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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA EDUCAR COM LIMITES, SEM DESCUIDAR DOS VALORES: UM DESAFIO PARA O ORIENTADOR EDUCACIONAL Por: Geolando Pereira Barros Orientador Profª. Flávia Cavalcanti Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

EDUCAR COM LIMITES, SEM DESCUIDAR DOS VALORES:

UM DESAFIO PARA O ORIENTADOR EDUCACIONAL

Por: Geolando Pereira Barros

Orientador

Profª. Flávia Cavalcanti

Rio de Janeiro

2014

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

EDUCAR COM LIMITES, SEM DESCUIDAR DOS VALORES:

UM DESAFIO PARA O ORIENTADOR EDUCACIONAL

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Orientação Educacional e

Pedagógica

Por: Geolando Pereira Barros

3

AGRADECIMENTOS

Aos amigos: alunos e professores do

curso. Foi muito bom conhecê-los,

aprender e compartilhar nossas

experiências.

4

DEDICATÓRIA

À mamãe, por tudo. Ao meu Pai (im

memoriam), gigante; aos meus queridos

irmãos.

5

RESUMO

Em um tempo fortemente marcado pela indisciplina escolar, pela falta

e inexistência de limites e pela crise de valores, um grande questionamento

que surge refere-se ao fato da possibilidade ou não da educação reverter esse

quadro assumindo sua genuína e verdadeira missão de educar as futuras

gerações.

Diante desse cenário, não são poucas as vozes que afirmam ser a

educação o melhor caminho para a transformação, mas que, para isso, será

necessário que ela sofra mudanças substanciais e não apenas ajustes como

até então vem sendo feito. Isso porque o mundo e o aluno mudaram. Desse

modo, um caminho possível para este dilema passa por educar o aluno para

que o mesmo compreenda e entenda que certos limites devem ser

respeitados. Mas, além disso, é necessário também, encorajá-lo e cultivar no

seu coração valores a fim de que o mesmo tenha a confiança para perfazer

sua própria trajetória de vida, num processo constante que supõe respeitar,

construir e ultrapassar seus próprios limites, deixando para trás a indisciplina e

tudo aquilo que atrapalha o seu desenvolvimento. O caminho do possível

passa também por uma reconstrução daqueles valores que a escola considera

importantes para a formação mais plana de seus alunos, como o respeito e a

promoção da dignidade da pessoa humana.

6

METODOLOGIA

A composição deste trabalho está baseada, fundamentalmente, em

pesquisa bibliográfica. Na sua elaboração concorreram a pesquisa, leitura

atenta com anotações de livros, revistas, apostilas e artigos da internet. A

pesquisa também se baseou na visualização de vídeos. Alguns dos vários

autores pesquisados aqui são bastante conhecidos e reverenciados em suas

respectivas áreas. Desse modo, além da área educacional, a pesquisa

bibliográfica envolveu a leitura de autores de outras áreas: psicologia,

medicina, auto-ajuda, entre outros

Por fim, embora humildes, foram válidas as reflexões, interpretações e

aportes do presente autor deste trabalho

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Indisciplina na escola e crise na educação:

em busca das causas 10

1.1 - A relativização dos valores 11 1.2 - A falta de objetivos da educação e a influência dos meios de comunicação 13 1.3 - O excesso de estímulos 15 1.4 - Os mecanismos econômicos vorazes 18 1.5 - A banalização da violência 19 1.6 - A desvalorização do professor 21 CAPÍTULO II - Educar para a superação, o respeito e a

construção de limites. 23

2.1 - Limites ou fronteiras? 23 2.2 - Educar é ir além 24 2.3 - Valorizar o que o aluno já sabe 26 2.4 - Educar com limites 28 2.5 - Limites necessários: agir conforme o dever 31 2.6 - A fronteira da intimidade 32 CAPÍTULO III – Construindo uma educação para os valores 35

3.1 - A dignidade da pessoa humana: valor fundamental 35 3.2 - Na "trilha" dos valores 37 3.3 - Educar e corrigir com inteligência 40 3.4 - Diminuir os erros e multiplicar os acertos 41 CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 46

ÍNDICE 48

8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho traz no seu bojo temas muito em voga hoje no

mundo da educação: a indisciplina escolar, a falta ou insuficiência de limites na

educação dos alunos e a questão dos valores. Esses assuntos têm despertado

grandes debates, inclusive, vários autores e educadores se debruçam em cima

dessas questões uma vez que elas estão diretamente ligadas ao processo de

ensino e de aprendizagem, muitas vezes sendo fatores determinantes no seu

sucesso ou no seu fracasso

Tamanha é a importância e atualidade dessa temática e sua inegável

repercussão na educação que, por si só, já bastaria para justificar sua escolha

na abordagem desse trabalho. Isso porque, faz-se necessário favorecer uma

reflexão serena e realista sobre essas questões. É nesse sentido que o

presente trabalho objetiva e se propõe, humildemente, a pesquisar, refletir e

expor ideias, conceitos e propostas pedagógicas que ajudem num melhor

entendimento e esclarecimento desses fenômenos, apontando, sempre que

possível, caminhos para a sua superação.

As abordagens feitas aqui pretendem contribuir para o

aperfeiçoamento das práticas educacionais, expondo e refletindo questões que

ajudem a otimizar o trabalho daqueles que exercem o magistério acadêmico e

que tem, por diante, os desafios de reinventar uma educação mais humana e

humanizadora, num tempo fortemente marcado pela indisciplina escolar, pela

falta ou inexistência de limites e pela crise de valores

A composição metodológica deste trabalho está baseada,

fundamentalmente, em pesquisa bibliográfica. Na sua elaboração concorreram

a pesquisa e leitura atenta de livros, revistas, apostilas, artigos e visualização

de vídeos. As fontes que foram consultadas, não se limitaram apenas ao

campo da educação, também foram pesquisados autores de outras áreas

como psicologia, medicina, auto-ajuda, entre outros.

9

Alguns dos vários autores, ora pesquisados, são bastante conhecidos

e reverenciados em suas respectivas áreas, entre eles: O professor e filósofo

Mario Sergio Cortella; (2012); O professor e psicólogo Yves de La Taille

(2006); o professor e criador da teoria das inteligências múltiplas, Howard

Gardner (1999); o médico e terapeuta familiar Içami Tiba (2010); o psiquiatra e

escritor Augusto Cury (2003); o professor e escritor Nelson Pedro Silva (2004),

entre outros.

Por fim, embora humildes, também estão presentes aqui as reflexões,

interpretações e aportes do presente autor. Passamos agora a uma sucinta

descrição dos três capítulo que compõe este trabalho.

O Primeiro capítulo apresenta algumas das causas que contribuem

para a indisciplina nas escolas e para a crise na educação e o quanto isso

dificulta uma educação pautada nos valores.

O capítulo dois trata da questão dos limites em três abordagens

diferentes e complementares: limites a serem superados, limites a serem

respeitados e limites a serem construídos. Essas três abordagens, de autoria

do professor Yves de La Taille - e que aqui receberem aportes de outros

autores pesquisados -, estendem o conceito de limites para além daquilo que é

meramente proibido e apontam caminhos que ajudam os educadores a lidar

melhor com a indisciplina escolar.

O terceiro capítulo busca aprofundar um pouco mais a questão da

educação para os valores, visto de forma transversal nos capítulos anteriores.

Assim, nele são apresentadas ideias de educadores, médicos, psicólogos e

tantos outros que, com suas abordagens, enriquecem a prática educacional

rumo à construção de uma cultura escolar pautada no respeito mútuo e no

desenvolvimento e manutenção dos valores.

10

CAPÍTULO I

INDISCIPLINA NA ESCOLA E CRISE NA EDUCAÇÃO:

EM BUSCA DAS CAUSAS

Falar de indisciplina e da falta ou insuficiência de limites na escola

supõe reconhecer que a conduta dos alunos sofreu e vem sofrendo mudanças

com relação a um padrão de comportamento (ou estilo de vida) que se

considera ideal para um processo de ensino e de aprendizagem satisfatório.

Juntam-se a isso, outros sérios problemas e desafios que a educação, como

um todo, tem por diante, o que dificulta ainda mais o controle da indisciplina e

a construção de uma educação para os valores.

Procurar conhecer as causas dessa realidade e não ignorá-la, permitirá

construir um diagnóstico mais acertado dessa problemática e assim, caminhar

rumo a propostas didático-pedagógicas mais eficazes para sua superação.

E falar das causas é reconhecer que a educação e a escola têm sua

parcela de culpa, mas é preciso também ir além, a fim de buscar outras

causas, fora dos muros da escola e do contexto educacional. Afinal, a escola

não é uma ilha.

Não se pretende aqui estabelecer um rol taxativo nem completo das

causas que afetam a disciplina dos alunos e a crise na educação. O que se

busca nesse capítulo é simplesmente trazer a luz alguns pontos que, na

opinião de muitos educadores, dificultam a consolidação de uma educação

pautada no respeito e na tolerância a certos limites e no cultivo de valores: são

esses, os grandes desafios a serem enfrentados por todos os educadores,

entre eles, o orientador educacional.

11

1.1 - A relativização dos valores

É praticamente um consenso, entre os educadores, que a relativização

dos valores afigura-se hoje como uma das principais causas da indisciplina nas

escolas e de muitas outras mazelas educacionais e sociais.

Sem cair em definições morais extensas e desnecessárias, o que se

considera importante agora é dizer que perdeu-se muito aquele sentimento de

respeito e referência pelos valores e virtudes morais, alguns deles ligados a

tradições saudáveis para o desenvolvimento do aluno, mas que foram, ao

longo dos anos, "descartados" e considerados "ultrapassados" frente a novas

formas ou estilos de vida que reivindicavam uma liberdade desprendida das

fronteiras e dos limites até então vigentes

Segundo o autor Nelson Silva (2004), citando o filósofo Rouanet

(1987), isso remonta ao movimento de contracultura norte-americana que

propunha reinventar a vida, substituindo os valores morais ligados a tradição e

que pudessem significar algum tipo de repressão por apenas dois: paz & amor.

Proposta de vida equivocada, segundo o autor, uma vez que os valores -

importantes alicerces na construção de um mundo mais civilizado -, foram

encarados como uma espécie de aprisionamento , passíveis inclusive de

causar doenças psicológicas, daí o slogam: "é proibido proibir".

Teoricamente, os defensores dessa vida sem valores morais se fundamentaram nos primeiros escritos freudiano sobre o papel da repressão social na produção das neuroses. A premissa básica - defendida e divulgada - era a de que qualquer forma de limite impediria a concretização plena da vida, além de levar a produção de neurose (doenças nervosas ou doença dos nervos). Essa ideologia levou certos pais ao extremo de se negarem a dar nomes aos seus filhos, com o argumento de que eles - quando crescidos - saberiam escolher a designação que melhor corresponderia ao seu jeito de ser. (Silva, 2004, p. 31).

12

De acordo com Silva (2004), essas ideias, amplamente difundidas

pelos meios de comunicação de massa, foram aos poucos sendo introjetadas,

junto com outras tendências liberais, na vida da sociedade. E a escola, que

não está isolada do mundo, sofreu os impactos dessa reviravolta uma vez que,

a conduta dos alunos e dos profissionais de educação também foram afetadas.

Inclusive, a escola passou a ser encarada, por muitos, como um espaço de

restrição da liberdade criativa.

É claro que não se pode cair no saudosismo de afirmar que o modelo

anterior de educação era o mais perfeito e não precisava sofrer mudanças, o

que se pretende aqui é estabelecer um paralelo entre um modelo de vida

nascente, que entre suas reivindicações apregoava a negação dos valores, e o

fenômeno da indisciplina e da violência nas escolas, uma vez que, como

explica Silva (2004), sem a construção de limites, tanto pela ausência como

pela falta de imposição dos mesmos por parte dos pais e educadores,

acabaremos por ter crianças desorientadas e perdidas, sem noção daquilo que

lhe é próprio ou alheio, tanto material como psicologicamente, e por isso

transgressoras de regras sociais. Nem se pretende aqui desconsiderar o fato

de que o aluno deve sim ser orientado a participar ativamente da sua própria

formação, conforme falaremos mais adiante. Isso porque, infantilizá-lo, está

muito longe de ser o caminho mais adequado para sua maturidade.

1.2 - A falta de objetivos na educação e a influência dos meios

de comunicação

"Se você não sabe para onde quer ir, então não importa o caminho que

tomes". Bela frase, eternizada pelo autor de "Alice no País das Maravilhas" e

que, poderia muito bem ser aplicada no contexto das escolas e da educação

como um todo. Isso porque, a falta e a confusão de objetivos na educação têm

contribuído para que a mesma se mantenha numa espécie de dilema de Alice,

situação que também resvala na questão da indisciplina escolar.

13

Um outro aspecto que merece atenção é o desafio da escola de

convencer o aluno de hoje de que o estudo é importante para sua vida, já que

o mesmo está com dificuldade de encontrar sentido para o estudo, como muito

bem observado pelo professor Carlos dos S. Vasconcellos:

Na escola, esta crise se manifesta de muitas formas, mas com certeza uma das mais difíceis de enfrentar é a absoluta falta de sentido para o estudo por parte dos alunos. A pergunta "estudar para quê", nos parece, nunca esteve tão forte na cabeça dos alunos como agora. A famosa resposta dada por séculos, "estudar para ser alguém na vida", chega a provocar risos nos alunos, ante a clara constatação de inúmeras pessoas formadas, porém desempregadas ou muito mal-remuneradas. Estamos vivendo a queda do mito da ascensão social através da escola. (Vasconcellos, 1996, p. 231).

A crise de limites, agravada pelos meios de comunicação e o

consumismo (do qual a criança tornou-se um dos principais alvos), também

são apontados por Vasconcellos como fatores que agravam a situação.

Sobre o consumismo falaremos mais adiante. Com relação aos meios

de comunicação, sabemos que os mesmos, nem sempre contribuem para a

formação das crianças e dos adolescentes. Mais triste ainda é perceber que

eles, muitas vezes, acabam por dificultar a construção de uma educação

pautada no amor ao saber, no cultivo das virtudes e dos valores. Ao

supervalorizar outros aspectos pessoais e sociais como a fama a qualquer

custo, uma marca, um estilo "x" de vida, a busca do ter, a satisfação dos

desejos etc, os meios de comunicação acabam imprimindo padrões de

convivência que colidem ou distorcem os objetivos e as práticas pedagógicas

da escola (quando estas e aqueles são efetivamente elaborados).

Como muito bem observa o professor Silva, "é tão forte hoje os meios

de comunicação de massa - especialmente a televisão - que os mesmos se

converteram em verdadeiras 'agências socializadoras'". (Silva, 2004). Como

14

podemos observar, esse papel, de responsabilidade do Estado, foi sendo

substituído pela televisão. Isso, em termos educacionais, segundo o autor,

implica em educar as crianças e adolescentes, tanto no sentido informativo

(relacionados aos conteúdos e valores) quanto no formativo (desenvolvimento

do raciocínio e do agir consigo mesmo e com as pessoas). A televisão tornou-

se, nas palavras do autor, uma espécie de "babá eletrônica".

A influência maçante dos meios de comunicação somados à falta ou

insuficiência de objetivos na educação acaba gerando mais indisciplina nas

escolas. Isso porque, a falta de parâmetros norteadores para uma boa

convivência leva muitos alunos a não respeitarem seus colegas, seus

educadores, assim como o patrimônio da escola

Ele agirá sem levar em consideração as pessoas, como o professor e os colegas de sala de aula. Com isso, a maioria de suas condutas será de conflito com a disciplina em voga. Estabelecerá, além disso, um círculo vicioso: como não é disciplinado, dificilmente possibilitará a ocorrência do processo de ensino e de aprendizagem. Como é exatamente este processo que teria a finalidade de garantir sua humanização [...] ela acabará não mudando sua condição de selvagem, de não-sujeito, de anomia... (Silva, 2004, p. 190)

1.3 - O excesso de estímulos

Segundo o psiquiatra e escritor, Augusto Cury (2003), a sociedade se

converteu em uma verdadeira "fábrica de estresse". Isso, segundo o autor, é

consequencia do ritmo de vida que se leva hoje, o que faz com que as pessoas

fiquem cada vez mais aceleradas e hiper-pensantes. Alunos e professores

fazem parte desse cenário que produz muitas consequencias: impaciência,

falta de concentração nas aulas e no estudo pessoal, entre outras.

Segundo o mesmo autor, diariamente a sociedade atrai as crianças e

os adolescentes com "milhões de estímulos sedutores que se infiltram nas

15

matrizes de sua memória. Por exemplo, os pais ensinam os filhos a ser

solidários, e a consumir o necessário, mas o sistema ensina o individualismo e

a consumir sem necessidade" (Cury, 2003, p. 28). Por outro lado, o autor não

vê com bons olhos o fato de certos pais atenderem, indiscriminadamente, as

vontades de seus filhos e ilustra isso com um exemplo corriqueiro: muitos pais

colocam uma televisão em cada quarto de seus filhos, além de computadores,

video-games, e uma série de outros apetrechos eletrônicos que acabam

provocando uma personalidade suscetível a dispersão e a falta de

concentração. Outros mais abastados colocam seus filhos em cursos de

inglês, balé, teatro e um sem fim de atividades que, não poucas vezes, acaba

gerando crianças e adolescentes acelerados e desorientados pelo volume de

atividades. Esse cenário, além de incidir na indisciplina, cria uma indisposição

no aluno para aquelas atividades que supõe mais atenção e concentração, no

caso: o estudo pessoal e a escuta atenta às explicações do professor.

É impressionante observar a quantidade de tempo desperdiçado pelos

alunos nesse universo de meios e aparelhos. Segundo o professor e filósofo

Mario Sergio Cortella, a criança antes de entrar no primeiro ano do ensino

fundamental já assistiu, pelo menos, seis mil horas de televisão.

De acordo com o professor Silva (2004), tudo isso levou ao surgimento

do que se convencionou chamar de cultura zap, termo empregado para

designar o comportamento de muitos jovens com o advento do uso do controle

remonto para mudar de canal. Também empregado para descrever a conduta

de muitos adolescentes que ao chegarem em casa depois das aulas, ligam a

televisão, o computador, navegam e ouvem música no aparelho celular,

entram em salas de bate-papo, leem revistas de esportes radicais e assim vão

de um estímulo a outro alternadamente ou tudo ao mesmo tempo.

Quando um desses meios se torna desinteressante, ele logo corre para

o outro. Isso acaba por manter o aluno na cultura do transitório, caracterizando

perfeitamente o cenário de uma autêntica "sociedade individualizada" ou de

16

uma "modernidade líquida", usando termos do sociólogo Zigmunt Bauman

(2005). E nesse cenário, como diria o professor Andy Hargreaves, citado por

Bauman: "A introspecção é um atitude em extinção".

Não se pretende aqui jogar a culpa da indisciplina e da falta de limites

nas novas tecnologias. Elas fazem parte da vida social, trouxeram e trazem

muitos avanços para a coletividade, inclusive para a melhora e o

aperfeiçoamento das práticas educacionais (quando bem utilizadas). O que se

pretende aqui e fazer uma leitura dessa questão com um outro viés, mas

notadamente aquele que revela o impacto dessas novas tecnologias na vida

acelerada que os alunos vivenciam e seus desdobramentos negativos na

construção do conhecimento e na disciplina da sala de aula.

Esclarece-se que a tecnologia só prejudica quando o aluno não

aprende a filtrar e administrar esse excesso de estímulos e vive mergulhado na

cultura do não pensar, do evitar o que é difícil, do fugir do tédio. Sempre que o

aluno se sentir forçado a pensar o conteúdo de uma disciplina ela vai procurar

zapear com o celular, com o colega ao lado ou com aquilo que lhe parecer

mais interessante naquele momento. Zapeia o professor. Muda de canal e

"viaja", de preferência para longe da escola (Silva, 2004). Esse novo estilo de

vida social que se instala, também tem muita influência na dimensão afetiva

pois acaba gerando alunos, nas palavras de Cury (2003) com uma "emoção

flutuante" .

É Importante esclarecer que falta de concentração e "emoção

flutuante" não são sinônimos de hiperatividade. Nesse sentido o Professor

Silva (2004) chama a atenção para uma prática que vem se tornando cada vez

mais comum em muitas escolas, e para a qual o orientador educacional deve

estar muito atento. Ele refere-se ao fato de muitos professores rotularem de

hiperativos a certas crianças indisciplinadas, pelo fato de as mesmas

apresentarem um conjunto de atitudes inadequadas em sala de aula como:

17

Dificuldade de concentração na execução de atividades escolares, a movimentação física excessiva em sala de aula, os comportamentos de violência e de autoviolência aparentemente injustificados e o rendimento escolar muito aquém do esperado. (Silva, 2004, p. 116)

É bem verdade que a hipersensibilidade (quadro patológico) existe e,

em muitos casos, provocada ou intensificada pelo atual estilo de vida

acelerado em que vivemos. Não se pode e não se deve negá-la. A única

preocupação, que compartilhamos com o professor Silva , é evitar uma certa

psicologização da indisciplina a ponto de enquadrá-la num tipo patológico

específico, sem que se faça uma leitura mais abrangente da situação. Como

consequencia dessa psicologização, muitas crianças, com dificuldades

acadêmicas e com problemas de disciplina, são simplesmente encaminhadas

a um especialista em neurologia e submetidas a tratamento a base de

medicamentos que prometem deixá-las mais "tranquilas".

Não só a realidade externa, mas o próprio ambiente escolar, muitas

vezes, não contribui para o desenvolvimento saudável do aluno, como

assevera o professor Silva:

[...] se nós, estudiosos e trabalhadores do campo educativo, fôssemos submetidos às condições que tenho presenciado nas escolas, certamente apresentaríamos condutas semelhantes a dos escolares considerados hiperativos (para não dizer até mesmo piores). O espaço escolar (salvo exceções, é bom que se diga), da maneira como se encontra estabelecido, concorre para que ocorra tudo, menos a construção de conhecimento e, em decorrência, o desenvolvimento da personalidade humana e o reforço do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais como querem os Parâmetros Curriculares Nacionais e como está contigo na Declaração Universal dos Direitos do Homem. (Silva, 2004, p. 116)

Diante de tudo o que se falou aqui, é importante que o orientador

educacional e os demais profissionais de educação aprendam a lidar com o

18

aluno de hoje, vindo de uma sociedade acelerada e com muitos contrastes, o

que se torna um desafio cada vez maior tanto na questão disciplinar como na

educação para os valores.

1.4 - Os mecanismos econômicos vorazes

A economia tem hoje um papel predominante na formação dos hábitos

e atitudes dos alunos, e deve-se reconhecer que ela, além de muitos recursos

financeiros, dispõe de modernas e avançadas tecnologias para consolidar sua

presença na vida das pessoas, seduzindo crianças e adolescentes com

estratégias bem elaboradoras de marketing que envolvem, entre outros

segredos, um conhecimento razoável sobre neurociência.

Infelizmente, a propaganda descobriu um nicho humano vulnerável,

por isso tem voltado seus imensos olhos para as crianças, haja vista a

quantidade de comerciais que têm as mesmas como foco. E como a

propaganda não está preocupada com o ser, mas com o ter, seus mecanismos

acabam por despersonalizar as pessoas imprimindo-lhes os hábitos e os

estilos de vida que lhes convir. Chegou-se a situação lamentável de observar

que a postura de um aluno, muitas vezes, está condicionada a posse ou não

de um objeto, roupa etc. Alguns filhos ameaçam de não ir a escola se o pai

não comprar determinada roupa ou objeto. E o pior de tudo isso é quando

educadores e pais se tornam, consciente ou inconscientemente, reprodutores

dessa lógica.

Um outro aspecto é a falta de perspectiva de futuro que muitas vezes o

aluno vislumbra no cenário econômico, esse chega a ser um dos aspectos

mais danosos na vida escolar do aluno. Isso porque, a maioria das crianças

cresce sem esperanças e fadadas a uma vida de sub-emprego e exploração, o

que as leva a menosprezar o estudo e tudo o que ele envolve.

19

1.5 - A banalização da violência

Um outro fator que contribui para a indisciplina nas escolas é a

banalização da violência. Isso porque, nesse contexto, o aluno começa a ver a

violência como algo natural e como um fenômeno social irreversível. A

violência termina sendo internalizada por ele como a maneira normal de

resolver suas divergências e diferenças com colegas e professores.

O "mergulho" constante em jogos e vídeos violentos, acaba

influenciando no modo como o aluno lida com as situações de violência no

mundo real (Silva, 2004). Um exemplo bastante ilustrativo a esse respeito é

observar como muitos alunos se regozijam e até incentivam quando

presenciam uma briga entre seus colegas.

Por esses e outros motivos, o professor perdeu muito espaço como

referencial de autoridade. Por outro lado, já não surtem os efeitos desejados

aquelas formas tradicionais de se impor a disciplina aos alunos como: "advertir

verbalmente, fazer uso de ameaça de delação aos pais, de encaminhamento à

direção [...], aplicar pontos negativos, diminuir a nota obtida na prova, colocar

de castigo na sala, suspender o recreio..." (Silva, 2004)

Já falamos que a escola não é uma ilha isolada. Ela é um espelho da

sociedade civil. Assim, as referências inspiradoras para o aluno devem vir de

todos os lados. Se o aluno não encontra referências inspiradoras em seus

pais, professores e personalidades civis, ele se sentirá desmotivado para o

estudo, sobretudo, quando observar que muitos dos que vencem na vida o

fazem por meio ardilosos e desonestos. Quando a política transmite aos

alunos as ideias de desonestidade, falta de lealdade e falta de cuidado pelo

patrimônio público, o estudo e os valores deixam de ser um referencial para

eles. Num ambiente onde os fins justificam os meios e o que passa a valer é o

cargo e o poder e não a palavra, a criança, aos poucos, vai perdendo o

20

interesse e se distanciando de um referencial pautado na honestidade, no

respeito aos outros e no cuidado com aquilo que é de todos.

Por outro lado, muita da agressividade e rebeldia dos alunos é fruto da

falta de atenção e compreensão que muitos pais e educadores deveriam

dispensar a seus filhos e alunos, isso porque, conforme palavras do escritor e

psiquiatra Augusto Cury, "pais e professores, ainda que falem coisas

maravilhosas para seus filhos e alunos, têm muitas vezes péssimas reações

diante delas: são intolerantes, agressivos, parciais, dissimulados" (Cury, 2003).

A própria forma de se abordar um aluno indisciplinado ou

simplesmente com dificuldades acadêmicas pode ser geradora e multiplicadora

de mais violência, seja ela real ou simbólica. É quando a suposta solução

aplicada acaba gerando alunos mais complexados. É o caso de expressões

desabonadoras como: burro, fraco, lerdo, "animal", usadas por educadores

para "enquadrar" e reprimir um ato ou uma dificuldade apresentada por um ou

vários alunos. Sem mencionar aqui, outros adjetivos que levam em conta a

condição social, o porte físico, e situação racial do aluno etc. Humilhações

freqüentes por parte de certos professores com relação aos alunos e na frente

dos seus colegas acabam gerando um clima de mais violência e desconforto

em sala, além de minar as bases emocionais do aluno, componente essencial

para uma aprendizagem mais humanizadora.

Em resumo, tanto a violência social (fora dos muros da escola) como

aquela vivenciada dentro dos muros da escola entram no portfólio das causas

e conseqüências da indisciplina escolar.

1.6 - A desvalorização do professor

Para que os educadores consigam realizar seu trabalho de maneira

mais plena no mundo acadêmico, como uma boa gestão da sala de aula e do

21

espaço escolar, é necessário, além do profissionalismo e do equilíbrio

emocional, uma valorização dos mesmos em vários sentidos.

Segundo dados obtidos pela Academia da Inteligência, em pesquisa

feita com os professores de são Paulo, hoje mais de 65% dos professores

daquele Estado, sofrem de algum transtorno psíquico/emocional. Exaustão

emocional, despersonalização e histeria são alguns dos transtornos psíquicos

sofridos hoje por parte dos professores (Cury, 2003). Grande parte desse

cenário é consequência das más condições de trabalho a que os professores

estão submetidos: "Má formação, salários miseráveis, números excessivo de

alunos em sala, falta de material didático apropriado, falta de espaço de

trabalho coletivo constante na escola etc" (Vasconcellos, 1996, p. 230).

Segundo Nelson Silva, estudos mostram que "a probabilidade de ocorrência de

atos violentos aumenta com a superpopulação e com o desconforto" (Silva,

2004).

Por outro lado, Vasconcellos observa, com certa preocupação, o fato

de muitos professores ainda não terem acordados para o fato de que a escola

sofreu e vem sofrendo muitas mudanças. Segundo o autor, a falta dessa

consciência, traz para o ambiente escolar um certo saudosismo acompanhado,

as vezes, de um espírito de acusação. Nas palavras de Vasconcellos (1996)

"Agredidos, procuram, inconscientemente algum alvo onde possam

descarregar suas mágoas, suas incompreensões."

Outra questão, segundo Vasconcelos, é o que ele chama de sensação

de não-poder, vivida pelo professor diante do problema da indisciplina. O autor

considera esta sensação, um dos maiores obstáculos a serem enfrentados: "É

impressionante como o professor acabou assimilando a idéia de que não tem

forças, de que não pode, de que a solução dos problemas está fora dele..."

(Vasconcellos, 1996, p. 236). Essa sensação nasce, segundo o autor, da

percepção de que ele está incapacitado para dar conta de sua tarefa. Isso

porque o mundo, o aluno, a relação escola-sociedade mudaram e ele continua

22

o mesmo. As exigências da educação e do aluno requerem novas práticas,

diferentes daquelas que lhe foram ensinadas. Como muito bem ressalta

Vasconcelos, "não se trata aqui de um julgamento moral, como se o professor

fizesse isso porque quer, porque escolheu conscientemente ser mal

profissional. Ele é vítima também de uma lógica desumana e excludente"

(Vasconcellos, 1996, p. 237)

Como podemos verificar neste primeiro capítulo a indisciplina tem suas

causas e se alimenta tanto de fatores vinculados a responsabilidades da

escola e da educação como um todo, assim como de fatores que transcendem

o mundo da educação acadêmica. Fica o desafio de buscar construir um

ambiente social e escolar propício para o respeito, a tolerância e a educação

nos valores.

23

CAPÍTULO II

EDUCAR PARA A SUPERAÇÃO, O RESPEITO E A

CONSTRUÇÃO DE LIMITES.

Conforme se observou no capítulo anterior, a realidade escolar sofreu

muitas mudanças, ora ocasionadas pela sua estrutura (ou falta dela), ora

influenciada por fatores fora de seus muros. Fala-se muito hoje na falta de

limites na educação de alunos e filhos. Seria então a solução simplesmente

impor-lhes limites? Ou será que estamos diante de um aluno que além de

imposição de limites necessite algo mais?

Para o psicólogo e professor Yves de La Taille existem pelo menos

três formas de abordagem e compreensão de limites quando falamos na

educação de alunos e filhos. A partir da classificação feita por esse autor em

suas interessantes abordagem sobre limites, e com a contribuição de outros

autores, este capítulo se propõe a enriquecer a reflexão sobre a questão dos

limites e assim buscar e apontar caminhos que ajudem a orientadores

educacionais e profissionais da educação a ampliar seu entendimento e linhas

de ação no que diz respeito ao tema aqui tratado. Visando sempre o

crescimento do aluno a fim de que o mesmo desenvolva um senso crítico e

aprenda a superar, respeitar e construir seus limites.

2.1 - Limites ou fronteiras?

De La Taille, quando fala de limites prefere substituir essa palavra pelo

termo fronteira, por considerar esse último uma metáfora mais rica e

apropriada quando aplicada numa perspectiva educacional. Isso porque,

segundo ele, limite sugere uma demarcação e nem toda demarcação foi feita

para não ser transposta, inclusive, e muitas vezes, é preciso encorajar o aluno

a transpô-las ou a construí-la..

24

Segundo o autor, existem limites que são fronteiras a serem

transportas pelo aluno rumo à sua maturidade e sua excelência; por outro lado,

existem fronteiras a serem respeitadas e, portanto, não transpostas pelo aluno,

e, por fim, deve-se pensar os limites como fronteiras que o aluno (criança ou

adolescente) deve construir para proteger sua intimidade e sua privacidade.

"Todo dilema está justamente nisto: como dar limites aos filhos, aos alunos,

sem ser ausentes? Como poupá-los de incessantes limitações sem abandonar

o papel de adulto, de guia? Como colocar limites e não ser castrador e injusto.

(De La Taille, 2003, p. 65).

Esse novo entendimento abre novas perspectivas para o trabalho do

orientador que, em muitas escolas, é colocado para desenvolver um papel

meramente disciplinar: aquele que está ali apenas para por limites as atitudes

inadequadas dos alunos. É claro que esse é um papel árduo e que também o

orientador está chamado a realizar. Mas, seu papel não se restringe somente a

isso. Ele pode e deve ir mais além. Como muito bem observa o professor De

La Taille:

Limite significa também aquilo que pode ou deve ser transposto. Toda fronteira, todo limite separa dois lados, O problema reside em saber se o limite é um convite a passar para o outro lado ou, pelo contrário, uma ordem para permanecer de um lado só. Ora, na vida , e na moralidade as duas possibilidades existem: o dever transpor e o dever não transpor (De la Taille, 2003)

2.2 - Educar é ir além

O ser humano nasce com uma capacidade muito grande de aprender.

A interação dele com o meio lhe possibilitará crescer, agregar valor a sua

existência, buscar a felicidade e construir seus sonhos.

25

Evidentemente que todo esse processo de construção e aprendizagem

não se dá com o simples transcurso dos anos. Até porque, quem é mais velho,

não é necessariamente mais sábio ou mais maduro.

Para que haja aprendizagem com desenvolvimento maduro, é preciso

que, no transcurso dos anos, a pessoa tenha e viva experiências que lhe

façam ir além, desenvolvendo suas qualidades e agregando valor a sua

existência. É por isso que a educação é tão fundamental na vida do sujeito. Ela

permite com que o mesmo dê esse passo além, ampliando seus horizontes

rumo a descoberta de si mesmo e do mundo que o rodeia.

O orientador educacional, sabedor desse papel importante e

irrenunciável da educação na vida do sujeito, deve buscar motivar o aluno,

cativando nele o prazer pela busca do conhecimento, das virtudes e do auto-

conhecimento, alicerces fundamentais na construção de si mesmo. É por isso

que sem educação ele não pode ir além. Sem a educação ele está fadado a

ficar do lado de cá da fronteira: na ignorância. Pois, como muito bem observa o

médico e escritor Içami Tiba: "Quando deixamos de educar, estamos

construindo a ignorância, impedindo a criança e o jovem de dar um Passo

Além para a Alto Performance." (Tiba, 2012). A ausência do amor ao

conhecimento e do cultivo das virtudes é que tem gerado, muitas vezes, o

crescimento da indisciplina nas escolas.

Essa visão, pode trazer repercussões práticas e positivas para a

escola. Isso porque, se por um lado falamos que a escola está em crise e

padece com muitas dificuldades, por outro lado, ela tem e teve muitas

conquistas, e algumas delas foram e são, infelizmente, esquecidas ou não

socializadas. Para fazer a escola ir além, o orientador educacional poderia ser

uma espécie de memória real da escola a fim de manter vivas e fazer circular

no dia a dia da escola todas aquelas práticas pedagógicas que tornam o

processo de ensino e de aprendizagem mais eficaz e encantador.

26

Por exemplo, existem, geralmente na escola, educadores que tem uma

forma muito genuína e eficaz de lidar com a indisciplina dos alunos, outros têm

uma facilidade grande de cativá-los, e aqui poderíamos exemplificar diversos

outros casos de competências individuais que podem ser multiplicadas e

socializadas com outros colegas que tem mais dificuldades nesse ou naquele

campo. Provocando uma interação maior entre os educadores, o orientador

pode conseguir que todos aprendam uns com outros e assim possam ir além

aprendendo novas práticas e enriquecendo todo o contexto escolar. . Sabe-se

que esse é um grande desafio, uma vez que muitas das escolas carecem de

momentos de interação entre seus profissionais, inclusive, um número

bastante significativos delas, não realiza nem o Conselho de Classe, momento

que poderia servir de partilha e troca de experiências e de avaliação dos

alunos e da caminhada da escola.

2.3 - Valorizar o que o aluno já sabe.

Já sinalizamos que o ser humano é um animal com capacidade de

aprender e de usar o conhecimento e suas experiências na construção de si

mesmo e que a escola é um lugar privilegiado para a aprendizagem e para a

vivência de diversas experiências. Acontece que a escola não é detentora

exclusiva da formação do aluno. Junto com ela há outros lugares, instâncias e

pessoas como a família, o bairro, os amigos, os meios de comunicação

(quando ensinam) etc.

Portanto, o aluno não vem para a escola vazio e não possui apenas o

conhecimento que lhe é transmitido na escola. Boas ou ruins, ele traz muitas

experiências: valores que ele acredita e que também lhe ajudam a construir as

bases de sua vida. É muito importante que o orientado tenha sempre presente

essa verdade, que embora simples e obvia é, muitas vezes, ignorada.

27

Essa é, aliás, uma das críticas que se faz a educação tradicional: que

os educadores ignoravam o que a criança já sabe convertendo-a numa mera

receptora de conteúdos e "novas ideias". Não valorizar o que o aluno já sabe,

acaba tornando-o um mero sujeito passivo e apático. Perde-se assim a

oportunidade de possibilitar que a aprendizagem siga um curso natural pela

"re-significação" de ideias anteriores e não pela substituição de umas por

outras.

É no terreno do respeito e do reconhecimento pelo que o aluno já sabe

que o orientador educacional pode semear e cultivar novos valores e ajudá-lo a

participar no processo de construção do conhecimento. Nesse sentido é

bastante pertinente o que diz De La Taille:

Ela não ocorre pela simples substituição de um conhecimento por outro, mas pela superação de um conhecimento inferior por um superior. Decorrência: respeitar os conhecimentos espontâneos das criança não significa retificá-los, mas saber em que nível de construção eles se encontram para, daí, levá-los a conhecimentos mais elevados e sólidos (De La Taille, 2003)

Não acolher nem valorizar o que o aluno já sabe, não o ajuda a

desenvolver o sentimento de que ele é capaz e tem potencial para crescer e

caminhar sozinho, superando e transpondo suas fronteiras e não

permanecendo criança, infantil, indisciplinado. A própria existência do homem,

desde o seu nascimento até sua morte natural, sugere uma metáfora que

ajuda a entender melhor o sentido do valorizar o que foi aprendido e sempre ir

além. Nesse sentido, observa-se que a própria infância é por natureza uma

fase de passagem, um caminhar, irremediável a outras fases. Assim, as fazes

que se sucedem entre a infância e a fase adulta devem ser superadas, num

caminhar que busque a maturidade do aluno valorizando e enriquecendo suas

experiências com o conhecimento e experiência vividas dentro da escola.

28

Desse modo, o orientador educacional deve ter em mente que se por

um lado o aluno dever ser valorizado no que ele construiu, por outro ele deve

ser incentivado a dar um passo além numa espécie de competição, não com

os outros, mas consigo mesmo. Conforme ensina De La Taille, o aluno deve

ser incentivado a Ir além rumo a excelência e a maturidade, na busca sempre

do "melhor", do ideal, da perfeição. Buscar ser o melhor possível dentro da sua

idade. (De La Taille, 2003).

O orientador pode, por exemplo, ajudar o aluno a entender que ele,

com esforço e dedicação, pode chegar a excelência acadêmica, pois já chegou

até aqui superando muitos obstáculos. E que ele não precisa colar na prova,

nem intimidar o professor para conseguir melhores resultados. Muitos dos

alunos não são melhores e mais disciplinados porque se sentem inferiores, e

não se sentem a vontade com os outros e com eles mesmos, por isso é tão

importante que o orientador aprenda esses princípios aqui expostos para

melhor ajudar o aluno a transpor a barreira da baixa auto-estima, da

indisciplina e da violência.

2..4 - Educar com limites

Se por um lado é preciso incentivar o aluno a transpor seus limites,

suas fronteiras rumo a excelência e a maturidade, também concordamos com

o fato de que, nos tempos de hoje, é preciso e é educativo impor certos limites

aos alunos. É por isso que hoje se fala muito em falta de limites às condutas

dos alunos, o que tem gerado muito indisciplina nas escolas e junto com ela

uma grande dificuldade de se educar para os valores.

Os limites, no sentido restritivo, como fronteiras a serem respeitas (De

La Taille, 2003), são necessários a vida humana e estão na raiz do nosso

processo civilizatório. Em decorrência disso, um aluno que não conhece os

29

limites daquilo que é permitido ou proibido vai acabar desrespeitando o

professor e os colegas, como comumente vem acontecendo nas escolas.

Para Freud, o homem tende ao individualismo, a exploração e a

sujeição do outro. Por isso, ele precisa de regras e limites que preservem a sua

boa e respeitosa convivência com os demais. Não pode ser deixado ao sabor

das suas paixões e instintos. Daí a sublimação. E por isso que se costuma

dizer que não há civilização sem restrição.

A própria história humana tem mostrado que não se pode descartar

totalmente a tese de Freud. Mas, por outro lado, existe outra linha de

pensamento que defende o fato de que o homem não é somente marcado pela

sêde de dominação. Nele também se podem encontrar atitudes pró-sociais de

cuidado, de preservação e de valores que ele considera importantes e

edificantes para si e para a vida em comum.

Diante disso, se por um lado o orientador educacional precisa deixar

claro ao aluno qual a fronteira do permitido e do proibido, por outro lado é

importante que ele descubra e promova no aluno aqueles valores e virtudes já

incorporados na sua vida, mesmo que ainda não desenvolvidos.

O orientador educacional precisa deixar muito claro para o aluno que a

escola tem suas regras e que estas devem ser respeitadas. E que existem

normas que servirão tanto para sua convivência na relação com o outro, como

também, regras que tem o intuito de criar um ambiente escolar propenso a

aprendizagem e a produção do conhecimento.

O orientador deve ser acolhedor, compreensível e paciente com os

alunos. E em determinadas situações precisa ser firme para que o aluno se

sinta acolhido mas também compreenda que certas liberdades devem ser

restringidas em nome dos valores que a escola considera importantes na sua

30

missão de educar, e que o desrespeito a essas regras tem suas

consequências.

Conjugando essas duas coisas, acolhida do aluno, imposição de

limites, o mesmo entenderá que as consequências sofridas pelo desrespeito às

regras não são frutos de perseguição por parte do orientador ou dos

professores. Entenderá que educar passa também pela imposição de certos

limites e pelo comprometimento de se adotar uma conduta compatível com a

vida acadêmica e social.

O médico Içami Tiba chama a atenção para o fato de que a educação

em nome do amor passa por quatro fases: "amor dadivoso, amor que ensina,

amor que exige e amor que aplica as consequências". Ele afirma que a criança

não sentirá falta e não valorizará aquilo cujo desrespeito não lhe trouxer

consequências (Tiba, 2012, p. 36). Assim, se o aluno não sente as

consequências pelo seu desrespeito contra o educador ou o colega, ele não

vai considerar a disciplina e o bom comportamento um valor necessário para a

vida em comum e para a excelência acadêmica:

Quando deixamos de ensinar, de exigir e de aplicar as consequências, estamos construindo a ignorância. Essa construção mesmo que na hora não custe praticamente nada, acaba sendo muito mais cara do que a construção do conhecimento. Um conhecimento eticamente construído enriquece o indivíduo, a sociedade e o mundo em volta - por toda a vida. Uma pequena ação educativa hoje, traz grandes e importantes diferenças no futuro. (Tiba, 2012)

Para enriquecer essa reflexão, é importante retomar aqui a clássica

divisão que Piaget faz de moral heterônoma e moral autônoma. Essa divisão

serve para nortear o trabalho do orientador educacional rumo a uma prática

pedagógica que eduque para os limites e para os valores. Segundo Piaget , o

desenvolvimento do juízo moral na criança começa quando ela age segundo

as regras e limites colocados por terceiros, sem que tenha, um critério de

31

raciocínio autônomo para definir o que é moralmente certo ou errado. Nesse

primeiro momento, a criança faz porque os outros fazem ou deixa de fazer

porque os outros estabelecem limites para ela. Estamos aqui no que Piaget

denomina de moral heterônoma caracterizado pela presença de uma

autoridade externa que lhe dê o norte daquilo que é certo ou errado. Aqui ela

começa a construir as bases da sua formação moral ainda que não possua a

capacidade de internalizar de uma maneira mais racional esses fundamentos.

Como nessa fase é importantíssima a figura da autoridade, o orientador

educacional deve pontuar aquilo que é proibido e permitido e quais os limites e

as consequências caso ela desobedeça. Afinal como diz Tica: "Não é errando

que se aprende; mas, sim, corrigindo o erro." (Tiba, 2012, p. 36).

Segundo Piaget, por volta dos nove anos de idade, a criança entra na

fase da moral autônoma. Aqui, ela já saberá responder a si mesma o porquê

daquilo ser moralmente aceito ou não. É evidente que a idade sugerida aqui

para o início da moral autônoma não se dá de forma automática. O que autor

quer passar é que a construção de uma moral autônoma na criança deveria

ser precedido por um período onde a moral heterônoma, que lhe serviu de

base, foi construída num estado de cooperação e transparência com a

criança.

2.5 - Limites necessários: agir conforme o dever

Por que os limites? Seriam eles uma forma cruel de tolher a liberdade

das crianças e dos alunos? Acreditamos que tanto a felicidade individual como

a coletiva passa pelo estabelecimento de limites necessários a construção de

uma convivência saudável entre os seres humanos e que a escola é um

espaço propício para fomentar essa convivência. Nesse sentido, se justifica e

engrandece a missão da escola que deve objetivar o "aperfeiçoamento da

32

humanidade". De La Taille considera a existência dos limites necessários a

uma vida boa:

Penso que a existência de alguns limites restritivos faz parte da "vida boa", e mais, que eles são necessários para alcançá-los e usufruí-las. E, se isso for verdade, cabe a educação ajudar as crianças a construir e valorizar tais limites. (De La Taille, 2003, p. 61).

Os limites são necessários, mas devem ser dosados de um modo que

não acabem por infantilizar os alunos. Para Freud, muitas pessoas podem ficar

a vida toda dependendo de controles externos. Uma das razões é porque

apenas cumpriram regras sem nunca irem além a fim de caminharem com as

suas próprias pernas, ou seja, não internalizaram as regras. Por isso o filósofo

Kant nos explica que agir conforme o dever não é o mesmo que agir por dever,

isso porque, quem age conforme o dever o faz porque suas ações são

coerentes com alguma regra, mas não inspiradas pelo valor moral que as

legitima. Por exemplo, alguém pode não matar pelo medo de ser preso e não

porque internalizou o valor da vida. (De La Taille, 2003, p. 93)

2.6 - A fronteira da intimidade

Seguindo a abordagem do psicólogo e educador Yves De La Taille,

concluímos este capítulo apresentando aqui uma terceira perspectiva a

respeito dos limites que, embora pouco conhecida, é de grande importância, e

por isso, deve ser conhecida e levada em conta pelo orientados educacional,

no seu trabalho com os alunos.

Retomando rapidamente o que já vimos, falamos que as crianças e os

alunos precisam ser educados tendo consciência de que existem limites ou

fronteiras a serem transpostas rumo a maturidade e a excelência; num

segundo momento vimos que existem limites a serem respeitados; veremos

33

agora aqueles limites ou fronteiras que devem ser construídos, pela própria

criança, a fim de preservar a sua intimidade: "construção por parte da criança,

de limites que lhe permitam preservar sua privacidade, sua intimidade, seus

segredos." (De La Taille, 2003).

Como se falou no capítulo anterior, hoje a tecnologia e as redes sociais

trazem uma facilidade tremenda de comunicação e exposição. Esse mundo

"on line" invadiu a escola e suas instâncias. Observa-se que os alunos têm

uma grande necessidade de publicar tudo sobre suas vidas nas redes sociais.

Eles o fazem com tal naturalidade sem pensar nas consequências que uma

superexposição pode causar. A escola e os pais reconhecem que é quase

impossível administrar (controlar) o mal uso dos meios eletrônicos por parte

das crianças e dos adolescentes. Por isso, afigura-se como um grande desafio

para o orientador educacional, professores e pais buscar formas que eduquem

seus filhos e alunos para um cuidado mais atento com aquilo que eles dizem,

postam ou confessam de si mesmos.

O ideal seria educar alunos e filhos para que os mesmos aprendam a

construir as fronteiras que preservarão sua intimidade contra tantas

vicissitudes humanas que se aproveitam dos seus descuidos. Ensiná-las o

quanto é importante cuidar dos seus segredos, da sua dignidade, da sua

inocência num mundo ávido de curiosos, tanto dentro da escola como fora de

seus muros.

Não se pretende aqui trancar ninguém em um quarto ou em uma sala,

sem contato com os outros e com o mundo. O que se deseja aqui é a adoção

de práticas pedagógicas que eduquem os alunos para a importância da

preservação de certos aspectos de suas vidas. Uma educação que ajude os

alunos a construírem o que De La Taille chama de "fronteira da intimidade, ou

seja, um limite móvel cujo lugar esteja, o máximo possível, sob o controle do

indivíduo" (De La Taille, 2003).

34

O desafio do orientador educacional e dos profissionais de educação

aqui é buscar desenvolver práticas pedagógicas que eduquem o aluno para a

proteção da sua intimidade, educando-o para um auto-conhecimento dos seus

valores e de tudo aquilo que é importante preservar na sua vida. Educando-o

para o fato de que a presença de limites protegem a privacidade em todas as

culturas.

Para De La Taille os pais e educadores devem ajudar a criança a

preservar sua intimidade não desrespeitando sua privacidade e não fazendo

investidas que violem o seu direito a ter e guardar seus próprios segredos.

Isso porque, muitos pais não admitem que seus filhos tenham segredos,

vasculhando seus diários e seus pertences.

nada mais prejudicial à criança do que tais investidas. Um pai ou uma mão não devem impedir que seus filhos tenham segredos para eles, seja obrigando-os a falar tudo, seja passando-lhes a ideia de que pais sempre descobrem tudo. Por que os filhos não deveriam ter segredos? Embora quando pequenos eles ainda não saibam disso, esse é um direito seu. E mais ainda: eles precisam desse exercício de guardar ideias e sentimentos para fortalecer o poder psicológico de construir áreas secretas, e da sabedoria social de decidir a quem fazer confidências. (De La Taille, 2003)

Conforme refletimos neste capítulo, às três abordagem sobre limites,

envolvem uma formação abrangente do aluno. O desafio agora do orientador

educacional é buscar incorporar no dia a dia da escola as práticas pedagógicas

aqui trazidas.

35

CAPÍTULO III

CONSTRUINDO UMA EDUCAÇÃO PARA OS VALORES

Sem cair em definições filosóficas e morais prolongadas, o objetivo

deste capítulo é trazer e delinear algumas reflexões sobre os valores e o

quanto eles são importantes na educação dos alunos. Pretende-se também

aqui, como resposta aos questionamentos e problemas levantados nos

capítulos anteriores, expor algumas sugestões de práticas pedagógicas que

ajudem a orientadores educacionais, professores e demais profissionais da

educação na criação de uma cultura educacional que leve em conta os valores

aqui delineados.

3.1 - A dignidade da pessoa humana: valor fundamental

Quando falamos de valores, faz-se necessário realizar um mergulho na

dimensão mais afetiva do ser humano, o que supõe, conhecer e investigar os

valores prezados pelas pessoas. Isso porque, valores, segundo Silva (2004),

são "investimentos afetivos; é tudo aquilo que vale para a pessoa".

Para De La Taille (2000), esse valor "pode ser moral (por exemplo,

honestidade e coragem) ou não moral (beleza, status financeiro e social).

Como os valores são fundamentais na constituição do indivíduo, se torna

importantíssimo conhecer quais desses valores são centrais na vida dele.

se os valores morais forem centrais para os indivíduos ele poderá, por exemplo, sentir vergonha, sentir-se desonrado ou indigno, se for medroso ou cometer algum ato desonesto; ao passo que, se estes valores forem periféricos, esses sentimentos aparecerão quando ele não possuir riqueza ou um padrão de beleza almejado. (apud, Silva, 2004, p. 149)

36

É por isso que, conforme já falamos, a indisciplina decorre do fato, de

muitos alunos não terem os verdadeiros valores como centrais em suas vidas

Partindo desse princípio, surge um questionamento importante: qual o valor

fundamental que servirá de parâmetro e ponto de partida para as práticas

pedagógicas que visam a formação de um aluno mais humanizado e ,portanto,

menos indisciplinado? O Professor Silva (2004), muito oportunamente, nos

desvela um norte vital para essa questão ao recordar que uma educação

efetiva, deve ter a dignidade do ser humano como parâmetro educativo:

Como apontam os Parâmetros Curriculares Nacionais, a educação deve procurar formar indivíduos que tenham suas condutas guiadas por valores alicerçados na dignidade do ser humano. Isso implica o desenvolvimento de valores morais, como a justiça, o respeito mútuo, a solidariedade (generosidade) e o diálogo. Tais medidas são, inclusive, indispensáveis a existência e à consolidação de um regime democrático como o nosso (Silva, 2004, p. 183-184)

A dignidade do ser humano é um valor inalienável. Não é por acaso

que ela faz parte dos mais altos princípios fundamentais elencados na

Constituição Federal do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; (CF - 1988)

Portanto, o norte e o ponto de partida para uma educação mais

humanizadora começa por ensinar aos alunos o respeito à dignidade da

pessoa humana. Isso porque, segundo Silva (2004) a própria indisciplina e a

violência escolar, assim como a falta de limites são, em grande medida,

fenômenos produzidos pela injustiça, pela falta de respeito mútuo, pela

ausência de diálogo, pelo individualismo, pela falta de honestidade.

37

Tudo tem início quando a dignidade do ser humano é desrespeitada e

relegada a um plano secundário. Desse modo, uma educação para os valores

passa, fundamentalmente, por resgatá-la frente a todos os anti-valores que

ganham cada vez mais terreno dentro e fora dos muros da escola, conforme

exposto no primeiro capítulo.

3.2 - Na "trilha" dos valores

Uma vez fixado nosso norte e ponto de partida, é preciso agora ir em

busca e estabelecer outros valores importantes a serem cultivados no

ambientes escolar e no coração dos alunos e filhos a fim de que se possa

construir um ambiente educacional que promova a dignidade da pessoa

humana. Nesse campo de se estabelecer valores, qualquer pretensão de se

fixar um roll de valores taxativo será sempre insuficiente, isso porque o ser

humano desde sua vivência e singularidade sempre pode enriquecer e agregar

outros valores àqueles já existentes. Portanto, afastada essa pretensão,

apresentamos agora alguns valores a serem cultivados no ambiente da escola

e no coração dos alunos, alguns deles já foram citados anteriormente. Os que

apresentamos fazem parte de uma lista elaborada pelo educador e psiquiatra

Içami Tiba (2010), que os batizou de valores superiores. Acreditamos que

merecem ser expostos aqui pela sua universalidade e riqueza:

Os valores superiores transcendem os instintos animais, a matéria, o aqui e agora. Neles estão os grandes valores da humanidade: amor (afetivo e afetivo-sexual), gratidão, cidadania, religiosidade, religião, disciplina, solidariedade, ética (Tiba, 2010, p. 55)

Passamos agora a uma breve reflexão sobre cada um desses valores

e o quão eles são importantes na educação dos alunos.

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Segundo o autor, a religiosidade e o amor são valores, que perpassam

toda a história da humanidade e não há povo primitivo que não os tenha

cultivado. O amor ensina a crentes e ateus a serem tolerantes e respeitosos e

a religiosidade é a força que nos faz procurar uns nos outros. Para Tiba (2010),

falta mais amor e mais religiosidade no coração das pessoas. Se esses valores

permeassem a vida de nossos alunos, dos educadores e da sociedade,

certamente teríamos um mundo com menos preconceito, menos exclusões,

menos predisposições negativas a contatos com estranhos. Isso porque,

esses são valores que aumentam muito a qualidade relacional entre as

pessoas.

Sobre a gratidão, o autor a descreve como a "Sensação de bem-estar

por reconhecer um benefício recebido". (Tiba, 2010). O autor lamenta o fato

de muitos filhos não serem agradecidos aos seus pais (e professores). Por

isso, é importantíssimo para melhorar as relações na escola, ensinar as

crianças a serem gratas e a manifestarem sua gratidão, pois é de boa

educação que se agradeça o que se recebe. A gratidão gera bons sentimentos

e ajuda muito na criação de um clima amistoso e fraterno entre as pessoas.

Para Tiba (2010), a cidadania é um outro valor que precisa está

presente na formação do aluno. Educar para a cidadania é educar para o

cuidado com as coisas, é preservar e valorizar tudo aquilo, construído pelo

homem, que ajuda a melhorar o bem está e a convivência entre as pessoas:

Quem cuida aprende o sentido de propriedade, de respeito, de

preservar e melhorar o ambiente ocupado, de cuidar da casa,

da escola, da sociedade, para sair do local e afastar-se das

pessoas deixando-os melhores do que quando chegou. (Tiba,

2010, p. 56)

A respeito da disciplina, o autor a ver como um valor singular,

sobretudo, na vida de um estudante. Uma sociedade onde a disciplina é

39

aprendida, desenvolvida e praticada, é uma sociedade mais evoluída e com

um nível de convivência social muito mais saudável. "Não se ganham

competições sem preparo, tampouco se fazem campeões sem competência. A

maior liberdade do ser humano é a liberdade de escolha, mas sua maior

qualidade é a disciplina para realizá-las." (Tiba, 2010, p. 57). A educação para

a disciplina e a vida reta é, certamente, um valor crucial para combater tanto as

causas da indisciplina elencadas no primeiro capítulo, como a questão da falta

de limites, assunto este, entre outros, abordado no segundo capítulo.

Para finalizar temos a solidariedade e a ética, dois valores

fundamentais e que não podem faltar na educação dos alunos. Sobre o

primeiro o autor a caracteriza como "a capacidade que os seres humanos têm

para compartilhar entre si alegrias e tristezas, vitórias e derrotas,

responsabilidades, necessidades etc." (Tiba, 2010). É pela solidariedade que

compartilhamos as dores e fortalecemos os vínculos tanto na escola como nas

relações fora de seus muros. Sobre a ética, o autor ressalta que é essencial

que a criança e o adolescente entendam que aquilo que for bom para uma

pessoa tem que ser bom para todos. Para o autor, a ética deve ser levada tão

a sério na formação do caráter da pessoa a tal ponto que ela se torne o

"oxigênio do comportamento" (Tiba, 2010). Solidariedade e ética são, portanto,

essenciais para um mundo marcado pelos mecanismos econômicos vorazes e

pela crise de valores, fatores que influenciam muito no aumento da indisciplina

escolar, conforme vimos no primeiro capítulo.

Todos os valores apresentados aqui nos revelam uma verdade crucial,

pois nos fazem crer que educar vai muito mais além da simples e pura

transmissão de conteúdos. A escola, segundo o professor e escritor Howard

Gardner (1999) têm uma missão muito mais abrangente:

Eu vejo a educação como um empreendimento muito mais amplo, envolvendo motivação, emoções, práticas e valores sociais e morais. Se essas facetas das pessoas não são incorporadas às práticas quotidianas, a educação é suscetível

40

de ser ineficaz - ou de, o que é pior, produzir indivíduos que ferem as nossas noções de humanidade (Gardner, 1999, p. 22)

A transmissão de valores é um papel também da educação, que deve

tê-los sempre incorporados às suas práticas pedagógicas de modo que a sua

missão de educar seja vivida no sentido mais pleno.

Com efeito, se uma pessoa solicitada a estipular os dois principais objetivos da educação através do tempo e do espaço, ela indicaria, muito provavelmente. "a moderação de papéis adultos", e a "transmissão de valores culturais" [...] toda sociedade deve assegurar-se de que os seus valores mais centrais - sejam eles bravura ou serenidade, gentileza ou rudeza, pluralismo ou uniformidade - sejam passados com êxito para aqueles que um dia serão eles próprios os transmissores dessas virtudes. (Gardner, 1999, p. 28)

No atual cenário de crise de valores, é preciso que a educação assuma

de forma mais efetiva seu objetivo, resgatando e conservando valores sob o

risco de, não o fazendo, seja ela mesma, relegada a um papel secundário na

educação das futuras gerações, deixando lugar para as "agencias

socializadoras", como a televisão.

Como se falou no início, não se pretende aqui esgotar o roll de valores

a serem cultivados no ambiente escolar. O que se buscou foi estabelecer

valores que, a nosso ver, não podem faltar na educação dos alunos. Nesse

ponto, os valores elencados pelo educador Içami Tiba, embora não exaustivos,

são bastante universais e procuram responder, em grande parte, aos

questionamentos e problemáticas levantas ao longo deste trabalho

3.3 – Educar e corrigir com inteligência

Educar em tempos de indisciplina e de falta de limites, já vimos, que não

é tarefa fácil, e que apenas impor limite às crianças e adolescentes não é a

41

solução pois corre-se o risco de gerar alunos que apenas cumprem regras. O

desafio então é formar alunos autônomos, que, além de conhecer os limites,

desenvolvam também a capacidades de internalizar os valores e assim, agirem

conforme os mesmos, independentemente de serem observados ou não.

Como exemplo de práticas pedagógicas que responda aos desafios

apontados acima, nos parece oportuno e enriquecedor expor as três formas ou

maneiras de se educar com limites, segundo professor Yves de La Taille.

Para o professor De La Taille (2003), uma primeira maneira de se

educar para os limites é a que ele chama de "educação autoritária". Aqui, o

aluno é obediente e cumpridor das normas, mas o faz por medo do castigo de

uma autoridade que lhe é superior e que, portanto, deve ser respeitada e seus

comandos devem ser atendidos, sem questionamentos. Essa forma de

educação está fortemente fundada na existência e na imposição de regras..

A segunda maneira de se educar com limites é a "educação por ameaça

de retirada de amor" (De La Taille, 2003). Nela o pai ou o educador, ao invés

de impor uma regra com sansão, faz uma espécie de ameaça sentimental,

dizendo a criança que ficará ou ficou muito triste e chateado pela conduta

inadequada da mesma. Aqui o medo do abandono substitui o medo da

punição, visto que a criança, as vezes, deixa de praticar algo por medo de

magoar alguém ou ser abandonada.

A terceira maneira é aquela que o professor De La Taille chama de

"educação elucidativa". Elucidativa porque cada vez que uma ordem ou

repreensão é dada, ela vem acompanhada de uma explicação, que elucida a

razão de ser daquela ordem. Em geral a explicação está baseada nas

conseqüências da infração e no bem-estar do outro.

Com relação a primeira forma de se educar o autor esclarece que “a

pura obediência gera pessoas talvez honestas, mas insensíveis, frias” (De La

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Taille, 2003). Razão pela qual o autor descarta esta forma como a mais

adequada de se educar para os limites.

Com relação a segunda forma de seu educar com limites (educação por

ameaça ou retirada de amor) o autor alerta para o fato de que essa prática tem

suas conseqüências negativas, visto que coloca sobre os ombros das crianças

uma pesada carga afetiva. Por outro lado, quando a criança se conscientiza

do fato de que com seus atos ela poder afetar o emocional dos adultos, estes

acabam perdendo sua autoridade pois a criança passa a ver os adultos como

sujeitos frágeis, carentes e portanto, não dignos de respeito. “Quando as

crianças percebem que seus atos são capazes de ferir a sensibilidade dos

adultos, compreendem que esses últimos não são tão superiores e inatingíveis

quando parecem.” (De La Taille, 2003).

Por fim, no que diz respeito a educação elucidativa, o autor a considera

a mais adequada uma vez que além de educar para os limites ela permite a

internalização dos valores por parte da criança. Aqui, a criança percebe e

aprende que a ordem dos pais ou comando dos professores tem uma razão de

ser pelo fato da mesma vir acompanhada de uma justificativa. Tal prática

possibilita que a criança tenha uma “apreensão racional dos valores e das

regras” ao invés de somente cumpri-las (De La Taille, 2003)

A abordagem da educação elucidativa como vimos permite educar

pessoas mais autônomas. Ao invés de punir com ameaças e retirada de amor

ela permite uma possibilidade muito maior da criança refletir sobre seus atos

e sobre as conseqüências dos mesmos.

3.4 – Diminuir os erros e multiplicar os acertos

Para finalizar, é oportuno conhecer e enumerar algumas práticas que

devem ser evitadas na educação para os limites, e que muitas vezes, são

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usadas de forma corriqueira por muitos educadores e acabam gerando um

ambiente desconfortável na escola. Segundo o autor Augusto Cury (2003), há

sete “pecados” a serem evitados a todo custo pelos educadores ao abordarem

um aluno indisciplinado. Para fins didáticos os enumeramos abaixo:

1. Corrigir publicamente;

2. Expressar autoridade com agressividade

3. Ser excessivamente crítico: obstruir a infância da criança

4. Punir quando estiver irado e colocar limites em dar explicações

5. Ser impaciente e desistir de educar

6. Não cumprir com a palavra

7. Destruir a esperança e os sonhos

Para o autor, é preciso que o educador pratique um ensinamento

bastante conhecido: “valorizar mais a pessoa que erra do que o erro que ela

comete”. (Cury, 2003). O diálogo é apontado por ele como sendo a caminho

sempre mais viável, não importando as circunstâncias:

O diálogo é uma ferramenta educacional insubstituível. Deve haver autoridade na relação pai-filho e professor-aluno, mas a verdadeira autoridade é conquistada com inteligência e amor. Pais que beijam, elogiam e estimulam seus filhos desde pequenos a pensar não o risco de perdê-los e de perder o respeito deles. (Cury, 2003, p. 90)

O autor recordar a pais e educadores a não comparar as crianças com

outros colegas ou alunos mais inteligentes (prática comum em nossas

escolas). Cada pessoa tem sua singularidade, feita de pontos fortes e de

limitações. De acordo com Cury (2003), “a maturidade de uma pessoa é

revelada pela forma inteligente com que ela corrige alguém.” (Cury, 2003)

Pelo que vimos, mais do que nunca, no mundo de hoje, marcado pela

velocidade e falta de paciência é preciso refinar sempre as práticas

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pedagógicas para uma educação mais efetiva. É preciso muita arte e

inteligência para educar a geração de hoje, chamada pelo filósofo e professor

Mario Sergio Cortella (2004) de "nativos digitais", considerados como tais,

todos aqueles que têm menos de trinta anos. É uma geração diferente, com

seus pontos positivos e outros a serem construídos e cultivados, e a escola

deve aprender a dialogar e a interagir com eles.

Faz parte da cultura deles a mobilidade, a instantaneidade, a simultaneidade e a velocidade. Isso significa que a regra básica é: tudo agora, já, ao mesmo tempo e junto [...], mas eles não têm algumas coisas que os mais idosos têm: paciência, persistência e resistência. (Cortella, 2013).

Para o autor não é somente a escola que precisa lidar com os

desdobramentos negativos dessa realidade. Ela tem reflexos nas diversas

instâncias sociais. Para não fugirmos muito do campo da educação, citemos,

sucintamente, seus desdobramentos no campo profissional:

O jovem hoje, das novas gerações, chega numa empresa mal educado [diferente de mal escolarizado]: ele não tem noção de hierarquia, não tem paciência para processo e nem muita paciência em relação a algumas outras coisas. Não é uma vítima dele mesmo, nem responsabilidade dele mesmo, mas ele veio de uma sociedade em que houve um distanciamento entre os jovens, pais e filhos, pelo trabalho e pela distância. (Cortella, 2013).

Diante desse cenário, a escola deve entender que uma educação de

qualidade passa por ensinar aos indivíduos que "autoridade não é

autoritarismo, que desejo não é direito, não é só desejar. Que existe a

necessidade de se compor um tempo de paciência, e paciência não é lerdeza,

paciência é a capacidade de deixar maturar alguns processos". (Cortella, 2013)

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CONCLUSÃO

O crescente aumento da indisciplina nas escolas é um problema cujas

causas têm origens diversas. Conhecer essas causas é importante a fim de

que os orientadores educacionais e os demais profissionais da educação

possam traçar um diagnóstico mais fiel do problema e assim buscar caminhos

que o minimizem. Sabe-se que não existem soluções mágicas e definitivas

para a questão da indisciplina e da falta de limites nos alunos. São questões

que sempre existiram pelo próprio caráter dinâmico e complexo do ser humano

com suas paixões, sonhos, inconsistências e inquietudes

O aluno vive em um meio que privilegia uma liberdade sem

responsabilidade e costuma rejeitar tudo aquilo que busque restringir e nortear

sua vida e sua conduta. Desse modo, educar com limites tornado-se um

desafio maior. Uma solução viável é fazer com que ele entenda que os limites

não existem apenas para restringir sua liberdade. Os limites são também como

fronteiras a serem ultrapassados rumo a sua maturidade e excelência. Ou

ainda, são fronteiras que devem ser construídas para proteger sua intimidade,

de acordo com a tríplice abordagem do professor Yves de La Taille.

. Sabe-se que educar não é tarefa fácil e que a escola sempre teve

suas contradições. No entanto acreditamos que educação é o caminho e que a

escola não pode recuar na sua missão de formar pessoas mais preparadas

para o futuro. Isso supõe educá-las não só cognitivamente mais também para

a dimensão dos valores. Só assim teremos um aluno mais humanizado e mais

sensibilizados com as questões que envolvem o respeito e a promoção da

dignidade da pessoas humana.

46

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

CORTELLA, Mario Sérgio. Qual é a tua obra? Petrópolis: Vozes, 2004

COVEY, Sean. Os 7 Hábitos dos Adolescentes altamente Eficazes. Rio de

Janeiro: Best Seller, 2012.

CURY, Augusto Jorge. Pais Brilhantes, professores fascinantes. Rio de

Janeiro: Sextante, 2003.

DE LA TAILLE, Yves. Limites: Três dimensões educacionais. São Paulo:

Summus, 1998.

_______________ . Moral e ética – Dimensões intelectuais e afetivas. Porto

Alegre: Artmed, 2006.

GARDNER, Howard. O verdadeiro, o belo e o bom: Os princípios básicos para

uma nova educação. Rio de Janeiro: Objetiva, 1999.

GUNN, Antony. Como criar filhos autoconfiantes: 40 maneiras de ajudar as

crianças a desenvolver segurança e autonomia. 5ª ed. São Paulo: Editora

Gente, 2011.

SILVA, Nelson Pedro. Ética, indisciplina e violência nas escolas. Petrópolis:

Vozes, 2004.

TEIXEIRA, Gustavo. Manual dos transtornos escolares. Rio de Janeiro:

Saraiva, 2013.

TIBA, Içami. Adolescentes: quem ama, educa!, 39ª edição. São Paulo:

Integrare Editora, 2010.

47

__________ . Pais e educadores de alta performance, 2 edição. São Paulo:

Integrare Editora, 2012.

VASCONCELLOS, Celso S. Os Desafios da Indisciplina em Sala de Aula.

http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_28_p227-252_c.pdf, 4-11,2013

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Indisciplina na escola e crise na educação:

em busca das causas 10

1.1 - A relativização dos valores 11 1.2 - A falta de objetivos da educação e a influência dos meios de comunicação 13 1.3 - O excesso de estímulos 15 1.4 - Os mecanismos econômicos vorazes 18 1.5 - A banalização da violência 19 1.6 - A desvalorização do professor 21 CAPÍTULO II - Educar para a superação, o respeito e a

construção de limites. 23

2.1 - Limites ou fronteiras? 23 2.2 - Educar é ir além 24 2.3 - Valorizar o que o aluno já sabe 26 2.4 - Educar com limites 28 2.5 - Limites necessários: agir conforme o dever 31 2.6 - A fronteira da intimidade 32 CAPÍTULO III – Construindo uma educação para os valores 35

3.1 - A dignidade da pessoa humana: valor fundamental 35 3.2 - Na "trilha" dos valores 37 3.3 - Educar e corrigir com inteligência 40 3.4 - Diminuir os erros e multiplicar os acertos 41 CONCLUSÃO 45

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 46

ÍNDICE 48