do lixão ao aterro sanitário

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A preservação ambiental foi um tema que marcou os meus dez anos como vereador de Bagé. Mobilizações, denúncias, atos públicos, debates, passeatas... E o antigo lixão, problema que existia praticamente desde a fundação do município, portanto com mais de um século de existência, sempre estava presente, porque as administrações municipais, ao invés de resolver de forma definitiva, optavam por transferir de lugar o depósito de lixo. Quando começava a causar transtornos graves para vizinhos ou ao meio ambiente, eram interditados e saía o governo municipal a busca de um novo local para jogar o lixo. E, atrás, iam famílias inteiras, crianças e animais que tiravam do lixo a sobrevivência. Há muitos anos o Ministério Público usava de todos os instrumentos à sua disposição para forçar os administradores a encontrarem uma saída. Ao chegar ao cargo de prefeito, assinei com o a promotoria um Termo de Ajustamento de Conduta para resolver o problema do lixão, que estava instalado há cerca de 13 anos na Vista Alegre. O que me veio à cabeça, naquele momento, foram os anos de luta, junto com moradores e ambientalistas de Bagé, especialmente os ligados ao Ecoarte, em torno da temática. Eu que lutei tanto, tenho um compromisso moral comigo mesmo e com a sociedade de Bagé de solucionar esta questão, pensava. Por sorte, contava com a Estefanía Damboriarena, a Tefa, na minha equipe de Memórias de um tempo Do lixão ao aterro sanitário governo, uma das mais competentes e qualificadas secretárias que a Secretaria do Planejamento já teve em toda a sua História. Formamos um grupo de trabalho. Um time de primeira. Chamamos o Roberto Oliveira, o saudoso Robertão, engenheiro gabaritado, que trabalhara na Prefeitura de São Paulo, e que tinha grande conhecimento sobre o assunto. Integramos a bióloga Naime Fattah, que trazia a experiência de ter trabalhado na Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Agregamos a arquiteta Cristina Wayne, que tinha o tema como objeto do seu trabalho de conclusão do curso, recentemente concluído. E o engenheiro Ivan Pinheiro coordenou a execução do projeto. Essa equipe elaborou um projeto que previa a recuperação da área degradada - nos 20 hectares do lixão da Vista Alegre já estavam depositadas mais de 230 mil toneladas de lixo - e a implantação do aterro sanitário. Inscrevemos nossa proposta no Ministério do Meio Ambiente que, naquela época do governo FHC, era comandado pelo Zequinha Sarney. Eles haviam lançado um edital público para selecionar os melhores projetos, os quais receberiam uma premiação em dinheiro para sua execução. O projeto de Bagé teve a sua qualidade reconhecida nacionalmente. Ficamos entre os cinco melhores do país e, por isso, recebemos o

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Page 1: Do Lixão ao Aterro Sanitário

A preservação ambiental foi um tema que

marcou os meus dez anos como vereador de

Bagé. Mobilizações, denúncias, atos públicos,

debates, passeatas...

E o antigo lixão, problema que existia

praticamente desde a fundação do município,

portanto com mais de um século de

existência, sempre estava presente, porque as

administrações municipais, ao invés de

resolver de forma definitiva, optavam por

transferir de lugar o depósito de lixo. Quando

começava a causar transtornos graves para

vizinhos ou ao meio ambiente, eram

interditados e saía o governo municipal a

busca de um novo local para jogar o lixo. E,

atrás, iam famílias inteiras, crianças e animais

que tiravam do lixo a sobrevivência.Há muitos anos o Ministério Público

usava de todos os instrumentos à sua

disposição para forçar os administradores a

encontrarem uma saída. Ao chegar ao cargo

de prefeito, assinei com o a promotoria um

Termo de Ajustamento de Conduta para

resolver o problema do lixão, que estava

instalado há cerca de 13 anos na Vista Alegre.

O que me veio à cabeça, naquele momento,

foram os anos de luta, junto com moradores e

ambientalistas de Bagé, especialmente os

ligados ao Ecoarte, em torno da temática. Eu

que lutei tanto, tenho um compromisso moral

comigo mesmo e com a sociedade de Bagé de

solucionar esta questão, pensava.Por sorte, contava com a Estefanía

Damboriarena, a Tefa, na minha equipe de

Memórias de um tempo

Do lixão ao aterro sanitário

governo, uma das mais competentes e

qualificadas secretárias que a Secretaria do

Planejamento já teve em toda a sua História.

Formamos um grupo de trabalho. Um time de

primeira. Chamamos o Roberto Oliveira, o

saudoso Robertão, engenheiro gabaritado,

que trabalhara na Prefeitura de São Paulo, e

que tinha grande conhecimento sobre o

assunto. Integramos a bióloga Naime Fattah,

que trazia a experiência de ter trabalhado na

Secretaria Estadual do Meio Ambiente.

Agregamos a arquiteta Cristina Wayne, que

tinha o tema como objeto do seu trabalho de

conclusão do curso, recentemente concluído.

E o engenheiro Ivan Pinheiro coordenou a

execução do projeto.Essa equipe elaborou um projeto que

previa a recuperação da área degradada - nos

20 hectares do lixão da Vista Alegre já

estavam depositadas mais de 230 mil

toneladas de lixo - e a implantação do aterro

sanitário. Inscrevemos nossa proposta no

Ministério do Meio Ambiente que, naquela

época do governo FHC, era comandado pelo

Zequinha Sarney. Eles haviam lançado um

edital público para selecionar os melhores

projetos, os quais receberiam uma premiação

em dinheiro para sua execução. O projeto de

Bagé teve a sua qualidade reconhecida

nacionalmente. Ficamos entre os cinco

melhores do país e, por isso, recebemos o

Page 2: Do Lixão ao Aterro Sanitário

repasse de R$ 500 mil.Ao longo dos oitos anos em que governei

Bagé investimos mais de R$ 3 milhões de

reais na recuperação da área degradada, na

implantação do aterro sanitário, na conclusão

do galpão de separação e na compra de

caminhões, retroesvacadeira e outros

equipamentos necessários para garantir a

operação do aterro. Tudo fruto de parcerias

com o governo federal e com o governo do

Estado que, na época do governador Olívio

Dutra, via Orçamento Participativo e através

de mobilização feita pelo ex-vereador Ruben

Salazar, nos repassou recursos para concluir

o galpão de separação, iniciado no governo

Kalil.Tivemos, ainda, que adquirir mais dez

hectares para que pudéssemos fazer o

correto manejo e deixar o aterro sanitário em

condições para receber as mais de 60

toneladas recolhidas diariamente por pelo

menos mais 12 anos.E, para nossa alegria, o reconhecimento

de todo o trabalho e esforço foi

recompensado quando a então ministra do

Meio Ambiente, Marina Silva, aceitou nosso

convite e veio a Bagé para inaugurar o nosso

aterro sanitário. A missão estava cumprida.

Na oposição, denunciei, critiquei, mobilizei,

pressionei e propus. No governo, executei. O mais difícil A parte mais difícil de toda esta história

foi o trabalho que tivemos que realizar com as

mais de 50 famílias que catavam, em

condições sub-humanas, o lixo. Tivemos que

ter muita paciência, competência e habilidade

para ganhar a confiança dos catadores e

trazê-los para o projeto. Tínhamos que

Memórias de um tempo

convencê-los de que o galpão de separação

seria concluído e que eles continuariam

tirando o seu sustento dali, mas em condições

dignas. Participei de muitas reuniões com o

pessoal, pois sentia que era necessário estar

presente, olhar nos olhos das pessoas, e

empenhar a palavra do prefeito de que assim

seria.Estimulamos a criação da Associação

Bajeense de Separadores de Material

Reciclável Rainha da Fronteira. Aprovamos, na

Câmara de Vereadores, uma lei que nos

permitia contratá-los de forma emergencial,

para que uns ficassem lá no lixão, cuidando

do lugar, fazendo a segurança, para impedir

que outros entrassem na área para catar o

lixo, ou se encarregando da limpeza. E outros,

para que trabalhassem na limpeza urbana.

Isso até que o galpão estivesse pronto.Eles também se comprometiam em

frequentar cursos de cooperativismo, relações

humanas e outros que visavam qualificar a

integração aos novos tempos que estavam

chegando. Não foi fácil, mas conseguimos. Três histórias Na hora de "fichar" os catadores na

prefeitura, três se negaram, pois estavam em

dívida com a Justiça e tinham medo de ser

recolhidos. Eles estavam há meses

trabalhando e foi aquela atividade a única que

encontraram para, de forma honesta, manter

suas famílias. Seguir a lei ou a Justiça. Que

dilema! Não vacilei. Foram contratadas as

esposas...Naquelas minhas andanças enquanto

vereador muitas vezes tive que usar da

denúncia para sensibilizar os governantes e a

opinião pública. Lembro de um episódio

Page 3: Do Lixão ao Aterro Sanitário

marcante. Recebi denúncia de que o lixo

estava sendo depositado na região do Passo

das Pedras, no leito do Arroio Bagé. Serviria,

ainda, como um barramento para desviar o

curso do rio e possibilitar um melhor

aproveitamento da terra. Convidei o pessoal

da TV Bagé para me acompanhar. Chegamos

lá, constatamos a veracidade do fato. A

equipe de reportagem colheu imagens. No

meio do trabalho tivemos que sair "de

fininho", porque a circunstância nos obrigou.

Picamos a mula. Mas a matéria ficou boa e foi

ao ar.Outro episódio que lembro foi quando o

lixão estava nas proximidades do Prado Velho.

Era um horror. Fumaça, mau cheiro e

fundamentalmente as moscas tornavam a

vida dos moradores um inferno. Era tão grave

a situação que, em algumas casas, nas horas

Memórias de um tempo

TARSO Governador 13 - OLÍVIO Senador 131 - DILMA Presidenta 13

*Esse texto faz parte de Memórias de Um Tempo, uma série publicada no Jornal Minuano de Bagé, em que procurei resgatar fatos de nossa gestão de oito anos na Prefeitura Municipal.

das refeições, todos os integrantes da família

não podiam comer ao mesmo tempo. Sempre

tinha um que era destacado para ficar

espantando as moscas. Marcamos uma

passeata, que sairia às 14h do bairro e iria

até a prefeitura para exigir uma solução.Naquele dia, pela manhã, eu tinha

compromisso com a construção do PT no

Alegrete. A reunião se demorou. Não tive nem

tempo para almoçar. Peguei um lanche e subi

no Fiat 147 que possuía à época. "Afundei" o

pé no acelerador, até porque o carro não

andava muito, para chegar a tempo. A

"pauleira" foi tão grande, que o motor não

aguentou. Quando entrei na rua em que as

pessoas já estavam concentradas, prontas

para iniciar a caminhada, o motor fundiu.

Larguei o carro ali e fui com a comunidade

para o protesto.