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- 1 - DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

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DO EXERCÍCIO DE VIVER

P O E M A S

Goiamérico Felício

3ª. ediçãoEditora UFG

2018

3ª. ediçãoEditora UFG

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Universidade Federal de Goiás

ReitorEdward Madureira Brasil Vice-ReitoraSandramara Matias Chaves Pró-Reitora de GraduaçãoFlávia Aparecida de Oliveira Pró-Reitor de Pós-GraduaçãoLaerte Guimarães Ferreira Júnior Pró-Reitor de Pesquisa e InovaçãoJesiel Freitas Carvalho Pró-Reitora de Extensão e CulturaLucilene Maria de Sousa Pró-Reitor de Administração e FinançasRobson Maia Geraldine Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional e Recursos HumanosEverton Wirbitzki da Silveira Pró-Reitora de Assuntos da Comunidade UniversitáriaMaisa Miralva da Silva

Conselho Editorial da Edtiora UFG

Coordenação Editorial – Conselho Editorial

Andréa Freire de Lucena

Antonio Carlos Novaes (secretário)

Antonio Corbacho Quintela (presidente)

Cláudio Rodrigues Leles

Éric de Souza Gil

Heleno Godói de Sousa

Iara Toscano Correia

Igor Kopcak

Marcelina Gorni

Maria José dos Santos

Maria Meire de Carvalho Ferreira

Renata Mendonça Rodrigues Vasconcelos

Vânia Dolores Estevam de Oliveira

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DO EXERCÍCIO DE VIVER

P O E M A S

Goiamérico Felício

3ª. edição

Editora UFG

2018

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

F314e Felício, Goiamérico

Do exercício de viver [Recurso eletrônico] / Goiamérico Felício. – 3. ed. – Goiânia : Editora UFG, 2018.

62 p.

ISBN: 978-85-7274-481-2

1. Literatura brasileira. 2. Poemas. I. Título.

CDU 82-145

3. Edição

© Goiamérico Felício, 2018

© UFG, 2018

Revisão: Antón Corbacho

Capa e projeto gráfico: Julyana Aleixo

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Prêmio Bolsa de Publicações Hugo de

Carvalho Ramos – 1983.

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SUMÁRIO

Prefácio | 9

Dos Procedimentos | 17

“Depois de tudo...” | 19

“Terei que recompor-me...” | 21

“À noite, ele vem manso...” | 22

“Não falar de mim...” | 23

“Munido do meu laço...” | 25

“Elevo-me...” | 27

“Em ombros lassos...” | 29

“O aprendizado...” | 30

“O tempo acossando...” | 31

Do Cotidiano | 32

Permanência | 34

Alternativa | 35

Os porcos vorazes | 36

Tombamento | 37

Banquete final | 38

Solitário | 39

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Do plantio | 40

Derrubada | 41

Ponto de partida | 42

Transmigração | 43

O dia da luta | 44

Conformismo | 45

Etapas | 46

Minha luta | 47

Ordem do dia | 48

Nascitura | 49

Filhas | 50

Em cada mão | 51

As coisas | 52

Tentativas | 53

Perda | 54

Exposição do tempo | 55

Viagem | 56

“Bom dia para os defuntos” | 57

Posfácio | 59

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P R E F Á C I O

O POETA E SÍSIFOHeleno Godoy

“A linguagem da poesia é a linguagem do paradoxo”,

disse Cleanth Brooks em um de seus ensaios. E esta parece

ser uma das preocupações de grande parte da poesia mais

nova que se faz atualmente no Brasil: Dizer, paradoxal-

mente? Dizer o indizível? Traduzir o intraduzível, afirmar

o inafirmável? Ou, como problematiza Goiamérico Felício

neste seu novo livro, “dizendo tudo de mim,/ sem auxílio

de palavras”. Como?

Não há como não aproximar o fazer poético do fa-

zer de Sísifo, esse “exercício de viver” que encontra sua

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

própria razão de ser e sua justificativa na consciência que

têm, o poeta e Sísifo, da trágica inutilidade de seus atos.

Goiamérico Felício sabe disso:

Em ombros lassos

a pedra leva,

empurra, retrai,

no compromisso de levar

à escarpa o duro fardo.

Na insana peleja

não esculpe o caminho fácil,

nem perde peso a pedra

no curso do tempo

o que fixa é a chaga.

Como Sísifo, o poeta tem consciência, ao voltar ao

fundo para o “compromisso de levar/ à escarpa o duro

fardo” de que sua pedra/ poema outra vez voltará a rolar

escarpa abaixo. Onde haveria tortura, indaga Camus em

O Mito de Sísifo, se Sísifo tivesse esperança de que seria

bem sucedido ao final de seu esforço? Goiamérico Felício

entende exatamente isso ao afirmar que o fazer poético

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

“fixa a chaga”, isto é, não o produto (o poema) acabado,

mas o seu fazer; não a forma acabada, mas o seu processo.

Não é sem razão, portanto, que Do Exercício de Viver

divide-se em duas partes: “Dos Procedimentos” e “Do Co-

tidiano”. Se, na primeira parte, o procedimento poético é o

que importa, na segunda o poeta tenta sua aplicação. Não

que estejamos diante de uma teoria a priori e uma prati-

ca a posteriori. Trata-se, no caso, de um poeta que tenta

entender e explicitar seu “procedimento ”, seu processo,

levando-o para a prática do dia a dia. Em outras palavras,

para Goiamérico Felício, o poeta é como outro operário

qualquer: ele prepara seus instrumentos, suas ferramen-

tas, antes de se lançar ao seu trabalho, entendendo que

o próprio preparar das ferramentas, dos instrumentos, é

parte do trabalho. Assim, as duas partes do livro não es-

tão em conflito, nem se opõem. Antes, completam-se. O

livro adquire sua plenitude através desta integração. Não

é tarefa fácil, pode-se perceber, mas Goiamérico Felício

tem, ao menos, a ousadia de tentar. Como Sísifo, imagem

recorrente em seu livro (portanto, bem a propósito), ele

não tem medo de começar tudo outra vez.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Há uma tentativa de unidade que dignifica o livro.

Na primeira parte, o primeiro poema começa:

Depois de tudo,

O que me sobra da sombra –

refúgio de mim,

refuto do resto –

é o lesto gesto

do pouco de mim

para, ao final, converter-se, na segunda parte do li-

vro, em:

Caminhar, sozinho no escuro não é

nada,

beber da água suja não é tudo:

Pior é a permanência

deste gosto de sangue (...)

que, forçosamente, remete o leitor a um reinício da

leitura, para a constatação de que o “pouco de mim” e

esse “gosto de sangue” não são mais que a chaga fixada

do Sísifo/ poeta em seu “levar/ à escarpa o duro fardo”.

Constata-se, antes de tudo, nos dois fragmentos citados, a

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

condição do poeta de estar sozinho (“do pouco de mim,”

“o que me sobra,” “caminhar sozinho”, “pior é a perma-

nência”), sua existência à sombra, até seu silêncio. Ainda

uma vez, Sísifo. Em seu livro O Mito de Sísifo, que, tenho

certeza, Goiamérico Felício nunca leu, Albert Camus diz

que “toda a alegria silenciosa de Sísifo está contida aqui.

Seu destino lhe pertence. Sua rocha é seu fardo. Do mes-

mo modo, o homem absurdo, quando contempla sua tor-

menta, silencia todos os ídolos. No universo subitamente

restaurado a seu silêncio, uma miríade de pequenas vozes

espantadas se elevam. Inconscientes, chamados secretos,

convites de todas as faces, elas são o reverso necessário da

vitória. Não há sol sem sombra, e é essencial conhecer a

noite. O homem absurdo diz sim, e seu esforço, de agora

em diante, será incessante”.

O poeta, como Sísifo, tem consciência do seu estar

no mundo. A sua dor é sua, mas é a de todos. “A dor

do próximo/ é visível em mim,” diz Goiamérico Felí-

cio, e completa: “Da dor do próximo/ laboro minhas

mortes”. Só que não se deve esperar um poeta apenas

preocupado em se situar no mundo, isto é, um poeta

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

que não se silencia sobre as coisas do mundo. Goiamé-

rico Felício tenta ser um poeta que também não se cala

sobre seu próprio poema. Do Exercício de Viver é um

livro que diz o mundo, diz do mundo, sobre o mundo,

mas diz de si mesmo, diz a si mesmo, sobre si mesmo,

ao mesmo tempo.

Ensejando fugas,

derivadas em filhas,

as palavras que procuro,

umas estão mortas,

outras, presas a cemitérios

etimológicos,

dormem esquecidas pelo tempo.

Desta colheita não me canso:

se estão cansadas e podres,

outras eu invento.

Se o poeta sabe que “em clima duro/ a palavra soa

seca”, ele também sabe que, se os tempos são “amenos,

a palavra é afeto,/ e os sons todos/ vêm em aberto”.

Assim, como para Sísifo, para Goiamérico Felício, a

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

poesia (e/ou o poema) é a rocha da “escrita que nunca

alcanço”,

O tempo me acossando

e o muito que dizer,

circunscrito

à busca do melhor estilo

vai me sangrando o intento.

Goiamérico Felício é um dos jovens poetas da nova

geração brasileira, em Goiás, a não se deixar enganar pelo

mito da poesia espontânea, simples, irracional. Parado-

xal em sua linguagem, a poesia, para Goiamérico Felício,

deve levar em frente ou encarar de frente, racionalmen-

te, o paradoxo. “Sólidas e alheias/ as coisas aí estão”,

diz o poeta. Resta saber ordená-las, se for o caso, saber

transpô-las para o poema, traduzi-las em poesia. Mas, ao

mesmo tempo, saber esse poema, saber como transpor

a mera linguagem de informação para atingir o poema.

Se o poema é composto na linguagem da informação, ele

não é usado no jogo da linguagem de dar informação. A

lembrança é de Wittgenstein, outro autor que Goiamérico

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Felício nunca leu. Em

desço os vales,

subo abismos,

reafirma-se Sísifo o poeta de Do Exercício de Viver.

E é neste descer e outra vez subir que Goiamérico Felí-

cio quer situar seu fazer poético,

…a estranheza deste aprendizado

duro;

meu ofício se dá

entre paredes do mundo

em que me encerro.

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DOS PROCEDIMENTOS

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“A superfície da palavra é uma cadeia

sonora. A matéria verbal se entrela-

ça com a matéria significada por meio

de uma série de articulações fôni-

cas que compõem um código novo, a

linguagem”.

A. Bosi

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Depois de tudo,

o que me sobra da sombra –

refúgio de mim,

refuto do resto –

é o lesto gesto

do pouco de mim.

Depois de toda contenda,

contido, burilo nos dedos

não mais o instrumento,

da morte, não mais a bússola

ao norte;

não mais espelho

a noite;

depois do turno,

busco a terna luz

e, túmido,

ergo,

e, túmido, ergo,

revelando ardores,

revirando nos túmulos,

as dores.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Em meu verso

(renúncia ao surdo)

reverto ao norte

renegando a morte;

em meu verso brusco,

o revés da luta!

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Terei que recompor-me,

A medidos passos,

traçarei caminhos

no escuro dos escombros.

Em busca do melhor compasso,

terei que partir

e mais ainda:

a golpes de aço.

Caio de quatro ao peso,

desta sina,

ruminando resistência –

a palavra como escudo!

No furor da cama,

peço a mentira mais doce

e que me engana.

Perdido em beijos,

percorro o corpo

que mais amo,

dizendo tudo de mim,

sem auxílio de palavras.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

À noite, ele vem manso

e me descobre total;

o meu corpo desveste,

reverte, excita, amansa.

Qualquer noite,

ele vem certo,

desvestindo-se do dia.

Com fúria de anjo atrevido,

abre-me revertendo o ver,

depois refugia-se

no cemitério das letras:

amante da aritmética literária.

Escrevo entre eixos

dos seixos que colho,

escolho,

aparo as arestas

retirando escolhos.

em tudo que falo,

por entre frestas

o escuro ilumino.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Não falar de mim

o que mais quero

a notícia nova, anais,

do jeito que vejo

o lado obsclaro

do meu mundo vero.

A vida vai além

do meu escuro

de ficar atento.

Quando fala de mim,

troquei-me em outro,

pois só vejo o mundo

pelo lado avesso.

Quando falo por outro,

nele é que vejo

o lado claro.

A palavra

(vil garrote)

quero trucidar

multifacetando o pensamento.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Não apenas no

clarear o escuro dos dias

a interceptar as ações

no limitado espaço

de quem parte,

a palavra,

bem mais que o espectro,

reinventa a vida

num gozo de ritmos

sem concupiscências.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Munido do meu laço,

ponho-me à planície,

desço os vales,

subo abismos,

atilado à procura.

De posse do meu laço,

saio por aí

nas pegadas das palavras,

repartidas em seus semas.

Ensejando fugas,

derivadas em filhas,

as palavras que procuro

umas estão mortas,

outras, presas a cemitérios

etimológicos,

dormem esquecidas pelo tempo.

Desta colheita não me canso:

se estão cansadas e podres,

outras eu invento.

Em clima frio,

a hora mal abre,

ásperos sons

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

trancam a fala.

Em clima duro

a palavra soa seca,

dilacerada pelo murro.

Tempos amenos,

a palavra é afeto

e os sons todos

vêm em aberto,

ritmados pelo mar.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Elevo-me

acima das suspeitas

da carne,

atira-me rijo,

sem poder de chama,

insulto o impossível

e rio.

E levo-me

abaixo do medo,

em trevas atrevo

cuspir ao chão.

Esta letargia,

não sei se sono,

não sei se em coma,

o que era alma desfalece

e suspeita.

Esta partilha se dá

como carne aos montes;

não sei em que dará

esta coisa em que me dou.

Não se ressuscita um poema

que se vai.

Um poema perdido

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

é como a esperança decepada:

não volta nunca mais...

Um poema perdido

é como a fome de ontem

(ou quase),

talvez se repita em outro

na fome certa de amanhã.

Não se recupera o grito ecoado.

Assiste-se a sua ida,

recua-se com as sobras.

Da fome de ontem não se recupera

com um poema.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Em ombros lassos

a pedra leva,

empurra, retrai,

no compromisso de levar

à escarpa o duro fardo.

Na insana peleja

não esculpe o caminho fácil,

nem perde peso a pedra

no curso do tempo

o que fixa é a chaga.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

O aprendizado

e suas sombras –

que não desvelo.

Não tendo mestre-escola

o que me fica

são as sobras,

são as turras que vêm

à minha murcha

cara,

é a estranheza deste aprendizado

duro;

meu ofício se dá

entre paredes do mundo

em que me encerro.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

O tempo acossando,

e o muito que dizer

circunscrito

à escrita maldita.

“quatro páginas por semana”

e a vida, nem isso;

“cinco dias para uma página”,

“dois dias para a busca de duas linhas”

na escrita que nunca alcanço,

enquanto a vida me dá

um duro adeus de beira de cais.

Tanto tempo na escrita

e o lápis rasura e risca,

nos remendos da procura –

em levas de tormentos.

0 tempo me acossando

e o muito que dizer,

circunscrito

à busca do melhor estilo,

vai me sangrando o intento.

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DOCOTIDIANO

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“A quem se nega a entender

a história. só resta sofrê-la

como destino”.

José Guilherme Merquior

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Permanência

Este suor tanto pode

revelar o medo,

acusar labuta;

este cheiro tanto faz

suscitar o cio,

destilar a vida,

num repente de busca.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Alternativa

Ao longo dos anos

fez seu projeto.

Casa bem feita,

filhos por perto...

Ao longo dos anos

foi consumido

pela voragem da escolha.

Ao longo dos anos

fez seu projeto.

Casa bem feita, filhos crescidos,

foi consumido na partilha –

sem jeito pra outro trajeto.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Os Porcos Vorazes

Como porcos vorazes

Latinos comem e babam

sobre excrementos.

Com parca esperança

trazem como sina

um grande medo

e esta paciência e conchavos

que Mineiros roubam aos monges.

E por serem tantas as cercas,

os gemidos soam frouxos!

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Tombamento

Executaram um homem ontem.

O resto ficou calado.

Agora, posta-se outro

frente ao garbo das paradas

encostado à parede,

enquanto os condenados,

tristes, vão

sentindo o mesmo impacto.

Nas manhãs de cada dia

a rotina se repete –

e o resto, parado, testemunha,

aguardando a própria vez.

Á cada rito,

quem aguarda as manhãs

vai bebendo a morte

no silêncio em que se encerra.

Executaram um homem ontem.

O resto ficou parado.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Banquete Final

Quem trouxe a dor

que a leve

– pesado fardo!

A mim não chegam

mais que súplicas e gemidos

disto que chamam carnaval.

De mim não sai

mais que minha boa

e impassível vontade

que nada mitiga.

Quem faz a fome

que se acautele:

há dentes, nada brancos,

limando-se para o banquete

final.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Solitário

A dor do próximo

é visível em mim.

Das minhas mortes esquecido

nem me dou por estas quedas.

Fatal,

a dor que trago

é pouca,

risível aos outros.

Quem, depois da hora,

virá trazer os dias

arrancar as farpas?

Da dor do próximo

laboro minhas mortes.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Do Plantio

É cavar a terra

resignado como quem cava

a própria cova;

lançar a semente

em meio a sóis e suores.

Numa espera ruminante,

brigar com Deus e o tempo.

Depois, colher para os outros.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Derrubada

Deixar as flores como estão

e falar do rude espanto

que toma o homem

no largo trato com o dia.

Deixar o meio de lado

e empunhar a foice

e o machado na derrubada

de joios e sombras.

Deixar intactos

flores e sonhos –

arar a terra e a mente –

semear um farto dia

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Ponto de Partida

Por si não se movem,

não se tocam nunca

as coisas

perecem sem se darem

pela presença.

Por si apenas não há

esta paisagem de que se serve.

Sólidas e alheias

as coisas aí estão.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Transmigração

Não se transfere,

não se posterga

a luta que se trava.

Batalhas virão outras

derrotas serão mais

e a tristeza de agora

deve ser engolida agora.

Mundo que se constrói,

não vá embora!

Recolha-me às sobras do meu nada,

negado negando

nesta transmigração.

Nada me confere –

antes, tudo me fere.

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O Dia da Luta

Para o amigo Luis Fortini,que também se prepara.

Eu aqui, nesta terra

rica e inútil,

tendo como posse apenas

um sentimento amargo de perda,

assisto impotente

ao deambular de irmãos

desalojados de si,

pobres de tudo,

mas ricos de paciência.

Eu aqui, nesta terra

tão minha e estranha,

aguardo apenas o dia da luta.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Conformismo

Ouço ainda,

tardias notícias

do mundo em que habito

e, conformado, exulto:

esta é a última!

Angústia se acumulando

na espera feita

destes dias.

Triste, ainda tento

acreditar no que ciciam.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Etapas

Antes estático e nulo,

trazendo a fome não sentida.

Hoje, extático por se ver

latino, cercado por toda

sorte de infidelidade.

Outrora passivo –

agora pasmado.

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Minha Luta

Não serei ternura –

este prato fino e raro

de que jamais provei.

Não serei amor.

Ainda me resta revolta

– inquilina maldita –,

a minha arma:

aceso escudo.

Não serei tão frio e débil,

apesar da fome insana,

que me habita.

Tão longe talvez não vá

com esta pouca luta.

E o que me resta,

assumindo vida própria!

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A Ordem do Dia

Não posso mais

falar do soldado que fui

e da criança trucidada.

Não posso, dizem,

mas insisto nesta fala.

Se não falo do tálamo

e mais amenidades,

se continua esta fala

no talar que nos retém,

vêm os brutos em talabarte

insistindo no calar.

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Nascitura

Já posso ver grande

o meu filho tenro e tenro.

Efeito do meu feito,

orgasmo de fera ferida –,

não há de ser compassivo, condizente.

Este filho

– é feito da não espera –

tem teimosia de inconformado

e cresce forte.

Este filho já vem feito

na medida e jeito

de suportar um fuzil!

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Filhos

A confiança cega é mútua

em mudo amor

(até quando?)

neste exíguo mundo conhecido.

O amor confundido

com a dependência.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Em Cada Mão

Cada mão pode dar-se

em duas, três, tantos

forem os graus de ternura

contidos em cada dedo.

Em cada fibra,

em cada dedo pode estar

pleno corpo em afetividade.

Em cada mão

(e são tantas!)

pode haver tentáculos

que não são dedos,

quando no desserviço, no medo.

Em cada toque

pode haver quanto de fidelidade?

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

As Coisas

Guardar as coisas como lembrança;

guardar as coisas como crianças

as fazem raras, preciosas?

quando são iguais, cotidianas.

Guardar as sobras todas

das coisas perdidas, negadas.

Das coisas perdidas

só resta guardar os restos,

até compor a existência

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Tentativas

Busco a vida sempre

e a morte tão logo

em mim se faz presente.

Busco o norte e não sei:

roubaram-me a bússola

e os astros me enganam

e os homens me sufocam.

Renitente, tateio as margens,

mas os lados me retêm –

quantos lobos me devoram?

Em vão antecipa minha sorte:

a covardia vence sempre.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Perda

O que antes fora

de mim agora voa.

Não sei se a suspeita

parte em fuga

ou meu tudo em despiste.

Aquele ser estranho

que era eu em tudo

agora assiste mudo,

elaborando a própria perda.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Exposição Do Tempo

No extenso e escuro asfalto

escuso corpo tenso vela,

com a dor aguda da indiferença,

a noite que não lhe promete;

preso ao peso do chão

pétreo corpo espera, espera...

até que lhe venha a putrefação!

Só assim será notado, anotado

e remido da própria condição!

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Viagem

O cortejo segue lento

retardando atroz momento.

A multidão trafega triste

com seu fardo –

e a morte em riste.

O cortejo segue sempre

o seu coro pálido, em desalento.

O coveiro cava lento,

gesto duro frente a lamentos,

adiando o próprio dia.

Agora é trazer

tão viva nos olhos

a presença do morto.

Agora é levar nos ombros

o fardo da perda.

Suportar os dias?

agora é caminhar

com as sombras.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

“Bom Dia Para Os Defuntos”

Só os mortos nos falam

depois que a vida foi traída.

Agora que somos todos mortos,

só os últimos (retardatários)

nos dão notícias de cima.

Somos todos defuntos

em covas úmidas e rasas,

num alarido de vozes,

em vida sempre negadas.

Somos todos mortos –

e, em verdade, ainda adubamos

a terra que nos destilou

suores, esperanças e sangue

em pouca vida concebida.

Somos todos mortos

imiscuídos, em renitência,

por entre a terra fria

tão negada em vida.

Caminhar sozinho no escuro não é nada,

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

beber da água suja não é tudo:

Pior é a permanência

deste gosto de sangue (...).

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P O S F Á C I O

SOBRE O EXERCÍCIO DA POESIA

Goiamérico Felício, neste seu segundo livro de

poemas, Do Exercício de Viver, mais satisfatório que o

primeiro, Funesta Festa, tenta reafirmar o valor concei-

tual da palavra, inatingível para a maioria dos poetas da

nova geração, procurando fugir, tanto quanto pode (e

deve) da onda catártica ou da chamada ala pseudo-par-

ticipante, as quais tentando lançar nova luz no impre-

visível fenômeno poético, frustraram, de certa manei-

ra, em nosso meio, a revitalização do processo de onde

emergiram, provocando uma visão de mundo onde a

representatividade daquele processo só veio confundir

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

(por ignorância ou carência de talento) a discussão de

métodos entre o pensamento e a manifestação daquela

representação no exercício da literatura.

Acreditamos que o chamado “saber” recitativo e/

ou ilustrativo, do jazigo das estantes, no estágio atual do

pensamento pós-moderno, é tão oco quanto inútil para a

poesia; o poeta, tal qual Sísifo, tão citado e nem sempre

bem interpretado, começou a perceber que aquele pro-

cesso de representação não se completa apenas no limite

cíclico de sua primeira e penosa jornada de criação, mas,

tão somente, no próprio processo normativo de indagação

do mundo, constantemente recriado por ele, à sua manei-

ra, que é feito com a palavra, fator principal da literatura.

Segundo se observa, ainda timidamente, em Do

Exercício de Viver, que, para o poeta, o importante é iden-

tificar conscientemente, sob uma mesma raiz, a diferença

sutil e exigente do que para ele significa, por exemplo, o

“ouro” e o “oiro”, já que para “poiesis”, mesmo que Sísifo

carregue inutilmente sua pedra, aquele processo invisível

destaca-se em continuidade no futuro.

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DO EXERCÍCIO DE VIVER - GOIAMÉRICO FELÍCIO

Como poeta, esta é a sua verdadeira contradição e

sua validade de estar no mundo, para transformá-lo. No

caso da poesia, esta transformação só se verifica, a rigor,

através da “poiesis”.

Esperaremos, assim, que o poeta confirme a vali-

dade deste “oiro”, essência da verdadeira poesia, feita

com muito sangue e pouca glória.

Carlos Fernando MagalhãesGoiânia, dezembro de 1983

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Número da públicação:

Do Exercício de Viver

Antón Corbacho Quintela

Igor Kopcak

José Vanderley Gouveia

Revalino Antonio de Freitas

Sigeo Kitatani Júnior

José Luiz Rocha

Maria Lucia Kons

Alberto Gabriel da Silva

Alberto Gabriel da Silva

Daniel Ancelmo da Silva

Octávia, Koroloev

621

Câmpus Samambaia, Goiânia, Goiás, Brasil - 74690-900Fone: (62) 3521 - [email protected]

SOBRE O LIVRO