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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM ELY ALVES MIGUEL DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA PEDAGÓGICA: O GESTAR II EM FOCO CUIABÁ-MT 2011

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Page 1: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE LINGUAGENS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

ELY ALVES MIGUEL

DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA

PEDAGÓGICA: O GESTAR II EM FOCO

CUIABÁ-MT

2011

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ELY ALVES MIGUEL

DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA

PEDAGÓGICA: O GESTAR II EM FOCO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação

Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade

Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a

obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem,

sob a orientação da Professora Drª Maria Rosa Petroni.

CUIABÁ-MT

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

M636d Miguel, Ely Alves.

Dizeres de professoras em relato de prática pedagógica : o Gestar II

em foco / Ely Alves Miguel. -- 2011.

171 f. : il. color. ; 30 cm.

Orientadora: Maria Rosa Petroni.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato Grosso,

Instituto de Linguagens, Programa de Pós-Graduação em Estudos de

Linguagem, Cuiabá, 2011.

Inclui bibliografia.

1. Professores – Formação continuada. 2. Gestar II – Língua

portuguesa. 3. Prática pedagógica – Relatos. 4. Língua portuguesa –

Ensino. I. Título.

CDU 371.13=134.3(817.2)

Ficha Catalográfica elaborada pelo Bibliotecário Jordan Antonio de Souza - CRB1/2099

Permitida a reprodução parcial ou total desde que citada a fonte

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Dedico este trabalho, com muito carinho:

- às minhas filhas, Cynthia Eline e Paula Tainara, meus amores e

razão da minha existência. Obrigada por compreenderem a minha

ausência física e intelectual. ―Mamãe ama vocês!‖

- ao meu esposo, por compreender o incompreensível e manter os

laços que nos unem, mesmo em circunstâncias adversas;

- a Eliana, mana querida, que segurou a ―onda‖, muitas vezes, para

que hoje eu estivesse aqui.

Page 6: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me abençoado nos momentos sofríveis desta jornada e me mantido serena em

muitos momentos importantes de minha trajetória acadêmico-profissional.

A minha querida orientadora, Profª Drª Maria Rosa Petroni, pelo respeito ao meu percurso de

produção acadêmico-profissional, conduzindo-me competentemente pelo universo da

pesquisa, sempre com alegria e muita seriedade. Cada encontro era sinônimo de novas

descobertas: ―você mudou a minha vida, professora! Obrigada!‖.

Aos Professores Doutores Wagner Rodrigues Silva (UFT/Araguaína) e Simone de Jesus

Padilha (UFMT/Cuiabá), pelas valiosas contribuições no Exame de Qualificação, pois o

trabalho ganhou contornos qualitativos com as indicações.

À estimada Profª Drª Maria Inês Pagliarini Cox, por aceitar o convite para participar da banca

de minha defesa.

Aos professores do MeEL, pelas preciosas contribuições teórico-metodológicas,

fundamentais para (re)direcionar minha atuação profissional — Ana Antônia, Cláudia

Graziano, Danie de Jesus, Elias Andrade, Maria Inês, Maria Rosa, Simone Padilha, Sérgio

Flores e Solange Papa.

Aos amigos da turma/2009/MeEL, pessoas importantes nesse processo formativo: Andréia e

Gleice (as filhas do Baronas); Carmen Toniazzo, Marcilene e Margarete (as meninas do Prof.

Elias); Ariane (a pupila do Sérgio); Carmen Zirr e Sandra (as garotas do Dánie); Itamar (o

filhote da Ana Antônia); Mônica (a da Solange); Shirlei (a queridinha da Simone); Rute (a

deusa de Maria Rosa); Elizangela (a amada de Cláudia); Terezinha (amiga, parceira,

companheira de lar, a filha da Maria Inês).

A Eliana Albergoni, Lezinete Lemes, Shirlei Santos, Elisangela Patrícia e Rute Almeida,

pelas dicas preciosas, minhas fontes de consultas; e ainda, às duas últimas, pela força nos

momentos de angústia e solidão, quando tudo parecia sem saída.

Ao Cefapro de Juara:

- à equipe gestora – Rosana, Livaneti e Rosângela – por ter viabilizado condições para eu

cursar as disciplinas em serviço e escrever, quando precisei. Rosana, obrigada por ter se

aventurado nas glebas comigo!;

- aos colegas formadores – Ângela Rita, Ana Paula (a Paulinha), Cervan, Dirlei, Elaine,

Leandro, Marli, Sibeli e Waldinéia – por compreenderem minhas ausências, pelo apoio nos

momentos difíceis e, principalmente pela credibilidade dada à pesquisa que me propus a fazer.

Obrigada àqueles que externaram palavras de conforto, que ―emprestaram‖ os ouvidos para eu

falar das minhas leituras e dos desafios da pesquisa!

- a D. Leni, Maria e Delva, por prontamente me alimentarem nas horas em que eu solicitava.

Page 7: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

A Marli, companheira de outros momentos, força para eu continuar na luta, meu ―par

experiente‖. Obrigada pelas interlocuções durante a escrita do texto, por me munir de energias

positivas e por me fazer acreditar que eu era capaz.Às professoras participantes da pesquisa,

por ―doarem‖ detalhes expressos de sua profissionalidade nos RPP e aceitarem o meu ―olhar‖

retratado na análise.

A Adriana Socorro, pela brilhante pesquisa produzida em 2009 e que muito me ajudou nas

minhas análises.

A Aparecida Maria de Paula Barbosa da Silva, Superintendente de Formação da SEDUC em

2009, e Luzinete Reis Barrozo, pelo apoio no processo inicial de qualificação ―em serviço‖. A

Marcia Furtado, por atender prontamente e gentilmente todas as solicitações feitas sobre o

processo de licença para qualificação.

A Edilamar Brandini, amiga, companheira e apoio nos momentos mais improváveis. Você é

exemplo de generosidade.

Aos companheiros de outros Cefapros do Estado, que me fizeram acreditar que eu também

era capaz de cursar mestrado, mesmo morando tão distante da capital.

Às escolas sob meu acompanhamento – Rosmay Kara José e Comendador José Pedro Dias –

por compreenderem minhas ausências no decorrer das suas atividades.

A minha irmã Elia, por ter sempre apoiado minhas decisões profissionais, e a minha família,

por contribuir, a sua maneira, com meu processo de aprimoramento profissional.

A Sandra Cavallari, Karla e Andréia, pelo aconchego oferecido nas idas a Cuiabá.

Aos funcionários do MeEL, Douglas, Rosiane e Andréa, pela competência nos

encaminhamentos dos documentos do mestrado e pela forma carinhosa com que sempre me

trataram. Andréia, obrigada por compreender as ―questões‖ de quem mora distante da capital!

Aos amigos aqui não citados, mas que contribuíram, de alguma maneira, e torceram pela

concretização deste trabalho. Muito obrigada a tod@s!

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No mundo único do conhecimento não posso colocar-me como eu-para-mim em oposição a todos sem exceção – os outros indivíduos passados, presentes e futuros como outros para mim; ao contrário, eu sei que sou um indivíduo tão limitado quanto todos os outros (BAKHTIN, 2003 [1920-23], p. 35). O autor de uma obra só está presente no todo da obra, não se encontra em nenhum elemento destacado desse todo, e menos ainda no conteúdo separado do todo. O autor se encontra naquele momento inseparável em que o conteúdo e a forma se fundem intimamente, e é na forma onde mais percebemos a sua presença (BAKHTIN, 2003 [1974-79], p. 399).

Page 9: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AAE – Apoio Administrativo Educacional

AP – Avançando na Prática

Cefapro – Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica

EF – Ensino Fundamental

EM – Ensino Médio

FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

FUNDESCOLA – Fundo de Fortalecimento da Escola

GESTAR II – Gestão da Aprendizagem Escolar

IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

IES – Instituição de Ensino Superior

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LC – Lição de Casa

LD – Livro Didático

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/06)

LP – Língua Portuguesa

MEC – Ministério de Educação e Cultura

MT – Mato Grosso

PAR – Plano de Ações Articuladas

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais anos iniciais (1ª a 4ª séries)

PCNLP – Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (5ª a 8ª séries)

PIQD – Programa Interinstitucional de Qualificação Docente

PISA – Programa Internacional de Avaliação de Alunos

PNE – Plano Nacional de Educação

RPP – Relato de Prática Pedagógica

SAEB - Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SEDUC/MT – Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso

TAE – Técnico Administrativo Educacional

TIC – Tecnologia da Informação e Comunicação

TP3 – Caderno de Teoria e Prática 3

UnB – Universidade de Brasília

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Polos atuais dos Cefapros de Mato Grosso ............................................................. 42

Figura 2: Polo do Cefapro de Juara ......................................................................................... 43

Figura 3: Mediação e seus elementos (Vygotsky) .................................................................. 53

Figura 4: Particularidades do Enunciado (Bakhtin) ............................................................... 65

Figura 5: Elementos da conclusibilidade do enunciado (Bakhtin) ......................................... 66

Figura 6: Elementos do discurso ............................................................................................. 67

Figura 7: Tipos de relatos ........................................................................................................ 72

Figura 8: Aspectos envolvidos na pesquisa ........................................................................... 84

Figura 9: Capa do TP3 ............................................................................................................ 89

Figura 10: Sumário do TP3 ..................................................................................................... 90

Figura 11: Abertura das unidades .......................................................................................... 91

Figura 12: Ícone indicativo da apresentação da unidade ....................................................... 92

Figura 13: Ícone relativo aos objetivos da unidade ............................................................... 92

Figura 14: Ícone definidor do objetivo da seção .................................................................... 92

Figura 15: Ícone demonstrativo de atividades para o cursista ............................................... 92

Figura 16: Folha indicativa de oficina .................................................................................... 94

Figura 17: Dados das colaboradoras da pesquisa ................................................................... 97

Figura 18: Ícone do AP ......................................................................................................... 102

Figura 19: AP das professoras-autoras .................................................................................. 104

Figura 20: AP1 – Biografia ................................................................................................... 106

Figura 21: AP – Letra de canção ........................................................................................... 111

Figura 22: AP – Mix – Texto 1 ............................................................................................. 115

Figura 23: AP – Mix – Texto 2 ............................................................................................. 117

Figura 24: AP – Mix – Texto 3 ............................................................................................. 119

Figura 25: LC 1 e 2 .............................................................................................................. 122

Figura 26: Estrutura do TP3 .................................................................................................. 126

Figura 27: Diálogo entre textos ............................................................................................. 151

Page 11: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Polos dos Cefapros/MT .......................................................................................... 38

Quadro 2: Ementas dos Cadernos de Teoria e Prática de Língua Portuguesa ....................... 50

Quadro 3: Proposta provisória de agrupamento de gêneros - Ordem do relatar

(DOLZ e SCHNEUWLY) ...................................................................................................... 74

Quadro 4: Proposta de agrupamento – Esfera e gêneros (BARBOSA) ................................75

Quadro 5: Descrição do gênero RPP ....................................................................................... 77

Quadro 6: Turmas do GESTAR II de LP no polo de Juara ................................................... 86

Quadro 7: Cronograma de apresentação do GESTAR e da TP3 no polo .............................. 87

Quadro 8: Ícones da TP e seus significados............................................................................ 93

Quadro 9: Levantamento de RPP da TP3 ............................................................................... 96

Quadro 10: TP3 e respectivos AP ......................................................................................... 103

Quadro 11: Orientações para a escrita do relato .................................................................. 124

Quadro 12: AP versus experiência docente .......................................................................... 132

Quadro 13: AP versus Relato ................................................................................................ 142

Quadro 14: Classificações autorais – RPP ........................................................................... 156

Page 12: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

RESUMO

Neste estudo, analisamos a escrita de professoras em cursos de formação continuada,

objetivando compreender como elas constroem seus dizeres em um gênero próprio dessa

esfera, na interface com a escolar. Nessa direção, voltamos nosso olhar para três relatos de

pratica pedagógica produzidos por professoras-cursistas durante a execução, em 2009, do

Programa Gestão da Aprendizagem Escolar de Formação Continuada para Professores dos

Anos/séries finais do Ensino Fundamental – GESTAR II de Língua Portuguesa –

desenvolvido em todo o estado de Mato Grosso. Os relatos são produções exigidas pelo

Programa ao término de cada Caderno de Teoria e Prática – TP – e são elaborados a partir de

experiências em sala de aula com duas atividades do item Avançando na Prática – AP. Para

nossa pesquisa, elegemos o TP3, porque ele se propõe a discutir gêneros e tipos textuais,

especialmente o primeiro, em voga nos currículos escolares, documentos parametrizadores

educacionais, pesquisas acadêmicas e programas/projetos de formação continuada nos últimos

anos. Utilizamos na análise dos relatos os pressupostos da pesquisa qualitativa em

consonância com a teoria sócio-histórica e cultural, representada por Bakhtin e seu Círculo

(1926; 1929; 1952-53; 1959-61/79; 29/1961-62; 1970-71/79; 1974-79; 79), pelo viés

enunciativo-discursivo da linguagem, e por Vygotsky (1998 [1930]), no tocante ao processo

ensino e aprendizagem. As reflexões acerca das orientações fornecidas pelo material aos

professores para elaboração do relato de prática são insatisfatórias para a escrita detalhada do

processo experienciado na prática pedagógica, porque se limita a solicitar ―aspectos

facilitadores e dificultadores do processo‖, pressupondo conhecimento anterior do gênero.

Também inexiste unidade ou seção dedicada a esse gênero no TP3, tampouco na coletânea do

GESTAR II de Língua Portuguesa. Deslocando o olhar para a escrita das três professoras

efetivas na rede estadual de ensino, constatamos diferentes formas de construir o relato de

prática pedagógica (RPP). Prova disso é que cada uma construiu um percurso particular, nos

permitindo identificar três formas de exposição de seus dizeres, denominada por nós de:

autoria alinhada à formação profissional, autoria espelhada na formação continuada e

autoria autônoma. Essas formas autorais, embora diferentes em cada circunstância de

produção, são integradas à profissionalização docente, sem necessariamente funcionarem

como marcas individuais. Os dados mostram também que, nesse processo de constituição

autoral, as professoras-cursistas, orientadas pelos AP, constroem singularmente seus objetos

de ensino para as aulas de Língua Portuguesa, distanciando-se ou aproximando-se do gênero

relato, demonstrando, inclusive, como se apropriaram dos conceitos tratados na(s)

unidade(s)/seção(ões) do TP. Os resultados produzidos pela análise evidenciam a importância

de contemplar abordagens de gêneros requisitados pela formação continuada, para que o

professor incorpore essas experiências à sua prática. Além disso, é preciso atenção das

políticas públicas na garantia de tempo suficiente e apoio institucional, com equipes

preparadas continuamente, para a execução das propostas de atualização do professor,

principalmente de acompanhamento pós-curso.

Palavras-chave: Formação Continuada, Língua Portuguesa, Relato de Prática Pedagógica.

Page 13: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

ABSTRACT

In this study, we analyzed the writing of teachers in continuing education courses in order to

understand how they construct their own words in a genre of that sphere at the interface with

the school. In this direction, we turn our attention to three reports produced by teachers

teaching practice, course participants during the execution, in 2009, Learning Management

Program School of Continuing Education for Teachers of the Year / final grades of

elementary school – Gestar II Portuguese Language - developed throughout the state of Mato

Grosso. The reports are required by the production program at the end of each Book of

Theory and Practice - TP - and they are elaborated from experiences in the classroom with

two activities of the item in Advancing Practice - AP. For our research, we chose the TP3,

because it proposes to discuss genres and text types, especially the first, in vogue in school

curricula, educational parameterized documents, academic research and programs / projects of

continuing education in recent years. We used in the analysis of the reports the assumptions of

qualitative research in line with social theory and cultural-historical, represented by Bakhtin

and his Circle (1926, 1929, 1952-53, 1959-61/79, 29/1961-62, 1970 - 71/79, 1974-79, 79),

through the bias-discursive enunciation of language, and Vygotsky (1998 [1930]), with regard

to the teaching and learning. The reflections on the guidance provided by the material for the

preparation of teachers reporting practices are unsatisfactory for writing detailed process

experienced in teaching practice, because it limits the request "facilitate aspect or hamper the

process," assuming prior knowledge of the genre. Also nonexistent unit or section devoted to

this genre in TP3, either in the collection of the GESTAR II Portuguese Language Program.

Shifting his gaze to the writing of three effective teachers in state schools, we find different

ways to build an account of pedagogical practice (RPP). Proof of this is that each one has

built a particular path, allowing us to identify three exposure forms of their sayings, called by

us: training aligned with authors, author mirrored in the continuing education and

autonomous authority. These copyright forms, although different in every circumstance of

production are integrated into the professional teaching staff, without necessarily operate as

individual brands. The data also show that, in the process of copyright constitution, teachers,

course participants, guided by the AP, uniquely build their objects to the teaching of

Portuguese Language classes, away from or approaching the genre story, demonstrating, even

as appropriated the concepts covered in the unit (s) / section (s) of TP. The results produced

by the analysis highlight the importance of gender approaches include the required continuing

education for the teacher to incorporate those experiences in their practice. In addition, we

need public policy attention on ensuring enough time and institutional support, with teams

constantly prepared for the implementation of the proposed update of the teacher, especially

post-course follow-up.

Keywords: Continuing Education, Portuguese Language, Pedagogical Practice Report.

Page 14: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 14

CAPÍTULO I - ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E FORMAÇÃO DO DOCENTE:

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E PERSPECTIVAS ATUAIS ..................................... 18

1.1 Revisitando brevemente a história do ensino da Língua Portuguesa no

Brasil................................................................................................................................ 19

1. 2 Formação de professores: algumas considerações........................................................... 25

1.3 Formação do docente de Língua Portuguesa.................................................................... 29

1. 4 Política de formação continuada de Mato Grosso via Cefapro........................................ 35

1. 5 Cefapro de Juara em sintonia com as políticas educacionais da SEDUC/MT ............... 43

1. 6 GESTAR II: política pública de formação continuada ................................................... 46

CAPÍTULO II - BAKHTIN E VYGOTSKY: CONCEITOS APLICADOS AO ENSINO .. 51

2. 1 Vygotsky e a teoria da aprendizagem............................................................................ 52

2. 1. 1 Relevância dos conceitos vygotskyanos de mediação e ZPD....................................... 53

2. 2 Apontamentos teóricos do Círculo de Bakhtin.............................................................. 56

2. 2. 1 Linguagem: tratamento dialógico e interativo ............................................................ 57

2. 2. 2 Autoria e vozes do/no discurso ................................................................................... 60

2. 2. 3 Enunciado: unidade real da comunicação discursiva ................................................. 63

2.2. 4 Gêneros Discursivos .................................................................................................... 68

2. 3 Relato de prática pedagógica ........................................................................................ 71

2. 3. 1 Situando o relato no contexto educacional .................................................................. 73

2. 3. 2 Descrição sócio-histórica do gênero RPP .................................................................... 76

CAPÍTULO III – DELINEANDO O PERCURSO ANALÍTICO .......................................... 80

3. 1 Trilha metodológica na perspectiva sócio-histórica ........................................................ 81

3. 2 Contextualizando a pesquisa............................................................................................ 84

Page 15: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

3. 3 Mapeamento do material escolhido ............................................................................... 88

3. 3. 1 O TP 3 e sua organização ............................................................................................ 89

3. 4 O corpus da pesquisa ..................................................................................................... 95

3. 5 Colaboradoras da pesquisa .............................................................................................. 96

3. 6 Metodologia de análise e apresentação dos dados .......................................................... 98

CAPÍTULO IV - APONTAMENTOS DISCURSIVOS NOS RELATOS DE PRÁTICA

PEDAGÓGICA: ANALISANDO OS DADOS .................................................................... 99

.

4. 1 Avançando na prática no contexto do TP 3..................................................................... 99

4. 2 Avançando na Prática: escolhas das autoras/colaboradoras da pesquisa ...................... 103

4. 2. 1 AP de Larissa – Biografia ...................................................................................... 104

4. 2. 2 AP de Ludmila – Letra de canção ........................................................................... 107

4. 2. 3 AP de Ingrid – Mix (Unidade e Oficina) .............................................................. 113

4. 3 As orientações contidas na TP 3 para a prática do gênero RPP ................................... 120

4. 4 Condições de produção do relato no universo implementado ....................................... 124

4. 5 Análise dos dados gerados: desvelando os Relatos de Prática Pedagógica ................. 127

4. 5. 1 RPP 1: Letra de canção.............................................................................................. 128

4. 5. 2 RPP 2: Mix textual..................................................................................................... 137

4. 5. 3 RPP 3: Biografia ....................................................................................................... 147

4. 5. 4 Os três relatos em síntese ......................................................................................... 155

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 158

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................. 164

Page 16: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

14

INTRODUÇÃO

A pesquisa delineada nesta dissertação tem origem em fios dialógicos que nos

constituíram ao longo de nossa trajetória profissional, trajetória essa inscrita no universo das

políticas educacionais implementadas no final do século passado e início deste, para

solucionar a demanda de professores em exercício, sem qualificação específica, tanto em

nível médio quanto superior. Nesse universo, nosso ingresso na carreira docente ocorre

concomitantemente à formação em nível de magistério pelo projeto GerAção (habilitação

modular para professores em atuação nos anos iniciais do Ensino Fundamental). Nesse

momento, os registros compuseram nosso processo formativo e profissional como mecanismo

para consolidar, na prática, os conceitos aprendidos nas etapas do curso profissionalizante.

Eram os ―famosos‖ relatórios diários, semanais e final, ao término de cada etapa, além

daqueles produzidos diariamente, resultado do desenvolvimento das aulas para demonstrar a

aplicação pedagógica dos conceitos aprendidos nas disciplinas do curso, na condição de aluna

e de professora contratada da rede municipal de ensino.

A entrada no curso superior foi pelo Programa Interinstitucional de Qualificação

Docente — PIQD — parte do conjunto de ações do governo estadual para suprir a demanda

de professores sem formação superior no final dos anos 1990. A estrutura do Programa

contemplava momentos presenciais nas férias (4 semanas, normalmente), muitos trabalhos

das disciplinas (a maioria, escritos) nos meses seguintes e com datas de entrega previstas para

as etapas intermediárias (meses de maio e outubro). Esse processo também foi simultâneo ao

exercício docente como professora efetiva da rede estadual, uma vez que a proposta ―era

capacitar os professores efetivos da rede, em serviço e em nível de Ensino Superior‖

(MÁXIMO e NOGUEIRA, 2009, p. 70).

Dessa maneira, nossa carreira docente foi compondo-se no entrelaçamento de saberes

oriundos da formação acadêmica, dos programas escolares e da experiência pedagógica

(TARDIF, 2002) consolidada como professora em várias etapas e modalidades da

escolarização: unidocência nos anos iniciais (turmas multisseriadas e únicas), Língua

Portuguesa, Língua inglesa, Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos e, por último,

Formação Continuada de Professores.

Nesse último caso, a experiência — e muito mais a vivência — com a aprendizagem de

adultos, professores detentores de saberes diversos, no Centro de Formação de Professores da

Page 17: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

15

Educação Básica ─ Cefapro ─ nos levou a compreender tamanha ―incompletude‖ nossa,

tendo em vista os desafios que emergiam, pautados nas necessidades formativas manifestadas

pelas escolas, muitas delas relacionadas à escrita de gêneros próprios da esfera de atuação

docente. Isso motivou a nossa entrada no Programa de Pós-graduação em Estudos de

Linguagem da UFMT ─ MeEL ─ comungando dos dizeres freirianos de que ―ensinar exige

pesquisa‖, portanto, ―pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou

anunciar a novidade‖ (FREIRE, 1996, p. 29).

Na condição de mestranda, em meios às incertezas teóricas e temporais do processo,

várias propostas de pesquisa foram delineadas, culminando nas escolhas definitivas,

diretamente ligadas ao nosso contexto de atuação: Formação Continuada; Programa Gestão da

Aprendizagem Escolar de Língua Portuguesa – GESTAR II de LP; Caderno de Teoria e

Prática 3 – TP3 – Gêneros e Tipos Textuais; Relato de Prática Pedagógica - RPP. Essas

escolhas também estão em consonância com algumas pesquisas sobre materiais didáticos

produzidas no MeEL, especialmente analisando o GESTAR II, como Socorro (2009) e Silva

(2011).

No contexto das seleções feitas, atualmente a formação continuada de professores é uma

necessidade indiscutível assumida por todos os defensores de uma educação de qualidade.

Isso justifica, inclusive, esforços conjuntos entre o Ministério da Educação – MEC –

Secretarias Estaduais e Municipais, Universidades, Organizações não governamentais e

Escolas, verificados nas políticas de formação disseminadas como alternativas para auxiliar os

profissionais nos desafios do processo ensino e aprendizagem.

No bojo dessas políticas, o GESTAR, um programa de formação continuada

semipresencial, é implantado no Estado, inicialmente nos municípios com índices críticos do

Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB – anunciando-se como uma proposta

inovadora para a atualização dos saberes docentes, buscando, dessa forma, o desenvolvimento

da competência de atuação desses profissionais, com as necessárias repercussões na melhoria

do ensino. Em 2009, o Programa é, por fim, estendido a todos os municípios de Mato Grosso,

por representantes das Secretarias Municipais e Cefapros, que atuaram como multiplicadores

das propostas contidas nos Cadernos.

Como o GESTAR II foi organizado para a formação de professores de Matemática e

Língua Portuguesa, escolhemos a coletânea referente à última disciplina, por coadunar com

nossa formação superior e com a nossa função, oficialmente exercida no Centro de Formação.

Essa interdependência nos direcionou para a seleção do TP3, por contemplar em sua

Page 18: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

16

abordagem a temática gêneros e tipos textuais, mobilizadora de muitas pesquisas, documentos

parametrizadores, manuais didáticos e propostas curriculares, especialmente a partir da

década de 90. Feita essa seleção, definimos o objeto de nossa análise: Relato de Prática

Pedagógica (RPP).

Analisar um gênero escrito, próprio da esfera de atuação docente, configurou-se como

oportunidade de diálogo com nossa história profissional – de docente do Ensino Fundamental,

formando-se em serviço, à professora formadora de um Centro de Formação – constituída na

trama de muitos saberes, dentre eles o de registrar diversas situações (de ensino e de

aprendizagem), a partir do lugar de sujeito-participante dos enunciados descritos, muitas

vezes ―numa tensão com as formas de dizer previstas e valorizadas no ambiente acadêmico‖

(FIAD e SILVA, 2009, p. 124). Além disso, representou o desafio de explorar um gênero que

ainda merece mais atenção em pesquisas acadêmico-educacionais.

Em virtude do exposto, decidimos investigar três relatos de prática pedagógica (RPP),

produzidos durante o estudo do TP3, para delinear de que forma os professores cursistas

constroem seus dizeres nesse gênero exigido pelo Programa. Para isso, partimos do

pressuposto de que um material que se propõe a discutir os gêneros, certamente, orientará a

elaboração do gênero solicitado com rigor teórico-metodológico suficiente para que o

professor-cursista o construa, de maneira consciente e autônoma, desenvolvendo, portanto,

sua a autoria, inclusive para construir objetos de ensino para as aulas de Língua Portuguesa.

Em razão disso, tencionando elucidar as proposições delineadas para essa investigação,

buscamos elementos para responder às seguintes questões: 1. Quais orientações sobre o

gênero relato são apresentadas no Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3), do GESTAR II de

LP, para que o professor em formação continuada o elabore, considerando as especificidades

do referido gênero discursivo?; 2. Como o professor em formação continuada constrói seu

dizer sobre objetos de ensino para as aulas de Língua Portuguesa, no gênero relato, proposto

como atividade no Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3) do Programa Gestar II?

Delineadas as motivações de pesquisa, o objetivo do estudo e as questões norteadoras

da investigação, organizamos esta dissertação em quatro capítulos.

No capítulo 1, propomos um percurso de aprofundamentos, inclusive históricos, para a

compreensão do atual paradigma de ensino da LP e, consequemente, da função do professor

dessa disciplina, função essa modificada em virtude do movimento político-econômico e

cultural do nosso país. Nessa direção, considerando a emergência de políticas oficiais

relacionadas à educação brasileira e em razão da queda nos índices de aprendizagem dos

Page 19: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

17

alunos apontada, principalmente pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica –

SAEB – e Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA – a formação do professor

é assumida pelos estados como condição para a melhoria na qualidade do ensino. Em Mato

Grosso, a década de 1990 e início deste século são marcados por ações políticas de

investimento na formação inicial dos professores, para suprir a demanda de profissionais

―leigos‖, identificados em grande número nesse período, além de fortalecer a formação

continuada, via Cefapro.

Apresentamos no capítulo 2 os pilares teóricos de nossa pesquisa, representados por

Vygotsky (1998 [1930]) e Bakhtin (1926; 1929; 1952-53; 1959-61/79; 29/1961-62; 1970-

71/79; 1974-79; 79) (e seu Círculo), situados na perspectiva sócio-histórica e cultural, embora

tratando de objetos distintos em seus campos investigativos. Vygotsky, ao construir sua teoria

visualizando o processo de ensino e aprendizagem, formula os conceitos de ZPD – Zona

Proximal de Desenvolvimento – e mediação, essenciais no planejamento e intervenção

docente para consolidação do conhecimento. Bakhtin esboça a teoria enunciativo-discursiva

da linguagem, ao ampliar o conceito de gêneros do discurso — inicialmente restrito ao âmbito

da Literatura — dando relevância ao dialogismo articulado a outros conceitos, como vozes,

autoria e enunciado, na constituição das interações humanas. Dessa maneira, os gêneros

requerem esferas de atuação específicas para sua constituição e, no contexto da formação

continuada, a sócio-história do Relato de Prática Pedagógica é fundamental para a sua

produção.

No capítulo 3, retratamos, no percurso metodológico, a opção pela pesquisa de cunho

qualitativo, em consonância com pressupostos dos autores russos, delineados no capítulo

antecedente. Além disso, o contexto da pesquisa, as características do material de análise, os

colaboradores da pesquisa e corpus escolhido são apresentados.

Trazemos, no capítulo 4, as análises dos Relatos de Prática Pedagógica, refletindo

sobre: a) os Avançando na Prática escolhidos pelas professoras-cursistas, no contexto do

Caderno de Teoria e Prática – TP3; b) as orientações fornecidas pelo material de formação

continuada para a produção do relato; c) as condições de produção do RPP no contexto de

implementação do Programa, focando a realidade local. Todo esse percurso foi feito para

desvelar o conteúdo dos relatos das professoras-cursistas, considerando a dialogia dos

enunciados contidos no material de análise.

Em nossas considerações finais, chamamos a atenção para a necessidade de maiores

cuidados referentes à formação continuada e ao material utilizado.

Page 20: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

18

CAPÍTULO I

ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA E FORMAÇÃO DO DOCENTE:

CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS E PERSPECTIVAS ATUAIS

[...] na formação permanente de professores, o momento fundamental é o da

reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou

de ontem que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1996, p. 39).

No mundo de hoje, globalizado, dinâmico, conectado e movido pela Tecnologia da

Informação e Comunicação (TIC), modernos produtos são lançados no mercado, em uma

velocidade impressionante, requerendo novas habilidades dos sujeitos o tempo todo. Isso

significa que as pessoas precisam ter disponibilidade para adquirir conhecimentos

continuamente e desenvolver capacidades de aprender sozinhas. Essas condições constituem-

se como alternativas para as escolhas pertinentes às demandas atuais, em meio às inúmeras

possibilidades, e como garantia de sobrevivência neste universo instável e em constante

transformação.

Podemos entender essas transformações observando a profissão docente que, no

século XXI, por exemplo, difere em muitos aspectos de momentos anteriores. Hoje, além de

dominar conceitos e estratégias de ensino, é preciso ter conhecimento tecnológico para

manipular programas que mapeiam o processo de aprendizagem dos alunos, conhecer as

ferramentas de pesquisas, utilizar a comunicação mediada pelo computador (correio

eletrônico, bate-papo, lista, fórum de discussão etc.), apropriar-se dos recursos

disponibilizados pelos sites educacionais, entre outros aparatos exigidos pelas próprias

secretarias de educação de diferentes esferas (municipal e estadual) e pelo Ministério da

Educação (MEC).

Nesse contexto de transformações, consideramos pertinente, neste capítulo, abordar

brevemente a história do ensino da Língua Portuguesa no Brasil, para a compreensão das

perspectivas atuais desse ensino. Consideramos pertinente também discutir a formação

continuada, dando especial atenção ao percurso formativo do docente de LP, situando a

política de formação mato-grossense, em consonância com os Cefapros — incluindo o de

18

Page 21: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

19

Juara, locus de nossa investigação — e destacando o GESTAR II de Língua Portuguesa no

âmbito dessa política de atualização.

1.1 Revisitando brevemente a história do ensino da Língua Portuguesa no Brasil

A educação, como integrante da dinâmica social, reflete as transformações do século,

visíveis, principalmente, nos comportamentos e atitudes dos alunos, impondo novas

demandas para escola. A esse respeito, Silva e Rego (2009, p. 182) esclarecem que,

[...] na realidade, hoje, vivemos outro momento, com novas demandas

características de uma vida mais dinâmica, rápida, informada por novas

tecnologias, com alunado mais diversificado. Em outros termos, a prática

docente de outrora, identificada como tradicional, não responde plenamente

às demandas e expectativas para o ensino na escola contemporânea.

Essa situação exige da escola um reordenamento de seus currículos, incluindo nos

planejamentos de ensino estratégias diversificadas, cujas ferramentas tecnológicas,

especialmente as TIC, contribuam para a mediação do conhecimento pelo professor.

Dessa forma, trabalhar na perspectiva dos letramentos é uma alternativa para essas

práticas pedagógicas ressignificadas, principalmente quando a realidade dos alunos é

incorporada aos processos de ensino. Rojo (2009) adota o conceito de letramentos (no plural),

por entender que, na contemporaneidade, um dos objetivos da escola é garantir aos alunos o

domínio de práticas socioculturais envolvendo o uso da leitura e da escrita. Por isso, defende

que o trabalho com essas práticas precisa considerar os letramentos múltiplos,

multissemióticos e críticos. Para essa autora, o primeiro pressupõe a valorização das culturas

locais e de seus protagonistas (profissionais da educação, alunos, comunidade escolar); o

segundo implica na ampliação do conceito de letramento, trazendo para o ensino os textos

contemporâneos, constituídos de muitas semioses, e o último corresponde ao trabalho

educativo para o trato ético dos discursos plurais e diversos, presentes na sociedade.

Quando falamos em considerar o universo dos estudantes, não excluímos a

responsabilidade no trato dos conteúdos de ensino, mas vislumbramos novas possibilidades de

trabalho pedagógico, pois os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa ─

PCNLP ─ (BRASIL, 1998, p. 34) sugerem que os conteúdos escolhidos precisam ser ―aqueles

considerados como relevantes para a constituição da proficiência discursiva e linguística do

aluno‖, levando em conta suas necessidades e possibilidades de aprendizagem. Para Rojo

Page 22: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

20

(2009, p. 121), ―essa escolha pode ser regida pelo princípio das necessidades de ensino‖ [grifo

da autora]. Isso significa que toda escolha no processo de ensino deve partir de um

diagnóstico inicial, levando em consideração a realidade da sala de aula, para mapeamento da

história de cada aluno, seus interesses, suas motivações, entre outros aspectos, para, formular

ou apresentar propostas que respondam ―à pergunta sobre quais objetos de ensino o aluno

poderá aprender, de quais poderá se apropriar nesse momento do seu desenvolvimento –

ZPD1‖ (ROJO, 2009, p. 121).

Nesse contexto, trazemos o ensino de Língua Portuguesa (doravante LP) que, no

Brasil, ao longo dos anos, modificou-se consideravelmente, acompanhando as transformações

econômicas, políticas e culturais do país. Retrocedendo ao século XVIII, vamos encontrar

uma educação destinada à elite, com um ensino centrado na leitura de textos literários e no

estudo das normas da língua, neste último caso, privilegiando as regras de funcionamento da

norma culta. Esta prática focava o (re)conhecimento das estruturas gramaticais, pois se

acreditava que, para falar e escrever corretamente, bastava dominar as estruturas linguísticas

da língua portuguesa.

Com tais objetivos curriculares, a formação escolar da época contemplava o ensino da

gramática, retórica e lógica (ou filosofia), com forte influência do latim, relegando a LP um

lugar secundário (ROJO, 2008). A Língua Portuguesa, como disciplina, é inserida no Brasil

somente em 1838. Porém, de acordo com Soares (1998, p. 55), a disciplina ―português‖ ou

LP ―só passou a existir nas últimas décadas do século XIX‖, resultante do agrupamento da

gramática, poética e retórica.

Rojo (2008) assinala que três fatores devem ser explicitados para a compreensão da

organização curricular de LP no processo histórico: primeiro, o estudo da gramática, com

abordagem privilegiada no ensino; segundo, os gêneros literários, regendo o uso da língua, e,

por último, a redação e a composição em outros gêneros, que chegaram à escola por volta de

1885. Isso demonstra um percurso relativamente longo de ―práticas escolares cristalizadas‖

(ROJO, 2008, p. 81).

Soares (1998, p. 56) sintetiza o processo de ensino da LP no Brasil, justificando que,

[...] numa escola que servia a alunos pertencentes às camadas privilegiadas

— e isso define as condições sociopolíticas que configuravam a escola e,

portanto, o ensino que nela se fazia -, alunos já familiarizados com padrões

culturais e lingüísticos de prestígio social, aqueles padrões que a escola

1 Conceito vygotskiano muito utilizado por estudiosos da educação e que significa Zona Proximal de

Desenvolvimento. No segundo capítulo constam algumas reflexões sobre o conceito.

Page 23: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

21

valoriza, ensina e quer ver aprendidos, não era incoerente nem inadequado

um ensino de português orientado por uma concepção da língua como

sistema.

Segundo a mesma autora, na década de 1960, com a democratização de acesso da

população à escola, muda-se o perfil dos alunos e ―não se trata mais de uma escola pública

destinada apenas aos filhos da elite: as camadas populares passam a ter assento nas salas de

aula‖ (ROJO, 2008, p. 86). Com isso, novos padrões linguísticos são trazidos para a educação,

tornando o ensino da língua um tanto diverso do praticado historicamente.

Outro fator de forte influência na escola foi o modelo econômico vigente no país,

dominado pelo autoritarismo do regime militar, cujo objetivo era qualificar mão de obra para

o capitalismo em ascensão no Brasil. Coube então à escola dar respostas à sociedade,

adotando um sistema de ensino voltado para a instrumentalização de recursos humanos.

Nesse contexto, segundo esclarece Soares (1998), o alunado que a escola abriga e as

condições sociopolíticas do Brasil exigem uma concepção de linguagem diferenciada: ―o

quadro referencial para o ensino da língua passa a ser teoria da comunicação e a concepção de

língua é de instrumento de comunicação‖ (SOARES, 1998, p. 57), o que modifica

conceitualmente práticas pedagógicas com heranças do ensino voltado para a aquisição das

normas linguísticas.

Na realidade, o domínio de habilidades de expressão e comunicação era necessário

para dar respostas ao país em desenvolvimento. Para Bunzen (2006, p. 144), ―o saber sobre a

língua deixa, em certo sentido de ser o enfoque principal, dando vez à compreensão e estudo

dos códigos comunicacionais‖ [grifo do autor]. Ganha sentido nesse momento a figura do

emissor e receptor, cuja relação é marcada pela codificação e decodificação de sinais, em uma

espécie de pingue-pongue, em que o interlocutor recebia uma mensagem e decodificava-a,

sem intervir. Pode-se dizer que a ―comunicação‖ era robotizada, como se o receptor

obedecesse a comandos e devolvesse, na mesma medida, a mensagem recebida. Isto é, não

eram levados em consideração fatores externos, os quais poderiam comprometer a

compreensão da mensagem, como ruídos ou o desconhecimento do signo por parte do

receptor.

Outro fator relevante para a época foi a incorporação de outros gêneros na escola,

ampliando o rol dos textos tipicamente escolares centrados nos clássicos literários. Rojo

(2008, p. 88) esclarece essa situação, destacando que foi notória ―a progressiva ampliação de

gêneros de outras esferas (jornalística, publicitária, midiática, digital etc.) que começam

adentrar as escolas‖, provocando mudanças no currículo da LP.

Page 24: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

22

Nos anos de 1980 e início de 1990, pesquisas de outras áreas, como Linguística,

Sociolinguística, Psicolinguística, Neurolinguística, são divulgadas no meio acadêmico,

derrubando dogmas de que alunos de camadas populares apresentavam dificuldades de

aprendizagem, porque não tinham capacidade cognitiva para tal. As descobertas científicas

trazem para a Academia (e para a educação linguística) o perfil do alunado que ocupa os

assentos escolares nesse momento histórico: pessoas oriundas das camadas populares,

detentoras de variedades linguísticas diversas da norma culta, objeto de estudo da LP até

então. Com isso, novas necessidades são colocadas à escola, tais como respeitar a linguagem e

as condições socioeconômicas dos alunos, relacionando-as às práticas pedagógicas. Nesse

contexto, a Academia, até então distanciada da escola, promove a divulgação das pesquisas

realizadas e dos materiais produzidos, com a finalidade de modificar o cenário educacional

vigente.

Apesar do intenso movimento por mudanças na educação, nos anos de 1970 a 1990,

ainda predominava nas práticas acadêmicas e escolare,s o ensino da língua tendo como eixo

norteador a gramática, enquanto norma e forma, e a prática de produção de texto era

desenvolvida sem levar em consideração o contexto de produção.

Nos anos 80, a Academia, impulsionada pelas ideias de Geraldi (1984), abre caminho

para novas perspectivas no ensino. ―O texto na sala de aula‖ tornou-se um clássico da

inovação do ensino brasileiro, sinalizando novas proposições para a educação, a partir de

outras bases teóricas — Semântica, Análise do Discurso, Pragmática, Teoria da Enunciação,

Sociolinguística, entre outras Ciências da Linguagem — e metodológicas. Há explícita

convocação para um ensino renovado a partir destes eixos: a prática de leitura, a prática de

produção de texto e a prática de análise linguística (GERALDI, [1984] 2003). Nessa proposta,

a ênfase recai sobre a prática da linguagem, afastando-se do ensino metalinguístico

predominante até o momento.

O texto passa a ser visto como espaço de interlocução, em que os interlocutores têm

ações coordenadas e agem com finalidades específicas, excluindo as relações estanques,

próprias de orações dissociadas de uma situação comunicativa. A concepção

sociointeracionista é inclusa nas esferas acadêmicas e escolar, influenciando

consideravelmente o teor dos documentos oficiais da década de 1990, dentre eles, os

Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (BRASIL, 1997, 1998), conforme

mencionado.

Page 25: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

23

Rojo e Cordeiro (2004) afirmam que essas mudanças devem ser compreendidas como

―virada‖ discursiva ou enunciativa. Segundo as pesquisadoras,

Inicialmente, essa virada se configurou nos trabalhos de pesquisadores de

diversos países sobre leitura e, principalmente, sobre produção de textos.

Trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcionamento e

em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações mais do

que as propriedades formais que dão suporte a funcionamentos cognitivos.

Essa virada passou a ecoar com mais força nos programas e propostas

curriculares oficiais brasileiros a partir de 1997/1998, com sua incorporação

nos PCNs de língua portuguesa [...] (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 10-11).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa produzidos para orientar

o ensino nas escolas brasileiras, apesar da mescla teórica presente em seus pressupostos,

assumem a teoria enunciativo-discursiva da linguagem, representada pelas (re)leituras de

alguns conceitos do filósofo russo Mikhail Bakhtin.

O principal conceito utilizado desse autor é o de gêneros do discurso, formulado mais

explicitamente na obra Estética da Criação Verbal, no capítulo ―Os gêneros do discurso‖

(2003 [1952-53]). Esse assunto está, a partir das inovações buscadas nos espaços

pedagógicos, incluído nas discussões acerca do ensino de Língua Portuguesa no Brasil.

Ancorados nesse conceito, no tocante ao ensino de leitura e escrita, os documentos propõem a

adoção do texto como unidade de ensino e dos gêneros como objetos desse ensino.

Na esfera escolar, a eleição do gênero como instrumento desencadeador do processo de

ensino e aprendizagem pode ser comprovada em diversas passagens do documento oficial. Na

Apresentação da área de Língua Portuguesa, aparecem itens que fazem menção à teoria dos

gêneros do discurso, inclusive na construção de títulos: ―Discurso e suas condições de

produção, gênero e texto (BRASIL, 1998, p. 20); ―condições para o tratamento do objeto de

ensino: o texto como unidade de ensino e a diversidade de gêneros‖ (BRASIL, 1998, p.23).

Algumas passagens do documento (BRASIL, 1998) também situam o gênero no

ensino: ―Todo texto se organiza dentro de um determinado gênero em função das intenções

comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos

sociais que os determinam‖ (BRASIL, 1998, p. 21) [grifo nosso].

Ou

A noção de gênero refere-se assim, a famílias de textos que compartilham

características comuns, embora heterogêneas, com visão geral da ação à qual

o texto se articula, tipo de suporte comunicativo, extensão, grau de

Page 26: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

24

linearidade, por exemplo, existindo em número quase ilimitado (BRASIL,

1998, p. 22) [grifo nosso].

Ou ainda:

Os textos organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza

temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes

a este ou aquele gênero. Desse modo, a noção de gênero, constitutiva do

texto, precisa ser tomada como objeto de ensino. Nessa perspectiva, é

necessário contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade textos e

gêneros, e não apenas em função de sua relevância social, mas também pelo

fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros são organizados de

diferentes formas (BRASIL, 1998, p. 23) [grifo nosso].

Observamos nos trechos escolhidos que há uma tentativa de reafirmar a inviabilidade

de conceber o texto, neste momento histórico, desvinculado do gênero, uma vez que este

último contempla diferentes aspectos importantes para imprimir práticas pedagógicas que

superem as de cunho estruturalista. Brait (2000, p. 17) amplia essa discussão, destacando que

―a questão dos gêneros pode ser surpreendida em vários momentos‖ nos PCNLP (1998). Ela

apresenta afirmações do próprio documento oficial para ilustrar essa questão2. A exemplo da

autora, localizamos outra parte, em que os organizadores dos PCNLP (1998) fazem menção

ao conceito de gêneros:

Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer

alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado

contexto histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução. Isso

significa que as escolhas feitas ao produzir um discurso não são aleatórias –

ainda que possam ser inconscientes -, mas decorrentes das condições em que

o discurso é realizado. Quer dizer: quando um sujeito interage verbalmente

com outro, o discurso se organiza a partir das finalidades e intenções do

locutor, dos conhecimentos que acredita que o interlocutor possua sobre o

assunto, do que supõe serem suas opiniões e convicções, simpatias e

antipatias, da relação de afinidade e do grau de familiaridade que têm, da

posição social e hierárquica que ocupam. Isso tudo determina as escolhas do

gênero no qual o discurso se realizará, dos procedimentos de estruturação e

da seleção de recursos lingüísticos. É evidente que, num processo de

interlocução, isso nem sempre ocorre de forma deliberada ou de maneira a

antecipar-se à elocução. Em geral, é durante o processo de produção que as

escolhas são feitas, nem sempre (e nem todas) de maneira consciente

(BRASIL, 1998, p. 20-21).

Para finalizar, destacamos que o percurso adotado para evidenciar aspectos do ensino

da Língua Portuguesa no Brasil tem suas marcas presentes em práticas que estiveram, por um

2 Os trechos dos PCNLP citados pela autora podem ser localizados em Brait (2000, p. 17-18).

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25

tempo considerável, norteando o ensino nas escolas. Todas as concepções que emergiram no

cenário educacional vislumbravam mudanças para adequação às necessidades requeridas pelo

momento histórico, embora saibamos que o distanciamento entre o real e o necessário foi (e

continua sendo) uma marca na educação. Com a intenção de visualizar como a formação

continuada orientou, ao longo dos anos, as práticas pedagógicas dos professores, na seção

seguinte abordaremos esse assunto.

1.2 Formação de professores: algumas considerações

Historicamente, a formação do professor foi exclusividade das instituições de ensino

superior que, em tese, asseguravam um currículo com saberes necessários para o exercício da

docência. Porém, as transformações advindas das mudanças sociais, das novas relações e

interações com as pessoas e com as novas tecnologias, impuseram novas exigências para a

escola, requerendo dos professores outros conhecimentos para a condução do processo de

ensino. Coracini (2006, p. 135) justifica esse movimento, enfatizando que

[...] o final do século XIX e a primeira metade do século XX assistiram ao

desenvolvimento da produção industrial, ao progresso dos transportes e dos

meios de comunicação, ao surgimento dos métodos comerciais que

caracterizavam o capitalismo moderno, como o marketing, as grandes lojas, a

publicidade. Nessa fase, o consumo se limitava à classe burguesa. A segunda

fase do capitalismo moderno (que se inicia por volta de 1950) expande o

consumo de massa para as classes menos favorecidas (CORACINI, 2006, p.

135).

A autora ressalta ainda que, a partir da década de 1980, instaura-se a pós-modernidade

e neste nicho se desenvolvem as novas tecnologias, destacando-se o computador e a internet

com lugar garantido, inclusive, na escola. Desse modo, ―a internet – construção do homem

que parece ultrapassá-lo – já o submete – e, ao mesmo tempo, transforma-o – já que

transforma sua visão de mundo e seu modus vivendi‖ (CORACINI, 2006, p. 138).

É justamente nesse contexto de renovação que a formação continuada de professores

adquire importância, pois o movimento dos acontecimentos sociais exige um profissional com

novo perfil, cujas funções não se restrinjam aos saberes das disciplinas curriculares, o que

oficializa ―a necessidade de formar profissionais capazes de ensinar em situações singulares,

instáveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas‖ (PIMENTA, 2002, p. 21).

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26

Com essa nova realidade, modelos de formação foram ofertados aos professores, como

alternativa para ressignificar os saberes pedagógicos, complementando aqueles construídos

durante a graduação. Fernandes (2009) mapeia o quadro da formação continuada no Brasil,

permitindo-nos visualizar sua forma de organização inicial:

O quadro que historicamente se construiu da formação profissional de

professores, especificamente da formação continuada, foi o de programas e

ações de formação promovidos pelos sistemas de ensino, em parceria com as

universidades, cuja forma era, em sua maioria, cursos de curta duração com

programação e ementa que visavam à aquisição, pelos professores, de

saberes e conhecimentos educacionais que, por serem produzidos em outras

esferas educacionais além da escola, nem sempre iam ao encontro das suas

necessidades (FERNANDES, 2009, p. 18).

A visão de formação assumida era de capacitação e reciclagem, cujo objetivo principal

era assegurar aos docentes conhecimentos necessários para a melhoria de sua prática

pedagógica, uma vez que os fracassos dos alunos, segundo concepção da época, estavam

diretamente ligados à falta de preparo docente. Nesse sentido, a efetivação dos processos de

formação continuada dava-se por meio de cursos de pós-graduação, cursos de

aperfeiçoamentos ofertados pelas instâncias superiores — normalmente, em parceria com as

secretarias de educação, com carga horária definida — ou encontros, simpósios, congressos.

Candau (1996) denomina de ―perspectiva clássica‖ essa concepção de formação continuada

de professores. Fernandes (2009, p. 18) afirma que ―esse modelo de formação tinha como

base políticas públicas que visavam à capacitação dos professores, uma vez que concebiam a

prática docente como causa dos principais problemas escolares‖. Assim, promover cursos

pontuais consolidava-se como alternativa para que o docente melhorasse sua atuação e,

consequentemente, garantisse a qualidade do ensino.

Para a formação de um docente crítico, esse modelo foi um problema, porque destituía

os professores de seus saberes. Nesse caso, os professores das universidades ou profissionais

das secretarias (estaduais ou municipais) desenvolviam propostas classificadas como

inovadoras, desconsiderando a realidade na qual os sujeitos/docentes estavam inseridos.

Dessa forma, os saberes construídos com a experiência e a realidade de cada instituição de

ensino eram ignorados pela representação das instâncias que ministravam os cursos de

aperfeiçoamento/reciclagem.

Tardiff (2002) valoriza os saberes experienciais docentes — saber plural — cujo

nascedouro é a experiência, o trabalho cotidiano e a realidade do indivíduo. Portanto, deve

ser valorizado nas práticas de formação, assim como os demais. O mesmo autor elenca

Page 29: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

27

quatro saberes, denominados de ―amálgama‖, para justificar que a constituição identitária do

professor é dinâmica e diversa:

1. Saberes da Formação Profissional – conjunto de saberes transmitidos

pelas instituições de formação de professores (escolas normais ou faculdades

de ciências ou educação).

2. Saberes Disciplinares - correspondentes aos diversos campos do

conhecimento, aos saberes de que dispõe a nossa sociedade, tais como se

encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas, no

interior das faculdades e de cursos distintos.

3. Saberes Curriculares – programas escolares que os professores devem

aprender a aplicar.

4. Saberes Experienciais – decorrentes da experiência e por ela validados

(TARDIFF, 2002, p. 36-39).

Dessa forma, o autor constrói seus argumentos, ressaltando a importância de ―olhar‖ o

docente como um profissional detentor de saberes importantes, que tem a profissionalização,

muitas vezes, entrelaçada com a própria vida.

Nóvoa (2009, p. 11), outro pesquisador da formação, elucida que a docência nunca

esteve tão em voga como nos últimos anos. Historicamente, a profissão foi marcada pela

invisibilidade, conforme postula o autor:

A sua importância nunca esteve em causa, mas os olhares viraram-se para

outros problemas: nos anos 70, foi o tempo da racionalização do ensino, da

pedagogia por objectivos, do esforço para prever, planificar, controlar;

depois, nos anos 80, vieram as grandes reformas educativas, centradas na

estrutura dos sistemas escolares e, muito particularmente, na engenharia do

currículo; nos anos 90, dedicou-se uma atenção especial às organizações

escolares, ao seu funcionamento, administração e gestão.

Nesse contexto, análises revelaram que não bastava culpabilizar os docentes pelos

fracassos nas aprendizagens dos alunos, com discursos de que ―a educação é chave para o

desenvolvimento da nação‖. Era preciso tratar a educação com mais seriedade, com políticas

públicas de investimentos em eliminação ou redução das fragilidades do sistema educacional.

Assim, políticas de gestão escolar, de formação continuada dos professores despontaram

como alternativas para o trato das incertezas colocadas à escola do século XXI, pois

[...] o professor do futuro, a nova identidade a ser construída, não é a do

sujeito que tem as respostas que a herança cultural já deu para certos

problemas, mas a do sujeito capaz de considerar o seu vivido, de olhar para o

aluno como um sujeito que também tem um vivido, para transformar o

vivido em perguntas. O ensino do futuro não estará lastreado nas respostas,

mas nas perguntas (GERALDI apud SARTORI, 2008, p. 11).

Page 30: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

28

Nessa perspectiva,

Os professores reaparecem, neste início do século XXI, como elementos

insubstituíveis não só na promoção das aprendizagens, mas também na

construção de processos de inclusão que respondam aos desafios da

diversidade e no desenvolvimento de métodos apropriados de utilização das

novas tecnologias (NÓVOA, 2009, p. 12).

Consolida-se nesse cenário a figura do professor crítico e reflexivo como um

profissional em condições reais de atuar no ambiente escolar, tendo na sua prática elementos

desencadeadores de reflexões e de novas proposições para o ensino. Dito de outro modo,

nessa perspectiva, os professores são profissionais com condições de observar os fenômenos

pedagógicos, refletir sobre eles, propor alternativas para a aprendizagem dos alunos,

ressignificando todo o processo educativo; são, portanto, ―capazes de compreender sua

prática, tornando-se agentes de suas ações pedagógicas‖ (PETRONI; SOCORRO, 2009, p.

233).

Em razão disso, a formação continuada atualmente está consolidada em espaços

educacionais diversos, inclusive na escola, tida como lugar privilegiado de construção de

saberes da docência, uma vez que ―nesse cotidiano ele [o professor] aprende, desaprende,

reestrutura o aprendido, faz descobertas e, portanto, é nesse locus que, muitas vezes, vai

aprimorando sua formação‖ (CANDAU, 1996, p. 144). Além disso, é preciso lembrar que ―o

educador é agente de sua própria formação, o que implica em reconhecer tanto um percurso

pessoal de formação como o entrecruzar de histórias e de pluralidades‖ (FERNANDES, 2009,

p. 22).

Desse modo, a formação continuada, entendida como processo permanente de estudos

após ingresso na docência, constitui-se como ampliação das possibilidades de conhecimentos,

em um movimento que envolve conversas e discussões com os colegas, estudo de situações e

busca de respostas teóricas para as experiências, em uma espécie de apoio profissional,

considerando que o professor vai sendo ―lapidado‖ à medida que enfrenta a realidade. Essa

dinâmica formativa propicia, por um lado, o rompimento gradativo da cultura do isolamento

profissional e, por outro, o desenvolvimento de estratégias colaborativas aliadas à

autoformação.

Nesse contexto, fica demarcado que, no espaço escolar, os docentes precisam

participar dessa dinâmica de atualização continuamente, entendendo esses momentos como

Page 31: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

29

direitos assegurados, frutos de lutas históricas, portanto, fundamentais para a ação de

profissionais em constante aprimoramento.

1.3 Formação do docente de Língua Portuguesa

A formação do docente de Língua Portuguesa recebe atenção especial a partir do final

da década de 1990 e início dos anos 2000, em consonância com o movimento de valorização

de saberes da profissão. Segundo André (2001, p. 56), esse movimento ―ganha força no final

dos anos 80 e cresce substancialmente na década de 1990, acompanhando os avanços que a

pesquisa do tipo etnográfico e a investigação-ação tiveram nesse período‖, desenvolvidas por

profissionais de várias universidades brasileiras3. Além disso, as reformas educacionais,

ancoradas em melhoria da qualidade do ensino, a criação de legislações normatizadoras da

formação docente — entre elas a LDBEN4 9.394/96 e o FUNDEF

5 — e a disseminação de

programas de formação continuada contribuíram para novas configurações no ensino de

línguas.

Nessa direção, aumenta o interesse da Academia pelo assunto. De acordo com André

(2009),

[...] o aumento do volume de trabalhos científicos foi acompanhado por um

crescimento muito grande do interesse dos pós-graduandos pelo tema

formação de professores. Se no período de 1990 a 1998 a média de trabalhos

sobre esse tema ficou mais ou menos estável, em torno de 6%, de 1999 a

2003, passa a 14%, e nos anos seguintes continua em rápida ascensão

(ANDRÉ, 2009, p. 244).

Prova desse interesse são as publicações, contemplando reflexões sobre a formação do

professor e demonstrando a sintonia com as demandas linguístico-educacionais do século

XXI: Rojo (2000), Kleiman (2001), Magalhães (2004), Kleiman e Matêncio (2005),

Mendonça e Bunzen (2006), Signorini (2006, 2007), dentre outros.

Para responder a essa demanda profissional, as propostas de formação foram

encaminhadas, no sentido de instrumentalizar o professor teórico-metodologicamente para

desenvolver um trabalho pedagógico em consonância com os documentos oficiais e as

3 A autora destaca vários pesquisadores, nacionais e internacionais, e suas respectivas linhas investigativas,

focalizando o processo de formação do professor. Sobre isso, conferir André (2001, p. 56). 4 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

5 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da

Educação.

Page 32: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

30

pesquisas acadêmicas. Tencionando situar melhor nossas reflexões sobre a ―Formação do

professor de LP‖, retomaremos alguns aspectos do ensino da disciplina nas escolas primárias

e secundárias:

Durante um longo período, que vai desde o final do século XVIII até meados

do século XX, percebemos um destaque muito maior para o ensino das

regras gramaticais e da leitura – entendida como uma prática de

decodificação e memorização de textos literários – do que escrever

(BUNZEN, 2006, p. 141) [grifo do autor].

Com essa afirmação, podemos depreender o viés de formação inicial dos professores

de língua nas escolas, marcado pela transmissão de conteúdos aprendidos nos cursos

destinados à sua profissionalização. Na realidade, a aprendizagem ocorria por imitação e

repetição de modelos consagrados, considerados como exemplos a serem seguidos. Assim,

―acreditava-se no aprendizado pela exposição à boa linguagem e na existência de uma língua

homogênea, a-histórica e, consequentemente, não problemática‖ (BUNZEN, 2006, p. 142).

Nesse contexto, exemplos de boa linguagem, sinônimo, portanto, de norma culta, eram ―os

textos literários portugueses e brasileiros em prosa e verso‖, que se prestavam a diferentes

finalidades: ―exercícios de leitura, recitação, análises sintáticas e composição” (BUNZEN,

2006 p. 143) [grifo do autor].

Esses modos de ensinar a língua portuguesa, prezando pelo ―bem dizer‖ e pela ―boa

escrita‖, tendo como referenciais os textos canônicos, orientaram práticas docentes por muito

tempo, justificando o ensino tradicional e ―normativo que priorizava a análise da língua e a

gramática‖ (ROJO; CORDEIRO, 2004, p. 8), próprio de uma formação de cunho

estruturalista.

Libâneo (1994), ao apresentar as tendências pedagógicas no Brasil, situa o ensino

tradicional exemplificando, nesse contexto, a função do aluno e, consequentemente, a tarefa

do professor:

A atividade de ensinar é centrada no professor que expõe e interpreta a

matéria (...). Supõe que ouvindo e fazendo exercícios repetitivos, os alunos

―gravam‖ a matéria para depois reproduzi-la, seja através das interrogações

do professor, seja através das provas. (...) O aluno é um recebedor de

matérias e sua tarefa é decorá-la (...). O professor tende a encaixar os alunos

em um modelo idealizado de homem que nada tem a ver com a vida presente

e futura (...). O método é dado pela lógica e sequência da matéria (1994, p.

64).

Page 33: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

31

As transformações socioeconômicas e culturais, o processo de democratização de

acesso da população à escola e as novas condições sociopolíticas (Rojo, 2009), próprias da

década de 1960, impuseram novas exigências à escola. Com isso, alterou-se o quadro de

alunos nos bancos escolares e, consequentemente, a docência adquire novo perfil, uma vez

que pessoas das classes populares adentram as instituições de ensino, assumindo também o

ofício de professor, antes comumente função assumida pelas moças das classes de prestígio na

sociedade.

Essa situação, associada às políticas educacionais da época, que ampliam vagas no

ensino público, porém sem propor planos de carreira para a valorização da categoria, afeta,

sobremaneira, a docência. Em razão disso, ―a profissão de professor começa a desprestigiar-

se, a perder autonomia, a deslocar-se nos espaços sociais‖ (ROJO, 2009, p. 86).

Na década de 1970, o marco foi a promulgação da Lei 5.692/71, que, além de

oficializar a ampliação de oferta de vagas na escola, implantou a língua portuguesa como

―instrumento de comunicação e expressão da cultura brasileira” (ROJO, 2009, p. 87). Com

isso, a disciplina ganha nova ―roupagem‖ terminológica, nas várias etapas da Educação

Básica: Comunicação e Expressão (1ª à 4ª série ou primário, correspondendo aos atuais 1º ao

5º ano ou anos iniciais do Ensino Fundamental), Comunicação e Expressão em Língua

Portuguesa (5ª à 8ª série, ou ginásio – atuais 6º ao 9º ano ou anos finais do EF -) e Língua

Portuguesa e Literatura (2º grau, ou antigo colégio - atual Ensino Médio).

Curiosamente, ainda nos dias atuais, presenciamos propostas de ensino ancoradas

nessa lógica, inclusive com professores distintos para cada especificidade da língua:

Literatura, Gramática e Redação. Essa organização curricular, muitas vezes, é difundida com

a roupagem de um ensino inovador de LP e, lamentavelmente, é bem aceita pela sociedade em

um momento histórico cuja inter/transdisciplinaridade consolida-se como viável para

atendimento das demandas educativas linguísticas na atualidade.

Todas essas mudanças terminológicas mencionadas anteriormente, a nova clientela da

escola e os debates acerca dos conteúdos de ensino, com vistas à melhoria da qualidade

educacional do país, colocam os docentes na berlinda, uma vez que havia discordância quanto

aos pressupostos defendidos pelos pesquisadores, como, por exemplo, ―integrar, às práticas de

ensino e de aprendizagem na escola, novos conteúdos além daqueles tradicionalmente

priorizados em sala de aula‖ (BRASIL, 2006, p. 19). Ademais, não se pode dizer que os

estudos acerca da língua e da linguagem apresentavam sustentação teórica que desse aos

professores condições para construírem ações pedagógicas autônomas (BRASIL, 2006) e

Page 34: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

32

mudassem práticas históricas. Faltava suporte para tais mudanças paradigmáticas. Para os

pressupostos educacionais da época, ―valorizar a criatividade seria condição suficiente para

desenvolver eficiência da comunicação e expressão do aluno‖ (BRASIL, 1998, p. 17).

Os anos 1980, segundo dados constantes nos Referenciais para Formação de

Professores (BRASIL, 1999), foram marcados por reformas educativas em vários países do

mundo. No Brasil, lutas em prol da melhoria salarial e formativa dos professores ganharam

visibilidade no cenário nacional, por duas razões:

[...] de um lado, pelo crescente achatamento dos salários dos profissionais da

educação – uma vez que não havia recomposição frente a uma inflação

muito alta – e, por outro, por índices alarmantes de fracasso escolar no

ensino fundamental – traduzidos em percentuais de repetência e evasão

inaceitáveis (BRASIL, 1999, p. 28).

Frente a essa situação de fracasso escolar, a escola recebe duras críticas oriundas de

esferas diversas. Os meios de comunicação de massa divulgam dados preocupantes de

fracassos nos vestibulares das instituições de ensino superior, pois muitos candidatos não

obtinham a pontuação necessária para ingresso no curso escolhido. Além disso, a escrita de

muitos alunos da Educação Básica apresentava ―erros‖ considerados grosseiros, contrariando

o padrão desejado pela sociedade.

Nesse momento, pesquisas diversas, especialmente de base sociolinguística, anunciam

novos fundamentos para o ensino. Consequentemente, o texto é alçado ao cerne das

orientações curriculares, enquanto ―as propostas, programas e materiais didáticos passam a se

pronunciar decisivamente em favor da presença dos textos, em mais de uma diversidade de

textos, em especial das mídias de grande circulação‖ (ROJO, 2009, p. 87). Bunzen (2006), ao

destacar a inserção do texto como unidade de ensino-aprendizagem, lembra que no tocante à

produção ―o conceito de texto, muitas vezes, ficou restrito à análise dos aspectos da

textualidade centrados no texto (coesão e coerência) e bem menos no usuário/interlocutor

(intencionalidade, aceitabilidade etc.)‖ (BUNZEN, 2006, p. 152) [grifo do autor]. Para

responder às exigências educacionais em curso, professores e produtores de livros didáticos

(LD) centram esforços na elaboração de propostas diversificadas de produção textual, porém

―tal diversidade parece ter sido focada muito mais no enfoque da estrutura composicional

dos textos do que na diversidade de contextos e situações de produção‖ (BUNZEN, 2006, p.

152-153) [grifo do autor].

O livro didático (LD), citado por Rojo e Bunzen, orienta a atuação docente em meio a

tantas transformações, com roupagem de inovação, todavia mantendo orientações tradicionais

Page 35: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

33

de ensino, centradas no ensino normativo da língua. Há também, nesse período, um intenso

movimento de formação continuada de professores, objetivando alterações no quadro

educacional, impulsionado pelas idéias de Geraldi (PAULA, 2008) e pelo o contexto da

época, que exigiam novas bases para o ensino, conforme afirmado.

Geraldi (2003) pronuncia-se sobre a educação da época, afirmando que,

na prática escolar, institui-se uma atividade lingüística artificial: assumem-se

papéis de locutor/interlocutor durante o processo, mas não se é

locutor/interlocutor efetivamente. Essa artificialidade torna a relação

intersubjetiva e ineficaz, porque a simula (GERALDI, 2003, p. 89).

Com essa crítica, o autor faz menção, mesmo que implicitamente, à preparação do

professor, apontando as fragilidades de sua formação para o trato da linguagem nos processos

de ensino e aprendizagem. Embora as propostas curriculares oficializassem, em seus textos,

críticas ao ensino tradicional, rejeitando formas canônicas, as práticas docentes ainda

prezavam por orientações de língua como código (BUNZEN, 2006).

Nos anos de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/06

(LDBEN) estabeleceu novas bases para o ensino, materializando com os PCNLP (BRASIL,

1998), uma referência para discussões curriculares, com o objetivo de contribuir para a

revisão e a elaboração de propostas didáticas de estados e municípios. Os PCNLP (BRASIL,

1998) oficializaram mudanças para o ensino de Língua Portuguesa, elegendo o texto como

orientador das aprendizagens e o gênero como instrumento de ensino, exigindo novas posturas

dos professores no contexto de sua atuação, diferentes das práticas tradicionais em que era

comum ―atribuir-se ao ensino a tarefa de mera transmissão de conhecimentos, sobrecarregar o

aluno de conhecimentos que são decorados sem questionamento, dar somente exercícios

repetitivos (LIBÂNEO, 1994, p. 65). Assim, a perspectiva de formação continuada consolida-

se como necessária e fundamental, com a finalidade de preparar os docentes para, de fato,

assumirem a concepção de ensino abraçada pelos documentos oficiais em seu contexto real de

atuação.

Em Língua Portuguesa, podemos dizer que o processo de formação, com um viés

específico, ganha visibilidade a partir da publicação dos PCNLP (BRASIL, 1998), produzidos

como referência para o ensino brasileiro, após a denúncia de pesquisas que atestavam os

problemas advindos do ensino tradicional. Rojo e Cordeiro (2004) destacam que ―essa virada‖

passou a ecoar com mais força nos programas e propostas curriculares oficiais brasileiros a

partir de 1997/1998, com a incorporação dos PCNLP (BRASIL, 1998), embora já tivesse tido

Page 36: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

34

eco anteriormente em numerosas propostas curriculares oficiais estaduais, exigindo a inserção

dos professores no processo de formação continuada, para garantir a efetivação do que

estabelecia o documento.

Em relação a esse assunto, Kleiman (2005) destaca:

A formação do professor transformou-se em objetivo prioritário de um bom

número de programas de pesquisa e de ação no governo e na universidade

nos últimos anos. Acredita-se que parte dos enormes problemas que assolam

a escola pública brasileira será atenuada, e até remediada, em decorrência de

uma formação renovada desse profissional (KLEIMAN, 2005, p. 203).

No ano de 2009, no V SIGET6 (Simpósio Internacional de Estudos Gêneros Textuais),

Joaquim Dolz, da Université de Genève, Faculté de Psychologie et des Sciences de

L‘Éducation, abordou a formação de professores, tema de grande importância para o Brasil e

para o mundo. O autor elegeu ―os cinco grandes desafios da formação do docente de

línguas‖7:

1. conhecer melhor as línguas… para o ensino.

2. analisar as capacidades e as dificuldades dos alunos.

3. criar e adaptar dispositivos de ensino.

4. desenvolver os gestos profissionais no quadro da atividade docente.

5. articular pesquisa, inovação e formação

Para o autor, todos esses desafios são oriundos de contextos de crises econômicas, de

economias emergentes, como o Brasil, em que a atividade docente é fundamental para dar

respostas positivas às necessidades do momento histórico. Isso também requer professores

preparados para atender a demandas específicas, com formação universitária sólida, e

preparados para atuar, articulando saberes teóricos e práticos.

Para exemplificar os desafios elencados, Dolz (2009) apresenta detalhes que, para fins

didáticos, serão expostos, observando a sequência da citação acima.

O primeiro item alerta para o ensino plurilíngue nas escolas, respeitando a identidade

dos alunos como critério para a apropriação de saberes necessários ao real uso da língua dos

países onde vivem. Para isso, o autor lembra que o professor precisa ser preparado para tais

demandas e sugere uma ―didática integrada de línguas‖, como forma de apoiar o profissional

no contexto educacional, uma vez que ele é modelo para os alunos na escola.

6 O V SIGET aconteceu de 11 a 14 de agosto de 2009, na Universidade de Caxias do Sul, e reuniu pesquisadores

do mundo inteiro, interessados no estudo dos gêneros. 7Material disponível em:

http://www.ucs.br/ucs/extensao/agenda/eventos/vsiget/portugues/Download%20%20das%20palestras.

Page 37: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

35

Observar as necessidades dos alunos, diagnosticando-as e analisando-as para elaborar

estratégias de ensino pertinentes às situações, é parte do segundo aspecto. Criar ferramentas

para trabalhar com os gêneros é tratado no terceiro desafio. Essa proposta é complementada

por considerações que conclamam as instituições formadoras para a criação de condições

favoráveis à produção de dispositivos didáticos, condição importante para romper com a

lógica da apresentação de materiais, sem envolvimento do futuro professor.

No quarto desafio, Dolz (2009) ressalta que as instituições formadoras devem

acompanhar o futuro professor na prática, para orientá-lo quanto ao uso da teoria na atuação

pedagógica. No último desafio, o autor enfatiza a relevância da tríade ―investigação –

inovação - formação continuada‖ como requisito para práticas baseadas na investigação, e não

em crenças, como forma de alterar o ensino prescritivo, ainda vigente em diferentes instâncias

educativas.

É Dolz quem afirma: ―em um país emergente como o Brasil, melhorar a educação,

afrontar os problemas do letramento, combater o fracasso escolar (...) tudo isso exige um

plano de formação inicial (...) e um plano para o aperfeiçoamento dos professores‖. Esses

desafios ―supõem tensões e dificuldades evidentes, mas abrem novas pistas, novos caminhos

para melhorar a formação‖ (DOLZ, 2009).

Na tentativa de apontar caminhos para a melhoria da qualidade do ensino, tendo o

professor como principal — e não o único — agente de transformação, Mato Grosso cria

centros de formação para o desenvolvimento de propostas de apoio aos profissionais da

Educação Básica. Em razão disso, explicitaremos, a seguir, a função dos Cefapros, inserindo

o Centro de Formação de Juara nesse contexto, e mencionando o papel desses Centros na

consolidação de políticas de apoio pedagógico ao professor de LP.

1.4 Política de formação continuada de Mato Grosso via Cefapro

Todo o debate em torno da educação, no final do século passado, gerou inúmeros

documentos legais, pesquisas científicas e propostas metodológicas com a finalidade de

melhorar as condições do ensino ofertado nas escolas, com maior investimento em todos os

setores da educação, inclusive em infraestrutura das escolas, recursos humanos qualificados e

acesso e permanência dos alunos da educação básica, oficializando, dessa maneira, a

universalização da educação a todos os brasileiros.

Page 38: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

36

Em Mato Grosso, a formação continuada é efetivamente discutida a partir de 1998. No

entanto, em 1994, o diagnóstico do Plano de Metas no Estado acusava que a educação

merecia atenção especial. Máximo e Nogueira (2009) esclarecem que essa situação pode ser

justificada, porque

[...] o investimento na educação sofreu uma diminuição a partir de 1993, o

que, certamente, veio causar prejuízos ao sistema educacional, com redução

de salários dos docentes, nas melhorias da infra-estrutura das escolas e nos

investimentos na capacitação dos professores (MÁXIMO e NOGUEIRA,

2009, p. 52).

Esse caos, evidentemente, colocou a educação como prioridade no Plano de Metas

mato-grossense, em razão da intensa mobilização da década de 1990, atribuindo às políticas

governamentais a responsabilidade pela mudança, materializada em expectativa de melhoria

do quadro do ensino nacional. Com isso e a partir do diagnóstico institucional da ineficiência

do ensino, em virtude do mau funcionamento das instituições escolares (MÁXIMO e

NOGUEIRA, 2009), Mato Grosso propõe estratégias para a consolidação de uma escola

democrática, a partir de investimentos em vários setores, viabilizando ―o fortalecimento da

escola, a gestão compartilhada [Estado, Município, escola e comunidade], a valorização do

magistério e a avaliação educacional‖ (MÁXIMO e NOGUEIRA, 2009, p. 59). Essa

descentralização coloca a SEDUC como apoiadora das escolas e exige delas

responsabilidades com a destinação dos recursos, elaboração de suas propostas curriculares,

criação de seus projetos de ensino, para alcançar a desejada melhoria na qualidade da

educação estadual.

Nesse sentido, o documento Política de Formação dos Profissionais da Educação

Básica de Mato Grosso (2010) destaca que,

[...] enquanto política pública de educação, a política de formação em Mato

Grosso busca deslocar a formação da responsabilidade individual para uma

responsabilidade pública; procura inseri-la no contexto das políticas públicas

para transformá-la em compromisso, com valorização profissional e

destaque do papel da escola no contexto das transformações sociais (MATO

GROSSO, 2010, p. 14).

No ―pacote‖ da política de melhoria da qualidade do ensino e assumindo as mudanças

decorrentes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), que, entre suas

prerrogativas, determinava medidas para solucionar a situação dos professores em exercício e

não-habilitados, Mato Grosso desenvolve vários projetos, dentre eles: a) nível médio -

Page 39: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

37

GerAção (habilitação em Magistério para professores em atuação) e TUCUM – para

professores indígenas; b) nível superior - PIQD (Programa Interinstitucional de Qualificação

Docente)8.

Ainda em decorrência do objetivo estratégico de alterar os altos índices de repetência e

evasão no Ensino Fundamental, o Estado implementa uma política educacional de

rompimento com o sistema seriado de ensino. Para isso, implanta o Projeto Terra9 (1996) e o

Ciclo Básico de Aprendizagem10

(1998) ─ ambos congregando a 1ª e 2ª séries num único

bloco de ensino ─ como alternativas experimentais inovadoras; e por fim, é oficializada a

proposta educacional do Estado, a ―Escola Ciclada de Mato Grosso‖, com Ensino

Fundamental de nove anos, divididos em ciclos, cada um com três fases.

Com inúmeras propostas/programas em andamento e algumas em projeção, somente

em 1997 a formação continuada esteve em pauta nas ações do governo mato-grossense.

Especialmente para fortalecer a política de formação docente e disseminar propostas para a

melhoria da ação educativa, em 1997, a SEDUC/MT implanta os primeiros Cefapros - Centro

de Formação e Atualização do Professor - em Cuiabá, Diamantino e Rondonópolis11

. Em

1998 são criados mais cinco Centros, com a finalidade de apresentar os pressupostos teóricos

orientativos da proposta de formação continuada, estabelecer objetivos, propor procedimentos

metodológicos, fixar os critérios de implantação de outros centros, definir condições de

ingresso (docente do Centro, professor cursista, professor-coordenador e diretor) e esclarecer

responsabilidades da Secretaria de Educação Estadual (MATO GROSSO, 1998). No ano

2000, havia no Estado doze Centros de Formação, compostos por equipe gestora (diretor,

coordenador de formação e secretário) e professores formadores das áreas de conhecimento,

8 Os projetos GerAção, TUCUM (http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=132&parent=129) e

PIQD foram desenvolvidos por modalidade híbrida, com momentos de aulas presenciais (nas férias escolares) e

a distância, oportunidade em que atividades práticas eram desenvolvidas com os alunos, como alternativa de

consolidação da teoria, e realizados outros estudos complementares. 9 O Projeto Terra, estruturado em Ciclos de Formação, foi implantado, de maneira experimental, em 22 escolas

públicas urbanas e rurais de Mato Grosso, visando a diminuir o quadro de evasão e retenção dos alunos nas

escolas. 10

O Ciclo Básico de Aprendizagem —CBA — foi considerado importante porque ―inaugurou uma estratégia

político-pedagógica de caráter democrático para o enfrentamento do fracasso escolar, eliminação da reprovação

no primeiro ano de escolaridade‖, procedimento que contribuiu para a ―permanência de crianças em idade

escolar no sistema de ensino, garantindo assim, inicialmente, o direito à alfabetização‖ (MATO GROSSO, 2000,

p. 17). 11

A ideia gênese de organização semelhante à do Cefapro foi gestada nesse município, especificamente na

escola estadual Sagrado Coração de Jesus, quando um grupo de professores da rede estadual e da universidade

federal da localidade se reunia para estudos de temáticas pertinentes ao processo de ensino. Referendada por essa

experiência, a SEDUC criou uma estrutura de formação, com professores especialistas para acompanhar os

professores da rede pública, dando-lhes principalmente subsídios teóricos em grupos de estudos, nos quais as

experiências dos professores eram o mote de todas as reflexões.

Page 40: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

38

que se responsabilizaram pelas formações orientadas pela Secretaria de Estado de Educação

(SEDUC).

O quadro de profissionais foi selecionado por prova escrita e entrevista, feita por uma

comissão designada para esse fim, observando alguns critérios, conforme documento

orientativo: ser professor efetivo da rede estadual de ensino, portar título de curso superior

para a área pleiteada, ter experiência comprovada de três anos em escolas públicas do Estado

e ser aprovado no processo seletivo (prova escrita, análise do currículo e entrevista), nas

vagas disponibilizadas em edital (MATO GROSSO, 1998).

Posteriormente, os demais centros foram criados em pontos estratégicos do Estado

para proporcionar formações aos professores, uma vez que muitos só teriam oportunidade de

continuar seus estudos nesses espaços.

Ano Polo Legislação Qde

1997 Cuiabá, Diamantino e

Rondonópolis

Decreto 2.007 de

29 de dezembro 3

1998 Alta Floresta, Barra do Garças,

Cáceres , Juína e São Félix do

Araguaia

Decreto 2.319 de

08 de junho 5

1999 Confresa, Juara, Matupá e

Sinop

Decreto 53 de 22

de março 4

2005 Tangará da Serra Decreto 6.824 de

08 de agosto 1

2008 Primavera do Leste e Pontes

Lacerda

Lei 9.072 de 24/12 2

TOTAL 15 Quadro 1: Polos dos Cefapros/MT (SUFP/SEDUC, 2010).

O Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica foi criado

para desenvolver a Política de Formação dos Profissionais da Educação Básica da SEDUC-

MT, a partir da ―capacitação, atualização e habilitação, propiciando desenvolver uma nova

cultura profissional de professores‖ (MATO GROSSO, 1998, p. 11). Com isso, o currículo

sugerido para o desenvolvimento das competências profissionais do professor defende a

formação continuada como um continuum, rompendo com a lógica de cursos pontuais para

melhoria da prática pedagógica, que, aliás, não se efetiva em ―cursinhos‖ de 40 horas (MATO

GROSSO, 1998). Nos procedimentos metodológicos, o documento delineia formas de

atendimento.

Page 41: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

39

1.3.1 A formação continuada se desenvolverá através de sessões de estudos

de atualização, cursos, discussão e reflexão da prática docente, planejadas de

modo que atendam a clientela nos três turnos diários, a fim de atender

também a rede municipal de ensino e obedecerá a um número máximo de 60

professores por turma, agrupados por escola na hora-atividade do professor.

1.3.2 A primeira sessão se destinará a levantar as expectativas e

necessidades dos docentes. O resultado subsidiará a programação das

reuniões. Este trabalho de ouvir e refletir com os professores [sobre] os seus

problemas deverá nortear programa do curso (MATO GROSSO, 1998, p.

19).

Em 2005, os Cefapros/MT foram transformados em Unidades Administrativas pela

Lei 8.405, de 27 de dezembro de 200512

. Essa Lei definiu, no Art. 1°, parágrafo único, que os

Cefapros têm por finalidade a formação continuada, a inclusão digital e o uso de novas

tecnologias na prática pedagógica dos professores da educação básica da rede pública estadual

de ensino. No mesmo documento é oficializada a avaliação dos profissionais do Centro,

mediante instrumentos e relatórios de produtividade, analisados anualmente por comissões

designadas pela SEDUC.

Em 2008, o Decreto nº 1.395, de 16 de junho, é publicado, regulamentando a Lei

8.405, de 27 de dezembro de 2005. Nele são explicitadas as atribuições dos profissionais do

Centro, inclusive do professor formador, delineadas no Artigo 10, inciso IV, p. 2:

a) Diagnosticar, junto aos professores, as necessidades educativas,

formativas e demandas da sua área de atuação;

b) Planejar ações de formação, de acordo com PPDC13

, viabilizando

metodologias que atendam às necessidades formativas dos professores do

pólo;

c) Elaborar o plano de ação por área de conhecimento;

d) Desenvolver projetos de intervenção referentes às necessidades

diagnosticadas em seu campo de atuação;

e) Acompanhar e executar as ações formativas em consonância com o

Projeto Político Pedagógico;

f) Promover e gerenciar a auto-formação para o bom desenvolvimento

de seu trabalho, atualizando-se em relação aos conhecimentos científicos e

tecnológicos;

g) Avaliar juntamente com a equipe gestora o processo de formação

desenvolvido pelo CEFAPRO no decorrer do ano letivo;

h) Orientar, monitorar, acompanhar e avaliar o trabalho dos técnicos dos

Laboratórios de Informática das unidades escolares.

i) Fazer avaliação anual determinada pela comissão permanente de

avaliação.

12

Publicada no Diário Oficial no dia 29 de dezembro de 2005, p. 2. 13

O PPDC - Projeto Pedagógico de Desenvolvimento do Cefapro – é um documento elaborado coletivamente

pelos profissionais do Centro de Formação e nele consta aspectos pedagógicos e orçamentários das ações a

serem desenvolvidas no polo no ano em questão.

Page 42: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

40

Constituídos inicialmente como Unidade Escolar do sistema público estadual de

ensino para docentes que atuam na educação básica, os Centros de Formação perseguem o

objetivo de executar uma política de formação de apoio aos professores, subsidiando também

as Unidades Escolares na elaboração de seus Planos de Formação, principalmente,

incorporando pressupostos da Escola Ciclada, para a melhoria da ação educativa.

Paralelamente, e para contribuir com a implementação de outras práticas de ensino, são

desenvolvidos pelo Centro projetos de formação, como: a) PCN em Ação – programa

elaborado pelo MEC para promover estudo dos pressupostos dos PCN (1997), articulando-os

à prática pedagógica; b) Arara Azul – qualificação profissional em serviço para profissionais

da educação nas funções de Técnico do Administrativo Educacional (TAE) e Apoio

Administrativo Escolar (AAE); c) GESTAR – programa de formação continuada com o

objetivo de melhorar a atuação docente para melhoria dos índices educacionais.

Em 2004, para preenchimento de vagas, outra seleção ocorre nos Cefapros de todo o

Estado, esvaziado em função das responsabilidades assumidas com a formação dos

professores, em detrimento do aporte formativo dado pela SEDUC/MT. A urgência na

composição do quadro responde aos desafios de fortalecer a escola organizada por ciclos, nos

anos iniciais – 1º ao 5º ano da escolarização ─ com a finalidade de intensificar as formações,

visando à incorporação dos fundamentos teórico-metodológicos da proposta educacional

pelos professores. Para isso, a Secretaria de Educação fez parceria com algumas Instituições

de Ensino Superior – IES – de Mato Grosso, objetivando tornar os Cefapros centros de

excelência, principalmente para fortalecer o trabalho de formação continuada nos polos.

A partir de então, e orientados por uma matriz curricular sugerida pela SEDUC, cada

Centro formula seus projetos de formação continuada, tendo os pressupostos da Escola

Ciclada como norteadores dos planejamentos, intensificando, dessa maneira, a oferta de

cursos presenciais de atualização. Além disso, o Projeto Sala de Educador desponta nesse

cenário como política de formação continuada cujo locus é a própria unidade escolar de

atuação dos profissionais. As ações do Projeto são operacionalizadas nas cidades-polos, em

sistema de parceria entre SEDUC/Cefapros/escolas, delegando o gerenciamento da formação

continuada aos envolvidos no processo, especialmente aos formadores e aos gestores do

Centro de Formação, aos coordenadores pedagógicos das escolas, com a colaboração dos

professores. Dessa forma, instaura a co-participação, para ―propor, elaborar, refazer, executar,

intervir quando necessário, socializar, acompanhar e avaliar o projeto de formação,

Page 43: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

41

oportunizando o crescimento e a qualificação constantes do profissional docente‖ (MÁXIMO

e NOGUEIRA, 2009, p. 92).

Apesar dos esforços empreendidos14

e dos investimentos feitos para a melhoria da

qualidade do ensino, dados do SAEB revelam um declínio nos índices de desempenho dos

alunos do EF, fato que motiva a implementação de uma proposta de avaliação desses alunos e

capacitação de seus professores, desenvolvida pela Fundação CESGRANRIO - Centro de

Seleção do Grande Rio - em parceira com a SEDUC: Projeto Eterno Aprendiz. Segundo

Máximo e Nogueira (2009), esse investimento atingiu a ordem de R$ 6.400.039,09 para a

realização do projeto, incluindo encontros com professores; desse valor, R$ 1.440.100,00

representaram gastos com a contração da empresa executora para assessoria e realização dos

encontros do curso. O projeto, com carga horária de 100 horas, foi desenvolvido no ano de

2006 em 4 etapas em alguns municípios-polos: Cáceres, Cuiabá, Barra do Garças,

Rondonópolis, Sinop e Tangará da Serra15

. Inicialmente, os multiplicadores – professores de

Língua Portuguesa e Matemática da rede estadual de ensino e dos Cefapros – foram

capacitados para a operacionalização do Projeto nas escolas, e no ano seguinte a ―grandiosa‖

ação formativa foi assegurada aos professores em exercício nas escolas estaduais,

especificamente aos efetivos.

Em 2009, outra grande ação de formação é efetivada pela SEDUC, dessa vez em

parceria com o MEC: trata-se do GESTAR II. O objetivo centra-se na capacitação de

multiplicadores para atuar no desenvolvimento das propostas em vários municípios-polos do

Estado e envolve profissionais dos Cefapros, das escolas estaduais e municipais .

Nos últimos anos, os Cefapros, localizados estrategicamente conforme demonstrado

abaixo, têm a função de disseminar as políticas públicas educacionais, perseguindo o objetivo

de se tornarem centros de referência de formação continuada no Estado. Para isso, organizam

suas ações, referendadas pelas necessidades formativas dos profissionais das escolas, em

consonância com os projetos e programas assumidos por Mato Grosso, oriundos das parcerias

institucionais, conforme mencionado. Nesse sentido, tornam-se o grande implementador dos

cursos de formação continuada para professores em serviço apontado no Plano de Ações

14

Neste caso, consideramos especificamente os profissionais dos Cefapros e os professores das escolas que,

apesar dos avanços numericamente pouco significativos, cada um, na sua esfera de atuação, se empenhou na

tentativa de dar respostas positivas ao cenário desolador. Os primeiros, dentro de suas limitações teórico-

metodológica fomentar a formação continuada; o segundo, nos conflitos entre a inovação e ausência de subsidio

para efetivar as mudanças requeridas. 15

No site da Fundação CESGRANRIO, a empresa cita esse trabalho como inserido nos grandes projetos de

capacitação de professores, oferecidos em vários estados:

http://www.cesgranrio.org.br/projetos/projetos_capacitacao_principal.aspx

Page 44: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

42

Articuladas (PAR), dos municípios e do Estado. Portanto, deixam de ser propositores de

projetos de formação, elaborados pelos formadores nas áreas de conhecimento, para

efetuarem o atendimento das demandas formativas dos professores do polo, como aconteceu

regularmente em 2007 e 2008.

Figura 1: Polos atuais dos Cefapros de Mato Grosso (Acervo pessoal)

Atualmente, os principais propulsores da formação continuada são o Projeto Sala de

Educador, antigo Sala de Professor, reconfigurado para contemplar também as necessidades

formativas dos TAE e AAE, incluídos oficialmente como profissionais da educação, e os

Programas nacionais em parceria com o MEC. Abaixo listamos alguns deles:

a) Proinfantil: curso em nível médio, a distância, na modalidade Normal, e destinado

aos professores da educação infantil em exercício nas creches e pré-escolas;

b) Pró-letramento: focado na aprendizagem da leitura/escrita e matemática,

contemplando professores dos anos iniciais do ensino fundamental;

c) Profuncionário: voltado para a formação dos funcionários da educação das escolas –

TAE e AAE – em efetivo exercício;

d) ProInfo Integrado: voltado para o uso didático-pedagógico das TIC no processo de

ensino, a partir de alguns cursos como Introdução à Educação Digital (40h);

Page 45: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

43

Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC (100h) e Elaboração

de Projetos (40h).

Dessa maneira, o Cefapro funciona como um canal de aproximação entre as escolas e

a SEDUC, pelo viés pedagógico. Portanto, consolida-se enquanto centro de referência para a

formação dos profissionais da Educação Básica, com identidade remodelada em função das

políticas públicas educacionais, sendo estas formuladas para atender às exigências de um país

em desenvolvimento, como o Brasil.

Nesse contexto, o Cefapro de Juara participa desse movimento político-educativo,

contribuindo localmente para a efetivação dos processos de formação continuada, integrado às

proposições da SEDUC, conforme se verá a seguir.

1. 5 Cefapro de Juara em sintonia com as políticas educacionais da SEDUC/MT

O Cefapro de Juara, formado pelos municípios do Vale do Arinos (Juara - cidade sede

- Novo Horizonte, Porto dos Gaúchos e Tabaporã) é criado pelo Decreto 2.319, de 08 de

junho de 1998, juntamente com mais outros quatro Centros (Cf. Quadro 1).

Figura 2: Polo do Cefapro de Juara (Acervo Pessoal)

―Nasce‖ com a finalidade de atender à demanda de formação, conforme exigências de

implantação e funcionamento do Centro, a saber, ―necessidade regional voltada para o

Page 46: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

44

Sistema Público de Ensino, com vista ao Programa de Qualificação e Atualização Docente‖

(MATO GROSSO, 1998, p. 23), a partir de ―pesquisas nos municípios do Estado para

levantar a necessidade da criação do Centro em pólos regionais no Estado de Mato Grosso‖

(MATO GROSSO, 1998, p. 23).

O Centro começou suas atividades junto à Assessoria Pedagógica local, porque ainda

não contava com sede própria16

. Com isso, a equipe gestora designada para atuar nele se

dedicou, inicialmente, à estruturação administrativo-pedagógica para fazê-lo funcionar de

acordo com os parâmetros da formação continuada. Apenas em agosto de 1999, o primeiro

teste seletivo foi aplicado para preenchimento do quadro de professores do Cefapro, seguindo

os critérios estabelecidos para pleitear a vaga na instituição formadora, dentre eles, ser efetivo

na rede estadual de ensino, conforme mencionado. Curiosamente, apenas a vaga de Língua

Portuguesa foi ocupada.

Em razão do número reduzido de profissionais no Cefapro juarense, figurou como

ação inicial de formação dessa instituição a série ―Programa Salto para o Futuro/TV Escola‖,

em consonância com as ―propostas estratégicas para melhorar o desempenho do sistema

público estadual de educação (MÁXIMO e NOGUEIRA, 2009, p. 113). Com isso, os

encontros semanais ocorreram das 17h às 19h, incluindo o horário de exibição ao vivo dos

programas, antecedido de leitura e discussão do boletim17

. Ao término da série exibida na

semana - 5 programas ─ cada professor produzia um ―relatório‖, para assegurar a certificação.

Em 2000, houve uma recomposição do quadro, via seleção, aumentando o número de

profissionais, uma vez que a equipe do ano anterior se desligou do Centro. Esse novo quadro

possibilita ações de formação continuada em consonâncias com as políticas educativas eleitas

para o momento. Dessa maneira, ganharam visibilidade no cenário local propostas de

formação para implantação da Escola Ciclada, Programa PCN em Ação e Projeto Arara Azul,

todos integrados à política educacional de melhoria da qualidade do ensino estadual.

Consolidando uma das primeiras e grandes ações da equipe de 2000 é organizada a

apresentação da proposta ―Escola Ciclada de Mato Grosso‖ aos professores do polo. Em

16 Os dados sobre o Cefapro local trazidos neste item foram obtidos em alguns arquivos do Centro, com

informações pontuais, e também retratam nossa experiência neste espaço de formação continuada:

primeiramente, na condição de cursista dos projetos ofertados; posteriormente, na função de professora

formadora da Instituição. 17

O boletim do Programa Salto para o Futuro (textos de apoio aos debates veiculados ao vivo), é composto

por cinco artigos, relacionados às séries temáticas da semana, e são escritos por consultores especialmente

convidados para isso. No site podem ser obtidos os documentos:

http://tvbrasil.org.br/saltoparaofuturo/boletins.asp

Page 47: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

45

grandes encontros, movidos por discussões, debates e rejeição explícita da proposta curricular

por ciclos de aprendizagem, os formadores, a partir de orientações recebidas da equipe da

SEDUC/MT, formulam argumentos na tentativa convencer os professores sobre a importância

de mudanças na educação, rompendo com a exclusão imposta pelo sistema seriado. Para

subsidiar o trabalho dos formadores e possibilitar a continuidade da reflexão sobre a proposta

apresentada, cada professor, na época, recebeu um exemplar do documento.

Paralelamente, a equipe centrou esforços no Projeto Arara Azul, destinado aos

Técnicos Administrativos Educacional (gestão escolar e multimeios) e Apoio Administrativo

Escolar (nutrição, vigia e limpeza), em colaboração com outros profissionais contratados, para

suprirem a demanda formativo-curricular do curso.

Outra proposta de formação continuada desenvolvida foi os ―PCN em Ação‖,

resultado da parceria entre SEDUC/MT e MEC, objetivando capacitar os professores dos anos

iniciais (1º ao 5° ano) pelo sistema de multiplicação. Uma consultora do MEC desenvolveu a

proposta com os coordenadores pedagógicos das escolas, a quem foi delegada a

responsabilidade pela formação dos professores nas escolas, embasados por exemplares

produzidos pelo Ministério da Educação.

Se os PCN (BRASIL, 1997) foram, de alguma maneira, contemplados em propostas

de formação continuada, o mesmo não ocorreu com os PCNLP (BRASIL, 1998). Na tentativa

de criar mecanismos para a compreensão dos documentos (incluindo de outras disciplinas),

grupos de estudos organizaram-se no Centro de Formação, porém conduzidos por professores

que sequer receberam capacitação específica para desempenhar tais tarefas. Na realidade, os

formadores estavam munidos de ―boa vontade‖, o que, em tese, não assegurou os

esclarecimentos teórico-metodológicos esboçados nos parâmetros para desempenhar

propostas de ensino ancoradas nos pressupostos desses documentos.

Nos anos 2001 e 2002, a implementação da Escola Ciclada, o Projeto Arara Azul e o

Programa PCN em Ação, em conjunto com algumas assessorias às escolas, resumiram a

atuação dos formadores em processos de formação continuada. Em 2003, o Centro de

Formação é esvaziado e, mais uma vez, permanece somente a equipe gestora, que participa do

processo de reordenamento das políticas de formação continuada, cuja opção recai sobre os

anos iniciais do EF.

Para a efetivação da proposição definida, no 1º semestre de 2004 é realizado outro

processo seletivo, para preenchimento das vagas nas áreas de conhecimento. Com isso, quatro

professoras são integradas ao quadro do Centro, no 2º semestre/2004, sendo uma

Page 48: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

46

representante de cada área: Alfabetização, Linguagens, Ciências da Natureza e Matemática,

Ciências Humanas e Sociais. Isso resulta na criação de inúmeros projetos de formação

continuada, nos anos seguintes, focando especialmente aspectos teóricos, como se isso

garantisse melhoria nas práticas pedagógicas dos professores. Além disso, a disseminação da

proposta educacional de Mato Grosso torna-se imperativa na formulação de tais propostas.

Em 2005, implementa-se o Projeto Sala de Professor em todas as escolas estaduais do

polo de Juara, atribuindo às instituições, parcialmente, a responsabilidade pela elaboração e

execução da formação no espaço de atuação dos profissionais, tendo a realidade educativa

como elemento desencadeador de estudos. Nesse sentido, a responsabilidade do Centro de

formação direciona-se para a figura do coordenador pedagógico, principal agente de formação

nesse espaço, apoiando-o, minimamente em suas funções.

Paralelamente a todo esse processo, os ―grandes‖ projetos de formação, com carga

horária de pelo menos 80h presenciais, continuam sendo implementados em todos os

municípios do polo. Em alguns momentos, esses projetos tratam a especificidade da

área/disciplina; em outros, de aspectos da proposta educacional do Estado.

Apesar dos projetos elaborados no Centro para atender à demanda formativa dos

professores de Língua Portuguesa, o ―Eterno Aprendiz‖, projeto de avaliação e

acompanhamento dos alunos de 1ª à 8ª série do Ensino Fundamental com capacitação de

professores de Língua Portuguesa e Matemática, e o GESTAR II, destinado aos docentes de

Língua Portuguesa e Matemática em exercício naquele ano, são significativos para mobilizar

os profissionais na discussão de novas proposições para o ensino.

No próximo item, enfatizaremos o Programa Gestão da Aprendizagem - GESTAR II -

de Língua Portuguesa, por ser embrionário do nosso foco de análise, o RPP.

1. 6 GESTAR II: política pública de formação continuada

No bojo das políticas públicas de melhoria da qualidade da educação, o investimento

na formação continuada de professores configurou-se como alternativa para o alcance de

índices educacionais condizentes com as exigências de um país emergente, como o Brasil,

uma vez que, como mencionado, exames nacionais ─ Prova Brasil e SAEB18

─ e

18

A Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) são avaliações diagnósticas,

feitas com alunos do quinto e do nono ano do Ensino Fundamental (EF), com a finalidade avaliar a qualidade do

ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro, com foco na leitura e resolução de problemas. Para levantar

esses dados, testes padronizados e questionários socioeconômicos são aplicados, sob a coordenação do INEP -

Page 49: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

47

internacional ─ PISA19

─ demonstravam, explicitamente, a fragilidade do ensino ofertado.

Com demonstrativos de baixo desempenho de proficiência dos alunos em LP e Matemática,

resultantes dessas avaliações, Socorro (2009) constata que, nesse contexto,

[...] as escolas seriam contempladas com um projeto de formação

continuada, editado para atender aos objetivos do Programa

FUNDESCOLA20

(..). Em 2002, na primeira edição do programa [GESTAR

I], este era oferecido em seis estados, de três diferentes regiões (Centro-

Oeste, Norte e Nordeste): Rondônia, Acre, Bahia, Mato Grosso, Mato

Grosso do Sul e Goiás.

O Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II – GESTAR II – vinculado à

Secretaria de Educação Básica21

/MEC e implementado a partir de 2004, conta com os

seguintes materiais: 1 Guia Geral, 1 Caderno do Formador, 6 Cadernos de Teoria e Prática –

TP, 6 Cadernos de Apoio à Aprendizagem do Aluno – AAA – versão do professor e 6

Cadernos de Apoio à Aprendizagem do Aluno – AAA – versão do aluno (para uso do

professor).

O Guia Geral (2008a) delineia formas de oferta, foco e finalidade do Programa:

É um programa de formação continuada semipresencial orientado para a

formação de professores de Matemática e de Língua Portuguesa, objetivando

a melhoria do processo de ensino aprendizagem. O foco do programa é a

atualização dos saberes profissionais por meio de subsídios e do

acompanhamento da ação do professor no próprio local de trabalho. Tem

como base os Parâmetros Curriculares Nacionais de Matemática e de Língua

Portuguesa dos alunos de 5ª a 8ª séries (6º ao 9º anos) do Ensino Funda-

mental. A finalidade do programa é elevar a competência dos professores e

de seus alunos e, conseqüentemente, melhorar a capacidade de compreensão

e intervenção sobre a realidade sócio-cultural (BRASIL, 2008a, p. 14).

A modalidade híbrida de oferta inclui encontros presenciais nas oficinas, realizadas

quinzenalmente, com duração de 4h, totalizando 80h; e a distância, com carga horária total de

220h: 180h destinadas ao estudo individual dos Cadernos, desenvolvimento das atividades em

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. 19

Programa Internacional de Avaliação dos Alunos que permite monitorar os sistemas educativos dos países

participantes. 20

O Fundo de Fortalecimento da Escola (FUNDESCOLA) é vinculado ao Fundo Nacional de Desenvolvimento

da Educação - FNDE/MEC – e financiado pelo Bird – Banco Mundial – para elevar a qualidade do ensino

ofertado pelas redes estaduais e municipais do Brasil. 21

Tem como função principal apoiar a educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, por meio de

projetos e programas, amparados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de

20 de dezembro de 1996, e pelo Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 10.172/2001. Atualmente, constam

na lista do MEC mais de 40 programas e ações destinados à educação básica. Os projetos e programas podem ser

acessados na plataforma do MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_pea.

Page 50: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

48

sala, pelo cursista-professor, e 40h para a elaboração de um projeto ao final do percurso, com

orientação do formador. Compete ao formador: preparar as oficinas, acompanhar o professor-

cursista na sala de aula, verificando de que forma o mesmo utiliza os conceitos teórico-

metodológicos aprendidos durante o percurso formativo, manter plantão para tirar dúvidas,

orientar o projeto final, montar um portfólio22

e elaborar relatório mensal das atividades

realizadas.

O formador (e tutor) é uma figura importante do processo atualização docente.

Concebido como ―um educador qualificado especialmente para atuar no GESTAR II‖

(BRASIL, 2008a, p. 15), é o representante do Programa, atuando, inclusive, como

intermediário entre as secretarias de educação (municipais e estadual) e as escolas, com a

responsabilidade de coordenar as atividades, implementá-las e avaliar o desenvolvimento dos

participantes do processo formativo. Para isso, tem a incumbência de se autoformar, a partir

das necessidades localizadas com o desenvolvimento do GESTAR II, apesar de receber

formação específica presencial de 96 horas, sendo: 40h para a formação inicial, 40h para o

seminário de acompanhamento e 16h para o seminário de avaliação. Essa formação

específica é ofertada por uma IES23

.

Partindo desses pressupostos, a proposta pedagógica do Programa é composta,

basicamente, por sete elementos, indicados no Guia Geral (2008a):

1. Ensino-aprendizagem baseado na concepção socioconstrutivista.

2. Relação professor-aluno como motivadora de laços facilitadores do processo

de ensino, pautado em conhecimento da realidade do educando, para a escolha

das estratégias mais viáveis.

3. Papel do professor, figura mediadora de conhecimentos em sala de aula, com

uma proposta de atuação assentada: a) no planejamento, respaldado em

diagnóstico de aprendizagem dos alunos, escolha de materiais adequados e

criação de ambiente favorável; b) nas aulas, incentivando pesquisas sobre fatos

diversos, por meio de diferente organização dos alunos; c) em outros

ambientes, integrando projetos coletivos internos e externos, inclusive com

outras escolas.

22

O portfólio dever conter atividades (consideradas importantes para o Formador) dos professores-cursistas e de

seus alunos. 23

Em Mato Grosso, a UnB – Universidade de Brasília – foi a instituição responsável pela realização dos

encontros presenciais com formadores, profissionais das secretarias estaduais e municipais, do Programa. Ao

todo, foram três encontros, sendo dois destinados exclusivamente ao estudo dos Cadernos de Teoria e Prática e

um à avaliação final dos resultados do Programa no Estado.

Page 51: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

49

4. Sala de aula, espaço de efetivação do Programa;

5. Avaliação processual e formativa, com formas diversificadas, incluindo a

autoavaliação, para orientar planejamentos de ensino adequados à realidade

dos estudantes;

6. Concepção de competência, formulada por Perrenoud: ―ações e operações que

utilizamos para estabelecer relações entre objetos, situações e fenômenos que

desejamos conhecer‖ (BRASIL, 2008a, p. 24).

7. Relação entre comunidade e escola como desencadeadora de aprendizagem dos

alunos.

Dessa maneira, a grande propulsora da formação continuada em serviço é a díade

ensino e aprendizagem. É sobre ela que se ancora todo o processo de aperfeiçoamento,

justificando a necessidade da apropriação de estratégias mais eficazes e adequadas, pelos

professores, para trabalhar com especificidades da Língua Portuguesa e da Matemática.

A proposta curricular de LP define o objetivo geral na perspectiva de instrumentalizar

o professor para um trabalho pedagógico que possibilite ―aos alunos o desenvolvimento de

habilidades de compreensão, interpretação e produção dos mais diferentes textos‖ (BRASIL,

2008a, p. 34). Nesse sentido, um viés de formação continuada inovador é anunciado,

parametrizado pela articulação entre teoria e prática, cujas reflexões em torno da língua têm o

texto como eixo central, para garantir a autonomia docente, estimulando seu letramento. Em

consequência, o aluno também é beneficiado, porque conta com um professor que está em

constante processo de formação, sendo um usuário competente da língua.

A proposta pedagógica de LP está organizada para garantir o letramento do professor.

Com isso, os TP – Caderno de Teoria e Prática – assumem o trabalho com a linguagem, tendo

a ―língua como atividade social e comunicativa em que os interlocutores atuam em um espaço

cultural e histórico‖ (BRASIL, 2008a, p. 36), sinalizando para abordagens em que o texto é

resultante dessas interações e produzido em determinadas condições sócio-históricas. Logo,

os saberes profissionais e experienciais docentes (Tardiff, 2002) são valorizados para propor

um tratamento pedagógico dos textos clássicos em consonância com os regionais e/ou locais,

interligando-os a assunto de ordem mundial. Isso, de certa maneira, define as escolhas

―temáticas‖ de cada TP, baseadas nos temas transversais dos PCNLP (BRASIL, 1998), que

orientam a escolha dos gêneros discursivos a serem tratados nas unidades.

Cada volume dos Cadernos de Teoria e Prática – TP – aborda uma temática, dividida

em unidades, conforme apresentação a seguir:

Page 52: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

50

TP Unidade Título da Unidade

1

LINGUAGEM E

CULTURA

1 Variantes Lingüísticas: dialetos e registros

2 Variantes Lingüísticas: desfazendo equívocos

3 O Texto como centro das experiências no ensino da língua

4 A intertextualidade

2

ANÁLISE LINGÜÍSTICA

E ANÁLISE LITERÁRIA

5 Gramática: seus vários sentidos

6 A frase e sua organização

7 A arte: formas e função

8 Linguagem figurada

3

GÊNEROS E TIPOS

TEXTUAIS

9 Gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado

10 Trabalhando com gêneros textuais

11 Tipos textuais

12 A inter-relação entre gêneros e tipos textuais

4

LEITURA E

PROCESSOS DE

ESCRITA I

13 Leitura, escrita e cultura

14 O processo da leitura

15 Mergulho no texto

16 A produção textual. Crenças, teorias e fazeres

5

ESTILO, COERÊNCIA E

COESÃO

17 Estilística

18 Coerência textual

19 Coesão textual

20 Relações lógicas no texto

6

LEITURA E

PROCESSOS DE

ESCRITA II

21 Argumentação e linguagem

22 Produção textual: planejamento e escrita

23 O processo de produção textual: revisão e edição

24 Literatura para adolescentes

Quadro 2: Ementas dos Cadernos de Teoria e Prática de Língua Portuguesa (BRASIL, 2008a, pág. 37- 40).

A concepção do Programa reafirma a centralidade da linguagem como interação com

outros, materialmente representados ou não. No processo de ensino, o intercâmbio linguístico

será mediado pelo professor-cursista, por meio de atividades significativas, à medida que

também constrói referências para sua condição de aprendiz. Desse modo, algumas

competências são esperadas do professor de LP ao final do processo de formação continuada,

como: observar, registrar, organizar e sistematizar fatos da gramática interna, descritiva e

normativa; escolher e organizar os conteúdos de ensino, levando em consideração a realidade

dos alunos; orientar sua prática pedagógica pautada pela pesquisa, avaliação e adoção de

métodos, estratégias e materiais diversificados (BRASIL, 2008a).

No contexto nacional, os documentos parametrizadores do ensino, dentre eles os

PCNLP (1998), e muitas propostas de formação continuada utilizam, em boa medida, os

pressupostos teóricos de Bakhtin. Nesse sentido, muitos estudiosos têm sugerido

aproximações entre esse pensador e Vygotsky, principalmente quando o processo ensino e

aprendizagem está em pauta. Como a nossa análise envolve o contexto escolar e as relações

nele imbricadas, retratadas nos RPP, apresentamos no próximo capítulo os dois autores

russos, Bakhtin e Vygotsky, com fundamentos distintos, porém com pontos convergentes

importantes para a educação.

Page 53: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

51

CAPÍTULO II

BAKHTIN E VYGOTSKY: CONCEITOS APLICADOS AO ENSINO

As complexas relações de reciprocidade com a palavra do outro em todos os

campos da cultura e da atividade complementam toda a vida do homem

(BAKHTIN, 2003 [1970-71/1979], p. 379).

Como mencionamos no capítulo anterior, os documentos parametrizadores24 do

ensino brasileiro assumiram uma concepção de linguagem de cunho enunciativo-discursivo,

alicerçada nas proposições dos pensadores russos, integrantes do Círculo de Bakhtin25. Por

essa razão, projetos e programas de formação em âmbito nacional e estadual disseminaram

em suas propostas tratamentos que, em tese, preparariam os docentes para desenvolverem

ações pedagógicas respaldadas nas inovações pregadas pelos documentos oficiais. O

GESTAR II de LP é representativo dessa situação e os RPP registram esse processo de

apropriação teórico-metodológico dos participantes, frentes às demandas educacionais

colocadas.

Partindo disso, não temos dúvida quanto à contribuição dos conceitos bakhtinianos

para nosso estudo. Desse modo, em função dos caminhos de nossa análise, acreditamos que

autoria, dialogismo, enunciado e gênero discursivo são itens profícuos para a análise dos RPP.

Além disso, em razão do contexto gerador do RPP – escola – afiançamos que Vygotsky, com

sua teoria envolvendo a aprendizagem, contribui com os conceitos de mediação e ZPD, para a

compreensão dos movimentos discursivos presentes nos Relatórios de Prática Pedagógica. É

desses itens que trataremos a seguir.

24

Como exemplos, podemos citar: Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, Ensino

Fundamental I e II (1997 e 1998), Parâmetros Curriculares do Ensino Médio de Língua Portuguesa (1999),

PCN+ (2000) e Orientações Curriculares do Ensino Médio (2006). 25

Faraco (2009, p. 13), ao apresentar o Círculo, explica que ―era constituído por pessoas de diversas formações,

interesses intelectuais e atuações profissionais (um grupo multidisciplinar, portanto), incluindo, entre vários

outros, (...) Mikhail Bakhtin, Valentin N. Voloshinov e Pavel N. Medvedev‖ , sendo os três últimos envolvidos

por fortes laços fraternos. O grupo manteve o propósito de estudar as obras filosóficas e contemporâneas da

época, por um período de cerca de 10 anos, compreendido entre 1919 e 1929, ―motivado por chá forte e

conversa até o amanhecer” (CLARK e HOLQUIST, p. 65).

Page 54: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

52

2.1 Vygotsky e a teoria da aprendizagem

O psicólogo bielorusso Lev S. Vygotsky26 centrou seus estudos no desvelamento das

funções psicológicas superiores, apoiado na concepção histórico-cultural de desenvolvimento

humano, tratando a linguagem como componente social e constituidora do sujeito. O

mapeamento de ―mecanismos psicológicos mais sofisticados, mais complexos, que são típicos

do ser humano e que envolvem o controle consciente do comportamento, a ação intencional e

a liberdade do indivíduo em relação às características do momento e do espaço presentes‖ foi

(OLIVEIRA, 2006, p. 26) um dos objetivos perseguidos por ele. A mesma autora ainda

esclarece:

As postulações de Vygotsky sobre fatores biológicos e sociais no

desenvolvimento psicológico apontam para dois caminhos complementares

de investigação: de um lado, o conhecimento do cérebro como substrato

material da atividade psicológica e, de outro lado, a cultura como parte

essencial da constituição do ser humano, num processo em que o biológico

transforma-se no sócio-histórico (OLIVEIRA, 1992, p. 33)

Atualmente, os textos do autor têm recebido atenção especial de pesquisadores de

diversas áreas do conhecimento (Linguística, Linguística Aplicada, Educação, Psicologia,

dentre outras) que, a partir de releituras, tentam extrair fundamentos para analisar seus

objetos. A educação, especialmente, tem se apropriado de vários aspectos da teoria histórico-

social, especificamente sobre desenvolvimento-aprendizagem e ensino-aprendizagem, no

tocante aos aspectos ligados à construção do conhecimento.

Diferentemente de Bakhtin (2003 [1952-53]), que não contemplou diretamente a

educação em seus postulados teóricos, Vygotsky (1998 [1930]) suscita questionamentos

evidenciando aspectos do processo ensino-aprendizagem e formula alternativas de cunho

pedagógico. Dentre esses aspectos, destacamos os conceitos de mediação e ZPD27 - Zona

Proximal de Desenvolvimento, os quais serão tratados no próximo item.

26

O pesquisador (e professor) produziu muitas obras e morreu precocemente, aos 37 anos. Vygotsky foi

professor de Literatura, Estética, História, Arte e Psicologia. Por isso, em suas pesquisas, sempre procurou

relacionar psicologia e educação, além de deixar explícito, em vários artigos publicados, seu interesse pela

escola (FREITAS, 2007). 27

Escolhemos ZPD – Zona Proximal de Desenvolvimento – em detrimento de ZDP – Zona de Desenvolvimento

Proximal – este último, formulado por Vygotsky, por concordarmos com Rojo (2001a, apud PAES DE

BARROS, 2005, p. 41), ao mencionar que ―a força de adjetivação não recai sobre o desenvolvimento, mas sobre

a zona de intercessão criada pelo ensino-aprendizagem‖.

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2.1. 1 Relevância dos conceitos vygotskyanos de mediação e ZPD

Vygotsky (1998 [1930]) defende que o desenvolvimento depende da aprendizagem. A

partir dessa colocação, fica clara a importância atribuída pelo autor aos mediadores do

conhecimento, que funcionam como elo entre o indivíduo e o mundo.

A mediação, tida como um dos conceitos mais importantes para entendermos os

postulados vygotyskianos sobre o funcionamento do cérebro humano, atua como

desencadeadora da relação do homem com o mundo e com outros da mesma espécie. Para

Oliveira (2006, p. 26), a mediação ―é o processo de intervenção de um elemento intermediário

numa relação; a relação deixa de ser direta e passa a ser mediada por esse elemento‖, já que,

para o psicólogo russo, inexiste relação direta dos seres humanos com o meio, justificando o

papel dos mediadores como elementos estabelecedores de vínculos, por meio de relações reais

existentes ―entre o comportamento e seus meios auxiliares‖ (VYGOTSKY, 1998 [1930], p.

70).

Para consolidar a existência e a razão dos componentes mediadores, Vygotsky

(1998[1930]) declara que o processo de mediação depende, basicamente, de dois elementos

ou vetores de atividades mediadas, conforme propõe Rojo (2010): os instrumentos, de ordem

externa, e os signos, denominados de psicológicos. O esquema abaixo é representativo de

nossa afirmação:

Figura 3: Mediação e seus elementos28

Para Vygotsky (1998 [1930]), a mediação é intercambiada por esses dois elementos.

Embora análogos e com ligação real, a diferença entre eles está basicamente na maneira como

ambos orientam o comportamento humano. O instrumento é uma ação externa, voltada para o

28

Esquema elaborado por nós, com base em Vygotsky (1998 [1930]), para explicar a relação existente entre os

elementos de mediação.

Page 56: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

54

objeto da atividade, e ―dirigida para o controle e domínio da natureza‖ (VYGOTSKY, 1998

[1930], p. 73), auxiliando, portanto, nas ações concretas. Já o signo relaciona-se ao controle

individual, com orientação interna, e ―dirige-se ao controle de ações psicológicas, seja do

próprio indivíduo, seja de outras pessoas‖ (OLIVEIRA, 2006 p. 30), em tarefas que exijam

memória e atenção.

Dessa maneira,

(...) O uso de meios artificiais – a transição para a atividade mediada – muda,

fundamentalmente, todas as operações psicológicas, assim como o uso de

instrumentos amplia de forma ilimitada a gama de atividades em cujo

interior as novas funções psicológicas podem operar. Nesse contexto,

podemos usar o termo função psicológica superior, ou comportamento

superior, com referência à combinação entre o instrumento e o signo na

atividade psicológica (VYGOTSKY, 1998 [1930], p. 73).

Essa combinação – instrumento e signo – promove o processo de internalização de

conceitos em estruturas psíquicas mentais complexas e articuladas. Para Rojo (2010, p. 21),

esse processo representa ―a conversão de meios de regulação externa e social em meios de

controle interno (individual e subjetivo) ou de autorregulação‖. Assim, ―tanto o processo de

internalização como a utilização de sistemas simbólicos são essenciais para o

desenvolvimento dos processos mentais superiores e evidenciam a importância das relações

sociais entre os indivíduos na construção dos processos psicológicos‖ (OLIVEIRA, 2006, p.

34), confirmando a relevância de aspectos externos, coletivos e sociais.

Nesse processo de mediação, a linguagem é o sistema simbólico fundamental para

instaurar a comunicação entre os indivíduos e contribui para a organização de processos de

abstração e generalização da realidade, advinda de seleções socioculturais, internalizadas com

o desenvolvimento humano. Assim, a linguagem, construção sociocultural, é responsável pela

disseminação de conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito e pelo fomento de

interações entre os indivíduos, desempenhando papel central no desenvolvimento da mente.

Direcionando suas análises para o contexto educacional, Vygotsky (1998 [1930])

defende a intersecção entre desenvolvimento humano e processos de aprendizagem,

essencialmente sociais, na constituição da mente. Assim, salienta que a criança aprende muito

antes de ser matriculada na escola; portanto, tem conhecimentos prévios, advindos das

experiências cotidianas em diversos espaços em que está inserida. Dessa maneira, afirma que

―aprendizagem e desenvolvimento estão inter-relacionados desde o primeiro dia de vida da

criança‖ (VYGOTSKY, 1998 [1930], p. 110).

Page 57: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

55

Partindo desse pressuposto, o autor define as possibilidades de aprendizagem em

níveis, formulando os conceitos de Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) e Zona Proximal

de Desenvolvimento (ZPD). A primeira refere-se a etapas de desenvolvimento alcançadas,

consolidadas e completadas pela criança; a segunda

[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma

determinar através da solução independente de problemas, e o nível de

desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas

sob a orientação de um adulto ou em colaboração como companheiros mais

capazes (VYGOTSKY, 1998 [1930], p. 112).

Nesse sentido, o nível de desenvolvimento real representa a capacidade internalizada,

retrospectiva e autônoma da criança na resolução de desafios, sem o auxílio de outro,

enquanto que a ZPD corresponde às funções em vias de maturação, portanto abertas a

intervenções para a constituição de novas aprendizagens. Neste caso, a colaboração do outro,

parceiro da mesma idade ou adulto mais experiente, é fundamental para atingir patamares

posteriores – níveis de desenvolvimento potencial.

Na escola, o conceito de ZPD, aliado ao de mediação, torna-se bastante eficaz quando

considerado pelos docentes no processo de ensino e aprendizagem, pois, ao diagnosticar

conceitos dominados pela criança (ou adolescente), é possível delinear intervenções

específicas para a apropriação real de conhecimentos desejados para aquele ano/fase e ciclo

de aprendizagem. Aliás, um ensino produtivo está longe de ser aquele que propõe atividades

―difíceis‖, acreditando na possibilidade de desenvolvimento da criança, sem oferecer as

condições adequadas para a aprendizagem; também se distancia daquele que insiste em

manter certa regularidade nos exercícios de domínio dos aprendizes, baseado na desconfiança

da falta de condições psicomotoras favoráveis ao domínio de outros conceitos. Nesse sentido,

Oliveira (2006, p. 62) expõe que a escola pode contribuir significativamente na construção da

sociedade, ao considerar, em seu ensino, o nível de desenvolvimento dos alunos, no sentido

de ―dirigir o ensino não para as etapas intelectuais já alcançadas, mas sim para estágios de

desenvolvimento ainda não incorporados pelos alunos, funcionando realmente como um

motor de novas conquistas psicológicas‖.

O professor, figura indispensável desse processo, tem a função de atuar como

mediador, utilizando-se dos instrumentos simbólicos para que as abstrações conceituais

consolidem-se em avanços reais, possíveis com intervenções na ZPD. Dessa maneira, é

Page 58: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

56

importante mapear os saberes prévios dos alunos, para a definição de ―caminhos‖ mais

eficazes em direção aos resultados curriculares desejáveis.

2. 2 Apontamentos teóricos do Círculo de Bakhtin

Mikhail M. Bakhtin, um dos grandes pensadores do século XX, chamado de ―filósofo

das diferenças, um ecologista da diversidade humana‖ (SOBRAL, 2009, p. 7), e que pode ser

traduzido em ―muitos‖ Bakhtin (CLARK e HOLQUIST, 2008 [1984]), idealizou processos

significativos para a linguagem29, impensados naquele momento histórico, no entanto

importantes para os dias atuais.

Sobre as fases evolutivas e camaleônicas de Bakhtin, Clark e Holquist (2008 [1984])

afirmam que:

Houve uma fase filosófica entre 1918 e 1924 aproximadamente, quando, sob

pesada influência do neokantismo e fenomenologia, tentou pensar

cabalmente uma compreensiva filosofia própria. Entre 1925 e 1929,

começou a afastar-se da metafísica e entrar em diálogo com movimentos

intelectuais então em curso, como freudismo, o marxismo soviético, o

formalismo, a lingüística e até a fisiologia. No terceiro período, durante os

anos de 1930, Bakhtin procurou uma poética histórica na evolução do

romance. E, finalmente, nas décadas de 60 e 70, retornou à metafísica a

partir de uma nova perspectiva da teoria social e da filosofia da linguagem.

(CLARK e HOLQUIST, 2008 [1984], p. 31)

As constatações dos autores evidenciam que Bakhtin pode ser considerado um teórico

de muitas faces, da provisoriedade, do movimento, do continuum, em contraposição a

qualquer forma de engessamento, dogmatismo e generalização perseguida pela maioria das

ciências de sua época. Essa opção, em boa medida, representa ―sua crença no poder do

diálogo, a carnavalização da autoridade e o mistério da autoria‖ (CLARK e HOLQUIST

[1984], 2008, p. 32).

Neste contexto, muitas obras do autor permaneceram com autorias difusas30,

intrigando diversos pesquisadores. O fato é que, segundo Clark e Holquist (2008 [1984],

p.65), ―os membros do grupo tinham em comum uma paixão pela filosofia e pelo debate de

idéias‖, comprovada nas obras produzidas por eles, especialmente nas de Bakhtin31. Para nós

29

Focamos a linguagem, porque está vinculada aos percursos analíticos escolhidos por nós. No entanto, sabemos

da diversidade teórica produzida por Bakhtin, embora Sobral (2009) defenda que as proposições desse autor

centrem-se nas questões da linguagem e do discurso. 30

Sobre isso, conferir Fiorin (2008, p. 13). 31

FREITAS (2009), ao apresentar informações sobre o autor a partir do título ―Bakhtin e seu tempo‖, destaca

Page 59: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

57

essa situação não constitui problema, uma vez que nos interessa a riqueza teórica dos

conceitos elaborados pelos pensadores russos, especialmente por Bakhtin, com a finalidade de

realizar a análise dos Relatos de Práticas Pedagógicas (RPP).

2. 2. 1 Linguagem: tratamento dialógico e interativo

O livro ―Marxismo e Filosofia da Linguagem‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010

[1929]), apresenta as principais perspectivas filosóficas da época32 (Subjetivismo Idealista e

Objetivismo Abstrato), reconhecendo a adequação parcial de tais concepções. No entanto, os

autores russos, sabiamente, apontam as fragilidades das respectivas correntes, sugerindo uma

terceira, assentada em pressupostos que consideram os processos interativos como únicos e

irrepetíveis, pois ―a enunciação é de natureza social‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010

[1929], p. 113, grifo dos autores) e a linguagem viva, dinâmica e produtiva. Portanto,

dialógica.

Assim, nas palavras dos autores russos, a língua(gem) é construída nas interações

humanas e definida nas interlocuções realizadas entre os sujeitos, como algo concreto, real e

subsidiado pela vontade discursiva de cada falante que emprega a língua em função de suas

intenções. Disso, depreendemos que ―a palavra está sempre carregada de conteúdo ou de um

sentido ideológico ou vivencial” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 95, grifo dos

autores), significando, em tese, que todo (não) dito está impregnado desses aspectos. No dizer

dos mesmos autores, ―não são palavras que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou

mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis‖

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 95). Nesse sentido, Colussi (2008, p.74) ilustra

a consideração anterior, destacando que ―a linguagem não é a mesma da chegada, muito

menos da partida‖. Essa afirmação demonstra que a construção dos sentidos é gestada em um

determinado momento histórico, motivada por intenções comunicativas específicas,

mobilizando significações únicas e irrepetíveis.

Com isso, temos a concretização da linguagem, a partir de uma visão sócio-histórica e

ideológica, realizada na interlocução entre sujeitos que compartilham terrenos comuns,

ancorados no contexto extraverbal do enunciado. Para que o enunciado seja pleno de

que as obras produzidas por Bakhtin somam cerca de 33 livros e vários artigos. 32

Lembremos que nesse livro Bakhtin/Volochínov debatem não somente essas correntes para apresentar sua

teoria, como também discutem outros temas como ideologia, dialogismo etc.

Page 60: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

58

significado para o ouvinte, Bakhtin/Volochínov (1926) expõem a importância de considerar

que os interlocutores compartilhem do mesmo horizonte espacial, tenham conhecimento da

situação e comunguem da mesma avaliação contextual.

Nesse sentido, os autores salientam que o enunciado concreto concorre para tornar os

interlocutores/participantes da situação ―co-participantes que conhecem, entendem e avaliam

a situação de maneira igual‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1926, p. 6), numa espécie de

autoria compartilhada, destruindo a ideia de enunciação como monológica, abstrata ou ato

individualizado.

Nessa direção, Bakhtin/Volochínov (2010 [1929]), tencionando explicitar o caráter

concreto dos usos da língua por eles defendidos, afirmam:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato

de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo

ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação

verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação

verbal constitui assim a realidade fundante da língua

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV (2010 [1929], p. 123) [grifo dos autores].

Na convergência dessa citação, os mesmos autores tratam a enunciação como resultante

da interação entre indivíduos, que compartilham uma situação social33, tendo a palavra como

componente dessa inter-relação. Nesse sentido, Bakhtin/Volochínov (2010 [1929], p 112)

exploram a importância da palavra, asseverando que inexiste interação no vácuo, pois ―toda

palavra dirige-se a um interlocutor‖; portanto, essa palavra procede de alguém e se dirige

para alguém, tornando-se uma espécie de ponte lançada entre os sujeitos, consolidando-se

como território comum entre falantes da língua, instaurando o diálogo.

Quanto ao diálogo, Clark e Holquist (2008 [1984]) lembram que o termo, no sentido

bakhtiniano, é distinto de interação face a face. Com isso, salientam que ―o diálogo é

concebido de maneira mais compreensiva como o extensivo conjunto de condições que são

imediatamente moldadas em qualquer troca real entre duas pessoas, mas não são exauridas em

semelhante intercâmbio‖ (CLARK E HOLQUIST, 2008 [1984], p. 36).

Ainda quanto ao diálogo, Fiorin (2008) alerta para visões equivocadas que podem

suscitar análises superficiais e diversas das proposições de Bakhtin. Por isso, enfatiza que o

pensador russo, em hipótese alguma, associa diálogo à harmonia ou consenso entre as

pessoas. Com isso, destaca que 33

Para os autores do Círculo (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929]), a situação social imediata é

determinante da constituição do enunciado, assim como o horizonte social contribui para orientar as interações

em dados campos de atividade.

Page 61: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

59

[...] as relações dialógicas tanto podem ser contratuais ou polêmicas, de

divergência ou de convergência, de aceitação ou de recusa, de acordo ou de

desacordo, de entendimento ou de desinteligência, de avença ou de

desavença, de conciliação ou de luta, de concerto ou de desacordo (FIORIN,

2008, p. 24).

O conceito de dialogismo, segundo Sobral (2009, p. 33), está imbricado

―indissoluvelmente com o de interação‖, constituindo a base de produção dos discursos, pois,

para que a interlocução seja garantida, é necessária a presença do outro ou, como afirmam

Clark e Holquist (2008 [1984], p. 233), ―o dialogismo de Bakhtin é essencialmente uma

filosofia da linguagem‖.

Sobral (2009, p. 34-35), ao distinguir diálogo de dialogismo, destaca:

O diálogo é um fenômeno textual e um procedimento discursivo englobado

pelo dialogismo, sendo apenas um de seus níveis mais evidentes no nível da

materialidade discursiva. Por outro lado, o enunciado e o discurso, por mais

―fechados‖, por mais subjetivos que sejam, continuam a ser dialógicos,

porque (1) não pode haver enunciado sem sujeito enunciador, (2) o sujeito

não pode agir fora de uma interação, mesmo que o outro não esteja

fisicamente presente, (3) não há interação sem diálogo, que é uma relação

entre mais de um sujeito.

Nas considerações desse autor, o dialogismo e o diálogo aparecem como componentes

da interação, cada um com sua função social, materializando-se na relação entre seres

dialógicos que dão continuidade à cadeia da comunicação, respondendo a discursos anteriores

e projetando os enunciados futuros. Sobral (2009, p. 35) ainda reitera que o conceito de

dialogismo é vasto, de cunho ―filosófico, discursivo e textual”, traçando três aspectos

distintos:

Dialogismo designa em primeiro lugar a condição essencial do próprio ser e

agir dos sujeitos.

Dialogismo designa em segundo lugar a condição e a possibilidade de

produção de enunciados/discursos, do sentido, portanto.

Dialogismo é, por fim, a base de uma forma de composição de

enunciados/discursos, o diálogo (SOBRAL, 2009, p. 35-36).

Os itens apresentados pelo autor para explicitar a complexidade do dialogismo

evidenciam que a essencialidade humana é formada na relação concreta com outros sujeitos.

Dessa forma, os enunciados são construídos a partir das situações reais (e não abstratas),

vividas por cada sujeito em contextos particulares de interação humana, nos quais os sentidos

são estabelecidos mediante negociação consensual (ou não). Além disso, Sobral (2009)

Page 62: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

60

lembra que o diálogo pressupõe revozeamento de outros enunciados, numa espécie de terreno

livre para concluir o inacabamento. Dessa maneira, para o Círculo, a concepção de interação é

―radicalmente‖ dialógica (SOBRAL, 2009), porque é concebida como constitutiva dos

sentidos e, necessariamente, envolve mais de um sujeito, mesmo que ambos não estejam

materialmente representados.

Essas afirmações nos levam à conclusão de que o sujeito bakhtiniano está longe de ser

passivo e mero receptor ou decodificador de mensagens pré-elaboradas. Para Fiorin (2008, p.

28), ―nunca ele é submetido completamente aos discursos sociais‖, porque ―cada ser humano

é social e individual‖.

Sobral (2009) alarga a compreensão de sujeito, atestando que

[...] todo sujeito, cada sujeito, é impar, traz e deixa no mundo a ―assinatura

autoral‖ dos atos que pratica em sua própria vida, da sucessão de atos ―inter-

ativos‖ que constitui a própria vida, descobrindo e construindo sem cessar

essa singularidade – uma estabilidade no fluxo – no contato com outros

sujeitos. Esse contato entre sujeitos diferentes gera sentido, obviamente, a

partir da diferença, não da concordância ou uniformidade universal, que

pode ser negativa, mormente se considerarmos as tantas formas de

manipulação do outro e de comportamento estratégico (SOBRAL, 2009, p.

57).

O mesmo autor esclarece que os sujeitos, mesmo na diferença, compartilham

características comuns para se ―interconstituírem‖, uma vez que essa dualidade ─ ―ser ele

mesmo e simultaneamente ter algo em comum com os ‗outros‘‖ (SOBRAL, 2009, p 57) ─ é

fundamental para a percepção de si. O outro, nesse universo dialógico, funciona como

―espelho‖ para que o eu/tu adquira a plenitude dos sentidos.

Nesse universo dialógico, as vozes funcionam como elementos movedores da

interlocução entre sujeitos. Essa interlocução instaura, de certa maneira, um processo autoral

particular cuja incorporação de discursos alheios, resultam em revozeamento de enunciados

construídos e que são ressignificados no embates ideológicos travados nas relações sociais.

2. 2. 2 Autoria e vozes do/no discurso

Iniciamos nossas reflexões apoiando-nos em Lemes (2009, p. 51), ao reconhecer que

―discorrer sobre autoria é uma tarefa não muito fácil‖, porque Bakhtin adota análises pelo viés

artístico/literário; todavia, isso, de maneira alguma, inviabiliza o diálogo com nosso objeto de

Page 63: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

61

pesquisa, ilustradamente Relatos de Prática Pedagógica, e com as professoras-autoras desses

textos.

Dessa maneira, partimos do pressuposto anunciado por Bakhtin (2003 [1959-61]) de

que todo texto, independentemente de sua extensão, tem um autor na condição de falante ou

escrevente. Portanto, ―encontramos autor (percebemos, compreendemos, sentimos, temos a

sensação dele) em qualquer obra‖ (BAKHTIN, 2003 [1959-61], p. 314), porque o texto é

concebido como enunciado.

Nesse processo de caracterização do texto como enunciado, aspectos como a intenção

do produtor do discurso e a concretização dessa intenção contribuem, sobremaneira, para

emoldurar o ato criador, sendo este resultante da apropriação refratada de uma voz social,

ordenada esteticamente (FARACO, 2009). Em outras palavras, o autor bakhtiniano é um

organizador de enunciados responsivos no elo da comunicação discursiva de determinado

campo que tem, na dualidade da palavra (alheia/minha), depois de re-elaborada a partir de seu

tom avaliativo, elementos para a expressão individual. No dizer de Bakhtin (2003 [1952-53]),

ao empregar as palavras, o sujeito deve considerar o aspecto individual e contextual,

principalmente observando que: a) inexistem palavras neutras, tampouco de ninguém; b) a

palavra dos outros estão permeadas de ecos de outros enunciados; c) a palavra individual é

compenetrada de expressão pessoal, tendo como referência uma situação específica e uma

intenção discursiva determinada.

Isso claramente reafirma as defesas do autor russo no sentido de que os enunciados são

plenos de ecos e ressonâncias, portanto de vozes de outros, e funcionam como respostas a

discursos precedentes. Esses enunciados são organizados esteticamente pela ação

engendradora do autor, na relação de alteridade com outros, a partir de sua posição exotópica,

o que lhe permite um distanciamento necessário para tal construção.

Essa relação dialógica pressupõe a presença do outro (alter) e a voz deste

materializada nos discursos ressignificados. Dessa maneira, o indivíduo não se torna apenas

um mero participante das situações comunicativas, mas alguém atuante que responde

ativamente, munido de enunciados únicos, porém re-elaborados, ―porque ele não é o primeiro

falante, o primeiro a ter violado o silêncio do universo‖ (BAKHTIN, 2003 [1952-53], p. 272).

Para Bakhtin (2003 [1959-61]), a pessoa se ressignifica em cada enunciado produzido;

no entanto, a pureza enunciativa inexiste na complexa atuação humana, porque a

singularidade autoral reside no sentido atribuído às construções linguísticas, estas parte de

uma cadeia ininterrupta de vozes dialógicas e peculiares. Com isso, segundo o pensador russo,

Page 64: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

62

a verdadeira essência do discurso é potencializada ―na fronteira de duas consciências, de dois

sujeitos‖ (BAKHTIN, 2003 [1959-61], p. 311). Esse fato pressupõe a presença de, pelo

menos, duas vozes, emolduradas dialogicamente pela inter-relação textual e pelo contexto

originário, materializadas na autoria do produto finalizado e da obra em andamento.

Nessa relação com o outro discursivo, o interlocutor é um dos elementos fundantes da

obra. Para Bakhtin/Volochínov (1926, p. 14), ―o ouvinte, também, é entendido aqui como o

ouvinte que o próprio autor leva em conta, aquele a quem a obra é orientada e que, por

consequência, intrinsecamente determina a estrutura da obra‖. Dessa forma, no curso da

discursividade, ―ser autor é assumir, de modo permanentemente negociado, posições que

implicam diferentes modalidades de organização dos textos‖ (SOBRAL, 2009, p. 63), a partir

dessa relação bilateral autor x interlocutor.

Partindo do pressuposto de que o texto é sempre uma réplica a outros textos, discursos

e interlocutores, é representativo o conceito de bivocalidade, como selo oficial de mais uma

voz potencializadora (geradora) de discursos. Para Fiorin (2008), há dialogizações

identificáveis nas diversas formas de interações humanas. Em razão disso, em todo enunciado

é perceptível a presença, pelo menos, duas vozes, ―mesmo que elas não se manifestem no fio

do discurso‖ (FIORIN, 2008, p. 24), explicitamente.

Dessa maneira, o processo autoral e criador é consolidado, porque a segunda voz

(bivocal) age como organizadora do discurso, conferindo-lhe status de enunciado. Caso

contrário, em situações especificamente realistas e naturalistas, Bakhtin (2003 [1959-61])

chama atenção para a possibilidade de anulação do homem. Nessa circunstância,

[...] as vozes (no sentido de estilos sociais coisificados) se transformam

simplesmente em indícios das coisas (ou sintomas de processos), a elas já

não se pode responder, com elas já não se pode discutir, extinguem-se as

relações dialógicas com tais vozes (BAKHTIN, 2003 [1959-61], p. 317-

318).

Assim, temos instaurado o monologismo representativo da autoridade e do

acabamento do discurso. Neste caso, o ―autoritarismo se associa à indiscutibilidade das

verdades veiculadas por um tipo de discurso, ao dogmatismo; o acabamento, ao apagamento

dos universos individuais das personagens e sua sujeição ao horizonte do autor‖ (BEZERRA,

2008, p. 191).

Contrariamente a tudo isso, a polifonia pressupõe inacabamento, numa ―relação de

reciprocidade inteiramente nova e especial entre a minha verdade e a verdade do outro‖

Page 65: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

63

(BAKHTIN, 2003 [1961-62], p. 339), significando que a realidade em formação permite a

revelação de todas as consciências autorais, em razão da importância dada pelo sujeito-autor

aos componentes de sua obra. Segundo Bezerra (2008, p. 194), ―a polifonia é a posição do

autor como regente do grande coro de vozes que participam do processo dialógico‖,

definindo-se pela ―convivência, interação, multiplicidade de vozes, vozes plenivalentes‖.

As vozes do discurso podem ser perceptíveis, especialmente de duas maneiras: a)

citadas explicitamente; b) não demarcadas. No primeiro caso, o discurso alheio é incorporado,

mantendo a sua estrutura, ―conservando o seu conteúdo e ao menos rudimentos de sua

integridade lingüística‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 151), perceptíveis

através do discurso direto, discurso indireto, aspas, negação. No segundo, as vozes são

presumidas, notadas no fio do discurso por meio de paródia, estilização, polêmica clara ou

velada, discurso indireto livre (FIORIN, 2008).

Na realidade, o sujeito individual, constituído ideologicamente nas relações sociais,

incorpora vozes discursivas, de maneira particular. Por isso, Fiorin (2008, p. 58) menciona

que ―ele [sujeito] é um evento único, porque responde às condições objetivas do diálogo

social de uma maneira específica, interage concretamente com as vozes sociais de um modo

único‖. Dessa forma, apreende as vozes sociais, ressignificado-as, na sua singularidade.

Colocar o conceito de vozes em consonância com alteridade, bivocalidade, dialogismo

e polifonia implica considerar que a simples existência do ser o coloca numa relação

constitutiva com o outro responsivo. Essa relação por si é dialógica, porque envolve

compreensão e toda compreensão é de natureza ideológica, assim como todos os processos

interlocutivos.

Nesse contexto, existe um autor que também cria a sua obra, o seu texto, baseado na

avaliação valorativa de seu interlocutor/ouvinte; esta, plasmada na forma do objeto de seu

dizer, um enunciado concreto, o qual será tratado a seguir.

2.2. 3 Enunciado: unidade real da comunicação discursiva

Enunciado, um dos conceitos centrais na teoria do Círculo de Bakhtin, é aliado,

inseparavelmente, ao de gêneros. Todavia, antes de tratar dos gêneros, o autor russo delineia

―a enunciação como um produto da interação social‖ (BRAIT, 2000, p. 19). Com isso,

partimos do pressuposto de que o enunciado é a unidade real da comunicação discursiva,

portanto possui autor (eu), com um projeto discursivo, e destinatário (tu) que se coloca como

Page 66: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

64

interlocutor, posicionando-se ativamente, a partir de sua apreciação valorativa. Por

conseguinte, o enunciado ―não equivale à frase nem a sequências de frases e não se reduz à

materialidade do texto‖ (SOBRAL, 2009, p. 91). A esse respeito ainda, o mesmo autor

acrescenta:

O que faz que uma frase/texto seja tomado como enunciado é portanto algo

que vai além da frase e do texto: a ação concreta do autor de conceber

(intencionalidade) e executar (enunciação) um dado projeto enunciativo

numa dada situação de enunciação, algo que não anula as formas da língua,

mas vai necessariamente além delas. Além disso, é preciso haver uma

situação comum ao locutor e ao interlocutor; o conhecimento dessa situação

por eles e um acordo, de grau variável, sobre sua compreensão; e certo

acordo, de grau variável, sobre como avaliar essa situação (SOBRAL, 2009,

p. 92).

Bakhtin (2003 [1952-53]) lembra que, ao fazermos escolhas para nos comunicar,

optamos por enunciados inteiros e não por orações isoladas, que também têm a sua

importância linguística34, todavia excluem o contexto, aspecto essencial da interlocução, a

posição responsiva do falante e, automaticamente, o outro. A partir dessas considerações é

pertinente afirmar que ―um enunciado absolutamente neutro é impossível‖ (BAKHTIN 2003

[1952-53], p. 289), porque tem autoria, é endereçado a alguém e provoca reação ativa do

interlocutor. Assim,

o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do discurso,

ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa posição responsiva:

concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o, aplica-o,

prepara-se para usá-lo, etc.; essa posição responsiva do ouvinte forma-se ao

longo de todo o processo de audição e compreensão desde o seu início, às

vezes, literalmente a partir da primeira fala do falante (BAKHTIN, 2003

[1952-53], p. 271).

Dessa maneira, mesmo que a reação do interlocutor não seja imediata, ele age

responsivamente por meio de atitudes posteriores, pois, segundo o pensador russo, poderá

haver um retardamento na devolutiva, uma espécie de ―momento abstrato da compreensão‖;

34

Bakhtin (2003[1952-53], p. 271), ao apresentar esclarecimentos sobre o enunciado, opta por diferenciá-lo de

palavras e orações. Para isso, utiliza as teorias vigentes à época e cita Saussure, um dos grandes linguistas que a

humanidade já conheceu, explicitando que, nos cursos de linguística geral, ―aparecem com frequência

representações evidentemente esquemáticas dos dois parceiros da comunicação discursiva – o falante e o ouvinte

(o receptor do discurso); sugere-se um esquema de processos ativos de discurso no falante e de respectivos

processos passivos de recepção e compreensão do discurso no ouvinte. Não se pode dizer que esses esquemas

sejam falsos e que não correspondam a determinados momentos da realidade; contudo, quando passam ao

objetivo real da comunicação discursiva eles se transformam em ficção científica‖.

Page 67: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

65

todavia, defender a passividade do sujeito no processo comunicativo é incorrer em erro, uma

vez que ele sempre assumirá seu ponto de vista, mesmo que tardiamente.

Nessa perspectiva, Bakhtin (2003 [1952-53]) estabelece as particularidades do

enunciado, distinguindo-o das orações, como alternativa para evitar confusões conceituais,

conforme representado abaixo:

Figura 4: Particularidades do Enunciado35

A alternância dos sujeitos, primeira peculiaridade do enunciado, pressupõe um

movimento interativo entre os falantes, em que um anuncia o término de seu dizer para dar

lugar à responsividade do outro. A segunda peculiaridade, intrinsecamente ligada à primeira,

– conclusibilidade ─ diz respeito ao acabamento do enunciado, já que no processo

comunicativo sempre haverá finalização do discurso, indicando que ―o falante disse (ou

escreveu) tudo o que quis dizer em dado momento ou sob dadas condições (BAKHTIN, 2003

[1952-53], p. 280). Ainda sobre esse aspecto, é preciso considerar que a possibilidade de

responder ativamente ao enunciado é garantida pela sua inteireza, assegurada por três

elementos interligados, conforme esquema abaixo:

35

Esquema elaborado por nós, com base em Bakhtin (2003 [1952-53]), para ilustrar a interdependência entre os

elementos do enunciado.

Particularidades do

enunciado

2. Conclusibilidade

Page 68: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

66

Figura 5: Elementos da conclusibilidade do enunciado36

A opção esquemática utilizada ilustra a interdependência dos três elementos para a

constituição da conclusibilidade do enunciado, garantindo a consolidação de resposta ativa

dos sujeitos envolvidos. Assim, o esgotamento completo do enunciado, conceito primeiro, é

alcançado, principalmente, nos gêneros padronizados, os quais limitam a autoria no processo

de elaboração. Todavia, nos campos da atividade humana em que o sujeito tem maior

liberdade na construção do gênero37, o tema do enunciado adquire conclusibilidade parcial,

mediada pela condições, materialidade do objeto e objetivos definidos (BAKHTIN, 2003

[1952-53]), todos determinados pela vontade discursiva do falante (segundo elemento do

enunciado). A intenção discursiva, de acordo com Bakhtin (2003 [1952-53]), além de permitir

a identificação do projeto enunciativo do locutor, demarca a eleição do gênero para a

concretização do ―querer dizer‖ do autor e estabelece vínculos reais com os interlocutores.

As formas típicas e composicionais de gênero do acabamento – último aspecto do

enunciado ─ são responsáveis pelo emolduramento composicional dos nossos discursos, uma

vez que, nas palavras do estudioso russo,

aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gênero e, quando

ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero pela primeiras

36

Organização elaborada por nós, a partir das considerações de Bakhtin (2003 [1952-53]) sobre o enunciado,

para demonstrar a relação entre os elementos da conclusibilidade do enunciado. 37

Neste caso, nos referimos aos gêneros que permitem um estilo autoral mais explícito.

Page 69: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

67

palavras, adivinhamos um determinado volume (isto é, uma extensão

aproximada do conjunto do discurso), uma determinada construção

composicional, prevemos o fim, isto é, desde o início temos a sensação do

conjunto do discurso que em seguida apenas se diferencia no processo da

fala (BAKHTIN, 2003 [1952-53], p. 283).

A terceira peculiaridade do enunciado, resultante da relação falante-objeto-

interlocutores, concretiza-se no direcionamento do discurso ao interlocutor, implicando em

escolhas representativas de um projeto enunciativo, determinado pelas condições

comunicativas em que o dialogo é estabelecido naquele momento. Assim, ―a escolha de todos

os recursos lingüísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da

sua resposta antecipada‖ (BAKHTIN, 2003 [52-53], p. 306), momento em que também ocorre

a escolha do gênero. Isso significa dizer que os papéis específicos e distintos assumidos pelos

sujeitos geram avaliações no plano discursivo, antecipando possíveis respostas, mediadas pela

responsividade externada pela outra parte envolvida na interação.

Sobral (2009) exemplifica essa situação, atestando que todo discurso pressupõe a

presença do locutor e do interlocutor, intermediados pela avaliação e pelas respostas

simultâneas de ambos. Vejamos a representação abaixo, elaborada a partir das considerações

desse autor:

Figura 6: Elementos do discurso38

38

Elaborado por nós, a partir de Sobral (2009), para explicar a relação entre os elementos do enunciado.

LOCUTOR INTERLOCUTOR

Resposta

Avaliação

Resposta

Avaliação

Page 70: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

68

Neste caso, nas considerações do autor, a presença do outro é imprescindível no

processo interacional. Portanto, o tom avaliativo do locutor e a composição de sua

responsividade terão como referência a valoração e a possível reação do interlocutor frente

aos discursos proferidos. Assim, nesse jogo de atribuições de sentido, o interlocutor distancia-

se do expectador inerte e assume uma posição de ―parceiro da produção de sentido‖

(SOBRAL, 2009, p 84), mesmo em circunstâncias conflituosas e divergentes, já que, para o

Círculo, ―os enunciados são sempre o espaço de luta entre as vozes sociais, o que significa

que são inevitavelmente o lugar da contradição‖ (FIORIN, 2008, p 25).

Ainda no campo da terceira peculiaridade do enunciado – a relação do enunciado com

o próprio falante (autor) e com outros participantes da comunicação discursiva, determinantes

da escolha dos gêneros do discurso e respectivos meios linguísticos – Bakhtin (2003 [1952-

53], p. 289) defende a relevância do elemento expressivo para a constituição da composição e

estilo, enfatizando que ―a relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso (seja qual

for esse objeto) também determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e

composicionais do enunciado‖. Isso pressupõe que, de alguma forma, a entonação dada a

qualquer unidade linguística a transforma em enunciado, porque adquire sentido de acordo

com a situação compartilhada pelos interlocutores. Deste modo, uma palavra carregada de

sentido positivo, por exemplo, pode adquirir conotação negativa no contexto interativo a

partir da entonação dada. Por isso, Bakhtin insiste em dizer que as orações, as palavras

desprovidas de expressividade e de contexto, são vazias, carentes de sentidos, portanto,

distanciam-se dos enunciados.

Essas considerações nos levam a concordar com a riqueza e complexidade do conceito

de enunciado explorado pelo Círculo de Bakhtin. Esse enunciado, materializado em um

gênero do discurso, ganha e produz sentido nas interações humanas.

2. 2. 3 Gêneros Discursivos

Na seção anterior, evidenciamos as características do enunciado, destacando a

presença dos sujeitos como principais agentes para a consolidação dos sentidos das interações,

as quais são motivadas pela vontade discursiva do falante e materializadas a partir da

apreciação valorativa do autor e da reação do interlocutor. Neste caso, o tom avaliativo do

locutor e a possível reação do interlocutor ─ (re)direcionarão a entonação do autor do

discurso, emoldurada em um gênero representativo da situação dialógica em questão,

Page 71: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

69

retratando também a alternância dos falantes, momento da réplica/tréplica/transmissão da

palavra ao outro, e do acabamento. Dessa maneira, ―as formas típicas dos enunciados são os

gêneros do discurso: o projeto enunciativo do locutor o leva a escolher um gênero‖

(SOBRAL, 2009, p. 93), representativo da esfera de atividade em que está inserido.

Os gêneros, como formas de enunciados, são retratados, explicitamente, quando

Bakhtin (2003 [1952-53]) discorre sobre as suas peculiaridades, especificamente no que tange

aos componentes da conclusibilidade (formas típicas composicionais de gênero do

acabamento) e da relação do enunciado com os participantes da comunicação discursiva,

fatores determinantes na escolha do gênero para externar o querer dizer dos sujeitos.

Nesse sentido, ainda que a maior referência sobre o tema tratado neste item seja o

ensaio Os gêneros do discurso (2003 [1952-53]), o termo aparece delineado anteriormente no

livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (1990 [1929]), como explicitado por Brait (2000),

Sartori (2008) e Lemes (2009), entre outros. Contudo, dialogaremos basicamente com o

ensaio de 1952-53, por atender a nossos objetivos no momento, longe de classificação

monofônica dos gêneros, embora saibamos que o conceito deva ser explorado considerando

outros textos do Círculo, como bem pontua Padilha (2005). Todavia, recorreremos a outros

autores que, competentemente, revozeam a problemática conceitual que envolve os gêneros,

alargando as reflexões de Bakhtin em contextos próximos de nossa realidade e com exemplos

significativos para a análise a que nos propomos nesta dissertação.

Antes de discorrermos sobre gêneros, lembremos que o assunto não é novo, conforme

atestam Padilha (2005), Rojo (2008), Fiorin (2008), Faraco (2009) e Lemes (2009). Todos

eles apresentam ao leitor um percurso significativo das evidências históricas sobre o

tratamento desse aspecto conceitual. No excerto a seguir, de Faraco (2009), percebemos a

evolução do conceito de gênero. Sobre isso, esse autor assim se pronuncia:

Parece que Platão foi o primeiro a falar de gêneros quando, no livro III da

República, divide a mimese (isto é, a representação literária da vida) em três

modalidades: a lírica, a épica e a dramática. Aristóteles elaborou, na

sequência, dois trabalhos importantes de sistematização dos gêneros: na Arte

retórica, propôs e estudou três gêneros retóricos (o deliberativo, o judiciário

e epidítico); e, na Arte poética, buscou tratar da produção poética em si

mesma e de seus diversos gêneros, explorando extensamente as propriedades

da tragédia e da epopéia (e, segundo se acredita, da comédia no livro II,

totalmente perdido). Esses dois trabalhos de Aristóteles foram referência

durante séculos na discussão dos gêneros (FARACO, 2009, p. 123) [grifos

do autor].

Page 72: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

70

Bakhtin amplia a noção de gêneros para além da esfera literária, apresentando uma

teoria assentada na dinamicidade da produção do enunciado, marcada por ―suas funções na

interação socioverbal (...) e na estipulação de um vínculo orgânico entre a utilização da

linguagem e a atividade humana‖ (FARACO, 2009, p. 126). O autor russo demonstra que os

sujeitos, bem como o contexto gerador das interações, são determinantes na organicidade dos

gêneros, por isso caracteriza-os como tipos de enunciados relativamente estáveis, gestados em

determinadas esferas da comunicação discursiva, compostos por três elementos

indissociáveis: conteúdo temático, forma composicional e estilo (BAKHTIN, 2003 [52-53]).

O conteúdo temático, distinto de assunto, é aquilo passível de ser dito no gênero;

coloca em movimento a situação, os sentidos imprimidos pela interação entre os sujeitos no

processo de fruição da obra; a forma composicional corresponde ao modo de organizar o

texto, moldando-o em função dos objetivos do autor, e o estilo evidencia escolhas linguístico-

discursivas que retratam a individualidade e, por que não, particularidades da autoria.

Sobral (2009) observa que, do ponto de vista do Círculo, o gênero discursivo é,

simultaneamente, estável, porque conserva marcas próprias, e mutável, porque reflete as

condições histórico-sociais de uma época, o que exclui qualquer tentativa de classificações

rígidas tendo como parâmetro apenas aspectos da textualidade. Nas palavras do autor,

―gêneros são tipos ou formas de enunciados, não se reduzindo, portanto, nem à forma, nem ao

conteúdo, nem ao material‖ (p. 129). Por isso,

[...] gênero se define como certas formas ou tipos relativamente estáveis de

enunciados/discursos que têm uma lógica própria, uma lógica de caráter

concreto, não sendo assim sistemas fechados, mas recortes sócio-ideológicos

do mundo no âmbito do enunciado (SOBRAL, 2009, p. 128).

Essa definição coloca em movimento relações interlocutivas, em dadas esferas de

atividade, mobilizadas por projetos discursivos destinados a interlocutores reais e parceiros de

dizeres materializados em gêneros. Sobre esfera de atividade humana, salientamos que em

cada uma são encontrados os gêneros específicos e estabilizados, necessários para a garantia

da interlocução entre os participantes da comunicação discursiva. Dessa maneira, reportamo-

nos a Sobral (2009) para definir o conceito de esfera, na visão de Bakhtin.

As esferas de atividade são ―regiões‖ de recorte soicioistórico-ideológico do

mundo, lugar das relações específicas entre sujeitos, e não só em termos de

linguagem. São dotadas de maior ou menor grau de estabilização a depender

de seu grau de formalização, ou institucionalização, no âmbito da sociedade

e da história, de acordo com as conjunturas específicas. Assim, a esfera deve

Page 73: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

71

ser entendida como (...) uma modalidade socioistórica relativamente estável

de relacionamento entre os seres humanos (SOBRAL, 2009, p. 121).

Ainda sobre esfera, é importante lembrar que em cada uma ocorrem processos de

produção, de circulação e de recepção de discursos (SOBRAL, 2009), em formato de gêneros

primários e secundários. Para Bakhtin (2003 [1952-53]), os gêneros primários, comumente

originados nas relações espontâneas, são mais propensos ao reflexo da individualidade do

falante, enquanto os secundários, ancorados em situações complexas da vida humana,

refletem os gêneros ligados à escrita, portanto mais formatados. Todavia, generalizar,

associando gêneros secundários às formas cristalizadas de enunciados, é incorrer em erro,

porque o próprio pensador adverte que ―todo enunciado – oral e escrito, primário e secundário

e também em qualquer campo da comunicação discursiva – é individual e por isso pode

refletir a individualidade do falante (ou de quem escreve), isto é, pode ter estilo individual‖

(BAKHTIN, 2003 [1952-53], p. 265).

Em se tratando do RPP, podemos situá-lo como espaço de enunciação do sujeito-autor,

que elabora seu dizer mediado, explicitamente, pelas relações estabelecidas nas esferas de

atuação (escolar), na interface com a da formação continuada. Na próxima seção

apresentamos especificidades desse gênero como sendo um dos poucos explorados

considerando ―a variedade imensa e até hoje não estudada de gêneros do discurso‖

(BAKHTIN, 2003 [1959-61], P. 324).

2. 3 Relato de prática pedagógica

Os relatos existem, enquanto práticas sócio-comunicativas, desde que o homem

estabeleceu vínculos interativos com outros de sua espécie. Se pensarmos na pré-história,

certamente, encontraremos indícios de relatos das caçadas; na Grécia, sofisticadas formas de

divulgar as grandes narrativas históricas; no período das grandes navegações, especialistas na

arte de expor a realidade encontrada nas terras ―descobertas‖. Isso significa que, embora não

tematizado amplamente na esfera educacional, o relato foi um gênero presente em diferentes

momentos da história da humanidade.

Podemos identificar várias formas adjetivadas de relato, conforme o esquema abaixo:

Page 74: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

72

Figura 7: Tipos de relatos

Observemos que, embora nomeados distintamente, os tipos de relatos esboçados na

figura se perpassam. Todavia, em razão de nosso foco, aliado ao ensino, enfatizaremos

brevemente características de apenas três, conforme delineados abaixo.

O relato de viagem ─ como o próprio nome diz ─ define-se pela apresentação de

detalhes de locais visitados, ilustrando as afirmações com inserção de imagens fotográficas,

roteiros turísticos, bilhetes de passagens etc. Já o relato pessoal é marcado pelos detalhes das

situações e das experiências vividas em determinado momento, em local definido e com

pessoas específicas. Nesse gênero, o autor tem liberdade para tratar de assuntos diversos. O

relato de experiência, por sua vez, está mais relacionado ao meio acadêmico, com referência a

resultados de experiências realizadas em salas de aulas, especialmente com a execução de

estágios supervisionados, pesquisas em laboratórios etc.

Em tese, podemos dizer que o relato passa, necessariamente, pela participação do

autor nos fatos, seja na condição de observador, seja na de criador de situações. O objetivo

principal da prática de relatar é a socialização de acontecimentos importantes para o autor do

discurso.

Tendo como parâmetros algumas pistas sobre o relato, buscamos no meio educacional

o gênero que mais se aproxima das produções das professoras-cursistas do GESTAR II de LP.

Em razão disso, faremos algumas reflexões sobre o gênero no contexto educacional, enquanto

registro de prática pedagógica, ancorado na sua sócio-história.

RELATO

de experiência

pessoal

de viagem médico

de negócios

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73

2. 3. 1 Situando o relato no contexto educacional

A denominação ―relato‖ nos remete às práticas orais, de cunho informal, instauradas

no cotidiano, para um ou vários expectadores. Porém, temos também relatos pertencente à

modalidade escrita da linguagem, em que o objetivo são registros de experiências pessoais

para compartilhamento de situações com outros, não-participantes imediatos da experiência

vivida pelo autor.

No meio acadêmico-educacional, historicamente, vigoraram textos de cunho objetivo,

impessoal, com relativo distanciamento do produtor do discurso, como indicador de

cientificidade. Sobre esse assunto, Fiad e Silva (2009, p. 123) esclarecem que, explicitamente,

―nas últimas décadas, começa a tomar corpo um conjunto de iniciativas que procuram

estimular uma produção de caráter mais narrativo e subjetivo, na qual a maior referência é o

próprio autor, sua percepção dos fatos, suas experiências e formas de significação‖. As

autoras acrescentam, no entanto, que,

no campo da Educação, por exemplo, nem sempre foi assim, predominando,

por muito tempo, um enfoque normativo, universal e essencialista ou mesmo

estrutural, em meio do qual se perdia uma abordagem voltada para o

cotidiano, seus acontecimentos e os aspectos mais subjetivos aí envolvidos.

Hoje, diferentemente desse entendimento, tem se, nesta área, maior espaço e

valorização para o aspecto pessoal e íntimo, ou para a dimensão subjetiva

envolvida nos acontecimentos do cotidiano escolar e educacional e em sua

apreciação (FIAD e SILVA, 2009, p. 123).

No bojo dessas mudanças, o relato aparece com frequência em textos educacionais,

especificamente na área de formação de professores, encapsulando a inclusão dos registros de

experiências pessoais nos processos pedagógicos, dando visibilidade às interlocuções

ocorridas na esfera escolar. Com isso, a voz do professor emerge, tornando-o agente de um

campo profissional específico e alguém que reflete sobre sua prática, à luz das teorias,

enquanto constrói sua identidade individual, respaldada na coletividade (SIGNORINI, 2006).

Nesse contexto, relatar significa ―rememorar o vivido (...) contar uma história na qual

podemos representar nós mesmos, tanto em função de nossas crenças, desejos e intenções

como em função de expectativas sociais e culturais, em relação às quais nos posicionamos‖,

segundo Signorini (apud PENTEADO e MESKO, 2006, p. 75-76).

Embora o ato de relatar incida sobre os registros de experiências realizadas, no campo

educacional há grandes desdobramentos dessa prática, verificados em várias publicações:

relato de experiência de atuação profissional (SILVA e LEITÃO, s/d), relato de experiência

Page 76: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

74

vivida e relato histórico (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004 [1996]), relato de experiências

científicas (BARBOSA, 2001), relato reflexivo (SIGNORINI, 2006), relato de prática

(AMARAL, 2007), relato de estágio (FIAD, SILVA, 2009), relato de prática pedagógica

(ZELMANOVITS, 2010).

Para Dolz e Schneuwly (2004 [1996]), relatar pressupõe explicitar discursivamente as

experiências vividas em um determinado tempo. Essa proposição dos autores aparece no

―Agrupamento de gêneros‖, sugerido por eles para orientar o trabalho com leitura e produção

escrita, definido ―em função das capacidades do aprendiz e das experiências a ele necessárias‖

(DOLZ e SCHNEUWLY, 2004[1996]), p. 42-43). Abaixo exemplificamos apenas a parte que

contém aspectos da ordem do relatar.

Domínios sociais de comunicação Aspectos tipológicos

Capacidades de linguagem dominantes

Exemplos de gêneros orais e escritos

Documento e memorização das ações humanas

Relatar

Representação pelo discurso de

experiências Vividas situadas no tempo

relato de experiência vivida relato de viagem diário íntimo testemunho anedota ou caso autobiografia curriculum vitae ... notícia reportagem crônica social crônica esportiva ... histórico relato histórico ensaio ou perfil biográfico biografia ...

Quadro 3: Proposta provisória de agrupamento de gêneros39 - Ordem do relatar (DOLZ e SCHNEUWLY, 2004 [1996], p. 60)

Tendo por base o agrupamento genebrino, Barbosa (2001) reconhece méritos da

proposta, pensada para o currículo da Suíça Francófona, principalmente no tocante às

finalidades sociais de comunicação e ao desenvolvimento das capacidades linguísticas e

discursivas; no entanto, adverte para a presença marcante das ordens tipológicas, o que

39

Recortamos do quadro formulado pelos autores apenas a parte que nos interessa, em função do gênero tratado

nessa seção - RPP. Todavia, lembramos que Dolz e Schneuwly propõem, seguindo a formatação exposta acima,

outros aspectos correspondentes aos domínios sociais de comunicação, aspectos tipológicos, capacidades de

linguagem dominantes, com as respectivas exemplificações de gêneros orais e escritos.

Page 77: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

75

fragiliza, segundo a autora, um trabalho na perspectiva enunciativa da linguagem, em

consonância com os conceitos de Bakhtin40.

Ao analisar o agrupamento em evidência – relatar – Barbosa (2001) sinaliza para uma

organização distinta das demais, marcada por reticências intermediárias, pressupondo três

blocos de gêneros. Assim explica:

[...] o primeiro – constituído pelos gêneros relatos de experiência vivida,

relatos de viagem, diário íntimo, diário de viagem, testemunho,

autobiografia etc. – pertencem a esferas mais cotidianas e supõem a vivência

empírica dos fatos por parte do locutor, o que determina, quase sempre, um

relato em primeira pessoa. O segundo bloco é formado por gêneros da esfera

jornalística – notícia, reportagem, crônica mundana, crônica esportiva etc.

Todos eles se referem ao relato ou comentário de fatos mais ou menos

contemporâneos. Finalmente, o terceiro bloco é formado por gêneros da

esfera científica - histórico, relato histórico, ensaio ou perfil biográfico,

biografia etc. (BARBOSA, 2001, p. 149, grifos da autora).

Visando a fomentar a discussão em torno dos agrupamentos de gêneros, reconhecendo

os méritos e apontando as lacunas da proposta endossada por Dolz e Schneuwly (2004

[1996]), ainda levando em consideração os currículos das escolas nacionais, a autora

apresenta outra forma de organização, tencionando maior aproveitamento dos pressupostos

bakhtinianos. Para isso, sugere uma proposta, partindo da identificação das esferas de

atividades, indicando os gêneros que nelas circulam, principalmente aqueles importantes para

a formação cidadã e o sucesso escolar dos alunos. Abaixo expomos apenas a esfera escolar,

por conter o gênero relato, objeto de nosso interesse.

ESFERAS SOCIAIS DE CIRCULAÇÃO

EXEMPLOS DE GÊNEROS ORAIS E ESCRITOS

ESCOLA

· instrução/consigna · tomada de notas · seminário ·diálogo/discussão argumentativa · verbete de enciclopédia · fichamento · resumos

· resenhas · relato de experiências (científicas) · relatório · ensaio escolar · relato histórico · teorema ...

Quadro 4: Proposta de agrupamento - Esfera e gêneros (BARBOSA, 2001, p. 153-154)

Essa organização, segundo Barbosa (2001), torna-se mais profícua com a inclusão da

finalidade ou objetivo do autor, considerando a posição por ele ocupada na esfera em

40

A autora destaca que, apesar de suas reflexões, em algumas escolas brasileiras, o agrupamento proposto pela

equipe de Genebra tem se mostrado eficaz e sido referência para organização de suas propostas curriculares em

torno dos gêneros do discurso.

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destaque. Dessa maneira, é possível dar visibilidade às capacidades necessárias para dominar

certos gêneros, cujas características não se repetem, exceto quando aproximados dos

respectivos contextos de produção, o que possibilita a emergência de traços comuns. Para a

autora,

[...] esses agrupamentos, a partir do cruzamento dos critérios esferas versus

finalidades, poderão efetivamente contribuir para a compreensão das

características desses próprios gêneros. Além disso, a consideração das

várias finalidades ajudaria a entender os diferentes interesses e posições

sociais presentes nas várias esferas, o que também contribuiria para sua

compreensão (BARBOSA, 2001, p. 157).

Divergências de agrupamentos à parte, interessa-nos, sobretudo, situar os RPP para

compreender de que forma a esfera de produção do gênero contribui para sua constituição,

aspectos que serão tratados a seguir.

2. 3. 2 Descrição sócio-histórica do gênero RPP

Genericamente, RPP é caracterizado como um gênero discursivo que reflete as

condições sócio-históricas de uma determinada época e traz em seu bojo adequações próprias

do espaço em que circula. Por isso, identifica-se pelo compartilhamento de particularidades

das experiências pedagógicas, construídas no ambiente escolar, tendo em vista a delimitação

temporal da ação, os objetivos do registro, os critérios para a produção do gênero e os

interlocutores. Nele, o professor precisa descrever o processo de desenvolvimento da proposta

em sala de aula, acompanhado de análises e reflexões, levando em consideração os leitores

que não vivenciaram o percurso e precisam visualizar detalhes do trabalho pedagógico

realizado. Para isso, é preciso sempre questionar, conforme orienta Zelmanovits (2010), o que

e como explicitar o trabalho realizado para outro, não participante do processo.

Para Amaral (2007), neste tipo de produção escrita, a presença de marcas de autoria é

evidente nas escolhas que o docente faz para revelar as experiências particulares com os

alunos, na sala de aula e no contexto escolar. Neste caso, é comum a presença de trechos que

revelam também sensações e emoções. Nesse sentido, o RPP constitui um gênero discursivo

catalisador, porque revela indícios de como o interlocutor se apropria de uma proposta de

ensino e, a partir de sua apreciação valorativa, a traduz para os participantes da comunicação

discursiva Signorini (2006, p. 8) define gêneros catalisadores como sendo ―gêneros

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discursivos que favorecem o desencadeamento e a potencialização de ações e atitudes

consideradas mais produtivas para o processo de formação, tanto do professor quanto de seus

aprendizes‖. Ainda segundo a autora, tais gêneros funcionam como locus gerador de novos

gêneros, ressignificados, visando a outras interlocuções, requeridas pela própria dinâmica do

processo de ensino e aprendizagem.

No contexto aqui focalizado, consideramos importante recorrer à ordem metodológica

proposta por Bakhtin/Volochínov (2010 [1929]) para a abordagem da língua, enquanto

elemento evolutivo no processo de comunicação verbal, pois a riqueza conceitual desse

tratamento analítico favorece reflexões relevantes para os RPP. Lembremos que os autores

sugerem uma análise que considere:

· As formas e tipos de interação verbal em ligação com as condições

concretas em que se realiza.

· As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação

estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias

de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma

determinação pela interação verbal.

· A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação lingüística

habitual‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929], p. 129).

Partindo desse pressuposto, apresentamos a seguir descrições do RPP, elaborado

tendo como parâmetro a sua esfera embrionária, a situação de produção, externando, a partir

desses elementos, o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo.

Quadro 5 41: Descrição do gênero RPP42

I – ESFERA DE ATIVIDADE/COMUNICAÇÃO a) A esfera da formação continuada é composta por instituições educacionais, principalmente da

educação básica, que incorporam em seus projetos educativos, práticas contínuas de estudos

(semanais, quinzenais, mensais etc), respeitando as especificidades de cada grupo. Esses processos de

formação continuada são vinculados às políticas educacionais nacionais, representadas pelo

Ministério da Educação – MEC, porém regulamentadas, normatizadas e executadas pelas Secretarias

Estaduais de Educação.

b) O MEC oferece aos estados vários programas de formação continuada, em formatos

41

Esse quadro foi elaborado a partir da releitura da proposta de descrição e análise do gênero notícia feito por

Barbosa (2001). Em função da praticidade didática da estrutura organizacional adotada pela autora, organizamos

a caracterização dos itens de maneira semelhante. 42

Para descrever esse gênero, nos apoiamos na análise que Barbosa (2001) fez da notícia (mesmo o gênero

sendo de outra esfera, nos forneceu caminhos para essa organização) e do tratamento dado ao relato de

experiência vivida, por Bräkling (2010), tendo em vista a ausência de referenciais para traçar a sócio-história do

RPP. Além disso, contamos com a experiência da formadora do GESTAR II – LP/2009, do polo de Juara, que

nos forneceu dados sobre o processo de formação, resultando nesse mapeamento.

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presencial, semipresencial e a distancia, necessitando apenas de adesão das unidades federativas para

a implementação dessas propostas em suas redes. Neste caso, compete às Secretarias Estaduais de

Educação criar mecanismos para desenvolvimento das propostas de formação.

c) Os centros de Formação e as universidades atuam como executores dos Programas nos

estados, na maioria das vezes, pelo sistema de multiplicação: docentes das IES formam professores

formadores e representantes das secretarias municipais, que desencadearão o processo formativo em

seus polos/municípios.

d) Em Mato Grosso, é papel dos CEFAPRO implementar as políticas de formação, fazendo-as

chegar até as escolas. Fortalecer a escola como locus de formação continuada, via projeto Sala de

Educador, é o principal foco dos Centros de Formação, cujas atribuições, neste caso, são acompanhar

e auxiliar o coordenador pedagógico no desenvolvimento dos encontros, os quais devem contribuir

para a melhoria da atuação de cada participante. O Centro também desenvolve programas, oriundos

de parcerias – MEC/SEDUC – como o GESTAR II, um Programa de Formação Continuada

destinado ao aperfeiçoamento docente, tendo como referência um kit de materiais, com questões

teórico-práticas.

e) Na esfera da formação continuada, os registros do processo formativo individual são

realizados, tendo como parâmetro os temas estudados e sua contribuição na melhoria da qualidade

dos serviços ofertados por cada um. f) Há uma tendência de escrita subjetiva das experiências formativas e o RPP figura como

alternativa viável para traduzir a articulação teórico-prática promovida nos momentos de estudos.

II – SITUAÇÃO DE PRODUÇÃO a) Os produtores do texto são docentes, formados, com relativa experiência pedagógica, e que

retratam sua prática para cumprir a exigência burocrática de um processo de formação continuada.

Muitas vezes, os RPP são produzidos livremente, com o intuito de divulgar o processo de trabalho

com um conjunto de atividades, resultantes de projetos, sequências didáticas ou apenas os resultados

de uma atividade pontual.

b) O objeto do RPP é a atividade, conjunto de atividades ou projeto selecionado para o

desenvolvimento com uma turma ou mais de alunos; o objetivo é centrado na publicação de práticas

pedagógicas, consideradas inovadoras pelos autores-professores.

c) O processo de produção do RPP exige sucessivas versões, uma vez que a imprevisibilidade é

comum, em função das interações únicas ocorridas com o desenvolvimento da proposta.

d) Os interlocutores imediatos são professores de instituições de formação, inicial ou continuada

(ou coordenadores pedagógicos de escolas, responsáveis pela formação de seus pares), que, mediante

projeto de formação implementado, requisitam o gênero como forma de visualizar o

desenvolvimento de propostas sugeridas durantes os estudos.

e) Quanto ao suporte material do RPP, comumente, é impresso ou escrito à mão, porém pode ser

disponibilizado em dispositivos de armazenamento de informação por meio eletrônico – pen drive –

ou óptico – DVD – publicados na internet, em sites educacionais, blogues, revistas especializadas.

Portanto, tem duração indeterminada.

III - CONTEÚDO TEMÁTICO

a) Os episódios resultantes de experiências pedagógicas pessoais ocorridas em sala de aula, com

determinados grupos de alunos (ano/ciclo, série), em espaços delimitados ou em vários deles, sempre

vinculados à escola (sala de aula, pátio, corredor, laboratório de informática, outros ambientes

externos) são os assuntos privilegiados neste gênero discursivo.

b) Os assuntos levantados estão sempre em concordância com o currículo escolar, por isso é visível

a presença dos modos de abordagem dos conteúdos das disciplinas, separadamente ou integradas.

c) Há evidências do fazer em consonâncias com as reflexões pontuadas nos fatos e no seu

desenrolar no processo de ensino. d) Envolve conhecimento teórico-metodológico visando resultados qualitativos da produção a ser

divulgada, seja de maneira restrita, respondendo às exigências de um curso ou programa, seja de

forma ampla, em espaços públicos, impressos ou virtuais.

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IV – CONSTRUÇÃO COMPOSICIONAL E ESTILO a) Contextualização do gênero, explicitando dados da instituição promotora, em caso de curso ou

programas, dados da atividade, período, local, nome, muitas vezes em forma de cabeçalho.

b) Evidências explicitas de participação do relator nos momentos relatados.

c) Detalhamento das ações, partindo de objetivos de aprendizagem para o grupo de alunos,

explicitação das etapas do trabalho, permeadas por reflexões do autor sobre as experiências em sala

de aula, finalizando com apreciações valorativas mediante trabalho realizado.

d) Seleção dos aspectos a serem abordados, levando em consideração, principalmente, eventos

representativos que respondam às propostas protocoladas pela agência de formação.

e) Apresentação de ações ordenadas, nem sempre temporalmente, porque são normalmente

organizadas de acordo com a seleção feita pelo autor, dos aspectos relevantes a serem socializados.

f) Apreciação valorativa do produtor do discurso em todo o texto, porém evidenciada no

encerramento, com retomada de situações ou reafirmação das escolhas pedagógicas, muitas vezes,

sinalizando a contribuição do processo experienciado, mediante proposta de formação.

g) Menção de diálogo com outras pessoas, de modo direto ou indiretamente, com a utilização de

aspas, dois pontos, parágrafo, travessão, verbos dicendi.

h) Termos indicadores da presença e/ou participação de outros no processo relatado.

i) Predominância de verbos no pretérito perfeito, com destaque para:

- 1ª pessoa do singular, com a intenção é demarcar a participação do autor, responsabilizando-se

plenamente pelo processo descrito.

- 1ª pessoa do plural, para incorporar outros participantes da interação, diluindo sua presença na

coletividade.

j) Estruturas linguísticas próprias da esfera de atuação do relator: importância do estudo, apreensão

do conhecimento, escolha do texto, objetivo(s) principal(ais), conteúdos planejados, reescrita,

produção de textos, leitura, aprendizagem, ensino, alunos, dentre outras. k) Marcas linguísticas de apreciação, sensações e experiências pessoais do autor.

Ressaltamos que, apesar dos esforços de elencar as características do RPP, a descrição

está ancorada na inconclusibilidade e no inacabamento de um gênero em formação, sujeito a

mudanças (BEZERRA, 2008 [2005]), uma vez que o objetivo central dessa análise é levantar

dados do gênero em questão para compreendê-lo no contexto de sua formulação. Dessa

maneira, podemos entender em que medida essas características contribuem para

visualizarmos a interlocução entre formador do GESTAR II de LP/cursista, entre professor-

cursista/alunos, a emergência identitária docente em contexto de ensino e de formação do

professor, e de que forma se dá a (re)construção dos objetos de ensino-aprendizagem nos

espaços de atuação desse professor (SIGNORINI, 2006).

Delineados os pressupostos teóricos de base de nossa análise, no capítulo seguinte,

expomos detalhes do nosso objeto de pesquisa e os procedimentos de análise dos dados.

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CAPÍTULO III

DELINEANDO O PERCURSO ANALÍTICO

O texto só tem vida contatando com outro texto (contexto). Só no ponto

desse contato de textos eclode a luz que ilumina retrospectiva e

prospectivamente, iniciando dado texto no diálogo (BAKHTIN 2003 [1974-

79], p. 401).

Mostramos, nos capítulos precedentes, que o ensino da LP mudou consideravelmente

com o curso da história, saindo da normatividade para chegar às concepções sócio-históricas

de linguagem, tendo a cultura da formação continuada, principalmente nos últimos anos,

contribuído sobremaneira para a difusão de novas bases para o ensino e aprendizagem

praticados nas escolas.

Essa situação reflete diretamente muitos dos pressupostos e teorias de base sócio-

histórica e cultural, representadas por Bakhtin e Vygotsky, ambos defendendo, em seus

campos investigativos específicos, ―a primazia da interação social nos processos de

construção de todo conhecimento humano‖ (SANTOS, 2011, p. 49), conforme mencionado

no capítulo anterior.

Em diálogo com a citação que abre este capítulo, reafirmamos a importância de

analisarmos os RPP dando relevância aos colaboradores desta pesquisa, também produtores

dos textos selecionados para a análise, visualizando-os, primeiramente, como indivíduos

socialmente situados, que produzem seus discursos parametrizados pelo contexto de sua

atuação. Dessa maneira, é imprescindível analisar os textos – RPP – em diálogo com o

contexto em que são produzidos, para a identificação das vozes presentes, as quais fornecerão

elementos para situá-los na cadeia discursiva de enunciados produzidos historicamente

(retrospectivo) e daqueles em processo de construção (prospectivo).

Nesse ponto, apresentamos as motivações geradoras desta dissertação. Primeiramente,

delineamos objeto de pesquisa, questões e objetivos desta investigação, em diálogo com os

pressupostos teóricos escolhidos para subsidiar a análise dos dados; em seguida, discorremos

sobre a metodologia de coleta e análise dos dados.

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3. 1 Trilha metodológica na perspectiva sócio-histórica

Assumindo a perspectiva enunciativo-discursiva da linguagem e, em alguns momentos

a sociocultural de Vygotsky, especialmente no tocante ao ensino aprendizagem, nossa

pesquisa insere-se no quadro das Ciências Humanas, porque a base das atividades dessa área é

o sujeito que enuncia seu texto a partir das interlocuções que estabelece no contexto sócio-

ideológico. Assim como fez Bakhtin (2003 [1974-79], p. 395), ao enfatizar que ―o objeto das

ciências humanas é o ser expressivo e falante”, assumimos que, nesta pesquisa, os

colaboradores são pessoas dotadas de responsabilidade e responsividade. Entendemos, dessa

maneira, que é preciso olhar para os produtores dos RPP com excedente de visão suficiente

para perceber suas vozes externadas nas peculiaridades dos discursos assumidos no contexto

em que as interações descritas se estabeleceram.

Para justificar o posicionamento do autor russo em relação às Ciências Humanas,

Faraco (2009) cita os contrapontos apresentados por Bakhtin entre ciências naturais e ciências

humanas, destacando ser a primeira vista como um processo analítico que desconsidera o

inacabamento do ser, consequentemente gerando um apagamento de sua singularidade. Já a

segunda respeita a dimensão humana, evitando a coisificação, pois ―atrás do texto há sempre

um sujeito, uma visão de mundo, um universo de valores com que se interage‖ (FARACO,

2009, p. 43). Daí, a importância de o pesquisador assumir uma postura compreensiva,

principalmente, dos fenômenos implícitos, já que toda manifestação, seja ela oral ou escrita, é

carregada de sentido ideológico. Assim, ―o sujeito como tal não pode ser percebido e

estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo;

consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (BAKHTIN, 2003

[1952-53], p. 400).

Nessa direção, Vygotsky contribui para nosso estudo quando nosso ―olhar‖ se volta

para os processos de ensino e aprendizagem, materializados em forma de objetos de ensino

construídos pelas professoras em sala de aula, os quais aparecem nos fios discursivos

presentes nos RPP. Nesse sentido, conceitos como ZPD e mediação funcionam como

alavancas de um ensino que objetiva a aprendizagem de fato. Assim, o professor tem o papel

importante de identificar conceitos construídos pelos alunos e aqueles possíveis, que

necessitam da mediação de um par avançado. Conforme explicitamos no capítulo anterior, a

Zona Proximal de Desenvolvimento é o conhecimento potencial, ou seja, o conhecimento em

processo e possível de ser consolidado ou internalizado pelo aluno com ajuda de um adulto.

Na escola, essa figura adulta é assumida pelo professor que, pelo levantamento de níveis

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alcançados pelos alunos, resguardando a individualidade dos envolvidos, propõe intervenções

de ensino específicas para a garantia de aprendizagens. Com isso, temos explicitada a função

mediadora do docente no processo de aquisição da aprendizagem.

Partindo desses pressupostos, e com a finalidade de manter coerência com os

princípios das ciências humanas, escolhemos a abordagem qualitativa por entender que esta se

coaduna com nosso propósito de compreensão das professoras-autoras, com uma

profundidade compreensiva de seus saberes múltiplos e plurais (Tardif, 2002) e, ao mesmo

tempo, mantém o distanciamento necessário para fazer análises correspondentes aos

princípios da teoria assumida para a efetivação da análise dos dados. Nesse sentido,

concordamos com Bogdan e Biklen (1992, p. 48), ao afirmarem que, no processo

investigativo, o foco dos pesquisadores qualitativos é ―analisar os dados em toda a sua

riqueza, respeitando (...) a forma em que estes foram registrados ou transcritos‖. Essa postura

anula o absolutismo das análises numéricas, uma vez que elas excluem o contexto em que as

interações foram produzidas, bem como suas condições e finalidades. Assim, ―para o

investigador qualitativo divorciar o acto, a palavra ou o gesto do seu contexto é perder de

vista o significado‖ (BOGDAN & BIKLEN, 1992, p. 48).

Tendo optado pela abordagem qualitativa da pesquisa, escolhemos a análise

documental, porque a natureza do objeto, neste caso RPP de professoras de LP, exige

observação cuidadosa dos fenômenos enunciativos, já vez que a investigação deve ultrapassar

os limites do texto escrito, para a compreensão do processo de constituição dialógica e autoral

docente manifestada nos registros selecionados por nós. Isso exige do pesquisador análises

cuidadosas e criteriosas para o desvelamento das realidades subjacentes às construções

discursivas dos sujeitos retratados nos RPP. Nessa direção, Bakhtin (2003 [1974-79], p. 404),

afirma: ―trata-se de fazer o meio material, que atua mecanicamente sobre o indivíduo,

começar a falar, isto é, descobrir nesse meio a palavra em potencial e o tom, de transformá-lo

no contexto semântico do indivíduo pensante, falante e atuante (e também criador)‖.

O contexto tem especial significado para o investigador documental, pois permite um

―mergulho‖ na época de produção do corpus para a identificação das motivações que levaram

os sujeitos a proferiram tais discursos, em que condições e para quem, evitando, assim, o

falseamento da realidade. O conhecimento do(s) autor(es), de sua realidade sócio-política e

ideológica é outro aspecto fundamental da análise, para a percepção das razões que

fomentaram a produção. Assim, ―a análise qualitativa do conteúdo começa com a idéia de

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processo, ou contexto social, e vê o autor como um auto-consciente que se dirige a um

público em circunstâncias particulares (ALMEIDA, GUINDANI e SÁ-SILVA, 2009, p. 11)

A partir do universo descrito e tencionando compreender esse outro que enuncia, a

partir de seu contexto, em circunstâncias particulares, delineamos como objetivo principal

analisar de que forma os professores, cursistas do Programa GESTAR II ─ Língua Portuguesa

─ desenvolvido no município de Juara, constroem seus dizeres nos relatos escritos sugeridos

pelo TP3 – Gêneros e Tipos Textuais. Para isso, definimos o percurso investigativo a partir

das seguintes etapas:

o Analisar, no material no GESTAR II – especificamente no Caderno de Teoria e Prática

(TP 3), na parte II – Lição de Casa – as orientações apresentadas para a elaboração dos

relatos, considerando as características desse gênero discursivo.

o Analisar de que forma os professores em formação continuada constroem o gênero

relato para a constituição dos seus dizeres sobre os objetos de ensino para as aulas de

Língua Portuguesa, tendo como referência as propostas dos Avançando na Prática.

o Discutir a função da formação continuada de professores para desencadear a

autonomia docente como alternativa para otimizar o ensino, constituindo a escola

como espaço de formação do aluno autor.

Para justificar os objetivos delineados, partimos de duas questões, respondidas ao

longo da pesquisa:

1. Quais orientações sobre o gênero relato são apresentadas no Caderno de Teoria e

Prática 3 (TP 3), do GESTAR II de LP, para que o professor em formação continuada

o elabore, considerando as especificidades do referido gênero discursivo?

2. Como o professor em formação continuada constrói seu dizer sobre objetos de ensino

para as aulas de Língua Portuguesa, no gênero relato, proposto como atividade no

Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3) do Programa Gestar II?

Esses questionamentos, durante a investigação, estão delineados a partir da

confluência dos seguintes aspectos: universo pesquisado/nossa experiência

profissional/arcabouço teórico.

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Figura 8: Aspectos envolvidos na pesquisa

Para nós, esses elementos são indissociáveis, portanto, relevantes para orientar a

análise dos RPP, considerando que o espaço de atuação das colaboradoras da investigação é a

gênese de nossa constituição profissional, ressignificado em função de nossas experiências e

vários espaços educacionais.

Na seção seguinte, retrataremos nosso percurso para a definição do corpus desta

pesquisa.

3. 2 Contextualizando a Pesquisa

Os motivos que levaram à escolha do material do Programa Gestão da Aprendizagem

Escolar – GESTAR II – foram basicamente dois: primeiro, porque o programa traz em seu

bojo uma proposta de formação continuada para professores de Língua Portuguesa,

traduzindo uma das funções dos Cefapros de Mato Grosso, espaço em que atuamos; segundo,

por desejo de conhecer melhor o universo dos gêneros, tematizado em muitas pesquisas e

propostas educacionais. Nesse último caso, nosso interesse recai, principalmente, sobre os

gêneros ligados ao fazer pedagógico docente, para a compreensão dos dizeres docentes sobre

suas experiências, seus conhecimentos oriundos de diversas fontes e seus modos de

(re)elaboração dos objetos de ensino em suas práticas, considerando que esses profissionais

interferirão significativamente na promoção do desenvolvimento da autoria dos alunos em

sala de aula.

Dissertação

Arcabouço teórico

Experiência profissional

Universo pesquisado

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O Cefapro, conforme mencionamos no capítulo 1, é uma instituição formadora cuja

finalidade principal é trabalhar com a formação continuada, incentivando o uso da tecnologia

nos processos pedagógicos. Partindo desse princípio, historicamente, os projetos de formação

continuada sempre foram construídos pelos professores formadores (individualmente,

agrupados por área ou por temáticas) de maneira quase autônoma, fato que sempre constituiu

um grande desafio para esses profissionais, dadas as limitações de cada um para trabalhar com

demandas tão diversas no conjunto da capacitação em serviço, principalmente em razão da

clientela atendida: profissionais habilitados e com relativa experiência em sala de aula e em

outros espaços intraescolar.

Essa dinâmica de atualização em serviço foi produtiva, principalmente, nos primeiros

anos de existência dos Cefapros. No entanto, em razão das propostas de formação continuada,

com muitos encontros distribuídos semanalmente pelo ano, ausência de didatização dos

conceitos, almejada pela maioria dos participantes, horário de disponibilidade incompatível

com os de oferta de formação e impossibilidade de contemplar necessidades específicas de

cada professor, era comum o esvaziamento das turmas de formação. Com isso, as mudanças

ensejadas pelas políticas estaduais de ensino, centradas na melhoria da qualidade desse

ensino, não foram grandemente alteradas, gerando busca institucional por alternativas que

permitissem ao docente a apropriação teórico-metodológica necessária à incorporação de

pressupostos norteadores da proposta educacional de Mato Grosso.

Nesse universo, projetos e programas de formação do professor e monitoramento da

aprendizagem dos alunos são incorporados temporariamente à política de formação

continuada mato-grossense, justificando a inclusão do GESTAR II de Língua Portuguesa e

Matemática. Esse Programa de Formação destinado ao professor de Língua Portuguesa em

atuação é apresentado aos Cefapros de todo Estado, em 2009, como alternativa delineada para

a ―atualização dos saberes profissionais por meio de subsídios e do acompanhamento da ação

do professor no próprio local de trabalho‖ (BRASIL, 2008a, p. 14), no formato

semipresencial.

Constando de um kit impresso, conforme mencionamos no capítulo 1, a formatação do

Programa inclui:

a) momentos a distância: destinados à realização de estudos individuais apoiados pelos

cadernos teórico-práticos;

b) encontros presenciais (oficinas): destinados à socialização de atividades

implementadas, entrega dos relatos referentes ao Avançando na Prática (AP),

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esclarecimentos de dúvidas sobre os TP, vivência de atividades organizadas pelos

formador, planejamento de situações didáticas e reflexões pertinentes ao processo de

aprendizagem dos alunos;

c) plantão pedagógico: para atendimento, pelo formador, das dificuldade individuais dos

cursistas;

d) acompanhamento pedagógico: observação in loco, pelo formador, do desenvolvimento

das propostas dos cadernos pelos cursistas.

No polo de Juara, assim como em todo o Estado, o Programa foi desenvolvido em oito

meses (abril-novembro 2009), mobilizado por contatos iniciais com as escolas dos municípios

de Juara, Novo Horizonte, Porto dos Gaúchos e Tabaporã para divulgação, convite,

identificação dos professores-alvo (em atuação na disciplina LP) e formação dos grupos. Os

inscritos foram organizados em cinco turmas, distribuídas da seguinte maneira:

Turmas Referência Nº de

cursistas

Redes Formação Oficinas

(org. dos

encontros) Municipal Estadual

A Juara – Zona

urbana

13

3

10

Letras 1 oficina a cada 15

dias

(4h= 2 unidades) B Juara – Zona

urbana e Novo

Horizonte

Letras

C

Juara – Zona rural

8

8

Letras (3) Pedagogia

(1 completo e 2

cursando), EM

incompleto (2)

2 oficinas a cada 30

dias

(8h= 4 unidades)

D

Porto dos Gaúchos

5

5

Letras 2 oficinas a cada 30

dias (8h= 4

unidades)

E

Tabaporã

12

5

7

Letra e pedagogia

(1),

2 oficinas a cada 30

dias (8h= 4

unidades)

Quadro 6: Turmas do GESTAR II de LP no polo de Juara

No mês de abril daquele ano, os primeiros encontros presenciais foram trabalhados

pela formadora43

, todavia sem o material impresso, já que ainda não havia sido entregue aos

Centros para distribuição aos cursistas. O recurso utilizado foi apenas o kit de amostra para

proporcionar aos cursistas o primeiro contato com o material que orientaria suas ações

pedagógicas naquele ano letivo.

43

A formadora do GESTAR II de LP do polo de Juara foi designada de uma unidade escolar para atuar no

Programa. Dessa maneira, ela não pertencia ao quadro de professores formadores do CEFAPRO, mas foi

incluída no grupo, após aprovação em seletivo realizado em julho/2009 para preenchimento de vagas.

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87

No encontro presencial de apresentação do Programa, o TP 3 foi o primeiro Caderno a

ser trabalhado, respeitando a orientação da IES responsável pela formação do formadores

(UnB). Baseada nisso, a formadora do Programa no polo elaborou um cronograma de

atendimento às turmas, especificando datas, carga horária e ação para implementar a proposta

de formação continuada.

Juara (área urbana) e Novo

H. do Norte

1º semestre

Língua

Portuguesa

08/04/09 4 horas vespertino

e noturno

Apresentação do programa

22/04/09 4 horas TP3 unid. 9 e 10

06/05/09 4 horas TP3 unid. 11 e 12

Juara(área rural e

indígenas)

15/04/09 4 horas Matutino Apresentação do programa

15/05/09 8 horas integral TP3 unid. 9 e 10, 11 e 12

Porto dos Gaúchos

21/04/09 4 horas Matutino Apresentação do programa

19/05/09 8 horas integral TP3 unid. 9 e 10, 11 e 12

Tabaporã

24/04/09 4 horas Matutino Apresentação do programa

22/05/09 8 horas integral TP3 unid. 9 e 10, 11 e 12

Quadro 7: Cronograma de apresentação do GESTAR e da TP3 no polo

Os momentos presenciais, conforme explicitado, têm uma formatação definida pelo

Programa, exigindo do cursista, entre outras ações, a socialização oral dos resultados do

desenvolvimento de duas das atividades do AP, com entrega dos relatos escritos dessas

experiências com os alunos ao formador.

Nesse universo, nos chamou a atenção, particularmente, o ―relato escrito‖. Vimos,

nessa situação, convergência com as solicitações do Centro de Formação que, ao término dos

projetos de formação continuada, indicava a produção de um relatório avaliativo do processo.

No bojo dessa exigência estava, acoplada às finalidades avaliativas e de garantia de

certificação, a possibilidade de oferecer momentos não-presenciais para a construção de

habilidades referentes à escrita, principalmente, do seu fazer pedagógico, constituindo-se

como autor do registro de sua história profissional. Com isso, era comum a solicitação de um

relatório de todo o processo formativo, articulando os conceitos tratados nos encontros às

experiências em sala de aula, especificando avanços e dificuldades identificados no processo.

Porém, esses registros sempre foram pedidos, desconsiderando-se o gênero em si. Apenas

eram apresentados os aspectos que deveriam aparecer em cada parte do texto e o resultado,

após a sua leitura, era sempre desanimador. Poucos docentes conseguiam, de fato, traduzir no

Page 90: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

88

texto escrito o processo vivido.

Como o GESTAR II, um programa nacional produzido por docentes de várias

universidades, de alguma forma, oficializou esse registro ao final de cada TP, resolvemos

verificar de que maneira a orientação desse gênero é feita para que o professor o produza,

aprimorando suas capacidades de escrita.

Com esse intento, elegemos o TP 3, cuja base de tratamento das unidades são os

―Gêneros e Tipos Textuais‖, porque o Caderno foi o pontapé dos estudos do Programa em

2009, momento em que os cursistas contaram com as primeiras orientações sobre a produção

do relato, oferecidas pelos formadores nos referidos polos. Além disso, o TP aborda o

assunto gêneros, em voga nas pesquisas dos últimos anos, inclusos nas propostas educacionais

de estados e presentes nas concepções de ensino dos documentos oficiais, dentre eles, os

PCNLP (BRASIL, 1998).

Para situar nosso objeto de estudo no contexto descrito, na seção seguinte

apresentamos as partes do TP3.

3. 3 Mapeamento do material escolhido

Com o objetivo de ―possibilitar ao professor de Língua Portuguesa de 5ª a 8ª séries (6º

ao 9º anos) um trabalho que propicie aos alunos o desenvolvimento de habilidades de

compreensão, interpretação e produção dos mais diferentes textos (BRASIL, 2008a, p. 34)‖, o

GESTAR II é organizado para suprir necessidades dos docentes em um momento histórico de

demandas ímpares e singulares. Para isso, adota nos Cadernos de Teoria e Prática o trabalho

com a linguagem, privilegiando o ―uso da Língua como atividade social e comunicativa em

que os interlocutores atuam em um espaço cultural e histórico‖ (BRASIL, 2008a, p. 36).

Cada volume do Caderno de Teoria e Prática, material impresso, organiza-se em três

partes, sendo a primeira destinada à ―Unidades‖, a segunda, à ―Lição de Casa‖ e a terceira, às

―Oficinas‖. A Parte I é composta por quatro unidades, subdivididas em seções, totalizado 12

seções por TP, cada uma abordando um objetivo de aprendizagem, correspondente ao título

da unidade em questão. Os TP são acompanhados por exemplares de Atividades de Apoio à

Aprendizagem – AAA – versão do professor e versão do aluno, que contêm atividades

planejadas para desenvolvimento em sala de aula. Os AAA destinados aos professores

apresentam as aulas com objetivos, comentários, orientações e respostas das atividades

propostas. Já o caderno do aluno se assemelha à estrutura do livro didático, com textos e

Page 91: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

89

atividades. Uma diferença é que as aulas aparecem numericamente ordenadas, seguidas de um

título: Aula 1 – Reconhecendo gêneros textuais, Aula 2 – Redescobrindo gêneros textuais etc.

(BRASIL, 2008a, p. 20).

O Guia Geral do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar, ao explicitar a

―Estrutura dos Cadernos de Língua Portuguesa‖, conclama os docentes para a adequação do

material, a partir da afirmação: ―constantemente as Unidades alertam para a responsável

observação da adequação de todo o material (textos, abordagens, conteúdos e estratégias) à

realidade da turma de cada professor‖ (BRASIL, 2008a, p. 44).

3. 3. 1 O TP 3 e sua organização

Figura 9: Capa do TP3

O TP3 – Caderno de Teoria e Prática – aborda o assunto ―Gêneros e Tipos Textuais‖.

Depois da capa, nas páginas seguintes, há indicativo de que o GESTAR II é um programa de

formação continuada voltado para professores dos anos/séries finais do ensino fundamental;

explicitação dos responsáveis pela organização do material e autoria dos cadernos do kit,

dados catalográficos e uma nota, evidenciando que todos os direitos são reservados ao MEC.

Todavia, há a seguinte ressalva: ―a exatidão das informações e os conceitos e opiniões

Page 92: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

90

emitidos são de exclusiva responsabilidade do autor‖ (BRASIL, 2008b, p. 2). Posteriormente

é apresentado o sumário, distribuído em duas páginas (5 e 6), explicitando ao leitor os itens

que serão tratados na TP em questão.

Figura 10: Sumário do TP3 (BRASIL, 2008b, p. 5 e 6)

Page 93: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

91

A organização do sumário nos dá uma ideia das partes que compõem a TP3 e dos

assuntos a serem tratados nas unidades. Na Parte I o enfoque é dado ao estudo dos gêneros e

tipologias textuais; na Parte II há orientações para o registro das atividades desenvolvidas

com os alunos e a Parte III é destinada às oficinas.

Nas páginas seguintes constam a ―Apresentação‖, relembrando a estrutura dos

módulos do curso, e a introdução da Parte I.

Figura 11: Abertura das unidades (BRASIL, 2008b, p. 9)

Nisso, a unidade é identificada a partir da explicitação do título, em letras de fonte

maior e negrito; menção à autora, com nome completo em fonte menor; apresentação da

unidade intitulada ―Iniciando nossa conversa‖, esta última identificada pelo ícone reproduzido

abaixo:

Page 94: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

92

Figura 12: Ícone indicativo da apresentação da unidade (BRASIL, 2008b)

Após o término da ―conversa‖ da autora com os cursistas, são introduzido os objetivos

das unidades, nomeados como ―Definindo nosso ponto de chegada‖.

Figura 13: Ícone relativo aos objetivo da unidade (BRASIL, 2008b)

As seções, subdivisões das unidades, são representativas da proposta de

desenvolvimento do conteúdo. Iniciadas pelo termo ―Seção‖, seguidas de números indo-

arábicos, em ordem crescente, apresentam título, objetivo e o desenvolvimento do conteúdo

(BRASIL, 2008a), por meio de atividades, em forma de exercícios, que variam de duas a seis

por seção.

Figura 14: Ícone definidor do objetivo da seção (BRASIL, 2008b)

Figura 15: Ícone demonstrativo de atividades para o cursista (BRASIL, 2008b)

Page 95: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

93

Além desses, outros ícones orientam os recursos de aprendizagem disponibilizados em

cada unidade ou seção.

ÍCONES ESPECIFICAÇÃO

Apontamentos resumidos sobre os conteúdos tratados

nas seções estudadas.

Proposições sobre conceitos e resumo do tópico em

estudo.

Proposição de atividades com dicas para desenvolvê-

las em sala de aula ou apontamento de posturas

importantes para o professor.

Propostas de atividades, envolvendo o conteúdo da

seção, elaboradas detalhadamente para

desenvolvimento em sala de aula com os alunos.

Retomada do conteúdo da seção, de maneira sucinta.

Quadro 8: Ícones da TP e seus significados (BRASIL, 2008b)

Para nós, torna-se particularmente importante o item ―Avançando na prática‖ – AP –

porque propõe a aplicação de atividades aos professores-cursistas. Essas propostas são

elaboradas para o exercício prático de conceitos aprendidos. Dentre as doze sugestões de

atividades a serem desenvolvidas em sala de aula, o cursista pode optar por duas para produzir

o relato escrito para socialização no encontro presencial, data da oficina coordenada pelo

formador do Programa.

Ao término da unidade, o TP 3 apresenta os seguintes itens:

Leituras sugeridas: indicações de alguns livros, com resenhas e referências

bibliográficas.

Bibliografia: relação dos fundamentos usados pelos autores dos TP na produção das

unidades.

Ampliando nossas referências: apresentação de textos de outros autores relacionados à

temática da seção, destinados aos cursistas, para estudos obrigatórios envolvendo

leitura, análise e reflexão (esse item não aparece em todas as seções).

Page 96: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

94

Correção das atividades: listagem de respostas das atividades das seções.

Na Parte II do Caderno de Teoria e Prática – Lição de Casa (doravante LC) ─ o

cursista encontrará orientações para o relato de um ―Avançando na Prática‖, escolhido por ele

a cada duas unidades estudadas, que deverá ser entregue ao formador. Esse é o momento em

que os professores demonstram suas capacidades de menção do percurso vivido, mediante

experiência com propostas sugeridas no AP. Com isso, sinalizam para a construção de objetos

de ensino, ressignificados em função do contexto em que são produzidos e dos interlocutores

participantes do processo.

Na sequência, aparecem as Oficinas que, segundo o Guia Geral do Gestar II (BRASIL,

2008a), são encontros presenciais organizados pelo formador com o propósito de desenvolver

a sequência sugerida pelo Caderno.

Figura 16: Folha indicativa de oficina (BRASIL, 2008b, p. 189)

As oficinas são divididas em cinco partes padronizadas pelo Programa.

a) Parte I – destinada ao compartilhamento de comentários e/ou sugestões a respeito das

unidades tratadas.

Page 97: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

95

b) Parte II – momento do relato oral (que deve ser entregue ao formador por escrito) de

experiências com o desenvolvimento de uma das atividades sugeridas pelo

―Avançando na Prática‖.

c) Parte III - desenvolvimento de uma atividade (em grupo) a partir da proposta

apresentada pelo TP.

d) Parte IV - avaliação da oficina.

e) Parte V – encaminhamento das novas unidades com questões motivadoras,

antecipando conteúdos do TP seguinte.

A descrição do TP3 serve basicamente para situar o objeto de estudo – RPP – uma vez

que ele é produto da complexa teia que envolve a organização do Caderno, especialmente os

conceitos tratados nas unidades, o AP e a produção do relato escrito das experiências em sala

de aula, com socialização prevista nas oficinas.

A partir desse ponto, apresentaremos o corpus da pesquisa, foco da análise contida no

capítulo subseqüente.

3. 4 O corpus da pesquisa

Para desenvolver a pesquisa, como mencionamos, inicialmente decidimos que

utilizaríamos o Programa GESTAR II de LP e o TP3, por abordar gêneros e tipos textuais; o

primeiro por ancorar-se no viés da formação continuada, espaço de nossa atuação profissional

nos últimos seis anos; o segundo por estar em evidência na década antecedente e ainda no dias

atuais: gêneros. Nesse contexto de atuação (Cefapro) tornam-se particularmente importantes

os gêneros ligados ao fazer docente, vinculados à tematização de suas práticas, constituindo

como novas possibilidades de didatização de objetos para o ensino.

Para selecionarmos o corpus ─ RPP ─ tivemos acesso ao portfólio contendo relatos

escritos dos professores cursistas, organizado pela formadora do Programa no município.

Lembramos que esses relatos traduzem a primeira experiência de produção do gênero pelos

professores inscritos no Programa, uma vez que a proposta escrita objetivou muito mais a

comprovação da realização da atividade em sala. Dessa maneira, o tratamento desse gênero

ficou silenciado pelos trâmites burocráticos do Programa.

Inicialmente, coletamos trinta e três relatos, especificados a seguir:

Page 98: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

96

Unidade Título da Unidade Qtidade de relatos

9 Gêneros textuais: do intuitivo ao

sistematizado

16

10 Trabalhando com gêneros textuais 1

11 Tipos textuais 7

Várias Junção de várias unidades em um

mesmo relato

5

Não está claro o avançando

escolhido

4

33

Quadro 9: Levantamento de RPP da TP3

Pelo quadro, é possível perceber que a maioria optou pela unidade 9, a primeira do

Caderno, enquanto que a unidade 12 sequer foi escolhida. Não sabemos precisar, mas os AP

da unidade preferida pelos cursistas são relativamente simples, exigindo poucos (ou quase

nenhuns) conhecimentos daqueles distintos do já construído por eles.

Nesse universo de produção, no processo de escolha dos textos estabelecemos alguns

critérios, a saber:

- a extensão do texto seria irrelevante;

- menos de dez relatos;

- produções que, no nosso entendimento mais se aproximassem do RPP;

- elaboração por professores formados em Letras, com relativa experiência em sala de aula e

pertencente ao quadro efetivo da rede estadual de ensino.

Em meio a múltiplas formas de enunciar experiências com atividades proposta em

formação e observando os critérios de escolha do material, optamos por três relatos. Nesses

relatos, buscamos, preliminarmente, indícios composicionais, temáticos e estilísticos que nos

permitiam enquadrá-los no gênero eleito. Essa análise prévia exigiu observação cuidadosa dos

textos, porque naquele momento contávamos apenas com conhecimentos intuitivos do que

seria o RPP.

No próximo item, estendemos esse detalhamento, apresentando as colaboradoras da

nossa pesquisa.

3. 5 Colaboradoras da pesquisa

No campo das escolhas descritas anteriormente, ser graduado em Letras e professor

efetivo das escolas estaduais de ensino definiram a seleção dos textos das colaboradoras de

nossa pesquisa. A formação foi um critério relevante para analisarmos a correspondência

entre a proposta do material e a apropriação dos saberes necessários para a aplicação na sala

Page 99: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

97

de aula, demonstrando a forma como ocorreu o tratamento das informações nos relatos, uma

vez que, em tese, todo formador de leitores e produtores de texto deverá ter domínio dessas

habilidades e, consequentemente, terá condições de demonstrar, por escrito, um percurso

vivido, os objetos de ensino construídos.

Outro fator considerado foi a lotação nas escolas estaduais, espaço de atuação do

Centro de Formação. Embora a formadora tenha assumido professores lotados na rede

municipal, devido ao número de cursistas para o funcionamento de turmas, o Cefapro atendia,

prioritariamente, aos professores da rede estadual de ensino.

Por fim, ser profissional estável é garantia de hora-atividade. Isso, no nosso entender,

contribui para que o professor se dedique mais às atividades extrassalas, uma vez que tem

algumas horas remuneradas para planejamento de seu trabalho, atendimento aos alunos e

estudos. Além disso, os anos de experiência na docência permitem uma autonomia maior nos

processos de ensino, assegurando, portanto, condições para interferir no processo e adequar as

propostas dos AP à realidade dos alunos.

A partir disso, escolhemos três professoras formadas em Letras, lotadas em três

unidades estaduais de ensino distintas e com alguns anos de experiência na educação. A

seguir, indicamos algumas informações sobre nossas colaboradoras: nome44

, formação

superior, instituição de ensino onde se formou, ano de conclusão do curso, tempo de

experiência na educação e tempo de estabilidade no ensino público mato-grossense.

Figura 17: Dados das colaboradoras da pesquisa

Os dados apresentados demonstram que o sexo feminino ainda é predominante na

docência da educação básica. As colaboradoras de nossa pesquisa exemplificam isso.

44

Os nomes apresentados são fictícios e na data da escolha desconhecíamos professoras do polo com prenomes

semelhantes.

Ludmila

•Letras;

•UNEMAT - Cáceres (2001);

•Especialista em "Ensino da Língua Portuguesa e Literatura";

•Ingresso na docência em 1997;

•Efetiva desde 2007.

Larissa

•Letras;

•UNEMAT - Sinop (2003);

•Especialista em "Educação Inclusiva"

•Ingresso na docência em 1985;

•Efetiva desde 1987.

Ingrid

•Letras;

•UNEMAT - Sinop (2003);

•Especialista em "Ensino da Língua Portuguesa e Literatura".

•Ingresso na docência em 1990;

•Efetiva desde 1993.

Page 100: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

98

Graduadas em Letras, todas são frutos da universidade estadual de Mato Grosso – UNEMAT

– formadas nos primeiros anos da última década, duas delas com curso de especialização

relacionado à especificidade de sua atuação (LP). Todas ingressaram na carreira contratadas

temporariamente e foram efetivadas, via concurso, pouco tempo depois, menos Ludmila que

permaneceu como professora interina por dez anos.

Essa situação ilustra as informações sobre a formação de professores em Mato Grosso,

apresentadas no capítulo 1, intensificada na década de 1990 e início desse século, motivada

pela imposição legal da LDBEN e dos índices educacionais em decréscimo. Segundo Máximo

e Nogueira (2009), ―em 1998, a rede estadual tinha em seu quadro docente 16.835

professores, sendo que destes, 7.375 tinham curso superior‖, revelando um número

significativo de professores atuando sem a formação necessária.

3. 6 Metodologia de análise e apresentação dos dados

De posse dos dados produzidos pelas colaboradoras de nossa pesquisa, procedemos à

análise, inicialmente comparando os textos aos AP, para a verificação de proximidades e

distanciamentos das propostas sugeridas pelo TP3 e eleitas pelas professoras para aplicação

em sala de aula. A sequência de análise dos RPP foi definida em função da extensão dos

textos: do menos ao mais detalhado; quanto ao gênero, a decisão recaiu sobre os aspectos

composicionais, estilísticos e temáticos, conforme indicados por Bakhtin (2003 [1952-53]).

Perseguimos também indícios de construção de objetos de ensino nos RPP, no contexto de

atuação de cada uma das professoras, na segunda etapa do processo investigativo.

Diante das muitas possibilidades surgidas no processo de estudo do objeto eleito para

tal, múltiplos conceitos emergem. Todavia, para responder ao nosso objetivo e às questões de

pesquisa delineadas, elegemos como categoria principal de análise o dialogismo, porque

entendemos que ele abarca outros conceitos incorporados no processo de análise.

Todo o material analisado será apresentado incluído no texto, assim também como os

Relato de Prática Pedagógica das três professoras-autoras escolhidas por nós. Os RPP serão

apresentados na íntegra e, à medida que as reflexões forem feitas, trechos serão retomados.

Alguns são seleções dos textos de origem, portanto escaneados; os excertos incluídos nas

discussões aparecem em fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico.

A partir dos aspectos tratados aqui, no capítulo seguinte expomos a análise dos dados,

ancorada nos itens explorados até este ponto do trabalho.

Page 101: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

99

CAPÍTULO IV

APONTAMENTOS DISCURSIVOS NOS RELATOS DE PRÁTICA

PEDAGÓGICA: ANALISANDO OS DADOS

Todo enunciado pretende a justiça, a veracidade, a beleza e a verdade (...).

Esses valores dos enunciados também não são determinados por sua relação

com a língua (como sistema puramente lingüístico) mas por diferentes

formas de relação com a realidade, com o sujeito falante e com outros

(alheios) enunciados (particularmente com aqueles que são avaliados como

verdadeiros e belos) (BAKHTIN, 2003 [1959-61], 329).

Até o momento, delineamos os pressupostos teóricos e metodológicos relevantes para

nossa análise. Neste capítulo, examinaremos os relatos de prática pedagógica para demonstrar

de que forma os professores cursistas do GESTAR II de Língua Portuguesa constroem seus

dizeres nesse gênero. Para isso, situaremos nossas escolhas, demarcando os ―Avançando na

Prática‖ contidos no TP3, explicitando aqueles escolhidos pelas autoras de nossa pesquisa.

Também discutiremos as orientações fornecidas pelo caderno eleito para a produção do relato

e o encaminhamento dado pela professora formadora do Programa no espaço recortado por

nós. Por fim, faremos a análise de três relatos de prática pedagógica (RPP), sob a ótica da

teoria bakhtiniana e de Vygotsky, quando pertinente, evidenciando em que medida as

professoras dialogam na construção de seus objetos de ensino em contextos particulares de

produção.

4.1 Avançando na prática no contexto do TP 3

O TP3 ─ Língua Portuguesa ─ é apresentado ao professor com a estrutura

composicional de uma carta, porém sem assinatura, representando a voz da equipe, aliada à do

MEC, mantenedor do Programa. São perceptíveis, no decorrer do texto, algumas escolhas

estilísticas denotadoras de proximidade entre a autora e os interlocutores, indicando,

inclusive, compartilhamento de responsabilidades. Essas marcas podem ser identificadas em

diferentes recursos: a) vocativos - ―caro professor, cara professora‖; b) plural inclusivo –

―vimos, abordamos, usamos, podemos etc."; c) pronomes – ―você, nós, nossa, nosso, nossas,

seus‖. Entretanto, ao longo do texto, ocorrem oscilações no discurso autoral adotado para

Page 102: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

100

apresentar o Caderno, ora incluindo o professor, ora se distanciando dele, assumindo, nesse

momento, enunciados representativos das intenções do grupo responsável pela elaboração do

material de formação continuada.

Em relação a semelhante fenômeno, Bakhtin/Volochínov (2010 [1929]) asseveram

que, naturalmente, no processo de interação, todo enunciado é construído tendo em vista o

interlocutor. Nesse caso, as escolhas discursivas para estabelecer vínculos comunicativos

serão, em certa medida, orientadas pelo grupo social, posição na hierarquia socioeconômica

ou laços afetivos. Além disso, é preciso levar em contar que ―a relação valorativa do falante

com o objeto do seu discurso (seja qual for esse objeto) também determina a escolha dos

recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado‖ (BAKHTIN, 2003 [1952-53]p.

289).

O texto introdutório contempla a retomada de perspectivas e conceitos tratados no TP

2, numa tentativa de explicitar a coerência entre os assuntos dos Cadernos. Nisso evidencia a

proposição das unidades do Caderno em questão, destacando que ―o texto como atuação

social e o texto como organização de informações‖ (BRASIL, 2008b, p. 11) são

profundamente integrados, porém, em razão da didatização, serão tratados separadamente.

Aqui, abrimos parênteses para refletir sobre as dimensões do texto focalizadas.

Concordamos que o texto é um espaço de interação, portanto de ―atuação social‖, no qual

interlocutores respondem ativamente a enunciados proferidos nas diferentes esferas de

atividades humanas. Todavia, causa certo estranhamento tratar o texto, em um material

destinado à formação de professores, a partir do viés da organicidade de informações, um de

seus aspectos, e não o principal. No nosso entendimento, essa abordagem reduz a importância

do texto, podendo incidir em esvaziamento do seu real valor, deixando implícita a ideia de

que ele ainda funciona como elemento normativo da língua, num momento histórico de

mudanças paradigmáticas em processo de implementação no ensino.

Na sequência, o gênero é classificado a partir do texto, considerando suas dimensões

socioculturais, momento em que é anunciado o teor do que será abordado nas unidades:

É o que faremos nas unidades 9 e 10, em que analisaremos os textos quanto

às suas funções culturais e sociais – para classificar os gêneros – e

caracterizaremos alguns deles em maior detalhe. A abordagem na dimensão

informacional leva à classificação de tipos textuais, como as conhecidas

narração e dissertação, por exemplo. Na unidade 11 conceituaremos e

classificaremos tipos, em oposição a uma classificação de gêneros. E

depois, na unidade 12, veremos como as duas classificações se

correlacionam (BRASIL, 2008b, p 11) [grifo nosso].

Page 103: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

101

Adiante, a autora menciona que as análises e classificações cumprem objetivos de

tratar aspectos internos e externos do texto, embora este se constitua de articulações

inseparáveis (BRASIL, 2008b). Dessa maneira, nos Cadernos, os tipos e gêneros textuais

devem se encarados como ―classificações que não se sustentam sozinhas, mas como

procedimentos de análise que juntos esclarecem sobre os mecanismos textuais‖ (BRASIL,

2008b, p. 11). Por fim, informa que o trabalho é o assunto transversal do Caderno e foi,

propositalmente, escolhido para promover reflexões conjuntas entre professor-cursista e

alunos, sobre vários conceitos de labor, no sentido de compreender a fala e a escrita como

formas de trabalho.

Embora o Caderno anuncie em seu título de capa um trabalho com gêneros e tipos

textuais, observamos escolhas centradas nas tipologias, com forte apelo para classificações de

ambos. Os grifos na citação anterior demonstram isso. Logo, análises alinhadas às propostas

das unidades apresentadas comprometem o tratamento dos gêneros, assim como do próprio

texto. Compartilhamos do posicionamento da autora quanto ao estudo dos textos, levando em

consideração as suas funções culturais e sociais para a identificação dos gêneros. Entretanto,

acreditamos que a dimensão informacional levará o professor-cursista à identificação das

tipologias, até porque esse conteúdo, certamente, esteve presente na formação inicial dos

envolvidos no processo formativo.

Portanto, consideramos que é injustificável a ênfase nesse aspecto dissociado,

explicitamente, do tratamento do gênero discursivo. Por essa razão, classificar tipos em

―oposição‖ a gêneros, em uma unidade, verificando, em outra, a correlação entre os dois, nos

parece contraditório. Mesmo assumindo a lógica classificatória, opor gêneros e tipos numa

mesma unidade se distancia de qualquer tentativa de instrumentalizar o docente para

desenvolver um trabalho pedagógico inovador e diferente do praticado, na maioria das vezes,

com o apoio do livro didático. Ademais, insistimos que consideramos desnecessário dedicar

uma unidade inteira para demonstrar a inter-relação entre gêneros e tipologias, uma vez que,

anteriormente, a opção foi por separá-los.

Nessa direção, Bakhtin (2003 [1952-53], p. 283) alerta para o fato de que ―nós

assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações‖. Disso concluímos que

os gêneros existem enquanto formas completas de enunciados, contrariando qualquer redução

linguística. Ainda conforme o pensador russo, o enunciado, enquanto produção de discurso,

deve ser concebido ―como um todo individual singular e historicamente único. Isto,

evidentemente, não exclui a tipologia estilístico-composicional das produções de discurso‖

Page 104: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

102

(BAKHTIN, 2003, [1959-61]).Com essas citações, reafirmamos a importância de tratar o

gêneros evidenciando todos os seus aspectos.

As unidades figuram nesse contexto, como mencionamos no capítulo anterior, com

identificação (números indo-arábicos, título, autoria), carta produzida pela autora do Caderno

para apresentação das seções, assinada antes do vocativo, e explicitação dos objetivos. As

seções, partes que compõem as unidades, são também organizadas numericamente (1 a 3),

cada uma contendo título, objetivos de aprendizagem e propostas de desenvolvimento dos

conteúdos. As propostas de estudo dos conceitos das seções contam com alguns recursos,

como: Atividades, Indo à sala de aula, Avançando na Prática, Importante, Recordando e

Resumindo45

.

O ―Avançando na Prática‖ figura como sugestão de atividades a serem desenvolvidas

em sala de aula pelo professor. No Caderno é identificado pelo ícone abaixo, seguido do

enunciado título da seção e por uma ―caixa‖ retangular na cor azul, espaço onde aparece o

detalhamento da atividade, conforme exemplos que serão apresentados adiante.

Figura 18: Ícone do AP (BRASIL, 2008b, p. 25)

Todas as propostas do AP, conforme dissemos, integram os conteúdos tratados em

cada seção das unidades dos Cadernos, sempre ao final, configurando-se como um momento

síntese do processo, em que o professor colocará em prática os conceitos aprendidos. É o

grande momento de confirmação do estudo teórico, reafirmando o avanço da competência

comunicativa do docente, que, a partir dessas experiências, formula alternativas didáticas, em

função de seus alunos (BRASIL, 2008a).

O AP emerge, nesse contexto de formação continuada, como tentativa de construção

de objetos de ensino para orientar a prática pedagógica dos docentes envolvidos no processo

formativo e de outros não participantes, mas que, certamente, terão acesso ao material, uma

vez que o kit do Programa foi enviado a todas as escolas.

45

O detalhamento de cada um deles consta no capítulo anterior.

Page 105: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

103

No TP3, temos 12 atividades referentes ao AP, divididas em 3 por unidade, conforme

a tabela abaixo.

TP 3 Unidade Título da Unidade Avançando na prática

(quantidade)

NE

RO

S E

TIP

OS

TE

XT

UA

IS

9 Gêneros textuais: do intuitivo

ao sistematizado

3 AP (p. 25, 31-32 e 41-42)

10 Trabalhando com gêneros

textuais

3 AP (p. 64-67, 74-75 e 84-86)

11 Tipos textuais 3 AP (p. 109, 115 e 124-125)

12 A inter-relação entre gêneros

e tipos textuais

3 AP (p. 150-151, 162-163 e 172-173)

TOTAL 12

Quadro 10: TP3 e respectivos AP

Notemos que a diversidade de sugestões de atividades anunciada é grande; todavia,

fica a questão: são as atividades elaboradas para que o professor compreenda a teoria dos

gêneros e se aproprie de dispositivo metodológico para inovar sua prática pedagógica?

Para responder a essa questão, mapeamos os AP escolhidos pelos sujeitos da nossa

pesquisa, na tentativa de demonstrar os procedimentos oferecidos pelo material para que o

professor construa o gênero RPP, traduzindo seu dizer de maneira dialógica.

4. 2 Avançando na Prática: escolhas das autoras/colaboradoras da pesquisa

Toda escolha é influenciada significativamente pelo contexto em que ocorrem as

interações. Dessa maneira, ―o que é dito (o todo do enunciado) está sempre relacionado ao

tipo de atividade em que os participantes estão envolvidos‖ (FARACO, 2009, p. 126).

Respondendo a isso, as professoras-autoras selecionadas por nós, com ações inseridas na

esfera escolar, optaram por três AP distintos, abaixo sintetizados.

Page 106: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

104

Figura 19: AP das professoras-autoras

Nas seções subsequentes, detalhamos cada escolha de nossas autoras, fazendo algumas

reflexões pertinentes e relevantes para a análise em curso.

4. 2. 1 AP de Larissa – Biografia

A proposta do AP1 está situada na Unidade 9, seção 1, intitulada ―O conhecimento

intuitivo de gêneros‖. Na apresentação, a autora reafirma que o assunto sustentáculo do TP3 é

o trabalho, caracteriza-o historicamente e anuncia que ―a linguagem é um dos nossos mais

relevantes trabalhos‖ (BRASIL, 2008b, p. 13). A partir disso, explicita que os textos eleitos

para abordar o assunto em questão servirão de base para observar os modos como esses textos

se apresentam – orais e escritos ─ e seus contextos, porque o conjunto dessas características

de uso social designa o gênero textual.

A partir do objetivo de ―identificar diferenças e semelhanças na organização de textos

utilizados em diversos contextos de uso lingüístico‖ (BRASIL 2008b, p. 15), o Caderno

apresenta várias imagens, seguidas de atividades para mobilizar hipóteses sobre o conceito de

trabalho na sociedade atual, recorrendo ao conhecimento de mundo do leitor, propondo a

desconstrução de estereótipos que associam atividades diferentes das braçais a lazer. Assim, o

conceito de texto46 é introduzido, tendo como referência três gêneros diferentes ─ biografia,

receita e propaganda ─ com questões para que o leitor reflita sobre a singularidade de cada

um.

46

O conceito de texto assumido pelo material de formação, nessa Unidade, é o seguinte: ―texto é toda e qualquer

unidade de informação no contexto da interação; entendendo-se interação como ação entre sujeitos,

interlocutores. (...) pode ser oral ou escrito, literário ou não-literário, de qualquer extensão (BRASIL, 2008b, p.

19).

Larissa

Unidade 9

AP: Biografia (p. 25)

Ludmila

Unidade 10

AP: Letra musicada

(p. 74-75)

Ingrid

Unidade 11 e Oficina 5

Textos: Fuga (p. 106) e A barata saiu caro (p. 108)

Texto: Poema tirado de uma notícia de jornal (p. 192)

Page 107: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

105

Adentrando a proposta da Seção 1, o conceito de competência sociocomunicativa é

acionado como condição para identificar semelhanças e diferenças nos textos. O ícone

―Importante‖ alerta para a introdução gradativa dos conceitos ─ gêneros textuais e modos de

organização do discurso ─ os quais serão apropriados pelos cursistas, inicialmente, partindo

de seu conhecimento de mundo:

Por enquanto, você não precisa se preocupar com os títulos, nomes ou

rótulos que a pesquisa lingüística ou os livros dão aos diferentes gêneros

textuais; vamos trabalhar, primeiramente, com nossa intuição de falantes de

português, para identificarmos os diferentes modos de organização de alguns

textos. Mais tarde, em seções posteriores, buscaremos uma sistematização

com classificações e nomenclatura (BRASIL, 2008b, p 23).

Usando uma linguagem afetiva e envolvente, novamente, a autora do enunciado

anterior estabelece proximidade com os professores-cursistas, por meio de escolhas estilísticas

facilitadoras dessa interlocução. Primeiro, sinaliza para que os envolvidos no processo

afastem qualquer insegurança frente às propostas do Caderno, porque a abordagem dos

conceitos partirá de seus conhecimentos prévios, objetivando atingir estágios analíticos

avançados e deixando evidente o papel da intuição nesse percurso de aprendizagem docente.

Ainda há menção ao fato de que os gêneros textuais são materializados, de forma oral ou

escrita, e várias questões são apresentadas, conduzindo o cursista à confirmação do que fora

enunciado.

É nesse contexto que o AP 1 é apresentado, seguido do fechamento da Unidade,

sinalizado com o ícone ―Resumindo‖, o qual retoma o conceito de gêneros textuais, incluindo

competência linguística e sociocomunicativa no processo de apropriação do eixo temático do

TP3.

Page 108: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

106

Figura 20: AP1 – Biografia (BRASIL, 2008b, p. 25)

Observemos que os três primeiros itens do AP sugerem um primeiro contato com o

gênero para identificação intuitiva de suas características, seguindo algumas etapas: leitura de

uma biografia, localização de textos semelhantes em vários materiais e análise do gênero em

questão, a partir de seu conteúdo temático. Posteriormente, a indicação é propor aos alunos a

produção da própria biografia, com o deslocamento necessário para a terceira pessoa. Por

último, como uma observação, há sugestão para variar a atividade, escolhendo personalidades

locais para a composição da sua biografia.

Em nosso entendimento, a sugestão do AP, focalizando apenas a leitura de biografias

dos literatos brasileiros, é insuficiente para a construção de capacidades escritas de

semelhante texto. Além disso, o item sugere que o professor, a partir de seu conhecimento

intuitivo do gênero, promova reflexões suficientes para que os alunos localizem ―que tipos de

informações‖ contém uma biografia. O resultado disso pode ser diferente do proposto, porque

a unidade sequer explorou o aspecto requerido. Também é preciso considerar o fato de que,

assim como não existe o leitor de um texto só, também não é possível desenvolver as

capacidades leitoras e escritoras do aprendiz, seja ele qual for, com um único texto. Já a

proposta de ―biografia na terceira pessoa‖ impõe um deslocamento estilístico próprio de

algum domínio significativo do gênero. Caso o professor se aproprie dela e a leve para a sala,

desconsiderando as necessidades de aprendizagem dos alunos, teremos, certamente,

resultados distintos do propalado pelo Guia Geral, cuja concepção de atividade de

Page 109: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

107

aprendizagem requisita um profissional que estabeleça ―relações entre conteúdos e

conhecimentos pretendidos‖ (BRASIL, 2008a, p. 37), observando o currículo escolar.

Analisando a proposta do AP em questão, embora reconheçamos os esforços

do material na construção de proposta para desencadear um processo de ensino autônomo

para o professor, não percebemos inovação na atividade. Aliás, pela simplicidade na

elaboração, ela se assemelha (e muito) às sugestões contidas em vários livros didáticos de LP

disponibilizados nas escolas. Com isso, não identificamos um tratamento produtivo do gênero

que considere seus vários aspectos: conteúdo temático, forma composicional e estilo.

Concordamos com Socorro (2009, p. 136), ao evidenciar que, ―um gênero apenas exige um

trabalho sistemático e deve ser pensado para um tempo razoável de leitura e de produção

escrita, para que seja compreendido pelo aluno (SOCORRO, 2009, p. 136).

Acreditamos que essas lacunas no tratamento dos gêneros, uma vez que existem

limitações nítidas do material didático de formação, poderiam ser superadas com a

intervenção do formador do Programa, um profissional preparado para atuar no GESTAR II

de LP. Porém, se considerarmos as condições oferecidas para assegurar sua formação

(encontros centrados nos conteúdos de alguns TP e aligeiramento temporal de oferta do

Programa – 7 meses), não nos surpreenderemos com a impotência desse profissional frente às

necessidades emergentes no seu espaço de atuação.

4. 2. 2 AP de Ludmila – Letra de canção47

O AP 2 pode ser localizado na Unidade 10 – Trabalhando com gêneros textuais - na

seção 2, ―O gênero poético‖, cujo objetivo é ―caracterizar o gênero poético, de acordo com a

função estética da linguagem‖ (BRASIL, 2008b, p. 67).

A Unidade é iniciada por uma espécie de ―conversa‖ com o professor-cursista,

mapeando teoricamente os conceitos tratados nas seções. Com isso, o assunto da unidade

anterior é retomado, enfatizando as características dos gêneros textuais, orais e escritos,

ancoradas na interação verbal que ocorre em dadas esferas de atuação humana. Enfatiza que

as discussões, na academia, sobre os gêneros e as tipologias não são recentes, destacando a

divulgação dos PCNLP (BRASIL, 1998) como relevante para o estabelecimento de outros

pressupostos de ensino, especialmente do texto, enquanto unidade básica de ensino, e dos

47

Essa opção terminológica coaduna-se com as reflexões de Padilha (2005), que assim denomina esse gênero.

Page 110: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

108

gêneros vinculados aos textos. Nesse contexto, a autora se pronuncia a favor do texto como

unidade de sentido.

[...] o texto, assim tomado como unidade privilegiada do fazer pedagógico,

mostra-se com múltiplas faces: é um espaço de marcas históricas e dos usos

que os sujeitos fazem da linguagem. Por isso, foge da sistematização

controlada e previsível das regras gramaticais (BRASIL, 2008b, p. 55).

Com isso, aponta a importância dos PCNLP (BRASIL, 1998) no fortalecimento do

conceito de gêneros, antes apenas associado à literatura, e a inclusão, nos currículos de LP, da

função desses gêneros como unidades sociocomunicativas. Nessa perspectiva, os documentos

oficiais cumpriram a importante função de ampliar o conceito de gêneros para além da esfera

literária, uma vez que estão relacionados às diversas situações comunicativas. Antes de

apresentar o conteúdo das seções, aparece o seguinte enunciado: ―vamos agora prosseguir na

reflexão sobre as estratégias textuais que permitem distinguir um gênero de outro‖ (BRASIL,

2008b, p. 55). Por fim, sinaliza que a seção 2 será dedicada à análise do gênero poético e o

assunto ―trabalho‖ continuará orientando as reflexões da Unidade.

Observando a apresentação feita pelo material, consideramos importante refletir sobre

alguns aspectos tratados. Ao retomar o conteúdo da unidade anterior, há evidência de

pressupostos bakhtinianos no discurso adotado, perceptíveis em expressões como: interação

verbal, enunciados relativamente estáveis e situações de comunicação. Apesar de ocultar a

autoria do conceito de gêneros, no primeiro parágrafo anuncia, implicitamente, uma

abordagem dentro do esperado para o tratamento do gênero na perspectiva delineada a partir

da concepção do autor russo. Todavia, nos surpreendemos com a explicitação de que as

propostas para distinção dos gêneros serão pautadas, basicamente, em estruturas linguísticas

dos textos selecionados.

Ao explicitar que os PCN (1998) contribuem para difundir conceitos de gêneros, a

autora ignora as abordagens do autor russo na criação de novas formas de conceber os

gêneros, até então tratados pelo viés artístico-literário, conforme mencionamos no capítulo 2.

Outro detalhe é que a indicação do título da unidade denota um trabalho com gêneros

textuais, no entanto, o enfoque recairá nos gêneros literário-poéticos, principalmente em

aspectos estruturais e estilísticos. Quanto a isso, Bakhtin (2003 [1953-53], p. 264-265)

adverte:

O desconhecimento da natureza do enunciado e a relação diferente com as

peculiaridades das diversidades de gêneros do discurso em qualquer campo

da investigação lingüística redundam em formalismo e em uma abstração

Page 111: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

109

exagerada, deformam a historicidade da investigação, debilitam as relações

da língua com a vida.

A seção 2 apresenta como objetivo a caracterização de gêneros poéticos, observando a

função estética da linguagem em oposição a outros (informativos ou utilitários), cujas

finalidades são distintas do prazer estético (BRASIL, 2008b). Assim, no item ―Recordando‖,

o conceito de gêneros é introduzido, revozeando a concepção formulada por Bakhtin (2003

[1952-53]), sem, contudo, mencionar esse autor:

Gêneros podem ser caracterizados como padrões relativamente estáveis de

enunciados presentes em cada interação verbal. Distinguem-se pelo conteúdo

temático, pelo estilo, pela composição textual, pelo relacionamento social

dos participantes e, especialmente, pela finalidade segundo a qual são

produzidos (BRASIL, 2008b, p. 68).

Para exercitar as abordagens feitas na Unidade/seção, o material apresenta dois textos:

o poema ―O operário em construção‖, de Vinícius de Morais, e a letra de canção

―Construção‖, de Chico Buarque. Ambos contam com várias questões (fáceis, simples e até

óbvias) relacionadas ao conteúdo e breves notas biográficas dos autores; as atividades são

finalizadas com um lembrete, enfatizando que os dois textos exemplificam o gênero poético,

porque apresentam características bem demarcadas, inclusive, visíveis na forma, a qual não

pode ser desvinculada do conteúdo. Aliás, em nenhum gênero, independentemente de sua

constituição, pode haver essa desvinculação. Parece-nos que a forma é o grande elemento

identificador do gênero poético, quando na realidade, itens como esfera de produção,

circulação e recepção devem ser considerados no tratamento didático, sob o risco de

empobrecimento da proposta de análise. No caso dos dois textos citados, embora incluídos no

rol dos gêneros poéticos, a sócio-histórica de cada um, certamente, descortinará aspectos

importantes para a compreensão de escolhas feitas pelos autores no contexto de sua produção,

com finalidades específicas e dirigidas a um público determinado.

No ícone ―Indo à sala de aula‖ (p. 74), há sugestões para que o professor-cursista: a)

incorpore em seu planejamento de leitura poemas ou letras de músicas para serem

comparados com textos em prosa; b) reflita sobre o fato de que a ―tomada de consciência de

que nem todos os gêneros textuais são realizados por escrito também é importante no

processo de identificação das diferenças e semelhanças entre textos‖ (BRASIL, 2008b, p. 74);

c) aproveite textos dos próprios alunos para identificar interlocutores, finalidade, tipo de

linguagem, preocupação estética.

Page 112: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

110

O item a reafirma a proposta do Caderno, ao sugerir a disponibilização de gêneros

diversos para a leitura dos alunos, porque o quantitativo textual parece dar condições para a

compreensão de todos os mecanismos envolvidos no ato de ler. Rojo (2009) discorda dessa

orientação, ao assinalar que o processo de leitura requer vários procedimentos e capacidades

(de decodificação, compreensão, réplicas etc), diferentemente de ―ler em voz alta,

silenciosamente ou em jogral (...) e, em seguida, responder um questionário onde se devem

localizar e copiar informações do texto (para avaliação de compreensão)‖ (ROJO, 2009, p.

79), conforme ainda parece ocorrer nas escolas.

No enunciado da letra b, para a compreensão da diferença entre modalidade oral e

escrita, seria mais produtivo apresentar ao professor-cursista o conceito de gêneros primários

e secundários. Estes estão ligados às ordens mais complexas, vinculadas à escrita (romance,

artigo científico, artigo de opinião, poema, letra de canção etc.), e aqueles são representativos

da comunicação cotidiana (bilhete, conversa ao telefone, torpedo, lista de compra etc.),

portanto, mais próximos da oralidade. Bakhtin (2003 [1953-53], p. 264) argumenta a favor

desse tratamento, ponderando: ―em qualquer corrente especial de estudo faz-se necessária

uma noção precisa da natureza do enunciado em geral e das particularidades dos diversos

tipos de enunciados (primários e secundários)‖.

A proposta contida no item c rompe com abordagens estreitas centradas em recursos

rítmicos, repetições e sonoridades, para introduzir itens relevantes – autor, interlocutor,

finalidade, tipo de linguagem, intenção estética ─ em um trabalho centrado nos gêneros. Para

isso, valoriza os ―textos dos alunos‖ como material de análise. Essa orientação é respaldada

pelo Guia Geral (2008a), ao destacar a importância da função mediadora do professor nos

processos de ensino e aprendizagem dos alunos. Isso favorece o desencadeamento de atitudes

positivas nos estudantes, em razão do status didático alcançado pelas suas produções, e

permite ao docente mapear saberes desses alunos sobre os gêneros a serem trabalhados no

currículo.

Neste contexto, a proposta do AP como objeto de ensino é apresentada, levando em

consideração o gênero letra de canção, nomeada com letra musicada. Para desenvolver a

atividade com os alunos, são sugeridos sete passos:

Page 113: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

111

Figura 21: AP Letra de canção (BRASIL, 2008b, p. 74-75)

No primeiro item, sugere-se a escolha de uma música que tenha relação com a faixa

etária dos alunos; no entanto, delega-se ao professor a responsabilidade pela seleção, a partir

do que compreende ser atraente para o grupo. Se considerarmos que os PCNLP (BRASIL,

1998) indicam o planejamento de atividades didáticas, respaldado nas necessidades educativas

dos alunos e suas possibilidades de aprendizagem, o que é também compartilhado pelo Guia

do Programa (2008a), parece-nos mais procedente orientar o docente para a escolha da letra

de canção, observando esses aspectos.

O ideal seria levantar as preferências musicais dos alunos, estabelecer coletivamente

critérios de escolhas para, finalmente, proceder à análise. Dessa forma, é provável que se

instaure uma verdadeira interação, em clima de compartilhamento de responsabilidade no

processo educativo, culminando em resultados produtivos para o estudo em questão.

O item 2 propõe a interpretação da letra de canção, observando tema, termo

equivalente a assunto, interlocutores e outros aspectos formais internos, indicando a

ampliação da análise, dando abertura para que o professor inclua o que julgar relevante para a

Page 114: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

112

reflexão. Nas etapas seguintes, o encaminhamento é para promover a comparação entre textos

sobre o mesmo tema/assunto ou de formatos semelhantes, tipos de registros (oral e escrito) e

aspectos estrutural-estilísticos, identificadores da autoria e destinatário do gênero estudado.

Por fim, a última etapa da atividade delega ao professor a responsabilidade pela disseminação

do conceito de que existem outros gêneros, além daqueles tipicamente escolares.

A proposta contida no último item torna-se particularmente significativa nesse

contexto, porque encaminha no sentido de demonstrar a existência dos gêneros e sua função

social nas mais diversas esferas de atuação humana. Talvez fosse mais produtivo que essa

sugestão aparecesse no início da atividade para visualização das esferas e seus respectivos

gêneros, aliados à função social de cada um, para justificar a abordagem da letra de canção,

especificamente aquela eleita para o estudo.

Ao analisar o AP aqui tratado, Socorro (2009, p. 138) enfatiza:

Implicitamente, o objetivo da proposta é estabelecer a relação entre poema e

letra de canção, com o propósito de levar o professor e o aluno a estabelecer

o vínculo entre os dois gêneros. O Avançando insiste em trabalhar a

conceituação de versos, estrofes, ritmo poético e métrica, pretendendo que os

seus interlocutores analisem a linguagem poética na configuração entre

forma, estilo e tema.

Dessa maneira, no tratamento do gênero é preciso considerar que letra de canção e

poema são originados em processos distintos, como lembra Padilha (2005); portanto, não

devem ser tratados da mesma maneira no processo de ensino. Para a autora, é importante

―conceber a canção como gênero do discurso e a partir daí explorá-la em suas dimensões

discursivas, dando relevo à compreensão e reflexão sobre os espaços de circulação e recepção,

bem como o diálogo do material lingüístico com as condições de produção‖ (PADILHA,

2006, p. 104). Dessa maneira, acreditar que o aluno dominará o gênero com atividades

identificadoras de elementos da organização interna do texto e marcas linguísticas é mais um

equívoco.

Embora no AP esteja materialmente representada a tentativa de construção de objetos

de ensino para auxiliar o professor-cursista em suas tarefas didático-pedagógicas,

principalmente respondendo minimamente ao objetivo da seção, nos questionamos sobre a

relevância desse tipo de proposta em materiais de formação continuada. Em nosso

entendimento, faltam subsídios teóricos para que o professor tenha referenciais suficientes

para tratar o gênero canção, inclusive a partir das diferentes condições de produção. Além

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113

disso, a atividade requisita outros conhecimentos não tratados na seção, como por exemplo,

―traço lingüístico que marque o destinatário da canção‖ (BRASIL, 2008b, p. 75).

Não estamos com isso desconsiderando a competência docente em criar situações que

ampliem o proposto pela atividade, mas para assegurar autonomia desse profissional no

processo de ensino dos pressupostos em questão – gêneros ─ é preciso garantir embasamento

teórico-conceitual integrado às estratégias, com reflexões sobre os aspectos elencados. Ou

seja, é preciso estabelecer um diálogo de intimidade com o professor sobre as questões

tratadas, com indicação, inclusive de publicações sobre o assunto. Precisamos lembrar que o

estudo dos Cadernos é solitário ou em pequenos grupos na escola, como sinalizado pelo Guia

Geral (BRASIL, 2008a, p. 52): ―na maior parte do tempo, você está estudando em casa, com o

material impresso do curso‖. Isso é razão suficiente para que o material de formação seja

diferente, principalmente dos livros didáticos.

4. 2. 3 AP de Ingrid – Mix (Unidade e Oficina)

Designamos de mix a proposta escolhida pela professora, pois ela ignora todos os AP

da unidade e organiza uma própria, composta de três atividades. As duas primeiras (5 e 6) são

encontradas na Unidade 11, ―Tipo Textuais‖ ─ Seção 1 ―Sequências tipológicas: narração e

descrição‖ ─ enquanto que a terceira é uma sugestão contida na Oficina 5.

A apresentação da unidade 11 é feita pela autora, indicando, após anunciar o título,

que a linguagem será tratada pelo viés do trabalho, orientada por objetivos

sociocomunicativos, adequados a cada situação ―para comunicar e agir no mundo‖ (BRASIL,

2008b, p. 97). Desse modo, nas seções, o foco é o tratamento interno do texto, com destaque

para as palavras e estruturas sintáticas organizadoras da materialidade dos gêneros, enquanto

que na seção 1 o foco recai sobre a abordagem das tipologias clássicas do ensino: narração e

descrição. Ao final, a autora externa o desejo de que a distinção entre tipo e gênero textual

contribua para que os alunos utilizem estratégias adequadas a cada gênero.

Nessa unidade, fica demarcado que a abordagem recairá sobre as tipologias textuais,

direcionando as análises para dentro do texto. Isso parece contradizer a concepção do

Programa, que elege a linguagem como interação e o texto com produto sócio-histórico,

concretizado em situações interativas (BRASIL, 2008a, p. 36). O tratamento dado às

sequências textuais, opção feita pela autora por valorizar a predominância de determinada

tipologia, está a serviço da construção do texto e, consequentemente, do gênero. Para nós,

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114

essa proposição destoa de pressupostos atuais de ensino e encontra respaldo, apenas, em

práticas didáticas escolares dos anos 1980, período em que ―o texto entra menos como

produtor de sentidos e mais como suporte de análises gramaticais, (...) como se o mero

conhecimento das estruturas e tipos textuais, regras e normas pudesse fazer circular o

diálogo‖ (ROJO, 2008, p. 89).

O objetivo da seção 1, da Unidade 11, é ―caracterizar seqüências tipológicas

descritivas e narrativas‖ (BRASIL, 2008b, p. 98) e são sugeridos alguns textos para a

identificação dessas características, com notas e questões para reflexão sobre as tipologias

abordadas. Os dois primeiros textos ─ ―Drama da geada‖, de Monteiro Lobato, e ―Marina, a

intangível‖, de Murilo Rubião — ambos contos — são apresentados com a finalidade de

identificar a presença entre narração e descrição na composição dos gêneros em estudo.

Observando o tratamento dispensado aos textos, percebemos que o objetivo da Seção,

limitado à identificação da formas linguísticas dos textos, está perfeitamente alinhado ao

enunciado da apresentação, objetivos e conteúdos da unidade. Dessa maneira, as atividades

são construídas para que o professor-cursista perceba a evidência da narração e descrição nos

textos sugeridos. A nossa preocupação recai exatamente na proposta da seção e da unidade

como um todo, por tratar as sequências como definidoras da constituição do gênero. Nesse

sentido, Bazerman (apud Bunzen 2006, p. 155) adverte: ―a definição de gêneros como apenas

um conjunto de traços textuais ignora o papel dos indivíduos no uso na construção de

sentidos‖.

Partindo desse pressuposto, haveria necessidade de elaborar uma unidade para abordar

exclusivamente sequências tipológicas no Caderno? As tipologias textuais, de alguma forma,

são um conteúdo presente na formação do professor de LP e até nas práticas pedagógicas,

conforme já apontamos. Os gêneros, por outro lado, são assumidos pelas muitas propostas

curriculares de ensino, porém trabalhados ainda de maneira incipiente e insuficiente em sala

de aula. Logo, vemos muitos motivos para enfatizar o tratamento a ser dado aos gêneros,

observando seus aspectos temáticos, estilísticos e composicionais, o que também inclui as

formas linguísticas, mas na perspectiva do enunciado.

O enunciado, conforme Bakhtin (2003 [1952-53]), é parte da cadeia da comunicação

discursiva; portanto, possui autor com posição ativa, que aprecia valorativamente a situação e

espera responsividade do interlocutor. Para isso, faz as escolhas estilístico-temático-

composicionais para compor o seu discurso e atingir seus objetivos na interação. A partir

disso, vemos uma riqueza conceitual-teórica desconsiderada na unidade, assim como no

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115

Caderno, e que merecia ter sido posta em diálogo com o professor no material destinado à sua

formação, por meio das atividades propostas. Dessa maneira, a inovação teórico-metodológica

anunciada no material seria, em alguma medida, concretizada, diferenciando-se dos livros

didáticos, alguns dos quais, embora apresentem concordância com pressupostos atuais do

ensino da LP, ainda apresentam lacunas na didatização dos conteúdos (LEMES, 2009).

O texto ―Fuga‖, de Graciliano Ramos, escolha de nossa professora-autora, é

apresentado seguido de 5 questões e comentários sobre cada parágrafo para orientar o

professor na sua abordagem em sala de aula.

Figura 22: AP Mix – Texto 1 (BRASIL, 2008b, p. 105-107)

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116

No excerto motivador da atividade, antecedendo ao texto, há indicação de que o

fragmento em questão será utilizado para, exclusivamente, localizar tipos descritivos e

narrativo, numa tentativa de demonstrar como estão interligados nesse exemplo. Embora a

autora escolha tipo (narrativo ou descritivo) para anunciar essa atividade, no início da seção

destaca que, em razão da inexistência de única tipologia nos textos, optará por sequências:

―vamos chamar de seqüências tipológicas os trechos de um texto que apresentam um certo

padrão de organização das estruturas lingüísticas a ponto de identificá-lo como um dos tipos

da classificação‖ (BRASIL, 2008b, p. 99).

Para um docente formado nos moldes tradicionais e normativos do ensino da língua, a

orientação é suficiente para responder a um currículo escolar, respaldado na gramática. Aliás,

essa sugestão pode ser motivo para que o professor sinta-se assumindo uma postura inovadora

de ensino, uma vez que está desvencilhando-se dos ―velhos‖ exercícios de fixação e usando o

texto, mesmo como pretexto para tal objetivo. Essa difusão do discurso de práticas

―inovadoras‖ pelos docentes é justificada se considerarmos que o material assim se

autoqualifica.

Esclarecemos que não estamos, com essas reflexões, incentivando o abandono dos

aspectos linguísticos dos textos, em nome da inovação no ensino. Entretanto, questionamos a

forma como os conceitos são formulados nos materiais de formação, apropriados pelos

professores e reproduzidos no processo de ensino, a partir de programas oficiais, como o

GESTAR II de LP. Quanto ao ensino da gramática, Padilha (2008) defende a importância de

sua inclusão nos currículos de LP, ressaltando que,

[...] em algum momento da aprendizagem de uma língua, é necessário o

ensino da gramática. Isto é, em nossa opinião, um fato incontestável.

Entretanto, na utilização de textos somente como pretexto de ensino

gramatical, a questão que colocamos é: quem está a serviço de quem, a

gramática da língua a serviço dos autores em suas criações, ou os textos a

serviço da gramática, para sua exemplificação e conseqüente distorção?

(PADILHA, 2008, p. 40).

Considerando essa citação, concordamos que temos um longo caminho a ser

construído nos espaços de formação no tocante ao incentivo de posturas investigativas quanto

ao tratamento normativo da língua. Nesse sentido, defendemos que, quando o produtor do

discurso tem, entre outras coisas, clareza dos objetivos da interação, visualiza o interlocutor,

presume, de certa maneira, sua responsividade, tem elementos para a construção do

enunciado, ancorado em escolhas de ordem temática, composicional e estilística. Seguindo

esses procedimentos, torna-se procedente a defesa de uma gramática, mas em funcionamento

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117

(SILVA e TAVARES, 2010), levando em consideração os sujeitos reais, a esfera em que

estão inseridos e seus projetos discursivos, aspectos, infelizmente não contemplados nas

propostas para o texto ―Fuga‖, anteriormente apresentado.

As atividades formuladas para o estudo do texto reafirmam os objetivos da Seção e,

novamente, em nada se diferenciam dos exercícios de fixação contidos em muitos livros

didáticos. Das 5 questões sugeridas, em 4 são solicitadas apenas a identificação de trechos –

sublinhe (questões 1 e 2) e destaque (questões 3 e 4). Esses exercícios, em nosso entender,

não promovem nenhuma reflexão produtiva acerca do texto em questão, muito menos para a

compreensão da razão das escolhas feitas pelo autor no contexto de produção do gênero

tratado. O que interessa é a contribuição desses trechos – narrativos ou descritivos – na

construção dos sentidos. Tendo desconsiderado esse aspecto, entendemos que ―a reflexão

posta é a metalingüística‖ (LEMES, 2009, p. 159).

Complementando, o material apresenta, no ícone ―Indo à sala de aula‖, alguns

conselhos sobre o cuidado com tentativas de identificação rigorosa das tipologias nos textos, o

que pode culminar numa certa artificialidade. Essa recomendação é um tanto contraditória,

porque a estrutura adotada no Caderno leva à valorização das marcas linguísticas ─ narração e

descrição ─ em detrimento de um tratamento dialógico do gênero. Na mesma parte, o leitor-

cursista é preparado para a atividade seguinte, que figura na esfera jornalística; trata-se de

uma notícia transposta, com outras finalidades, para a sala de aula. Vejamos a proposta:

Page 120: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

118

Figura 23: AP Mix – Texto 2 (BRASIL, 2008b, p. 108)

A atividade acima se inicia com o convite à reescrita da notícia, destacando seu espaço

de circulação e situando-a temporalmente. No entanto, ao prosseguir a leitura, percebemos

que o gênero anunciado como notícia tem características que se assemelham à crônica, por

retratar situações do cotidiano, com uma organização que permite visualizar os

acontecimentos, bem como identificar as escolhas feitas pelo autor para provocar sensações

no leitor. A notícia tem, entre outras, a finalidade de informar, tanto quanto possível,

objetivamente os fatos. Barbosa (2001) nos ajuda nesse entendimento, destacando algumas

singularidades desse gênero da esfera jornalística. Para essa autora, ―as proposições essenciais

da notícia dão conta de transformações (da ordem do fazer), deslocamentos (da ordem do ir)

ou enunciações (da ordem do dizer)‖. Nesse sentido, o ―universo da notícia‖ se constrói a

partir das ―aparências e não [d]o conhecimento essencial ou teórico (objeto das ciências e

afins), a não ser que se necessite aplicar esses conhecimentos para explicar ou contextualizar

fatos‖. Nesse caso, a ―estruturação geral visa, entre outras coisas, ‗mastigar‘ para o leitor a

informação, tentando tornar a notícia mais compreensível e mais fácil e rápida de ser lida‖

(BARBOSA, 2001, p. 186-187).

Essas descrições não se aplicam ao gênero do Caderno, denominado de notícia. Um

indicativo é que as vozes introduzidas parecem direcionar a exposição dos fatos, enquanto que

na notícia ocorre um movimento contrário: falas confirmam fatos detalhados.

A terceira atividade escolhida pela cursista pertence à Oficina 5, que retoma a Unidade

10 e aparece na Parte III – proposta de atividade – momento de organização dos professores

em duplas ou trios para planejamento de atividades concernentes à leitura, interpretação e

Page 121: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

119

produção de textos, a partir de duas sugestões contidas no caderno. No caso da professora em

questão, a escolha foi a do texto 1.

Figura 24: AP Mix – Texto 3 (BRASIL, 2008b, p. 192)

Page 122: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

120

Essa atividade, indicada para que os professores elaborem, em grupos, propostas para

o ensino da leitura, interpretação e produção, é uma estratégia benéfica do ponto de vista da

autonomia docente, uma vez que esses profissionais contam com saberes interconectados

advindos da formação acadêmica, profissional e em serviço durante a carreira. No entanto, o

objetivo esvazia-se quando rememoramos a estrutura adotada pelo Caderno, com toda a

didatização dos conceitos alinhada para a apreensão das sequências tipológicas e dos gêneros,

sendo estes últimos de forma textualizada.

Na ânsia de aproveitar as sugestões do Caderno e acreditando nos pressupostos

inovadores anunciados pelo GESTAR II, certamente os professores retrataram48, na

elaboração da proposta de ensino, abordagens metodológicas semelhantes às apresentadas

pelo TP3, fato que não nos surpreende, uma vez que ―a superficialidade teórica com que os

conceitos-chave foram tratados não proporciona subsídios apropriados‖ (SOCORRO, 2009, p.

140) para instrumentalizar o docente no trabalho com gêneros, conforme os pressupostos

bakhtinianos da linguagem.

4. 3 As orientações contidas na TP 3 para a prática do gênero RPP

Escrever, por mais que permeie a vida docente, é motivo de dificuldades para muitos.

Essa dificuldade é justificada se nos reportamos aos antigos modelos de ensino, nos quais o

ensino da gramática orientou as experiências de muitos dos professores hoje em atuação,

resultando, muitas vezes, em reproduções de modelos oferecidos nas aulas. Isso compromete

sobremaneira a instauração de práticas de ensino que viabilizem a proficiência autoral dos

alunos da educação básica.

É consenso, nos dias atuais, que a aprendizagem dos textos envolve ensino e

acompanhamento. Isso derruba discursos impregnados sobre a capacidade de escrever estar

vinculada à inspiração ou ao dom, porque sabemos que, de acordo com os pressupostos

bakhtinianos da linguagem, o fato de dominar alguns gêneros não significa que o autor

conseguirá produzir todos os solicitados a ele. Isso implica, naturalmente, na exigência de

ensino do maior número possível de gêneros em todos os níveis escolares. Geraldi (2010)

alerta que é preciso criar condições favoráveis para a efetivação da escrita; por isso, ―um

sujeito somente escreve quando tem o que dizer, mas não basta ter o que dizer, ele precisa ter

razões para dizer o que tem para dizer‖ (GERALDI, 2010, p. 98).

48

A análise do relato da professora que escolheu esta atividade, apresentado mais adiante, nos autoriza a fazer

essa afirmação.

Page 123: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

121

Assim, a função da escola é preparar o aluno para, progressivamente, produzir

competentemente (oralmente e por escrito) gêneros diversos importantes para seu

desempenho na sociedade atual, tendo o professor como ―co-autor de seus alunos‖

(GERALDI, 2010, p. 99). Nesse sentido, Petroni (2008, p. 10), indica:

Uma exposição sistemática a diferentes enunciados, ou seja, a gêneros do

discurso socialmente constituídos é, ou parece ser, uma boa alternativa para

aproximar o aluno das diferentes formas de relacionar texto/discurso, uma

vez que o trabalho com gêneros discursivos torna possível estimular a

postura crítica do aprendiz ao desvelar as relações de forças presentes em

diferentes esferas da atividade humana, condicionantes do processo

interlocutivo.

Com isso, fica demarcada a responsabilidade do professor em promover situações de

aprendizagem favoráveis ao desenvolvimento da autoria dos alunos. Nesse contexto, surge a

questão: foram os professores preparados, na formação inicial, para tais exigências?

Em meio às múltiplas responsabilidades atribuídas aos docentes do século XXI, dentre

elas a apropriação competente de diferentes gêneros para favorecer o ensino em sala de aula, a

formação continuada configura-se como política de apoio aos educadores, visando suprir

algumas lacunas formativas, instrumentalizando-os, também, para a autoformação, uma vez

que neste universo, consoante Rafael (2001, p. 158), ―o professor constrói em sua prática,

conceitos, que já não são mais exatamente aqueles previstos pela teoria lingüística e/ou obras

de divulgação, mas são objetos próprios da situação de ensino‖.

No contexto da formação continuada, o GESTAR II, tendo a figura do professor como

principal agente de transformação, propõe o registro de suas experiências pedagógicas,

parametrizadas pelos AP. Dessa maneira, no TP3 o professor é incentivado a produzir dois

relatos, nomeados como ―Lição de casa‖, retratando a experiência em sala de aula com uma

das atividades sugeridas nos AP das unidades pares, as quais serão retomadas nas Oficinas 5 –

Unidade 10 – e 6 – Unidade 12, do mesmo Caderno. Na apresentação do Caderno do

Formador, há a seguinte orientação: ―o professor escolherá uma das atividades de uma das

unidades estudadas, as adaptará e aplicará em sua sala de aula, de acordo com o andamento

das turmas, e trará o relato para as oficinas, compartilhando-o em discussão com os colegas‖

(BRASIL, 2008c, p. 7).

Assim, na Parte II do TP3, as orientações para a produção do relato são apresentadas.

Page 124: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

122

Figura 25: LC 1 e 2 (BRASIL, 2008b, p. 185 e 187)

Notemos que as indicações para a produção do gênero limitam-se a registrar a

experiência vivenciada, aspectos facilitadores e dificuldades encontradas (professor e alunos),

assim como a sugestão de manter a sinceridade no relato. Pensando na complexidade que

envolve os gêneros escritos, as orientações nos parecem insatisfatórias para um público

inabituado com registros vinculados ao fazer pedagógico. Não estamos negando, com isso, as

formas de escrita conhecidas e exercitadas pelos professores na formação acadêmica, que são

muitas, algumas das quais lembradas por Fiad e Silva (2009, p. 123):

A Universidade comumente valoriza e promove, entre os estudantes, a

escrita entendida como crítica, objetiva, impessoal e rigorosa. Uma escrita,

via de regra, vinculada à pesquisa, à leitura, à dissertação ou argumentação

sobre um tema, um autor, uma idéia qualquer. Em função disso, estão mais

comumente presentes no cotidiano acadêmico textos como o resumo, o

fichamento, a resenha, o relatório, o comentário crítico, o ensaio e a

monografia.

Page 125: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

123

Na realidade, esses gêneros eram solicitados sem um tratamento que garantisse a

aprendizagem de suas especificidades, muitas vezes nomeados tendo por referência as

tipologias clássicas: narração, descrição e dissertação. Isso culminava, na maioria dos casos,

em aprendizagem quase autônoma dos textos solicitados, porque o discurso corrente na

universidade sinalizava para um conhecimento a ser adquirido na Educação Básica. Portanto,

se considerarmos que as experiências de produção desse momento da escolarização de grande

parte dos egressos do Ensino Médio foram semelhantes às externadas por Pereira (2009),

compreenderemos as razões da brevidade verificada em muitos registros docentes.

Quando penso nas atividades de produção textual desenvolvidas em sala de

aula, recordo-me imediatamente das aulas de Língua Portuguesa onde me

eram solicitados textos que invariavelmente passavam por narrar algum

acontecimento (pessoal ou da atualidade), re-contar uma história lida ou

ainda elaborar um conto com personagens previamente definidos pela

professora. Embora gostasse de escrever, essa tarefa apresentava-se para

mim sempre como um fardo, ao mesmo tempo em que me preocupava

sempre em estabelecer um padrão que tinha como intuito o de agradar à

minha única leitora: a professora (PEREIRA, 2009, p. 242).

Diante desse quadro de escrita sem finalidade na Educação Básica e de produções

(quase) autônomas na academia, não estranhamos o fato de os professores se sentirem

inseguros diante da solicitação de escrita dos gêneros próprios da esfera de sua atuação. Isso,

de alguma maneira, delega aos programas de formação continuada a responsabilidade pelo

ensino dos gêneros requeridos em suas propostas, oferecendo aos docentes instrumental para

a competente produção daqueles solicitados pelo órgão responsável. Dito de outro modo,

significa que, além de prepará-los para ―um trabalho que propicie aos alunos o

desenvolvimento de habilidades de compreensão, interpretação e produção dos mais

diferentes textos‖ (BRASIL, 2008a, p. 34), conforme explicitado no Guia Geral – GESTAR II

– deverá promover o ensino, pelos menos, dos gêneros exigidos dos cursistas, consolidando

assim os objetivos do Programa para os docentes, na ―busca de valorização profissional e

pessoal do professor, destacando as suas características e histórias particulares, a sua visão de

sociedade, de relações e de compromissos com ela‖ (BRASIL, 2008b, p. 34). Dessa maneira,

acreditamos que os docentes terão condições de elaborar seus RPP, projetando seus discursos,

revozeando contextos, situações e particularidades demarcadoras das escolhas constantes nos

registros, imprimindo neles marcas próprias de um sujeito circunscrito em ―determinado

horizonte espacial, temporal, temático e valorativo‖ (SILVA, 2009, p. 83).

Page 126: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

124

4. 4 Condições de produção do relato no universo implementado

No contexto mato-grossense, o TP3, mesmo não sendo o primeiro da coleção, foi o

Caderno inicial a ser estudado pelos cursistas, seguindo orientações da equipe da UnB,

responsável pela formação dos formadores do Programa. No entanto, sobre o gênero relato,

apenas esclarecimentos superficiais foram dados pelos formadores vinculados à Universidade

da capital federal aos professores, responsáveis diretos pela condução dos trabalhos nos

municípios. Na realidade, o grande foco dos consultores nos encontros formativos realizados

na capital do Estado, momento em que todos os formadores designados para trabalhar com o

GESTAR estavam presentes, foi a apresentação dos Cadernos, com estudos de algumas

unidades para conhecimento dos conteúdos. Com isso, cada formador criou as suas estratégias

para facilitar a produção dos relatos, embora muitos desconhecessem o gênero como forma

estudada e exercitada na academia e nos programas ou projetos de formação continuada dos

quais participaram.

No polo de Juara, a formadora do Programa sugeriu um modelo, de acordo com o

conhecimento intuitivo que tinha do gênero, para orientar os cursistas na elaboração do relato.

A estrutura abaixo evidencia a tentativa de oferecer orientações, em meio à carência teórica

do material.

Quadro 11: Orientações para a escrita do relato (Acervo do CEFAPRO de Juara – MT)

A formadora, mesmo desconhecendo o processo de produção do gênero solicitado aos

cursistas, apresenta dicas mais demarcadas do que o material. Na realidade, podemos afirmar

ESTADO DE MATO GROSSO

SECRETARIA DO ESTADO DE EDUCAÇÃO

Centro de Formação e Atualização dos Profissionais

da Educação Básica do Estado de Mato Grosso

Pólo de Juara-MT

Gestar II Língua Portuguesa

Prof.cursista: ............................ Município: ............................ Turma: ...........

RELATÓRIO AVANÇANDO NA PRÁTICA TP:............... Unidade: ...................

Atividade desenvolvida: ex. Elaboração da Autobiografia p.25

Fase e ciclo/ano: ex. 3ª fase do II ciclo/6º ano

Relatar a experiência: Por que escolheu a atividade, procedimentos, recursos utilizados, envolvimento

dos alunos, aspectos facilitadores, dificuldades encontradas, resultado do trabalho, suas observações e

sugestões.

Page 127: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

125

que as orientações contidas no TP3 figuram mais como ilustrativas do material do que

facilitadoras da produção do relato.

Observando a estrutura elaborada pela formadora, notamos que a orientação é

resultante da união da experiência pedagógica com alguns elementos contidos na Lição de

Casa, do TP3. A experiência da professora-formadora está explicitada em termos como os

delineados a seguir, presentes, comumente, nos planos de aula e nos projetos de ensino

desenvolvidos nas escolas:

- Por que escolheu a atividade, corresponde aos objetivos;

- Procedimentos, representam as etapas do trabalho a serem desenvolvidas em sala;

- Recursos utilizados, demonstram os materiais utilizados para desenvolver a proposta;

- Envolvimento dos alunos, figura como avaliação dos processos de ensino.

A voz do Caderno ─ Lição de casa ─ é identificada nas seguintes expressões:

―aspectos facilitadores, dificuldades encontradas, resultado do trabalho, suas observações e

sugestões‖. Além disso, a preocupação com aspectos composicionais dos RRP direcionaram a

formadora na criação de uma estrutura com dados identificadores da atividade escolhida pelo

cursista: cabeçalho com dados institucionais, menção ao Programa, nome do cursista,

município de origem, turma, explicitação do gênero (Relatório Avançando na Prática), TP,

unidade e nome da atividade desenvolvida e respectiva página.

Confirmando a influência de gêneros academicamente valorizados na esfera de

atuação profissional, a formadora denomina a exigência escrita de ―relatórios‖, sem atentar

para o discreto termo ―relato‖, suscitado apenas na ―Lição da casa 2‖. Aliás, ela, munida de

responsabilidades frentes às orientações nebulosas para a produção do gênero, ―revela uma

atitude autoral de aproximação a discursos de prestígio nesta esfera e, portanto, a procura de

um lugar de inclusão para o próprio dizer‖ (SARTORI, 2008, p. 87), referendado em suas

experiências profissionais e acadêmicas.

Conforme comentamos, a proposta para o desenvolvimento do Programa seria de um

ano no Estado, porém o trabalho foi reduzido a sete meses (de abril a novembro), fator que

comprometeu significativamente a qualidade da formação, uma vez que o seu

desenvolvimento exigia, além das oficinas (encontros presenciais), momentos individuais,

para estudo dos TP, realização de atividades dos AP com os alunos e produção do relato. Com

essas mudanças, a formadora de Juara fez alguns ajustes, principalmente quanto aos relatos.

Dessa maneira, optou por exigir os dois relatos do resultado da aplicação dos AP, de acordo

Page 128: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

126

OFICINA

5

Unidade 10

OFICINA

6

Unidade 12

com o previsto no Programa, porém sendo um oral e outro por escrito, este último para

compor o portfólio dos inscritos no curso.

Essa atitude foi positiva, porque a socialização oral deixou os professores mais livres

para apresentarem suas experiências com o desenvolvimento dos AP e a troca de saberes

práticos era muito valorizada por eles, porque representava um momento de exposição de seus

sucessos, suas angústias, seus fracassos e suas dúvidas. Todavia, o compartilhamento dessas

situações sinalizava para a construção de novas estratégias de ensino, a partir da experiência

dos outros, de busca de outros saberes para responder às suas demandas de aprendizagem e de

―conforto‖ de situações tidas como problemáticas em sala de aula, requisitando alternativas

pedagógicas diferenciadas.

O esquema49 abaixo ilustra a organização contida no Programa: TP3 formado por 4

unidades – 9,10, 11 e 12 – 2 Lição de Casa, contendo orientações para a produção do relato e

2 Oficinas, cada uma contemplando duas unidades.

Figura 26: Estrutura do TP3

49

Construído com base na organização do TP 3.

Unidade 9

Unidade 10

Unidade 11

Unidade 12

Page 129: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

127

Na realidade, os RPP representaram uma comprovação burocrática de que os AP

foram desenvolvidos em sala de aula; o foco da proposta centrou-se no estudo dos Cadernos –

5h para estudo individual e a distância ─ e execução de duas atividades das unidades

estudadas. Isso limitou, consideravelmente, qualquer tentativa do formador de trabalhá-lo,

propondo, inclusive reescritas. Aliás, a proposição de reescrita também ficaria fragilizada

nesse contexto, se considerarmos que o formador sequer foi orientado sobre o funcionamento

do gênero pelos consultores responsáveis pela sua formação. Além disso, no próprio material

não há espaço dedicado para estudo de tal gênero, como já mencionamos.

A seguir, faremos a análise dos relatos, demonstrando como as professores, em

circunstâncias particulares de ensino, constroem seus objetos de ensino e os retratam por

escrito.

4. 5 Análise dos dados gerados: desvelando os Relatos de Prática Pedagógica

Para situar os relatos, relembremos que a sua produção está ancorada em algumas

situações, a saber:

o GESTAR II de LP é um programa de formação continuada semipresencial –

MEC/UnB ─ com o propósito de melhorar o processo ensino e aprendizagem;

o Programa, em 2009, foi desenvolvido em todo o Estado de Mato Grosso;

os Cefapros, juntamente com as Secretarias Municipais, tornaram-se os principais

difusores dessa ação de formação;

participaram do Programa professores de LP, habilitados ou não, atuantes no último

ano do II ciclo e no III ciclo (ou 6º ao 9º ano do EF);

o TP3 foi o primeiro Caderno estudado, focando gêneros e tipos textuais, momento em

que ocorreu o primeiro ensaio do relato escrito;

dentre as propostas metodológicas do Caderno – AP – duas deveriam ser escolhidas

para aplicação em sala de aula e apresentadas como relatos das experiências pedagógicas

realizadas;

no polo juarense, optou-se por exigir apenas um relato escrito, devido à restrição

temporal para desenvolvimento das ações do Programa;

a formadora do Programa entregou, no primeiro encontro, um modelo com algumas

orientações para a produção do relato; todavia, desconhecia as especificidades do gênero, uma

vez que o mesmo sequer foi abordado na formação oferecida pelos consultores da UnB.

Page 130: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

128

Esses aspectos interferiram, em boa medida, na escrita dos textos, evidenciando,

singularmente, como o sujeito inscreve seus dizeres sobre objetos de ensino, em contextos

particulares e mediados por interlocuções próprias da esfera da formação continuada, na

interface com a escolar.

Apesar da constituição autoral singular de cada professora escolhida por nós, o

aligeiramento do processo de formação no Estado (7 meses), a dissonância entre as

concepções anunciadas pelo GESTAR II e o real tratamento teórico-metodológico, a ausência

de orientações para a elaboração do relato comprometeram significativamente não só o

desenvolvimento das atividades em sala de aula, como também os registro desse processo.

Na sequência, apresentaremos a análise dos relatos, evidenciando de que maneira, as

professoras, mesmo submetidas a essas condições de produções, elaboram seus registros,

estabelecendo diálogos com vários outros interlocutores.

4. 5. 1 RPP 1: Letra de canção

Ludmila se pronuncia, no primeiro parágrafo, localizando a unidade, mencionando que

fez a leitura do TP designado e escolhendo, dentre as alternativas, abordar a música. Para

justificar tal opção, destaca alguns vocábulos mobilizados pela relação escrita/sonoridade,

como interesse, prazer e reflexão.

Tendo como referência o AP letra de canção, denominada no Caderno de letra

musicada, apresentamos o relato produzido pela professora Ludmila.

Page 131: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

129

Relato 1: Letra de canção

A professora autora revozeia, na sua opção didática, o que, intuitivamente, todos

sabemos: a presença constante da música na vida das pessoas. Nesse sentido, Jourdain (1998,

p. 334) enfatiza que somos bombardeados diariamente por diferentes gêneros musicais em

vários espaços e que a música está ligada às nossas experiências, porque ela ―expressa coisas,

conta uma história‖. Padilha (2005, p. 91) assegura que

[...] a presença da canção na vida dos povos possuiu e ainda possui

significado bem longínquo de quaisquer abstrações a que possamos nos

apegar na modernidade, tem natureza antropológica, fez e faz parte

integrante e essencial da vida de todo dia, do ritmo de trabalho, da

interpretação das fases a que estão submetidos os membros dos diversos

grupos sociais. Pensemos, dessa forma, nos cantos de trabalho, nos cantos de

guerra, de colheita, de semeadura, de vindima, de amor, de luto.

Page 132: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

130

Nessas considerações, percebemos a forte influência da música em diferentes tarefas e

etapas da evolução humana. O certo é que, de uma maneira ou de outra, transmutando-se ou

mantendo raízes, as canções mantiveram-se presentes na vida das pessoas, como componente

muitas vezes da própria corporeidade. Na educação brasileira, a música, muito mais a letra de

canção, é inserida nos currículos com as mudanças ocorridas na década de 1970,

principalmente com a Lei de Diretrizes e Base 5.692/71, momento em que houve uma

reconfiguração do ensino e, consequentemente, outros gêneros, diferentes dos canônicos,

adentraram os espaços escolares.

Observando todo este cenário e retomando a proposta da seção 2, da Unidade 10,

notamos que a professora dialoga como os enunciados apresentados pela autora, para abordar

o gênero letra de canção, exemplificado pela composição de Chico Buarque: Construção.

Talvez nesse momento, ela, movida por propósitos educacionais de aproveitar as

possibilidades didáticas do gênero, observe as preferências dos alunos por sons, para

introduzir melodias com teor distinto daquele apreciado por eles, porém com a finalidade de

oferecer outros estilos. Isso, de alguma forma, atesta a intenção declarada de Ludmila nas

partes finais, do parágrafo, ao comprovar as razões de sua escolha, no caso, música: chama à

atenção por exercer interesse, despertar prazer e reflexão nas pessoas.

No trecho seguinte, a professora seleciona a letra de canção, marcada pela

pessoalidade da forma verbal escolhi. Ao fazer isso, assume a responsabilidade por tal ação e

enumera os argumentos se tal escolha, destacando a díade conteúdo tematizado na música e a

variedade linguística utilizada.

RPP 1 – trecho 1

Notamos que a professora ―respeita‖ a orientação inicial contida na atividade, que

indica a escolha da letra baseada em sua percepção do que é atraente para os alunos,

respondendo ativamente ao proposto. Ao se responsabilizar pela seleção da letra, conforme o

AP propõe, elenca vários motivos de ordem curricular-pedagógica no ensino de LP. Neste

caso, temos materializado o alerta emitido na análise do AP, no item 4. 2. 2, deste capítulo,

quando apontamos fragilidades na sugestão de escolha baseada em preferências docentes, a

Page 133: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

131

qual pode comprometer o trabalho com gênero, uma vez que os interesses musicais dos

adolescentes são distintos dos gostos da maioria dos professores. Não estamos, com isso,

afirmando que não haverá resultados favoráveis à aprendizagem; no entanto, acreditamos (e

nossa experiência já comprovou isso) que incluir os alunos nesse processo de seleção é o

melhor caminho para promover as reflexões sobre o gênero, encaminhando as análises no

contexto das interações escolares.

Diante de tal situação, consideramos pertinente que o Caderno tivesse mobilizado o

conceito de ZPD, formulado por Vygotsky (1998 [1930]), para a identificação de conceitos

construídos pelos alunos e daqueles que ainda requeriam intervenções do professor. Com o

mapeamento dessas aprendizagens, o docente, em sua função mediadora, tem elementos para

decidir sobre as melhores abordagens e estratégias para atingir objetivos de ensino esperados

para aquele momento da escolarização. Por essa via, a proposta de ensino da letra de canção

seria ressignificada no diálogo entre alunos/AP/professor, sendo este último responsável pela

elaboração de novos objetos de ensino no contexto de sua atuação.

A música ―Asa Branca‖, interpretada por Luiz Gonzaga e composta pelo músico em

parceira com Humberto Teixeira, escolha de Ludmila, tem um teor saudosista, carregado de

termos próprios da oralidade, como: ―oiei, preguntei, fornaia, prantação, farta, inté, pra mim,

pro, óio, espanhar, vortarei‖. Expressões dessa natureza sempre foram objeto de desprestígio

na educação brasileira, porque contrariam princípios da variedade padrão eleita como a única,

agravando-se a partir do momento em que a ―massa‖ teve o direito à escolaridade assegurado

pela legislação brasileira. Com isso, o discurso da sociolinguística ganha notoriedade nos

espaços educacionais, conferindo status à variedade, e redireciona reflexões no sentido de

entender os fenômenos da variação para, assim, tratá-la de maneira pertinente no ambiente

escolar. Talvez a escolha da professora represente o que Lemes (2009, p. 141) detecta ao

analisar o discurso autoral em dois livros didáticos do Ensino Médio: ―em certa medida,

trabalhar as variantes numa perspectiva que leve os alunos a terem outro olhar para sua

língua, observando seus diferentes usos em diferentes contextos‖.

Adentrando o relato de Ludmila, ela menciona com qual turma desenvolveu a proposta

e as etapas do trabalho com a letra de canção.

Page 134: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

132

RPP 1 – trecho 2

Em uma rápida comparação com o AP escolhido pela professora, notamos que ela não

o segue fielmente, todavia mantém o discurso oficial do livro didático e da experiência

profissional, referendada, em boa medida, pela formação inicial. Mesmo que tente demonstrar

inovações no tratamento do gênero, Ludmila deixa transparecer em suas escolhas a tensão

entre as vozes: GESTAR II x formação continuada x experiência pedagógica.

O quadro abaixo é uma tentativa de demonstrar similaridades e distanciamentos da

proposta do AP.

AP – Letra de Canção Experiência da professora

1. Leve aos seus alunos uma letra

musicada - que você considere atraente para

a idade deles – e cante com eles,

acompanhando a música e seguindo a letra

por escrito.

... escolhi Asa Branca de Luiz Gonzaga por

apresentar um conteúdo riquíssimo para

análise.

... apresentada a música digitada, pedi que

fizessem a leitura do texto.

2. Faça com eles uma interpretação do

texto, em termos de tema, autor/leitor/ouvinte,

formas de expressão, aspectos da construção

dos sentidos, ideias sugeridas e/ou explícitas,

e tudo o mais que achar interessante e

pertinente – inclusive as razões por que os

alunos gostam, ou não, da canção.

Após a leitura solicitei para que os educandos

falassem sobre o que compreenderam, para

que pudéssemos identificar o tema.

3. Compare com algum outro texto que

tenha sido trabalhado sobre o mesmo tema,

ou com o mesmo aspecto formal (poesia).

Para introduzir a explicação sobre as

características desse gênero textual chamado

música, solicitei que observassem a estrutura

do texto, os educandos fizeram as seguintes

observações: o texto apresenta estrofes e 4. Provoque uma reflexão sobre a

compatibilidade entre oralidade e escrita e

Page 135: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

133

sobre o fato de que alguns gêneros podem ser

realizados pelas duas modalidades enquanto

outros só ocorrem oralmente.

versos, compararam com o poema, também

literário.

Após vários comentários, solicitei que

respondessem um questionário para que

melhor analisássemos a música.

5. Identifique com eles quem é o autor

(ou autores) e quem são os ouvintes/leitores a

que se destina o texto-canção.

6. Identifique algum traço linguístico

que marque o destinatário da canção, como,

por exemplo, gírias ou terminologias

específicas.

Perceberam o vocábulário dito ―incorreto‖,

dando abertura para a explicação sobre este

recurso que foi utilizado pelo autor.

7. Leve-os, sobretudo, a reconhecer que

os gêneros textuais estão em toda parte, não

apenas na escola.

Quadro 12: AP versus experiência docente

O AP sugere um roteiro para o tratamento do gênero, todavia a professora autora lhe

dá tom próprio ao excluir algumas etapas e desenvolver um percurso próprio, mesmo não

apresentando inovação. Socorro (2009, p. 113) lembra que é comum, nos espaços educativos,

na ânsia de melhorar sua prática, grupos de professores se apropriarem das ―propostas de

inovação da atual pedagogia para língua materna e comete[re]m equívocos ao relacioná-las

com o trabalho tipológico e estrutural dos textos a que estão habituados‖.

Quando Ludmila afirma: “escolhi Asa Branca de Luiz Gonzaga por apresentar um

conteúdo riquíssimo para análise”, embora devesse considerar interesse dos alunos, nessa

situação específica, ela dá voz à professora, licenciada, com experiência na educação,

revestida de ―autoridade‖ de uma profissional consciente das escolhas no universo descrito,

que as faz mediadas pelos anos de atuação em sala de aula, respaldadas também no processo

vivenciado na graduação.

Ao descrever o percurso de análise da letra de canção, a professora evidencia um

tratamento focado na estrutura composicional do gênero, verificado nos seguintes trechos:

solicitei que observassem a estrutura do texto; o texto apresenta estrofes e versos;

compararam com o poema, também literário. Obviamente, a autora reproduz abordagens

verificadas nos livros didáticos, voltadas para aspectos formais e, muitas vezes, como pretexto

para estudos gramaticais, o que, em tese, faz com que a ―atividade se esgote nela mesma‖,

consoante Padilha (2008, p. 35). Na realidade, além de revozear particularidades da vivência

profissional, inclusive com o livro didático, ela parece dar visibilidade à forma como esse

conteúdo fora trabalho no período de sua escolarização. É como se o dizer da professora fosse

orientado pelo ―já dito‖, constituindo-se como réplica de enunciados anteriores.

Page 136: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

134

Ainda Padilha (2005), ao analisar o tratamento didático dispensado ao gênero letra de

canção no processo de ensino, questiona a abordagem feita pelos livros didáticos e lembra

que, muitas vezes, o roteiro segue a audição e leitura das letras das músicas. E as abordagens

posteriores? Será que envolvem um ―trabalho que explore o gênero como pertencente a um

espaço discursivo, que leve o aluno a se informar e/ou refletir sobre esses espaços e suas

formas de produção, circulação e recepção?‖ (PADILHA, 2005, p. 95).

Percebemos, ainda, no trabalho com a letra de canção feito por Ludmila, o quanto os

resquícios do ensino normativo direcionam as suas práticas pedagógicas, mesmo quando a

perpectiva assumida é a dos gêneros. Nesse sentido, concordamos com Magalhães (2004), ao

apresentar algumas constatações advindas da própria experiência com a formação de

professores. Para essa autora,

[...] os modos como a linguagem vem sendo enfocada nos contextos de

formação nem sempre possiblitam aos participantes a descontrução de

representações tradicionais que têm uma sólida base em uma pedagogia que

entende ensino-aprendizagem como transmissão e devolução de

conhecimentos e está apoiada em um conceito estruturalista da linguagem

(MAGALHÃES, 2004, p. 47).

Para romper com construtos teórico-metodológicos oriundos de uma formação de

cunho estruturalista, é consenso entre estudiosos da formação a necessidade de viabilizar

condições para que o profissional consiga, com relativa segurança, autonomia na prática

pedagógica. Esse discurso tem se configurado como o marketing dos programas de formação

continuada, inclusive do GESTAR II de Língua Portuguesa50. Todavia, nas constatações de

Socorro (2009, p. 140), ―a preocupação maior do material sempre recaiu sobre a forma

composicional (especificamente, os aspectos estruturais)‖, impedindo avanços significativos

no tocante ao trabalho com gêneros nas escolas. Essa constatação pode ser observada naquilo

que Ludmila relata como tendo sido sua prática no desenvolvimento do AP.

Bunzen (2006) alerta que, nesse contexto de inseguranças vivido pelos professores no

tocante ao ensino inovador, é preciso atenção. Tomamos por empréstimo suas palavras para

justificar que ―corremos o sério risco de enfatizar muito mais uma metalinguagem no nível

do texto, perdendo de vista os efeitos de construção de sentidos‖ (BUNZEN, 2006, p. 152),

em nome de uma mudança apenas no plano do discurso.

50

Essa afirmação se torna particularmente fundada ao verificarmos que o Programa tem como objetivo principal

a melhoria do processo ensino-aprendizagem, articulando teoria e prática, na perspectiva dos gêneros discursivos

(BRASIL, 2008a).

Page 137: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

135

Voltando ao relato, atentamos para o seguinte enunciado: Perceberam o vocabulário

dito “incorreto”, dando abertura para a explicação sobre este recurso que foi utilizado pelo

autor. Neste caso, a professora indica que os alunos constararam a ―irregularidade‖ linguística

no texto, propiciando esclarecimentos sobre tal fenômeno. Mais um vez, um posicionamento

docente, de alguma forma, próximo a concepções de que a escola deve privilegiar a norma

padrão, invisibilizando as demais variedades. Essa afirmação encontra respaldo nas escolhas

lexicais de Ludmila quando usa o termo ―dito‖ e cita ―incorreto‖ entre aspas. É como se ela

concordasse com as teorias defensoras da contemplação dessa variedade na escola, porém

ainda se encontra pressionada pela supremacia da norma culta, apregoada como bem maior

das instâncias educativas. Nesse caso, podemos dizer que ao se posicionar, o falante revela

―ideologias que permeiam o conteúdo vivido nas esferas discursivas‖ (FARACO, 2003 apud

SILVA, 2009, p. 28).

Outro aspecto, a nosso ver relevante, foi o fato de constar um questionário a ser

respondido pelos alunos como condição para ―melhor‖ analisar a música. Mais uma vez,

vemos referendada a presença do livro didático nas etapas de trabalho com o texto. É como se

a tradição ainda determinasse a forma de abordar o conteúdo que se tornará conhecimento,

com medidas próprias de um ensino baseado na memorização de conceitos. Nesse sentido,

apropriando-nos das considerações de Lemes (2009, p. 148), concordamos que a professora

―não desconstruiu, plenamente, a abordagem tradicional. Talvez a refutação não tenha se dado

completamente, porque seu discurso está atravessado pelo discurso da tradição‖.

Chamou-nos a atenção também o fato de que, embora o trabalho tenha ocorrido em

três turmas diferentes – O texto foi trabalhado na 1ª fase do III ciclo – 7º ano, em três turmas

distintas – o relato sugere que as reações dos alunos foram semelhantes. Sabemos da

impossibilidade de tal situação. Partindo do pressuposto de que os sujeitos são únicos,

certamente os enunciados serão singulares e irrepetíveis, e com compreensões responsivas

distintas. Para Sobral (2009, p. 24), ―todos os atos têm em comum alguns elementos: um

sujeito que age, um lugar em que esse sujeito age e um momento em que age‖.

Apenas no paragráfo final, a professora sinaliza a presença significativa de um dos

parceiros da comunicação discursiva — a aluna nordestina — e confere a ela status superior,

ao citar sua contribuição na aula. No dizer de Ludmila: Durante as atividades, surpreendeu-

me o fato de uma das alunas, que é nordestina, tecer ricos comentários sobre o autor Luiz

Gonzaga.

Page 138: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

136

Nesse sentido, Paes de Barros (2008, p. 29) lembra que, ―em seu planejamento, o

professor deve observar as necessidades de aprendizado e as possibilidades de ensino de cada

conteúdo a ser trabalhado‖. Assim, é possível prever os saberes já consolidados pelos alunos e

aproveitar conhecimentos deles para enriquecer o tratamento dos conceitos, de maneira

organizada. No caso descrito, a docente, desconhecendo o domínio da aluna a respeito da

realidade estudada, perde a oportunidade de possibilitar a construção de habilidades, além da

costumeira conversa espontânea, e de exercer seu papel mediador no processo de ensino,

conforme sugere a perspectiva vygotskiana (1998 [1930]).

Notamos, na tessitutura do relato de Ludmila, uma tentativa apressada, objetiva e até

distanciada de apresentar a sua experiência. Pressupomos uma forma de responder às

exigências do Programa, produzindo o relato, sem necessariamente se expor em demasia e

denunciando, em meio a tantos fatores condicionantes do processo educativo, duas situações:

a falta de domínio do gênero e o tempo reduzido destinado às atividades extraclasse, como,

por exemplo, a produção docente.

Em relação à exposição profissional, Sartori (2008) questiona a razão de tamanho

silenciamento no tocante às experiências pedagógicas e sugere que uma das possíveis causas é

a culpabilização docente, recorrente na sociedade, pelo fracasso escolar. A mesma autora

ainda indica outra situação:

Escrever sobre a própria prática exige expor-se, mostrar-se ao outro. Falar

sobre a prática pedagógica é também falar de si mesmo. Narrar o que

acontece é mostrar ao outro as próprias convicções, os acertos, os erros. Não

é tarefa fácil escrever sobre a prática pedagógica porque, ao fazer isso, as

contradições entre o que se pensa e o que se faz podem deixar-se à mostra no

discurso para o outro (SARTORI, 2008, p. 130-131).

Além disso, ―olhar‖ para a própria prática, registrando-a, certamente não fez parte da

formação acadêmica da maioria dos professores, justificando os resquícios evidentes de

outros gêneros da esfera acadêmica presentes no relato de prática, como, por exemplo,

relatórios de estágios e TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), marcados pela objetividade e

impessoalidade, resultando também na inabilidade concernente à produção do gênero relato,

fato constatado no estilo empregado por Ludmila e agravado pela ausência de orientações no

TP3.

Podemos entender, ainda, que a generalização adotada pela professora-autora pode

representar a falta de tempo docente para as atividades extraclasse, uma vez que, no Estado de

Mato Grosso, os docentes efetivos, com jornada de 30 horas semanais, contam com 10 horas-

Page 139: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

137

atividades para planejamento de aulas, atendimento aos alunos com dificuldades e

participação na formação continuada51. Em tese, isso gera ansiedade nos profissionais que,

muitas vezes, respondem às exigências institucionais sem as reflexões desejadas e necessárias,

culminando em resultados semelhantes aos presentificados no relato de Ludmila.

4. 5. 2 RPP 2: Mix textual

Tendo como parâmetros várias atividades (unidade 11 e oficina), denominadas por nós

de Mix textual, Ingrid inicia seu relato reacentuando a citação clássica do educador Paulo

Freire – a leitura do mundo precede a leitura da palavra – dando-lhe status de mestre. O uso

das aspas demarca visivelmente a palavra do outro, neste caso o educador de renome

internacional, deixando evidente um posicionamento de confiança, aceitação reverente e

concordância com o discurso escolhido (BAKHTIN, 2003 [1952-53]). Isso implica no

discurso objetivado, abertamente citado, marcado dialogicamente como ―a enunciação de uma

outra pessoa‖ (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2010 [1929]).

No segundo parágrafo, a professora cita a leitura como fator importante no processo de

aquisição do conhecimento, elegendo a diversificação de gêneros, para, finalmente,

mencionar que fará a apresentação do trabalho, especificando a turma.

Retomando o período introdutório desse parágrafo, a afirmação de Ingrid – sabemos

que a leitura é a base para apreensão do conhecimento ─ pressupõe seu envolvimento com

os defensores de tal pressuposição. De alguma maneira, ela dialoga com outras instâncias que

pesquisam o assunto, demonstrando concordância com pressupostos de que a leitura é um dos

sustentáculos do ensino de LP.

Observemos o relato produzido por Ingrid.

51

Essa situação está amparada pela Lei Complementar nº 50, de 1º de outubro de 1998, alterada pela Lei

Complementar nº 104, de 22 de janeiro de 2002, Art. 38, § 1º, p. 74.

Page 140: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

138

Relato 2 – Mix textual

Page 141: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

139

Notemos que a estrutura adotada nos dois primeiros parágrafos se assemelha à

introdução dos gêneros da esfera acadêmica, quando ocorre a exposição de conceitos teóricos,

aliados aos interesses de pesquisa, e explicitação do teor do texto, por meio da apresentação

do formato do desenvolvimento. Essa escolha, de alguma maneira, no dizer de Sartori (2008,

p. 87), ―revela uma atitude autoral de aproximação a discursos de prestígio nesta esfera e,

portanto, a procura de um lugar de inclusão para o próprio dizer‖, já que o TP 3

desconsiderou, explicitamente, a importância de orientações concernentes ao gênero a ser

produzido.

Page 142: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

140

Após mencionar que apresentará “resultado das atividades realizadas como os

alunos”, a professora descreve as quatro atividades trabalhadas sem, contanto, detalhar

resultados, conforme anunciado.

Para facilitar a análise, retomamos os trechos do relato. A primeira atividade está

subdividida com a finalidade de garantir a proximidade das reflexões ao texto da autora.

Atividade 1 – trecho 1

No excerto, Ingrid situa a atividade no TP, embora não dê outros detalhes, como se o

leitor compartilhasse do contexto mencionado. A esse respeito, Bakhtin/ Voloshínov (1926)

atestam que o contexto extraverbal compartilhado pelos participantes da interação é

fundamental para a construção dos sentidos. Dessa maneira, ―o horizonte espacial comum

entre os interlocutores; o conhecimento e a compreensão comum da situação por parte dos

interlocutores‖ (BAKHTIN/ VOLOSHINOV, 1926, p. 5) corroboram a compreensão do(s)

não-dito(s). Podemos dizer que a professora autora se apoiou no conhecimento que ambas (ela

– produtora do enunciado – e a formadora do Programa – interlocutora imediata) possuíam do

material para dispensar especificações técnicas da atividade.

Ainda no trecho anterior, a docente apresenta os objetivos da proposta: um ligado ao

universo literário, outro de cunho normativo, representando conceitos do planejamento

bimestral da escola de origem. Embora haja intenção de valorizar aspectos literários da obra,

Ingrid é ―subjugada‖ pela proposta da seção52, formatada para a identificação dos tipos

descritivos e narrativos no texto, e não deixa evidente se promoveu apreciação artístico-

literária do texto. Neste caso, permanece a velha máxima: o texto como pretexto para ensino

da gramática.

52

Consideramos importante relembrar que a Unidade 11 aborda ―Tipos Textuais‖, portanto todas as

atividades das seções (três, neste caso) abordarão as sequências tipológicas, como: narração, descrição,

injunção, predição, exposição, argumentação/dissertação.

Page 143: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

141

Atividade 1 – trecho 2

Nesse apontamento, a professora apenas revela que o conhecimento do autor do texto

em questão foi obtido mediante a leitura da fonte ofertada pelo TP 3, um tanto limitada no

nosso entendimento, pois restringe-se a citar dados de nascimento, morte e obras principais.

Demonstra ainda, a forma de abordagem preparatória para a leitura do fragmento textual,

deixando dúvidas quanto aos procedimentos adotados para motivar os alunos e estimular seus

interesses.

Atividade 1 – trecho 3

Nesse enunciado, a autora evidencia a apresentação do tema do texto aos alunos;

todavia, percebermos que as reflexões centraram-se na busca do assunto, uma vez que o

material não trabalha com a ideia de conteúdo temático ou tema, conforme concepção

bakhtiniana da linguagem, constatação feita por Socorro (2009) em sua análise. A partir de

então, o estudo dos parágrafos ganha finalidade estrutural, com a localização de recorrência

do objeto de estudo da seção: narração e descrição.

A atividade subsequente, embora designada de produção textual pela autora-criadora,

é definida como ―reescrita‖ pelo Caderno de Teoria e Prática, o que não alterou

significativamente a abordagem feita pela professora, considerando-se, mais uma vez, sua

preocupação com ―o tratamento estrutural em detrimento do fator enunciativo-discursivo das

formas textuais‖ (SOCORRO, 2009, p. 115).

Page 144: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

142

Atividade 2

As duas atividades – 5 e 6 – trazidas até o momento, demonstram como a autora do

relato se apropria de sugestões contidas no Caderno para seu processo formativo, como

cursista, e as inclui no planejamento de suas aulas, objetivando responder também às

exigências institucionais pedagógicas. Nossa afirmação justifica-se pelo seguinte enunciado:

um dos conteúdos planejado para o bimestre.

É notória a crença nos pressupostos inovadores anunciados pelo material, tanto que

Ingrid revozeia os enunciados das atividades no registro que faz, deixando evidências nos

trechos repetidos das atividades. Para confirmar essa constatação, elencamos no quadro a

seguir as atividades descritas, da forma como aparecem no relato e a estrutura apresentada na

Unidade 11, seção 1 - TP 3.

Ativ. Proposta do TP 353

Evidência no relato

1

1. Sublinhe com um traço reto (ou azul) as

sequências descritivas no texto acima.

2. Sublinhe com um traço ondulado (ou

vermelho) as sequências narrativas do trecho

acima.

3. Destaque, no texto, algumas palavras e

classes gramaticais que indicam as sequências dos

eventos nos trechos narrativos.

4. Destaque, no texto, algumas palavras e

classes gramaticais que indicam as sequências dos

eventos nos trechos descritivos.

... estudo detalhado dos parágrafos

identificando as sequências narrativas e

as sequências descritivas, bem como

palavras e classes gramaticais que

indicam a sequência dos eventos nos

trechos narrativos e descritivos

2

... inserir adjetivos para descrever a passageira.

... reescreveu o texto acrescentando

adjetivos para descrever a passageira e o

ambiente.

Quadro 13: AP versus Relato

Percebemos, nos exemplos, a convergência de vozes entre a professora-autora e o

material didático, como numa estilização, uma forma de incorporar o discurso alheio sem

demarcações explícitas, consoante Fiorin (2008).

53

Para encontrar as propostas na íntegra, sugerimos consulta ao item 4. 2. 2 deste capítulo.

Page 145: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

143

A terceira atividade desenvolvida pela professora autora tem como base o AP da seção

em questão; todavia, tem um tom próprio, representando a tentativa de alcançar a autonomia

autoral em relação à proposta do TP 3.

Atividade 3

Embora a proposta textual esteja centrada na compreensão das sequências descritivas,

há uma estratégia distinta das escolhidas pela professora até o momento, pois, neste último

caso, é notória a liberdade dos alunos para descreverem a situação projetada em sala de aula e

participarem do momento da leitura – enquanto um lia outro reorganizava os objetos de

acordo com a disposição lida.

Segundo nosso olhar, a autora-criadora levou em consideração sua experiência

pedagógica e as características do grupo de estudantes para criar a situação de aprendizagem.

Neste caso, temos presentificado, minimamente, o conceito de mediação (VYGOTSKY, 1998

[1930]), pois a professora criou situações em que os alunos se tornaram copartícipes do

trabalho pedagógico, a partir de seus saberes no contexto de sua atuação e da sala de aula.

Para Tardif (2002, p. 64),

[...] os professores utilizam constantemente seus conhecimentos pessoais e

um saber-fazer personalizado, trabalham com os programas e livros

didáticos, baseiam-se em saberes escolares relativos às matérias ensinadas,

fiam-se em sua experiência e retêm certos elementos de sua formação

profissional.

Outro aspecto a considerar é que, pela primeira vez no texto, Ingrid apresenta sua

apreciação valorativa da situação descrita, mencionando interações significativas ocorridas a

Page 146: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

144

partir da atividade realizada, explicitadas em alguns trechos como: essa atividade foi bastante

participativa; alunos ficaram atentos; a maioria conseguiu realizar toda a atividade. Nesse

momento, temos também a evidência de que a atividade foi de alguma forma, comprometida

pela falta de tempo. Essa limitação de tempo pode ser advinda da matriz curricular, que ainda

mantém uma rigidez organizacional sobre a quantidade de aulas e sua distribuição, e da

estrutura do GESTAR II, com prazos para cada TP, limitando a exploração dos AP, em

consonância com a realidade dos alunos de cada professor-cursista. Isso fez com que os

participantes se limitassem a responder apenas às exigências do Programa, resultando em

relato de um processo colado às propostas dos Cadernos.

A última atividade, esta uma proposta contida na Oficina 5, do TP 3, revela como a

professora, a partir das sugestões criadas em grupos no encontro presencial, desenvolve um

percurso particular de abordagem do gênero, observando ainda, significativamente, algumas

dicas contidas no Caderno.

Atividade 4

A cursista situa o texto, focando o gênero sem, obrigatoriamente, detalhar

unidade/seção/oficina ou página, confirmando a afirmação anterior de que essa incidência se

deve ao fato de haver compartilhamento da situação pelos interlocutores imediatos da

Page 147: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

145

situação discursiva. Depois, assumindo os pressupostos educacionais, apresenta o objetivo da

atividade, situando-a no universo literário, deixando explícito que abordará características

artísticas que ultrapassam as significações objetivas da realidade.

No parágrafo seguinte, a professora cita o tratamento inicial dado ao texto,

estimulando a participação dos alunos na discussão, a partir de um assunto depreendido no

poema — trabalhadores brasileiros — lembrando que ―trabalho‖ é o eixo temático condutor

dos conteúdos do Caderno.

Outra situação trazida, endossada pelas dicas contidas no Caderno, foi a exploração

dos lugares citados no texto de Manuel Bandeira. Com isso, Ingrid centra a atenção na

abordagem do texto representada pelo enunciado: identificar o tema do poema, o modo de

organização do discurso e os recursos linguísticos utilizados.

A proposta de produção, de alguma forma, reafirma as orientações do TP3 que, ao

longo das unidades apresentou sugestões em que os gêneros podem ser aprendidos,

observando as regularidades textuais, e situações em que o mesmo assunto pode gerar vários

gêneros, como se isso fosse suficiente para dominá-los em sua plenitude. Lembramos que a

professora-autora ainda tenta demonstrar a composição da notícia de jornal para a apropriação

de recursos estilístico-composicionais, com a finalidade de preparar os alunos para a re-

elaboração do poema, transformando-o no gênero jornalístico.

Mesmo com os esforços empreendidos pela docente para a produção da notícia,

notamos certo desconforto de Ingrid ao relatar que nem todos conseguiram a esperada

produção, porque alguns ―emitiram opinião ou comentário sobre a personagem”, aspectos

não esperados no gênero.

Salientamos que, em boa medida, embora a professora rejeite as propostas dos AP do

Caderno, criando a sua proposta, faz isso seguindo as orientações das atividades escolhidas,

com poucas modificações. Nesse sentido, todas as atividades realizadas, de alguma maneira,

respondem às exigências oficiais do Programa protocoladas para cada unidade, demonstradas

em vários trechos do relato.

Identificamos nessa situação o GESTAR II de LP interpelando a ―inovação‖, todavia

condicionando o professor-cursista a seguir integralmente as sugestões de atividades, sem

conseguir uma posição exotópica necessária às reflexões aprofundadas. Analogamente,

podemos dizer que é como se essas vozes influenciassem significativamente o cursista na

manutenção do discurso do Programa, mantendo ―as coisas juntas, unificadas, iguais‖

(CLARK e HOLQUIST, 2008, p. 35), sem interferência na aplicação das propostas.

Page 148: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

146

Na realidade, os ―docentes sabem o que devem fazer para melhorar a qualidade do

ensino que é ofertado, mas, obviamente, existe uma diferença entre conceber e realizar uma

prática diferenciada de fato‖ (PETRONI e SOCORRO, 2009, p. 223). Essa dificuldade de

tradução de práticas os coloca na condição de grandes disseminadores das propostas de

formação continuada, em nome da inovação do ensino, sem, muitas vezes, compreender os

fundamentos de tais propostas. Na contramão, em razão da falta dessa clareza conceitual pelos

professores, grandes projetos ou programas de atualização ―morrem‖ assim que finalizam,

porque os participantes não construíram autonomia suficiente (e o material nem sempre tem

essa preocupação) para contemplar aspectos de um currículo em movimento.

Em se tratando de relato, constatamos a apropriação de alguns elementos importantes

desse gênero, próprio da esfera da formação continuada, como marcas de sequencialidade dos

fatos, recorrentes em praticamente quase todos os parágrafos: a primeira atividade (3º §),

inicialmente (4º §), em seguida (5º §), outra atividade (7º §), terminada a escrita (8º §), no

segundo plano de aula (9º §), a leitura do texto foi precedida (10º §), após as discussões (11º

§).

No texto, a professora-autora assume sua voz no plural, numa espécie de

compartilhamento de responsabilidade pelos enunciados proferidos, observados em algumas

marcas, como: sabemos e apresentamos (2º §), desenvolvemos (4º §), trabalhamos (9º §). Ao

citar os dois termos, contidos no segundo parágrafo, Ingrid parece dialogar com possíveis

leitores de seu relato; já quanto aos vocábulos do quarto e do nono parágrafos, parecem

demonstrar a forma como aconteceram as atividades, explicitando interações com os alunos,

na sala de aula: desenvolvemos a leitura da biografia do autor; trabalhamos com o gênero

poema.

É notória também a evidência de distanciamento entre a autora e seus interlocutores,

em expressões como: foi feita a leitura integral do texto (5º §); realizou-se o estudo detalhado

dos parágrafos (5º §); foi realizada a leitura de outro texto (6º §); a professora dispôs vários

objetos (7º §), foram realizadas atividades (11º §). As escolhas denotam a não participação da

professora nas atividades enunciadas, como se assumisse sua onipresença na situação, sem

envolvimento explícito. No sétimo parágrafo, ela sai, efetivamente, de cena e assume a

terceira pessoa ─ a professora dispôs vários objetos ─ negando sua participação no processo.

Pela análise desse relato é possível concluir que, mesmo com as escolhas de propostas

de ordem formativo-pessoal, excluindo sugestões dos AP, a professora manteve um processo

autoral colado nas atividades do TP 3.

Page 149: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

147

Na sequência, analisamos o terceiro relato, produzido por Larissa.

4. 5. 3 RPP 3: Biografia

Larissa, em seu texto, tem uma atitude responsiva, assumindo sua voz, por meio de

escolhas linguísticas representativas de uma postura autoral criadora. Neste caso, usa,

frequentemente, a primeira pessoa do singular para falar de si, de suas experiências naquele

universo de interações únicas, no qual a responsividade dos alunos, de alguma maneira,

determinou o tratamento dos conceitos propostos na atividade escolhida do TP 3.

Relato 3: Biografia

Page 150: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

148

No início de seu relato, a professora-autora situa a atividade escolhida, tendo como

referência as propostas de estudo contidas na Seção 1, da Unidade 9. De alguma maneira,

Larissa, a partir de sua responsividade e imprimindo seu estilo, se apropria da metodologia da

Unidade e faz uma abordagem particular dos assuntos. Assume o seu discurso na primeira

pessoa, demonstrando que suas escolhas estão ancoradas em um universo enunciativo-

discursivo real. O primeiro parágrafo, novamente transcrito, demonstra como isso acontece

nas primeiras palavras da autora-criadora.

Exemplo 1:

Diante de tantas sugestões de gêneros textuais iniciei a aula apresentando diversos

cartazes confeccionados por mim com vários gêneros textuais (receitas, poemas, fabulas,

propagandas, cartas, bilhetes, avisos, convites, biografias, provérbios, piadas, trava –

línguas, história em quadrinhos, verbetes e manchetes) e expliquei a finalidade de cada

um, onde é utilizado e o tipo de informação que nos são transmitidas.

Page 151: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

149

Neste trecho, a professora-autora demonstra ciência da diversidade de gêneros

existentes e faz algumas escolhas, citando vários deles, comuns nos livros didáticos adotados

pelas escolas. Utiliza uma metodologia de estímulo visual – cartazes – e, oralmente, apresenta

algumas características de cada gênero, aproximando os conceitos tratados à realidade de

aprendizagem dos alunos.

O percurso metodológico adotado por Larissa naturalmente contém vozes da unidade,

principalmente da seção na qual se localiza o AP escolhido para a construção de objetos de

ensino. Essa concordância se expressa na quantidade de gêneros escolhida para apresentar aos

alunos e na ciência do seu caráter ilimitado. Temos, neste caso, um diálogo presumido que,

segundo Bakhtin/Volchínov (2010 [1929], p. 156), permite ―ao autor infiltrar suas réplicas e

seus comentários no discurso de outrem‖, em função de seus objetivos comunicativos.

Outro aspecto importante nesse contexto é que Larissa, ao formular seu procedimento

metodológico, considerou os participantes da interação: alunos, com determinada faixa etária,

com interesses próprios da fase de desenvolvimento e conhecimentos distintos de mundo. A

atitude da docente encontra respaldo em Bakhtin (2003 [1952-53], p. 302), ao assinalar que,

no processo de comunicação discursiva, naturalmente,

[...] ao falar levo sempre em conta o fundo aperceptível da percepção do meu

discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de

conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo

em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu

ponto de vista), as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a

ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele.

Observando o início do segundo parágrafo, percebemos a participação dos alunos não

apenas na leitura do material, mas com questionamentos e exposição de saberes sobre o

assunto. O curioso é que Larissa evidencia a sua postura profissional na condução da leitura:

foi feito(a) a leitura dos cartazes por mim inicialmente e alguns alunos se dispuseram a ler.

Todavia, os alunos, sentindo-se parte do processo, chamam para si a responsabilidade e

participam ativamente, reafirmando considerações de Bakhtin (2003 [1952-53], p. 271), ao

dizer que ―toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera

obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante‖. Percebemos, também, nesse episódio, o

fenômeno da alternância dos sujeitos, uma vez que a palavra (da professora) é transferida ao

outro — aos alunos — a partir da consolidação da compreensão ativamente responsiva. Mais

uma vez, o compartilhamento do horizonte espacial, o conhecimento da situação e a avaliação

Page 152: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

150

comum da situação (Bakhtin/ Voloshínov, 1926) corroboram essas trocas. Além disso,

certamente a entonação empregada na leitura foi fundamental para que o outro tomasse para si

a palavra, porque temos ainda na escola a predominância da voz do professor, revestido de

autoridade acadêmico-profissional, o que não parece nessa interação específica.

Ainda no segundo parágrafo, a primeira avaliação das interações tem como

endereçamento o interlocutor/leitor do texto.

Exemplo 2:

Percebi que as apresentações dos cartazes motivaram os alunos, pois todos se

mostraram receptivos, curiosos e interessados à leitura e a aprendizagem. (...) com o

incentivo e exposição do material para a leitura, notei bastante entusiasmo.

Temos nesse trecho a evidência de resposta positiva aos recursos utilizados para

desenvolver a proposta do AP: biografia. Algumas palavras ilustram as reações dos alunos:

motivados, receptivos, curiosos, interessados, entusiasmados, comportamentos visíveis em

situações em que a interação é propiciada. Além disso, Larissa deixa marca explícita de que

os fatos delineados são resultantes de sua posição autoral, de sua percepção sobre como se

deram as interações, exemplificados pela escolha de alguns verbos: percebi, notei. Podemos

entender que essas escolhas revelam comprometimento com os acontecimentos descritos no

relato, que se repete ao longo do texto.

Outro aspecto citado pela professora ainda nesse parágrafo foi o seguinte:

Exemplo 3:

Muitos gêneros já eram conhecidos por eles, mas pouco divulgado(s) ou trabalhado(s).

Com essa afirmação, Larissa retoma os discursos oficiais de trabalho com os gêneros,

ressaltando sua presença nos livros didáticos, todavia com tratamento aquém do desejado

pelos defensores da teoria enunciativo-discursiva da linguagem. Lemes (2009, p. 166), após

examinar dois livros didáticos do Ensino Médio, focalizando a análise linguística, concluiu

que há ―discursos tensos, dissonantes em torno do ensino de Língua Portuguesa‖, porque os

autores, mesmo acreditando nos pressupostos inovadores, ainda mantêm o discurso da

tradição para garantir sua permanência no mercado editorial, uma vez que os professores, a

maioria fruto de formação normativa, escolhem seus livros referendados por essa formação.

Page 153: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

151

Partindo desse percurso, a professora autora chega ao primeiro item sugerido pelo

Avançando: ―biografia de Carlos Drummond de Andrade, ou de outro autor cujos textos já

tenham sido trabalhados em sala de aula‖ (BRASIL, 2008b, p. 25). Contudo, deixa claro que

sua escolha, além de respaldada na perspectiva adotada até aquele momento, tem objetivos

definidos, considerando a realidade sócioeducativa: trabalhar a Biografia de início, pois

percebi (ser) atrativo para eles conhecer a história de pessoas importantes e instigar eles a

escrever a sua própria história. Com isso, ela parte do canônico para incluir saberes da

massa, promovendo o diálogo entre as culturas, em consonância com questões próprias do

ensino. Nesse sentido, Geraldi (2010) pondera sobre o ensino de língua materna, ressaltando a

importância de conceber o ensino como projeto; no entanto,

[...] o projeto como um todo tem de estar sempre voltado para as questões do

vivido, dos acontecimentos da vida, para sobre eles construir compreensões,

caminhos necessários da expansão da própria vida [e isso inclui] muito mais

aprender a aprender do que aprender o já sabido e definido (GERALDI,

2010, p. 100-101).

Larissa surpreende, no quarto parágrafo, ao mencionar que apresentou sua

autobiografia aos alunos e permitiu a leitura em voz alta por uma aluna, mesmo diante do

misto de risos e interesse demonstrado pelos alunos. Ela, com essa atitude, instaura o diálogo

entre os textos canônicos, dos literatos brasileiros, da professora, com certo status na escola, e

dos alunos, ainda embrionários.

Figura 27: Diálogo entre textos

Textos canônicos

Texto da professora

Texto do

aluno

Page 154: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

152

O esquema revela que o texto do aluno está em diálogo com o da professora e com os

dos literatos brasileiros apresentados naquela circunstância interativa. Isso equivale a dizer

que ―o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos

elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes

responsivas diretas e ressonâncias dialógicas‖ (BAKHTIN, 2003 [1952-53], 300).

Ainda nesse parágrafo, a professora autora traz para a superfície textual o discurso do

outro, alunos neste caso, demarcando-o explicitamente com o uso das aspas: “Que legal vou

escrever sobre eu, o que eu já fui e sou...”. Esses indícios de dialogia presentificados no texto

demonstram a importância desse enunciado para a autora, que recorre às falas dos alunos para

elucidar o resultado da exposição de sua história de vida, como alternativa de ensino.

Larissa declara ainda que a produção de autobiografia não foi concluída em sala,

porque os alunos pretendiam elaborar um texto completo e rico em dados. Notamos, nesse

trecho do relato, a significativa influência da estratégia utilizada sobre os alunos. Isso pode ser

confirmado com a afirmação de Sobral (2009, p. 33): ―o sujeito que fala o faz levando o outro

em conta não como parte passiva mas como parceiro‖. Dessa maneira, podemos depreender

que, além de promover a situação de ensino, a professora criou vínculos suficientes para

garantir a aprendizagem, numa relação de simultaneidade: ambos aprendendo, professora e

alunos. Nesse sentido, a professora fixa seu papel mediador, visualizando conceitos não ainda

construídos pelos alunos – acionando a ZPD ─ e propõe estratégias desencadeadoras de novas

aprendizagens.

No quinto parágrafo, a autora do relato apresenta o processo de correção e refacção

dos textos, externando que a aula foi proveitosa, houve troca de leitura e boa participação, e

lembrando que o texto foi entregue com as adequações sugeridas e com foto para ilustrar a

produção. No momento da leitura e exposição dos trabalhos no mural, Larissa constata:

Exemplo 4:

[...] notei que gostaram de escrever, mas alguns estavam com vergonha de ler oralmente,

bem como, expor a produção no mural, portanto a leitura foi feita por alguns e não

houve exposição da escrita no mural da sala de aula em respeito àqueles que queriam ser

preservados, pois na turma há alunos de todas as idades como de 12 a 42 anos.

Nesse excerto, a professora percebe que todos respondem ativamente à proposta de

produção textual, de maneira criativa. Entretanto, quando é feita a proposta para a leitura e

exposição, alguns resistem. Imediatamente, Larissa, a partir de sua avaliação da situação,

mediante respostas dos interlocutores, reelabora sua estratégia didática e coloca em

Page 155: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

153

movimento novos encaminhamentos, permitindo liberdade para a oralização do texto ou o

silenciamento, naquele momento. Esse episódio nos direciona para o conceito de forças

centrífugas que, consoante Clark e Holquist (2008, p. 35), ―compelem ao movimento, ao devir

e à história; elas aspiram à mudança e à vida nova‖.

No parágrafo sexto, presenciamos uma nítida apreciação valorativa de Larissa sobre o

processo interativo estabelecido com os alunos no contexto da sala de aula, assumindo uma

posição exotópica.

Exemplo 5:

Esse trabalho ajudou a resgatar a vontade de produzir textos e levantar a auto – estima

de alguns que se sentiam desmotivados. Contando a própria história, alguns sentiram –

se valorizados e importantes, pois puderam conhecer a história do outro, comparar a sua

e perceber que há colegas na sala de aula que já passaram por dificuldades, tiveram que

abandonar a escola e hoje estão lutando, se esforçando para construir a sua a

aprendizagem e ingressando a (na) escola aos 42 anos estão vencendo desafios, pois no

passado não tiveram oportunidade de estudar.

No trecho acima, a professora deixa transparecer o resultado positivo de seu trabalho,

observado nas reações dos alunos. Muito mais que ensinar conteúdos, ela demonstra que

promoveu interações significativas para a vida de todos eles. Isso só foi possível porque, ao

longo do processo, a professora considerou a dialogicidade dos episódios e, mediante a

responsividade, muitas vezes presumida, dos interlocutores, redirecionou suas propostas,

considerando as réplicas dos parceiros. Dessa maneira, nos apoiamos em Bakhtin (2003

[1952-53], p. 276) para afirmar que ―essas relações só são possíveis entre enunciações de

diferentes sujeitos do discurso‖, ao mesmo tempo em que ―pressupõem outros (em relação ao

falante) membros da comunicação discursiva‖.

No último parágrafo, Larissa responde ativamente ao Programa, representado pela

figura do formador no município, enunciando da seguinte maneira:

Exemplo 6:

Trabalhei também outros gêneros e continuarei durante o decorrer do ano aprofundando

os diversos os gêneros e tipos textuais, para que os alunos adquiram o conhecimento

intuitivo e dominem a competência linguística e a competência sócio–comunicativa,

sabendo decifrar a leitura e a escrita dos gêneros e tipos textuais.

Page 156: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

154

Nesse excerto, a professora-autora sinaliza que trabalhou com outros gêneros, porém

não os detalhou nesse texto. Evidencia ainda o compromisso de continuar o trabalho

anunciado pelos TP, do GESTAR II de Língua Portuguesa, reafirmando alguns dos

enunciados presentes no Caderno 3, como conhecimento intuitivo, parte do título da Unidade

9 ―Gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado‖, competência linguística e sócio-

comunicativa, presente no item ―Resumindo‖, da mesma unidade (p. 25), gêneros e tipos

textuais, recorrentes em todo o TP 3.

Observando o relato, em sua completude, constatamos que, estruturalmente, Larissa

mantém parágrafos longos, contendo mais de 5 linhas, e assume uma postura autoral

participativa nos eventos ocorridos em sala de aula. Discorre detalhadamente sobre os

conceitos tratados, as estratégias metodológicas selecionadas, os recursos escolhidos e as

interações ocorridas durante o processo, respondendo, de certa maneira, às orientações

elaboradas pela formadora do Programa no polo, para a produção do relato. Em seu percurso

de autora-criadora, adota um estilo particular para enunciar-se a partir da esfera de sua

atuação, consolidando a postura de Bakhtin (2003 [1952-53], p. 279) de que

o autor de uma obra – aí revela a sua individualidade no estilo, na visão de

mundo, em todos os elementos da idéia de sua obra. Essa marca da

individualidade, jacente na obra, é o que cria princípios interiores específicos

que a separam de outras obras a ela vinculadas no processo de comunicação

discursiva de um dado campo cultural: das obras dos predecessores nas quais

o autor se baseia, de outras obras da mesma corrente, das obras das correntes

hostis combatidas pelo autor, etc.

Dessa maneira, a produção de Larissa se torna única e singular, porque carrega marcas

individuais, consagradas a partir da realidade em que está inserida, das experiências pessoais e

profissionais e do esforço de responder ativamente à proposta dita inovadora do material do

GESTAR II. Conforme observa Sobral (2009, p. 30), ―cada sujeito ocupa um lugar ímpar,

peculiar, irrepetível, insubstituível no mundo‖.

No tratamento dos conceitos, embora tendo como referência uma estrutura sugerida

pelo AP, a professora-autora transcende os limites do material, consolidando os conselhos de

Paes de Barros (2008, p. 23) sobre a pertinência do ensino de leitura e escrita por meio dos

gêneros: ―no trabalho com os gêneros discursivos como ferramenta de ensino, [o professor]

tem a possibilidade de criar, nas aulas de Língua Portuguesa, espaços onde os discursos

circulem e as opiniões possam ser debatidas, mas, principalmente, pode dar voz aos alunos‖.

Page 157: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

155

4. 5. 4 Os três relatos em síntese

A escrita de textos científicos comumente fez parte dos espaços acadêmicos, no

entanto com teor objetivamente distanciado, sem envolvimento do autor com qualquer

particularidade da situação descrita. Nas últimas décadas, entretanto, mudanças significativas

ocorreram nas universidades, em relação às exigências dos textos acadêmicos, com destaque

para produções em que o autor pode assumir-se como tal e propor reflexões a partir de

experiências, aliando saberes da realidade ao canônico e de prestígio.

No bojo dessas transformações, o relato surge com várias adjetivações, alinhado às

intenções dos pesquisadores que o denominam em função de seus objetivos. No nosso caso,

optamos por relato de prática pedagógica (ZELMANOVITS, 2010), porque representa

melhor as situações em foco na nossa análise, e o incluímos no grupo dos gêneros

catalisadores (SIGNORINI, 2006), por configurar-se como um ―novo‖ gênero nas esferas

vinculadas ao fazer docente (acadêmica, escolar e da formação continuada), portanto

ressignificado em função de novas interlocuções, principalmente as ocorridas em sala de aula.

Nesse sentido, o gênero escolhido contribui significativamente para que o docente exponha

seus saberes, suas experiências, seus conflitos, seus desafios, suas dificuldades, funcionando

como um espaço linguístico-discursivo propício para dar voz aos professores (SIGNORINI,

2006; SILVA, REGO, 2009).

Para nós, os RPP em contexto de formação continuada emergem também como gênero

propício para a construção de objetos de ensino pelo professor, mesmo que ele não tenha

clareza disso. Nesse contexto, a função mediadora desse profissional como o identificador de

potencialidades do aluno, levando em consideração as intervenções necessárias para

consolidação de aprendizagens – ZPD – são fundamentais para desencadear estratégias de

ensino, oriundas da conjugação de vários saberes docentes.

Após análise cuidadosa de cada RPP e comparando os três examinados, percebemos

algumas distinções entre eles, em razão da singularidade de cada professora-autora,

principalmente quanto às escolhas para evidenciar o processo de elaboração de seus objetos

de ensino. Essas distinções mais evidentes foram categorizadas, para fins didáticos, em razão

da análise, considerando a sua predominância; todavia, são integradas à constituição docente.

No quadro abaixo, delineamos as categorias identificadas:

Page 158: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

156

RPP Professoras Classificações

1 Ludmila Autoria alinhada à formação profissional

2 Ingrid Autoria espelhada na formação continuada

3 Larissa Autoria autônoma

Quadro 14: Classificações autorais - RPP

Ludmila se destaca pela ―autoria alinhada à formação profissional‖, porque deixa

evidente na composição de seu texto uma forma metodológica de tratamento do gênero

sugerido pelo AP, semelhante à vivenciada no curso superior, na condição de graduanda, e

reforçada por muitos livros didáticos que, embora anunciem adequações aos pressupostos

educacionais atuais, não didatizam conceitos conforme prometem. Assim, ela escolhe uma

música, dentro da idealização de importância para o ensino, apresenta a letra, solicita leitura,

incentiva a discussão (nesse momento há um deslocamento da classificação atribuída por

nós), explica as características do gênero, focando a estrutura e o preenchimento de um

questionário, como condição para analisar melhor a música. Outro aspecto que justifica a

denominação dada é o fato de que as escolhas dos objetivos estão sempre centradas nela,

mesmo quando se trata de música, conceito de interesse dos alunos, sem observar as atuais

orientações curriculares de alguns documentos oficiais, que propõem a criação de

mecanismos para a identificação das necessidades de aprendizagem dos estudantes e, a partir

desses dados, planejar as atividades.

Ingrid apresenta-se no grupo da ―autoria espelhada na formação continuada‖,

representado pelo TP3, na situação descrita, por vários motivos. Primeiro, ela se posiciona

com relativo domínio de gêneros da esfera acadêmica, introduzindo a citação de um educador

brasileiro de renome, na parte inicial do texto, similar à introdução de relatórios/artigos

científicos. A partir daí, incorpora quase que integralmente as sugestões de atividades

escolhidas por ela para aplicação em sala de aula, respondendo às propostas de trabalhar com

a narração e descrição. Apenas nas duas últimas atividades, Ingrid se distancia do Caderno

para construir uma metodologia mais próxima de sua realidade; contudo, continua

reproduzindo, na maioria das vezes, o discurso do Programa de Formação Continuada.

Na contramão, Larissa constrói um processo mais livre dos condicionamentos

presentes nos AP. Partindo de uma atividade com poucos itens, ela reinventa uma

metodologia respeitadora das individualidades dos alunos. Prova disso é que, muitas vezes, a

professora, atenta à responsividade da turma, inclui novos direcionamentos, não-previstos,

Page 159: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

157

mas promotores de participação de todos, à sua maneira. Por isso, intencionalmente,

conferimos à sua posição valorativa a redundante ―autoria autônoma‖.

Essas classificações autorais foram obtidas levando em consideração vários aspectos

educacionais vinculados ao processo de formação descrito, os quais interferiram

significativamente na elaboração do gênero solicitado pelo Programa – GESTAR II de LP –

inclusive o fato de não conter orientações nos Cadernos para escrita do relato.

As professoras-autoras, em contexto de produção específico, mobilizaram episódios

ocorridos em sala de aula com turmas de alunos específicas, mediante a utilização de

estratégias didáticas, neste caso, apoiadas nas sugestões dos AP. Essas estratégias estão

sempre em consonância com a proposta curricular da escola e são modificadas em razão da

necessidade externada pelos alunos ou em virtude do posicionamento do profissional no

espaço de sua atuação. As escolhas metodológicas das docentes revelam conhecimentos

teórico-metodológicos oriundos de diversas fontes, ligadas à esfera educacional, e cumprem o

objetivo de consolidar aprendizagens de conceitos importantes para aquele momento da

escolarização dos alunos.

Para explicitar essas experiências práticas exigidas pelo Programa, em forma de relato,

cada professora, apoiada em seus saberes docentes, evidencia participação nos fatos retratados

de formas distintas: a) inclusão no processo descrito, descrevendo objetivamente as etapas da

atividade, importantes para a agência formadora; b) oscilações nas escolhas linguísticas

denotadoras de participação nos fatos (ora presente pela 1ª pessoa do plural, ora se

distanciando pelo uso de verbos impessoais), evidenciando o trabalho desenvolvido, com

indicativo de proximidade com o currículo escolar; c) participação nas ações relatadas,

incluindo as interações dos participantes da comunicação discursiva, inclusive dando-lhes

voz, e (re)elaborando a proposta didática em função disso.

As reflexões que permeiam o gênero RPP aparecem explicitamente em alguns, com

apreciação valorativa da autora, em menor proporção em outros, às vezes quase

imperceptíveis, em razão da objetividade adotada pela(s) professora(s).

Esse percurso analítico revela que, mesmo em condições desfavoráveis ao pleno

exercício da escrita do gênero requerido pelo Programa, as professoras se apoiam em seus

saberes para demonstrar suas práticas, constituindo, dessa maneira, formas autorais de

construção de objetos de ensino para suas aulas.

Page 160: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

158

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A palavra do outro coloca diante do indivíduo a tarefa especial de

compreendê-la (BAKHTIN, 2003 [1970-71], 379).

Findamos este trabalho mobilizadas pela responsabilidade de compreender a palavra

do outro/professoras/autoras/cursistas, representantes de tantos outros participantes de

interações específicas nas escolas e em contextos de formação continuada. Em razão disso,

focamos a análise nos RPP de professoras-cursistas do Programa GESTAR II ─ Língua

Portuguesa ─ identificando a forma como elas constroem seus dizeres, nesse gênero

específico.

Tal opção exigiu um percurso de buscas para a compreensão do atual paradigma de

ensino da LP e, consequemente, da função do professor dessa disciplina, modificada em

função do atual estágio de desenvolvimento em que a sociedade se encontra. Nessa direção, a

formação continuada desponta como alternativa para a melhoria do ensino, e os Centros de

Formação são fortalecidos em Mato Grosso para subsidiar as práticas pedagógicas dos

professores, por meio da criação de projetos ou execução de Programas, como o GESTAR II.

No universo de nossas escolhas, lançamos mão da teoria sócio-histórica e cultural,

pilar de nossa investigação, representada por Bakhtin (e seu Círculo) e Vygotsky num

constante ir e vir para responder ativamente às questões postuladas para a pesquisa. O

resultado pode ser verificado na trama discursiva constante no capítulo 2 desta dissertação.

Ainda amparadas pela mesma fundamentação teórica, optamos pela pesquisa qualitativa,

assumindo nossa posição exotópica na condução do ―olhar‖ para a análise dos relatos das

professoras. Por fim, a análise dos RPP desvelou um conjunto dialógico de vários conceitos

imbricados, mobilizados conjuntamente para a constituição dos dizeres das professoras que

enunciam especificidades de suas práticas pedagógicas.

Desse modo, os fios dialógicos tecidos em cada capítulo nos encaminham para

responder às questões de pesquisa. Passemos ao exame da primeira.

1. Quais orientações sobre o gênero relato são apresentadas no Caderno de Teoria e

Prática 3 (TP 3), do GESTAR II de LP, para que o professor em formação

continuada o elabore, considerando as especificidades do referido gênero

discursivo?

Page 161: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

159

No capítulo 4, voltamos nosso ―olhar‖ para a Parte II – Lição de Casa – do TP3, na

ânsia de localizar orientações que indicassem caminhos e trouxessem segurança para que o

cursista produzisse seu relato. Infelizmente, nos deparamos com a brevidade de 7 linhas,

distribuídas em 2 parágrafos (LC1) e 6 linhas dispostas em um único trecho (LC2), com

alguns indicativos de como deveria ser a escrita. No LC1, há algumas evidências: ―... registre

por escrito, toda a sua experiência, desde os aspectos facilitadores até os aspectos que você e

seus alunos encontraram mais dificuldades. Registre também suas observações e sugestões a

respeito‖. No LC2, limita-se a dizer: ―... fazer um relato por escrito (...). Seja franco a respeito

das dificuldades e das facilidades encontradas‖.

Diante dessa constatação, folheamos cuidadosamente o TP3, porque esperávamos

encontrar algumas propostas alinhadas às orientação fornecidas para a produção do relato,

partindo do pressuposto de que a forma sintética de apresentação das dicas pressupunha

conhecimento prévio do gênero pelo leitor. Infelizmente, não encontramos nenhuma

indicação de didatização do gênero, muito menos nos outros cadernos da coletânea. Dessa

maneira, temos elementos suficientes para afirmar que as orientações fornecidas pelo TP3

para a produção do relato são inconsistentes, insuficientes e, de certo modo, negam a proposta

do material no tocante ao ensino dos gêneros.

No nosso entendimento, um material que se propõe a desenvolver pressupostos teórico-

metodológicos acerca dos gêneros, deveria criar, minimamente, um item para abordar o

solicitado ao professor. Por isso, acreditamos que o tratamento desse gênero específico deve

contemplar uma abordagem sócio-histórica, levando em consideração os aspectos

composicionais, estilísticos e temáticos, conforme demonstrado no capítulo 2, na interface

com espaços de produção, circulação e recepção. Além disso, é importante que esse

tratamento inclua propostas de reescrita do gênero para que o formador do Programa,

previamente preparado e ainda contando com a consultoria frequente da IES responsável,

conduza o trabalho de formação continuada visando ao aperfeiçoamento das capacidades de

escrita dos cursistas. Dessa forma, é possível que estes últimos levem essas experiências para

suas práticas em sala de aula, resguardando as devidas adequações.

Para respondermos à questão 2,

Como o professor em formação continuada constrói seu dizer sobre objetos de ensino

para as aulas de Língua Portuguesa, no gênero relato, proposto como atividade no

Caderno de Teoria e Prática 3 (TP 3) do Programa Gestar II?,

Page 162: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

160

tendo por base, também, as conclusões referentes à pergunta anterior, entendemos que cada

professora-cursista, respaldada em suas experiências múltiplas, especialmente acadêmicas e

profissionais, elabora competentemente os textos exigidos pelos programas e projetos de

formação continuada, mesmo desconhecendo a teoria dos gêneros discursivos, que sugere

enunciados com ―conteúdo temático, organização composicional e estilo próprios

correlacionados às condições específicas de cada esfera de atividade (FARACO, 2009, p.

126). Cada uma, à sua maneira, traça um percurso dialógico e singular, participando

responsivamente do processo no quadro da educação escolar, inclusive (re)elaborando objetos

de ensino para suas aulas de LP. Observando as particularidades discursivas na constituição

de dizeres, identificamos três formas autorais evidenciadas nos RPP: Autoria alinhada à

formação profissional, Autoria espelhada na formação continuada e Autoria autônoma.

Chamamos de autoria alinhada à formação profissional o relato construído por

Ludmila, que deixa marcas evidentes de uma metodologia muito próxima daquelas

vivenciadas no curso superior. Ingrid desenvolve um processo metodológico muito similar às

propostas do TP 3, tanto que na descrição de sua experiência repete muitos dos enunciados

das atividades escolhidas por ela. Isso nos fez chegar ao conceito de autoria espelhada na

formação continuada. Por último, designamos de autoria autônoma o percurso feito por

Larissa que, apesar de ter o planejamento orientado pelo AP, demonstra liberdade na

produção de mecanismos didáticos adequados à realidade dos alunos.

Salientamos que essas classificações autorais foram feitas com base nos dizeres das

professoras, contidos nos RPP, considerando evidências de proximidade com as esferas

vinculadas às práticas docentes, ou distanciamento delas, observando as condições de

produção, principalmente a primeira experiência de relatar por escrito no curso, tempo

limitado para estudo de cada TP e ausência de orientações sobre o gênero. Todavia,

acreditamos na impossibilidade desses tipos de autorias encontrados serem representativos,

isoladamente, do perfil profissional docente, funcionando como uma marca ou um estigma.

Ocorre, na realidade da prática pedagógica, um movimento autoral em que as autorias

perpassam a ação do professor, numa espécie de constituição identitária dialógica desse

profissional.

Nossa análise, mesmo com foco nos três RPP, exigiu exame de todas as unidades do

TP3. Isso, de certa maneira, desvelou como se deu a didatização dos conceitos pelo Caderno

e a influência das estruturas dos AP na construção de objetos de ensino pelas professoras-

cursistas. Esse processo de (re)elaboração, ancorada na prática em curso, está referendado nas

Page 163: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

161

autorias mencionadas. Em outras palavras, equivale a dizer que os objetos de ensino estão

agregados à constituição autoral docente, vinculados ao continuum de sua ação pedagógica.

Quanto aos AP contidos no Caderno, reconhecemos que representam tentativas

explícitas de demonstrar aos professores formas de didatização de conceitos, tendo os gêneros

como norteadores. No entanto, o professor estaria mais bem preparado para dar continuidade

pós-curso à proposta em sua prática, caso o foco se desvencilhasse dos aspectos estruturais do

gênero, enfatizados em detrimento da sua dimensão sócio-histórica. Nesse sentido, Costa

(2009) alerta para o fato de que ―o professor ao explorar o gênero, o fará de acordo com o seu

letramento. Fica sempre a interrogação, quais [são] os letramentos desse professor? (2009, p.

6)‖. Nesse caso, se o material não cumprir a finalidade de oferecer subsídio teórico-

metodológico para que o docente crie objetos de ensino para suas aulas, de acordo com as

atuais concepções, é provável que se tenha um trabalho prático dissonante da perspectiva

teórica assumida.

No nosso entendimento, essas fragilidades poderiam sem minimizadas com o

consenso teórico entre a proposta curricular de LP anunciada no Guia Geral - gêneros

discursivos ─ e o TP3 - gêneros textuais. Aliás, a equipe que formulou os guias e manuais

difere da que produziu os Cadernos. Pressupomos que essa situação advém da indefinição

temporal para a produção do material ou da emergência, comprometendo a qualidade e

coerência de uma proposta produzida, realmente, por muitas ―mãos‖. Outro aspecto

importante, que sempre deveria ser observado na escolha de equipes para a elaboração de

materiais para qualquer tipo de formação, mas em nosso caso específico, para a formação

continuada, é a filiação teórica dos componentes dessas equipes e sua produção científica, que

deve ser relevante na área e sobre o assunto, para formular propostas condizentes com os

pressupostos requeridos pelas políticas educacionais vigentes.

Não se trata de fazer a crítica pela crítica, mas de chamar à responsabilidade

profissionais e autoridades envolvidos nesse importante delicado processo de propor

alternativas metodológicas e fundamentação teórica para sanar o problema do ensino,

especialmente de leitura e escrita, que se torna cada vez mais agravado. Não temos a ilusão de

que resolveremos os problemas educacionais brasileiros, mas temos a obrigação de contribuir

para a reflexão sobre o quadro atual e a busca de alternativas viáveis e coerentes com os

próprios documentos oficiais.

Nesse universo pesquisado e de posse das reflexões delineadas, salientamos que, num

momento histórico de valorização de saberes docentes, as políticas públicas de formação

Page 164: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

162

continuada precisam insistir em projetos e programas de apoio ao professor durante e pós-

curso. Os avanços nos programas/projetos de formação continuada são notórios,

principalmente quanto às tentativas de apresentar o tratamento dos aspectos teórico-

metodológicos articulados à execução de propostas de ensino, formato híbrido de oferta e

registro dessas práticas. Em contrapartida, argumentamos a favor do compromisso da gestão

pública, principalmente, com: a) tempo destinado à execução dos programas/projetos

suficiente para respeitar, minimamente, o potencial docente na elaboração de seus percursos

identitários profissionais, autônomos e contínuos; b) formador bem preparado pelas IES

responsáveis e com tempo para atender às especificidades de sua demanda; c) material teórico

e didaticamente preparado para subsidiar os professores em suas práticas, de maneira que

construam objetos de ensino para suas aulas, ancorados nos pressupostos de ensino em voga

no momento.

Reiteramos o posicionamento de Silva e Rego (2009, p. 203) quando afirmam que

―compreender como se dá a mobilização de saberes na formação docente pode ajudar no

planejamento das formações de professores‖. Dessa maneira, e levando em consideração os

aspectos mencionados, a formação continuada deve cumprir o papel de fornecer subsídios ao

professor, para que ele construa sua autonomia profissional frente ao ensino, otimizando suas

práticas. Isso resulta, principalmente, em melhoria da proficiência leitora e autoral dos alunos,

pois, em tese, todo projeto/programa de atualização docente tem por objetivo transformar os

processos específicos de sala de aula.

Nesse contexto, defendemos também que, no caso do GESTAR II de LP, o desafio de

propor outras reflexões sobre o material é devolvido ao CEFAPRO, principal órgão

implementador do Programa no Estado. Consequentemente, na condição de formadora de um

Centro de Formação, nos sentimos interpeladas a criar estratégias para que os docentes de LP

se apropriem criticamente das propostas do material, uma vez que os Cadernos estão

presentes nas escolas. Sendo assim, percebemos que os Centros de Formação de Mato Grosso

deverão desenvolver suas propostas, produzidas a partir de necessidade formativas levantadas,

ou disseminando os programas nacionais, oriundos de parcerias institucionais, com um olhar

mais crítico.

As universidades estão pesquisando essas práticas e aquelas desenvolvidas nas

escolas pelos professores, mapeando a realidade educacional; todavia, é preciso promover o

encontro dos pesquisadores com os espaços pesquisados, para que as mudanças se consolidem

Page 165: DIZERES DE PROFESSORAS EM RELATO DE PRÁTICA …

163

e tenhamos uma transformação efetiva na educação. Que nossos gestores nos ouçam e

fomentem esse diálogo.

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