diversidade cultural para um desenvolvimento … · e promoÇÃo da diversidade das expressÕes...

15
DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: CONTRIBUIÇÕES DA CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO 1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas ao campo cultural, buscando uma participação ativa de seus agentes e uma visão voltada para a multiplicidade cultural e étnica presente na América Latina. Em paralelo, observa-se o crescimento de diretrizes e projetos que visam um desenvolvimento sustentável amplo e justo. Com base nessas premissas, pretende-se analisar, através das perspectivas dos objetivos da Agenda 2030, as contribuições da Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais adotadas pela Unesco em 2005, para a temática do desenvolvimento sustentável INTRODUÇÃO A dilatação da noção de cultura e patrimônio desde o final do século XX, tem gerado a emergência dos bens simbólicos à condição de patrimônio e estimulado, minorias e grupos étnicos, a reivindicarem e reconhecerem seus próprios referenciais culturais e identitários. Em contrapartida, no mesmo período, a questão ambiental toma força influenciada pelo período pós 2º Guerra Mundial com o medo nuclear, o crescimento desenfreado de países desenvolvidos, a poluição urbana, agrícola e industrial, e com movimentos de contracultura nos EUA. Novos estudos acerca do meio ambiente e do desastre ambiental, causados pelos modelos de industrialização dos países desenvolvidos, crescem. Surge então uma preocupação com o desenvolvimento de países emergentes. É dentro desse contexto de discussões que os dois documentos trabalhados nesse artigo se situam. A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais adotada pela Unesco em 2005, e a Agenda 2030 em 2015. O primeiro apresenta diretrizes para a proteção e promoção das diversidades culturais, reconhecendo sua importância e influência na sociedade. E o segundo traz objetivos a 1 Mestranda em História UNESP/Assis. Contato: [email protected]

Upload: others

Post on 30-Oct-2020

1 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL: CONTRIBUIÇÕES DA CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO

E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS

CAROLINA MANZANO1

Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas ao campo cultural,

buscando uma participação ativa de seus agentes e uma visão voltada para a

multiplicidade cultural e étnica presente na América Latina. Em paralelo, observa-se o

crescimento de diretrizes e projetos que visam um desenvolvimento sustentável amplo e

justo. Com base nessas premissas, pretende-se analisar, através das perspectivas dos

objetivos da Agenda 2030, as contribuições da Convenção para a Proteção e a Promoção

da Diversidade das Expressões Culturais adotadas pela Unesco em 2005, para a temática

do desenvolvimento sustentável

INTRODUÇÃO

A dilatação da noção de cultura e patrimônio desde o final do século XX, tem

gerado a emergência dos bens simbólicos à condição de patrimônio e estimulado,

minorias e grupos étnicos, a reivindicarem e reconhecerem seus próprios referenciais

culturais e identitários. Em contrapartida, no mesmo período, a questão ambiental toma

força influenciada pelo período pós 2º Guerra Mundial com o medo nuclear, o

crescimento desenfreado de países desenvolvidos, a poluição urbana, agrícola e

industrial, e com movimentos de contracultura nos EUA.

Novos estudos acerca do meio ambiente e do desastre ambiental, causados pelos

modelos de industrialização dos países desenvolvidos, crescem. Surge então uma

preocupação com o desenvolvimento de países emergentes.

É dentro desse contexto de discussões que os dois documentos trabalhados nesse

artigo se situam. A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das

Expressões Culturais adotada pela Unesco em 2005, e a Agenda 2030 em 2015. O

primeiro apresenta diretrizes para a proteção e promoção das diversidades culturais,

reconhecendo sua importância e influência na sociedade. E o segundo traz objetivos a

1 Mestranda em História – UNESP/Assis. Contato: [email protected]

Page 2: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

2

serem atingidos nos próximos quinze anos, para o alcance de um desenvolvimento

sustentável e justo.

Para melhor compreensão da temática e das discussões propostas, toma-se o

conceito de diversidade cultural como:

“Diversidade cultural” refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as

culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões

são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade

cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa,

se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade, mediante a

variedade das expressões culturais, mas também por meio dos diversos modos

de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais,

quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados.”(UNESCO, 2005:

3)

E o de desenvolvimento sustentável, encontrada no Relatório da Comissão

Mundial sobre o Meio Ambiente, como aquele "que atende às necessidades da geração

atual sem comprometer a capacidade de as gerações futuras atenderem suas próprias

necessidades." (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE, 1988:46)

Com base nessas definições, a elaboração da proposta visa uma discussão sobre

as possíveis contribuições da proteção e promoção da diversidade cultural para o

desenvolvimento sustentável e exercício da cidadania. Para tanto, primeiro será feita uma

apresentação teórica referente ao tema, seguida de uma análise através das perspectivas

dos objetivos da Agenda 2030, com enfoque no 8º, 10º e 11º, das possíveis contribuições

da Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões Culturais

adotadas pela Unesco em 2005, referente a temática.

GLOBALIZAÇÃO, PATRIMÔNIO E DIVERSIDADE CULTURAL

Um dos elementos essenciais que influencia o tema abordado é a globalização.

Para Milton Santos (2001), trata-se do “ápice do processo de internacionalização do

mundo capitalista.” (SANTOS, 2001: 23). Essa globalização como perversidade leva em

conta dois principais elementos, o estado das técnicas e o estado da política. Tem como

Page 3: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

3

pilares principais a unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a

cognoscibilidade do planeta e a existência de um motor único representado pela mais-

valia globalizada.

A unicidade da técnica trata-se da entrada de uma nova técnica a um conjunto já

pré-estabelecido das mesmas. Na história não existe técnica isolada e, na nossa época, ela

é marcada pela informação (cibernética, eletrônica ou informática). Essa técnica da

informação permite a comunicação entre as diversas técnicas existentes e tem um papel

central sobre o uso do tempo. Quando uma nova técnica surge, as outras não desaparecem,

mas cria-se uma cadeia de poder entre elas. “Quando um determinado ator não tem as

condições para mobilizar as técnicas consideradas mais avançadas, torna-se, por isso

mesmo, um ator de menor importância no período atual.” (SANTOS, 2001: 25).

A técnica dominante no tempo presente é invasora, não fica onde surgiu e se

espalha na produção e no território. Existe uma fragmentação tanto do mercado global

quanto das técnicas, já que no caso das empresas a produção também se encontra

deslocada.

A convergência dos momentos ou do tempo, está relacionada a afluência dos

momentos vividos. Do ponto de vista da física (tempo real), as empresas globais valem-

se da hora do relógio em diferentes localidades, para manutenção de seu funcionamento

contínuo. Do ponto de vista histórico, é o conhecimento instantâneo do que é o acontecer

do outro e da aceleração da história testemunhada pelo fim do século XX. Essa

informação instantânea e globalizada é intermediada pelas empresas de informação.

O motor único, tomado como a mais-valia universal, é possível graças a

internacionalização do produto, dinheiro, crédito, dívida, consumo e informação que

sustentam, arrastam e impõem-se mutuamente. Esse movimento faz crer, segundo Santos

(2001), a existência de um encaminhamento para uma homogeneização global gerada

pela mundialização da técnica e da mais valia.

A cognoscibilidade do planeta, permite ao homem a utilização das matérias primas

encontradas na natureza e a criação artificial de novos materiais em laboratórios. A

Page 4: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

4

tecnologia e a busca das empresas por mais conhecimento perante a mais-valia, gera um

aumento do conhecimento do planeta e, por consequência, exploração deste.

Esses pilares, no mundo globalizado, se transformam na tirania do dinheiro e da

informação, na competitividade da produção e consumo desenfreados. Onde,

“Há um verdadeiro retrocesso quanto à noção de bem público e de

solidariedade, do qual é emblemático o encolhimento das funções sociais e

políticas do Estado com a ampliação da pobreza e os crescentes agravos à

soberania, enquanto se amplia o papel político das empresas na regulação da

vida social.” (SANTOS, 2001: 38)

As técnicas da informação passam a ser utilizadas por grupos particulares ao invés

de servirem para benefício da sociedade. A periferia do capitalismo, fica mais periférica

porque não detém os novos meios de produção ou a capacidade de controle deles.

Para Santos (2001), essa noção de crescimento, acarretada pela maquiagem de

fatos e eventos, produz simultaneamente fábulas e mitos. A primeira fábula, a da aldeia

global, gera a ideia de que se sabe de forma instantânea o que se passa em qualquer lugar

do mundo, mas não mais com o que está próximo. A informação dos eventos passa a estar

vinculada a uma mídia e não mais advém da interação entre as pessoas.

O segundo mito é o do espaço e tempo contraídos, permitindo a realização de um

único mundo, onde o mercado global, as relações e o dinheiro se espalham difundindo-se

sobre raças, línguas e culturas. As particularidades são soterradas e, nessa humanidade

desterritorializada, ocorreria a queda das fronteiras com a globalização, supondo-se uma

cidadania universal.

Nesse contexto, a internacionalização do capital financeiro, a concorrência e a

competitividade se ampliam e geram:

“(...) individualismos arrebatadores e possessivos: individualismos na vida

econômica (a maneira como as empresas batalham umas com as outras);

individualismos na ordem da política (a maneira como os partidos

freqüentemente abandonam a idéia de política para se tornarem simplesmente

eleitoreiros); individualismos na ordem do território (as cidades brigando

Page 5: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

5

umas com as outras, as regiões reclamando soluções particularistas). Também

na ordem social e individual são individualismos arrebatadores e possessivos,

que acabam por constituir o outro como coisa.” (SANTOS, 2001, 47)

O uso das técnicas tem uma mudança qualitativa e quantitativa. Sua presença

torna-se obrigatória em países que suportam sistemas técnicos hegemônicos, devido a

função agregadora que as técnicas da informação carregam.

O território nesse processo também é afetado e passa a ter novos contornos,

características e definições situadas na ideia de localização. Atores com maior poder

tomam os melhores territórios, agora utilizados por multinacionais e fragmentados

conforme interesses particulares. Esse movimento gera uma cultura de massa que

estimula a competitividade, modifica relações sociais locais e falta com a preservação e

o respeito de costumes e culturas. O território perde sua identidade tornando-se global, o

que gera, segundo Santos (2001), uma esquizofrenia do local, causadora de conflitos

internos incitados por agentes externos.

Outra característica dessa globalização nociva se encontra no confronto entre

interesses socioeconômicos e ambientais. O progresso demanda o sacrifício da natureza

e do homem, exemplificados na desapropriação das terras, queimadas, desmatamento,

desmantelamento de terras indígenas e na poluição da atmosfera e da água. Esse

"progresso", permite então uma inovação, cujos benefícios se estendem a apenas um

determinado grupo ou parcela da sociedade. Aumenta-se a disparidade econômica entre

grupos, estados ou países ao invés de uma real redução da pobreza.

Esse contexto, por um lado, referente as relações entre homem e natureza no

século XX, globalização e alterações ambientais, incentiva uma politização do tema no

espaço público e cria demandas para promoção de um desenvolvimento sustentável.

Enquanto, por outro, influenciado pela homogeneização de idades, valores e costumes

sociais, incentiva uma atitude de proteção do patrimônio natural e cultural da

humanidade, reavaliado suas definições.

Page 6: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

6

O conceito de cultura ganha muitas dimensões e penetra no debate e na

problemática do desenvolvimento durante a segunda metade do século XX. Segundo

Elder Alves (2010), isso incentiva uma série de envolvimentos de organismos

transnacionais como a Unesco. Geram-se discussões a partir dos anos de 1990

envolvendo desenvolvimento e cultura, onde:

“A tensão central inscrita no seio da Unesco foi construída a partir da

consolidação e do grande crescimento da demanda mundial por bens e serviços

culturais, que resultou no aumento vertiginoso de alguns mercados culturais,

como o fonográfico, o editorial e o cinematográfico. O crescimento desses

mercados, que foram acompanhados do crescimento e da desregulamentação

de alguns mercados nacionais, como o mercado financeiro, ocorreu

simultaneamente à profusão de um conjunto de novas tecnologias da

informação e de uma infinidade de multimídias.” (ALVES, 2010: 540-541)

Essa transformação produz uma nova dinâmica no processo de globalização

cultural, acompanhada por uma industrialização simbólica. “O crescimento dos mercados

culturais mundiais e a expansão dos fluxos simbólicos globais geraram a sensação

generalizada de que o mundo estaria passando por um processo acelerado de

homogeneização e padronização cultural”. (MATTELART, 2005: 89).

Segundo Alves (2010), observa-se também uma assimetria entre os polos dessa

produção simbólica, como Estados Unidos e União Europeia; e entre os polos de

consumo, América Latina, África e Ásia. Essa globalização cultural potencializa antigas

assimetrias, como as já citadas, e aprofunda a divisão internacional do trabalho cultural.

É nesse contexto que o apelo global ao respeito das diversidades culturais cresce.

Une-se a luta pelas identidades regionais, perante essa configuração global unificadora, e

a defesa de políticas públicas de preservação e promoção de identidades e diversidades

culturais.

Segundo Sandra Pelegrini (2006), a concepção de proteção do patrimônio

ambiental também se transforma junto ao cultural. No século XIX vemos como única

solução o afastamento do homem das áreas naturais para proteção dessas. Essa concepção

Page 7: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

7

“de wilderness (ou mundo selvagem) favoreceu a criação de parques e estações

ecológicas americanas e a edificação de uma imagem incompatível entre a existência

humana e a conservação da natureza (...)” (PELEGRINI, 2006: 118).

Já no século XXI, passa a se reconhecer as populações tradicionais e suas

contribuições para conservação e manutenção da diversidade biológica. Busca-se, na

união dentre diversidade cultural, homem e natureza, uma gestão democrática dos

territórios e de áreas de proteção ambiental.

Em suma, com o surgimento e aprofundamento do mundo globalizado no século

XX, as concepções e relações entre desenvolvimento, cultura e meio ambiente se alargam.

O desenvolvimento passa a ser visto ainda como algo almejado, mas agora não nocivo ao

planeta. A natureza se liga às representações de memória coletiva, cristalizando

elementos fundadores de construções identitárias de diversas sociedades.

O PAPEL DA DIVERSIDADE CULTURAL NO DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

Com base nas questões já trabalhas e nas mudanças dos campos e visões referentes

a temática do desenvolvimento sustentável e da diversidade cultura, a análise a seguir

tomará como base a forma como as duas temáticas se apresentam nos documentos.

A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões

Culturais, foi o resultado da 33º reunião da Unesco realizado em Paris em 2005. A

convenção se destaca, dentre as outras realizadas anteriormente, por ter como foco

principal o compartilhamento da diversidade de expressões culturais existentes, através

de atividades, bens e serviços culturais.

A aprovação da convenção se tornou um instrumento de referência global, criando

compromissos, direitos e deveres, segundo Alves (2010). O documento publicado busca

um equilíbrio entre direitos e obrigações estabelecidos pelos os países signatários. Esses

devem se valer de recursos étnicos e jurídicos destinados a proteção de seus mercados

Page 8: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

8

culturais, e a adoção e implementação de políticas culturais e regionais para o respeito a

diversidade existente dentro de suas próprias fronteiras.

Esses direcionamentos valem principalmente para países em desenvolvimento,

porque trazem consigo, como no caso do Brasil, uma diversidade cultural vasta.

A consolidação da diversidade como direito, deve vir alinhada por políticas

governamentais que comprometam o acesso e expansão da mesma. Frente a essas

mudanças, observa-se igualmente um desenvolvimento material transpassado pela

expansão dos mercados culturais e consumo simbólico dessas expressões, como já dito.

Questiona-se agora como conciliar a diversidade cultural com a redução de desigualdades

sociais.

A Convenção para a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões

Culturais, logo em sua abertura, traz como principais elementos para essa discussão a

noção de saber, destacar, reconhecer e constatar que a diversidade cultural, a cultura, os

conhecimentos tradicionais e os processos de globalização, são essenciais e estratégicos

para criação de respeito e de um mundo rico e variado. Também servindo de motores

principais para o desenvolvimento sustentável de povos e nações.

Um dos seus principais objetivos se encontra na reafirmação da importância entre

cultura e desenvolvimento, encorajando ações de cunho nacional e internacional para o

reconhecimento desse vínculo. Dentre seus princípios diretores, destaca-se no documento

o 4º Princípio da Solidariedade e Cooperação Internacionais e o 6º Princípio do

Desenvolvimento Sustentável. Esses, respectivamente, trabalham a ideia de cooperação e

solidariedade internacionais para criação e fortalecimento de meios para expressão

cultural. Incluem indústrias culturais em níveis locais, nacionais e internacionais, bem

como tomam a proteção e manutenção da diversidade cultural como essencial para o

desenvolvimento sustentável.

Em seu Artigo 13 - Integração da Cultura no Desenvolvimento Sustentável e

Artigo 14 - Cooperação Para o Desenvolvimento, também é proposto que serão tomados

esforços para integração da cultura nas políticas de desenvolvimento. Além do fomento

Page 9: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

9

de proteção e promoção das diversidades das expressões culturais, por parte dos

participantes.

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, é o plano de ação composto

por 17 objetivos que englobam 167 metas. Criada em 2015, com o intuito de guiar ações

dos próximos quinze anos na área, busca o equilíbrio entre economia, sociedade e meio-

ambiente para eliminação da pobreza, das desigualdades sociais e econômicas e

transformações necessárias para um futuro sustentável e justo.

A nova agenda é o resultado atual de um processo histórico de discussões iniciadas

na Conferência de Estocolmo em 1972, que foram ampliadas em outras como a do Rio

de Janeiro em 1992 e a de Joanesburgo em 2002. Em um primeiro momento observou-

se uma preocupação com os danos causados ao meio ambiente pelos países desenvolvidos

e por aqueles em via de desenvolvimento, ampliando-se posteriormente as análises e

metas para o alcance de um desenvolvimento sustentável.

A novidade da Agenda 2030 encontra-se, com base no tema trabalhado nesse

artigo, na inclusão da cultura como conteúdo transversal aos objetivos propostos. Temas

em comum como proteção e salvaguarda do patrimônio cultural, educação, o potencial

para melhoria da condição da mulher na sociedade e relações entre local, regional e global

são assuntos equivalentes mencionados nos dois documentos, mas maior explorados na

agenda.

Aprofundando-se nos objetivos da Agenda 2030, busca-se uma discussão sobre

como a temática da diversidade cultural apresentada na convenção de 2005, pode ser

aplicada na demanda do desenvolvimento sustentável.

No objetivo 8, 8.3 e 8.92 da nova agenda, observa-se a necessidade de promoção

de um crescimento econômico sustentável e inclusivo, bem como a geração de empregos

2 Objetivo 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e

produtivo, e trabalho decente para todos.

8.3 promover políticas orientadas para o desenvolvimento, que apoiem as atividades produtivas, a geração

de emprego decente, o empreendedorismo, a criatividade e inovação, e incentivar a formalização e o

crescimento das micro, pequenas e médias empresas, inclusive por meio do acesso a serviços financeiros.

Page 10: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

10

e condições de trabalho descentes. Para tanto, a agenda propõe o apoio de atividades

produtivas e o implemento de políticas que promovam um turismo sustentável.

O turismo cultural, como discute Pelegrini (2006), é um grande aliado no fomento

da comercialização de produtos e serviços culturais. Gera oportunidades de

desenvolvimento econômico e social, e pode garantir a ação de mecanismos sustentáveis

de preservação de bens materiais e imateriais.

Outros documentos como as Recomendações de Nairóbi (1976) e a Carta do

Turismo Cultural (1976), também discutem os núcleos históricos e seu conjunto.

Abarcam a organização espacial e seus arredores, as edificações e seus entornos e as

atividades humanas desenvolvidas no local. Combinam o uso e a conservação dos bens

naturais e culturais para se evitar o acesso indiscriminado ao patrimônio.

A integração das áreas de meio ambiente, patrimônio cultural e atividades

turísticas pode ajudar na “reafirmação de códigos visuais das identidades cívicas,

patrióticas ou étnicas, na medida em que consiga agregar a população residente ao

“legado vivo” da história de sua cidade ou região.” (PELEGRINI, 2006: 128).

Boa parte dos centros históricas latino-americanos ainda enfrentam a degradação

do meio ambiente e dos bens culturais, a especulação e privatização do solo urbano,

pobreza e péssimas condições de existência e trabalho. Esses problemas contribuem para

crescente privatização da natureza e descaracterização do patrimônio, atingindo

diretamente também as metas do desenvolvimento sustentável.

Quando a diversidade cultura é desvalorizada, as populações não reconhecerem

mais a importância dela. A iniciativa do poder público e privado, deve vir aliado a

adaptação desse patrimônio, pautado por estratégias de gestão urbana. Isso implica,

segundo Sandra Pelegrini (2006), na adoção de medidas capazes de devolverem às

cidades ou aos conjuntos históricos, qualidades que antes estavam desaparecidas e sua

capacidade de desempenhar um papel social.

8.9 até 2030, conceber e implementar políticas para promover o turismo sustentável, que gera empregos,

promove a cultura e os produtos locais.

Page 11: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

11

O 11º3 e 12º4 objetivo da agenda, buscam um consumo responsável e a

transformação de cidades e assentamentos humanos em lugares inclusivos, seguros e

sustentáveis. Essas metas, aliadas a promoção da diversidade e proteção cultural, podem

evitar uma gentrificação dos espaços e expulsão da população residente.

Uma falsa restauração do patrimônio gera homogeneização dos centros históricos,

comercialização de produtos supostamente pertencentes a cultura local e força eventos

turísticos com apenas o intuito de atrair visitantes. Ocorre, segundo Pelegrini (2006), a

criação de datas comemorativas, festejos e rituais tomados como tradicionais.

“Projetos desse tipo não raro dissimulam uma pseudo auto-sustentabilidade,

fundamentada em postulados econômicos que visam reduzir os custos dos

investimentos públicos, mas que comprometem a gestão de políticas

ambientais e programas habitacionais e, sobretudo, esvaziam as questões da

responsabilidade social.” (PELEGRINI, 2006: 131)

Uma das saídas mais viáveis, são propostas de reabilitação que tenham enfoque

na promoção das identidades coletivas e apropriação dos bens culturais por parte da

população residente no local. Gerando acesso e exercício da cidadania.

As “Políticas de desenvolvimento devem permitir o incremento territorial e

socioeconômico culturalmente renovado e ecologicamente justo.” (PELEGRINI, 2006:

135). Novos padrões de preservação devem estar ligados a área de saneamento básico,

transporte e habitação. Pautados em um estudo de interação dessas áreas urbanas, que

3 Objetivo 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.

11.3 até 2030, aumentar a urbanização inclusiva e sustentável, e a capacidade para o planejamento e a

gestão participativa, integrada e sustentável dos assentamentos humanos, em todos os países.

11.4 fortalecer esforços para proteger e salvaguardar o patrimônio cultural e natural do mundo.

11.a apoiar relações econômicas, sociais e ambientais positivas entre áreas urbanas, peri-urbanas e rurais,

reforçando o planejamento nacional e regional de desenvolvimento. 4 Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis.

12.8 até 2030, garantir que as pessoas, em todos os lugares, tenham informação relevante e conscientização

sobre o desenvolvimento sustentável e estilos de vida em harmonia com a natureza.

12.b desenvolver e implementar ferramentas para monitorar os impactos do desenvolvimento sustentável

para o turismo sustentável que gera empregos, promove a cultura e os produtos locais.

Page 12: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

12

admitem suas características e aplicam procedimentos desenvolvidos conforme as

necessidades locais.

A proteção e direito à expressão das diversidades culturais também vai de

encontro com 10º5 e 16º6 objetivo da agenda, ligado a redução das desigualdades, inclusão

e empoderamento dentro da sociedade. Promovendo o respeito, a justiça, a paz, a

participação e a representatividade de todos os níveis da população.

A cultura, como parte integrante essencial da sociedade, é capaz de promover

mudanças profundas e significativas em seu meio. Aliada aos objetivos da Agenda 2030,

serve tanto para o mapeamento e reconhecimento do local, quanto para construção de

políticas de desenvolvimento sustentável, que se valham dessas características

particulares como essenciais para projetos e mudanças permanentes. Observando-se as

reais necessidades locais e suas possíveis soluções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo desse artigo foi levantar uma breve discussão sobre a importância da

diversidade cultural e do desenvolvimento sustentável, como pilares para construção de

uma sociedade mais justa e igualitária. Trazendo possíveis vislumbres de soluções que a

cultura tem a oferecer aos objetivos propostos na Agenda 2030.

Observa-se nos dois documentos uma preocupação constante com populações

locais ou, no caso da América-Latina, a população indígena. Se busca através do

reconhecimento de suas expressões, soluções para os problemas apresentados que, ao

mesmo tempo aproveitam-se de elementos culturais e os protejam, garantindo seus

direitos.

5 Objetivo 10. Reduzir a desigualdade dentro dos países e entre eles

10.2 até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente

de idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra 6 Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar

o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

16.7 garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis

16.b promover e fazer cumprir leis e políticas não discriminatórias para o desenvolvimento sustentável

Page 13: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

13

Na Agenda 2030, a cultura é caracterizada como um dos principais elementos

transversais e motor de mudança na sociedade. Entretanto, apesar dos avanços e das metas

em comum encontradas tanto na convenção de 2005 quanto na Agenda 2030, a cultura

não é tomada como um dos pilares da agenda que abarca sociedade, economia e meio-

ambiente.

A despeito dos avanços rumo a um desenvolvimento sustentável aliado a

diversidade cultural, como os brevemente apresentados aqui, ainda são necessárias mais

ações e estudos que busquem soluções criativas na cultura para os problemas enfrentados

até então. Revertendo não apenas os efeitos do que por muito tempo foi tomado como

uma globalização perversa, como também dando acesso e respeito aos grupos mais

atingidos.

Page 14: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVES, Elder Patrick Maia. Diversidade cultural, patrimônio cultural material e cultura

popular: a Unesco e a construção de um universalismo global. Soc. estado., Brasília , v.

25, n. 3, p. 539-560, Dec. 2010. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269922010000300007&l

ng=en&nrm=iso>. Acesso em: 26 de maio de 2020

COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO

(CMMAD). Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1988.

IPHAN - Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Carta do Turismo

Cultural. 1976. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=248>. Acesso em: 15 de jul. de

2020

IPHAN - Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Recomendações de

Nairóbi. 1976. Disponível em:

<http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=249>. Acesso em: 15 de jul de

2020

MATTELART, Armand. A Diversidade cultural e mundialização. São Paulo: Parábola,

2005.

Page 15: DIVERSIDADE CULTURAL PARA UM DESENVOLVIMENTO … · E PROMOÇÃO DA DIVERSIDADE DAS EXPRESSÕES CULTURAIS CAROLINA MANZANO1 Resumo: Cada vez mais, novas demandas têm sido incorporadas

15

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência

universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

PELEGRINI, Sandra C. A.. Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas

na esfera do patrimônio cultural e ambiental. Rev. Bras. Hist., São Paulo , v. 26, n. 51,

p.115-140, jun. de 2006. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882006000100007&l

ng=en&nrm=iso >. Acessado em: 19 de maio de 2020.

ONU. Organização das Nações Unidas. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

2018. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/pos2015/> Acesso em: 15 de jul.de 2020

UNESCO E MINISTÉRIO DA CULTURA. Convenção Para Proteção e Promoção da

Diversidade das Expressões Culturais. Paris, 2005.