diversidade genÉtica de isolados ambientais de...
TRANSCRIPT
-
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PAR
INSTITUTO DE CINCIAS BIOLGICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO
BIOLOGIA DE AGENTES INFECCIOSOS E PARASITRIOS
DIVERSIDADE GENTICA DE ISOLADOS AMBIENTAIS DE Vibrio
cholerae DA AMAZNIA BRASILEIRA
LENA LLLIAN CANTO DE S
Belm-Par
2009
-
1
LENA LLLIAN CANTO DE S
DIVERSIDADE GENTICA DE ISOLADOS AMBIENTAIS DE Vibrio
cholerae DA AMAZNIA BRASILEIRA
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Biolgica de Agentes
Infecciosos e Parasitrios do Instituto de
Cincias Biolgicas da Universidade Federal
do Par como requisito parcial para a obteno
do grau de Doutor em Biolgica de Agentes
Infecciosos e Parasitrios.
Orientadora: Prof. Dra. Ana Carolina Paulo
Vicente
Belm-Par
2009
-
2
S, Lena Lllian Canto
Diversidade Gentica de Isolados Ambientais de Vibrio cholerae
da Amaznia Brasileira, Belm-Par, 2009 / Lena Lllian Canto de S. ---
Belm, 2009.
147f.: Il.; 30 cm.
Orientadora: Ana Carolina Paulo Vicente
Tese (Doutorado em Biologia de Agentes Infecciosos e
Parasitrios) --- Instituto de Cincias Biolgicas, Universidade Federal
do Par, 2009.
1. Vibrio cholerae 2. Diversidade 3. Amaznia brasileira
I. Vicente, Ana Carolina. II. Universidade Federal do Par, Instituto de
Cincias Biolgicas. III. Ttulo.
-
3
LENA LLLIAN CANTO DE S
DIVERSIDADE GENTICA DE ISOLADOS AMBIENTAIS DE Vibrio
cholerae DA AMAZNIA BRASILEIRA
Tese aprovada como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Biologia de
Agentes Infecciosos e Parasitrios do Programa de Ps-Graduao em Biologia de
Agentes Infecciosos e Parasitrios do Instituto de Cincias Biolgicas da Universidade
Federal do Par, pela comisso formada pelos professores:
Orientadora: Prof. Dra. Ana Carolina Paulo Vicente
Laboratrio de Gentica Molecular de
Microrganismos Instituto Oswaldo Cruz-RJ
Banca Examinadora: Prof. Dr. Artur Luiz da Costa da Silva
Departamento de Gentica, UFPA
Prof. Dr. Edvaldo Carlos Brito Loureiro
Instituto Evandro Chagas, IEC/SVS/MS
Prof. Dra. Karla Tereza Silva Ribeiro
Departamento de Microbiologia, UFPA
Prof. Dra. Antonia Benedita Rodrigues Vieira
Departamento de Microbiologia, UFPA
Prof. Dr. Jos Maria dos Santos Vieira (suplente)
Departamento de Farmcia, UFPA
Belm, 30 de Setembro de 2009
-
4
-
5
Ele se move ao longo de grandes trilhas de convivncia humana, nunca mais
rpido que o caminhar do povo, e, via de regra, mais lentamente. Ao se propagar a
uma ilha ou continente ainda no atingidos, surge sempre primeiramente num
porto martimo. Jamais ataca as tripulaes de navios que vo de um pas livre de
clera para outro onde ela se est desenvolvendo, at que eles tenham entrado num
porto, ou que tenham tido contato com o litoral. O seu avano preciso de cidade
para cidade nem sempre pode ser seguido; contudo, o clera jamais apareceu,
exceto onde tenha havido abundantes oportunidades para que fosse transmitido
por convvio humano.
In: Sobre a Maneira de Transmisso do Clera
John Snow, Londres, 1854
-
6
A Deus pelo seu infinito amor que nos momentos difceis ajuda-me a ter esperana
e a superar obstculos e por todas as demonstraes de que sua presena real em
meu viver.
Aos meus pais Newton e Ruth S por todo o legado transmitido e pelo apoio em
mais esta etapa de minha formao.
Ao meu marido Massimo Roberto Morais pelo seu amor incondicional a mim e aos
nossos filhos; pela cumplicidade, compreenso, carinho e apoio, sem os quais, tudo
seria muito mais difcil.
Aos meus filhos Letcia de Cssia (no mais presente), Ariadine Cristine (4 anos) e
Matheus Mssimo (5 meses) que mesmo to pequeninos conseguem encher meu
corao de fora, alegria e coragem para lutar.
-
7
AGRADECIMENTOS
A Profa. Dra. Ana Carolina Paulo Vicente pela oportunidade, incentivo, confiana,
pacincia, ensinamentos, conselhos e, sobretudo, pela amizade. Tenho por voc grande
admirao e respeito pelo que voc e pelo que representa no meio acadmico. Serei
eternamente grata pela orientao criteriosa e crtica que muito contriburam para minha
formao.
A Dra. Elisabeth Conceio de Oliveira Santos, por quem cultivo profunda admirao e
respeito, pelo constante apoio, incentivo, amizade, e, sobretudo, por acreditar em nosso
potencial. Meus sinceros agradecimentos pela confiana.
Aos Professores Doutores Artur Silva, Edvaldo Loureiro, Jos Maria Vieira, Karla
Ribeiro e Antonia Vieira por terem aceitado compor a banca examinadora desta tese e
pelas criteriosas contribuies.
A Coordenao do Programa de Ps-Graduao em Biologia de Agentes Infecciosos e
Parasitrios da UFPA, na pessoa do Prof. Dr. Sandro Percrio, por todo apoio.
Agradecimento extensivo aos coordenadores que o antecederam, Antonio Valinoto e
Luis Fernando Machado.
Ao corpo docente do Programa de Ps-Graduao em Biologia de Agentes Infecciosos e
Parasitrios da UFPA pelos ensinamentos ministrados.
Ao Instituto Evandro Chagas/SVS/MS e seu corpo tcnico e administrativo pela
oportunidade e por ter possibilitado a aquisio de equipamentos, softwares e
consumveis necessrios para o desenvolvimento deste trabalho.
A FIOCRUZ/MS, por meio do Laboratrio de Gentica Molecular de Microrganismos-
LGMM, pela concesso de materiais, reagentes e apoio tcnico em diferentes etapas
deste trabalho.
-
8
As Doutoras Vernica Vieira, Erica Loureno, Fernanda Freitas e Rosa Koko do
Laboratrio de Gentica Molecular de Microrganismos da FIOCRUZ-RJ pelos
ensinamentos sobre PFGE e pelo apoio no sequenciamento de genes.
Aos Doutores Edvaldo Loureiro, Karla Ribeiro, Lzio Ramos e Za Lins pela
importante participao na etapa que precedeu este estudo (isolamento e identificao
de espcimes ambientais e clnicos de Vibrio cholerae da Amaznia brasileira no
perodo de 1977 a 1999).
Aos Professores Doutores, Maria Paula Schnneider, Marcio Nunes, Karla Lima e Luis
Fernando Machado pela importante contribuio no plano de qualificao.
A Dra. Iracina Maura de Jesus, chefe da Seo de Meio Ambiente-SAMAM/IEC, pela
compreeso, amizade e pelo apoio incondicional a este e a todos os outros projetos e
anseios do Laboratrio de Microbiologia Ambiental.
A Dra. Maria de Ftima Assis pela agradvel convivncia, conselhos e estmulo
constante e pela reviso ortogrfica do plano de qualificao e da tese.
A Juliana Perez Chaparro pela reviso do abstract e pela inestimvel ajuda na
finalizao e impresso do manuscrito e na preparao dos slides para defesa.
Aos amigos Pio Girard, Geralda Resende e Elivam Vale por nunca me deixarem sem
apoio nas horas difceis e pelas conquistas e vitrias do Laboratrio de Microbiologia
Ambiental-LMA da SAMAM/IEC.
A Neila Patricia e Raimundo Pio pelo inestimvel auxlio tcnico na genotipagem das
amostras por PFGE.
Aos recm chegados ao LMA/SAMAM/IEC, Vanessa Costa, Francisco Arimatia e
Samara Cristina pelo importante apoio tcnico e amizade no decorrer da minha licena
-
9
maternidade, em especial a Vanessa, que durante este perodo assumiu em meu lugar a
responsabilidade tcnica do LMA, com muita propriedade.
Aos profissionais da SAMAM/IEC/MS, Eleomar Santiago, Isabel Jesus, Marcelo Lima,
Bruno Carneiro, Kleber Faial, Rosivaldo Alcantara, Kelson Faial, Adaelson, Elane,
Tereza, Elone, Alana, pelo convvio, auxlio e amizade no decorrer desta etapa.
Ao Henri Berghs e Leonardo Dagnoll pelas dicas preciosas sobre o uso do software
BioNumerics.
-
10
SUMARIO
LISTA DE FIGURAS................................................................................................ 12
RESUMO ................................................................................................................... 15
ABSTRACT ............................................................................................................... 16
1. INTRODUO .............................................................................................. 17
1.1. ASPECTOS HISTRICOS DA CLERA ...................................................... 18
1.2. TAXONOMIA ................................................................................................ 24
1.3. ETIOLOGIA DA CLERA ............................................................................. 24
1.5. ECOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DO VIBRIO CHOLERAE ......................... 31
1.6. PATOGENICIDADE E ADAPTABILIDADE AMBIENTAL ......................... 33
1.7. O GENOMA DE VIBRIO CHOLERAE ........................................................... 35
1.8. GENES RELACIONADOS A VIRULNCIA DO VIBRIO CHOLERAE ........ 36
1.8.1. O pilus tcp e msha ...................................................................................... 37
1.8.2. A toxina colrica (CTX) ............................................................................. 39
1.8.3. O plasmdeo TLC ....................................................................................... 41
1.8.4. Toxinas RTX .............................................................................................. 42
1.8.5. Hemolisina/citolisina (hlyA), fator quimiottico (hlyB), Fosfolipase (lec),
lipases (hlyC ou lipA e lipB) e metaloprotease (prtV) .............................................. 44
1.8.6. Outras toxinas ............................................................................................ 48
1.9. TRANSFERNCIA HORIZONTAL DE GENES............................................ 49
1.10. INTEGRONS EM VIBRIO CHOLERAE ...................................................... 50
1.11. GENOTIPAGEM DE VIBRIO CHOLERAE ................................................ 54
1.12. OBJETIVO ................................................................................................ 60
1.12.1. OBJETIVO GERAL .................................................................................... 60
-
11
SUMARIO
1.12.2. OBJETIVOS ESPECFICOS ....................................................................... 60
2. MATERIAL E MTODOS ............................................................................ 61
2.1. SELEO DAS AMOSTRAS DE V.CHOLERAE O1 E NAG PARA O
ESTUDO MOLECULAR ............................................................................................ 61
2.2. REATIVAO DAS BACTERIAS ISOLADAS NO PERODO DE 1977 A
2007 ........................................................................................................................ 64
2.3. MANUTENO E CULTIVO DOS VIBRIO CHOLERAE ............................. 64
2.4. LISE DO VIBRIO CHOLERAE POR CHOQUE TRMICO ............................ 65
2.5. GENOTIPAGEM POR PERFIL DE MACRORESTRIO DO DOS
CROMOSSOMOS DO VIBRIO CHOLERAE .............................................................. 65
2.6. REAO EM CADEIA DA POLIMERASE (PCR) PARA OS GENES
ASSOCIADOS A VIRULNCIA DO VIBRIO CHOLERAE ....................................... 67
2.7. DETECO DE INTEGRONS DE CLASSE I (INTI1), II (INTI2) E III (INTI3)
E SEQUENCIAMENTO DOS SEGMENTOS AMPLIFICADOS ............................... 69
3. RESULTADOS ............................................................................................... 72
3.1. GENOTIPAGEM ............................................................................................ 72
3.2. PREVALNCIA DE GENES ASSOCIADOS VIRULNCIA ..................... 74
3.3. DETECO DE INTEGRONS ....................................................................... 83
4. DISCUSSO ................................................................................................... 85
5. CONCLUSES............................................................................................... 99
REFERENCIAS BIBLIOGRFICAS ................................................................... 100
-
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Representao esquemtica do profago VPI (~ 40kb). As
cadeias abertas de leitura so mostradas como setas que
correspondem a direo de transcrio (adaptado de Kirn et al.,
2000).
40
Figura 2: Representao esquemtica do profago CTX (~ 7 kb). As fases
abertas de leitura so mostradas como setas que correspondem
direo de transcrio (adaptado de Boyd et al., 2000).
42
Figura 3: Representao esquemtica da organizao gentica do cluster
da toxina RTX em V. cholerae. As fases abertas de leitura so
mostradas como setas que correspondem direo de
transcrio. A barra representa a deleo encontrada no biotipo
clssico (adaptado de Chow et al., 2001).
45
Figura 4: Representao esquemtica da organizao gentica do locus
hly (~ 8,2 kb) em V. cholerae. As fases abertas de leitura so
mostradas como setas que correspondem a direo de
transcrio (adaptado de Ogierman et al., 1997).
46
Figura 5: Representao esquemtica de um integron de classe I com
cassete gnico inserido no seu segmento varivel. Adaptado de
Mazel et al., 1998.
54
Figura 6: Extratgia de utilizao dos iniciadores da PCR para deteco
e caracterizao dos integrons.
72
-
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 7: Dendograma da relao de identidade entre os isolados de
V.cholerae O1 e NAGs ambientais da Amaznia a partir de
perfis de macrorestrio (enzima de restrio NotI) definidos
por PFGE. O agrupamento por similaridade foi determinado
pelo coeficiente de Dice e mtodo UPGMA. A matriz
cinza/preta representa ausncia/presena dos genes de
virulncia (definidos na barra lateral). Quadrados coloridos em
verde so os O1 e em vermelho os NAGs. O registro,
sorogrupo, fonte, data e origem esto listados ao lado.
SG=sorogrupo, Key=registro da amostra, A=ambiental,
H=humana.
76
Figura 8: Exemplos dos perfis de macrorestrio do genoma de
V.cholerae O1 e NAG ambientais resolvidos por eletroforese
em gel de campo pulsado (PFGE) utilizando a enzima de
restrio Not I. 1=NAG, 2-10=O1, 11=El Tor (N16961), 12=El
Tor (121), 13=clssico (200), 14=O1, 15=Marcador de peso
molecular.
77
Figura 9: Exemplos de perfis de macrorestrio do genoma de
V.cholerae O1 resolvidos por eletroforese em gel de campo
pulsado (PFGE) utilizando a enzima de restrio Not I. 1-
09=O1, 10=El Tor (N16961), 11=El Tor (121), 12=clssico
(200), 13-14=O1, 15=Marcador de peso molecular.
78
-
14
LISTA DE FIGURAS
Figura 10: Exemplo dos resultados da amplificao por PCR do gene
tcpB-H em V.cholerae O1 ambientais da Amaznia brasileira.
79
Figura 11: Exemplo dos resultados da amplificao por PCR do gene do
gene ctxAB em V.cholerae O1 ambientais da Amaznia
brasileira.
80
Figura 12: Exemplo dos resultados da amplificao por PCR do plamdeo
TCL em V.cholerae O1 ambientais da Amaznia brasileira.
80
Figura 13: Distribuio de genes associados virulncia entre os 148
isolados de V.cholerae O1 e NAG de fontes ambientais. A
matriz cinza/preta representa ausncia/presena dos genes de
virulncia por PCR. Os quadrados coloridos representam:
verde=sorogrupo O1, vermelho=NAG. Reg=registro da
amostra, SG=sorogrupo, A=ambiental, H=humano.
82
Figura 14:
(A e B)
Composio e organizao dos integrons de classe 1 dos
isolados ambientais de V.cholerae NAG da Amaznia
brasileira.
85
Figura 15: Perfis de macrorestrio e de genes associados a virulncia
nos isolados ambientais de V.cholerae NAG da Amaznia
brasileira com integrons de classe 1. A matriz cinza/preta
representa ausncia/presena dos genes de virulncia por PCR.
Os quadrados coloridos em vermelho=NAG. Key=registro da
amostra.
85
-
15
RESUMO
Vibrio cholerae, agente etiolgico da clera, uma bactria nativa de
ambientes aquticos de regies temperadas e tropicais em todo o mundo. A clera
endemica e epidemica em pases da frica, sia e Americas Central e do Sul. Neste
trabalho o objetivo foi estudar a diversidade gentica de isolados desta espcie, de
ambientes aquticos da Amaznia brasileira. Um total de 148 isolados de V.cholerae
no-O1 e no-O139 (NAGs) e O1 ambientais da Amaznia, obtidos entre 1977 e 2007,
foram caracterizados e comparados a linhagens clnicas de V.cholerae O1 da sexta e
stima pandemias. Utilizou-se os perfis de macrorestrio definidos em eletroforese em
gel de agarose em campo pulsado (PFGE), para determinar a relao clonal entre
V.cholerae non-O1 e O1 ambientais e clnicos. A presena de genes de virulncia
(hlyA/hem, hlyB, hlyC, rtxA, rtxC, tcp, ctx, zot, ace, stn/sto) e integrons de classe 1, 2 e 3
(intI 1, 2 e 3), foi analisada utilizando-se a reao em cadeia da polimerase. A anlise
dos perfis de macrorestrio revelou que os NAGs apresentaram uma grande
diversidade gentica comparada aos V.cholerae O1. Isolados de NAGs e O1 segregaram
em distintos grupos e a maioria dos O1 ambientais apresentou relao clonal com
isolados clnicos da stima pandemia de clera. A distribuio dos genes de virulncia
entre os NAGs diferente a dos O1, os quais, em geral, foram positivos para todos os
genes de virulncia estudados exceto stn/sto e integrons de classe 1, 2 e 3. Alguns
V.cholerae O1 ambientais pertencentes a linhagem da stima pandemia, apresentaram
uma extensiva perda de genes. Diferentes NAGs foram stn/sto+ e intI 1
+. Dois alelos do
gene aadA foram encontrados: aadA2 e aadA7. De modo interessante os V.cholerae O1
ambientais pertencentes linhagem pandmica, s foram isolados durante o perodo da
ltima epidemia de clera na regio Amaznica brasileira (1991-1996).
-
16
ABSTRACT
Vibrio cholerae, the etiologic agent of cholera, is an autochtonus bacterium
of aquatic environment in temperate and tropical regions of the world. Cholera is
endemic and epidemic in many countries in Africa, Asia and Central and South
America. In this study our goal was to detemine the genetic diversity of V.cholerae
environmental isolates from aquatic ecosystems in the Amazon region of Brazil. A total
of 148 environmental strains of V.cholerae non-O1 and non-O139 (NAG) and O1
serogroups, isolated from the Amazon region since 1977 to 2007, were characterized
and compared with clinical strains of V.cholerae O1 from sixty and seventh cholera
pandemic. PFGE (pulsed-field gel electrophoresis) was performed to determine the
clonal relationships between V.cholerae non-O1, O1 environmental and clinical strains.
The presence of virulence genes (hlyA/hem, hlyB, hlyC, rtxA, rtxC, tcp, ctx, zot, ace,
stn/sto) and class 1, 2 and 3 integrons (intI 1, 2 e 3) was analyzed by polymerase chain
reaction. Whole genome macrorestriction analysis revealed that the environmental
V.cholerae NAGs were more diverse than the environmental O1 strains, both groups
segregate in distinct clusters and most of environmental O1 strains show a clonal
relationship with seventh cholera pandemic strains. The distribution of virulence genes
in NAGs strains is largely different from that of O1 strains which, in general, were
positive for all virulence genes analyzed excepting for stn/sto and class 1, 2 and 3
integrons. Some O1 environmental strains, belonging to the seventh pandemic lineage,
went through an extensive gene loss. Distinct NAGs strains were stn/sto+ and intI 1
+.
Two alleles of aadA were found: aadA2 and aadA7. Interestingly, V.cholerae O1
environmental strains belonging to the pandemic lineage were only isolated during the
period of cholera epidemic in the Amazon region of Brazil (1991-1996).
-
17
1. INTRODUO
O gnero Vibrio abriga atualmente 12 espcies patognicas para humanos,
incluindo o Vibrio cholerae. Este gnero tem sido associado a doenas veiculadas por
gua e alimentos (Pruzzo et al., 2005a; 2008). O Vibrio cholerae sorogrupos O1 e
O139, so considerados os de maior importncia clnica devido sua associao com
pandemias (O1) ou epidemias (O1 e O139) de clera ou diarria grave muito
semelhante a clera (cholera-like), em muitas partes do mundo (Kaper et al., 1995;
Raychoudhuri et al., 2009). Outras espcies do gnero capazes de causar diarria em
humanos so: V.parahaemolyticus, V.vulnificus, V.alginolyticus, V.damsela, V.fluvialis,
V.furnissii, V.hollisae, V.metschnikovii e V.mimicus; todas ocorrem naturalmente em
ambiente aqutico, que tem um importante papel na persistncia, disseminao,
evoluo e transmisso destes agentes para humanos (Colwell, 1996; Alam et al., 2007).
A clera (CID A09) uma doena infecciosa intestinal aguda, exclusiva dos
seres humanos, de veiculao predominantemente hdrica, causada pela enterotoxina
(CTX) do V.cholerae. As manifestaes clnicas so variadas e vo desde infeces
inaparentes e quadros leves, predominantemente pelo biotipo El Tor, a graves, que se
caracterizam por incio repentino de diarria aquosa e abundante, sem dor, vmitos
ocasionais e cimbras. Esse quadro, quando no tratado prontamente, pode evoluir para
desidratao grave, acidose metablica, insuficincia renal e choque hipovolmico. A
taxa de mortalidade pode chegar a 50%, mas com tratamento adequado no chega a 1%
(Kaper et al., 1995; Nitrini et al., 2002; Sack et al., 2004; Matson et al., 2007).
-
18
1.1. ASPECTOS HISTRICOS DA CLERA
Segundo Barua (1992), as seis primeiras pandemias teriam ocorrido no
perodo entre 1817 a 1923. A primeira pandemia (1817 e 1823) estendeu-se do vale do
rio Ganges a regies da sia e norte da frica. Durante as quatro seguintes, a
propagao da clera deveu-se s rotas comerciais, migraes, e deslocamento de
exrcitos atingindo alm da sia e frica, a Europa e as Amricas (Barua, 1992).
A segunda pandemia (1829-1851) de clera comeou quando os russos,
aps a invaso da Prsia, levaram a clera para Europa, pela primeira vez atingida em
larga escala. A doena chegou ao continente Americano via Mxico, difundindo-se
ainda pelos pases da Amrica Central, Amrica do Sul e Estados Unidos, quando
surgiu nas cidades de Nova York e Philadelphia. Neste contexto, o ano de 1832 ficou
marcado devido a ecloso de uma grande epidemia no Canad, que comeou em
Quebec e Montreal e seguiu rapidamente pelo rio St. Lawrence e seus tributrios,
atingindo o interior deste pas (Barua, 1992; Nitrini et al., 2002).
Por ocasio da terceira pandemia de clera (1852-1859), marcada por uma
intensa produo de casos, vrios pases da sia, frica, Amricas e Europa foram
acometidos. Nesta ltima, restringiu-se a Frana, Itlia e Espanha. Foi nesta poca, mais
precisamente entre 1854 e 1855, que a clera, uma doena infecciosa de etiologia ainda
desconhecida, aconteceu pela primeira vez no Brasil. Os primeiros casos foram
registrados na cidade do Rio de Janeiro em 1854. J em 1855, chegou a cidade de
Belm do Par por via martima, trazida pelo galera portugues Defensor, procedente
da cidade do Porto, Portugal (Viana, 1992). A partir da, irradiou com grande rapidez
para o interior do Par e posteriormente para o resto do pas, tendo sido registrados, at
-
19
1867, aproximadamente 200 mil bitos (Viana, 1992; Lainson et al., 1997; Beltro,
1999; Nitrini et al., 2002).
A clera voltou a fazer vtimas no Brasil durante a quarta pandemia (1863-
1879) por volta dos anos 1866-1869 quando atingiu todos os estados do litoral, alm de
alcanar as tropas brasileiras e argentinas que lutavam na guerra do Paraguai. Por
ocasio da quinta pandemia (1881-1896) tambm foram registrados surtos importantes
no Brasil (Barua, 1992), nessa poca, o agente etiolgico desta doena foi descoberto.
Credita-se a Robert Koch este feito, em 1883/1884, por ter sido o primeiro cientista a
isolar a bactria cultivada em placas de gelatina e denomin-la de "cholera vibrio". Na
mesma poca (1884), Filippo Paccini, que estudava um surto de clera em Florea,
Itlia, examinou a mucosa intestinal de vtimas fatais da clera usando unicamente
microscpio ptico e detectou a mesma bactria, isolada por Koch, em todas as
amostras. Nesta ocasio, Paccini sugeriu o caracter contagioso da doena enquanto os
mdicos e cientstas acreditavam na teoria miasmtica (Brock, 1999; Nitrini et al.,
2002).
No mesmo perodo, Jonh Snow estudou a epidemiologia da clera em vrias
cidades da Inglaterra, incluindo Birmingham, Manchester e Londres, tendo sido
desenvolvido nesta ltima, o clebre estudo epidemiolgico da doena, referencial
terico para esta cincia e aplicao de seu mtodo. Jonh Snow, em 1855, recomendava
j naquela poca, para conteno da doena, provimento de gua em quantidade e
qualidade adequadas, livre de contaminao por excretas de natureza humana (Nitrini et
al., 2002).
Aps essas descobertas, iniciava-se uma nova era na anlise das condies
de sade e doena dos grupos humanos, ou seja, definir medidas profilticas,
-
20
diagnsticas e de tratamento, desta vez baseados na etiologia correta das doenas. A
partir de ento, a clera passou a se manifestar mais intempestivamente nos pases onde
as condies de saneamento bsico eram precrias (Snow, 1999). No perodo de 1893-
1895 a clera retornou ao Brasil pela terceira vez, atingindo a capital do estado de So
Paulo e algumas cidades do Vale do Paraba, com extenso ao Rio de Janeiro (Lainson
et al., 1997; Nitrini et al., 2002).
At quase o final da sexta pandemia (1899-1923), admite-se que todos os
casos de clera haviam sido causados pelo V. cholerae O1 biotipo clssico, at que em
1905 foi caracterizado o V. cholerae O1 biotipo El Tor, entretanto, este s foi
relacionado s epidemias cerca de 60 anos mais tarde, por ocasio da ecloso da stima
pandemia (Barua, 1992; Lainson et al., 1997; Nitrini et al., 2002).
A stima e atual pandemia teve seu incio registrado em 1961 na Ilha de
Sulawesi (ex-Clebes, na Indonsia). Por uma dcada o V. cholerae O1, biotipo El Tor
acometeu principalmente a sia e Oriente Mdio, j nos anos 70, dispersou-se para
frica, sul da Europa e ilhas do Pacfico, com eventuais achados nos Estados Unidos e
Autralia (Barua, 1992; Blake, 1994). Ao atingir a frica em 1970, o trnsito de navios e
aeronaves entre os continentes europeu, africano e a costa brasileira, foi causa de grande
preocupao por parte das autoridades internacionais, em funo do alto risco da
reintroduo do vibrio no hemisfrio ocidental (Barua, 1992; Lainson et al., 1997;
Nitrini et al., 2002).
Prevendo uma nova entrada da clera no Brasil, em 1971 o Ministrio da
Sade, em parceria com a Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS) e a
Organizao Mundial de Sade (OMS), instituiu no pas um Programa Nacional para
Vigilncia da Clera que foi integrado Rede Nacional de Laboratrios de Sade
-
21
Pblica, com treinamento de pessoas, capacitando-as a realizar o diagnstico
laboratorial da clera, seguindo tcnicas padronizadas pela OMS e Centro de Controle
de Doenas (CDC), Atlanta, EUA. A vigilncia laboratorial da clera passou a ser
realizada em todo o territrio brasileiro, ficando o Instituto Evandro Chagas-IEC, como
referncia para a regio Norte (Lainson et al., 1997).
Em 1973, o Ministrio da Sade criou a Comisso Nacional de Preveno a
Clera, que se desdobrou em 17 comisses estaduais e algumas municipais, sendo
responsvel pela vigilncia da clera, desde 1971, a Seo de Bacteriologia do Instituto
Evandro Chagas-IEC/MS-Pa. Naquele ano, o IEC deu incio a investigaes sobre a
possvel ocorrncia desta bactria na regio e, em 1974, passou a investigar a presena
do vibrio colrico e de outras bactrias enteropatognicas nos esgotos sanitrios de
Belm. A partir de 1975, o IEC em colaborao com a Capitania dos Portos, Aeroportos
e Fronteiras de Belm, passou a exercer o controle de imigrantes da Europa, frica,
inclusive portugueses de colnias africanas e sia. Num perodo de nove anos, foram
examinadas 750 amostras de esgoto, observando-se uma frequncia de isolamento de V.
cholerae no O1 e no O139 (NAG) de 5,6% (Loureiro, 1986; Lainson et al., 1997).
Com o declnio da pandemia no fim da dcada de 70, observou-se um
relaxamento mundial na vigilncia epidemiolgica da clera. No Brasil, mais
especficamente no estado de So Paulo, um programa de vigilncia da clera analisou
entre os anos de 1974 a 1983, 12.867 amostras. Neste perodo, nenhum caso de clera
foi detectado, entretanto, obteve-se o isolamento de V. cholerae O1 no toxignico e V.
cholerae NAG a partir de amostras de gua de esgoto (Martins, 1988; Hofer &
Fernandez, 1990; Martins et al., 1991).
-
22
Em 1989, a doena passou a apresentar um recrudescimento significativo na
sia e na frica e, em janeiro de 1991, a stima pandemia eclodiu na Amrica do Sul.
Os primeiros casos surgiram no litoral do Peru em janeiro de 1991 e, a partir da,
alastraram-se pelas Amricas Central e do Sul (PAHO, 1991; Tauxe et al., 1994) de
modo que ao final de 1993, com exceo do Uruguai, todos os pases da Amrica do Sul
j estavam afetados pelo vibrio colrico (Toledo, 1993; Lainson et al., 1997; Nitrini et
al., 2002).
Neste contexto, a clera ressurgiu no Brasil em 1991, atravs do estado do
Amazonas, mais especificamente nos municpios de Benjamin Constant e Tabatinga, na
trplice fronteira do Brasil com a Colmbia e Peru, em decorrncia da grande presso de
transmisso procedente de Letcia, na Colmbia, e Iquitos, no Peru. A partir da, o V.
cholerae O1 biotipo El Tor provocou surtos em vrias comunidades ribeirinhas ao
longo, principalmente, dos rios Solimes/Amazonas, espalhando-se progressivamente
pela regio Norte, seguindo o curso destes rios e seus afluentes, principal via de
deslocamento de pessoas na regio Norte (Brasil, 2005; Brasil, 2008; Nitrini et al.,
2002).
Ainda em 1991 o Maranho j havia registrado sete casos. No ano seguinte,
a regio Nordeste, principalmente, e Sudeste, foram atingidas atravs dos principais
eixos rodovirios. Em fevereiro de 1992, a clera foi detectada no serto da Paraba e,
logo em seguida no agreste de Pernambuco. At o final deste mesmo ano, todos os
estados do nordeste foram atingidos tendo sido registrado um caso autctone no Rio de
Janeiro e um no Esprito Santo. Em 1993 a doena avanou para as regies Sudeste e
Sul, tendo sido registrado casos em Minas Gerais (57), Esprito Santo (100), Rio de
Janeiro (267), So Paulo (11) e Paran (6). Em 1994, a clera passou a ter a maioria dos
-
23
casos concentrados na regio Nordeste, cujos estados (Cear, Paraba, Pernambuco,
Bahia, Rio Grande do Norte e Alagoas) apresentavam os maiores coeficientes de
incidncia (Brasil, 2008).
A epidemia de clera manteve-se na Amaznia, mais especificamente nos
estados do Amazonas, Par, Rondnia e Amap, de 1991 a 1998, com um total de
11.613 casos confirmados pelo Ministrio da Sade do Brasil. Tocantins e Roraima no
registraram casos at hoje. No Par, a epidemia manteve-se de 1991 a 1996. O nmero
de casos confirmados foi de 4.798, tendo a maioria deles ocorrido no ano de 1992
(Tabela 1).
Tabela 1: Nmero e percentagem de casos de clera no Brasil, 1991 2008.
REGIO NMERO %
Norte 11.613 6,89
Nordeste 155.357 92,15
Sudeste 860 0,51
Sul 473 0,28
Centro-Oeste 285 0,17
Brasil 168.588 100
FONTE:Adaptadode http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/casos_conf_colera_1991_20
08.pdf Acessado em 12/08/2009.
Aps uma importante diminuio dos casos de clera no Brasil, a partir de
1995, observou-se em 1999 um recrudescimento da epidemia, tendncia que no se
confirmou no ano de 2000, com o registro de 733 casos, todos procedentes da regio
Nordeste, em sua grande maioria dos estados de Pernambuco e Alagoas (Brasil, 2008).
Com exceo dos casos registrados por ocasio de surtos nos estados de
Minas Gerais e Paran, todos os outros computados nos anos de 1999, 2000 e 2001
ocorreram na regio Nordeste. Embora em 2002 e 2003 nenhum caso da doena tenha
-
24
sido confirmado no Pas, o V.cholerae O1 foi isolado de amostras ambientais coletadas
em municpios dos estados de Alagoas e Pernambuco, alm disso, houve a identificao
do V.cholerae O1, sorotipo Inaba em uma amostra clnica do estado de Alagoas, com
toxigenicidade negativa. Em 2004, foram confirmados 21 casos autctones. Em 2005
outros cinco casos autctones foram registrados, todos procedentes do estado de
Pernambuco (Brasil, 2008).
Em 2006 e 2007, no foram confirmados casos autctones de clera no
Brasil, entretanto, um V.cholerae O1 Ogawa no toxignico foi isolado de uma amostra
de gua superficial coletada do Igarap Tucunduba no municpio de Belm-Pa (S,
L.L.C. comunicao pessoal).
1.2. TAXONOMIA
O gnero Vibrio compreende, atualmente, 72 espcies reconhecidas e est
includo na famlia Vibrionaceae juntamente com os gneros Photobacterium (N=16),
Aliivibrio (N= 4), Enterovibrio (N=4), Salinivibrio (N=3) e Grimontia (N=1). Ao todo o
grupo dos vibrios, incluindo todas as espcies da famlia Vibrionaceae, compreende 100
espcies (Euzby, 2009).
1.3. ETIOLOGIA DA CLERA
O agente etiolgico da clera o V.cholerae O1, biotipo clssico e El Tor.
Mais recentemente, o sorogrupo O139 desta espcie tem tambm sido includo na
etiologia desta doena (Nitrini et al., 2002). Segundo o Bergeys Manual of Systematic
Bacteriology (1984), a famlia Vibrionaceae composta por bacilos Gram-negativos,
-
25
retos ou curvos, com flagelao polar nica, so quimiorganotrficos e possuem
metabolismo fermentativo e oxidativo. A maioria produz oxidase e requer de 2% a 3%
de cloreto de sdio para crescimento timo, entretanto, o V.cholerae apresenta
crescimento tanto em caldo nutritivo sem adio de NaCl quanto com adio deste sal a
1%. oxidase positivo, reduz nitrato a nitrito, apresenta reao negativa nas provas de
fermentao do mio-inositol e arginina diidrolase e positiva nas provas da lisina e
ornitina descarboxilase (Nitrini et al., 2002; Winn Jr et al., 2008).
Os V. cholerae NAG tem sido reconhecidos como agentes etiolgicos de
casos isolados e surtos de diarria muito semelhante a clera (Bhattacharya et al., 1992;
Russel et al., 1992; Ramamurthy et al., 1993; Dakin et al., 1974; Sharma et al., 1998).
Muitos apresentam caractersticas epidemiolgicas de crescente importncia, pois nem
sempre se detecta qualquer fator de virulncia conhecido entre eles (Bag et al., 2008)
ou, como j observado em outros casos, possvel a deteco da toxina colrica (CTX)
e/ou do pilus TCP, toxina termoestvel (ST), alm do gene regulatrio ToxR em
isolados de casos clnicos ou de origem ambiental (Ramamurthy et al., 1993; Bagchi et
al., 1993; Dalsgaard et al., 1995b; Mukhopadhyay et al., 1995; Nandy et al., 1995;
Ghosh et al., 1997; Rivera et al., 2001).
O V. cholerae classificado em sorogrupos ou sorovares com base nos seus
antgenos somticos (antgenos O), de modo que at o momento, 206 j foram
identificados, sendo os sorogrupos O1 e O139 toxignicos diretamente associados
clera epidmica (O1 e O139) ou pandmica (O1) (Raychoudhuri et al., 2009). O
restante dos sorogrupos de V. cholerae, possuem as mesmas caractersticas
morfolgicas e bioqumicas dos sorogrupos O1 e O139, porm, no aglutinam com
estes antisoros especficos e sim com seus prprios antisoros e, por este motivo, ficaram
-
26
conhecidos como no O1 e no O139 (NAG-non aglutination group). Vale a pena
ressaltar que a transformao de um sorogrupo em outro pode ocorrer, inclusive, em
reservatrios aquticos (Colwell et al., 1995) e so provenientes de recombinaes
homlogas, entre as regies codificadoras dos determinantes antignicos, genes rfb
(Blokesch & Schoolnik, 2007), ou por mutao e/ou rearranjo, como ocorrido com a
linhagem Bengal O139 (Salles et al., 1994; Li et al., 2002). Deste modo, a caracterizao
sorolgica isoladamente, representa uma ferramenta insuficiente do ponto de vista
epidemiolgico.
O V. cholerae O1 pode ser caracterizado por dois principais sorotipos, Inaba
e Ogawa, alm do sorotipo Hikojima que raramente identificado. Esta classificao
tambm baseada na deteco das fraes A, B e C do antgeno somtico O. O sorotipo
Inaba apresenta as fraes A e C, o Ogawa (A e B) e o Hikojima (A, B e C) (Sakazaki,
1970; Kaper et al., 1995; Sack et al., 2004; Winn Jr et al., 2008).
Linhagens de V. cholerae O1 podem pertencer aos biotipos, clssico e El
Tor. Esta classificao taxonmica subespecfica no diretamente relacionada aos
processos de manejo clnico da clera, entretanto, de grande importncia
epidemiolgica em sade pblica visto que permite a identificao da fonte e dispersso
da infeco, sobretudo, quando V.cholerae isolado pela primeira vez em uma dada
regio geogrfica ou pais (Raychoudhuri et al., 2008; Winn Jr et al., 2008).
A classificao em biotipo clssico e El Tor est primariamente baseada em
propriedades bioqumicas e susceptibilidade a bacterifagos como resumido no Quadro
1 (Sakazaki, 1970; Kaper et al., 1995; Sack et al., 2004; Winn Jr et al., 2008).
Entretanto, mtodos de biotipagem molecular tem demonstrado variaes entre estes
dois biotipos. Uma delas diz respeito a subunidade principal da protena TCP, gene
tcpA, que apresenta diferentes alelos entre os biotipos (Kesler & Hall, 1993). O
-
27
bacterifago CTX ladeado pelo elemento RS1 contendo o gene rstC somente nos
isolados toxignicos de V.cholerae O1 El Tor e O139 (Waldor et al., 1997). O gene
rtxC tem sido observado apenas no biotipo El Tor (Lin et al., 1999). A hemolisina hlyA
do biotipo clssico apresenta uma deleo de 11 nucleotdeos (Rader & Murphy, 1988)
e esta diferena tem sido utilizada como marcador para diferenciar o clssico do El Tor
(Alm & Manning, 1990). Baseados na estrutura da subunidade B da toxina CTX,
Finkelstein et al. (1987), designaram de CT1 o prottipo elaborado pelo biotipo clssico
e isolados da Costa do Golfo e CT2 aquele produzido pelo biotipo El Tor e isolados do
sorogrupo O139. Outra classificao identificou gentipos do gene ctxB, baseada em
trs mudanas de bases que resultam na modificao da sequncia de aminocidos. O
gentipo 1 encontrado em isolados do biotipo clssico e da costa do Golfo, o gentipo
2 no biotipo El Tor e isolados da Austrlia e o gentipo 3 encontrado no biotipo El
Tor da stima pandemia e em cepas epidmicas da Amrica Latina (Olsvik et al., 1993).
Outra anlise mostra que o V.cholerae El Tor, que causa a forma mais branda da
doena, possui uma nica cpia do operon da toxina CTX, enquanto que o biotipo
clssico possui duas cpias, alm disto, apresentam diferenas suts na maneira como
regulam a expresso de fatores de virulncia (Dziejman et al., 2002; Matson et al.,
2007). Por outro lado, o biotipo El Tor parece possuir melhor adaptabilidade ao
ambiente aqutico, j tendo sido identificado em diversos ecossistemas aquticos do
mundo (Alam et al., 2006; Alam et al., 2007).
Com o surgimento de isolados de V.cholerae O1 com caractersticas de
hbridos entre os biotipos clssico e El Tor (Ansaruzzaman et al., 2004; Nair et al.,
2006; Faruque et al., 2007), alm de variantes do biotipo El Tor (Nair et al., 2006)
muitos dos testes fenotpicos e genotpicos tem se mostrado insuficientes para a correta
-
28
classificao de isolados de V.cholerae O1, por este motivo, Raychoudhuri et al. (2008),
propuseram aumentar o nmero de provas conforme descrito no Quadro 2.
Quadro 1: Diferenciao entre biotipos de Vibrio cholerae
TESTE CLSSICO EL TOR
Teste do cordo + +
Hemoltico em gar sangue de carneiro - +
Teste CAMP - +
Teste de Voges-Proskauer - +
Aglutinao de hemcias de galinha - +
Sensibilidade a 50U de polimixina B S R
Sensibilidade ao fago IV S R
+, teste positivo; -, teste negativo; S, sensvel; R, resistente
Fonte: Winn Jr et al., 2008
O V. cholerae O1 biotipo clssico foi descrito por Koch no Egito e na ndia,
em 1883/1884, quando o chamou de Kommabazilus (bacilo em forma de vrgula). O
biotipo El Tor foi isolado por Gotschlich, em 1905/1906, de peregrinos provenientes de
Meca, examinados na estao de quarentena de El Tor, situada na pennsula do Sinai, no
Egito, e o responsvel pela stima e atual pandemia de clera (Tauxe et al., 1994;
Nitrini et al., 2002; Feng et al., 2008; Winn Jr et al., 2008).
At meados de 1992, a relao entre as epidemias de clera no mundo e o V.
cholerae O1 era absolutamente direta, sendo o biotipo clssico responsvel pelas seis
primeiras pandemias (1817 a 1923), e o biotipo El Tor pela stima, que teve seu incio
em 1961 permanecendo at hoje. Em 1992, surgiu um novo sorogrupo de V. cholerae,
isolado por ocasio de uma expressiva epidemia de clera no sul da sia (ndia e
Bangladesh) (Albert et al., 1993; Cholera Working Group, 1993; Nair et al., 1994;
-
29
Faruque et al., 1998b) onde se mantm at o presente. Esta variante no aglutinou com
o anti-soro O1 ou com qualquer dos 138 anticorpos no O1 existentes na poca, por isso
foi denominado O139. Por ter sido o agente da epidemia iniciada no Golfo de Bengal,
ficou conhecido como V. cholerae Bengal (Albert et al., 1993). Este novo sorotipo
surgiu por modificaes na regio codificadora dos antgenos O de um V. cholerae O1
El Tor (Bik et al., 1995; Mooi & Bik, 1997).
Quadro 2: Novo esquema para biotipagem de Vibrio cholerae O1
TESTE EL TOR CLSSICO HIBRIDO VARIANTE
EL TOR
Teste de Voges-
Proskauer + - +/- +
Susceptibilidade a
50U de polimixina B - + +/- -
Aglutinao de
hemcias de galinha + - +/- +
Lise pelo fago IV-
clssico - + +/- -
Lise pelo fago V-El
Tor + - +/- +
Epitopo da CT CT2 CT1 CT1/CT2 CT1
Gentipo do gene
ctxB El Tor clssico El Tor/clssico clssico
rtxC + - +/- +
tcl + + +/- +
Alelo do tcpA El Tor clssico varivel El Tor
Elemento RS RS1, RS2 RS2 RS1, RS2/RS2 RS1, RS2/RS2
Fonte: Raychoudhuri et al., 2008
Em 1995, foi descrito uma nova linhagem do V. cholerae O1 oriunda de
casos de diarria tpica ocorridos em 1991 e 1992, com diagnstico clnico-
epidemiolgico e laboratorial de clera, em residentes de algumas vilas da regio do
alto Solimes, no estado do Amazonas. Esta variante, alm de no possuir nenhum dos
fatores associados virulncia (CTX-cholera-toxin e TCP-toxin-coregulated pilus), no
-
30
geneticamente relacionada aos biotipos at ento associados com a clera (clssico e
El Tor). Esse foi denominado V. cholerae Amaznia (Coelho et al., 1995a; b).
Ainda na Regio Norte, e dentro da atual pandemia, mais uma vez
contrariando o tradicional diagnstico do vibrio colrico, que reconhecido
fenotipicamente por fermentar a sacarose, Ramos et al. (1997) isolaram em 1994, um V.
cholerae fermentador tardio de sacarose, durante um surto de clera no municpio de
Oiapoque, estado do Amap. A caracterizao molecular destes isolados mostrou que
estas variantes pertencem ao mesmo MLEE (perfil isoenzimtico) e AP-PCR (arbitrary
primer-PCR) da principal cepa epidmica (V. cholerae O1, biotipo El Tor) e possui os
genes que codificam para CTX e TCP, associados virulncia. Seria, pois, um El Tor
fermentador tardio de sacarose (Vicente, A.C.P., comunicao pessoal).
Entre os anos de 1991 e 1994, foram identificadas variantes de V.cholerae
O1 toxignico que representam hbridos entre os biotipos clssico e El Tor, utilizando
caractersticas fenotpicas e genmicas (genes tcpA e rstR, e ribotipagem). Estes foram
isolados de pacientes hospitalizados com diarria aguda em Matlab, rea rural de
Bangladesh e diferenciadas nos tipos Matlab I, II e III. Embora todas tenham
demonstrado pertencer a ribotipos previamente encontrados entre os vibrios El Tor, o
tipo I apresenta a maioria das caractersticas do biotipo clssico, enquanto que nos tipos
II e III prevalecem as caractersticas do El Tor (Nair et al., 2002) dados confirmados
posteriormente por PFGE (Safa et al., 2005).
Considerando a epidemia de clera da Amrica do Sul, mais uma linhagem
do V. cholerae O1 foi descrita a partir de pacientes com clera, residentes na provncia
de Tucum, Argentina, entre os anos de 1994 e 1998. A variante Tucum, como foi
denominada, tambm no possui a toxina colrica (CTX) e nem os outros genes que
-
31
compe o cassete de virulncia do fago CTX , por exemplo, tcpA, zot e ace, alm
disso, seu gentipo difere claramente tanto da linhagem Amaznia quanto dos outros
isolados clnicos ctxA+ da Argentina (Pichel et al., 2003).
Como consequncia da identificao de novas linhagens patognicas de V.
cholerae, temos atualmente uma nomenclatura que abriga: o V. cholerae O1 biotipos
clssico e El Tor; V. cholerae O139 ou Bengal; V. cholerae O1 Amaznia; V. cholerae
O1 biotipo El Tor sacarose negativo; V. cholerae O1 Matlab I, II e III, V. cholerae O1
Tucum, V. cholerae NAG e ainda a possibilidade da descrio de novas linhagens
patognicas entre os NAG, a princpio no epidmicos, mas com importncia crescente
para a epidemiologia, gentica e evoluo dos vibries.
1.5. ECOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA DO Vibrio cholerae
A ocorrncia espacial e temporal das espcies patognicas do gnero Vibrio,
bem como sua associao doena em humanos, est fortemente relacionada a fatores
ambientais do habitat aqutico de origem (Colwell, 1996; Lipp et al. 2002; Pruzzo et al.
2008).
Trabalhos relevantes sobre a ecologia dos vibries de um modo geral tem
sido realizados em ambientes marinhos costeiros. Os vibrios so equipados com uma
bateria de mecanismos de resposta adaptativa que lhes permite persistir em ambientes
hosts, com exigncias especficas, tais como: limitaes de nutrientes, incidncia de
radiao ultravioleta, variaes de temperatura e protozorios predadores (Colwell,
1996).
A persistncia dos vibries no ambiente aqutico tem sido associada a
matrizes ambientais preferenciais que funcionam como reservatrios, dentre elas, os
-
32
substratos biticos e abiticos. Entre os substratos biticos destacam-se os organismos
quitinosos, vrios crustceos planctnicos, como os coppodes e amphipodas (Rawlings
et al., 2007), e outros organismos de vida livre, como por exemplo, mosquitos da
famlia Chironomidae (Broza et al., 2005). J o substrato abitico mais relacionado
presena dos vibrios no ambiente so os sedimentos em suspenso na gua. Em ambos
os casos, esta bactria capaz de formar biofilme por meio de processos que podem
envolver coliso randmica ou quimiotaxia, aglomerao reversvel ou irreversvel,
formao de microcolnias ou ainda, por meio da formao de outras estruturas
tridimensionais que favorecem a agregao e manuteno microbiana no ambiente
(Lipp et al., 2002; Pruzzo et al., 2008).
Tanto os quironomdeos voadores (Broza et al., 2005) quanto os crustceos
planctnicos, que se encontram dispersos na gua (Rawlings et al., 2007), participam do
processo de disseminao de vibrios patognicos na natureza (Vezzulli et al., 2008).
A transmisso dos vibrios aos humanos pode ser mediada por contato direto
com o microrganismo ou pela ingesto de clulas a partir do ambiente aqutico (Pruzzo
et al., 2005b), com destaque para o consumo de moluscos crus ou parcialmente cozidos,
especialmente ostra e mexilho, que por serem filtradores de partculas em suspenso na
gua, terminam por concentrar espcies microbianas patognicas (Pruzzo et al., 2005b).
A persistncia dos vibries no ambiente aqutico est relacionada
temperatura, salinidade, concentrao de matria orgnica e a presena de plncton
(Lipp et al., 2002). Nos pases onde a clera endmica, por exemplo, concentraes de
plnctons conteriam a dose infectante (106 clulas de V. cholerae) necessria para
desencadeamento da clera por meio do consumo de gua no tratada (Colwell, 1996).
A populao de vibrios no ambiente esta relacionada tambm a predao entre as
-
33
cadeias trficas, tais como, aquela realizada por protozorios sobre o V. cholerae
(Worden et al., 2006) e a lise desta espcie por bacterifagos (Jensen et al., 2006).
1.6. PATOGENICIDADE E ADAPTABILIDADE AMBIENTAL
A transferncia horizontal de genes ocorre com frequncia entre
microrganismos no meio ambiente (Ochman et al., 2000; Wilson & Saliers, 2003). No
que diz respeito ao V. cholerae no ambiente aqutico, destacam-se os recentes achados
de Blokesch & Schoolnik (2007), que demonstraram o surgimento do sorogrupo
epidmico O139, via recombinao homloga de uma cepa O1 El Tor por transferncia
horizontal de genes.
Outros exemplos importantes de como a transferncia horizontal de genes
no ambiente aqutico podem favorecer a patogenicidade e adaptabilidade ecolgica do
V. cholerae so: a aquisio do fago filamentoso designado VPI , onde residem os
genes envolvidos na biosntese do pilus TCP, um fator essencial para colonizao
intestinal (Davis & Waldor, 2003) e a induo do estado de competncia para adquirir
material gentico exgeno, via transformao bacteriana, durante a fase de crescimento
do V. cholerae no substrato quitinoso de organismos marinhos (Meibom et al., 2005).
Genes responsveis pela patognese do V. cholerae podem ser trocados via
transferncia horizontal de genes entre membros da mesma espcie, entre gneros
distintos, ou at mesmo entre famlia ou nveis taxonmicos mais altos. Assim, bactrias
que no carreiam genes de virulncia, podem receb-los de bactrias doadoras e, no
mnimo, passarem a funcionar como reservatrios ambientais destes genes. Um
exemplo deste processo a sugesto de que Vibrio mimicus funciona como reservatrio
dos fagos CTX e TCP configurando uma possibilidade de surgimento de novos
-
34
isolados toxignicos de V. cholerae no ambiente (Boyd et al., 2000). Outros genes
associados virulncia do V. cholerae ou regulao dessa virulncia tem sido
detectada em outros vibrios ambientais, entre eles V.cholerae NAG e Vibrio
alginolyticus (Xie et al., 2005; Baffone et al., 2006).
Em relao aos estudos das caractersticas ambientais dos reservatrios
bacterianos na seleo de peculiaridades da patogenicidade dos vibries, vale a pena
ressaltar os mecanismos moleculares que esto por trs da interao do V.cholerae com
partculas de quitina ou com a superfcie quitinosa dos coppodes (Zampini et al., 2005;
Kirn et al., 2005). Nestes estudos, a mesma protena envolvida na ligao do V.cholerae
com a quitina, tambm media aderncia cultura de clulas epiteliais intestinais, pela
mesma especificidade de ligao. Tem sido sugerido tambm que, fatores associados
colonizao intestinal (TCP-toxin-coregulated pilus e MSHA-mannose-fucose
hemagglutinin) esto implicados na ligao com a quitina e na formao de biofilmes
em superfcies quitinosas, no ambiente aqutico (Chiavelli et al., 2001; Reguera &
Kolter, 2005). Pelo fato dessas moleculas terem sido relacionadas com a colonizao,
tanto de superfcies presentes no ambiente quanto de seres humanos, elas tem recebido a
denominao de fatores de colonizao com duplo papel (DRCF-dual role colonization
factors) (Vezzulli et al., 2008). Estes fatores representam a ligao entre os dois
estgios de vida do V. cholerae (ambiente e hospedeiros humanos) e evidenciam que
alguns fatores de virulncia usados pelo patgeno, durante o processo de infeco,
atuam na sua interao com o ambiente natural (Pruzzo et al., 2008). Deste modo, as
bactrias portadoras de DRCF, em reservatrio ambiental, apresentam melhores
condies de adaptabilidade (environmental fitness) no que diz respeito a persistncia,
disseminao e evoluo. Alm disso, esta peculiaridade pode representar uma
-
35
discriminao entre os isolados ambientais e aqueles com potencial patognico
(Zampini et al., 2005).
1.7. O GENOMA DE Vibrio cholerae
Em 2000, foi publicado o sequenciamento completo dos 2 cromossomas de
V. cholerae do isolado El Tor N16961, mostrando que a composio do cromossoma 1
de 2.961.146 pb ( 3,0 Mb) e de 1.072.313 pb ( 1,1Mb) para o cromossoma 2
(Heidelberg et al., 2000). A maioria dos genes necessrios para o crescimento e
viabilidade celular est localizado no cromossoma 1, embora alguns genes essenciais
estejam localizados no cromossoma 2. A presena de 2 cromossomas tem sido
demonstrada em todas as espcies do gnero at agora analisadas (Yamaichi et al.,
1999).
Aproximadamente 10% do contedo do cromossoma 2 formado por um
mega-integron/super-integron/integron cromossomal. Os integrons so elementos de
captura e expresso de informao gentica (Mazel et al., 1998). As seqncias
presentes em elementos denominados cassetes genticos mveis se integram em um
stio de ligao especfico presente no integron (stio att) atravs de uma recombinao
stio-especfico. A recombinao feita mediante a ao de uma integrase que
codificada por um gene presente no prprio integron, geralmente na extremidade
5`conservada. A integrase presente no integron de V. cholerae foi classificada como
uma integrase de classe IV (intl4) (Mazel et al., 1998) e ela reconhece como o stio de
ligao especfica (stio att) uma famlia de seqncias repetidas que foram
denominadas de VCRs (Vibrio cholerae repeats). Os VCRs so uma famlia de
seqncias de 123-126 pb que se repetem em mais de 100 vezes e esto concentradas
-
36
em uma nica regio no cromossoma 2 (Barker & Manning, 1997; Heidelberg et al.,
2000). O super-integron presente no isolado N16961 apresenta 216 ORFs, porm a
maioria delas no possui identidade com nenhuma outra seqncia conhecida. Entre os
genes identificados encontram-se genes de resistncia a drogas, como cloranfenicol
acetiltransferase, uma protena que confere resistncia a fosfomicina e glutationa
transferase, enzimas envolvidas no metabolismo do DNA e alguns potenciais genes de
virulncia (hemaglutininas e lipoprotenas) (Barker et al., 1994; Heidelberg et al.,
2000).
At recentemente, todos os integrons conhecidos estavam, principalmente,
associados a genes que conferiam resistncia aos antimicrobianos, os chamados
integrons de resistncia classe 1, 2 e 3 (Recchia & Hall, 1995a; 1995b; 1997). A
identificao de um integron com caractersticas to peculiares como este
primeiramente identificado V. cholerae, mas presente em vrias espcies do gnero e da
famlia, assim como em espcies de outras famlias de bactrias, sugere que os integrons
tenham papel na aquisio de genes de patogenicidade assim como genes envolvidos em
diferentes funes biolgicas (Mazel et al., 1998; Rowe-Magnus & Mazel, 1999).
1.8. GENES RELACIONADOS A VIRULNCIA DO Vibrio cholerae
A doena diarrica clera, consequncia da infeco por V. cholerae
patognico, envolve um mecanismo complexo com a participao dos genes do regulon
ToxR. Alm do papel essencial da toxina colrica, o TCP (toxin-coregulated pilus)
fundamental para a colonizao do epitlio intestinal. Outros fatores de colonizao
incluem o pilus MSHA (mannose-fucose hemagglutinin), as protenas regulatrias (por
ex. ToxR/ToxS a ToxT), as purinas de membrana externa, os genes biossintticos da
-
37
biotina e purina, as protenas de membrana externa reguladas pelo ferro (por ex. IrgA), e
os fatores acessrios de colonizao. Motilidade e quimiotaxia tambm tem papel na
virulncia (Thompson et al., 2004).
1.8.1. O pilus tcp e msha
Na evoluo das gastroenterites bacterianas uma etapa essencial a
colonizao do epitlio intestinal. Os fatores envolvidos permitem a adeso, persistncia
e multiplicao do microrganismo sobre o tecido do hospedeiro. Para os vibries, os
mais importantes so os pilus TCP e MSHA (Johnson et al.,1992; Franzon et al., 1993;
Kovach et al., 1996; Mukhopadhyay et al., 1996b; Karaolis et al., 1998; Karaolis et al.,
1999).
O pilus TCP possui natureza hidrofbica, mede cerca de 5 a 7 m de
dimetro por 10 a 15 m de comprimento. Consiste de um homopolmero de
subunidades idnticas e repetidas de pilina denominada TcpA. As pilinas so protenas
de 20 kDa codificadas pelo gene tcpA (Kaufman & Taylor 1994) que pertencem ao tipo
4 da classe das pilinas, protena expressa por vrias bactrias Gram-negativas, incluindo
Escherichia coli (enterotoxignica e enteropatognica), Neisseria gonorrhoeae e
Pseudomonas aeruginosa. A estrutura primria da TcpA apresenta 82% de identidade
na sequncia de aminocidos entre os biotipos clssico e El Tor de V. cholerae (Iredell
& Manning, 1994).
Todos os genes relacionados biognese do pilus TCP residem em uma ilha
de patogenicidade (pathogenicity island-PAI ou Vibrio pathogenicity island-VPI),
correspondendo ao genoma de um fago filamentoso, designado VPI , que pode ser
adquirido pelo V. cholerae via transferncia horizontal de genes, no ambiente aqutico
-
38
(Davis & Waldor, 2003). O TCP tambm funciona como receptor para CTX ,
bacterifago filamentoso que codifica a toxina colrica.
O gene tcpA apresenta vrios alelos, os biotipos clssico e El Tor de
V.cholerae O1 possuem alelos prpios, enquanto que a linhagem Bengal (O139)
compartilha o mesmo alelo com El Tor. Alm destes, vrios outros alelos j foram
identificados em linhagens de V. cholerae NAG (Novais et al., 1999; Nandi et al.,
2000).
O conjunto dos genes acf que codifica quatro genes (acfABCD) (Parsot et
al., 1991) est localizado imediatamente adjacente e a jusante dos genes tcp (Figura 1).
Adjacente aos genes acf, h a presena de um gene que codifica para uma integrase (int)
da famlia de recombinases stio-especfica e um stio de ligao tipo att de 20pb
(Kovach et al., 1996). montante aos genes tcp, esto os genes aldA e tagA, um gene
que codifica para uma transposase, algumas ORF de funo ainda desconhecida e uma
segunda cpia da sequncia tipo att (Karaolis et al., 1998; Kirn et al., 2000). Toda essa
regio de aproximadamente 40 Kb, flanqueada por sequncias tipo att, incluindo os
clusters de genes TCP-ACF, uma integrase e uma transposase parece constituir uma ilha
de patogenicidade, denominada de VPI (Karaolis et al., 1998) e sugere um potencial de
mobilizao desse elemento como um bacterifago (Kovach et al., 1996; Karaolis et al.,
1998; Karaolis et al., 1999). No entanto, foi visto que a ilha de patogenicidade VPI no
gera partculas de fagos, contradizendo estes ltimos estudos (Faruque et al., 2003).
O TCP necessrio para a ligao da bactria mucosa do intestino
humano, que um componente crucial para a estratgia de infeco do V. cholerae
(Kaufman & Taylor, 1994). Tambm foi atribuda ao TCP a funo de promover a
-
39
agregao de bactrias, dando origem microcolnias que ento colonizam, mais
eficientemente, o epitlio intestinal (Kirn et al., 2000).
Figura 1: Representao esquemtica do profago VPI (~ 40kb). As cadeias abertas de
leitura so mostradas como setas que correspondem a direo de transcrio (adaptado
de Kirn et al., 2000).
1.8.2. A toxina colrica (CTX)
A CTX uma protena termolbil com 82-84 kDa composta por duas
subunidades denominadas A e B, que so codificadas por duas ORFs (ctxAB) distintas
que se sobrepem e que esto organizadas em um operon, podendo se apresentar em
uma ou mais cpias no genoma do V. cholerae toxignico (Mekalanos et al., 1983;
Pearson et al., 1993).
Foi caracterizada em 1959 e sua estrutura completa e cristalizao foram
elucidadas posteriormente (Finkelstein, 1992). Apresenta semelhana estrutural e
antignica enterotoxina LT de E.coli. Sua composio caracteriza-se por uma nica
subunidade A e cinco subunidades B que ligam a toxina ao receptor GM1, gangliosdeo
localizado na superfcie do epitlio intestinal, induzindo a formao de um poro de 15
P H A B Q C R D S T E F
aldA tagA orf 2 3 4 tagD tcp toxT tcpJ acfBCAD orfvw int
-
40
no centro deste pentmero que permite a internalizao da subunidade A. Uma vez
dentro da clula, um fragmento da subunidade A derivado proteoliticamente (A1), ativa
a enzima adenilato ciclase resultando no aumento da produo de AMP cclico. Este
processo resulta na secreo abundante de ons cloreto e gua no lmem intestinal
caracterizando a diarria aguda observada nos pacientes com clera (Keen & Bujalski,
1992; Shears, 1994; Kaper et al., 1995; Matson et al., 2007). Pacientes com clera
chegam a perder at 20 litros de fluido em um perodo de 24h, resultando em rpida
desidratao e morte em mais de 50% dos casos no tratados; j entre aqueles que
recebem rehidratao oral ou intravenosa, a taxa de mortalidade cai para
aproximadamente 1% (Matson et al., 2007).
O gene que codifica para a CTX est associado aos genes da Zot (zot) e Ace
(ace) que juntamente com o gene cep que codifica uma potencial pilina e uma ORF de
funo desconhecida (orfU), esto localizados numa regio de 4,5Kb denominada de
regio central (core) que flanqueada por uma ou mais cpias de sequncias repetitivas
quase idnticas chamadas de RS1 (2,7Kb) e RS2 (2,4Kb) constituindo uma organizao
similar a um transposon, que foi denominado de CTX (Figura 2) (Pearson et al., 1993;
Boyd et al., 2000). Em 1996 foi mostrado que este conjunto de genes parte do genoma
de um fago filamentoso e lisognico, CTX . O genoma do fago abrange a regio
central e as sequncias RS flanqueadoras. Essas sequncias RS renem os genes
responsveis pelas funes de regulao, replicao e integrao do fago (Waldor &
Mekalanos, 1996; Waldor et al., 1997).
Alm da toxina colrica, a regiao central do genoma do CTX codifica a
toxina que atua na znula ocludens (Zot) e a enterotoxina acessria (Ace). A toxina Zot
reconhecida como capaz de alterar a permeabilidade da mucosa do intestino delgado
-
41
afetando a estrutura da juno intercelular ou znula ocludens (Fasano et al., 1991). A
enterotoxina colrica acessria (Ace) capaz de provocar, de modo similar toxina
colrica (CTX), o acmulo de fluido em modelo experimental de infeo em ala ileal
ligada de coelho (Trucksis et al., 1993). Sugere-se que a agregao de multmeros de
Ace na membrana de clulas eucariticas levariam formao de canal inico
desestabilizador do equilbrio eletroltico celular (Trucksis et al., 1993).
Figura 2: Representao esquemtica do profago CTX (~ 7 kb). As fases abertas de
leitura so mostradas como setas que correspondem direo de transcrio (adaptado
de Boyd et al., 2000).
1.8.3. O plasmdeo TLC
Em 1998, Rubin e colaboradores identificaram um plasmdio crptico de 4,7
Kb em todos os isolados de V. cholerae toxignicos testados, que estava ausente nos
isolados ambientais no toxignicos. O plasmdio, na forma integrada ao cromossomo,
encontra-se adjacente ao profago CTX (figura 2), devido esta proximidade foi
designado de TLC- toxin-linked cryptic. O pTLC, como foi denominado, quando est na
forma extracromossmica circular, pode emergir do cromossoma a partir de uma
recombinao homloga entre as repeties diretas das cpias do elemento TLC. O
tcl rstR rstA rstB cep orfU ace zot ctxA ctxB rtxA
Cassete de VirulnciaRegio Central (CORE)
RS2
tcl rstR rstA rstB cep orfU ace zot ctxA ctxB rtxA
Cassete de VirulnciaRegio Central (CORE)
RS2
-
42
elemento TLC parece ter algum papel na biologia do CTX , possivelmente facilitando
tanto sua aquisio quanto sua replicao, j que o TLC parece ser similar aos
elementos RS1, que frequentemente flanqueiam o CTX no cromossoma de V. cholerae
(Rubin et al., 1998).
1.8.4. Toxinas RTX
As toxinas RTX so membros do sistema de secreo de exoprotena do tipo
I que est presente em uma grande variedade de bactrias Gram-negativas. Uma das
caractersticas desta famlia de toxinas a variao que elas apresentam em relao
atividade citotxica nos diferentes hospedeiros e tipos celulares. Podem ser classificadas
em 3 grupos funcionais: as hemolisinas, leucotoxinas e citotoxinas. As hemolisinas so
ativas em diferentes tipos celulares (eritrcitos, leuccitos, etc) de uma grande
variedade de espcies. As leucotoxinas possuem o menor espectro tendo alvo apenas o
grupo dos leuccitos. As citotoxinas possuem um espectro intermedirio, atuando em
grupos com especificidade mista (Welch, 2001).
Altas concentraes da toxina RTX induziriam uma rpida morte celular,
com caractersticas de necrose, entretanto, baixas concentraes desta toxina
desencadeiam alteraes morfolgicas, bioqumicas e moleculares associadas
apoptose (Lally et al., 1999).
A toxina RTX necessita de uma modificao ps-traducional para se tornar
biologicamente ativa. Essa ativao feita pelo produto do gene rtxC e de uma protena
carreadora de acil. A toxina produzida na ausncia da RtxC biologicamente inativa
(Issartel et al., 1991; Stanley et al., 1994). A RTX transportada do citoplasma para a
superfcie da clula por protenas de transporte que so codificadas pelos genes rtxB e
-
43
rtxD. Estes genes, que so necessrios para a funcionalidade da toxina RTX, esto
agrupados em um operon em que a ordem dos genes se apresenta da seguinte maneira:
rtxC, rtxA (gene que codifica a toxina propriamente dita), rtxB e rtxD. Em E.coli, um
gene adicional, tolC, necessrio para a secreo da toxina (Lin et al., 1999).
O operon da RTX em V. cholerae parece ser nico, pois h uma inverso
nos genes rtxC e rtxA, resultando em uma transcrio divergente dos genes rtxB e rtxD
e alterando tambem a ordem do operon (rtxACBD), como demonstrado na Figura 3. O
gene tolC tambm pode ser identificado, porem sem nenhuma ligao com o cluster da
RTX. No biotipo clssico, houve uma deleo que removeu o terminal 5 do gene rtxA,
todo o gene rtxC e uma parte do terminal 5 do gene rtxB. A deleo de 7.869 pb (Lin
et al., 1999; Chow et al., 2001). O cluster RTX intacto nas linhagens de V. cholerae
O139 e em isolados ambientais, sugerindo ento que a presena do cluster RTX precede
a aquisio do elemento vizinho CTX (Lin et al., 1999). Uma anlise da composio
trinucleotdica sugere que a regio da RTX foi adquirida horizontalmente junto com
mais dois genes que se encontram a jusante ao cluster da RTX que codificam para um
sensor histidina quinase e um regulador, podendo estes estarem envolvidos na expresso
da unidade transcricional da RTX (Heidelberg et al., 2000).
A RTX de V. cholerae diferente em sua estrutura, das demais toxinas RTX
conhecidas, no estando ainda completamente definida a sua forma de ao (Lin et al.,
1999). O efeito citolgico que a RtxA de V. cholerae induz em culturas de clulas o
arredondamento celular, fentipo que mantido mesmo nos mutantes em CTX (Fullner
& Mekalanos, 2000). A formao de poros e necrose estaria excluda da atividade da
toxina RTX dessa espcie bacteriana.
-
44
Figura 3: Representao esquemtica da organizao gentica do cluster da toxina RTX
em V. cholerae. As fases abertas de leitura so mostradas como setas que correspondem
direo de transcrio. A barra representa a deleo encontrada no biotipo clssico
(adaptado de Chow et al., 2001).
1.8.5. Hemolisina/citolisina (hlyA), fator quimiottico (hlyB), Fosfolipase (lec),
lipases (hlyC ou lipA e lipB) e metaloprotease (prtV)
Acoplado ao locus hly de V. cholerae esto vrios determinantes associados
a virulncia, incluindo uma fosfolipase (lec), uma hemolisina (hlyA), e um transdutor
quimiotxico (hlyB). Anlise da sequncia da regio a jusante revelou trs ORFs que
correspondem aos genes lipA, lipB e prtV cujas localizaes encontram-se apresentadas
na Figura 4 (Ogierman et al., 1997). Essa mesma organizao foi demonstrada em
outras espcies do gnero Vibrio, como por exemplo, em Vibrio mimicus (Kang et al.,
1998). A presena do locus lecitinase-hemolisina-lipase, entre as linhagens toxignicas
de V. cholerae dos diversos sorogrupos e biotipos, sugere que a lecitinase possa ser um
componente de um grupo de enzimas cuja funo causar dano membrana celular dos
entercitos (Fiore et al., 1997).
Em V. cholerae foi identificado o gene lec que codifica para uma fosfolipase
denominada de lecitinase. A anlise de sua sequncia mostrou uma fase aberta de leitura
de 1254 pb codificando uma protena de 418 aminocidos (Fiore et al., 1997). Essa
rtxA rtxC rtxB rtxD
-
45
fosfolipase parece causar citotoxidade, porm no provoca acmulo de fluido nas alas
intestinais de coelhos (Fiore et al., 1997).
A regio hly foi clonada em 1984 (Goldberg & Murphy, 1984; Manning et
al., 1984) e apresentada a seguinte composio de genes, hly A, hly B, e hly C, que na
ocasio supos-se estarem envolvidos na produo de uma hemolisina/citolisina
(Manning et al., 1984).
Figura 4: Representao esquemtica da organizao gentica do locus hly (~ 8,2 kb)
em V. cholerae. As fases abertas de leitura so mostradas como setas que correspondem
a direo de transcrio (adaptado de Ogierman et al., 1997).
Cepas de V. cholerae El Tor produzem e secretam uma toxina citoltica (El
Tor citolysin/hemolysin) em meio de cultura. O gene hlyA, que representa o gene
estrutural da citolisina, ao ser deletado (Kaper et al., 1989) do DNA cromossomal de
uma cepa de V. cholerae El Tor, resultou na perda da sua atividade hemoltica. Por este
motivo, passou-se a utilizar, entre outros, este marcador para diferenciar o V. cholerae
biotipo clssico do El Tor.
A citolisina/hemolisina produzida pelas cepas de V. cholerae NAG
imunologicamente e estruturalmente indistinguvel da citolisina/hemolisina do El Tor
lec
Fosfolipase (lecitinase) Hemolisina Lipase
hlyA hlyB
lipA ouHlyC
Transdutor
quimiotxico
lipB
prtV
Lipase
acessria Metaloprotease
-
46
(Yamamoto et al., 1984; Yamamoto et al., 1986) e tem atividade enterotxica (Ichinose
et al., 1987), sugerindo que esta pode contribuir para patognese da gastroenterite
causada por algumas cepas de V. cholerae que no possuem o gene que codifica para a
toxina colrica (Ichinose et al., 1987).
Esta citolisina/hemolisina (HlyA) a toxina mais amplamente distribuda
entre os vbrios patognicos (Shinoda, 1999) e parece estar ausente ou com uma baixa
expresso nas supostas linhagens ambientais avirulentas (Kaper et al., 1995;
Guhathakurta et al., 1999). Apresenta efeito hemoltico em uma grande variedade de
eritrcitos e efeitos citotxicos em culturas de clulas de mamferos (Honda &
Finkelstein, 1979; McCardell et al., 1985). A citolisina/hemolisina provoca acmulo de
fluido em alas ileais de coelho e em modelos de camundongo recm-nascido, porm, o
efeito produzido em resposta hemolisina distinto daquele causado pela CTX, j que
o fluido produzido vem acompanhado de sangue e muco (Ichinose et al., 1987; Zitzer et
al. 1993).
Estudos realizados por Coelho et al. (2000) e por Figueroa-Arredondo et al.
(2001) mostraram tambm que a induo da formao de vacolos em culturas de
clulas HeLa e Vero por filtrados de V. cholerae est associada a esta
citolisina/hemolisina. Esse efeito vacuoltico parecido com o induzido pela citotoxina
VacA de Helicobacter pylori (Montecucco & Rappuoli, 2001).
O papel da hemolisina como fator diarreiognico ainda debatido (Singh et
al., 1996). Um estudo com a vacina feita com mutantes de V. cholerae indicou que a
hemolisina no teria papel na patognese desta bactria (Levine et al., 1988), porm a
deleo do gene hlyU, um regulador da expresso do gene da HlyA, levou a uma
drstica diminuio da virulncia em modelo animal (Williams et al., 1993). Alm
-
47
disso, existem vrias evidncias para a atividade tanto citotxica (Honda & Finkelstein,
1979; McCardell et al., 1985; Zitzer et al., 1997) quanto enterotxica (McCardell et
al.,1985; Ichinose et al., 1987) desta molcula.
HlyB, um transdutor quimiottico tambm codificado neste locus, pode
monitorar o estatus de nutrientes do ambiente em que o microrganismo se encontra e
sinalizar para que a bactria movimente-se de acordo (Ogierman et al., 1997).
O operon da lipase de V. cholerae consiste dos genes lipA e lipB (Ogierman
et al., 1997). O gene lipA foi anteriormente descrito como hlyC que codificava para
uma protena de 18.3kDa (Alm & Manning. 1990; Manning 1994; Casanova &
Peterson, 1995), entretanto, estudos posteriores mostraram tratar-se de uma protena
com 33kDa na sua forma no processada e 30kDa na sua forma processada (Ogierman
et al., 1997).
O papel da lipase (lipA ou hlyC) na virulncia e/ou patogenicidade do V.
cholerae ainda permanece obscuro. A lipase poderia atuar na destruio de clulas do
sistema imune do hospedeiro hidrolisando a membrana lipdica e ento liberando cidos
graxos, que seriam metabolizados pelo V. cholerae. Foi proposto tambm que a lipase
ajudaria na quebra da camada de muco que protege o epitlio intestinal, aumentando
ento, a capacidade de colonizao (Fiore et al., 1997). Em relao a lipase acessria,
codificada pelo gene lipB, tem sido demonstrada sua essencial participao na
efetivao da atividade da protena LipA (Ogierman et al,. 1997).
O gene prtV parece codificar uma metaloprotease baseado na homologia
com uma metaloprotease de B.thuringiensis (Ogierman et al., 1997). De um modo geral,
toda esta regio (Figura 4) pode ser parte de uma ilha de patogenicidade que capaz de
-
48
causar dano as clulas do hospedeiro e/ou alterar as condies intestinais para favorecer
o crescimento bacteriano (Ogierman et al., 1997).
1.8.6. Outras toxinas
Embora a maioria das linhagens de V. cholerae NAG no tenha potencial
epidmico, algumas so identificadas como agentes causadores de casos clnicos
espordicos e surtos localizados, relacionados a uma gastroenterite similar clera em
vrios pases, incluindo ndia e Bangladesh, Guiana, Brasil, Peru, Argentina, Japo e
Estados Unidos (Levine et al., 1982; Morris & Black, 1985; Honda et al., 1988;
Rodrigue et al, 1994; Dalsgaard et al., 1995b; Coelho et al., 1995b; Saha et al., 1996;
Sharma et al., 1998; Pal et al., 1999; Pichel et al., 2003). Alm das infeces
gastrointestinais, essas linhagens esto associadas a vrias infeces no homem como
infeces em feridas (Hughes et al., 1978), celulite (Gelbart & Prabhudesai, 1986), e
septicemia (Safrin et al., 1988). Alguns isolados de V. cholerae NAG produzem toxinas
CTX-like; apesar da maioria no produzi-las (Zinnaka & Carpenter, 1972; Spira &
Fedorka-Cray, 1983; Yamamoto et al., 1983), foi possvel a deteco de atividades
hemoltica e citotxica in vitro na maioria das linhagens enteropatognicas CTX
negativas estudadas at agora (Moyenuddin et al., 1992; Dalsgaard et al., 1995b; Saha
et al., 1996; Sharma et al., 1998; Coelho et al., 2000; Pichel et al., 2003). A diarria
secretria, similar clera, determinada por mecanismo distinto daquele relacionado
patognese da clera propriamente dita e pode envolver a participao de um ou mais
fatores citotxicos (Yamamoto et al., 1986; Gyobu et al., 1991a; 1991b; Dalsgaard et
al., 1995b; Mitra et al., 1998; Sharma et al., 1998; Lally et al., 1999; Coelho et al.,
2000; Pichel et al., 2003). Alguns fatores de virulncia foram propostos para tentar
-
49
explicar as manifestaes clnicas produzidas por essas linhagens enterotxicas no
toxignicas. A enterotoxina termo-estvel ST considerada um potencial fator de
virulncia detectado quase que exclusivamente no grupo no-O1 (Ogawa et al., 1990;
Morris et al., 1990; Hoge et al., 1990; Pal et al., 1992; Vicente et al., 1997). Vrios
outros fatores de virulncia tambm j foram descritos em isolados de V. cholerae no
toxignicos, como hemolisinas (Yamamoto et al., 1986), TDH (hemolisina direta
termoestvel) similar a do Vibrio parahaemolyticus (Honda et al., 1985), toxina Shiga-
like (SLT) (OBrien et al., 1984), enterotoxina termo-lbil (Yamamoto et al., 1983) e
hemaglutininas (Hanne & Finkelstein, 1982; Datta-Roy et al, 1986). A evidncia da
presena de outro fator citotxico ainda desconhecido, capaz de iniciar uma resposta
secretria, tambm pode ser percebido em estudos com voluntrios que foram vacinados
com vacinas orais recombinantes onde foi observada uma diarria residual (Mitra et al.,
1998).
1.9. TRANSFERNCIA HORIZONTAL DE GENES
A transferncia horizontal de genes entre procariotos um fenmeno
permanente que tem um importante significado na evoluo bacteriana (de la Cruz &
Davies, 2000; Ochman et al., 2000; Jain et al., 2002).
Estudos demonstraram que a transferncia horizontal de genes contribui
para algumas importantes caractersticas de vibrios, como patogenicidade e explorao
de nichos ecolgicos (Boyd et al., 2000; Rowe-Magnus et al., 2001; Rowe-Magnus et
al., 2002). O V. cholerae compreende uma variedade de linhagens e biotipos que
recebem e transferem genes de toxinas, fatores de colonizao, resistncia a
antibiticos, polissacardios capsular e novos antgenos de superfcie (lipopolissacardio
-
50
0139 e o antgeno capsular O) (Waldor et al., 1994; Bik et al., 1995; Brown & Taylor,
1995, Waldor & Mekalanos, 1996; Karaolis et al., 1999; Hochhut & Waldor, 1999;
Yildiz & Schoolnik, 1999). Esses eventos mediaram a transformao de cepas
avirulentas para aquelas cepas que foram capazes de causar surtos de diarria (Boyd et
al., 2000).
1.10. INTEGRONS EM Vibrio cholerae
O sequenciamento do genoma completo de um isolado de V.cholerae do
biotipo El Tor (Heidelberg et al., 2000) mostrou a presena de um cluster gnico (Hall
et al., 1993) contendo estruturas caractersticas de recombinao e aquisio de genes,
da mesma forma que, a presena de um superintegron (Recchia et al., 1997; Clark et al.,
2000)
est tambm demonstrada nesta bactria. Estudos recentes tem sugerido o
mapeamento de integrons por PCR e o sequenciamento do DNA de seu contedo
gentico como uma importante ferramenta epidemiolgica para estudar a evoluo e a
disseminao de resistncia aos antimicrobianos em V.cholerae (Dalsgaard et al.,
2000b).
Os integrons so elementos genticos versteis caracterizados por sua
capacidade de inserir, arranjar e expressar genes atravs de um sistema de recombinao
stio-especfico. Esses elementos foram identificados pela primeira vez por Stokes &
Hall (1989). Estas estruturas no so elementos mveis, mas, quando associados a
transposons e/ou plasmdeos conjugativos, podem atuar como veculos da transmisso
intra- e inter-especfica de material gentico. Desta forma, podem ser observados em
vrios contextos genticos e estar distribudos em uma grande variedade de espcies
Gram-negativas e Gram-positivas (Rowe-Magnus & Mazel, 2001).
-
51
Um integron basicamente constitudo por trs elementos, o gene que
codifica uma integrase (intI), um stio de recombinao (attI) e uma regio promotora.
Podem ser divididos em dois grandes grupos: os integrons de resistncia (RI, resistance
integrons) e os superintegrons (SI). Os RI, que podem estar localizados no cromossomo,
nos plasmdios ou nos transposons, carreiam principalmente os cassetes gnicos que
codificam para resistncia a antibiticos e desinfetantes (Fluit & Schmitz, 2004). O
acmulo de loci exgeno pelo RI cria o integron de multi-rresistncia (MRI) (Rowe-
Magnus & Mazel, 1999). O SI um extenso integron que est localizado no
cromossoma bacteriano e que contem cassetes gnicos que apresentam uma variedade
de funes (Fluit & Schmitz, 2004).
Cassetes gnicos so elementos mveis que consistem de uma sequncia
codificadora (um gene funcional ou ORF) e uma sequncia de recombinao (stio
attC). So unidades que podem ser inseridas nos integrons independentemente, por ao
das integrases presentes nos mesmos. O arranjo de cassetes gnicos na regio varivel
dos integrons pode ser alterado pela exciso ou re-insero de cassetes individuais ou
ainda pela introduo precisa de novos cassetes gnicos (Collis et al., 1993).
Existem vrias classes de integrons, baseados no tipo de gene da integrase
(intI), que estas estruturas abrigam (Recchia et al., 1994; Collis et al., 2002a; Hansson
et al., 2002). Mais de 20 tipos de intI j foram identificadas (Collis et al., 2002a).
Dentre as inmeras classes de integron j identificadas, os de classes 1, 2 e 3 so os
mais frequentemente detectados e representam os chamados integrons de resistncia
(RI) ou de multiresistncia (MRI) por carrearem genes de resistncia a antibiticos
(Rowe-Magnus & Mazel, 2001). Mais de 70 diferentes cassetes gnicos de resistncia a
-
52
antibiticos j foram caracterizados nestas trs classes de integrons (Mazel & Davies,
1999).
Os integrons de classe 1 (IntI1) so os mais prevalentes e estudados dentre
as diferentes classes j descritas (Collis et al., 2001; Collis et al., 2002a). Esta classe de
integron frequentemente encontrada em plasmdios conjugativos ou associada com a
famlia de transposon Tn21, o que favorece a disperso dos cassetes gnicos de
resistncia a antibiticos (Hall, 1997; Girlich et al., 2001; Fluit & Schmitz, 2004) sendo
os mais relatados e onipresentes em bactrias com resistncia a antibiticos, sobretudo,
isolados clnicos.
A estrutura bsica de um integron classe 1 (Figura 5) compreende uma
regio 5conservada (CS) que inclui o gene da integrase de classe 1 (intI1), cujo produto
catalisa as reaes de recombinao stio-especfico, um stio de recombinao (attI1,
attC e stios secundrios), que consiste na regio varivel do integron, onde cassetes so
inseridos, uma regio promotora (Pant ou Pc), responsvel pela expresso dos cassetes
gnicos inseridos no integron e uma regio 3conservada, que usualmente abriga os
genes qacE1 e sulI que conferem resistncia aos compostos quaternrios e
sulfonamidas, respectivamente (Stokes & Hall, 1989; Recchia & Hall, 1995b; Hall &
Collis, 1995; Mazel et al., 1998; Rowe-Magnus et al., 2002; Fluit & Schmitz, 2004).
Os cassetes gnicos, quando presentes, se encontram entre os segmentos 5-
CS e 3-CS. Essa regio de insero de cassetes denominada segmento varivel do
integron, devido ao fato de apresentar uma enorme variao quanto ao nmero e tipo de
cassetes gnicos nela encontrados, predominantemente genes associados resistncia
aos antimicrobianos. A maioria dos cassetes possui a regio de incio de traduo, que
compreende o codon de iniciao, a sequncia de Shine-Dalgarno e um espaador
-
53
adequado (Fluit & Schmitz, 2004). Os cassetes gnicos tambm so caracterizados pela
ausncia de uma regio promotora, embora essa estrutura j tenha sido identificada
fazendo parte de um cassete gnico (Hall & Stokes, 1993). Dessa forma, essas unidades
mveis, quando inseridas em um integron, so expressas pela ao do promotor Pant ou
PC, localizado no segmento 5-CS desse elemento (Stokes & Hall, 1989).
Figura 5: Representao esquemtica de um integron de classe I com cassete gnico
inserido no seu segmento varivel. Adaptado de Mazel et al., 1998.
Integrons de classe 1 tem sido caracterizados em isolados clnicos e
ambientais de uma grande variedade de espcies bacterianas. J foi identificado em V.
cholerae clnico de diferentes reas geogrficas do mundo e sua distribuio e
importncia tem sido amplamente discutida (Dalsgaard et al., 1999; Falbo et al., 1999;
Dalsgaard et al., 2000a; 2000b; Dalsgaard et al., 2001; Thungapathra et al., 2002; Ehara
et al., 2004; Iwanaga et al., 2004; Fonseca et al., 2008).
Os integrons de classe 2 ocorrem em associao com transposons da famlia
do Tn7 e usualmente carreiam trs cassettes gnicos de resistncia: Trimetropina
(dfrA1), estreptotricina (sat1) e estreptomicina/espectinomicina (aadA1) (Hansson et al.,
SulIintI qacE1
5CS (segmento conservado) 3CS (segmento conservado)
segmento varivel
Stio de recombinao
Cassete gnico
SulIintI qacE1
5CS (segmento conservado) 3CS (segmento conservado)
segmento varivel
Stio de recombinao
Cassete gnico
http://jmm.sgmjournals.org/cgi/content/full/55/5/643#R5#R5
-
54
2002; Op