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EDITORA UNIVERSITÁRIADO LIVRO DIGITAL

e-book.br

DO INCONSCIENTE

Uma teoria da linguagem na descoberta de Freud

C i d S e i x a s

À LINGUAGEM

A pesquisa que resultou nes-te estudo teve o propósito delevantar, através dos textos fun-dadores, o lugar da linguagemna teoria freudiana, enquantocondição da consciência eemergência estrutural do in-consciente.

Paralela e independentemen-te dos postulados de Saussure,Freud esboçou uma teoria neu-rológica da linguagem que ultra-passa os limites da ciência, si-tuada no limiar dos séculos XIXe XX, para se inscrever entreas formulação de uma nova eavançada filosofia da cultura.

Desde os escritos iniciais,passando pelo Projeto de 1895,até os últimos textos que nos le-gou, Freud vincula a linguagemverbal aos elementos das suastópicas. A bibliografia constantedeste trabalho coincide com osmomentos da obra do criadorda psicalálise nos quais a pala-vra fulgura como condição daconsciência e estrutura concre-ta do inconsciente.

DO INCONSCIENTE À LINGUAGEM

Tipologia Times New Roman, corpo 12Formato 12 x 18

88 páginas

Endereço deste e-book:https://issuu.com/cidseixas/docs/inconscientehttps://issuu.com/ebook.br/docs/inconsciente

Nossas páginas:www.e-book.uefs.br

www.linguagens.ufba.br

Cid Seixas

DO INCONSCIENTEÀ LINGUAGEM

Uma teoria da linguagem na descoberta de Freud

e-book.brEDITORA UNIVERSITÁRIA

DO L IV RO DIGITAL

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coleção e-poket

CONSELHO EDITORIAL:Adriano Eysen (UNEB)Cid Seixas (UFBA/UEFS)

Itana Nogueira Nunes (UNEB)Flávia Aninger Rocha (UEFS)

Francisco Ferreira de Lima (UEFS)

EDITORA UNIVERSITÁRIA DO LIVRO DIGITAL

2016

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SUMÁRIO

NOTA PRELIMINAR ................................................. 111 Introdução: O verbo encarnado ................ 152 Um adeus fantástico à anatomia: o Projeto de 1895 ......................................... 212.1 Percepção e representação pela linguagem ............. 262.2 Memória e realidade verbal ....................................... 302.3 Linguagem como sistema e ação .............................. 373 Linguagem: latente manifesto ou O inconsciente pronunciado ....................... 433.1 O silêncio e o sintoma ............................................... 473.2 Pronunciar o inconsciente ....................................... 523.3 A representação como realidade .............................. 624 Conclusão: O Olhar Caleidoscópico ........... 71BIBLIOGRAFIA CITADA ....................................................... 73LIVROS DO AUTOR ...............................................77O QUE É A E-BOOK.BR .......................................... 86

Depois de 1970, os discípulos de Lacan acen-tuaram a formalização de uma maneira que nãodeixava mais lugar para o jogo e para o sonho. Aposição de Lacan sempre foi mais flexível que ade seus alunos: “Todos sabem que sou alegre,maroto, me divirto!”

Quando Chomsky propôs a Lacan uma teo-ria linguística conforme o espírito das equaçõesnewtonianas, Lacan respondeu: “Sou poeta.”Foram os alunos de Lacan que transformaram amatemati-zação num projeto a ser seguido ao péda letra. Em Lacan havia lugar para a astúcia dospoetas.

MAUD MANNONI

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No princípio era o Verbo, e o Verbo estavacom Deus, e o Verbo era Deus.

E o Verbo se fez carne, e habitou entrenós, e vimos a sua glória, como a glória doungênito do Pai, cheio de graça e de verdade.

O EVANGELHO, SEGUNDO SÃO JOÃO

Os limites da minha linguagem denotamos limites do meu mundo.

WITTGENSTEIN

O homem fala, mas é porque o símbolo ofez homem.

JACQUES LACAN

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NOTA PRELIMINAR

Estas anotações têm por objetivo levantar, atra-vés dos textos fundadores, o lugar da linguagem nateoria freudiana, enquanto condição da consciênciae emergência estrutural do inconsciente. Paralela eindependentemente dos postulados de Saussure,Freud esboça uma teoria neurológica da linguagemque ultrapassa os limites da ciência, situada no limi-ar do século, para se inscrever entre as formulaçãode uma nova filosofia da cultura.

Evidentemente, a referência a outros autores temfunção adicional e secundária, uma vez que se pre-tende observar como Freud, desde os escritos ini-ciais e o Projeto de 1895, até os últimos textos quenos legou, vincula a linguagem verbal aos elemen-

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coleção tos das suas tópicas. A bibliografia de Freud cons-tante deste trabalho coincide com os momentos dasua obra nos quais encontrei a palavra como con-dição da consciência e estrutura concreta do incons-ciente.

Por outro lado, as observações que ouso ar-riscar no prazer de fazer o texto devem muito a duascircunstâncias.

A primeira, uma tentativa de trazer a psicanáli-se para o espaço da universidade, liderada por JairoGerbase, em 1980, que resultou no estabelecimen-to meteórico de um grupo de estudos freudianosdo qual participamos: Gustavo Etkin (recém-che-gado ao Brasil), Wendel Santos (do Centro de Es-tudos Freudianos de Goiás), Maria Angélia Teixeira,Nora Gonçalves, Marcus do Rio, dentre outros. Aítive oportunidade de ministrar um curso de exten-são, oferecido pelo Departamento de Psicologia daUFBA e coordenado pelo psicanalista Jairo Ger-base, onde eram buscadas as articulações da psi-canálise com as chamadas ciências da linguagem.

A segunda circunstância, decorrente da pre-paração do meu doutorado em literatura, em 1983,quando aproveitei para uma atualização no âmbito

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coleção e-poket da psicanálise, foi constituída pelas aulas, na Pós-Graduação da Universidade de São Paulo, minis-tradas por Luís Carlos Nogueira, do Departamen-to de Psicologia Clínica, e Osmir Gabbi Jr., do De-partamento de Psicologia Experimental da USP, emdecorrência das quais nasceram estas observações.

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INTRODUÇÃO:O VERBO ENCARNADO

Se não é o único, a linguagem é, pelo menos, oprincipal meio de acesso ao inconsciente, quer en-tendido adjetivamente, como aquilo que não é cons-ciente, ou substantivamente, isto é, como um siste-ma Inconsciente (Ics.).

Talvez o leitor possa argumentar que, em certoscasos, as percepções oriundas de fatos e estímulosprovenientes do mundo exterior dispõem de umestatuto consciente, independentemente da lingua-gem ou das representações verbais. No caso dosanimais, no entanto, onde a linguagem, no sentidoestrito de sistema simbólico, inexiste, não se podefalar em ausência ou presença da consciência.

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coleção Levando em conta o fato de que, com o ho-mem, o problema da percepção rejeita uma com-preensão simplista (Freud, 1938, p. 187), teremosmesmo que abandonar o conceito adjetivo de cons-ciente em favor da compreensão do Conscientetambém como sistema (Cs.). Sabe-se que Freudfundou a concepção das suas duas tópicas na com-preensão sistêmica das instâncias mentais, tendodedicado especial interesse à estrutura da consci-ência. Como o estudo desta instância pertencia maisao campo da psicologia e menos ao da nova disci-plina por ele instaurada, o assunto não tem relevona tradição dos estudos sobre as suas obras psica-nalíticas. Isto não quer dizer, no entanto, que eletenha dispensado a compreensão do Conscientepara chegar à instância mais complexa, o Inconsci-ente.

Para o animal humano, os processos simbólicosde pensamento desempenham um papel prepon-derante, superior mesmo aos processos de “per-cepção imediata” da realidade exterior. A experi-ência concreta do homem é submetida à realidadedo pensamento – e só tem existência, perante aconsciência, pela mediação da linguagem.

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coleção e-poket Ao contrário do que se pode argumentar, combase numa crença longamente difundida segundo aqual a linguagem é reduzida a um sistema de rótulospara coisas previamente formadas, aprendemos comFreud que mesmo as percepções oriundas de fatose estímulos do mundo exterior só adquirem estatu-to consciente quando submetidas aos processosinteriores do sujeito, ou à realidade de pensamen-to. Segundo um raciocínio desta ordem, a percep-ção compreendida como simples apreensão domundo exterior é mais um fenômeno fisiológico doque psicológico. A intersecção do sujeito é a marcada mudança, da diferença. Convém, portanto, dis-tinguir a percepção enquanto fato essencialmentefisiológico de um outro tipo de fenômeno: a per-cepção exclusivamente humana, que se inscreveentre os fatos da vida psíquica, após o ultrapasseda barreira imanente de uma instância fisiológica.

Não se pode desconsiderar o salto qualitativoocorrido com o homem em relação à cadeia ani-mal, onde os processos simbólicos, no dizer deCassirer, ou os processos verbais, no de Freud,desempenham um importante papel. O fundador dapsicanálise privilegia a semiótica verbal, o que vejo

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coleção aqui como uma manifestação da crença no papelpiloto desempenhado pela língua, geralmente acei-ta como modelo para inumeráveis códigos e lingua-gens (não verbais) que constituem o universo hu-mano.

Não por acaso, a psicoterapia de pacientes his-téricos representa o ponto de partida da psicanáli-se, e seu interesse inicial. Breuer, no caso de AnnaO., conta-nos que sua paciente se referia ao méto-do por ele empregado como “cura pela conversa”(talking cure), fato que não deixa de ser notadopor Freud, que levará este método à mais alta de-puração, ao ser desvinculado do emprego da hip-nose.

Talvez, deva-se apontar como causa da possí-vel desvinculação da psicanálise com as ciênciasmédicas, e sua consequente inserção no conjuntodas ciências da cultura, o fato de Freud ter demons-trado a eficácia da substituição dos medicamentospela escuta da palavra em diversos quadros de dis-túrbios mentais; o que acabou com a relaçãounidirecional entre o paciente e o sujeito do saber.Este espaço seria preenchido, transferencialmente,pelo sujeito do suposto saber, o psicanalista; en-

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coleção e-poket quanto o paciente cede lugar ao analisante, ou aosujeito do discurso. Ao contrário das terapias mé-dicas e psicológicas, a psicanálise não encontra sus-tentação na autoridade de um sujeito que sabe ediagnostica a verdade ou o mal do outro, mas re-quer a relação entre sujeitos envolvidos num pro-cesso verbal, onde é a linguagem Quem sabe.

Jacques Lacan observa que a obra completa deFreud nos apresenta, para cada três páginas, umaque trata da linguagem, e que em A interpretaçãode sonhos “não se trata em todas as páginas senãodo que nós chamamos de a letra do discurso, emsua textura, em seus empregos, em sua imanência àmatéria em causa.” (Lacan, 1966, p. 240).

É curioso notar como, depois da descobertafreudiana, surgiram diversas psicoterapias, menosradicais e menos dispostas a rasgar o cenário dasgrandes ilusões; algumas destinadas a traduzir eimprimir no (im)paciente o discurso da cultura, oque termina por transformar o sujeito num meropredicado, ou persona da fábula de Esopo: más-cara. Quase todas, porém, se consideram inova-doras quando substituem a revolucionária ênfasedada por Freud à linguagem verbal pela adoção de

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outras linguagens, voltando ao velho bordão quedeclara a insuficiência da palavra para dizer a con-dição do homem. Esquecem, porém, que a língua éuma semiótica na qual todas as outras podem sertraduzidas (Hjelmslev, 1943), isto é, que através dapalavra o homem não só expressa, de modo maispreciso, tudo aquilo que diz por outros meios, comotambém modela seu pensamento e sua ação. Destemodo, o afloramento da palavra traz no seu bojode som e ideia a encenação de todo o drama daexistência que, só de modo fragmentário e incom-pleto, pode ser expresso por outros signos.

Eis aí o valor extrínseco da teoria freudiana e oseu crescente interesse por parte do discurso cien-tífico e humanístico; o que não deixa de ser tambémum valor intrínseco. Aproximo aqui o parti pris deFreud da máxima de Wittgenstein, lógico que viveua mesma Viena, e proclamou: “Os limites da minhalinguagem denotam os limites do meu mundo.”(Wittgenstein, 1922, p. 111).

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UM ADEUS FANTÁSTICOÀ ANATOMIA:

O PROJETO DE 1895

Freud dedicou muito de sua energia a um traba-lho inicialmente chamado, nas cartas a Fliess, dePsicologia para neurologistas, também conheci-do como Projeto para uma psicologia científica,designação adotada por James Strachey, respon-sável pela edição crítica inglesa, a Standard Edition.Neste complexo esboço que precede à estruturaçãoda psicanálise, já estamos diante de uma passagemda neurologia para a psicologia, o que leva PaulRicoeur a afirmar que o Projeto é “um adeus à ana-tomia sob a forma de uma anatomia fantástica.”(Ricoeur, 1956, p. 76)

É verdade que o filósofo vacila entre a caracte-rização do texto como essencialmente energético

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coleção ou como já contendo uma forte direçãohermenêutica, mas não se pode deixar de notar queé o próprio Projeto de 1895 que nos conduz, gui-ados pelo seu autor, à necessidade de substituiçãoda noção de “aparelho psíquico”, entendido en-quanto uma máquina, a exemplo dos modernoscomputadores (ainda desconhecidos quando Freudformulou o modelo), por uma outra menos concre-ta e mais semiológica, digamos, de um sistema desistemas (diassistema), onde as figuras e falas cons-tituem a cena.

Talvez se possa afirmar que o próprio texto doProjeto já contém a sua superação, quando con-frontada a exposição do ponto de partida, enquan-to premissa, com algumas das colocações que vie-ram a afluir para a moderna teoria freudiana, em-bora nascidas como peças da mecânica do Proje-to. Creio que a mesma estranheza que Ricoeur per-cebe na leitura do capítulo VII de A interpretaçãode sonhos – onde a linguagem hermenêutica é subs-tituída por uma terminologia energética, fisiológicae cientificista, com relação aos demais capítulos dolivro – se verifica no confronto entre si das três par-tes do Projeto.

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coleção e-poket Passemos então à descrição da engrenagem dosneurônios, dando a palavra ao seu inventor: “Afinalidade deste projeto é estruturar uma psicologiaque seja uma ciência natural: isto é, representar osprocessos psíquicos como estados quantitativa-mente determinados de partículas materiaisespecificáveis, dando assim a esses processos umcaráter concreto e inequívoco.” (Freud, 1895, p.395) Nesta passagem todo ideal cientificista estáresumido de modo eloquente, deixando uma he-rança tão forte que mesmo na obra da maturidadede Freud ainda se fará presente.

O conceito clássico de neurônio é retomadopara explicar o funcionamento psíquico, através dapassagem de qualidades – Qs – por três sistemasdistintos: (phi), neurônios permeáveis, ligados aossentidos; (psi), neurônios impermeáveis, consti-tuintes da memória; e (ômega), neurôniosperceptivos, responsáveis pela consciência.

A noção de Q – e de Qn – utilizada no Projetopode ser entendida, de modo aproximado, comoenergia psíquica; por outro lado, o termo quanti-tativo (referente a quantidade de energia investida)vai ser posteriormente substituído na obra de Freudpor econômico.

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coleção Os neurônios (phi) são descritos como per-meáveis por permitirem a passagem de Qs, após oque voltam ao estado anterior, ficando mais umavez aptos a transmitirem novas catexias. Já os dosistema (psi), impermeáveis, retêm as catexiasrecebidas e obedecem a um complexo processode liberação, através do que Freud chama de faci-litações. A memória está representada pelas dife-rentes facilitações entre os neurônios deste sistema.Aliás, é a totalidade das catexias existentes nosneurônios num determinado momento, que cons-titui o ego, entendido como um sistema inibidor dosprocessos psíquicos primários, isto é, aqueles pro-cessos regidos pela busca do prazer desvinculadada indicação da realidade, fornecida por (ômega).

Logo no início da tentativa de Freud deestruturar a psicologia como uma ciência natural,capaz portanto de interessar à classe médica, umproblema se apresenta: os neurônios, “encaradoscomo partículas materiais”, são catexizados porquantidades tanto endógenas (Qn) quandoexógenas (Q), de forma que o modelo energético éexplicado quantitativamente, isto é, pela passagem

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coleção e-poket de Qs, até que Freud admite a necessidade de exis-tência dos neurônios do tipo e a conversão dequantidades em qualidades.

Os estímulos do mundo exterior, captados pe-los órgãos dos sentidos, são transmitidos, forman-do catexias, de (phi) para (psi), chegando até (ômega), quando as quantidades são revertidasem qualidades, ou são produzidas as sensaçõesconscientes, isto é, quando se dá a percepção. Énesta passagem que o esboço da psicologia naturalcomeça a se tornar pouco claro, ou mesmo contra-ditório, uma vez que se desmorona o solo da quan-tidade.

James Strachey, no comentário crítico que an-tecede à edição do Projeto, nos lembra que Freudterminou “repudiando toda a estrutura neurológica.Não é difícil adivinhar o motivo. Pois ele descobriuque sua maquinaria neurônica não dispunha de meiospara explicar o que, em The ego and the id, des-creveu como sendo «em última análise a nossa úni-ca lanterna nas trevas da psicologia profunda» –isto é, «a faculdade de estar consciente ou não»”.Em sua última obra, de publicação póstuma, Esbo-ço de psicanálise, Freud reafirma que o ponto de

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coleção partida para investigar a estrutura do sistema psí-quico “é proporcionado por um fato sem paralelo,que desafia toda explicação ou descrição – o fatoda consciência”. E conclui o editor crítico: “O Pro-jeto deve continuar sendo o que é, uma obrainacabada, rejeitada por seu criador.” (Strachey,1954, p. 393)

Com isso, penso que não se contesta a impor-tância do esforço empreendido por Freud para fun-dar uma psicologia capaz de seduzir o espírito ci-entífico de caráter mecanicista dos neurologistas dosfins do século XIX – ou melhor, uma psicologiamédica –, mas se acentua a ambivalência cautelosado autor perante as limitações do seu texto.

2. 1 PERCEPÇÃO E REPRESENTAÇÃO PELA LINGUAGEM

Ao contrário do que pensa uma parte da tradi-ção pós-freudiana, creio que a nossa discussão ga-nha sentido quando vai ao encontro da consciênciae à procura da sua pré-condição: a linguagem. As-sim como Freud considera a consciência como ponto

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coleção e-poket de partida para a investigação do sistema psíquico,ele também avança até a linguagem, chamada porMarx de consciência prática. Para o marxismo, aconsciência existe enquanto tal para os homens epara a sociedade quando se torna prática, isto é,quando se faz linguagem (Seixas, 1979).

Apesar da tentativa de estruturar a psicologiacomo uma ciência natural, convém repetir, o Proje-to opera uma permanente dialética entre conceitos“preocupadamente científicos”, que situam e datamo texto, e conceitos menos concretos, presentes nasciências da cultura. Daí a afirmação de que a estra-nheza provocada pelo confronto dos diversos mo-mentos de leitura do Projeto é similar àquela des-tacada por Ricoeur no capítulo VII de A interpre-tação de sonhos, como arremate dos capítulos pre-cedentes. Se o livro utiliza, nas suas várias partes,uma linguagem intimamente comprometida com ostemas tratados, neste capítulo toda a descrição ésubmetida à camisa-de-força de uma terminologiabem a gosto da tradição neurológica.

Já vimos que os neurônios , que constituem oego, são por si mesmos incapazes de distinguir arealidade da alucinação ou, mais exatamente, de

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coleção saber quando está diante de uma percepção ou deuma representação; ou ainda, do real ou do ima-ginário, como lemos no Projeto. A indicação darealidade é dada por , cujas catexias de neurôniostrazem consigo a consciência e, além das qualida-des sensoriais, as sensações de prazer e desprazer.Como a vida psíquica tende a evitar o desprazer, atentativa primária é regida pela inércia ou pela re-dução de catexias. Deste modo, o desprazer coin-cide com o aumento de Qs em e a elevação dacatexia em , enquanto o prazer corresponde àsensação de descarga.

O sistema recebe tanto catexias endógenas,provenientes de estímulos internos, como a fome, arespiração e a sexualidade, quanto catexiasexógenas; estas últimas, porém, só chegam a estesistema indiretamente, através de . Ora, o sistema (phi) está em contato com o mundo exterior ecom a realidade objetiva, mas pode tomar ocor-rências provenientes do mundo interior e confundi-las com as externas transmitidas por . É por issoque o sistema (ômega) se faz necessário, forne-cendo as indicações de qualidade, para que nãoocorra a perda da realidade.

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coleção e-poket Estamos, em outras palavras, diante de dois fa-tos distintos, a percepção, proveniente do mundoobjetivo, e a representação, que Freud define comorecatexização da lembrança de um objeto, ou como“catexia de desejo de uma lembrança” (p. 430 e 434).

Com isso, podemos compreender o conceitode pensamento, cujo processo “consiste nacatexização de neurônios , com alteração das fa-cilitações impostas por uma catexização colateral apartir do ego.” (p. 441) Os processos de pensa-mento visam a estabelecer um estado de identida-de, confrontando as catexias emanadas do exteriorcom as catexias emanadas de estímulos psíquicos.

O pensamento, entendido como fluxo decatexias, é portanto um processo por si mesmo in-consciente; que independe do conhecimento dosujeito. Como então, segundo o ponto de vista doProjeto, os pensamentos inconscientes adquirem aqualidade de pensamentos conscientes? A respostaé encontrada quando observamos a riqueza do pa-pel atribuído à linguagem enquanto sistema de sig-nos verbais.

Deste modo, creio que não é descabido aquium salto no tempo, recorrendo para confronto, a O

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coleção Ego e O Id, texto escrito cerca de trinta anos de-pois do Projeto: “O papel desempenhado pelasrepresentações verbais se torna agora perfeitamenteclaro. Através de sua interposição, os processosinternos de pensamento são transformados em per-cepções. É como uma demonstração do teoremade que todo conhecimento tem sua origem na per-cepção externa. Quando uma hipercatexia do pro-cesso de pensamento se efetua, os pensamentos sãorealmente percebidos – como se proviessem defora – e, consequentemente, são considerados ver-dadeiros.” (Freud, 1923, p. 36)

2. 2 MEMÓRIA E REALIDADE VERBAL

É na terceira parte do Projeto, intitulada “Ten-tativa de representar os processos normais” quevai aparecer, de modo explícito e constante, umsólido conjunto de referências à linguagem e aosprocessos verbais, constituindo uma teoria que per-manecerá essencialmente inalterada e fundamental-mente arraigada ao núcleo da descoberta freudiana.Creio mesmo que a compreensão do Projeto, en-

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coleção e-poket tre outros aspectos, quanto a este, é condição ne-cessária a um direcionamento mais seguro no âm-bito da disciplina fundada por Freud.

A linguagem tem múltiplos papéis, auxiliandodesde a aparição dos processos conscientes até apercepção e a indicação da realidade. Assim é quelemos passagens como: “Essa finalidade é cumpri-da pelas associações verbais, que consistem navinculação de neurônios com neurônios utiliza-dos pelas representações sonoras, que, por sua vez,se encontram intimamente associadas com imagensverbais motoras.” (p. 478-479) Para Freud, a lin-guagem além de possibilitar o (re) conhecimento,através das associações verbais, torna efetivo ou-tro trabalho de suma importância: a constituição damemória. “As facilitações entre os neurônios constituem, como sabemos, a memória, ou seja, arepresentação de todas as influências que expe-rimentou a partir do mundo exterior. Agora perce-bemos que o próprio ego também catexiza osneurônios e suscita passagens (de quantidades)que certamente devem deixar traços na forma defacilitações.” (p. 480)

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coleção Freud levanta a hipótese da comunicação entreos neurônios se dar através de barreiras de conta-to que possibilitam as facilitações. Como osneurônios do sistema são impermeáveis – elesretêm as catexias, não permitindo a passagem dasexcitações, e constituindo a memória –, as facilita-ções tornam estes neurônios mais permeáveis, istoé, conduzem os estímulos recebidos de modo pa-recido com o do sistema . Desta forma, uma ex-periência já conhecida, ao ser associada a outraanterior, passa através das barreiras de contato,seguindo o seu curso. Em outras palavras, a expe-riência concreta é transformada em fato psíquicoquando associada às representações verbais, sen-do re-conhecida e ampliada pela memória. Graçasàs imagens motoras das representações verbais osfatos do mundo exterior passam a ter existência noâmbito da realidade psíquica; assim o ego tambémpode carregar de energia os neurônios . O funci-onamento da máquina neuronial descrita por Freudpermite que ela se auto-alimente usando como re-curso energético as imagens motoras. A realidadede um fato lembrado encontra concretude ou émarcada de modo sensível através das imagens

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coleção e-poket motoras das palavras. Se a comunicação exteriorse dá para os outros através do que Saussure cha-ma de imagens acústicas das palavras, a comuni-cação interior está ligada ao que Freud chama deimagens verbais motoras.

Cassirer nos fala da construção do mundo dosobjetos pela linguagem, mostrando como este ins-trumento mediador marca de modo indelével a rea-lidade material e concreta, (Cassirer, 1933) de for-ma a tornar difícil reconhecer o que é, de fato, pro-veniente do objeto ou o que nele se projeta peloseu constructo. Como a linguagem equipara osprocessos internos de pensamento ao processo derecepção do mundo exterior, um fio fino e frágil se-para a realidade psíquica da realidade socialvivenciada. Por isso é que Freud observa que osistema “não dispõe de nenhum meio paradiscernir entre esses resultados dos processos depensamento e os resultados dos processosperceptivos. Talvez seja possível (re)conhecer ereproduzir os processos perceptivos pela sua as-sociação com as descargas de ; mas das facilita-ções estabelecidas pelo pensamento resta apenaso seu resultado e não uma lembrança. Uma mesma

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coleção facilitação de pensamento pode ter sido gerada porum único processo intenso ou por dez processosmenos suscetíveis de deixar marca. As indicaçõesde descarga verbal são, porém, as que vêm agorasanar essa lacuna; pois equiparam os processos depensamento com os perceptivos, conferindo-lhesrealidade e possibilitando a sua lembrança.” (p. 480)

Dois pontos devem ser tratados isoladamentenas passagens acima citadas do texto de Freud.Primeiro, as associações verbais possibilitam o (re)conhecimento, isto é, o confronto de uma experi-ência anteriormente vivenciada com uma nova veri-ficação desta experiência, sistematizando e dandocoerência a estes processos psíquicos. Em outraspalavras, antes do conhecimento propriamente dito(que no caso do ser humano é sempre um reconhe-cimento, como podemos ver ao longo da exposi-ção de Freud), ou antes do conhecimento tomadocomo imediato, se dá o conhecimento mediato: pormeio da linguagem. De onde arrisco inferir que oconhecimento segundo Freud passa por três mo-mentos: (1) o primeiro contato com o objetocognoscível, (2) o estabelecimento das associaçõesverbais e (3) a síntese disso tudo, que é o conheci-mento propriamente dito.

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coleção e-poket Esta hipótese, se ligeiramente melhorada, no quediz respeito à compreensão do sistema linguístico,estará ligada à corrente da teoria do conhecimentoque leva em conta o fato do homem precisar classi-ficar para conhecer, isto é, confrontar os objetos,dispondo-os em classes, segundo uma escalareferencial implícita na forma cognoscente. Assim éque se afirma que o homem conhece através da lin-guagem, submetendo os objetos às categoriaslinguísticas e fazendo surgir os objetos do conheci-mento humano e social.

O segundo ponto a ser sublinhado no trechoacima transcrito diz respeito à memória. Como vi-mos, as percepções, os fatos captados no mundoexterior, podem deixar uma marca na lembrança,mas não os fatos interiores: resta apenas o resulta-do das facilitações estabelecidas pelo pensamento,e não uma lembrança, vimos acima. A linguagematribui aos fatos psíquicos um estatuto de realidadecomparável aos fatos externos, de onde Freud afir-ma que a linguagem equipara o pensamento com apercepção, conferindo realidade ao primeiro e pos-sibilitando a sua lembrança. Esta é, portanto, maisuma função da linguagem, entendida como respon-

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coleção sável pela memória, pois ao conferir uma existênciaconcreta, material, ao pensamento, através da tex-tura das palavras, possibilita ao sistema reter odiáfano na vivência do verbo.

Mesmo quando não pronunciado, em voz alta,um pensamento consciente se dá através de pala-vras, que são fatos do mundo exterior, fatos físicosna sua textura fônica, servindo assim de marcosexternos para materializar fatos internos.

O pensamento permanece na memória porqueo verbo vê na vida psíquica a mesma realidade davida material, embora não ignore a distinção entreambas. E este ponto é importante para a compre-ensão do desenvolvimento posterior da teoriafreudiana: o re-conhecimento de uma outra reali-dade, paralela à externa, a realidade de pensa-mento. (Em textos posteriores estes termos sãosubstituídos por realidade concreta , ou materiale realidade psíquica).

“Portanto – como o autor do Projeto nos ensi-na – o pensamento que é acompanhado pelacatexização das indicações da realidade de pensa-mento ou das indicações da fala representa a formamais alta e mais segura do processo de pensamen-

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coleção e-poket to cognitivo.” (p. 490) Conhecer, segundo Freud,parece evidente, é um processo que se dá pela pa-lavra – esta cômoda cápsula do pensamento, con-forme já foi designada pela linguística sapireana.(Sapir, 1921)

2. 3 LINGUAGEM COMO SISTEMA E AÇÃO

Voltemos ainda às funções da linguagem no con-texto do Projeto: “A inervação verbal é a princípiouma via de descarga que atua como válvula de se-gurança para , servindo para regular as oscila-ções de Qn; é uma parte da via que conduz à mu-dança interna, que representa o único meio dedescarga enquanto não se haja descoberto a açãoespecífica. Essa via adquire uma função secundá-ria ao atrair a atenção da pessoa auxiliar (geralmenteo próprio objeto de desejo) para o estado de ne-cessidade e aflição da criança; e desde então servi-rá ao propósito da comunicação, ficando incluídaassim na ação específica.” (p. 480)

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coleção A função catártica da linguagem é apontada nestapassagem em que Freud atribui à fala a condiçãode via de descarga e, por isso mesmo, de válvulade segurança para o sistema . Tal descarga é pos-sível, não tendo sido descoberta a ação específica,mediante a mudança interna, isto é, através do queele chama de expressão das emoções, o grito. Ora,sabemos que, de acordo com a teoria do Projeto,a descarga necessita da ação específica – no casoda fome, o alimento, da sede, a água, etc. O papelda linguagem é então de suma importância, porquesubstitui a ação específica, possibilitando a ocor-rência de uma alteração interna que realiza tal fun-ção. Mas o eficaz é que a expressão da emoção,por ser expressão e, consequentemente, uma for-ma de comunicação, também integra a ação espe-cífica, porque atrai a atenção do objeto de desejo.No caso da criança, por exemplo, o grito, além deoperar uma modificação interna, descarregandocatexias, serve de meio de comunicação que trazaté o sujeito o objeto desejado: a mãe; passando aser uma forma de atuar sobre o mundo exterior; oua integrar a ação específica. No âmbito da teoriafreudiana, desde a demarcação de território opera-

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coleção e-poket da pelo Projeto, a palavra não pode ser compre-endida como acessório ou “sobra da ação”, por-que mesmo ao contornar, substituir ou representara ação ela termina se integrando à própria ação – aqual passa a constituir.

São ainda estes dados do Projeto que nos le-vam a vislumbrar uma hipótese sobre a origem dalinguagem esboçada por Freud: ele toma o grito,nascido da necessidade, como ponto de partida paraa articulação da comunicação verbal. Esta hipóteseestaria relacionada às especulações de Vico ou às deRousseau, no Ensaio sobre a origem das línguas,onde os primeiros gritos dos primatas são compreen-didos como primeiras formas de “significar” algumacoisa. O filósofo demonstra que nas regiões de difícilsobrevivência, os homens são obrigados desde cedoa se valer de processos de comunicação para con-seguirem ajuda dos outros na luta contra o meio,visando a preservação. O que equivale a dizer queas línguas são filhas da necessidade, contrariando acrença romântica do próprio Rousseau de que afala se fez para expressar o eu lírico. A primeirapalavra dita pelo homem, em tais circunstância, ad-mite, não foi amai-me, mas ajudai-me. Não foi

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coleção aimez-moi, mas aidez-moi; muito próximas no som,mas distantes no sentido. (Rousseau, 1755)

Mas não nos afastemos muito do Projeto deFreud, voltando a discutir pontos importantes parao nosso tema: “Não resta dúvida, porém, que oprocesso de pensamento deixa efetivamente atrásde si traços duradouros, uma vez que um segundopensamento, um repensar, exige menor esforço (deenergia) do que o primeiro. Portanto, a fim de quea realidade não seja falseada, faz-se necessário aexistência de traços especiais, signos do processode pensamento, que constituam uma memória-de-pensamento”. (Freud, 1895, p. 442-443)

Estes signos são evidentemente as palavras; eaqui deve ser incluída uma referência à linguísticade Ferdinand de Saussure, para quem os signossão constituídos por um significado e umsignificante, ou por uma imagem mental e umaimagem acústica. É importante lembrar que a ima-gem acústica da sequência de fonemas da palavra“casa”, por exemplo, não se refere a um objetomaterial, a uma “casa” qualquer, mas à imagemmental que o sujeito falante tem do que venha a seruma casa; resultado, portanto, da sua vivência e da

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coleção e-poket sua relação com uma série de objetos percebidos eclassificados como tal. Por isso, porque o significa-do está despido de uma referencialidade objetiva,o signo linguístico é considerado por Saussure umaentidade fundamentalmente psíquica.

Ora, da passagem acima de Freud, pode-sedepreender que o conteúdo dos signos (o significa-do) não é formado pela realidade exterior, mas pelasua representação na mente, isto é, pelo queSaussure chamou de imagem mental. Neste parti-cular, a colocação de Freud está rigorosamente deacordo com a semiologia ou a linguística de basesaussureana.

Para terminar esta primeira parte de referênciasao Projeto, onde a linguagem é vista como meio detransformar os pensamentos inconscientes em cons-cientes, deixe-se claro que Freud considera a fala omeio mais completo para construção do conscien-te, suspeitando porém que outros meios possamcumprir, embora de modo vago, tal papel. Somen-te depois de compreender as relações entre lingua-gem e consciência é que Freud se dedica aaprofundar os estudos das suas relações com a ins-tância mais complexa e profunda – o inconsciente.

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LINGUAGEM:LATENTE MANIFESTO

OU O INCONSCIENTE PRONUNCIADO

Vale afirmar que o interesse de Freud pela lin-guagem coincide com a sua descoberta: a psicaná-lise, destinada, segundo as intenções que tecem odiscurso freudiano, a repensar a cultura e o homem.Um projeto tão ambicioso confere a esta disciplinaa possibilidade de se superar como ciência, enquantose inscreve e repensa como filosofia.

Senão, vejamos, através de uma breve revisãode textos, através do tempo, que a reflexão sobre alinguagem está intimamente ligada à reflexão sobreo psiquismo, ou sobre a própria condição humana– que se interpenetram. Evidentemente, não pre-tendo aqui fazer um levantamento exaustivo do pa-pel da linguagem na obra de Freud, o que implica-

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coleção ria num estudo de todos os textos fundadores dapsicanálise (que, afinal, é também, ela mesma, umaciência da linguagem). A intenção é apenas subli-nhar as relações entre linguagem e consciência, emostrar como Freud descobre a palavra como meiode pronunciar o inconsciente. Assim, está justificadaa ausência de textos clássicos onde o autor tam-bém toma por objeto as estruturas verbais, comoPsicopatologia da vida cotidiana e Os chistes esua relação com o inconsciente, dentre outros.

Mesmo durante a chamada fase pré-psicanalíti-ca, ele já se ocupa do simbólico, em geral, e, espe-cialmente, do verbal. Na quase desconhecidamonografia sobre a afasia, de 1891, há uma passa-gem nitidamente semiológica, que teremos oportu-nidade de lembrar mais adiante (no item 3.3) peloque ela tem de pertinente com relação à teoria doautor.

Os distúrbios da linguagem já aparecem no arti-go de 1888 para a enciclopédia de Villaret, tratan-do da “Histeria”, embora ainda não se arrisquemformulações mais ousadas a respeito da atuação dasrepresentações verbais. Ao demonstrar que as pa-ralisias histéricas não levam em conta a estrutura

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coleção e-poket anatômica do sistema nervoso, Freud não chega aoporque deste fato de ordem psíquica. Somente maistarde observa que, enquanto as paralisias motorasorgânicas apresentam o comprometimento de to-das as partes integrantes de uma mesma estruturaonde o fenômeno se verifica, no caso das paralisiasmotoras histéricas tudo se dá “como se a anatomianão existisse” ou como se a histeria “não tivesseconhecimento desta.” (Freud, 1893, p. 234)

O motivo não lhe escapa: é que as paralisiashistéricas agem de acordo apenas com a acepção eos limites que a língua atribui a um determinado ór-gão, segundo a semântica usual. Se o braço é atin-gido, a paralisia histérica não vai além daquilo que alíngua denomina de braço, isto é, aquilo que o su-jeito compreende como sendo o significado de “bra-ço”; desconhecendo todo o sistema muscular e deinervação que, de fato, nas paralisias orgânicas,comanda o sintoma, de acordo com a estruturaanatômica.

Assim é que os Estudos sobre a histeria, ins-pirados por Breuer, levam em conta um conjuntode premissas onde o que aí se denomina de ex-pressão verbal ocupa o centro do objeto. A

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coleção constatação é eloquente: “Verificamos pois, inicial-mente para nossa grande surpresa, que cada sinto-ma histérico individual desaparecia imediata e per-manentemente quando conseguíamos evocar, niti-damente, a lembrança do fato que o provocou edespertar a emoção que o acompanhava, e quandoo paciente havia descrito aquele fato com os maio-res detalhes possíveis e traduzira a emoção em pa-lavras.” (Breuer & Freud, 1893. p. 47).

A compreensão verbal do conflito, transformandoem signo aquilo que antes era impronunciável, subs-titui o sintoma e traz para a luz da consciência orecalcado. Por outro lado, já vimos, na discussãodo Projeto de 1895, que a ação específica podeser substituída pela representação verbal, tese quereaparece agora com a constatação de que a rea-ção ao trauma só tem efeito catártico quando é umareação adequada e de igual intensidade. “Mas a lin-guagem serve de substituto para a ação; com suaajuda, uma reação pode ser “ab-reagida” quase quecom a mesma eficácia.” (Breuer & Freud, 1893, p.49) A intensidade das catexias empregadas na des-carga verbal pode substituir uma ação reparadorado trauma muito mais custosa, porque a ab-reação

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coleção e-poket pela linguagem permite ao indivíduo responder auma provocação patológica sem inscrever a suaação numa resposta também patológica.

Não era por acaso que as orações medievais,com o poder cortante da palavra e da carneretornada ao estado de verbo, exorcizavam os de-mônios que rondavam o corpo de padres, monjase crentes. Embora um exorcismo incompleto, por-quanto o verdadeiro demônio da moralidade sexu-al não se pronunciava...

O verbo encarnado não podia – e não devia –ser conjugado.

3.1 O SILÊNCIO E O SINTOMA

A troca do silêncio pela palavra pode represen-tar o aniquilamento do sintoma, porque a realidadeverbal e sua ação se integram plenamente nos pro-cessos reais onde o sujeito tem lugar. Compreen-der a estrutura do discurso é o modo mais segurode compreender o latente, posto que a palavra é olatente manifesto.

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coleção Numa carta a Fliess, datada de 1897, Freudcomunica a confirmação da sua hipótese, no queconcerne à neurose obsessiva, de que o reprimidoirrompe nas representações verbais e não nos con-ceitos a elas vinculados.

É evidente que se afirme, tendo em vista a leitu-ra dos textos de Freud, que a palavra, mesmo atra-vés da sua negação, se põe a serviço da espiona-gem do recalcado. É o que anos mais tarde vai cons-tituir o tema de um pequeno artigo onde se afirmaque os processos de negação constituem os pri-meiros modos de liberdade do que está submetidoao recalque (Freud, 1925). Negar a existência deum determinado fato é um modo de fazer este fatoexistir na ossatura das palavras e, portanto, de co-meçar a admitir a sua existência. “No princípio erao verbo”, nos lembra o texto da Escritura de João.

O relato de um sonho deve ser escutado na ple-nitude do seu discurso cifrado, e a tradução do so-nho na narrativa verbal diurna é uma forma de tra-zer à consciência o desconhecido. “Ao interpretarsonhos, não dedicamos menos importância a todomatiz da forma das palavras pelas quais eles nosforam apresentados e mesmo quando acontecia que

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coleção e-poket o texto do sonho, tal como o tínhamos, era semsentido ou inapropriado – como se a tentativa paradele prestar um relato correto houvesse sido malsucedida – levamos também essa falha em consi-deração. Em suma, tratamos como se fosse a Sa-grada Escritura aquilo que autores precedentes ha-viam encarado como uma improvisação arbitrária,apressadamente remendada na perplexidade domomento.” (Freud, 1900, p. 548)

É por isso que Ricoeur, no ensaio sobre Freud,Da interpretação, insiste que a psicanálise propõeo primado da hermenêutica. Enquanto esta ciênciaestuda atentamente a letra e o espírito das Escri-turas Sagradas, Freud pretende um rigor próximona análise dos discursos e relatos de sonhos ou defantasias, onde todo matiz da forma das palavrasdeve ser considerado com um critério digno da maisexigente análise do discurso ou da mais apuradaoperação hermenêutica.

Tanto o Projeto de 1895 quanto o capítulo VIIde A interpretação de sonhos, que retoma a ten-tativa de sistematização do rejeitado texto, nos le-vam a compreender o inconsciente enquanto difuso,não ordenado pela linguagem, pré-semiótico, onde

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coleção reina e jaz a intemporalidade. As categorias de tem-po, presentes nas línguas dos chamados povos ci-vilizados e representadas analiticamente pela rique-za de flexões do latim ou do português, não se en-contram no inconsciente descrito por Freud. Domesmo modo que o inconsciente é intemporal, al-gumas línguas de povos selvagens, em contraste coma perplexa razão das línguas cultas, não contêm asnoções temporais na sua estrutura.

Para Freud, o inconsciente é a verdadeira reali-dade psíquica, a esfera maior que compreende amenor, o consciente, no seu interior. A linguagemverbal cumpre a tarefa de ordenar uma determina-da porção de material inconsciente e trazê-la parao mundo das relações intersubjetivas, ou para omundo social e simbólico dos homens. O inconsci-ente “nos é tão desconhecido quanto a realidadedo mundo exterior e é tão incompletamente apre-sentado pelos dados da consciência quanto o é omundo externo pelas comunicações de nossos ór-gãos dos sentidos.” (Freud, 1900, p. 651) A reali-dade apreendida pelo homem, através dos seussentidos e processos simbólicos, é apenas umametonímia, ou uma mostra caricatural, da realidade

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coleção e-poket objetiva pura, ou realidade natural, inacessível aoconhecimento na riqueza da sua totalidade difusa.

A realidade psíquica conhecida, vista aqui emanalogia com a realidade simbólica, social, é, domesmo modo, uma projeção parcial do inconsci-ente, por isso mesmo chamado por Freud de ver-dadeira realidade psíquica. Assim como a per-cepção do mundo exterior passa pela mediação dalinguagem, a realidade do mundo interior tambémestá submetida ao mesmo processo, conforme jáfoi demonstrado. Evidencia-se então que o homemestá cercado pela cadeia simbólica da linguagem,não apenas nos seus processos subjetivos eintersubjetivos, mas também nos processos e rela-ções com o mundo dos objetos e fenômenos natu-rais. Cassirer, na esteira de Rousseau e de outrosque rejeitaram o culto incondicional à razão, dei-xa para trás a classificação do homem como ani-mal racional, propondo a de animal simbóli-co; assim como Wittgenstein afirma que tudo quefica além da linguagem é simplesmente absurdo(Wittgenstein, 1922).

“É provável que o pensar fosse originalmenteinconsciente, na medida em que ultrapassava sim-

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coleção ples apresentações ideativas e era dirigido para asrelações entre impressões de objetos, e que nãoadquiriu outras qualidades perceptíveis à consciên-cia até haver-se ligado a resíduos verbais.” (Freud,1911, p. 281) Para compreender o pensamento hu-mano na sua forma consciente, temos que admitir osuporte da linguagem, que estrutura não apenas oconhecido, mas também, e isso muito provavelmen-te, estrutura o inconsciente – se é que este é estru-turado, como se supõe. Mais uma vez temos querepetir Wittgenstein, cujo pensamento se aproximado de Freud: além da linguagem, só o absurdo.

3. 2 PRONUNCIAR O INCONSCIENTE

As questões levantadas no item “O inconscien-te e a consciência – realidade”, que fecha A inter-pretação de sonhos, vão se fazer presentes no en-saio básico de Freud dedicado à concepção siste-mática de uma instância maior da vida psíquica.Pode-se inferir, da leitura de “O inconsciente”, quea linguagem, em relação a esta instância, teria papelanálogo ao dos órgão sensoriais com relação às

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coleção e-poket percepções do mundo exterior (cf. p. 197), embo-ra os problemas da expressão verbal só sejam dis-cutidos explicitamente na última parte do trabalho(no capítulo “Avaliação do inconsciente”, na página224). Ele nos lembra que muito do que é expressona esquizofrenia como sendo consciente, nas cha-madas neuroses de transferência só pode ser des-coberto no Ics. através da análise; isto é, precisaser falado para que tenha acesso ao Cs.

Do mesmo modo que alguns estudiosos da lin-guagem procuram, vincular a estrutura sintática dodiscurso e a organização frasal com os processosde pensamento ou com a estrutura e a organizaçãopsíquica do falante, Freud quer encontrar conexõesentre a relação do objeto do ego e as relações daconsciência. E anuncia: “O que procuramos pare-ce apresentar-se da seguinte, e inesperada, manei-ra. Nos esquizofrênicos observamos – especialmen-te nas etapas iniciais, tão instrutivas – grande núme-ro de modificações na fala, algumas das quais me-recem ser consideradas de um ponto de vista parti-cular. Frequentemente o paciente devota especialcuidado a sua maneira de se expressar, que se tor-na “afetada” e “preciosa”. A construção de suas fra-

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coleção ses passa por uma desorganização peculiar, que astorna incompreensíveis para nós, a ponto de suasobservações parecerem desparatadas”. (Freud,1915, p. 225) Parece que o ponto de vista do nos-so autor está de acordo com a concepção da filo-sofia da linguagem aqui resumida nos seguintes ter-mos: a língua falada por um grupo tem a proprieda-de de submeter os modos pessoais de percepçãoàs grandes linhas do grupo social falante. A diversi-dade e as variações que dão uma feição particularao seu modo de ver o mundo, sofrem a influênciade outros modos historicamente consolidados notrabalho coletivo da linguagem, de forma que, en-quanto participante do contrato social que é a lín-gua, tenho sempre que abandonar a tendência defechamento ao meu idioleto, para me inscrever nocontexto sintático e semântico dos outros falantes,isto é, no contexto mais amplo de um dialeto socialou de uma língua nacional. (Seixas, 1979)

Perder o contato com a realidade linguística seriaperder o contato com a própria realidade exterior, quese configura para o ser humano através dos proces-sos linguísticos. Daí a afirmação, feita há pouco, deque a psicanálise é também uma ciência da lingua-

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coleção e-poket gem, afirmação por sua vez atrelada à concepçãoda ciência da linguagem como ciência da cultura.

A teoria freudiana aproxima de tal modo o “apa-relho psíquico” do “aparelho linguístico” que osconstituintes de um e outro são recambiáveis. Osprocessos primários e as catexias, por exemplo,dizem respeito tanto às formulações energéticassobre os neurônios, compreendidos fisiologicamenteem 1895, quanto à hermenêutica freudiana das pa-lavras, compreendidas como signos linguísticos: “Naesquizofrenia as palavras estão sujeitas a um pro-cesso igual ao que interpreta as imagens oníricasdos pensamentos oníricos latentes – que chama-mos de processo psíquico primário. Passam por umacondensação, e por meio do deslocamento trans-ferem integralmente suas catexias de uma para asoutras.” (Freud, 1915, p. 227) Todo este movimen-to, quando despido de uma nomenclatura médica evestido de outra, linguística, como fez um certo psi-canalista e pensador francês, ao substituir o jargãodo primeiro Freud pelo de Jakobson, pode ser co-berto pelos conceitos de metáfora e metonímia.

Mas, com isso, eu pretendia chamar atençãopara um outro paralelo presente no texto de Freud

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coleção em questão: enquanto na esquizofrenia determina-dos fatos são falados, na histeria de conversão porexemplo, eles permanecem inconscientes e expres-sos pelo corpo, já que não podem ser falados en-quanto não se realize a tradução dos sintomascorporais para os signos verbais. Assim, pode-mos dizer que as neuroses de transferência são, emgeral, constituintes dos casos que mais se prestamaos objetivos clássicos da psicanálise, onde a ex-pressão verbal introduz na consciência um materialque permanecia nebulosamente distante; que se ins-crevia num outro sistema.

Está claro que para Freud a consciência seinscreve na linguagem verbal, mesmo que existam ou-tros meios de construção e estruturação consciente.Em O ego e o id ele diz que não nos devemos deixarlevar pela simplificação, negando a importância dosresíduos mnêmicos óticos, quando são resíduos decoisas, para tornar possível determinados proces-sos de pensamento se tornarem conscientes.

Alguns indivíduos demonstram mesmo uma es-pecial inclinação pelos recursos visuais e pelas suasrepresentações, assim como outros manifestam pre-ferência pela articulação dos mais diversos códi-

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coleção e-poket gos, de natureza diferente da língua. As artes noslevam a modos primitivos de pensamento, operan-do a harmonia dos sons e das figuras – conduzindoo pensamento além dos limites estabelecidos pelacivilização. Mas o observador atento arremataria:“Pensar em figuras, portanto, é apenas uma formamuito incompleta de tornar-se consciente. De certamaneira, também, ela se situa mais perto dos pro-cessos inconscientes do que o pensar em palavras,sendo inquestionavelmente mais antiga que o últi-mo, tanto ontogenética quanto filogeneticamente.”(Freud, 1923, p. 34)

O problema referente ao lugar da linguagem navida psíquica, levantado por Freud, está intimamenteligado aos problemas filosóficos da teoria da lin-guagem. Tanto linguistas quanto filósofos da lingua-gem não chegaram ainda – e talvez nunca cheguem– a um denominador comum no que tange à nature-za da linguagem, em geral, e da língua, em particu-lar. Há quem considere a língua tão somente comoum dos muitos sistemas da linguagem, podendo sersubstituída, sem prejuízo, por outro qualquer. Se-gundo esta concepção, o pensamento pode se darplenamente através de códigos ou de semióticas que

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coleção não a língua. Especialistas em pintura, em dança,em música e outras linguagens artísticas frequente-mente sustentam a possibilidade de desenvolver asmais complexas cadeias de pensamento atravésdelas, dispensando, portanto, a linguagem verbal.

Num artigo publicado em 1978, a propósito daPoética musical de Strawinsky, tive oportunidadede confrontar a concepção da música enquanto lin-guagem das emoções, como queria Manfred Clynesao articular seus estudos de piano com aneurofisiologia, com a concepção oposta, defendi-da por Mendelssohn. Este último afirmava que ospensamentos expressos em música são precisosdemais para serem postos em palavras. Os defen-sores de um ponto de vista similar ao deMendelssohn acreditam que lendo uma partitura ououvindo a execução de uma peça sobre um ban-quete pode-se distinguir claramente os garfos dasfacas. (Seixas, 1978) Mesmo admitindo tal posi-ção extrema, convém não perdermos de vista aobservação de Sapir, na dupla condição de linguistae músico, que o discurso musical reproduz no seusistema conceitual o universo de sentidos da línguamaterna do indivíduo (Sapir, 1921).

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coleção e-poket Como nascemos cercados pelas palavras, seussons e seus sentidos, nossa inserção no mundo doshomens, o mundo da cultura, está visceralmenteentrelaçada à língua que nos serviu de berço. Seriapossível então abandonar todo um aprendizadoafetivo, intelectual e prático em favor do domíniode um código artístico, ou de outro código apren-dido depois? A resposta de Heidegger seria con-trária, posto que a linguagem é a morada do ser,no que é seguido por Lacan ao sentenciar que ohomem assim se afirma porque a linguagem o fezhomem.

Mas na verdade a questão é uma só: a crençana possibilidade de substituir a língua por outrasemiótica deriva da concepção primitiva da lingua-gem enquanto pura representação do pensamento.Segundo a teoria clássica, o homem pensaria inde-pendentemente da sua língua, que seria uma meratradução das ideias inatas. Esta teoria permite, porexemplo, que os francocentristas afirmem que a or-dem das palavras da língua francesa corresponde àordem do pensamento humano, enquanto a sintaxedas demais línguas foge a esta organização supos-tamente primordial. Textualmente, Diderot profes-

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coleção sa: “Nous disons les choses en français, commel’esprit est forcé de les considérer en quelque languequ’on écrive.” E acrescenta ainda esta pérola deostra doente: seja qual for “l’ordre des termes dansune langue ancienne ou moderne, l’esprit del’écrivain a suivi l’ordre didactique de la syntaxefrançaise” (Diderot, 1751). Isso corresponde à bemfundada mitologia popular de que “Deus é brasi-leiro”.

Se no território da fantasia tudo é possível, numoutro que se pretende com algum rigor, convém nãoconviver acriticamente com pressupostos fundadosem conceitos previamente constituídos. Um linguistado porte de Chomsky, ao defender a concepçãodas ideias inatas no âmbito da sua gramáticagerativa, reporta-se a fatos dessa natureza, quandocita a velha tradição etnocêntrica em favor dos ar-gumentos que ao longo da história das ideias as-sentam o inatismo (Chomsky, 1965). Aceitar o pen-samento independente da linguagem, cuja defesaestá sustentada em preconceitos e dogmas, quasesempre implica na aceitação destes pressupostos.Àquele que deseja trazer para o âmbito da moder-na teoria da linguagem a concepção das ideias ina-

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coleção e-poket tas cabe buscar fundamentos aceitáveis, uma vezque os argumentos fundados em crenças religiosas(por mais respeitáveis que sejam), ou na razãoetnocêntrica, não podem ser considerados comoargumentos de um debate de natureza filosófica nem,muito menos, científica.

Em linhas gerais e resumidas, podemos divi-dir os estudiosos da teoria da linguagem em duasgrandes correntes: a clássica e a moderna. A pri-meira estaria marcada pela concepção das ideiasinatas, ou pela admissão do pensamentodesvinculado da língua, bem como da concepçãoda linguagem como representação do real. Aí, aslínguas seriam conjuntos de rótulos atribuíveis aideias e coisas preexistentes. A segunda correntevincula as ideias e o pensamento a uma linguagemorganizadora e construtora, sendo a língua maternae de uso mais constante do sujeito o sistema capazde assumir este papel. É precisamente aí que Freudse insere, tanto através do resultado encontrado nassuas investigações clínicas, quanto nas suas formu-lações teóricas já expostas embrionariamente noProjeto de 1895.

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coleção 3. 3 A REPRESENTAÇÃO COMO REALIDADE

O conceito de representação é fundamental parao ponto de vista defendido por Freud com relaçãoà linguagem. Embora já apareça na monografia so-bre afasia, em 1891, é em estudos como “O in-consciente” e O ego e o id que ele vai se consoli-dar, ganhando um sentido intrincado com a própriaobra do autor e se afastando do uso do termo nafilosofia alemã. Mas não devemos perder de vistaque foi no Projeto que a teoria freudiana da repre-sentação começou a se estruturar de modo definiti-vo, conforme visto no item 2.2 deste trabalho.

Vejamos estão como Freud recorre a este con-ceito ao descrever os distúrbios afásicos: “Umapalavra é, portanto, uma apresentação complexa”– corrigindo-se a tradução, leia-se, portanto: repre-sentação complexa – “ou, dizendo-o de outra for-ma, corresponde à palavra um complicado proces-so associativo no qual se reúnem os elementos deorigem visual, acústica e cenestésica. (Freud, 1891,p. 243) Ele observa ainda que uma palavra adquireseu significado (Freud emprega a mesma expres-

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coleção e-poket são usada por Saussure) quando se liga a uma re-presentação do objeto.

A representação verbal, ou a palavra, é toma-da apenas enquanto expressão, ou significante,sendo que o conteúdo, ou significado, é visto comoalgo exterior à palavra. Pelo menos é o que sedepreende de diversos momentos, onde Freud uti-liza um conceito de linguagem diverso daquele es-tabelecido pela linguística moderna de inspiraçãosaussureana, onde o signo é uma entidade comdupla face. Não viria desta discrepância de Freudcom relação ao conceito saussureano a justificativapara a primazia do significante em Lacan? Ou...

As abordagens filosóficas menos precisas na suacompreensão da linguagem consideram o signocomo uma entidade de uma só face, o plano daexpressão, ou o significante; enquanto a linguística,especialmente a partir de Saussure, reconhece umsigno bi-partido em imagem mental e imagemacústica, ou em significado e significante. Se te-mos no primeiro caso o signo tomado como umaentidade do mundo material, no segundo caso o sig-no é uma entidade psíquica, conforme propunhaSaussure, ao filiar a sua linguística, a linguística

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coleção moderna, à semiologia, que por sua vez seria parteda psicologia social.

Como o conceito de signo conhecido por Freudera o corrente na tradição filosófica (os ensina-mentos de Saussure começaram a vir a público apartir dos três cursos de Linguística Geral ministra-dos na Universidade de Genebra, em 1906-1907,1908-1909 e 1920-1911, depois, portanto, dasformulações teóricas do Projeto), o criador da psi-canálise não pode aproveitar o rigor da contribui-ção saussureana que, certamente, permitiria formu-lações bem mais complexas.

Isolar o significante, como se o significado fossealguma coisa exterior ao signo, pronto e preexistente,portanto, é impensável a partir da compreensão doque o fundador da linguística moderna chamou dedupla face de uma mesma moeda: imagem acústi-ca / imagem mental, ou significante / significa-do. Faces inseparáveis uma da outra. Umsignificante que remete a outro significante, que, porsua vez, remete a outro significante, só se justificano âmbito da tradição pré-saussureana... Após acontribuição de Saussure e de discípulos comoHjelmslev, a semiose ilimitada dá conta dodeslizamento do sentido.

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do inconsciente à linguagem

coleção e-poket Segundo as lições de Saussure, a imagem acús-tica, ou o significante, é constituída pela sequênciade sons na mente do falante. No processo da falaesta imagem é materializada pelo aparelho fonador,reduzindo-se a isso o aspecto fisiológico da lingua-gem, já que o aspecto psicológico é o mais amplo eo mais importante. A imagem mental, ou o significa-do, é aquilo que ganha lugar na mente do falantepor evocação da imagem acústica ou do significante.

No artigo “O inconsciente” Freud afirma que arepresentação consciente é formada pelas repre-sentações da palavra e da coisa. Se a representa-ção da palavra é o que Saussure chama de ima-gem acústica, a representação da coisa corres-ponde, de modo próximo, talvez, ao que ele chamade imagem mental. Esta última “consiste na catexia,se não das imagens diretas da memória da coisa,pelo menos de traços de memória mais remotosderivados delas”, conforme as palavras de Freud,que acrescenta: “Agora parece que sabemos deimediato qual a diferença entre uma representaçãoconsciente e uma inconsciente.” (p. 229) Somentequando a representação da coisa é relacionada àrepresentação da palavra é que se dá a consciênciano sentido freudiano.

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coleção Sabemos que nas neuroses de transferência orecalque nega à representação a sua tradução empalavras, e que uma representação “que não sejaposta em palavras, ou um ato psíquico que não sejahipercatexizado, permanece a partir de então no Ics.em estado de repressão”, ou de recalque, comoseria a tradução portuguesa mais adequada. Freudsó pode concluir que a representação conscienteabrange a representação da coisa mais a repre-sentação da palavra, que pertence a ela, enquan-to a representação inconsciente é a representa-ção da coisa apenas (Freud, 1895, p. 230).

Um problema que às vezes se põe de modovago na primeira tópica é o papel do pré-conscien-te (Pcs), ora colocado ao lado do Ics. e ora doCs., o que não impede Freud de afirmar que é noPcs. onde as representações inconscientes são vin-culadas às representações verbais, possibilitando oacesso do material ao Cs.; de forma que o verbal écompreendido como precursor da consciência. Isto,aliás, explica o fato comumente verificável de umdiscurso verbal ser proferido sem que o seu emis-sor tenha consciência do que diz. É por isso que seconstata, no caso da literatura, por exemplo, que opoeta diz mais do que sabe.

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do inconsciente à linguagem

coleção e-poket Podemos concluir as observações a respeito dasrelações do discurso com a vida psíquica, deixan-do assentado que, para que haja consciência, se-gundo Freud estabelece no modelo discutido, temque haver linguagem verbal, pelo menos implícita,na forma de diálogo interior. Mas a existência daverbalização não significa que aquilo que é expres-so está presente na consciência. E para comprovareste fato podemos recorrer tanto ao discurso lite-rário, artificial, estético: intencionalmente arquiteta-do; quanto ao discurso do analisante, isto é, ao dis-curso clínico, de um lado, ou mesmo ao discursocoloquial, do outro. Aí, o sujeito fala de coisas quepodem estar claras para quem escuta seu texto eobserva seu contexto, mas inteiramente vagas paraele próprio.

A linguagem é, num certo sentido, o único cami-nho para a consciência, mas não é o único caminhoque precisa ser percorrido para fazer chegar a ela:além deste caminho ainda há o que percorrer: re-mover.

A propósito, lembremos da negação, que já as-socia uma representação inconsciente a uma repre-sentação verbal, sem que tenham sido removidastodas as peças a serviço do recalque.

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coleção Do que foi dito, digo que é infundada a restri-ção que certas correntes fazem à linguagem, ten-tando criar a ilusão de que a palavra é insuficientepara dizer a razão do homem. As psicoterapias agosto do pragmatismo e do saltitante sonho ameri-cano se pretendem inovadoras na medida em quedesconhecem o papel da linguagem verbal e traba-lham de modo quase exclusivo algumas outras lin-guagens. Como nenhum sistema é tão intimamenteimbricado com a trajetória interior e social do ho-mem como o sistema verbal, as psicoterapias quetomam estas semióticas como instrumento de aces-so ficam sempre na superfície, no óbvio, dito deuma outra forma. Como modelos de terapiaocupacional são muito divertidas e até mesmo ins-trutivas, mas como trabalho sobre o cerne da con-dição humana em nada contribuem para a discus-são travada pela filosofia e pelas disciplinas que seocupam da questão. Contrariamente ao que que-rem os pontífices do silêncio, toda vez que cami-nhamos rumo ao sentido da linguagem e suavinculação à condição humana, descobrimos queela fala mais, sabe mais, diz mais do que a razão e aciência do homem. Ela é o homem.

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coleção e-poket Para terminar, restituamos a palavra a Freud:“Em outro lugar, já sugeri que a diferença real entreuma ideia (pensamento) do Ics. ou do Pcs. consistenisto: que a primeira é efetuada em algum materialque permanece desconhecido, enquanto que a últi-ma (a do Pcs.) é, além disso, colocada emvinculação com representações verbais. Esta é aprimeira tentativa de indicar marcas distinguidorasentre os dois sistemas, o Pcs. e o Ics., além de suarelação com a consciência. A pergunta «Como umacoisa se torna consciente?» seria assim mais vanta-josamente enunciada: «Como uma coisa se tornapré-consciente?» E a resposta seria: «Vinculando-se às representações verbais que lhe são corres-pondentes.»” (Freud, 1923, p. 33). Observa-se queo Pcs. não mais aparece como uma simples transi-ção para o Cs., mas ganha o estatuto de importantesistema – vinculado ao sistema de signos que é alinguagem. E isso esvazia de tal forma, penso eu, osentido da consciência que ela corre o risco de dei-xar de ser o velho totem – onde têm lugar os tabus– do homem civilizado para ser um grande sinto-ma...

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O texto procura evidenciar o modo através doqual Freud coloca a linguagem como meio de aces-so ao inconsciente e condição necessária da cons-ciência.

Tomando a língua como base dos processos sim-bólicos do homem, a descoberta freudiana não sedetém diante da sedução pelas várias semióticas,ou sistemas expressivos, mas recua à semiótica ver-bal: núcleo das formações simbólicas.

Se as psicoterapias modernas pretendem supe-rar a psicanálise pela crença na insuficiência da pa-lavra para falar o homem, Freud tem a seu favor amais sólida tradição filosófica e linguística com re-lação ao papel desempenhado pelas formas ver-

CONCLUSÃO:O OLHAR CALEIDOSCÓPICO

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bais, cuja predicação estrutura o pensamento cons-ciente.

O Projeto de 1895 é a primeira sistematizaçãode alguns temas fundamentais da psicanálise, mar-cando a passagem da neurologia para a psicologiado inconsciente. O conceito de representação estáassociado à compreensão do aparelho psíquicocomo sistema semiótico, onde as representaçõespodem ser equiparadas aos signos da teoriasaussureana.

O homem não se diferencia na cadeia zoológicapor ser racional, mas por ser o único animal sim-bólico.

A histeria também se inscreve na ausência deverbalização do conflito, substituindo os signos dafala pelos sintomas da conversão. Já a esquizofreniatraz consigo a afetação do discurso, conduzindo àdesorganização do sentido socialmente comparti-lhado ou à quebra do contrato social da linguagem.

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BREUER, Josef & FREUD, Sigmund1893 Sobre o mecanismo psíquico dos fenômenos histéri-

cos: Comunicação preliminar. Edição standard bra-sileira das obras psicológicas completas deSigmund Freud. Vol. II. Rio de Janeiro, Imago, 1974.

1895 Estudos sobre a histeria. Edição standard. Vol. II.Rio de Janeiro, 1974.

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In Cassirer et alii: Essais sur le langage. Paris, Minuit,1969 (texto originalmente publicado no Journal depsychologie de jan.-abr. de 1933).

CHOMSKY, Noam1965 Aspectos da teoria da sintaxe. Coimbra, Armênio

Amado, 1975.

BIBLIOGRAFIA CITADA

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coleção DIDEROT, D.1751 Lettre sur les sourds et muets. In: Oeuvres complètes

de Diderot, Vol. I. Paris, Garnier Frères, 1875.

FREUD, Sigmund1888 Histeria. Edição standard brasileira das obras psi-

cológicas completas de Sigmund Freud. Vol. I. Riode Janeiro, Imago, 1977.

1891 Palavras e coisas. Fragmento da monografia sobreafasia. Apêndice a O inconsciente. Edição standard.Vol. XIV. Rio de Janeiro, Imago, 1974.

1893 Alguns pontos para um estudo comparativo das pa-ralisias motoras orgânicas e histéricas. Ediçãostandard. Vol. I. Rio de Janeiro, Imago, 1977.

1895 Projeto para uma psicologia científica. Ediçãostandard. Vol. I. Rio de Janeiro, Imago, 1977.

1896 Carta 46. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess.Edição standard. Vol. I. Rio de Janeiro, Imago, 1977.

1897 Carta 79. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess.Edição standard. Vol. I. Rio de Janeiro, Imago, 1977.

1900 A interpretação de sonhos. Edição standard. Vol. IVe V. Rio de Janeiro, Imago, 1972.

1911 Formulações sobre os dois princípios do funciona-mento mental. Edição standard. Vol. XII. Rio de Ja-neiro, Imago, s.d.

1912 Uma nota sobre o inconsciente na psicanálise. Edi-ção standard. Vol. XII. Rio de Janeiro, Imago, s.d.

1915 O inconsciente. Edição standard. Vol. XIV. Rio deJaneiro, Imago, 1974.

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do inconsciente à linguagem

coleção e-poket 1917 Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos.Edição standard. Vol. XIV. Rio de Janeiro, Imago,1974.

1923 O ego e o id. Edição standard. Vol. XIX. Rio deJaneiro, Imago, 1976.

1925 Negativa. Edição standard. Vol. XIX. Rio de Janeiro,Imago, 1976.

1934 Moisés e o monoteísmo. Edição standard. Vol. XVIII.Rio de Janeiro, Imago, 1975.

1938 Esboço de psicanálise. Edição standard. Vol. XXIII.Rio de Janeiro, Imago, 1975.

HJELMSLEV, Louis1943 Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Pau-

lo, Perspectiva, 1976.

LACAN, Jacques1966 A instância da letra no inconsciente ou a razão desde

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LAPLANCHE, J. & PONTALIS, J.-B.1967 Representação. Representação de coisa, represen-

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RICOEUR, Paul.1965 Da interpretação. Ensaio sobre Freud. Rio de Ja-

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ROUSSEAU, Jean Jacques1755 Ensaio sobre a origem das línguas. Obras de J. J. R.,

Vol. II. Obras políticas. Porto Alegre, Globo, 1962.

SAPIR, Edward1921 A linguagem: introdução ao estudo da fala. Rio de

Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1954.

SEIXAS, Cid1978 A linguagem dos sentidos na poética musical de

Strawinsky. Ciências Humanas. Vol. II, Nº 5, Rio deJaneiro, 1978, p. 26-31.

1979 O espelho de Narciso. Livro I: Linguagem, cultura eideologia no idealismo e no marxismo. Rio de Ja-neiro, Civilização Brasileira, 1981.

STRACHEY, James1954 Introdução do editor inglês. In FREUD: Edição

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STRAWINSKY, Igor1946 Poética musical. Buenos Aires, Emecé, s. d.

WITTGENSTEIN, Ludwig1922 Tractatus logico-philosophicus. São Paulo, Nacio-

nal, 1976.

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LIVROS DO AUTOR

POESIA

Temporário; poesia. Salvador, Cimape, 1968 (Coleção Au-tores Baianos, 3).

Paralelo entre homem e rio: Fluviário; poesia. Salvador,Imprensa Oficial da Bahia, 1972.

O signo selvagem; metapoema. Salvador, Margem / De-partamento de Assuntos Culturais da Secretaria Mu-nicipal de Educação e Cultura, 1978.

Fonte das pedras; poesia. Rio de Janeiro, Civilização Bra-sileira; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1979.

Fragmentos do diário de naufrágio; poesia. Salvador,Oficina do Livro, 1992.

O espelho infiel; poesia. Rio de Janeiro, Diadorim, 1996.

ENSAIO E CRÍTICA

O espelho de Narciso. Livro I: Linguagem, cultura e ide-ologia no idealismo e no marxismo; ensaio. Rio de

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coleção e-poket

coleção Janeiro, Civilização Brasileira; Brasília, Instituto Naci-onal do Livro, 1981.

A poética pessoana: uma prática sem teoria; ensaio.Salvador, CEDAP; Centro de Editoração e Apoio à Pes-quisa, 1992.

Godofredo Filho, irmão poesia; ensaio. Salvador, Ofici-na do Livro, 1992. (Tiragem fora do comércio.)

Poetas, meninos e malucos; ensaio. Salvador, Universi-dade Federal da Bahia, 1993. (Cadernos Literatura &Linguística, 1.)

Jorge Amado: Da guerra dos santos à demolição doeurocentrismo; ensaio crítico. Salvador, CEDAP, 1993.

Literatura e intertextualidade; ensaio. Salvador, CEDAP,1994.

Herberto Sales. Ensaios sobre o escritor. Salvador, Ofici-na do Livro, 1995.

O viajante de papel. Perspectiva crítica da literatura por-tuguesa. Salvador, Oficina do Livro, 1996.

Triste Bahia, oh! quão dessemelhante. Notas sobre a lite-ratura na Bahia. Salvador, Egba; Secretaria da Cultura,1996.

O lugar da linguagem na teoria freudiana; ensaio. Sal-vador, Fundação Casa de Jorge Amado, 1997. (Col.Casa de Palavras)

O silêncio do Orfeu Rebelde e outros escritos sobreMiguel Torga; ensaios. Salvador, Oficina do Livro,1999.

O trovadorismo galaico-português; ensaio crítico e an-tologia. Feira de Santana, UEFS, 2000.

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do inconsciente à linguagem

coleção e-poket Três temas dos anos trinta; textos de crítica literária. Feirade Santana, UEFS, 2003. (Cadernos de sala de aula, 1)

Os riscos da cabra-cega. Recortes de crítica ligeira. Org.,intr. e notas Rubens Alves Pereira e Elvya Ribeiro Pe-reira. Feira de Santana, UEFS, 2003. (Col. Literatura ediversidade Cultural, 10)

Desatino romântico e consciência crítica. Uma leiturade Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. 2a

ed. Ilhéus, Rio do Engenho, 2015.

NO EXTERIOR

The savage sign / O signo selvagem; poesia; trad. HughFox. Lansing, Ghost Dance, 1983. (Edição bilinguenorte-americana.)

E-BOOKS

Desatino romântico e consciência crítica. Uma leiturade Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco.Cedap, Coleção Oficina do Livro, v. 1, E-book.br, 2014.Web: issuu.com/e-book.br/docs/camilo

O silêncio do Orfeu Rebelde e outros escritos sobreMiguel Torga, 2 ed. Cedap; Oficina do Livro, E-book.br, 2015. Web: issuu.com/cidseixas1/docs/torga

Literatura e intertextualidade. Cedap; Oficina do Livro,E-book.br, 2015. Web: issuu.com/cidseixas1/docs/intertextualidade

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coleção e-poket

coleção Noventa anos do modernismo na Feira de Santana deGodofredo Filho. E-book.br; UEFS, 2015. Web: issuu.com/e-book.br/docs/godofredofilho

Os riscos da cabra-cega. Recortes de crítica ligeira. 2ed., Cedap; Oficina do Livro E-book.br,, 2015. Web:issuu.com/cidseixas1/docs/cabra cega

Da invenção à literatura. Textos de teoria e crítica.Cedap, Coleção Oficina do Livro, E-book.br, v. 4, 2015.Web: issuu.com/e-book.br/docs/invencao

Orpheu em Pessoa. Org. Cid Seixas e Adriano Eysen.Cedap, Coleção Oficina do Livro, E-book.br, v. 6, 2015.Web: issuu.com/e-book.br/docs/orpheu

Do inconsciente à linguagem. Uma teoria da linguagemna descoberta de Freud. Feira de Santana, E-book.br,2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/inconsciente

A Literatura na Bahia. Livro 1: Tradição e Modernidade.Feira de Santana, E-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/tradicaomodernidade

1928: Modernismo e Maturidade. Livro 2 de A Literatu-ra na Bahia. Feira de Santana, E-book.br, 2016. Web:issuu.com/e-book.br/docs/1928

Três Temas dos Anos 30. Livro 3 de A Literatura na Bahia.Feira de Santana, E-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/anos30

A essência ideológica da linguagem. Livro I de: Lingua-gem, cultura e ideologia. Feira de Santana, E-book.br,2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem1

Linguagem e conhecimento. Livro II de: Linguagem, cul-tura e ideologia. Feira de Santana, E-book.br, 2016.Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem2

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do inconsciente à linguagem

coleção e-poket Sob o signo do estruturalismo. Livro III de: Linguagem,cultura e ideologia. Feira de Santana, E-book.br, 2016.Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem3

O contrato social da linguagem. Livro IV de: Linguagem,cultura e ideologia. Feira de Santana, E-book.br, 2016.Web: issuu.com/e-book.br/docs/linguagem4

A Linguagem: do idealismo ao marxismo. Livro V de: Lin-guagem, cultura e ideologia. Feira de Santana, E-book.br, 2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/lingua-gem5

Stravinsky: uma poética dos sentidos. Ou a música comolinguagem das emoções. E-book.br, 2016. Web:issuu.com/e-book.br/docs/stravinsky

Castro Alves e o reino de eros. E-book.br, 2016. Web:issuu.com/e-book.br/docs/eros

Espaço de transgressã e espaço de convenção. E-book.br,2016. Web: issuu.com/e-book.br/docs/espaco

PARTICIPAÇÃO

CUNHA, Carlos; SEIXAS, Cid. (Org.). Breve romanceirodo natal; antologia poética. Salvador, Beneditina, 1972.(Coautoria)

CUNHA, Carlos; SEIXAS, Cid. (Org.). Sete cantares deamigo; antologia poética. Salvador, Arpoador;Fundação Cu ltural do Estado da Bahia, 1975.(Coautoria)

CUNHA, Carlos; SEIXAS, Cid. (Org.). Lira de  bolso;poesia. Salvador, Arpoador/Fundação Cultural doEstado da Bahia, 1975. (Coautoria)

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coleção VV.AA.: Antologia de  Poetas da  Bahia em AlfabetoBraille; poesia.  Salvador,  Fundação Cultural  doEstado da Bahia, 1976. (Coautoria)

TAVARES, Luis Henrique Dias et alii: Jorge Amado.Ensaios sobre o escritor. Salvador, UniversidadeFederal da Bahia, 1983. (Participação com o poema“Bahia de Todos os Santos”, dialogando com a obraamadiana.)

TORGA, Miguel: Novos contos da montanha. Rio deJaneiro, Nova Fronteira, 1996. (“Apresentação à ediçãobrasileira”, p. 1-8.)

GUERRA, Guido: Vila Nova da Rainha Doida; contos.Rio de Janeiro, Record, 1998. (“Os contos de GuidoGuerra”, abas 1-2.)

DAMULAKIS, Gerana: O rio e a ponte; à margem deleituras escolhidas. Salvador, Secretaria da Cultura eTurismo, 1999. (“A obra e o leitor: uma pontenecessária”, abas 1 -2.)

TORGA, Miguel: Contos da montanha. Rio de Janeiro,Nova Fronteira, 1999. (Artigo: “Os Sonhos do Sujeitoe sua Construção Social”, p. 1-10.)

BRASIL, Assis: A Poesia Ba iana no Sécu lo XX.Antologia. Rio de Janeiro, Imago, 1999. (Participaçãocom dois poemas: “Pasto das águas” e “Tebasrevisitada: Cidade da Bahia”, p. 213-215.)

CASTRO, Renato Berbert de. As candidaturas deAlmachio Diniz e Wanderley Pinho à AcademiaBrasileira. Salvador, Academia de Letras da Bahia;Assembléia Legislativa, 1999. (Artigo: “Renato Berbertde Castro: o viajante de papel”, p. 7-12.)

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coleção e-poket AZEVEDO et alii. Um grapiúna no país do Carnaval. Org.e revisão Vera Rollemberg. Salvador, Fundação Casade Jorge Amado; Edufba, 2000. (Artigo: “O sumiço dasanta: Um painel colorido da cultura mestiça”, p. 333-340.)

BRASILEIRO, Antonio. A estética da sinceridade &outros ensaios. Feira de Santana, UEFS, 2000.(“Estética brasileira e identidade pessoal”, abas 1-2.)

GUERRA, Emília Leitão: Poemas escolhidos.  Salvador,Edições Cidade da Bahia, 2000. (“A poesia ‘familiar’de Emília Leitão Guerra”, p. 7- 17.)

PEREIR, Roberval. A unidade primordial da líricamoderna. Feira de Santana, UEFS, 2000. (“Unidade domoderno e do contemporâneo”, abas 1-2.)

CUNHA, Carlos. A flauta onírica e novospoemas. Salvador, Edições Cidade da Bahia; FundaçãoGregório de Mattos, 2001. (Artigo: “Do velhopreciosismo ao non sense pós-moderno”, p. 151-159.)

PÓLVORA, Hélio, org. A Sosígenes, com afeto.  Salvador,Edições Cidade da Bahia; Fundação Gregório deMattos, 2001. (Artigo: “Sosígenes Costa, epopéiacabocla do modernismo na Bahia”, p. 75-84.)

RIBEIRO, Carlos, org. Com a Palavra o Escritor. Salvador,Casa de Palavras; Fundação Casa de Jorge Amado,2002. (Artigo: “Com a palavra Guido Guerra”, p. 64-73.)

BARROS, José Carlos. (Org.). Bahia: Poetas e PoemasContemporâneos. Salvador, Módulo, 2003. (Poemasescolhidos, p. 67-76.)

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coleção CANIATO, B. Justo; GUIMARÃES, Elisa, org. Linhas eentrelinhas: Homenagem a Nelly Novaes Coelho. SãoPaulo: Editora Casemiro, 2003. (Artigo: “Academia dosRebeldes: Revisitando uma proposta não esboçada”,p. 71-76.)

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coleção e-poket HOISEL, Evelina; LOPES, Cássia. Poesia e Memória: Apoética de Myriam Fraga. Salvador, Edufba, 2011.(Artigo “Palavra de mulher, coisa fecunda”, p. 291-294.)

MATTOS, Cyro de. Berro de fogo e ou trashistórias. Ilhéus, Editos, 2013. (Artigo de introduçãoao livro: “A força selvagem”, p. 9-12.)

SEIXAS, Cid; EYSEN, Adriano, org. Orpheu em Pessoa.Cedap, Coleção Oficina do Livro, E-book.br, v. 6, 2015.Web: issuu.com/e-book.br/docs/orpheu (Artigo:“Fernando Pessoa, centro constelar do grupo Orpheu”,p. 161-180.)

EUCLIDES NETO. A última caçada; contos. Seleção, in-trodução e notas de Cid Seixas. Coleção Oficina doLivro, E-book.br, 2017. Web: https://issuu.com/euclides-neto/docs/1 (Artigo: “O Contista EuclidesNeto”, p. 9-12.)

EUCLIDES NETO. O advogado e o burro ladrão; conto.Seleção, introdução e notas de Cid Seixas. ColeçãoOficina do Livro, E-book.br, 2017. Web: https://issuu.com/euclides-neto/docs/2 (Artigo: “Uma Peque-na Grande Obra”, p. 11-16.)

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coleção O QUE É A e-book.br

A Editora Universitária do Livro Digital, e-book.br, éum projeto editorial compartilhado por universidades einstituições de ensino e pesquisa voltadas para o traba-lho de difusão do livro. Conta atualmente com a participa-ção do CEDAP, da UEFS e da UNEB, com vistas ao apoioda Biblioteca Nacional.

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Cid Seixas é jornalista e escritor . An-tes de se tornar professor universitá-rio, atuou na imprensa como repórter,copy desk e editor, trabalhando em rá-dio, jornal e televisão. Fundou e dirigiuum dos mais qualificados suplementosliterários, o Jornal de Cultura, publi-cado na Bahia pelos Diários Associa-dos. Graduado pela UCSAL, Mestrepela UFBA e Doutor em Literatura pelaUSP.

Professor Titular aposentado daUniversidade Federal da Bahia e Pro-fessor Adjunto da Universidade Esta-dual de Feira de Santana, onde atuounos projetos de criação do Mestradoem Literatura e Diversidade Cultural,bem como da UEFS Editora.

Na área de editoração, dedica-se aplanejamento e projeto de livros e ou-tras publicações. Além de ter colabora-do com jornais e revistas especializadas– entre os quais O Estado de S. Paulo ea Colóquio Letras, de Lisboa –, assi-nou, durante cinco anos, a conceituadacoluna “Leitura Crítica”, no jornal ATarde, de Salvador.

DO INCONSCIENTEÀ LINGUAGEM

Uma teoria da linguagemna descoberta de Freud

por Cid Seixas

Paralela e independentemente dos postuladosde Saussure, Freud esboçou uma teoria neuroló-gica da linguagem que ultrapassa os limites da ci-ência, situada no limiar dos séculos XIX e XX,para se inscrever entre as formulação de umanova e avançada filosofia da cultura.

Desde os escritos iniciais, passando pelo Pro-jeto de 1895, até os últimos textos que nos le-gou, Freud vincula a linguagem verbal aos ele-mentos das suas tópicas. A bibliografia constan-te deste trabalho coincide com os momentos daobra do criador da psicalálise nos quais a pala-vra fulgura como condição da consciência e es-trutura concreta do inconsciente.

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