociedade.

Deste modo, o referencial teórico desta pesquisa inclui os seguintes

autores A. de Giorgi, Alba Zaluar, Álvaro Chrispino, Antonio Carlos Gomes da

Costa, Antonio Fernando Amaral, Antonio Joaquim Severino, Antonio

Fernando Amaral, Cecília M.B. Coimbra, Celso Antunes D. Ribeiro, Gaudêncio

Frigotto, Paulo Freire, Jacques Delors, Jorge Atílio Silva Iulianelli, Eduardo

Bittar, Emílio Garcia Mendez, Érika Piedade da Silva Santos, Esther Maria de

Magalhães, Irene Bulcão L. Zanetti, M. Foucault, M. Misse, Maria Helena

Zamora, Philippe Perrenoud, Philippe Áries,Vera R. Novaes, Rosangela

Franceschini, Herculano Ricardo Campos,Miriam Pascoal,Fabrício Spricigo,

Mirian P.S. Zippin Grinspun, Maria Tereza de Carvalho,Miriam Abramovay,

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Olivia Porto,Vera Malaguti Batista, M. Volpi, Maria Lívia do Nascimento, Nilva

Ferreira Ribeiro, Nilo Odália, R. Novaes a, e está organizado da seguinte

forma:

No primeiro capítulo, apresenta um breve histórico dos espaços

prisionais e o mito da periculosidade na Europa e no Brasil, sua origem,

atuação, os períodos críticos, as perspectivas e ações do governo e os dilemas

enfrentados na sociedade em relação à exclusão e higienização da sociedade

brasileira nas últimas décadas, o Código de Menores, o Protagonismo Juvenil

e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

No segundo capítulo o enfoque recai sobre o sistema

socioeducativo, fazendo um paralelo entre a função do socioeducador e as

ações diante do Adolescente em Conflito com a Lei que está cumprindo

medida de privação de liberdade. As reflexões sobre o papel da família deste

adolescente, as medidas socioeducativas imposta aos jovens em privação de

liberdade e o SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. É

enfocado também o Estatuto da Criança e Adolescente e as Políticas de

Execução das Medidas Socioeducativas.

No terceiro capítulo, a abordagem gira em torno das Políticas de

Execução das Medidas Socioeducativas e as bases para a estruturação de

uma ação de humanização do atendimento, bem como os métodos e técnicas

necessárias para (re) aproximar esses jovens da sociedade e os

questionamentos sobre que tipo de homem (jovem) deve ser formado nessas

Unidades de Privação da Liberdade, tendo os Operadores Educacionais como

profissionais capazes de sensibilizá-los com sua visão crítica, afetiva,

emancipatória e mediadora de situações de caráter didático-pedagógica como

alternativa de um aprendizado social que possa contribuir para uma nova

relação entre a diversidade de adolescentes em seus interesses distintos tendo

a Escola como papel preponderante na relação socioinstitucional.

Por fim, nas considerações finais do trabalho será relatada a

importância do tema para a construção de práticas emancipatórias e plurais

que possam contribuir para um bom desenvolvimento do trabalho de todos

aqueles atores envolvidos no trabalho de reinserção, recolocação e as

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expectativas para o desenvolvimento de competências para o exercício da

cidadania no resgate e transformação desses adolescentes.

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CAPÍTULO I

CONJUNTURAS HISTÓRICAS

1.1 - A Gênese da prisão

Foucault (1996) afirma que o surgimento da instituição prisão é

anterior à sua sistematização nos códigos penais, pois conclui que ela

antecede sua prescrição legal e sua positivação nos estatutos jurídicos penais.

As prisões como conhecemos atualmente surgiram na Idade Moderna como

forma de buscar uma institucionalização dos atos cometidos para tornar a pena

mais aceitável e administrável e originou-se como grande punição do século

XIX, numa prática parajudiciária que tinha o nome de letre-de-cache, que eram

documentos datados entre 1660 e 1760, dirigidos a uma pessoa em particular,

obrigando-a a fazer ou deixar de fazer algo, mas não eram leis ou decretos e

sim, ordens do rei e configurava-se num instrumento de punição, resultando na

prisão do indivíduo que deveria permanecer recluso por tempo indeterminado.

Era uma forma que a sociedade da época regulamentava-se e garantia a

ordem.

Não existia um tempo determinado para essa reclusão. O indivíduo

ficava recluso até que se entendesse que ele havia se corrigido. A transição

para a prisão que conhecemos hoje se deu no século XVIII e início do século

XIX. Ela era apenas o local para guardar o prisioneiro até que se executasse a

pena definida, em geral, o castigo físico, a mutilação, o desterro, o suplício e a

morte nas suas mais diversas formas.

Essa invenção da modernidade, como espaço nomeadamente

disciplinar, tem se mostrado convenientemente inadequada tanto em princípios

que fundamentam sua criação quanto aos métodos disciplinares utilizados. O

universo prisional escapa não apenas a percepção e controle humanos, mas

também aos instrumentos que se construíram para o seu aprimoramento.

Foucault (1975) nos fala de um poder que foi constituído nos

aparelhos de punição nos últimos séculos, que produziram efeitos e, mais

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especificamente produziu a categoria de “delinqüente”. Além disso, em seu

discurso sobre a violência nas prisões, fez uma retrospectiva dos direitos do

sistema judiciário. Assinala também que, a partir da emergência do capitalismo

industrial, o que se chamou de “sociedade disciplinar”, as elites passaram a se

preocupar não somente com as infrações cometidas pelo sujeito, mas também

com aquelas que poderiam vir a acontecer. O autor cita também que a punição

não é dada para apagar um crime, mas sim para transformar um culpado (atual

ou virtual), pois o castigo deve levar em si certa técnica corretiva. Cabe

destacar que essa correção individual pretende realizar o processo de

requalificação do indivíduo como sujeito de direito, pelo reforço dos sistemas

de sinais e das representações que fazem circular. O aparelho da penalidade

corretiva age de formas diversas e o ponto de aplicação da pena é o corpo, o

tempo, os gestos, as atividades de todos os dias e a alma, pois juntamente

com o corpo, a alma forma o elemento proposto à intervenção punitiva.

Qualquer crime tem sua cura na influência física e moral: (é necessário então para determinar os castigos) conhecer o princípio das sensações e das simpatias que se produzem no sistema nervoso (B. RUSH, 1787, p.14).

Pretende-se com isso não transformar o sujeito de direito que se

encontra preso nos interesses fundamentais do pacto social, e sim que esse

sujeito se torne obediente, que siga as regras estabelecidas e as ordens, e

saiba respeitar a autoridade que exerce pressão sobre suas atitudes e que

funcione automaticamente nele, ou seja, tornar-se-á um sujeito submisso,

controlado.

A prisão, hoje é o principal instrumento do poder penal, porém,

observa-se e é facilmente comprovado que o seu papel principal, ou seja, de

reformar sujeitos, não atinge o seu objetivo e, pelo contrário, acaba fazendo

desse sujeito uma pessoa mais cruel.

Na Antiguidade, em algumas regiões, as galerias de minas serviam

de prisão para os gregos. Romanos e cartagineses utilizavam-se das pedreiras

para aprisionarem os escravos e, principalmente, os soldados, esperando com

isso torná-los fiéis ao império.

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Em Roma, Túlio (577 a. C.) criou a Prisão Tuliana, considerada a

primeira do gênero, onde esteve preso o apóstolo Pedro. É importante

destacar que Roma foi a pioneira na criação de um estabelecimento especial

para os supostos infratores e também a maneira de distribuir os presos por

classes sociais: a prisão domiciliar para a elite e a masmorra para os

escravos.

Chegando ao final da Idade Média, Henrique II determinou a criação

de prisões nos condados ingleses. Na metade do século XVI, em Londres

foram criadas outras prisões, como exemplo, a chamada “casa de força” que

eram destinadas a internar os mendigos, os vagabundos, as prostitutas e os

jovens vadios, os quais estavam sujeitos a um regime de trabalho obrigatório.

Eram instituições que visavam segregar os párias com objetivos calcados em

regras estéticas e ortopédicas, buscando modificar a aparência urbana e

moldar condutas.

É interessante observar que a intenção do encarceramento é

garantir a eficácia da lei e adicioná-lo a outro método, ou seja, fazer o detento

refletir sobre os seus atos, mas o que se percebe é que esse fenômeno que

aparece no século XIX, apresenta uma diferença capital em relação ao modo

de controle inglês e a reclusão francesa do século XVIII. É o fenômeno do

deslocamento da justiça.

A construção de uma nova justiça penal que aconteceu entre os

anos de 1769 e 1810, época em que foi redistribuída na Europa e nos Estados

Unidos, registrava toda a economia de castigo, devido a grandes escândalos

para a justiça tradicional. Vários projetos de reformas surgiram e o

desaparecimento dos suplícios e as transformações institucionais são mais

físico-estruturais que funcionais. Estabelecem-se punições com certa discrição

de fazer sofrer, cujas ações são mais veladas, sutis e despojadas de

ostentação, o que poderia ser só uma maneira de encobrir arranjos de maior

profundidade, devido ao insistente discurso da humanização.

Entre os séculos XVII e XVIII, foi inventada uma nova mecânica de

poder: a disciplina. Esta exerce sobre o corpo e o que eles fazem uma

vigilância total e sistemática.

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Na passagem do século XVIII para o século XIX, os rituais são

gradativamente eliminados, modificando os processos anteriores, que passam

a serem atos meramente administrativos. Na França, o pelourinho foi extinto

em 1789 e a confissão pública abolida em 1830, mas o suplício da exposição

do condenado foi mantido até 1848. A Inglaterra eliminou o pelourinho em

1837, mas condenados de outros países da Europa como Suíça, Pensilvânia e

Áustria continuavam expostos com vestimentas características da prisão.

Cabe ressaltar que a pretensão da prisão é a modificação da

conduta do indivíduo, porém essas mudanças devem acontecer a partir de

uma motivação interna, pois o ato de isolar tem como instrumento positivo de

reforma a solidão, Esse é o método utilizado para suscitar a reflexão dos atos

cometidos, resultando no remorso que realizará também uma espécie de

autorregulação da pena para que no final da ação, o indivíduo se arrependa e

constate que a solidão não foi tão dolorosa e nem pesada. A solidão é a

condição primeira da submissão total. Foucault (1997) afirma que o isolamento

assegura o encontro do detento a sós com o poder que se exerce sobre ele.

Jogado na solidão o condenado reflete. Colocado a sós em presença de seu crime, ele aprende a odiá-lo, e se sua alma ainda não estiver empedernida pelo mal é no isolamento que o remorso virá assaltá-lo (BEAUMONT e TOCQUEVILLE, 1845, p.109)

A intenção do encarceramento é garantir a eficácia da lei e adicioná-

la a outro método, pois é necessário fazer o detento refletir sobre seus atos e o

remorso estará presente. Na modernização dos sistemas mundiais de

encarceramento somente harmonizou-se em suas arquiteturas e nas

modalidades de punir.

Becccaria (1998) afirma que a certeza de ser punido é que deve

desviar o homem do crime.

É importante destacar uma frase de Michael Foucault: “as luzes que

descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”.

Sofremos, em nosso país, com a herança de mais de trezentos anos

de escravidão e é fácil constatar quem é a parte da população que ocupou e

ocupa as nossas prisões.

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No Brasil Colonial, o espaço das ruas era ocupado apenas pelos

escravos e desclassificados e a prisão sempre esteve engajada numa série de

mecanismos de acompanhamento que aparentemente devem corrigi-la. A

chegada da nobreza portuguesa tornou imperativo construir uma dimensão na

qual as classes dominantes pudessem transitar e este fato, obviamente, a

prisão seria um aparelho disciplinar e higienista para a repressão daqueles que

não se adequavam à sociedade que emergiam no país.

No Brasil do século XX, resquício da arte de aprisionar revela o

modelo da prisão e de seus aparatos como detenção total. Aumenta-se o

processo da pedagogia da vigilância e as punições reforçam a ideia de que o

aprisionamento detém a harmonia da segurança, pois a prisão sempre esteve

engajada numa série de mecanismos de acompanhamento que aparentemente

deveriam corrigi-la.

A implantação da Lei de Execução Penal – LEP 7.210/84 não

resgatou quaisquer direitos, pelo contrário, evidenciou que os detentos, ao

longo de toda a história do direito penal e das ciências penais, não receberam

o devido tratamento.

Loic Wacquant (2007) identifica como o novo contexto mundial tem

alterado os mecanismos de controle da população pobre sendo cada vez mais

a prisão utilizada como objetivo de controle social, num processo denominado

de criminalização da pobreza, se referindo a uma nova forma de gestão da

pobreza típica do neoliberalismo.

O Governo Federal empreendeu uma política de segurança menos

letal, a qual proporcionou uma diminuição do número de homicídios e de

presos no Brasil, mas é fácil constatar que, em se tratando do Estado do Rio

de Janeiro, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional do total da

população prisional, em 2011, 7.257 eram brancos; 6.116 negros; e 10.439

pardos, de forma que 68% da população carcerária do Estado era de negros e

pardos. Ainda do total desta população 30,5% eram jovens de 18 a 24 anos e

64% não possuíam o ensino fundamental completo.

Entende-se então que a população carcerária no Brasil é, assim,

eminentemente negra e pobre e quando se volta o olhar para os adolescentes

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que cumprem medidas socioeducativa de privação de liberdade a realidade

não é distinta: negros, pobres e fora da rede formal de escolarização.

1.2 - Do código de menores ao DEGASE

Foucault (1986) assinala que, a partir da emergência do capitalismo

industrial, no qual denominou “sociedade disciplinar”, as elites passaram a

preocupar-se não somente com as infrações cometidas pelo sujeito, mas

também com aquelas que poderiam vir a acontecer e o controle recairia não

somente sobre o que se era, mas também o que se poderia ser sobre as

virtualidades.

A teoria das disposições inatas para a criminalidade, defendida por

Lombroso e popularizada no início do século XIX, onde os cientistas, por meio

de comparações, medições de ossos, de crânios e cérebros pretendiam

comprovar a inferioridade de determinados segmentos sociais teve muitos

defensores entre os cientistas. Essas teorias afirmavam a existência de

“bandidos de nascença”, os que já nasceram para o crime, vão praticá-lo de

qualquer maneira (BENEVIDES, 1983, p.56).

Ainda neste período, no Brasil, encontramos o movimento higienista,

que, extrapolando o meio médico, penetra em toda sociedade brasileira,

aliando-se a especialistas como pedagogos, arquitetos, urbanistas e juristas.

Esse movimento baseava-se nas teorias racistas, no darwinismo social e na

eugenia, pregando também o aperfeiçoamento da raça e se colocando

abertamente contra negros e mestiços, ou seja, contra a maior parte da

população pobre brasileira.

A falta de políticas públicas direcionadas aos adolescentes tornou

essa parcela da população carente de expectativas reais, e, a partir daí, a

preocupação com juventude se deu pela via do jovem como eixo problemático

para a sociedade. Os jovens, em diversos momentos da história foram vistos

como possibilidades de corrupção de costumes (juventude transviada, na

década de 1950), como agitação social e subversão da ordem pública

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(décadas de 1960 e 1970), como promotora e vítimas de situações de violência

e risco social (década de 1980 e 1990), e ainda, como sujeitos vulneráveis

frente ao desemprego, à desocupação e à perda de vínculos institucionais.

Antes do ECA (Estatuto da criança e do Adolescente) vigorava o

antigo Código de Menores que durante muito tempo servia de base para que a

quase totalidade da legislação menorista produza na América Latina,

começando pelo Uruguai.

Ao longo de quase todo o século XX, a Doutrina da Situação

Irregular foi base de todos os Códigos de Menores da região. Essa doutrina

dirigia-se aos menores de situação irregular que eram constituídos por quatro

tipos de menores: carentes (menores em perigo moral em razão da manifesta

incapacidade dos pais para mantê-los); abandonados (aqueles privados de

representação legal pela falta ou ausência dos pais e responsáveis);

inadaptados (menores com grave desajuste familiar ou comunitário); e os

infratores (menores autores de infração penal). Para todas as quatro situações

foram dadas um único destino: o Juizado de Menores e, a partir daí, todos os

problemas de natureza social e psicopedagógica passaram a ser

encaminhados aos Tribunais de Menores e, assim a aplicação das leis

baseadas na Doutrina da Situação Irregular significou, de acordo com a

legislação vigente nos anos 80 em todos os países da América Latina, uma

única e mesma realidade. O ciclo perverso da institucionalização compulsória –

apreensão, triagem, rotulação, deportação e confinamento.

Essa perversidade da institucionalização compulsória iria além dos

danos causados ao desenvolvimento pessoal e social desses adolescentes.

Era antijurídica em sua essência, pois agredia frontalmente os mais

elementares princípios do direito, ao privar pessoas da liberdade sem a

garantia do devido processo.

Nas primeiras décadas do século XX, o atendimento ao menor

infrator esteve misturado à educação profissional das camadas pobres. É

importante salientar que da aliança entre médicos e juristas da década de 1920

surge, em 1927 mais especificamente, a primeira lei brasileira específica para

a infância e adolescência, o primeiro Código de Menores. Data daí a utilização

do termo “menor”, aplicado para designar um determinado segmento: o pobre.

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Nessa época existia uma grande preocupação com a disciplina das

crianças pobres, com a necessidade de colocar em ordem os “desviados” ou

aqueles que poderiam vir a sê-lo. Eram as medidas de proteção, onde o

estado iria construindo um modelo do que se diz ser assistência à pobreza.

Assim: sob égide do juiz, os menores não eram “julgados”, mas “tutelados”.

A produção de infância e juventudes desiguais tornou-se expressiva

através da reiterada prática de internação das crianças e jovens pobres, em

especial, após o advento do Juizado de Menores, em 1923, criado para

solucionar o problema da “infância e juventude desassistidas”. Entre 1942 e

1964, foi a época do Serviço de Assistência ao Menor – SAM -, no qual o

modelo de atendimento ao adolescente infrator era do tipo correcional-

repressivo. Essa política de internação se fortaleceu durante o Estado Novo.

Chamava, na época, o SAM de “Universidade do crime! Ou “sucursal do

inferno”.

O SAM funcionava apenas no então Distrito Federal, o Rio de

Janeiro e, na década de 1950, com a industrialização e os grandes fluxos de

urbanização que caracterizariam a segunda metade do século, o modelo do

SAM já não dava conta não só do aumenta quantitativo do fluxo de

atendimento, como do crescente agravamento da problemática trazida pelos

jovens para o interior de suas unidades. A repressão pura e simples mostrava-

se incapaz de fazer face aos novos tempos.

Em 1959, a ONU sanciona a Declaração de Direitos da Criança e,

anos depois, ocorreu o Golpe Militar no Brasil, em 1964 e, nesta época, a

questão da menoridade foi alçada à condição de problema de segurança

máxima. Foi implantada a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM),

onde se procurou fazer um amplo e profundo reordenamento institucional.

Neste período surgiu a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor

(FUNABEM). À época da vigência dos Códigos de Menores, esses

estabelecimentos eram denominados “depósitos” e se diziam destinados ao

“regime educativo”, com a finalidade de “prevenção ou preservação”, mas o

que acontecia realmente era toda a sorte de maus tratos sofridos pelas

crianças e jovens. A FUNABEM era um órgão da administração indireta ligada

diretamente à Presidência da República, investido de funções normativas e

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responsáveis pela coordenação (apoio técnico e financeiro) da nova política de

âmbito nacional. Entretanto, na prática, estava também presente em sua

concepção a ideia da descentralização, que consiste na divisão de

responsabilidades entre os governos federal, estadual e municipal,

considerando a idade dos menores. A Lei Federal 4.513 de 01/12/1964 que

criou a FUNABEM em substituição ao SAM invocava a participação das

comunidades para que, junto ao governo, participassem da “tarefa urgente” de

procurar soluções para o problema do menor no Brasil, cujo objetivo era

transformar o modelo de atendimento carcerário, consubstanciado pelo SAM,

em um modelo terapêutico-pedagógico.

O delinqüente nato, indivíduo antissocial, de índole má, propenso ao

delito e dotado de alto grau de periculosidade, do SAM, começa a ser

substituído, no discurso institucional, pelo menor privado de condições

mínimas de desenvolvimento. O famoso carente biopsicossociocultural passa a

prevalecer nos relatórios técnicos e nas decisões jurídicas dos tempos da

curva ascendente do regime militar.

O novo pessoal técnico proíbe castigos físicos, a violência e a

tortura e propõe o diálogo e as atividades de grupoterapia, baseada em

estudos sociais de casos, e laudos psicopedagógicos, como a nova base de

atendimento ao menor.

Apesar de todo esse grupo de novas ações, os novos técnicos não

tinham experiências e nem sabiam agir diante de brigas, rebeliões, motins,

fugas, confronto de grupos rivais, vandalismos, drogas, uso sexual dos mais

fracos e outros ocorrências.

A FUNABEM herdou os menores oriundos do SAM, porém, além de

herdar os menores, boa parte dos antigos funcionários da instituição anterior

permaneceu, permanecendo também a antiga cultura institucionalizada. A

ocorrência das primeiras brigas logo colocou as equipes técnicas,

despreparadas, reféns da situação atual.

As ações humanitárias e a resistência de antigos profissionais, bem

como a realidade das instituições levaram novamente as práticas do modelo

correcional-repressivo. A FUNABEM cumpriu sua trajetória sob o signo da

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ambiguidade. Os discursos políticos de seus dirigentes jamais foram capazes

de produzir alguma alteração significativa.

Em 1984, ainda no Governo do Presidente João Batista Figueiredo,

começou a ser pensada a proposta de descentralização do atendimento a

menores do Estado do Rio de Janeiro atendendo à necessidade de

descentralizar como parte do ideário da redemocratização que já brilhava no

horizonte da política nacional. Essa implantação ocorreu, de fato, no segundo

ano do governo do Presidente José Sarney.

É bom ressaltar que o Código de Menores foi alterado em 1980,

ampliando a competência do Judiciário sobre os menores em situação

irregular, aumentando o elenco de medidas que compunham a indicação do

tratamento a ser dado na sentença judicial. Esse aumento de competências

apenas fez crescer a tendência já existente do juizado de menores, detentor do

poder de indicação das medidas a serem adotadas em cada caso, que optava

como regra, pelo internamento e não por medidas assistenciais possíveis.

A passagem da FUNABEM para o DEGASE não aconteceu de

forma abrupta. Funcionários escolhidos da FUNABEM foram treinados para

elaborar o plano de trabalho e criação dos CRIAMs – Centro de Recursos

Integrados para o Atendimento ao Menor - centro de atendimento de

semiliberdade. O sociólogo Carlos Alberto Sardinha (1987) revela que o que

se pretendia era proporcionar aos meninos já na fase de adolescência, uma

experiência de educação política não discursiva, prática. E também com a

comunidade que pudesse, na verdade, educá-lo politicamente. Não podia falar

sobre isso porque o momento não era adequado, ainda mais um projeto que

estava se desenvolvendo dentro de uma contradição porque quem patrocinava

era o algoz.

Crises políticas, vaidades exarcebadas, elitização do projeto co-

administrado pelos funcionários da FUNABEM foram diluindo e a saída desses

funcionários que estavam tão entusiasmados com a proposta efetivamente

aconteceu.

É importante destacar que o projeto precursor do CRIAM, anterior

ao ECA, cumpriu de forma incompleta, a sua função: repassar ao Estado do

Rio de Janeiro o atendimento ao menor.

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Em 1994 é criado o Departamento Geral de Ações Socioeducativas

– DEGASE -, órgão da Secretaria de Justiça e Interior do Estado do Rio de

Janeiro, com o objetivo de cuidar da execução das medidas socioeducativas

aplicadas a adolescentes autores de atos infracionais. O DEGASE acabou

herdando as, até então, 16 unidades de CRIAMs existentes no estado, criadas

no âmbito federal e destinadas à execução de medidas de semiliberdade,

liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade, e, mais 03 unidades

de internação, centralizadas na capital do Estado: Educandário santos Dumont

(para até 36 adolescentes do sexo feminino), Escola João Luiz Alves ( para

internação de até 120 adolescentes do sexo masculino) e Instituto Padre

Severino (para internações provisórias de até 160 adolescentes do sexo

masculino).

A partir de 1997, organizou-se um projeto de reestruturação dos

trabalhos que, entre outras medidas, foram discutidas:

- Promoção da integração operacional, com a criação do plano

interinstitucional;

- Criação de uma Unidade de recepção e triagem, evitando que o

adolescente permanecesse muito tempo na delegacia ou no Instituto Padre

Severino.

- Regionalização do atendimento com a instalação de unidades na

Baixada Fluminense e em Niterói;

- Criação de uma unidade-modelo de semiliberdade e Liberdade

Assistida, na Ilha do Governador;

- Realização de concurso público para agentes de disciplina e

educacional, professores de educação física, pedagogos, psicólogos e

assistentes sociais.

Vinte anos depois da criação do DEGASE, muitas outras unidades

foram criadas em todo o Estado. Unidades de Internação em Volta Redonda e

em Campos dos Goitacazes e Unidades de Internação Provisória na Ilha do

Governador e Belford Roxo, e a Escola de Gestão Socioeducativa, que

objetiva a formação dos funcionários do DEGASE, estudo e produção de

acervo voltado ao atendimento socioeducativo.

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1.3 - O Protagonismo Juvenil

A palavra protagonista vem do grego Protagonistés. O principal

lutador, personagem principal, pessoa que desempenha ou ocupa o primeiro

lugar em um acontecimento.

A passagem entre os tempos da infância, da adolescência, da

juventude e da vida adulta pode ser entendida como “acordos societários”. De

certa forma, as sociedades estabelecem acordos intersubjetivos e normas

culturais que definem o modo como o juvenil é conceituado ou representado

(condição juvenil). Em algumas sociedades os rituais de passagem para a vida

adulta são bem delimitados e se configuram em ritos sociais. Nas sociedades

urbanas as fronteiras encontram-se cada vez mais borradas e as passagens

de épocas geracionais não possuem marcadores precisos.

O protagonismo juvenil é um processo no qual o jovem atua como

autor e ator de suas decisões levando a um conjunto de ações que culmina na

construção do projeto de vida e preparam o jovem para o convívio social,

construtivo, criativo e solidário cujo modelo de ação não supõe um mecanismo

de geração de lideranças individuais, indivíduos líderes (elites), mas a geração

de participação e cooperação social. Existem duas características que

distinguem o método de ação educativa. A primeira delas é a visão do jovem

como parte da solução e não como parte do problema. E, a segunda é a visão

do jovem como fonte, não como receptáculo de conteúdos a serem-lhe

introjetados.

É importante salientar que a participação efetiva de jovens na

construção do modelo e da dinâmica social da comunidade onde ele está

inserido é necessária para abrir espaços e facilitar processos que permitam

cada vez mais essa inserção, pois consiste no envolvimento dos jovens em

todas as etapas do enfrentamento e na solução de um problema real, isto é, a

análise da situação, a decisão pela ação a ser desenvolvida, o planejamento

do que foi decidido a realizar, a execução do que foi planejado, a avaliação das

ações e a apropriação dos resultados. Todas essas etapas devem perpassar

pela percepção do jovem como fonte a ser traduzida por aqueles que os

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eduquem e os apóiem para que se obtenham um desempenho como fonte de

iniciativa (ação), de liberdade (opção) e de compromisso (responsabilidade)

pelas conseqüências de seus atos, participando das soluções e não como

parte dos problemas.

O protagonismo juvenil é, portanto, uma ferramenta válida e eficaz

para possibilitar aos jovens condições concretas de ampliação e qualificação

da sua participação no processo social e educativo. É fundamental a

participação desses jovens nas questões da realidade social, ambiental,

cultural e política de onde estão inseridos, além de contribuir para seu

desenvolvimento pessoal e social.

No início do século XX, o enfoque das análises sobre a juventude

era o controle da delinqüência. A juventude era interpretada como um perigo

social; era um espectro que rondava os lares burgueses. As duas guerras

(européias) mostraram que a juventude era em sua maioria subordinada aos

interesses do mundo adulto. A primeira guerra mundial eliminou quase todos

os jovens entre 18 e 25 anos de vários países europeus. A segunda guerra,

apesar de ter um índice menor de mortes, deixou um número imenso de baixas

juvenis. Os soldados que foram às frentes de batalha eram todos jovens. É

importante destacar que o enfoque histórico e militar deu pouca importância a

esse fato. Uma questão passou ao largo daquele momento: delinqüentes ou

integrados?

Na década de 1960 o tema da juventude emergiu. Naquela época, o

enfoque oferecido interpretava a juventude como agente de transformação

social, revolucionando costumes, hábitos, cultura e política. As ações juvenis –

do movimento da contracultura às ações guerrilheiras latino-americanas –

eram percebidas como exigências das transformações radicais para uma

sociedade necrosada. Essa juventude era, ao mesmo tempo, criticada por ser

irracional e ingênua e os opositores das lutas por libertação a compreendiam

como inocente útil, massa de manobra.

No período compreendido entre 1970 até 2001, houve um

deslocamento da atenção. Os setores juvenis foram considerados menos

significativos e a questão juvenil volta ao foco, principalmente na America

latina, na segunda metade da década de 1980, outra vez a partir do tema da

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delinqüência. Era a questão do menor. E estava vinculado ao empobrecimento

do subcontinente, que ofereceu visibilidade a las niñas y los niños de la calle –

as meninas e os meninos de rua. Recaía mais uma vez sobre a patologia da

anomia social, ou seja, tratava-se de compreender e interpretar as razões que

levavam a infância e a juventude para o mundo da delinqüência.

É interessante destacar Saffioti (1995) quando diz que o poder no

Brasil é macho, branco, adulto e rico, ou seja, a sociedade brasileira, em seu

ponto de vista, é “machocêntrica”, “brancocêntrica”, “adultocêntrica” e

“ricocêntrica”.

Ao retornar as questões juvenis na década de 1980, crianças e

adolescentes começavam a ser identificados como sujeitos do próprio

processo, para além da preocupação dos educadores e assistentes sociais

que lidavam diretamente com esse segmento social. Ainda nos anos de 1980,

ocorreu a organização de movimentos nacionais de meninos e meninas de rua,

na qual a exigência fundamental era a abordagem desse assunto por uma

ótica diferente da perspectiva policial, discutindo, fundamentalmente, a questão

dos direitos e, sobretudo do direito à educação.

Em 1985, foi declarado pela Organização das Nações Unidas o Ano

Internacional da Juventude. As preocupações internacionais com o futuro, com

o bem estar das futuras gerações, implicava a inclusão da juventude na

agenda internacional. As ações juvenis incidiam diretamente na construção de

ações governamentais, que apontassem para um futuro coletivo, garantindo á

juventude um papel distinto daquele de assistente ou paciente a porvir.

Ressalta-se que, em contrapartida, a década de 1980 é considerada

uma década perdida, pois as Políticas Públicas não conseguiram gerir uma

situação propícia para o desenvolvimento social da juventude.

No final da década supracitada, houve ações juvenis em vista da

ética na política, recolocando a juventude no cenário político brasileiro. Neste

ponto, a União Nacional dos Estudantes – UNE - e a União dos Estudantes

Secundaristas – UES - tiveram participação efetiva, pois tinham desaparecido

na década de 1960, durante o período militar.

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Essa juventude esclarecida e empenhada reapareceu para exigir o

impeachment do primeiro Presidente civil eleito pelo voto popular, após a

abertura política e o fim do regime de exceção.

Na década de 1990, emergiram diversos movimentos culturais, que,

na maioria, tinham os jovens como protagonistas. Movimentos como o hip-hop,

rap, funk surgiram com força e ressurgiu musicalidades regionais como o forró.

Não se pode esquecer que a violência foi um dos destaques nesta

década com o aparecimento de movimentos que valorizam a violência

interétnica e a violência entre grupo de jovens rivais (as galeras). Surgiram

grupos de formação neonazistas no sul e no sudeste, os carecas, que

reproduziam movimentos europeus e norte-americanos que dirigem a violência

do grupo contra negros, homossexuais, nordestino e indígena.

Outro modelo de comportamento é observado em determinados

grupos de funkeiros, onde jovens se identificam por meio de código guerreiro.

Nos centros urbanos, no final da década de 1990 surgiram ações

juvenis pela paz com movimentos que vão desde protestos de assassinato

brutal de treze meninos de rua na Candelária, no Centro do Rio de Janeiro até

a indignação contra a chacina na favela de Vigário Geral, também no município

do Rio de janeiro, onde, após essa tragédia surgiu o grupo cultural Afro

Reggae que promove ações pela construção de alternativas de geração de

emprego e renda para a juventude.

No Brasil, a questão da violência infligida aos jovens e perpretada

por eles é considerada um tema de saúde pública.

Para finalizar, é importante considerar que os jovens não podem

mais ser vistos a partir de uma ótica fragmentada e reducionista. Algumas

amarradas devem ser cortadas, pois a escada da participação do jovem na

sociedade atual vai da manipulação à autonomia. Da manipulação: onde os

adultos determinam e controlam o que esses jovens deverão fazer numa

determinada situação; da participação decorativa: onde eles apenas marcam

presença em uma ação, sem influir no seu curso e sem transmitir qualquer

mensagem especial aos adultos; da participação simbólica: onde sua presença

em uma atividade ou evento serve apenas para mostrar e lembrar aos adultos

que eles, os jovens, existem e que são considerados importantes; da

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participação operacional: onde participam apenas da execução de uma ação;

da participação planejadora e operacional: onde participam do planejamento e

da execução de uma ação; da participação decisória, planejadora e

operacional: onde os jovens participam da decisão de se fazer algo ou não, do

planejamento e da execução de uma ação; da participação colaborativa plena:

onde eles participam da decisão, do planejamento, da execução, da avaliação

e da apropriação dos resultados; da participação plenamente autônoma: onde

os jovens realizam todas as etapas e, finalmente, da participação condutora,

onde os jovens, além de realizar todas as etapas, orientam a participação dos

adultos.

1.4 - O Estatuto da Criança e do Adolescente

Com a Constituição de 1988, chamada Constituição Cidadã a

necessidade da construção do novo Direito da Infância e da Juventude no

Brasil avançava pelo estado democrático. Um pouco antes, em 1979, já se

começava a delinear o que aconteceria onze anos depois. O ano Internacional

da Criança iria ter como produto a decisão de se fazer a Convenção

Internacional dos Direitos da Criança, e, em 1985, o Ano Internacional da

Juventude desencadearam a produção de um importante conjunto de

instrumentos da normativa internacional que, junto com a Convenção, passou

a construir o corpo de dispositivos configurados da Doutrina das Nações

Unidas para a Proteção Integral da Criança e do Adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90 (BRASIL,

1990), considera a adolescência como o período de vida que vai dos 12 anos a

18 anos de idade e a Organização Mundial da Saúde (OMS) delimita a

adolescência com a segunda década da visa (10 a 19 anos).

Neste período ocorrem importantes transformações no corpo

(puberdade), no modo de pensar, agir e no desempenho dos papéis sociais.

Observa-se que o papel social dos jovens é, em grande parte,

condicionado pelas pressões psicológicas e sociais às quais eles estão

sujeitos, mesmo antes de entrarem na fase adolescente.

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Sudbrack e Cestari, (2005), comentam que cada vez mais jovens

estão se iniciando mais cedo no uso de drogas e, incluso, apresentando um

consumo de maior freqüência e entrando em situações precoces de

dependências.

O ECA coroa esse novo paradigma de abordagem das questões

relativas a crianças e adolescentes, constituindo-se na única legislação

adequada aos princípios da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito da

Criança no contexto latino-americano. Trata-se da Proteção Integral, isto é, da

sobrevivência, do desenvolvimento e da integridade de todas as crianças e

adolescentes, criando mecanismos de exigibilidade para os direitos individuais

e coletivos da população infanto-juvenil, pois foi elaborado de forma tripartite:

movimentos sociais, mundo jurídico e políticas públicas.

O adolescente autor de ato infracional encontra-se em

circunstâncias especialmente difíceis, ou seja, em situação de risco pessoal e

social.

O Estatuto da Criança e do Adolescente considera que são

penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos que cometem crime ou

contravenção penal, nestes casos chamados de atos infracionais. A estes

jovens não podem ser perpetradas penas, e sim medidas socioeducativas. A

aplicação dessas medidas pela prática desses atos infracionais é de

competência exclusiva do Juiz da Vara da Infância e Juventude.

Observa-se que as ações públicas dirigidas aos jovens têm caráter

fragmentário e são exercidas na focalização das diretrizes que são

denominadas de “jovens temáticos”, ou seja, as ações desenvolvidas

expressam modelar o seu público alvo. “Tem-se o “jovem-aluno”, o “jovem-

filho”, a “jovem-mãe”, a “jovem que não quer ser mãe”, o jovem infrator”.

Em seu artigo 111, O ECA enumera as várias medidas

socioeducativas que a autoridade competente poderia aplicar ao adolescente

após verificar a prática do ato infracional, entre elas a privação da liberdade

por internação em estabelecimento educacional.

Esta medida inclusa no artigo 111 diz que a internação constitui-se

medida privativa de liberdade, sujeita a princípios de brevidade,

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excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma lei decorrente do

artigo 227 da Constituição Federal. Este artigo sintetiza os pontos básicos da

Doutrina de Proteção Integral das Nações Unidas onde, em um dos seus

pontos, sinaliza que tudo o que considerado direito das crianças e dos

adolescentes deve ser considerado dever das gerações adultas, representada

pela família, pela sociedade e pelo Estado; as crianças e os adolescentes são

sujeitos de direitos exigíveis com base na lei, sendo o ECA – Estatuto da

Criança e do Adolescente - a lei que cria as condições de exigibilidade desses

direitos em seus 267 artigos.

Costa (1999), ao avaliar a primeira década de vigência da Lei

enumera entre as principais conquistas o fato de a legislação de proteção

integral a crianças e adolescentes no Brasil ter influenciado e inspirado

legislação semelhante em diversos países latino-americanos, indicando a

necessidade e o acerto da implantação desta doutrina em nações nas quais se

verificam grandes desigualdades sociais e a infância encontra-se ainda

vulnerável em seus direitos mais fundamentais.

É interessante lembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente

foi gestado na segunda metade da década de1980, no bojo do clamor popular

pela redemocratização plena do Brasil.

Pilotti e Rizzini (1995) argumentam que ocorreram sete mudanças

substantivas na legislação de menores a partir da lei complementar 8.069/90

que são elencadas:

1- Objetivo – no novo texto a criança se torna sujeito de direitos;

2- Pátrio Poder: onde a falta de recursos materiais não constitui motivo

suficiente para a perda ou suspensão do pátrio poder;

3- Detenção de menores: “nenhum adolescente será privado de sua

liberdade senão em flagrante delito de ato infracional ou por ordem

escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”

4- Direito de defesa: deixa de ser restrita ao curador de menor (figura do

Código de Menores de 1979) ou Ministério Público (ECA), podendo

ser exercido por outros atores durante o processo legal;

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5- Internação de menores: deixa de ocorrer por prazo indeterminado;

6- Posição do magistrado: não mais absoluto;

7- Mecanismo de participação: onde serão criados mecanismos de

participação da sociedade por intermédio de diferentes Conselhos:

Conselho Tutelar e os demais Conselhos para o estabelecimento de

políticas públicas – municipal, estadual e federal.

A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não- governamentais, da União, dos Estados, do Distrito federal e dos Municípios (Art. 86, ECA).

É importante destacar que no ECA, a política de atendimento pode

ser compreendida em dois grandes âmbitos, que são denominados de sentido

amplo e sentido estrito. No sentido amplo a expressão “Política de

Atendimento” abrange todas as políticas, programas e ações, sem qualquer

exceção, ou seja, as políticas universais e, também as políticas focalizadas. No

sentido estrito, a política de atendimento do ECA abrange, apenas, os

programas e ações responsáveis pela implementação das medidas protetivas

e socioeducativas. Os programas específicos encontram-se distribuídos nas

três políticas que são: a assistência social, a política de proteção especial e a

política de garantia de direitos.

Os órgãos que executam programas e ações de proteção especial

se encontram nos municípios e estão, geralmente, vinculados à secretaria ou

departamentos responsáveis pela assistência social. Nos estados, essa

vinculação institucional se dá com as áreas de justiça (no caso das medidas

socioeducativas) ou de assistência, promoção ou desenvolvimento social. No

Rio de Janeiro, motivo dessa pesquisa, desde o ano de 2006 está vinculado à

Secretaria Estadual de Educação.

Para efetivar mudanças concretas no sistema foi criado no Rio de

Janeiro o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE), no ano

de 1993.

Cabe destacar que os objetivos da aplicação da medida

socioeducativa de privação de liberdade, a reinserção social e a possibilidade

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de reflexão sobre a infração cometida, somente serão atingidas se os

adolescentes estiverem em um ambiente de novas referências para a sua

conduta.

Hall (2003) cita Gramsci, quando afirma que o Estado não é apenas

um aparato administrativo ou coercitivo,mas também educativo e formador “é

ético na medida em que uma das suas funções principais é elevar a grande

massa da população a um nível cultural e moral que atenda às necessidades

de desenvolvimento das forças produtivas e, daí, aos interesses da classe

dominante” (CP, p.258).

Para Frigotto (1998), o ser humano se contrapõe e se afirma como

sujeito num movimento, ação sobre a realidade objetiva. Ao modificar a

realidade que o cerca, modifica-se a si mesmo. Produz objetos e altera sua

própria maneira de estar na realidade objetiva, de percebê-la, fazendo sua

própria história.

Costa (2006) afirma que o elevado número de experiências

negativas sobre o sistema socioeducativo, aliado à lacuna de experiências

exitosas que deveriam ser compartilhadas e divulgadas tendem a reforçar a

crença de que o comportamento infracional tem necessariamente um alto

padrão de repetição e de que os sujeitos que se encaminham na prática

infracional tenderão a continuar cometendo infrações, aumentando sua

gravidade, tornando-se adultos criminosos.

No campo das possibilidades, esse caminho é percorrido por muitos

jovens que cumprem medidas socioeducativas de privação de liberdade. Não é

um fato isolado. Seria tendencioso afirmar que grande parte desses

adolescentes ao voltarem aos seus lugares de origem tenderá por optar por

uma vida diferenciada. O processo de mudança perpassa por uma série de

nós a serem desatados. O meio social exerce uma grande influência para

esses jovens egressos, pois sem uma possibilidade real de um emprego formal

(ou informal), por mais que muitos deles sejam fortes o suficiente para negar

um envolvimento ilícito, a vida os empurra para os caminhos mais fáceis, mais

próximos.

A melhor e mais sólida barreira para a prevenção de situações-

limites é o Projeto Pedagógico, pois só com uma proposta educativa

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consistente e articulada, com ênfase no desenvolvimento das competências

pessoais (aprender a ser) e competências relacionais (aprender a conviver), os

educadores e educandos poderão conviver num ambiente tranqüilo e

produtivo, onde as situações críticas terão probabilidades reduzidas de eclosão

e proliferação e, mais ainda, saber dizer não.

É necessário um rigoroso processo de recrutamento e de seleção

do pessoal dirigente, técnico e operacional das Unidades de Internação para

que os perfis desses profissionais se adéqüem às exigências do trabalho

socioeducativo.

É importante complementar que a comunidade socioeducativa não

vive e não pode viver isolada. As relações mútuas de ajuda e cooperação com

os demais atores da rede de atenção aos adolescentes autores de atos

infracionais são vitais para o trabalho educativo e para a segurança.

1.5 - O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente –

Comentado

O teor desta pesquisa concentra-se nas medidas socioeducativa de

privação de liberdade. Sendo assim nos deteremos apenas nos artigos

comentados referentes à privação de liberdade.

Não custa reafirmar que a medida socioeducativa tem conteúdo

predominantemente pedagógico, mas sua natureza é sancionatória. É uma

medida imposta, coercitiva quanto ao delito praticado por adolescente, e

decorre de uma decisão judicial.

O art. 121 diz que “A internação constitui medida privativa de

liberdade, sujeita a princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à

condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.

Entende-se por privação de liberdade, neste caso privar do direito e

de ir e vir e submeter o adolescente autor de ato infracional às regras de uma

unidade de internação, que devem estar fixados pela lei.

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Quando o artigo fala que a internação está sujeita aos princípios de

brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento, ele está se referindo, em relação à brevidade, ao limite

cronológico, pois ao trabalho socioeducativo compete abreviar o tempo de

internação, possibilitando ao adolescente com sua participação e esforça

condições de progressão para outra medida socioeducativa menos severa e

institucionalizante.

O princípio de excepcionalidade se trata do limite lógico no processo

decisório acerca da aplicação da medida socioeducativa de internação, que

deve ser imposta em último caso e diante de circunstâncias efetivamente

graves, seja para a segurança e a educação do adolescente autor de ato

infracional, seja para a segurança social.

O limite ontológico é o princípio do respeito à condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento. É importante destacar que a medida

socioeducativa é uma sanção que foi aplicada a uma pessoa, uma pessoa que

vive a travessia da infância para a vida adulta e busca construir sua identidade

pessoal e social e seu projeto de vida.

A internação sem prazo determinado e reavaliado periodicamente

está citada no parágrafo 2º do art.121. É importante frisar que o prazo

determinado não pode ultrapassar os 03 (três) anos e o limite de 21 (vinte e

um) anos de idade do jovem, quando a desinternação será compulsória. A

reavaliação da medida de internação é obrigatória e deve ocorrer no máximo a

cada seis meses (e não a cada seis meses, no mínimo). A medida pode ser

avaliada após dois, três ou quatro meses. Seis meses é o prazo máximo.

O art. 122 diz que “A medida de internação só poderá ser aplicada

quando:

I- tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou

violência à pessoa;

II- por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III- por descumprimento reiterado e injustificável da medida

anteriormente imposta.

A internação é uma medida excepcional e reservada para casos

específicos e bem caracterizada.

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Costa (2009) afirma que:

“A respeito da reiteração, faz-se oportuno destacar que este conceito não se confunde com a reincidência, que supõe a realização de novo ato infracional após o trânsito em julgado de decisão anterior. Por este entendimento se extrai que reiteração se revela um conceito jurídico de maior abrangência que o de reincidência, alcançando aqueles casos que a doutrina penal define em relação ao imputável como tecnicamente primário”. (COSTA, 2009. pag. 22).

Quanto ao descumprimento da medida anteriormente imposta, a

internação surge como uma sanção, uma regressão de medida mais branda

para medida mais severa, com o objetivo de levar o adolescente a retomar as

metas e as regras da medida anteriormente imposta e descumprida. Neste

caso, o prazo de internação não poderá ser superior a três meses.

O princípio da excepcionalidade é aplicado somente diante de casos

efetivamente grave e como última alternativa. É bom destacar que a medida de

internação não é o centro de tudo. Ela apenas integra um conjunto de medidas

socioeducativas, que devem ser estruturado da melhor forma possível e

funcionar articuladamente e com precedência da aplicação das demais

medidas em relação à internação, sempre que essa for a solução mais

adequada.

O art. 123 sublinha que “A internação deverá ser cumprida em

entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destino ao

abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física

e gravidade da infração.”; e ainda, no parágrafo único diz: “Durante o período

de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas”.

Esse artigo afirma categoricamente que a internação do adolescente

deve, obrigatoriamente, acontecer em estabelecimento distinto do destinado à

privação de liberdade de adultos e mais, que essa é uma medida onde se deve

adotar e adequar contenção e segurança necessárias para que seja cumprido

o proposto no artigo. Quando reitera que deve ser em “local distinto ao destino

ao abrigo”, deixa clara a diferença entre ambas. O abrigo é uma medida

protetiva, provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a

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colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade. As

medidas são distintas em natureza e funcionamento.

A separação por critérios de idade compleição física e gravidade da

infração está diretamente relacionadas a evitar a promiscuidade e garantir

atendimentos adequados para os adolescentes cujas trajetórias, idades, atos

infracionais e estrutura física são distintos. E, quando, no parágrafo único do

artigo supracitado afirma que as atividades pedagógicas são obrigatórias,

inclusive na internação provisória, não se pode esquecer que esse

atendimento tem a marca da educação e contribui para o desenvolvimento

pessoal e social do adolescente e, mesmo em caráter provisório, em sua

internação cabem as unidades de internação programar atividades para que os

mesmos sejam inseridos.

No artigo 124 que trata dos direitos dos adolescentes privado de

liberdade, alguns desses direitos cabem ser mencionados:

I- Entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério

Público;

II- Peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III- Avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV- Ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V- Ser tratado com respeito e dignidade;

VI- Permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais

próxima ao domicílio de seus pais ou responsável;

VII- Receber visita, ao menos semanalmente;

VIII- Corresponder-se com seus familiares e amigos

IX- Ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X- Habitar alojamento em condições adequadas de higiene e

salubridade;

XI- Receber escolarização e profissionalização;

XII- Realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;

XIII- Ter acesso aos meios de comunicação social

XIV- Receber assistência religiosa, segundo a sua crença, desde que

assim o deseje;

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XV- Manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro

para guardá-los, recebendo comprovante daqueles que por

ventura depositada em poder da entidade;

XVI- Receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais

indispensáveis à vida em sociedade.

Parágrafo 1º - Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

Parágrafo 2º - A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a

visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados

de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente.

Sabendo que o adolescente autor de ato infracional é um sujeito de

direitos esse artigo divide esses direitos em três grupos: O primeiro

relacionado aos seus direitos diante da Justiça da Infância e da Juventude (I;

II; III; IV); o segundo, os direitos perante a direção e equipe da unidade de

internação, no dia-a-dia do atendimento socioeducativo ( V; IX ;X ;XI; XII; XIV;

XV; XVI) e o terceiro grupo, os direitos em relação aos seus vínculos com a

família e a comunidade ( VI; VII; VII; XII).

Por fim, o artigo 125 destaca que “É dever do Estado zelar pela

integridade física e mental dos internos, cabendo-lhe adotar as medidas

adequadas de contenção e segurança”.

É importante destacar que a integridade física, psicológica e moral

do adolescente autor de ato infracional é um direito constitucional. Adotar

medidas de contenção e segurança é um trabalho vital para assegurar direitos

fundamentais do adolescente referidos nesse artigo. É de suma importância

para a manutenção das regras evitarem que os adolescentes fiquem ociosos,

pois como se ouvem no jargão popular “cabeça vazia, oficina do diabo”.

É imprescindível que todos os atores que atuam no sistema

socioeducativo informe-se continuamente, estudem para que tenham maior

conhecimento e intimidade sobre a legislação vigente e sua aplicação.

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CAPÍTULO II

PARÂMETROS DA SOCIOEDUCAÇÃO

A capacidade de reconhecer essa modalidade de educação como

um direito do jovem em conflito com a lei a receber da sociedade e do Estado

como um conjunto articulado e conseqüente de oportunidades educativas

permitirá o desenvolvimento do potencial deste jovem e o capacitará a

relacionar-se consigo próprio e com os outros sem quebrar as normas de

convívio social tipificadas na Lei Penal como crime ou contravenção.

A Socioeducação deve ter como fundamento os princípios de

liberdade e os ideais de solidariedade e, como fim, a formação plena do

educando, a sua preparação para o exercício da cidadania e a sua qualificação

para o trabalho com base no art. 2º da LDB – Lei das Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, nº 9.394/96.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos fixou um novo

paradigma ético para a humanidade e é a partir deste paradigma que novos

instrumentos da normativa internacional foram elaborados e passaram a

orientar a proteção integral para todas as crianças e adolescentes do mundo.

O ECA é a tradução dos avanços internacionais no campo da promoção e

defesa dos direitos humanos da população infanto-juvenil.

2.1 - A Socioeducação

O conteúdo da socioeducação, além de conhecimentos, deve

desenvolver, no socioeducando, crenças, valores e atitudes e habilidades que

lhe permitam, no convívio social, avaliar situações e tomar, diante delas,

decisões e atitudes fundamentadas em valores humanos incorporados ao

longo do itinerário formativo percorrido com seus educadores.

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A socioeducação tem um papel fundamental. O de atuar como

espaço de mediação entre os adolescentes e jovens e a sociedade, de forma a

contribuir efetivamente para o seu retorno ao convívio familiar, comunitário e

social, auxiliando-os a usufruir de sua liberdade, sem o cometimento de novos

atos infracionais. Ou seja, o papel da socioeducação, constitui-se em encontrar

meios para educar adolescentes e jovens para a vida em liberdade (Silva, 201,

p. 109).

O papel da Socioeducação deverá ser desenvolvido pelos agentes

públicos que atuam junto aos adolescentes, com ações orientadas para a

transformação de sua realidade, numa perspectiva emancipatória. É uma

política pública jurídico-sancionatória e pedagógica, sendo que esta última

dimensão deve se sobrepor à primeira.

O objetivo essencial da ação socioeducativa é o desenvolvimento

dos potenciais do jovem para o convívio social, buscando o rompimento com

os ciclos de violência vivenciados pelos adolescentes e, também, a vinculação

a um processo educativo voltado à vida em liberdade. O binômio

responsabilização e educação são eixos estruturantes da socioeducação.

É importante destacar que os educadores sejam capazes de

distinguir as visões de homem, de mundo e de conhecimento que

fundamentam as práticas correcionais-repressivas assistencialistas e

permissivas escondidas por trás de vários modos de relacionamento do mundo

adulto com os jovens em conflito com a lei, de forma a diferenciar tais

abordagens de uma verdadeira ação socioeducativa.

A Socioeducação está essencialmente dirigida a adolescentes que

praticam ato infracional e para os quais se aplicam medidas socioeducativas

que têm como objetivo responsabilizar o adolescente quanto às conseqüências

lesivas do ato cometido e promover a ruptura com tais práticas.

As práticas socioeducativas ancoram-se em fundamentos jurídicos,

políticos, sociológicos, éticos, pedagógicos, filosóficos e históricos (Costa,

2006).

Os fundamentos jurídicos levam em conta toda a legislação

internacional e nacional relativa aos adolescentes autores de atos infracionais.

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Esses fundamentos estabelecem uma distinção entre as regras da doutrina da

situação irregular e as regras de proteção integral, estabelecida pelo ECA.

Os fundamentos políticos evidenciam que as ações socioeducativas

devem se basear no respeito dos direitos humanos declarados pela legislação.

Esses fundamentos evidenciam que a política socioeducativa configura-se

como uma conquista do estado democrático de direito em favor dos

adolescentes que praticam ato infracional, em favor dos Direitos Humanos.

Enquanto os fundamentos sociológicos oportunizam uma leitura

crítica dos diversos modos de organização social, familiar e comunitária, os

fundamentos éticos são estabelecidos a partir de uma visão de homem e de

mundo que orienta a ação humana que impactam as trajetórias de vida; os

fundamentos pedagógicos potencializam o desenvolvimento dos adolescentes,

despertando-lhes novas possibilidades de relacionar consigo e com seus

pares. No campo da filosofia de vida, o socioeducador deverá ter um

conhecimento de homem e do significado e do sentido da ação socioeducativa

para a construção de um mundo melhor, mais justo, mais humano e mais

solidário e, portanto, mais seguro para todos.

Por fim, os fundamentos históricos remetem ao conhecimento sobre

o sistema de atendimento ao adolescente autor de atos infracionais no Brasil,

entendendo as rupturas realizadas na dimensão legal e nas políticas sociais,

em uma clara intenção de abandonar o modelo educativo baseado na violação

de direitos humanos.

É importante destacar que a mudança de paradigmas se fez

necessária na política da socioeducação. Na área do direito da criança e do

adolescente a transição entre as velhas e novas concepções já apareciam no

fim do túnel. A Doutrina da Situação Irregular limitava-se apenas aos menores

em situação irregular, que eram constituídas por quatro tipos de menores:

1- Carentes- menores em perigo moral em razão da manifesta

incapacidade dos pais para mantê-los;

2- Abandonados – menores privados de representação legal pela falta

ou ausência dos pais ou responsáveis;

3- Inadaptados – menores com grave desajuste familiar ou comunitário;

4 - Infratores – menores autores de infração penal.

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O que observamos é que apesar do ECA trazer uma mudança da

Doutrina da Situação Irregular para a proteção integral dos meninos e

meninas, uma grande parte das ações governamentais concretas em relação a

crianças e adolescentes pobres, ao longo das décadas de 1990 e ainda nos

anos 2000, manteve-se fortemente marcada pelo caráter penal remonta ao

Código de Menores de 1927.

Conclui-se, pois, que a educação social tem sido considerada capaz

de interferir no potencial dos adolescentes, por meio de ações educativas

integradas e que entendam o adolescente de forma integral. O papel da

socioeducação é desenvolver ações orientadas para a transformação da

realidade desses adolescentes, numa perspectiva emancipatória, pois é por

meio da dimensão pedagógica que se entende que seja possível a preparação

e formação desses jovens que cumprem medida socioeducativas.

2.2 - O Adolescente autor de ato infracional

O conceito de adolescência somente se tornou parte do discurso

econômico, social e pedagógico no fim do século XIX, porém, antes disso, já

era possível encontrar reflexões filosóficas sobre o jovem. No século IV,

Aristóteles já se referia sobre o que considerava o temperamento imprevisível

e descontrolado da juventude.

Sob o ponto de vista cronológico, é considerado adolescente aquele

indivíduo na faixa etária entre 12 a 18 anos incompletos, segundo os

parâmetros do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Do ponto de vista biológico, considera-se adolescente aquele que já

alcançou a maturidade sexual e é capaz de contribuir para a reprodução da

espécie.

Sob outra perspectiva, a adolescência pode ser compreendida como

uma fase do desenvolvimento humano, marcada por características universais

e conquistas compartilhadas por todos os adolescentes, no plano psicológico,

social e cultural (Cole & Cole, 2004).

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Segundo Araújo & Lopes de Oliveira (2010), dentre os muitos

estereótipos relacionados ao adolescente em nossa sociedade, predominam

aqueles que são negativos. Tais características negativas freqüentemente

atribuídas à adolescência contribuem para que os adolescentes sejam

mantidos em posição marginal na nossa sociedade. Diante de uma suposta

ameaça representada pela força, criatividade e contestação de adolescentes e

jovens, a resposta social, muitas vezes, tem sido a de promover a sua

marginalização.

Os adolescentes são sujeitos ativos que podem se apresentar como

protagonistas em seus processos de desenvolvimento e no espaço social em

que vivem.

Anna Freud (1936) afirma que:

Os adolescentes são extremamente egoístas, considerando-se o centro do universo e o único objeto de interesse. Mas não há outra fase da vida onde se é capaz de tanto auto-sacrifício e devoção (...). Eles se introduzem entusiasticamente na vida da comunidade e, ao mesmo tempo, têm uma necessidade extrema de solidão. Oscilam entre a submissão cega a um líder eleito e a uma rebelião desafiante contra toda e qualquer autoridade (...). Seus temores oscilam do otimismo esfuziante ao pessimismo negro. (1936:137-138).

Soares (2003) observa que muitas vezes quando se pergunta a um

adolescente por qual razão cometeu um assalto, as explicações são sempre as

mesmas: o descaso com a vida do outro. Isso tipifica o imediatismo com o qual

esse adolescente encara essa forma exacerbada de ser viver o momento.

O Brasil possui 25 milhões de adolescentes na faixa de 12 a 18

anos, ou seja, 15% da população, de acordo com o IPEA (2002). Nessa

mesma pesquisa é informado que 92% dos jovens entre 12 e 17 anos estão

matriculados e 5,4% ainda são analfabetos. Na faixa etária de 15 a 17 anos,

80% dos adolescentes freqüentam a escola e, somente 48% estão no nível

adequado para a sua faixa etária, e somente 11% dos adolescentes entre 14 e

15 anos concluíram o ensino fundamental;

No contexto de desigualdade social, a mortalidade juvenil, por

homicídio entre os jovens é muito superior à da população não jovem;

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Os adolescentes autores de atos infracionais são julgados e

considerados responsáveis por atos tipificados como crime ou contravenção

pelo Código de Direito Penal. Como esses adolescentes são penalmente

inimputáveis, por serem menores de idade, são submetidos a medidas

socioeducativas prevista no art. 11 do Estatuto da Criança e do adolescente –

ECA -, podendo a autoridade judicial, quando entender necessário, aplicar,

cumulativamente, medidas de proteção (art. 101).

O estigma construído em torno dos adolescentes em conflito com a

lei tem sido pedra fundamental na produção de práticas de culpabilização e

punição. Grande parte desses jovens vive nos grandes centros urbanos e uma

parcela significativa vive em condições desfavoráveis ao seu desenvolvimento,

conforme o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE). Percebe-se que em nossa realidade o cometimento de atos

infracionais, na grande maioria dos casos, está associado a contextos de

pobreza e vulnerabilidade social. Segundo dados do IBGE, em 2004, o Brasil

tinha 25 milhões de adolescentes na faixa de 12 a 18 anos, o que representava

cerca de 20% da população de um país marcado por uma intensa

desigualdade social. É fácil observar nas abordagens policiais que o alvo das

revistas são preferencialmente os jovens pobres e negros e, as incursões

direcionadas aos territórios habitados pelos mais pobres.

Não se pode deixar de comentar que, historicamente, várias foram

as sociedades que buscaram explicar e, desse modo, controlar os crimes e

atos violentos. Entre as explicações oferecidas, as bases naturalistas e que

situavam o problema no indivíduo, em suas características biológicas,

personológicas ou psicopatológicas, sempre fez muito sucesso, motivando

altos investimentos em pesquisa e políticas públicas.

A criminalização, visão segundo a qual o problema do crime é o

criminoso, que já nasce predisposto a trilhar esse caminho, seja por

características biológicas ou hereditárias, ou ainda por circunstâncias de sua

história de vida, como a pobreza, já citada, e o rompimento dos laços

familiares. Caldeira (2000) destaque que:

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Se a desigualdade social é um fator explicativo importante, não é pelo fato de a pobreza estar correlacionada diretamente com a criminalidade, mas sim porque ela reproduz a vitimização e a criminalização dos pobres, o desrespeito aos seus direitos e a sua falta de acesso a justiça (p.134).

O grande número de adolescentes excluídos, sem perspectiva de

inclusão no mercado formal de trabalho, vivendo em um contexto de grande

oferta de drogas, armas e inserção no tráfico empurram-nos para os muros das

instituições totais. Esses adolescentes que vivem em situação de

vulnerabilidade social e necessitam sobreviver, muitas vezes acabam

seduzidos por esse submundo, por meio de uma integração perversa, na

expressão de Guareshi (2004).

Os dados sobre situação da infância e da adolescência no Brasil indicam que os avanços da legislação não transformaram a realidade de crianças e adolescentes despojados de seus direitos básicos... Por outro lado, as estatísticas têm mostrado que os jovens brasileiros são muito mais vítimas da violência do que agressores. (COSTA et al, 2012, p.380).

A delinqüência só é reconhecida depois que a Medida

Socioeducativa é aplicada, avaliada, diagnosticada e tratada, mas é preciso

muito cuidado para não transformar o infrator em delinqüente (FOUCAULT,

1986), pois, para isso é necessário fazer uma cuidadosa avaliação das

condições individuais, familiares e sociais do adolescente que cometeu o ato

infracional, sem construir para ele um perfil de delinqüente. Para Foucault

(1986), infrator é definido como aquele que infringe as normas jurídicas

estabelecidas, enquanto o delinqüente é fabricado e submetido ao sistema

judiciário, que o nomeia, estigmatiza e controla.

Dentro das Unidades de Internação, os jovens apreendidos criam

regras, atitudes e posturas que muitas vezes tornam-nos enrijecidos,

inflexíveis. Não é incomum encontrar entre esses adolescentes a proibição do

riso, da dança, da disposição velada ou anunciada para a brincadeira, pois a

“pose de bandido” deve ser mantida. Obviamente que existem um número

expressivo de adolescentes privados de liberdade que ajem como

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adolescentes, que dentro das unidades de privação de liberdade se comporta

de maneira adequada a sua faixa etária, que usa seus talentos, seus

conhecimentos e que percebem que são sujeitos de direitos e deveres. Há

muitos jovens nessas unidades que são afetuosos, dedicam-se aos estudos e

participam de todas as atividades sugeridas.

Para concluir, é importante frisar que, na tentativa de contrapor o

discurso de que o adolescente representaria o “mal social”, são apresentadas

algumas informações esclarecedoras (Cruz, 2010; Oliveira, 2001), como:

1- Os adolescentes são as vítimas preferenciais da violência urbana;

2- Os atos infracionais predominantes entre adolescentes em

cumprimento de medida socioeducativa de internação são contra o

patrimônio e não contra a vida;

3- Os atos infracionais praticados por adolescentes representam apenas

8% do total dos delitos, apesar dos adolescentes totalizarem mais de

40% da população brasileira.

Não existem evidências de que a incidência de atos infracionais

diminuiria por meio de agravamento de punições e penas (Cruz, 2010) e nem

que a redução da maioridade penal seria a “fórmula mágica” para a libertação

da sociedade dos atos infracionais. Milhares de adolescentes no Brasil só

encontram a figura da lei e da Justiça quando infringem as regras

estabelecidas pelo Contrato Social. Refletir sobre o fato de que, no momento

em que o adolescente é estigmatizado como potencialmente perigoso, uma

série de mecanismos são postos em ação,levando a naturalização de

fenômenos que, na realidade, são produto de tensos processos de construção

social. . 2.3 - A família do Adolescente em conflito com a lei

Interromper uma trajetória é resultado de um caminho de práticas de

delitos que os adolescentes percorrem na sua relação com a família, com a

comunidade, com o estado e com as políticas públicas. Raramente um

adolescente em seu primeiro ato infracional, comete um crime grave. Percebe-

se que a história de vida desses adolescentes geralmente conta com um

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percurso de falta de limites e de condições objetivas para internalizar normas

sociais. Vários fatores de risco são percebidos nessa conduta infracional:

dificuldade de aprendizagem, baixa escolaridade, violência na família e no

meio social, consumo de drogas, pobreza, além de fatores neurológicos e

psicopatológicos (GALLO; WILLIAMS, 2005). Fica evidente que o ato

infracional é resultado de uma trajetória e não um evento isolado na vida do

adolescente.

A desestruturação do núcleo familiar é identificada, em muitas

pesquisas, como um fator de risco. Em muitos estudos (GALLO, ROCHA,

LIMA et al, CARVALHO e GOMIDE e ADORNO) é apontado a entrada do

adolescente no contexto infracional relacionada a um comportamento de

confronto ou desestruturação do núcleo familiar; Jost (2010) ressalta que os

problemas intrafamiliares desencadeiam comportamentos permeados por

revolta, desapego, isolamento e violência, refletindo diretamente na

constituição da personalidade. Cabe ressaltar que a conduta infracional é uma

forma de mostrar poder, status, de possibilitar a concretização dos desejos de

autoestima, valorização, independência, realização, enfrentamento e

esperança. É muito comum ouvir os adolescentes relatarem sonhos de

construir uma família, de cuidar dos filhos, porém perceber também a

dificuldade de planejar e modificar os comportamentos.

O comportamento desviante desse adolescente está geralmente

ligado a cuidadores que mantêm ações negligentes, agressivas e que são

incluídos em situações de violência intra e extrafamiliar. A falta de experiências

positivas, de respaldo familiar e social, assim como de referências afetivas

deixa a impressão de estarem autorizados a serem sujeitos de exceção: fora

da norma e fora da lei (JOST, 2010).

Fica evidente que muitos desses adolescentes não contam com o

respaldo familiar e quando esta família se mostra presente, mantém práticas

antissociais (negligência, monitoria negativa, punição inconsistente, disciplina

relaxada, abuso físico).

Silva e Guaresi (2003) relatam que o diagnóstico do IPEA de 2003

mostra que 81% dos adolescentes viviam com a família quando praticou o ato

infracional; 12% dos adolescentes no regime de privação de liberdade eram de

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famílias que não possuíam renda mensal, configurando miséria. Destacam

também que 66% desses adolescentes advém de famílias com renda mensal

de até dois salários mínimos.

Dados do IBGE apontam que, em 2010, 17,9% dos arranjos

familiares brasileiros eram configurados pela presença de mulher sem cônjuge

e com filhos. É grande o número de adolescentes cumprindo medidas

socioeducativa de privação de liberdade que possuem apenas a mãe. Essa

sobrecarga de tarefas atribuídas às mães, que freqüentemente exercem as

atividades laborativas e de cuidados às crianças e adolescentes as deixam em

situação de vulnerabilidade social.

Costa (2010) indica em sua pesquisa sobre o fortalecimento da

capacidade protetiva da família do adolescente em conflito com a lei ao ouvir

esse adolescente e suas famílias durante o cumprimento da medida

socioeducativa que:

A família, como primeiro sujeito de uma dada sociedade, totaliza o que se espera por proteção social e sociabilidades primárias dirigidas a seus membros, (...) Afinal, a família, por si só, é uma rede. Tomar a família como unidade de atenção das políticas públicas é antes de tudo, um compromisso com as futuras gerações, um espaço de produção de saberes e conhecimentos. Um desafio na busca de potencialidades mais coletivas e de ampliação do arco de proteção dos indivíduos, pressionando, a sociedade e o estado para o exercício de suas responsabilidades sociais. (p.148.)

Os adolescentes têm na figura materna como alguém insubstituível,

que não desiste de cuidar e de sofrer por eles, mas o que é observado é que a

família ainda é tratada como “culpada” pelos atos infracionais cometidos pelos

seus filhos e / ou parentes, remetendo a outros tempos em que a condução

delituosa era sempre de responsabilidade da família e do próprio adolescente

(doutrina da situação irregular). Ainda é também comum que se pense que a

família do adolescente em conflito com a lei não tenha as mínimas condições

materiais ou morais para exercer seu papel de cuidado e educação.

Jost (2010) revela que, quanto à figura paterna, nota-se uma baixa

participação dos mesmos na vida do filho. Esse fato é constatado nas

Unidades de internação quando a festividade do “dia dos pais” é esquecida, ao

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contrário da festividade do “dia das mães”, comemorada em todas as Unidades

de internação do Estado do Rio de Janeiro.

Fica muito evidente que a genitora é a principal cuidadora desses

adolescentes. A presença paterna, quando ocorre, fica, de modo geral, em

segundo plano, e, por vezes, é marcada pelo alcoolismo e pela violência em

relação à mulher e os filhos.

Grande parte desses adolescentes que cumpre medida

socioeducativa de privação de liberdade tem uma visão idealizada das mães,

em parte devido ás condições em que se encontra o jovem, parcialmente

impedido de exercer sua liberdade e tendo a mãe senão o púnico, o mais

freqüente elo com tudo o que deixou lá fora.

Um fato curioso é constatado quando a família dos adolescentes em

conflito com a lei é ainda tratada como parcialmente “culpada” pelos atos

infracionais cometidos pelos seus filhos e/ ou parentes. Muitas genitoras

acabam se culpando realmente por toda a situação envolvendo seus filhos.

Essa responsabilização leva-as a atitudes extremas quando visitam seus filhos

nas unidades de privação de liberdade. Essas genitoras, tentando agradar por

um sentimento de perda, acreditam que, fazendo todas as vontades de seus

filhos, se redima de tudo aquilo que não fizeram antes de vê-los privados de

sua liberdade. Há casos também que a própria Equipe Técnica das Unidades

de Internação entende que a família deveria cumprir medida socioeducativa

com seu filho e, para isso, enumeram um rol de atividades de cunho punitivo-

coercitivo.

As famílias dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa

de privação de liberdade sofrem e se sente reféns de uma visão negativa, de

depreciação de seus esforços e competências, o que não raro distorce as

perspectivas de um atendimento sob a ética dos direitos humanos.

É evidente que dizer isso não significa deixar de admitir que as

famílias possam ter graves problemas e que podem ser violadas dos direitos

de seus filhos. Miranda e Zamora (2009) afirmam que as possibilidades

levantadas a respeito das diferenças entre o mundo dessas famílias e o mundo

daqueles que as condenam, entre diferença e falta, erro, negligência são fáceis

de serem avaliadas. Afirmam também que esses meninos e meninas e suas

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famílias tendem a ser pensados “no negativo”, como personagens

desvinculados da sociedade em que vivem e determinados por suas próprias

tendências patológicas e/ ou pela ausência de leis, que seriam estruturantes e

que lhes faltaram (Rauter, 2004).

A atuação com o adolescente em conflito com a lei exige a presença

dos familiares no processo socioeducativo, como parceiros na construção de

um cotidiano que favoreça a reflexão e a transformação. A participação da

família potencializa os laços e o sentido de autonomia é fundamental diante

das diversidades. Os vínculos entre familiares, adolescentes e a instituição se

fortalecerão e se transformarão à medida que mais próximos todos estiverem

para a construção de uma identidade positiva para esses jovens, mais o

trabalho socioeducativo acontecerá.

2.4 - As Medidas Socioeducativas

Medidas socioeducativas são as medidas aplicadas ao adolescente

que, depois do devido processo, foi considerado responsável pelo

cometimento de um ato infracional. Essas medidas estão dispostas no art. 112,

Inciso I a VI que são: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de

serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de

semiliberdade; internação em estabelecimento educacional. Além dessas

medidas poderão ser aplicadas também medidas protetivas prevista no art.

101 e também medidas específicas de proteção. Esse capítulo da pesquisa

tratará sobre essas medidas e dará um destaque especial na medida de

privação de liberdade.

Não se pode deixar de comentar que a medida socioeducativa é

uma medida imposta, uma medida coercitiva, que decorre de uma decisão

judicial. Portanto, é fundamental que o agente que aplicará essa medida, além

do conhecimento específico em relação à sua área de atuação, tenha também

uma consistente e sólida formação legalista básica para aplicá-la.

As medidas protetivas são aplicáveis quando da ameaça ou da

violação dos direitos da criança e do adolescente, por ação ou omissão da

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sociedade e do estado, ou por abuso dos pais ou responsável e em razão da

própria conduta da criança ou do adolescente. São oito as medidas definidas

pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu art. 101: I-

encaminhamento aos pais e responsáveis, mediante termo de

responsabilidade. II- orientação, apoio e acompanhamento temporários; III-

matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de Ensino

Fundamental; IV- inclusão em programa, comunitário ou oficial, de auxílio à

família, à criança e ao adolescente; V- requisição de atendimento médico,

psicológico, psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI- inclusão em

programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a

dependentes de álcool e drogas; VII- abrigo em entidade; VIII- colocação em

família substituta.

É importante citar os Regimes de Atendimento que são aplicados

nas medidas socioeducativas antes de nos determos, com brevidade, no

regime de privação de liberdade.

O atendimento em regime de Liberdade Assistida, que é conhecido

entre os adolescentes que praticaram atos infracionais como L.A, é

considerado, por alguns magistrados, a “rainha das medidas”, pois se trata do

regime de atendimento que, quando bem conduzido e orientado, tem, como

conseqüência, os mais elevados índices de não-reincidência. É a medida

socioeducativa mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o

adolescente que cometeu um ato infracional, pois a intenção principal é criar

condições favoráveis ao reforço dos vínculos do adolescente com a família, a

escola, a comunidade e o mercado de trabalho. “A Liberdade Assistida será

fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser

prorrogada, revogada ou substituída por outra medida ouvido o Orientador, o

Ministério Público e o Defensor” (Art. 118 e 119 do ECA).

A União e os estados abriram mão de deterem o poder relativo às

questões da política de atendimento à criança e ao adolescente e as

repassaram aos Municípios, que assumiram assim grandes responsabilidades

na criação de conselhos e programas específicos. A municipalização desse

atendimento é uma das diretrizes da política de atendimento estabelecida pelo

Estatuto da Criança e do Adolescente (Art. 86 a 89 do ECA) .

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A Semiliberdade é uma medida socioeducativa segundo a qual o

adolescente se divide entre períodos de reclusão e períodos de exercícios de

atividades externas. É uma privação parcial da liberdade, nos termos do art.

120 da Lei. Esse regime corresponde à pena de regime semi-aberto do Direito

penal dos adultos, porém para ser efetivo um leque variado de serviços de

apoio devem ser estruturados, pois sem uma sólida retaguarda nas áreas de

educação escolar, profissional, utilização de tempo livre e serviços de

orientação especializada em casos, por exemplo, de dependência de drogas

todo o atendimento conquistado naufragará. Percebe-se nesta medida que o

adolescente, ao sair do regime de internação e migrar para o regime de

semiliberdade, ele deve ter a consciência que se trata de um momento onde os

operadores do direito e a sociedade como um todo estão apostando em sua

recuperação, apostando que essa medida mais branda lhe dará condições de

exercer sua cidadania, elevar sua autoestima e reorganizar sua vida a partir de

novos valores, novas relações e novas formas de intervenção social.

A medida de internação, antes da entrada em vigor do Estatuto da

Criança e do adolescente era uma medida aplicada indistintamente tanto a

crianças e adolescentes carentes, abandonados e inadaptados, quanto aos

adolescentes autores de infração penal. Essa abrangência absurda na

aplicação da medida constitui, ao longo de quase todo o século XX, um dos

aspectos mais hediondos da Doutrina da Situação Irregular.

O ECA, em seu art. 121 restringiu a aplicação desta medida aos

adolescentes em conflito com a lei em razão de cometimento de ato

infracional.

Esse é o regime de atendimento de execução mais complexo, pois

se trata de interromper uma trajetória de vida.

A aplicação desta medida está condicionada a três princípios

fundamentais: brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de

pessoa em desenvolvimento. Esses princípios já foram citados e comentados

nesta pesquisa no capítulo 1.5, que se tratava do Estatuto da Criança e do

Adolescente – Comentado.

A aplicação desta medida é uma decisão judicial tomada no âmbito

do devido processo. Sua implementação está a cargo de uma equipe técnica

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especializada e o seu maior desafio é estruturar as normas internas ao

estabelecimento de sua aplicação, pois a elaboração de um regimento interno

da unidade de privação estruturará seu funcionamento.

A dimensão socioeducativa deve estar baseada no trinômio que

objetivará as concepções filosóficas e ético-políticas de sua aplicação:

humanidade, severidade e justiça.

Sobre humanidade deve corresponder à aplicação rigorosa dos

direitos e garantias dos internos à integridade física, psicológica e moral,

conforme o disposto na Constituição, nas normas internacionais, no Estatuto

da Criança e do Adolescente e nas leis e dispositivos infralegais (resolução do

CONANDA) que o complementam.

A severidade deve estar expressa numa clara reprovação social,

não do adolescente, mas do ato por ele cometido.

A justiça é a defesa intransigente da aplicação das leis. O sistema

de atendimento deve funcionar sob um forte e rigoroso império da lei.

É preciso sinalizar que no regime de atendimento de privação de

liberdade é permitido que o adolescente realize atividades externas, salvo

expressa determinação judicial em contrário. Essa concretização do princípio

da incompletude institucional nas unidades de internação contrabalança e

impede a institucionalização total do educando. Na Unidade de Internação

situada no município de Belford Roxo, os adolescentes participam de

apresentações teatrais, festivais musicais e torneios de futebol em outras

unidades no Estado do Rio de Janeiro, e em espaços alternativos onde são

recebidos com carinho, atenção e, muita curiosidade pela platéia que apenas

“ouvir falar” sobre esses internos e se surpreendem com o trabalho artístico-

esportivo que eles possuem.

É muito importante frisar que as atividades externas, os aplausos, a

perspectiva de novos horizontes se contrapõe ao pensamento daqueles que

não acreditam na ressocialização desses jovens.

Na hipótese de internação sem atividade externa, é interessante

destacar que:

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(...) a submissão a atendimento do adolescente privado de liberdade apenas no interior da unidade de internamento, sem atividades externas, supõe que na sentença judicial que determinou o internamento tenha o Juiz prolator da decisão expressamente determinado de forma justificada e motivada, a impossibilidade de o jovem privado de liberdade exercer estas atividades externas” (Saraiva ,1999, p.25).

Portanto, preparar os adolescentes privados de liberdade para as

atividades externas, com orientação sobre segurança e com o devido

acompanhamento nas atividades propostas é primordial para o êxito dos

trabalhos.

2.5 - O Sistema Nacional De Atendimento Socioeducativo –

Sinase.

O ano de 2003 o Sistema Socioeducativo já dava sinais de

desgaste. Segundo uma pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa

Econômica e Aplicada) todas as Unidades de Privação de Liberdade

apresentavam condições arquitetônicas impróprias, insalubres. Havia falta de

equipamentos, superlotação, falta de equipamentos próprios para o trabalho

socioeducativo e não havia quaisquer atividades propostas de cunho

pedagógico (Silva e Guaresi, 2003) e, cabe destacar também que as medidas

em meio aberto eram pouco aplicadas e sem uma boa estrutura que previsse

atribuições, competências e gestão de cada participante. Era necessário um

reordenamento do sistema socioeducativo.

As diretrizes da Política de Atendimento afirmam que:

A Política de Atendimento é regida por um conjunto de diretrizes (art. 88), que concretizam e expressam um conjunto de princípios estruturantes: descentralização (municipalização); participação (criação de conselhos de direitos); especialização (criação e manutenção de programas específicos); sustentação (manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais); integração (atuação intercomplementar e sinérgica entre as áreas de segurança, justiça e serviço social no atendimento ao adolescente em conflito com a lei); e mobilização (sensibilização,

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conscientização dos diversos segmentos da sociedade e da opinião pública como um todo) (COSTA, 2009 P.31).

Em fevereiro de 2004, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos

(SEDH) por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do

Adolescente (SPDCA), em conjunto com o CONANDA (Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente) e com o apoio da UNICEF,

sistematizaram e organizaram a proposta do Sistema Nacional de Atendimento

Socioeducativo – SINASE -. Em novembro do mesmo ano, promoveram um

amplo diálogo nacional com aproximadamente, 160 atores do Sistema de

Garantias de Direitos (SDG), que, durante três dias, discutiram, aprofundaram

e contribuíram de forma imperativa na construção deste documento (SINASE),

que se constituiria em um guia na implementação das medidas

socioeducativas.

Em 18 de janeiro de 2012, pela lei 12.594, que o SINASE é

instituído buscando uniformizar em todo o País, o atendimento ao adolescente

em conflito com a lei e o processo de apuração de infrações cometidas. O

SINASE recomenda que a aplicação da pena seja individualizada, levando em

conta condições como doenças, deficiências ou dependência química. A lei

ainda garante que os jovens tenham acesso à educação, capacitação

profissional, e retornem à escola pública assim que terminar o período nas

Unidades de Internação (BRASIL, 2012).

Enquanto Lei Federal, o SINASE reafirma as medidas em meio

aberto, com a municipalização de sua gestão e a regionalização dos

programas de privação de liberdade e objetiva primordialmente o

desenvolvimento de uma ação socioeducativa sustentada nos princípios dos

Direitos Humanos. Defende, ainda, a ideia do alinhamento conceitual,

estratégico e operacional, estruturada, principalmente, em bases éticas e

pedagógicas que serão citadas no capítulo terceiro desta pesquisa. Ele nasce

como maia uma tentativa de compreender que a política socioeducativa é de

inclusão do adolescente em conflito com a lei nos diversos espaços sociais, a

partir do reconhecimento de seus direitos e responsabilização pelo ato

infracional cometido. Do mesmo modo, as instituições de execução das

medidas são responsáveis pela garantia de programas socioeducativos que

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primem pela qualidade do atendimento, pois direitos e responsabilização são

indissociáveis. O SINASE visa trazer avanços não só na discussão sobre o

tema, mas, principalmente, na efetivação de uma política que contemple os

direitos humanos buscando transformar a problemática realidade atual em

oportunidade de mudança e, por estar inserido no SGD (Sistema de Garantia

de Direitos), o SINASE deve servir, também, como fonte de produção de dados

e informações que favoreçam a construção e o desenvolvimento de novos

planos, políticas, programas e ações para a garantia de direitos de todas as

crianças e adolescentes, reduzindo-se a vulnerabilidade e a exclusão social a

que muitos estão expostos. (SINASE/CONANDA, 2006).

Na visão do SINASE, a ação socioeducativa deve considerar as

potencialidades, a subjetividade, capacidades e limitações de cada

adolescente, “garantindo a particularização” no acompanhamento. Com a

elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA), torna esse instrumento

pedagógico fundamental para garantir a equidade no processo socioeducativo

(BRASIL, Sinase, 2006; 2012), pois a sua construção garante a escuta do

adolescente e seus responsáveis, pois eles não podem aderir a decisões que

não entendem e que não considerem a realidade concreta de suas vidas ou

até mesmo que sejam contrárias à “gramática” de direitos.

É importante frisar que o SINASE reafirma que a gestão dos

programas deve seguir princípios de gestão participativa, democrática:

(...) demanda autonomia competente e participação consciente e implicada de todos os atores que integram a execução do atendimento socioeducativo. Esta diretamente associada ao compartilhamento de responsabilidades, mediante compromisso coletivo com os resultados. (SINASE, 2006).

É possível constatar que a metodologia de gestão, independente de

se tratar de um programa estadual ou municipal, deverá prever um gestor,

responsável legal pelo programa ou instituição, e um Grupo Gestor, garantindo

a decisão e atribuições de forma colegiada, possibilitando, de forma a se

estabelecer como um canal privilegiado, além de compartilhar o poder

decisório desde o planejamento até a execução do programa.

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É indiscutível que o enfrentamento da violência crescente no Brasil

não encontrará resposta na redução da maioridade penal, e tampouco, no

endurecimento das medidas socioeducativas. É preciso realizar investimentos

no sentido da implementação do SINASE, Lei 12.594, decretada e sancionada

em janeiro de 2012.

Assim, as medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes que

praticaram ato infracional devem se orientar por objetivos socioeducacionais

que dêem condições para que eles ressignifiquem o ato infracional cometido e

possam reconstruir suas trajetórias de vida.

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57

CAPÍTULO III

AS BASES E ESTRUTURAS DA AÇÃO

SOCIOEDUCATIVA

A aplicabilidade de medida de internação dentro de uma unidade de

atendimento socioeducativo deve estar estruturada em três dimensões

convergentes e complementares. A primeira delas é o respeito aos direitos

fundamentais do adolescente, garantindo sua integridade física, psicológica e

moral. A segunda diz respeito à ação socioeducativa, ou seja, a educação para

o convívio social e para o desenvolvimento pessoal e social do adolescente. A

terceira dimensão se trata da segurança cidadã: as medidas de contenção e

segurança.

É importante que toda a equipe que trabalha em uma unidade de

internação compreenda essas três dimensões e as utilizem no seu dia-a-dia.

Quando é citada a educação para o convívio social, por exemplo, ela não deve

ser vista como “coisa de pedagogo, psicólogo ou assistente social”, pois é

muito mais do que isso. A participação de cada ator dentro de uma unidade de

internação é tão importante para o desenvolvimento das ações que a

responsabilidade pelo funcionamento em todos os ambientes é de todos os

envolvidos. Todos os educadores (diretores, equipe técnica, equipe

operacional, equipe de limpeza, de manutenção e equipe escolar) são

responsáveis por esse atendimento integral.

Neste capítulo, onde são destacadas as bases para a estruturação

da ação socioeducativa é importante destacar 03 (três) bases: as bases éticas,

as bases pedagógicas e as bases organizacionais. Ao falar das bases éticas,

cabe destacar que o adolescente autor de ato infracional é um sujeito de

direitos e deveres, por não respeitá-lo é prioridade absoluta; privar de liberdade

implica suspender, por tempo determinado, do direito de o adolescente ir e vir

livremente, de acordo com a sua vontade. Apesar disso, essa privação não

implica a supressão de seus direitos ao respeito, à dignidade, à privacidade, à

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integridade física, psicológica e moral, e ao desenvolvimento pessoal e social.

O adolescente autor de ato infracional continua titular desses direitos.

Tendo ciência que a medida socioeducativa de internação é a última

medida, ela deve ser aplicada, excepcionalmente, em último caso, quando não

é encontrada uma melhor solução. Dentre os princípios das bases éticas é

fundamental que, uma vez privado de liberdade, o adolescente seja cercado de

cuidados e condições que lhe permitam habilitar-se a sair dessa situação, com

progressão para outra medida menos severa ou com a volta, sem pendências

com a justiça, para o seu convívio familiar e comunitário.

Todos os educadores que trabalham nas unidades de privação de

liberdade devem estar cientes do cumprimento rigoroso das leis e dos

regulamentos que as envolvem. É importante que a presença educativa seja o

caminho para mover o adolescente da indiferença, da apatia e envolvê-lo no

processo socioeducativo. Fazer-se presente na vida do educando é

fundamental. Saber ouvi-lo, tentar compreender suas razões, suas falhas, seus

erros, seus atos e compartilhar conhecimentos, sentimentos e vivências farão

com que os educadores consigam atingir o coração desse adolescente. É

necessário, muitas vezes, ser exigente com esse adolescente, porém essa

exigência é um sinal de respeito, pois agindo assim, quando necessário, o

educando é compreendido como sujeito com potencial para superar suas

limitações. Exigência e compreensão devem caminhar juntas. O educador

deve conhecer o potencial de cada educando e compreender sua

circunstância, seu estágio de conhecimento pessoal e social. Cabe ressaltar

que o exemplo é a melhor maneira de se educar. A conduta do educador deve

ser uma referência para o adolescente. A postura e a ética do cidadão definem

o seu caminho.

Dentre as bases pedagógicas percebe-se que a criação de espaços

educativos e articulados dentro das unidades de internação não é tarefa

apenas dos educadores. Criar e preencher espaços educativos com atividades

estruturadas e estruturantes é um processo onde todos os atores estão

envolvidos, inclusive os adolescentes.

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59

3.1 – O Centro Socioeducativo e seu Contexto

Socioinstitucional

A educação dos adolescentes autores de atos infracionais deve ser

estruturada em bases de utilização criteriosa e plena de base física e material

do processo educativo.

A função do Centro Socioeducativo é transformar a medida

socioeducativa imposta pela Justiça da Infância e da Juventude em uma ação

socioeducativa dirigida ao adolescente.

O centro socioeducativo não se limita à execução da medida

imposta pelo juiz ao adolescente, ao papel de intermediário entre um e outro.

Sua função é mais complexa e envolvem outras instâncias, como a opinião

pública, a expressão da consciência e da vontade sociais, e os órgãos e

entidades de defesa dos direitos humanos.

A preocupação básica da direção de um centro socioeducativo é

desenvolver um programa socioeducativo de qualidade com o adolescente

autor de ato infracional. E, quando possível, atuar com sua família.

As equipes técnicas dos centros educativos têm uma importância

fundamental no trabalho socioeducativo. As Assistentes Sociais, Pedagogas e

Psicólogas não escrevem relatórios sobre os adolescentes apenas. Muito mais

do que isso, a relação entre adolescentes e a equipe técnica perpassa pela

priorização do respeito aos direitos fundamentais desses jovens, buscando

entender, ouvir e dialogar sempre que for necessário, e no caso dos

adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade,

todo o momento é de suma importância.

A equipe técnica deve ter conhecimentos sobre o conceito de

controle social do delito e sua evolução e deve também deter o conhecimento

e o domínio claro da noção de Sistema de Administração da Justiça Juvenil,

compreendendo, ainda, os distintos modos de reação não-formal da sociedade

ao delito.

A função do educador dentro destes centros socioeducativos é

compreender e não absolver, pois faz parte do desenvolvimento pessoal do

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adolescente em conflito com a lei o processo de confrontação com a sua

própria realidade pessoal e social e, desse confronto com a própria realidade,

da avaliação dos seus atos e das suas conseqüências sobre o meio social e,

sobretudo, sobre suas vítimas, é que nasce a consciência responsabilizadora,

sem a qual a especificidade da ação socioeducativa não se consuma.

Nos centros socioeducativos existe uma gama de possibilidades

reais que podem ser oferecidas aos adolescentes. Nas unidades de internação

da Ilha do Governador (Padre Severino e Escola João Luiz Alves) nas

estruturas físicas das unidades, os adolescentes tem aula de natação, quadras

de futebol, espaço para apresentações teatrais (Escola João Luiz Alves); na

Unidade que se encontra no município de Belford Roxo, atividades teatrais,

esportivas, serigrafia, capoeira, informática fazem parte do dia-a-dia dos jovens

ali internados.

Cada Centro Socioeducativo tem suas especificidades e cabe ao

dirigente, por uma questão logística e de entendimento entre seus pares

descentralizar as decisões, de modo a atender melhor e mais rapidamente os

destinatários do trabalho.

Apesar de todo esse aparato de oficinas, no tocante a

ressocialização as ações que realmente a contemplam ainda está muito

distante da realidade desses jovens. A falta de planejamento que integre o

conjunto de atividades reflete-se em projetos isolados, que geralmente

resumem-se na oferta de oficinas como serigrafia, teatro, banho e tosa,

artesanato, panificação etc., as quais carecem de uma proposta pedagógica

que oportunize, além da atividade física, ocupacional, a formação do

adolescente para a cidadania, como preconiza o Estatuto da Criança e do

Adolescente (Costa, 1997; Volpi, 1997).

É muito importante destacar que o trabalho em Centros

Socioeducativos de privação de liberdade nada é fácil, nada é gratuito. É

preciso ter solidez nos aspectos físico e emocional, certa capacidade de

resistência à fadiga e de domínio dos impulsos, pois estas qualidades são

extremamente necessárias para prosseguir no trabalho. Os adolescentes,

vindos das mais diversas comunidades, com as mais diversas histórias de

vida, de pobreza, de maus tratos, de abuso sexual, de homicídios, com falta de

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caráter, hostilidade. Históricos que comovem, que oprimem e que causam

repulsa naqueles que lidam diariamente com esses jovens devem ser

minimamente pensados por aqueles que pretendem trabalhar ou trabalham

nas unidades de internação.

Trabalhar com essa clientela exige uma inclinação sadia pelo

conhecimento dos aspectos da vida do adolescente. Não é se tornar de um dia

para o outro o ser humano mais compreensivo, ou, como são chamados nas

unidades de internação aqueles funcionários que tem um tratamento mais

humano com os meninos e meninas, de “mamãezada” – pessoas que tratam

os adolescentes como filhos, ou melhor, como devem ser tratados os filhos:

carinho, respeito, repreensão, atitude, mas sim, saber ouvir, ter compromisso

com o trabalho, solidariedade e a capacidade de relacionamento positivo com

qualquer tipo de jovem, independente do que ele tenha feito ou do que

aparenta ser.

O Dirigente de uma Unidade Socioeducativa precisa ser um

educador, no sentido amplo da palavra. É importante que saiba que educar

uma equipe é desenvolver o compromisso ético com a causa dos direitos

humanos, e como os direitos da infância e juventude. Incentivar de forma

permanente, motivar seus funcionários e entender que para que tudo ocorra de

forma plena, é preciso: atender ao adolescente por meio de respeito aos seus

direitos fundamentais, mediante a promoção do desenvolvimento pessoal e

social dos jovens sob sua responsabilidade; introduzir ajustes e

remanejamentos necessários para o bom funcionamento das práticas entre

sua equipe. É preciso ter ética, habilidade de se fazer ouvir, capacidade de

articular recursos, decisões e ações, transformando-os em resultados

satisfatórios; ter capacidade de uso do tempo produtivo e, acima de tudo, ter

confiança acerca dos modos de pensar e agir da organização que dirige.

3.2 – As Bases para a Estruturação da Ação

As concepções sustentadoras, os métodos e as técnicas, os êxitos e

as dificuldades das ações desenvolvidas no âmbito da comunidade educativa,

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em relação aos educandos, devem ser, de forma sistemática, compartilhada

com os demais atores que se articulam para a responsabilização do

adolescente autor de ato infracional: Polícia Militar, Polícia Civil, Defensoria

Pública, Ministério Público e Justiça da Infância e Juventude.

O educando deve ser visto como fonte de iniciativa, liberdade e

compromisso. Ele deve ser parte das soluções construídas na comunidade

socioeducativa. Os educadores devem incentivar e valorizar o protagonismo

individual e coletivo dos educandos, criando também oportunidades para que

isso ocorra. A relação entre educador e educando tem como fundamento a

presença educativa, a capacidade de o educador fazer-se presente na vida do

educando. Esse educador deve, com clareza e precisão, conhecer as regras

de funcionamento da comunidade socioeducativa, desde o momento de sua

entrada no sistema até a sua desinternação. É de fundamental importância que

os educadores implantem e mantenham trabalho de educação permanente,

com jornadas pedagógicas, reuniões formativas, treinamentos internos e

externos e, também, estudo de caso.

Em síntese, as ações educativas devem exercer uma influência

edificante na vida do adolescente, criando condições para que ele cumpra

duas tarefas peculiares em sua vida: 1- plasmar sua identidade, buscando

compreender-se e se aceitar; 2- construir seu projeto de vida, definindo e

trilhando caminhos para assumir um lugar na sociedade e um papel na

dinâmica sociocomunitária em que está inserido.

Ao retratar as bases organizacionais, dois princípios devem orientar

a organização da unidade de internação: a incompletude institucional que

implica a integração permanente com outras organizações afins, onde todos os

demais atendimentos ao educando devem ser oferecidos pelos órgãos

responsáveis pelas respectivas políticas públicas (saúde, educação, esporte,

cultura, lazer, profissionalização, assistência jurídica etc.) e, além dos órgãos

governamentais, as organizações não-governamentais podem e devem atuar

para a viabilização da incompletude institucional; a incompletude profissional

amplia e aprofunda a organização da unidade de internação nas marcas da

incompletude institucional, com foco nas equipes de trabalho. Pretende-se,

neste caso, assegurar uma rotatividade de pessoal na unidade, possibilitando

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o desenvolvimento de práticas socioeducativas inovadoras, evitando o

desgaste excessivo dos educadores e impedindo a consolidação de grupos e

cultura prejudiciais ao funcionamento da unidade. Além de um núcleo básico

de pessoal dirigente, técnico e operativo, os demais profissionais devem ser

rotativos com atuação por tempo determinado.

A construção de um sistema socioeducativo se constitui em uma

contra tendência, isto é, para que ele se consolide como referência positiva

para os adolescentes privados de liberdade será preciso, antes de tudo,

desmontar os modelos carcerários e prisionais nas unidades de atendimento,

assegurar espaços dignos e adequados ao desenvolvimento de atividades

educativas. Os adolescentes que cumprem essa medida não conseguem

desassociar a ideia de unidade de internação com a ideia de unidade prisional.

Para esses adolescentes esta ideia está longe de sua realidade, pois, segundo

seus relatos, a “internação não passa de uma cadeia para “menores”, onde

presenciam as mesmas situações que os adultos nas unidades prisionais. As

celas, as algemas, a revista sofrida por seus familiares se assemelham ao que

acontece nos presídios.

Percebe-se que para modificar o pensamento que esses

adolescentes têm sobre os centros socioeducativos, algumas transformações

radicais deverão ocorrer, pois esse estigma de “cadeia” é tão consolidado em

suas práticas que, desatar esse nó necessitará de uma transformação física,

estrutural, comportamental e ideológica do sistema socioeducativo.

3.3 – Que Jovens Pretendemos Formar?

Ao olhar a cor da pele, a renda familiar, o local de moradia e as

condições sociais do adolescente privado de liberdade ficam evidentes que o

sistema de justiça tem um olhar mais rígido e preferencial para punir meninos

negros e pobres. É muito fácil constatar o perfil dos adolescentes em privação

de liberdade dentro do Estado do Rio de Janeiro. Há uma clara, e por que não

dizer, evidente predominância de uma política de segurança e um sistema de

justiça que se funda na punição dos pobres e negros. Essa pesquisa não tem a

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intenção de alimentar essa questão e nem comprovar que essa política

higienista é notória. O que se pretende questionar e apresentar é a forma pela

qual pretendemos minimizar o descontrole, a ignorância, a tolerância, enfim, os

caminhos necessários para que esses adolescentes, neste caso incluíram-se

também as meninas privadas de liberdade que, apesar de um número menor,

tem nas Unidades de internação e de semiliberdade uma expressividade

bastante significativa.

É importante dedicar um parágrafo desta pesquisa para falar sobre

as adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação de

liberdade.

Sabendo da abrangência desta pesquisa e tendo o número de

adolescentes do sexo masculino em sua maior parte, é importante destacar

que as adolescentes do sexo feminino que estão em regime de internação

precisam de um cuidado um pouco maior. Muitas dessas meninas na faixa

etária de 13 a 18 anos já têm em suas vidas muitas passagens pelo sistema

socioeducativo. Grande parte dessas meninas, apesar da pouca idade, já são

mães e entraram para essa vida por causa dos “maridos”, geralmente jovens

da mesma faixa etária que cometeram atos infracionais. A relação dessas

meninas e suas práticas institucionais dariam uma pesquisa à parte, pois suas

trajetórias, seus envolvimentos e suas ações dentro do sistema socioeducativo

perpassam por várias etapas.

Um dos princípios do Paradigma do Desenvolvimento Humano do

Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) afirma que

“aquilo que uma pessoa se torna ao longo da vida depende fundamentalmente

de duas coisas: das oportunidades que teve e das escolhas que fez”. As

pessoas são fruto das oportunidades que tiveram e das escolhas que foram

fazendo ao longo da vida. Toda e qualquer decisão e ação que delas decorrem

nos fazem ser o que somos.

A auto-aceitação e a autocompreensão representam um desafio

pessoal com o qual todos nós nos deparamos. A identidade é a continuação da

personalidade. O educador que atua no sistema socioeducativo,

principalmente aqueles que trabalham nas Unidades de privação de liberdade

devem trabalhar a sua própria dimensão como pessoa, refletir sobre si mesmo,

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como indivíduo, como ser humano e assumir as responsabilidades pelo

sucesso e insucesso de suas escolhas.

A formação de jovens que cumprem medida socioeducativa deve

estar calcada na maturidade, na compreensão e na humanização do

atendimento. Durante a pesquisa será mostrado mais detalhadamente no

capítulo 3.4 (A Humanização do Atendimento).

Os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação

de liberdade, a maioria deles, possuem potencialidades estancadas,

camufladas pela áurea da “bandidagem”. O que é observado é que grande

partes desses adolescentes precisam de apoio para que possam seguir

caminhos que os tornem mais críticos e conscientes de suas aptidões. Muitos

desses adolescentes são crianças fora do tempo, pois se transformam quando

estão diante de brincadeiras que deixaram de conhecer e participar, devido a

responsabilidade assumida diante do “trabalho” no tráfico e situações afins.

Potencializam sua energia para a delinqüência, pois apenas isso lhes foi

apresentado na sociedade, mas quando, dentro das Unidades de internação,

se deparam com um mundo que poderiam ter conhecido e descoberto além

dos muros das instituições, os processos adolescentes são valorizados,

colaborando para a construção de seu posicionamento mais crítico, lúcido e

autônomo.

Esse jovem se constitui a partir das relações que estabelece com o

contexto sociocultural e com outros membros da sociedade. Privado de sua

liberdade, eles precisam, muitas vezes, conhecer sua real função na

sociedade. Arendt (1983) nos fala sobre uma “condição humana” na qual se

chama a atenção não para as características supostamente naturais da

adolescência, mas para as condições concretas, balizadas por referências

socioeconômicas, culturais e históricas, que contextualizam o desenvolvimento

dos adolescentes.

É sabido que toda pessoa nasce com um potencial e tem o direito

de desenvolvê-lo, mas para que consigam desenvolver precisam de

oportunidades. Ora, sabemos que esses jovens que cumprem medidas

socioeducativas de privação de liberdade, que cometeram ou cometem atos

infracionais estão carentes dessas oportunidades. Percebe-se que o grande

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erro do sistema brasileiro, no trabalho dirigido ao adolescente em conflito com

a lei, é que ele não priva o educando apenas da liberdade. Ele o priva também

do respeito, da dignidade, da individualidade, da integridade física, psicológica

e moral.

Para que formemos jovens capazes de exercer sua cidadania é

preciso, acima de tudo, encontrar, neste adolescente, sua dignidade humana.

Ele precisa superar suas dificuldades pessoais e se reconciliar consigo mesmo

e com os outros. Precisa se aceitar e ser aceito pelos outros.

Trabalhar o projeto de vida desse adolescente é fundamental para

que ele possa se sentir valorizado, inserido na sociedade. É importante buscar

nesse jovem o desejo genuíno de estudar, aprender, trabalhar, realizar-se

(querer-ser). Para que isso aconteça, esses adolescentes devem romper com

imediatismo (comum a todos os adolescentes, privados ou não de sua

liberdade) e olhar para o futuro de forma positiva, sem medo. A autoconfiança

é primordial e a auto-estima deve caminhar lado a lado com esses desejos.

O sentido da vida desses adolescentes que cumprem medida

socioeducativa de privação de liberdade precisa ser repensado. Esses jovens

são vulneráveis, pois essa característica é uma articulação entre sujeitos e

contextos e que, como todo fenômeno relacional, comporta contradições e

complexidades. Essa “vulnerabilidade social” possui uma importante dimensão

relacional, que remete à condição em que as características sociais e culturais

são desvalorizadas ou discriminadas negativamente, se tornando

“desigualdades” (MDS, 2013).

Os adolescentes que cumprem medida socioeducativa,

freqüentemente, são discriminados por conta de seu histórico infracional ou por

suas características pessoais e/ou étnicas. Alguns destes são impedidos de

circulares em alguns territórios por conta de brigas entre grupos rivais, as

chamadas facções que, até mesmo dentro das instituições de privação de

liberdade, existe essa separação por medida de segurança.

Os encontros interpessoais podem promover potencialidades,

fortalecer vínculos, sentimentos de valorização e estímulos à ação

transformadora.

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Se a pretensão é formar jovens conscientes de sua importância na

sociedade e estimular as boas ações é necessário que se faça um trabalho

para a formação desse jovem autônomo, solidário e competente. Autônomo,

porque é capaz de se apoiar em seus próprios valores, crenças e princípios

para resolver problemas, avaliar e tomar decisões bem fundamentadas.

Solidário, porque é capaz de atuar em favor de causas, com uma postura

desinteressada, favorável ao bem comum. E competente, porque é capaz de

viver e conviver numa sociedade moderna, ingressando, permanecendo e

ascendendo no mundo do trabalho.

Para que isso aconteça realmente é preciso que se dê a esses

jovens oportunidade para desenvolver seu potencial e, além disso, as escolhas

devem ser pensadas e esses jovens preparados para fazer as escolhas certas.

A projeção do futuro perpassa pela capacidade de conhecer a si

mesmo e à sua circunstância. A trajetória percorrida para chegar a esse ponto

está diretamente ligada a capacidade de visualizar aonde se pretende ir e de

traçar um caminho para alcançar o objetivo planejado.

Explicar as mudanças radicais na vida de um adolescente em

privação de liberdade, muitas vezes, se dá pela identificação de uma pessoa-

chave na sua vida capaz de estabelecer com esse adolescente uma relação de

reciprocidade, de abertura e de respeito mútuo.

Sem uma presença significativa, sem uma relação de qualidade em

suas vidas, fica inviabilizada qualquer oportunidade séria de uma verdadeira

ação educativa. O adolescente privado de sua liberdade, por influência da

relação com o educador, amplia e desenvolve seus atributos pessoais

(autoconhecimento, auto-estima, autoconceito e autoconfiança). A relação

estabelecida entre educadores e educandos, ressignificará a história de vida

desses jovens. Torná-los cidadãos responsáveis e compreender a realidade é

a missão de todos os envolvidos no sistema de garantia de direitos.

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3.4 - A Humanização do Atendimento

Mais do que uma vaga em um internato de razoável qualidade, o

desafio é conquistar para os jovens em conflito com a lei um espaço na

consciência e na sensibilidade dos homens e mulheres de nosso tempo.

Na dimensão pessoal, temos que levar em conta que a trajetória da

função de educar requer como ponto de partida, uma reflexão do educador

sobre si mesmo. A auto-aceitação e a autocompreensão representam um

desafio pessoal com o qual todos nós nos deparamos. Trabalhar a própria

dimensão como pessoa é muito importante para o educador, pois parar e

refletir sobre seus próprios atos e postura, confrontá-las com as situações que

possam parecer difíceis é muito importante.

Operar no paradigma da inovação, da superação, da esperança, do

crescimento e do desafio é saber atuar no modelo do desafio. Valorizar cada

ato, cada momento ao lado dos adolescentes em conflito com a lei, ouvi-los e

valorizar suas histórias é fundamental.

Na dimensão da cidadania é importante afirmar que o educador

mais do que ensinar cidadania está convocado a vivenciá-la, dentro e fora da

unidade educativa.

Freire (2005) afirma a importância do diálogo que se constitui no

encontro entre seres humanos, que não somente estão no mundo, mas são o

mundo.

Os adolescentes demonstram o desejo de mudar de vida, mas

esbarram, ao retornarem aos seus lares, com as dificuldades e falta de

oportunidades que, geralmente, os fazem retornarem às práticas de atos

infracionais.

É claramente observado nos relatos de adolescentes que estão

prestes a serem “desinternados” que a falta de oportunidade ou a

impossibilidade de vislumbrar um futuro diferente é um dos motivos da

reincidência.

Novaes (2006), afirma que:

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O medo do futuro é quase um sinônimo de “sobrar” e está muito relacionado à inserção no mundo do trabalho. São muitos os medos nessa área: medo de não estudar e não conseguir emprego; medo de estudar e não conseguir emprego; medo de conseguir emprego e depois perder; medo de ficar desempregado {...} com todas as diferenças de expectativas, os jovens de diferentes classes sociais temem o futuro.” (NOVAIS, 2006 p.10).

Portanto, cabe ao educador criar, no seu dia-a-dia de trabalho

dirigido ao adolescente, oportunidades concretas, acontecimentos

estruturantes, que evidenciem a importância das normas e limites para o bem

de cada um, pois assim, esse adolescente começa a comprometer-se consigo

mesmo e com os outros.

A humanização do atendimento perpassa também pelas atividades

culturais, esportivas e, sobretudo, religiosas que deverão ser sempre

facultativas e de acordo com as crenças de cada adolescente. Embora o que

se percebe é que essa questão é complexa e de difícil entendimento para os

gestores das unidades. Observam-se sempre entre as atividades religiosas

aquelas que contemplam apenas alguns tipos de credos, geralmente as que

têm orientação cristã, excluindo por completo qualquer outra manifestação de

cunho religioso. Durante os encontros em diversas unidades de internação

prevalecem apenas os cultos evangélicos e católicos. Os adolescentes com

outras orientações religiosas acabam participando dos encontros para, muitas

vezes, não serem tachados de espíritas, ateus etc. Embora se saiba que as

atividades religiosas são importantes para o encontro com o lado

transcendente da vida, com os mistérios da existência humana, por oferecerem

a esses jovens referenciais de vida, incluindo aí, referenciais de tolerância,

percebemos que, na prática, não é bem isso que acontece.

É bom salientar que o adolescente em cumprimento de medida

socioeducativa de privação de liberdade para ser compreendido precisa

estabelecer relações interpessoais mais favoráveis com todos os atores da

unidade em que está internado. Essa interatividade que se estabelece entre o

adolescente e os educadores sociais (equipe técnica, agentes

socioeducativos, professores, direção).

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Um fato a ser analisado nesta pesquisa se diz respeito a quebras de

paradigmas, preconceitos e, etiquetamento, que é a exclusão da exclusão. A

teoria do etiquetamento busca explicar porque a falta de beleza está conectada

ao crime, pois são rótulos que são colocados por todas as pessoas em todas

as demais com as quais há contato visual, gerando prejuízo quanto a

aparência do outro que, automaticamente, impele certas reações instintivas,

como aproximar-se do belo e afastar-se do feio. É muito fácil constatar essa

teoria nas unidades de internação. Apesar de todos os adolescentes estarem

passando pela mesma situação, a baixa auto-estima de alguns adolescentes

considerados diferentes, são excluídos e, por isso, merecem uma atenção

especial daqueles que por ventura perceberem a ocorrência desse fato.

Finalmente é importante destacar que existem 03 (três) tipos de

socialização: a socialização primária, produzida fundamentalmente no núcleo

familiar; a secundária que é o resultado das interações que se produzem com

os grupos mais gerais (colegas do bairro, da escola) e a socialização terciária

que está pautada na ressocialização e na readaptação social.

Humanizar é instigar os funcionários que atuam nas unidades

socioeducativas a compreender o outro, ouvir e dialogar. Humanizar é receber

o “bandido” que chega pelas mãos dos agentes de segurança do Estado, ou o

“menor infrator”, termo inadequado, porém mais conhecido pelo senso comum,

e devolver a sociedade o Adolescente.

3.5 – A Escola nas Unidades de Privação de Liberdade

A educação é o único processo que transforma o potencial – as

promessas que cada um traz consigo ao nascer – em realidade. O aflorar, o

desabrochar, o processo de nutrir, desenvolver, concretizar, viabilizar o

potencial do educando se dá ela via da ação educativa. É por meio do ato de

educar que buscamos capacitar os nossos educandos para a vida, o trabalho,

a convivência social.

A educação escolar deve, obrigatoriamente, ser assegurada a todos

os educandos, fora ou dentro da comunidade socioeducativa. É fácil constatar

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que existe uma grande defasagem idade/grau de escolaridade entre os

adolescentes que cumprem medida socioeducativa (de privação de liberdade

ou não). As oportunidades de aceleração de ensino ajudarão na auto estima

desses educandos para que, após a desinternação, eles possam retornar ao

ensino regular.

Silva (2004) em sua palestra no Seminário de Estudos do Grupo de

Pesquisa Práticas Sociais e Processos Educativos ressalta que dentro da

escola existem jeitos de ser, pensar, agir, raciocinar que são diferentes

daqueles que a escola quer ensinar ou tem por papel ensinar,pois acredita que

os alunos têm dificuldades porque os professores querem que eles pensem de

acordo com um modelo que é do professor, e não do aluno,ou seja, quer que

esses alunos pensem como o modelo da escola.São as práticas sociais, as

ações e relações que as pessoas e os grupos mantêm entre si para transmitir

as normas da vida, de manutenção ou transformação da sociedade. Em outras

palavras, são as normas para garantir a sobrevivência. Paulo Freire (2005)

quando fala da ação libertadora reforça a idéia de que “ninguém educa

ninguém, mas cada um educa a si mesmo junto com os outros. É fácil

constatar que o processo educativo apresenta uma relação de hierarquia,

embora é sabido que implique na relação entre uma pessoa que ensina e uma

que aprende.

É importante deixar claro que a educação é, na verdade, o único

processo capaz de transformar o potencial das pessoas em competências,

capacidades e habilidades.

Não podemos deixar de questionar também que as práticas

educativas realizadas na escola como instituição são permeadas por

incertezas. Elas continuam contemplando a homogeneização de práticas

individualizantes e disciplinares, estabelecendo relação de força na tentativa

de calar e acalmar as diferenças entre muros.

A clientela escolar dentro do sistema socioeducativo é heterogênea

e chega à escola munida de um capital cultural diversificado que impede a

existência de padronização. As Escolas Estaduais dentro do sistema

socioeducativo de privação de liberdade se encontram dentro das Unidades de

internação. No Rio de Janeiro, o Departamento Geral de Ações

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Socioeducativas – DEGASE- está vinculado a Secretaria Estadual de

Educação. Em cada uma de suas unidades dentro do Estado do Rio de

Janeiro possui um Colégio Estadual, a saber: Colégio Estadual Padre Leôncio,

situado nas dependências do Instituto Padre Severino (atual Centro de

Socioeducação Dom Bosco), Colégio Estadual Candeia, situado nas

dependências da Escola João Luiz Alves e Colégio Estadual Luiza Mahin,

situado nas dependências do Instituto Santos Dumont (atual Centro de

Socioeducação Professor Antonio Carlos Gomes da Costa – internação

feminina). As três unidades citadas ficam no bairro da Ilha do Governador,

município do Rio de Janeiro; Colégio Estadual Gildo Cândido, situado nas

dependências do Educandário Santo Expedito, no bairro de Bangu, no

município do Rio de Janeiro; Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima

Sobrinho, situado nas dependências na Unidade Cai- Belford Roxo, no

município de Belford Roxo e, recentemente, mais duas unidades de internação

foram criadas, uma no município de Volta Redonda (Centro de Socioeducação

Irmã Asunción de La Gándara e outra no município de Campos de Goytacazes

(Centro de Socioeducação Professora Marlene Henrique Alves).

A maior parte dos adolescentes internados nestes centros

educativos abandonou os bancos escolares por diversos motivos: a dicotomia

entre o que a escola ensina e o que de fato deveria ensinar. A desmotivação

por não acompanhar e não alcançar a forma de ensino contribui para a evasão

escolar.

Freire (1996) afirma que é possível notar as práticas que se

desenvolvem no ambiente escolar podem suscitar processos educativos que,

muitas vezes, não são planejadas nem intencionais, mas que, de alguma

forma, contribuem para a constituição identitária do educando. E conclui:

É uma pena que o caráter socializante da escola, o que há de informe na experiência que se vive nela, de formação ou deformação, seja negligenciado. Fala-se quase que exclusivamente do ensino de conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre entendido como transferência do saber. Creio que uma das razões que explica este descaso em torno do que ocorre no espaço-tempo da escola, que não seja a atividade ensinante, vem sendo uma compreensão estreita do que é educação e do que é aprender. {...} Se

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tivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos dos alunos, do pessoal administrativo, do pessoal docente se cruzam cheios de significação. Há uma natureza testemunhal nos espaços tão lamentavelmente relegados das escolas (Freire, 1996, p.49)

É importante revitalizar as escolas estaduais dentro dos centros

socioeducativos. É importante saber ouvir esses adolescentes e entender

quais os motivos que levam a esse desinteresse. A ressignificação desse

conceito deve ser discutido e avaliado. Os conteúdos formais ensinados nas

salas de aula das escolas situadas nos centros socioeducativos são os

mesmos que distanciaram esses jovens das escolas regulares.

Ribeiro (1994) pondera que o despreparo para acolher os alunos em

privação de liberdade fica claro quando:

A ilusão principal de nossa escola é a idéia de que ela seleciona e promove os melhores alunos, através de procedimentos pedagógicos objetivos. De fato, ela apenas peneira e separa o que recebe da sociedade, já devidamente diferenciado. Ao tratar da mesma maneira crianças socialmente desiguais, a escola privilegia o aluno já privilegiado e discrimina crianças que renderiam mais se fossem tratadas a partir de suas próprias características (Ribeiro, 1996, p.96).

Os adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação

de liberdade valorizam as relações de amizade e convivência no ambiente

escolar, entre seus pares. Em uma das instituições escolares do Degase, o

Colégio Estadual Jornalista Barbosa Lima Sobrinho, no município de Belford

Roxo, os alunos dividem os bancos escolares com adolescentes de facções

rivais, gerando muitos conflitos entre eles, pois as regras disciplinares dentro

desta unidade especificamente não diferenciam os alunos. São todos

estudantes. Obviamente, por motivos de segurança dos educandos da facção

em menor número em sala de aula e dos próprios professores, a vigilância em

relação as turmas onde essa mistura acontece é maior. Contudo, o que se

percebe nessas salas de aula é que os alunos da facção onde são minoria,

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seu comportamento, sua atenção e respeito são evidenciados. Não havendo

interação com a “maioria” o conteúdo formal e a disciplina são muito melhor

assimilados.

Charlot (2002), afirma que a relação que os jovens estabelecem

com o saber é um aspecto importante quando se analisa o interesse e o

desinteresse pela escola, uma vez que, segundo ele, o único sentido da escola

está no fato de favorecer a entrada no mercado de trabalho no futuro. Quando

o jovem desacredita e se desinteressa pela escola, este fato deve ser

compreendido como uma forma de resistência. Mesmo dentro das Unidades

de internação onde a escolarização é um direito do aluno, muitas vezes, esse

aluno questiona a sua função, não conseguindo entender que é um direito seu,

e não um dever, como muitos deles pensam quando uma série de desculpas

(dor de cabeça, de dente etc.) é dada aos inspetores para não comparecerem

às aulas.

Promover uma ação transformadora diante de práticas punitivas (as

medidas socioeducativas têm caráter educativo e punitivo), resgatar sonhos e

perspectivas de mudanças na vida de adolescentes comprometido com a

prática de ato infracional e instigá-los a pensar em fazer diferente para fazer

diferença em sua vida pessoal e comunitária é uma tarefa árdua. As escolas

são pessoas, as pessoas são os seus valores, e os valores transformados em

projetos políticos pedagógicos que possibilitam essas escolas funcionarem

como entidades de aprendizagem.

É importante sinalizar que deve ser considerado o preparo dos

professores para lhe dar com esses alunos, na perspectiva de seus anseios. A

relação de aproximidade, diálogo, afetividade, acolhimento, escuta atenta,

sensibilidade aos problemas individuais, constituem-se fontes essenciais para

que as práticas sociais aconteçam em diferentes espaços.

O Projeto Político Pedagógico é um instrumento de mudança e

quando bem elaborado e debatido extrapola o aspecto formal e burocrático e

reflete a particularidade de cada escola contendo o caráter político

(compromisso com interesses coletivos e sociais) e o caráter pedagógico (a

intencionalidade da ação da escola).

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O Projeto Político Pedagógico precisa considerar as especificidades

dos adolescentes com os quais a escola trabalha e estão cumprindo medida

socioeducativa de privação de liberdade. A organização do trabalho

pedagógico dentro de uma unidade de internação se dá mediante a existência

de projetos que mobilizem recursos, profissionais, alunos e a comunidade

escolar, que neste caso, se inclui a própria unidade de internação e os

profissionais que trabalham em seus espaços.

Os profissionais da educação que trabalham nas Escolas Estaduais

dentro das Unidades de Internação do Estado do Rio de Janeiro precisam se

preparar para lidar com os desafios conceituais, metodológicos e ético-políticos

representados por esses adolescentes. Muitas vezes, o senso comum nos leva

a falsa conclusão de que estamos diante de uma questão insolúvel, mas isso

não é verdade.

Trabalhar a autonomia dos adolescentes, o pensamento crítico e

reflexivo abrirá possibilidades para a transformação desse adolescente. O

jovem que está inserido em um meio de violência e de maus exemplos pode se

ver, também como agente transformador de sua realidade e de sua própria

vida. Sabemos que é difícil uma transformação total, pois o meio interfere

muito nas decisões desses adolescentes, mas sabemos também que muitos

jovens egressos, procuram a instituição escolar das unidades de internação

em busca de documentos para dar continuidade a seus estudos fora dos

muros institucionais de privação de liberdade.

O maior desafio dos educadores consiste no esforço por

compreender as condições e experiências de vida, como também o exercício

de uma ação política para com os segmentos marginalizados pela sociedade,

com o intuito de acompanhar com maior clareza suas representações e visões

de mundo.. A prática social educação-escolarização em diálogo com as

demais práticas vivenciadas pelos jovens como cultura, lazer, saúde, esportes,

etc. se constituem em fonte de sucesso e êxito e como estratégias e

alternativas que promovem o desenvolvimento sustentável e qualidade de vida

desses adolescentes.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o termo delinqüência

deixou de ser usado no Brasil, rompendo-se, assim, o paradigma da “situação

irregular” que regia o Código de Menores para o qual “menores” eram crianças

ou adolescentes abandonados, carentes ou delinqüentes. O Estatuto da

Criança e do Adolescente adotou a doutrina da “Proteção Integral”, expressa

na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito da Criança, reconhecendo a

população infanto-juvenil brasileira como sujeito de direitos, ratificado no artigo

227 da Constituição Federal, onde é assegurado à criança e ao adolescente,

com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e

à convivência familiar e comunitária, colocando-as a salvo de toda a forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

É importante frisar que o Estatuto da Criança e do Adolescente é

uma lei duríssima se pensarmos que estabelece um modelo de

responsabilização fixando a idade desta responsabilização de cidadania

brasileira, por uma conduta infratora.

No Brasil ainda existe um resquício da velha cultura tutelar em que

há pessoas que imaginam que as medidas Socioeducativas são medidas de

proteção reforçada e, nesta perspectiva, lançam no Sistema Socioeducativo

adolescentes que não são sujeitos de medidas Socioeducativas, e sim, sujeitos

de medidas de proteção.

As portas desse Sistema estão abertas para adolescentes autores

de uma conduta infratora e sujeita a medidas socioeducativas. Eles são

sujeitos da medida da dimensão jurídica desse conceito e não apenas em uma

dimensão psicanalítica.

As maiores necessidades desses adolescentes, a princípio são:

regras, limites e cuidados. Precisam de alguém para se espelhar e ter um

referencial que lhes dê rumo.

As Políticas de Atendimento foram criadas para monitorar e avaliar

as Políticas Públicas e Programas de Atendimento Socioeducativo, avaliando

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também a sua eficiência e seu aperfeiçoamento para superar as violações

cometidas.

Espera-se que esse sistema contribua para a construção de um

instrumento capaz de evitar arbitrariedades e concepções

antiquadas/menorista.

O Sistema de Garantia de Direitos tem um papel fundamental frente

a esse atendimento, pois o olhar sobre as particularidades e os resultados

esperados deve ser potencializado.

Algumas dúvidas são ressaltadas, porém as respostas não são

difíceis de encontrar. Medidas socioeducativas ressocializam? Enquanto

sanção, a medida não é uma pena, pois com a pena busca-se causar

sofrimento ao transgressor, punindo-o por meio de privação de sua liberdade,

mas como medida socioeducativa a ação é pedagógica sistematizada, sujeita

aos princípios de brevidade, excepcionalidade em relação à condição de

pessoa em desenvolvimento.

É necessário que o diferencial socioeducativo das medidas se

manifeste, inclusive nas estruturas físicas das instituições, no entendimento, na

escolarização e nas reflexões e questionamentos deste adolescente sobre o

que seja um Projeto de Vida. A partir dessas reflexões os adolescentes

poderão identificar aptidões, habilidades e competências que os levem a

patamares diferentes daqueles que até então conheciam.

Quando se busca humanizar o atendimento, pretende-se que o

adolescente que cumpre medida socioeducativa de privação de liberdade nas

diversas Unidades de Internação do Estado do Rio de Janeiro entenda que a

infração não é parte do adolescente. Nas unidades de atendimento de privação

de liberdade, os profissionais que lá atuam não estão diante de um infrator

que, por acaso, é um adolescente. Estão sim, diante de um adolescente que,

por circunstâncias da vida, cometeu um ato infracional e está sendo

legalmente responsabilizado por isso.

Muitos desses jovens estão pedindo socorro, clamando por uma

mão estendida, esperando pela sociedade que o trata apenas como marginal

e, nessa atitude avassaladora de higienismo, prefere, quando isso é possível,

vê-los pelo buraco da fechadura, com o uniforme institucional, tendo um

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número como identificação, privando-os até mesmo de seu nome, jogando no

lixo qualquer resquício de auto-estima, de amor próprio, de juventude. Reduzir

a maioridade penal, como muitos querem, não trará os benefícios esperados

por parte da sociedade. Fará sim, mais vítimas, mais negros, mais pobres

encarcerados, nos navios negreiros da sociedade do início do século vinte e

um.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO...........................................................................................02

AGRADECIMENTO..........................................................................................03

DEDICATÓRIA..................................................................................................04

RESUMO...........................................................................................................06

SUMÁRIO..........................................................................................................07

INTRODUÇÃO..................................................................................................08

CAPÍTULO I

CONJUNTURAS HISTÓRICAS........................................................................13

1.1 - A Gênese da Prisão..................................................................................13

1.2 - Do Código de Menores ao DEGASE........................................................18

1.3 - O Protagonismo Juvenil............................................................................24

1.4 - O Estatuto da Criança e do Adolescente 28

1.5 - O ECA – Comentado................................................................................33

CAPÍTULO II

PARÂMETROS DA SOCIOEDUCAÇÃO.........................................................38

2.1 - A Socioeducação......................................................................................38

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2.2 - O Adolescente autor de ato infracional.....................................................41

2.3 - A Família do Adolescente em Conflito com a Lei.....................................45

2.4 - As Medidas Socioeducativas – A trajetória interrompida do Adolescente

na prática de atos infracionais...........................................................................49

2.5 - O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE..............53

CAPÍTULO III

AS BASES E ESTRUTURAS DA AÇÃO SOCIOEDUCATIVA.........................57

3.1 - O Centro Socioeducativo e seu contexto socioinstitucional......................59

3.2 - As Bases para a estruturação da ação.....................................................61

3.3 - Que jovens pretendemos formar?.............................................................63

3.4 - A Humanização do atendimento...............................................................68

3.5 - A Escola nas Unidades de Privação de Liberdade...................................70

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................76

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................79