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Universidade Presbiteriana Mackenzie Centro de Cincias Sociais e Aplicadas Programa de Ps-Graduao em Administrao de Empresas

Desenvolvimento de competncias para a sustentabilidadeUm estudo sobre a gesto de projetos societais sob a perspectiva de grupos

Marcia Juliana dAngelo

So Paulo 2009

Marcia Juliana dAngelo

Desenvolvimento de competncias para a sustentabilidadeUm estudo sobre a gesto de projetos societais sob a perspectiva de grupos

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Administrao de Empresas da Universidade Presbiteriana Mackenzie para a obteno do ttulo de Mestre em Administrao de Empresas

Orientadora: Professora Dra. Janette Brunstein

So Paulo2009

Reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Professor Dr. Manasss Claudino Fonteles Decano de Pesquisa e Ps-Graduao Professora Dra. Sandra Maria Dotto Stump Diretor do Centro de Cincias Sociais e Aplicadas Professor Dr. Moises Ari Zilber Coordenador de Ps-graduao Professor Dr. Marcos Rizzoli Coordenadora do Programa em Administrao de Empresas Professora Dra. Darcy Mitiko Mori Hanashiro

Dedico esse trabalho a Maria Cndida dAngelo, exemplo de coragem e determinao.

Agradeo

Professora Janette Brunstein pela orientao efetiva, ateno, pacincia e carinho; aos entrevistados das oito organizaes pela colaborao e confiana em compartilhar as informaes nessa pesquisa; aos colegas Sami Buolos, Vivian Neri, Martin Mitteldorf, Ulysses Carraro e da equipe da Pieracciani Consultoria pelas indicaes de organizaes para a pesquisa; Ana Cristina dAngelo pelas revises dos textos; Professora Eliane Pereira Zamith Brito pelo apoio na resoluo de diversas questes ao longo do curso; ao MackPesquisa pelo apoio financeiro durante a pesquisa e pela bolsa de estudos durante a maior parte do curso; aos amigos do curso de mestrado pelo apoio espetacular, principalmente nos momentos mais complicados; aos demais amigos e familiares, especialmente Maria Cndida, pelo incentivo e compreenso pelas ausncias.

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo descrever e compreender o processo de desenvolvimento de competncias coletivas, sob a perspectiva de grupos, comits ou conselhos voltados s questes de sustentabilidade, na gesto de projetos societais nas organizaes. Pretendeu-se conhecer como estes grupos, responsveis pela implementao de tais iniciativas, entendem os conceitos de desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade e traduzem seus princpios em aes concretas e competentes prticas e polticas em consonncia com as metas de negcios das organizaes. O estudo apoiou-se nos autores interpretativistas em competncias, especialmente Jrgen Sandberg, que trabalha com a construo de significado de trabalho e tambm nos estudos de sensemaking de Karl Weick para analisar a construo de significado de sustentabilidade, que a base para os grupos desenvolverem suas competncias. Para tanto, foi conduzido um estudo qualitativo interpretativo bsico em oito organizaes cinco multinacionais e trs nacionais. Os dados, coletados por meio de anlise documental e de entrevistas semi-estruturadas, foram analisados segundo o processo de anlise de dados qualitativos proposto por Flores (1994). Os resultados mostram a circularidade do desenvolvimento de competncias societais a partir dos prsignificados esposados originados nos contextos de formao, educao e trabalho do indivduo, que so a base para a criao do significado de trabalho dos Grupos. Conclui-se que o significado de trabalho desses Grupos ainda no uma reviso da forma como os negcios devem ser conduzidos, e sim refinamentos contnuos a partir dos pr-significados esposados.

Palavras-chave: sustentabilidade, competncias grupais, projetos societais, construo do sentido, significado do trabalho

ABSTRACT

The purpose of this study was to describe and understand the collective competence development process, in perspective of groups, committees or councils for sustainabiliy issues, on societal projects management at organizations. It was explored here how theses groups, responsible for implementing such initiatives, understand the concepts of sustainable development and sustainability and building up concrete actions practices and policies in consonance with the business goals of the organizations. It was based on competence interpretative approach by Jrgen Sandbergs studies on understanding of work and on Karl Weicks studies on sensemaking to analyse the understanding of sustainability, the basis for groups competence development at work. Therefore, it was conducted a basic interpretive qualitative research in five multinational and three national organizations. The data were collected through semi-structured interviews and documentary analysis. It was used the codification method for data reduction and analysis by Flores (1994). The results show the circularity of societal competence development from spoused pre-understandings on originated in the individuals social action context of upbringingp, education and work, which provides the basic framework for understanding of work in groups. Findings suggest that the way of understanding work the meaning work in groups still is not a change in the way of running business at organizations, but continuous refinements from spoused preunderstandings on.

Key words: sustainability, group competence, societal projects, sensemaking, understanding of work

Sumrio

INTRODUO ...................................................................................................................... 13 1. PRTICAS DE SUSTENTABILIDADE ....................................................................... 21 1.1. O surgimento do conceito de desenvolvimento sustentvel ...................................... 21 1.2. O surgimento do conceito de sustentabilidade .......................................................... 26 1.3. A operacionalizao dos princpios do desenvolvimento sustentvel ....................... 31 1.3.1. A responsabilidade social corporativa.................................................. 32 1.3.2. Definindo e priorizando os stakeholders das organizaes .................. 38 1.3.3. Integrando os constructos sustentabilidade, responsabilidade social corporativa e gesto dos stakeholders ........................................ 42 1.3.4. Prticas de gesto socialmente responsvel no mbito brasileiro ........ 45 2. COMPETNCIAS COLETIVAS, CONSTRUO DO SENTIDO E SUSTENTABILIDADE ................................................................................................... 54 2.1. A noo de competncias no mbito das organizaes ............................................. 54 2.2. A integrao do referencial terico da pesquisa ........................................................ 58 2.3. A noo de competncias coletivas no mbito das organizaes ............................. 70 3. METODOLOGIA DA PESQUISA ................................................................................. 75 3.1.Natureza, tipo de pesquisa e estratgia metodolgica ................................................. 75 3.2.Critrio de seleo das organizaes ........................................................................... 76 3.3.Construo dos dados .................................................................................................. 77 3.4.Anlise dos dados ........................................................................................................ 77 3.4.1. Reduo de dados ................................................................................. 78 3.4.2. Disposio dos dados ........................................................................... 80

3.4.3. Obteno e verificao de concluses.................................................. 81 4. APRESENTAO, ANLISE E INTERPRETAO DOS RESULTADOS .......... 82 4.1 Trajetria dos grupos Tema 1................................................................................... 83 4.1.1 Histrico dos grupos voltados s questes de sustentabilidade ............ 83 4.1.2 Instrumentos de gesto dos grupos........................................................ 97 4.1.3 Modus operandi dos grupos ................................................................ 101 4.2 Pr-significado, significado (construo do sentido ou sensemaking) de sustentabilidade das organizaes, significado de trabalho dos Grupos Tema 2 ...................................................................................................................... 104 4.2.1 Pr-significado .................................................................................... 104 4.2.2 Significado (construo do sentido ou sensemaking) de sustentabilidade das organizaes Propriedades do processo de criao de significado.......................................................................... 110 4.2.2.1 As trs primeiras propriedades: construo da identidade, retrospeco e interpretao de ambientes perceptveis ...................................................... 111 4.2.2.2 As demais propriedades: carter Social, continuidade, foco em e por pistas extradas (foco nas referncias) e orientao pela plausibilidade ........................................... 134 4.2.3 Significado (construo do sentido ou sensemaking) de trabalho dos Grupos ............................................................................ 142 4.3 Desenvolvimento de competncias coletivas Tema 3 .......................................... 147 4.3.1 Competncias coletivas desenvolvidas ............................................... 147 4.3.2 Resultados dos grupos sob a perspectiva dos entrevistados ............... 165 CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 172 REFERNCIAS ................................................................................................................... 182 Apndice A Roteiro de entrevista........................................................................................ 188

Lista de figuras

Figura 1: Figura 2: Figura 3: Figura 4: Figura 5: Figura 6: Figura 7: Figura 8: Figura 9: Figura 10: Figura 11: Figura 12: Figura 13: Figura 14: Figura 15: Figura 16: Figura 17: Figura 18: Figura 19:

Origens, caractersticas e expanso do movimento ambientalista ...................... 22 Sustentabilidade corporativa segundo a abordagem Triple Bottom Line ............ 27 Evoluo do conceito/constructo de responsabilidade social corporativa .......... 33 Pirmide da Responsabilidade Social Corporativa ............................................. 35 Tipologia dos stakeholders.................................................................................. 40 Movimento das tendncias histricas de tica e responsabilidade social corporativa ........................................................................................................... 41 Modelo VBA valor, equilbrio e accountability............................................... 44 Aplicao da noo de competncia em situaes organizacionais .................... 56 Dimenses organizacionais da competncia ....................................................... 57 Integrao do referencial terico da pesquisa ..................................................... 58 Perfil do profissional ........................................................................................... 61 Processos de criao de significado nas organizaes ........................................ 69 Exemplos dos procedimentos de reduo dos dados .......................................... 78 Sistema de categorias .......................................................................................... 80 Temas abordados na pesquisa ............................................................................. 82 Responsabilidades e atribuies dos Grupos ...................................................... 91 Matriz de cidadania da Empresa de infraestrutura, servios financeiros e mdia ............................................................................................................... 133 Circularidade do desenvolvimento de competncias dos Grupos ..................... 143 Desenvolvimento de competncias societais a partir do significado atribudo ao trabalho.......................................................................................... 173

Lista de quadros

Quadro 1: Quadro 2: Quadro 3: Quadro 4: Quadro 5: Quadro 6: Quadro 7: Quadro 8: Quadro 9:

Comparao entre ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentvel ............ 23 As cinco dimenses do desenvolvimento sustentvel ......................................... 29 Definies de responsabilidade social................................................................. 34 Categorias da responsabilidade social corporativa.............................................. 36 Exemplos de melhores prticas de responsabilidade social corporativa ............. 48 Propriedades da construo do sentido (sensemaking) ....................................... 66 Relao alfabtica dos cdigos e definio das categorias correspondentes ...... 79 Exemplos de tabelas usadas para fazer a comparao de dados ......................... 81 Caractersticas dos grupos pesquisados............................................................... 85

Quadro 10: Funcionamento das reunies ............................................................................. 101 Quadro 11: Critrios de seleo e perfil dos participantes ................................................... 105 Quadro 12: Matriz I de pr-significado dos Grupos............................................................. 108 Quadro 13: Construo da identidade de sustentabilidade da Empresa de tubos e conexes ............................................................................................................ 113 Quadro 14: Ambiente interpretado ou significativo da Empresa de tubos e conexes ........ 116 Quadro 15: Construo da identidade de sustentabilidade da Empresa de concesso de rodovias ............................................................................................................. 117 Quadro 16: Ambiente interpretado ou significativo da Empresa de concesso de rodovias ............................................................................................................. 118 Quadro 17: Construo da identidade de sustentabilidade da Instituio Financeira .......... 119 Quadro 18: Ambiente interpretado ou significativo da Instituio financeira ..................... 121 Quadro 19: Construo da identidade de sustentabilidade da Empresa de saneamento bsico ................................................................................................................. 121 Quadro 20: Ambiente interpretado ou significativo da Empresa de saneamento bsico ..... 123 Quadro 21: Construo da identidade de sustentabilidade da Empresa de servios de anlise e informao ..................................................................................... 123

Quadro 22: Ambiente interpretado ou significativo da Empresa de servios de anlise e informao .......................................................................................... 125 Quadro 23: Construo da identidade de sustentabilidade da Empresa de sade e bem-estar ........................................................................................................... 126 Quadro 24: Ambiente interpretado ou significativo da Empresa de sade e bem-estar....... 128 Quadro 25: Construo da identidade de sustentabilidade da Empresa de solues de infraestrutura ..................................................................................................... 129 Quadro 26: Ambiente interpretado ou significativo da Empresa de solues de infraestrutura ..................................................................................................... 130 Quadro 27: Construo da identidade de cidadania da Empresa de infraestrutura, servios financeiros e mdia ............................................................................. 131 Quadro 28: Exemplos de algumas fontes de informaes ................................................... 138 Quadro 29: Matriz II de pr-significado dos Grupos ........................................................... 140 Quadro 30: Matriz de significado de trabalho dos Grupos .................................................. 145 Quadro 31: Matriz de competncias dos Grupos ................................................................. 148

Lista de tabelas

Tabela 1: Comparao da variao (%) do ISE ........................................................................ 51

INTRODUO

O advento do paradigma desenvolvimento sustentvel tem suscitado duas correntes opostas: uma que acredita nesta idia-fora e defende a possibilidade da existncia de uma sociedade e de organizaes sustentveis; e outra que ctica e ainda tem dvidas quanto sua aplicabilidade. A despeito dessa controvrsia, no Brasil, algumas organizaes privadas, como o Banco Real, Bradesco, Banco Ita, CPFL, AES Tiet, Empresa de servios de anlise e informao e Anglo American (GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE, 2008), tm procurado incorporar polticas e prticas de sustentabilidade. Uma forma pela qual isso vem acontecendo por meio da formao de grupos ou comits de sustentabilidade que se ocupam da disseminao e operacionalizao do conceito na organizao. Discutir a forma como tais grupos ou comits entendem sustentabilidade e traduzem seus princpios em aes concretas e competentes em consonncia com as metas de negcios o tema central desta pesquisa. Mas em que contexto emerge a preocupao das empresas com sustentabilidade? Algumas das concluses dos relatrios do Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas (IPCC) ou Intergovernmental Panel on Climate Change corroboram a importncia da adoo das prticas socialmente responsveis por estas organizaes (WWF-BRASIL, 2008). O IPCC, vencedor do Prmio Nobel da Paz de 2007, foi criado em 1988, a partir da percepo de que a ao humana poderia estar exercendo uma forte influncia sobre o clima do planeta e que seria necessrio acompanhar esse processo. No primeiro relatrio divulgado em 2 de fevereiro de 2007, os cientistas concluem, com 90% de certeza, que a ao humana foi responsvel pelo aumento de temperatura do planeta nos ltimos 50 anos e que os efeitos se estendem a outros aspectos do clima, como elevao da temperatura dos oceanos, variaes extremas de temperatura e at padres dos ventos. Essa mudana climtica causada, sobretudo, pela emisso de gases, como o dixido de carbono (CO2), xido nitroso (N2O) e metano (CH4), que causam o efeito estufa. O IPCC estima que, at o fim deste sculo, a temperatura da Terra dever subir entre 1,8C e 4C, o que aumentaria a intensidade de tufes e secas. Nesse cenrio, um tero das espcies do planeta estaria ameaado. Populaes estariam mais vulnerveis a doenas e desnutrio. Para

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garantir a qualidade de vida atual, preciso que o aumento da temperatura mdia do planeta no ultrapasse 2 C em relao aos nveis pr-industriais, na metade do sculo XIX. O segundo relatrio foi divulgado no dia 6 de abril de 2007 e abordou os impactos das mudanas climticas, com um captulo dedicado apenas Amrica Latina, com detalhes sobre o Brasil. As projees indicam um cenrio devastador sobre os principais impactos do aquecimento global no meio ambiente e na economia, caso no sejam adotadas medidas concretas para diminuir o aumento da temperatura do planeta. No Brasil, h impactos significativos em vrias reas como na Amaznia, no semi-rido nordestino e nas regies litorneas. Os mananciais de gua doce, que abastecem milhes de pessoas no mundo esto em risco, aponta o relatrio. Na Regio Amaznica, por exemplo, as pessoas podem ser afetadas por temperaturas ainda mais altas no vero em algumas reas, por um aumento na freqncia de secas severas como a de 2005 e pela transformao da floresta em uma vegetao muito mais aberta, parecida com o cerrado, especialmente na regio leste. No Nordeste brasileiro, as temperaturas subiro ainda mais, passando de uma regio semi-rida para rida e comprometendo a recarga dos lenis freticos. No Sudeste, a precipitao vai aumentar, com impacto direto na agricultura e nas inundaes e deslizamentos de terra. No terceiro relatrio, divulgado no dia 4 de maio de 2007, os cientistas alertam que possvel deter o aquecimento global se o processo de reduo das emisses for iniciado antes de 2015. De acordo com o documento, para salvar o clima do nosso planeta, a humanidade ter de diminuir de 50% a 85% as emisses de CO2 at a metade deste sculo. Para o Brasil, um dos maiores problemas na emisso de gases causadores das mudanas climticas o desmatamento. As queimadas oriundas da destruio das florestas representam 75% das emisses brasileiras. Sobre esse tema, o documento do IPCC aponta que 65% do potencial florestal de mitigao, isto , o que pode ser feito nas florestas para reduzir o aquecimento global, est localizado nos trpicos. Desse percentual, mais da metade pode ser alcanado apenas com o combate ao desmatamento ilegal. O IPCC indica tambm o uso de veculos mais eficientes como uma maneira de reduzir as emisses no setor de transportes, principalmente se abastecidos com biocombustveis como o lcool ou o biodiesel. Para reduzir a poluio nesse setor trocar o uso de rodovias, sistema largamente utilizado no Brasil, por ferrovias. O transporte pblico tambm deve ser melhorado e incentivado.

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Alm da proteo ambiental e do desenvolvimento econmico citados acima, o desenvolvimento sustentvel construdo sobre um terceiro pilar: o desenvolvimento social, nos mbitos local, nacional, regional e global. Em particular, na declarao de reafirmao do compromisso com o desenvolvimento sustentvel feita pela Cpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentvel (2002), os representantes das naes assumiram a responsabilidade coletiva de fazer avanar e fortalecer o desenvolvimento sustentvel e o compromisso de construir uma sociedade global humanitria, eqitativa, solidria e consciente da necessidade de dignidade para todos. Olhando para o pilar do desenvolvimento social, por exemplo, observam-se nesta declarao de reafirmao do compromisso com o desenvolvimento sustentvel, dentre outras, algumas preocupaes com: a instncia da promoo do dilogo e da cooperao entre os povos e civilizaes do mundo, a despeito de raa, deficincias, religio, idioma, cultura e tradio para ampliar a solidariedade humana; a reafirmao do papel vital dos povos indgenas no desenvolvimento sustentvel; a garantia de que a valorizao da mulher e a igualdade de gnero estejam integradas em todas as atividades abrangidas pela Agenda 21 e pelas Metas de Desenvolvimento do Milnio e pelo Plano de Implementao de Joanesburgo; a conscincia de que, na busca de suas atividades legtimas, o setor privado tanto as grandes empresas quanto as pequenas tm o dever de contribuir para a evoluo de comunidades e sociedades eqitativas e sustentveis; a garantia de assistncia para ampliar oportunidades de emprego geradoras de renda, levando em considerao a Declarao de Princpios e Direitos Fundamentais no Trabalho da Organizao Mundial do Trabalho (OMT); a necessidade de que as corporaes do setor privado implementem suas responsabilidades corporativas em um contexto regulatrio transparente e estvel.

Diante desse quadro, questes como desenvolvimento sustentvel, consumo consciente e gesto socialmente responsvel passaram a fazer parte do cotidiano das organizaes, da sociedade e do governo. Segundo Shrivastava e Hart (1995), as organizaes tm principalmente duas foras motivadoras para tornarem-se sustentveis. Primeiro, a promulgao de leis mais severas, tanto no mbito nacional (por exemplo, a lei das cotas para

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portadores de deficincias fsicas, que obriga as empresas privadas com mais de 100 funcionrios a destinarem entre 2% e 5% de suas vagas para esse pblico) quanto no internacional (por exemplo, tornar o Protocolo de Kyoto lei internacional, considerado um passo essencial para combater as mudanas climticas), alm de vrios outros tratados internacionais. Uma segunda fora motivadora o fato de o consumidor estar mais atento, informado, exigente e cuidadoso em relao aos seus gastos. Um estudo internacional conduzido pela consultoria Ernst & Young intitulado "Riscos Estratgicos aos Negcios 2008: Os Dez Maiores Riscos s Empresas", com base nas anlises de mais de 70 especialistas ao redor do mundo, avaliou 12 setores da economia e indicou os 10 maiores riscos empresariais da atualidade. A novidade que, lado a lado com outras ameaas, aparece na nona posio pela primeira vez, o "radical green", ou a ameaa verde radical, que pode ser entendida como a adoo extremada de hbitos "verdes" que esto influenciando o comportamento das pessoas em geral. Essas pessoas representam uma parcela crescente de consumidores disposta a alterar seus hbitos de consumo para alternativas de produtos e servios ambientalmente corretas. Alm disso, esses clientes so bem informados, tm dinheiro e escolhem marcas (JORNAL ESTADO DE SO PAULO, 2008). Um exemplo a rede varejista Wal-Mart, que, desde 2006, vem tentando colocar mais produtos sustentveis nas gndolas. Na prtica, isso significa mais produtos orgnicos e aumento da presena de produtos feitos a partir de materiais reciclados o lanamento mais recente foi um cobertor feito 100% a base de plstico pet. Tambm um estmulo para fornecedores desenvolverem embalagens menos poluentes e at banirem categorias que sejam consideradas inadequadas, como lmpadas incandescentes, de sua marca prpria (IBIDEM). Esse consumidor mais atento tem desafiado e provocado mudanas na estratgia de marketing das organizaes, que j esto trabalhando com o conceito de marketing ambiental, definido como a gesto holstica dos processos responsveis por identificar, antecipar e satisfazer as necessidades dos clientes e sociedade, de forma lucrativa e sustentvel (PEATTIE; CHARTER, 2003, p.727). O marketing ambiental ou verde tem incorporado atividades que vo desde a elaborao e modificao de produtos, mudana nos processos produtivos e mudana nas embalagens at uma mudana no perfil da propaganda. Ou seja, os profissionais de marketing tm que prestar ateno no somente aos processos internos de produo ou externos em relao aos consumidores, mas tambm ao impacto desta produo e consumo na qualidade de vida e no desenvolvimento sustentvel da sociedade (IBIDEM).

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Esses autores sugerem que, para o sucesso do marketing ambiental, necessrio que, aos quatro P do composto de marketing (marketing mix) Produto, Preo, Promoo e Ponto de venda , sejam adicionados os seguintes quatro S: Satisfao do consumidor; Segurana dos produtos e da produo para os consumidores, trabalhadores, sociedade e meio ambiente; aceitao Social (Social acceptability) dos produtos, da produo e das atividades da companhia e Sustentabilidade dos produtos. Porter e Kramer (2006) seguem na mesma direo e advogam que as organizaes devem ter uma nica estratgia: que abranja tanto a econmica quanto a de responsabilidade social. Para eles, as organizaes tm lanado mo de quatro argumentos para praticar a responsabilidade social independentemente da estratgia corporativa: obrigao moral, sustentabilidade, licena para operar e reputao. O ponto fraco destas quatro abordagens que o foco est na tenso entre os negcios das organizaes e a sociedade e no na interdependncia entre eles. Ou seja, as organizaes no podem investir dinheiro em suas aes motivadas pela culpa ou para melhor a imagem. Pelo contrrio, segundo os autores, as organizaes esto perdendo dinheiro porque ainda no aprenderam a enxergar a responsabilidade social como um intento estratgico. As organizaes, que estabelecem uma estratgia de responsabilidade social simplesmente para aplacar coeres de determinados stakeholders, passam a trabalhar para reagir aos ataques e isso no gera benefcios para o negcio ou para a sociedade. A conseqncia dessa fragmentao uma perda de oportunidade, j que o poder das organizaes em criar benefcio social dissipado, como tambm o potencial para aes que sustentariam tanto a sociedade quanto as metas dos negcios. Por conta disso, para Shrivastava e Hart (1995), o atendimento ao desafio da sustentabilidade passa por uma transformao de todas as dimenses da organizao, a qual eles denominam de Projeto da Organizao Sustentvel, a saber: misso, estratgias competitivas e corporativas, competncias essenciais (core competences), estrutura e sistemas formais, processos e cultura organizacionais e critrios de desempenho. No tocante s competncias essenciais (core competences), que uma das dimenses organizacionais da competncia, sob a forma coletiva (RUAS, 2005), uma organizao, segundo Prahalad e Hamel (1990), tem que se preocupar em desenvolv-las porque elas so as razes da competitividade. Para eles, uma organizao tem competncias essenciais (core competences) quando essas: i) oferecem acesso potencial a uma ampla variedade de mercados; ii) contribuem de maneira significativa para os benefcios percebidos dos clientes

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do produto final; iii) so difceis de serem imitadas pelos concorrentes e sero mais difceis ainda se forem uma complexa harmonizao das tecnologias individuais e das habilidades de produo. Contudo, segundo Ruas (2005, p. 42), confirmar a validao de competncias essenciais (core competences) ainda um processo bastante problemtico, j que h um ntido predomnio da perspectiva individual da competncia em relao coletiva. Mesmo quando usada a noo de competncias organizacionais, essa noo no tem a forma de competncias coletivas, mas sim de um conjunto de competncias individuais. Por conta disso, encontram-se poucas referncias na literatura e, na sua maioria, so apenas reflexes descontnuas o que no permite nenhuma afirmao mais conclusiva sobre o que sejam as competncias coletivas ou como elas se manifestam nas organizaes (BONOTTO; BITENCOURT, 2006, p. 1). Ruas (2005, p. 38) tambm reconhece que esse tema permanece um reduto bastante conceitual, apresentando pouqussimas incurses empricas, especialmente quanto construo de referenciais consistentes e abrangentes. Por outro lado, possvel identificar nas organizaes competncias que podem ser classificadas como do tipo organizacional, pois, alm de transitarem em todas as reas da organizao, contribuem significativamente para a sobrevivncia e/ou para a diferenciao das organizaes, as quais ele denomina de competncias organizacionais seletivas. E o desenvolvimento destas, em geral, originrio de competncias funcionais (grupos ou reas) (RUAS, 2005). E como, ainda segundo esse autor, as competncias funcionais parecem ser uma das instncias mais adequadas para que se possa avaliar a aderncia da noo estratgica de competncia (organizacional) s prticas de trabalho em cada uma de suas reas, ou seja, se as diretrizes expressas nas competncias organizacionais esto incorporadas ou no aos seus artefatos operacionais, levantou-se o seguinte problema de pesquisa: como o

desenvolvimento de competncias coletivas, sob a perspectiva de grupos, comits ou conselhos corporativos voltados s questes de sustentabilidade, pode contribuir para a gesto de projetos societais nas organizaes? Tal problemtica pode ser desmembrada em um conjunto de indagaes: qual o histrico desse Grupo? Como foi formado? Qual a sua estrutura? Qual o significado de sustentabilidade para o Grupo? Qual o escopo de suas crenas e aes? Quais so as suas estratgias? Como o Grupo lida com a dicotomia da busca desenfreada da organizao por

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resultados e a capacidade de incorporar os princpios da sustentabilidade nas diferentes reas da organizao? Como o Grupo negocia com a alta direo? Como a sua inter-relao com os diversos nveis da organizao? Quais so as tenses, problemas e conflitos do Grupo? Quais so as conquistas do Grupo? Posto isso, esta pesquisa tem por objetivo identificar o processo de desenvolvimento de competncias coletivas, sob a perspectiva de grupos, comits ou conselhos voltados s questes de sustentabilidade, na gesto de projetos societais nas organizaes. Pretendese conhecer como estes grupos, responsveis pela implementao de tais iniciativas, entendem os conceitos de desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade e traduzem seus princpios em aes concretas e competentes prticas e polticas em consonncia com as metas de negcios das organizaes. Os objetivos especficos so:1.

estudar a trajetria do Grupo responsvel pela disseminao do conceito de sustentabilidade nas organizaes; descrever a estrutura de gesto dos projetos societais constituda por este Grupo; discutir o significado que este Grupo atribui sustentabilidade e seus reflexos na sua forma de atuao nas organizaes; analisar a capacidade do Grupo de traduzir os princpios da sustentabilidade em aes concretas capazes de operacionalizar tais conceitos, em consonncia com as metas de negcios das organizaes; construir uma matriz que reflita o processo de desenvolvimento das competncias coletivas.

2.

3.

4.

5.

Para tanto, foi conduzido um estudo qualitativo interpretativo bsico em oito organizaes cinco multinacionais e trs nacionais. Os dados, coletados por meio de anlise documental e de entrevistas semi-estruturadas, foram analisados segundo o mtodo de categorizao de Flores (1994). Alm desta introduo, esta dissertao est estruturada em mais cinco captulos. O captulo 1 trata das prticas de sustentabilidade, abordando os conceitos de desenvolvimento sustentvel e de sustentabilidade, bem como a sua operacionalizao. O captulo 2 apresenta a integrao do referencial terico entre competncias coletivas e construo do sentido. O

20

captulo 3 detalha os procedimentos metodolgicos adotados nessa pesquisa e o captulo 4 mostra os resultados. Finalmente, so apresentadas as concluses do estudo, suas contribuies e limitaes.

21

1.

PRTICAS DE SUSTENTABILIDADE

Nessa pesquisa, as expresses desenvolvimento sustentvel e sustentabilidade so usadas de forma intercambivel, mas como o surgimento de cada uma delas tem trajetrias distintas, importante abord-las separadamente.

1.1.

O surgimento do conceito de desenvolvimento sustentvel

O desenvolvimento sustentvel um novo paradigma, na concepo kuhniana de padro normativo, referncia comum entre os autores que se dedicam ao estudo da inter-relao entre sociedade e meio ambiente (MONTIBELLER, 2004). Sua origem remonta ao surgimento do conceito de ecodesenvolvimento, oriundo da preocupao com a preservao do meio ambiente conjugada com a melhoria das condies socioeconmicas da populao. A construo desse novo conceito faz parte da crtica viso economicista e ao desenvolvimentismo, responsveis pelo reducionismo econmico e pela gerao dos problemas sociais e ambientais (IBIDEM). O termo foi introduzido por Maurice Strong, secretrio-geral da Conferncia Mundial das Naes Unidas para o Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972 e largamente difundido por Ignacy Sachs, a partir de 1974. Consistia na definio de um estilo de desenvolvimento adaptado s reas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilizao criteriosa dos recursos locais, sem comprometer o esgotamento da natureza, pois nestes locais ainda havia a possibilidade de tais sociedades no se engajarem na iluso do crescimento mimtico (GODARD, 1991; RAYNAUT; ZANONI, 1993 apud MONTIBELLER, 2004). Para Sachs (1981, p. 47 apud MONTIBELLER, 2004) ecodesenvolvimento significa:

Desenvolvimento endgeno e dependente de suas prprias foras, tendo por objetivo responder problemtica da harmonizao dos objetivos sociais e econmicos do desenvolvimento com uma gesto ecologicamente prudente dos recursos e do meio.

22

Com o tempo, a expresso foi substituda, com algumas diferenas, pelo termo desenvolvimento sustentvel pelo movimento ambientalista8 a Figura 1 mostra a sntese das origens, caractersticas e expanso do movimento ambientalista e foi utilizado primeiramente em 1986, na Conferncia Mundial da Unio Internacional pela Conservao da Natureza (IUCN), em Ottawa, Canad. Desde ento, desenvolvimento sustentvel passou a ser adotado como expresso oficial nos documentos emanados de organizaes como a Organizaes das Naes Unidas (ONU) e o Wordwide Fund for Nature (WWF). Duas outras razes fortaleceram esse conceito. A primeira que, por ser uma expresso mais neutra axiologicamente, pode ser incorporada tanto em propostas liberais como de esquerda. A segunda que, por exprimir uma economia maior com o funcionamento dos ecossistemas naturais, tornou-se atrativa para os ambientalistas (CASTRO, 1996). O Quadro 1 mostra as divergncias e convergncias entre os dois conceitos.

Institucionalizao do ambientalismo Movimento ambientalista global Preocupao dos governos e partidos e tambm da Igreja Catlica Surgimento das agncias governamentais Surgimento do conceito de ecodesenvolvimento, Estocolmo,1972

Ambientalismo dos cientistas Pela via da cincia emerge a preocupao ecolgica em mbito mundial

Entrada do setor empresarial Valorizao ou imposio ao produtor o cuidado ambiental

Anos 50

Anos 60Dcada das ONGs

Anos 70

Anos 80

Anos 90

Sculo XXIReafirmao do compromisso com o desenvolvimento sustentvel Cpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentvel, Joanesburgo, 2002

Incio da revoluo ambiental norteamericana preocupao com os problemas de deteriorao ambiental Expanso desta preocupao para a maioria dos pases Diversos grupos e organizaes aparecem de forma exponencial

Surgimento do termo desenvolvimento sustentvel Conferncia mundial da Unio Internacional pela Conservao da Natureza (IUCN), Ottawa,1986 Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Naes Unidas, Oslo,1987

Figura1:Origens,caractersticaseexpansodomovimentoambientalista Fonteprincipal:MONTIBELLER(2004);elaboraodaautora

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O conceito de desenvolvimento sustentvel e eqitativo fora, ento, colocado como um novo paradigma, estabelecendo como princpios: i) integrar conservao da natureza e desenvolvimento; ii) satisfazer as necessidades humanas fundamentais; iii) perseguir eqidade e justia social; iv) buscar autodeterminao social e respeitar a diversidade cultural; v) manter a integridade ecolgica (SACHS, 1981). Em 1987, a divulgao do Relatrio Brundtland intitulado "Nosso Futuro Comum, pela Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Naes Unidas, popularizou o termo desenvolvimento sustentvel, tornando sua definio a mais aceita at hoje e a que mais aproxima do consenso oficial.Quadro1:Comparaoentreecodesenvolvimentoedesenvolvimentosustentvel Conceitos Ecodesenvolvimento

DesenvolvimentoSustentvel

Divergncias

Atendimentodas necessidadesbsicasda populao Utilizaodetecnologias apropriadas

nfasenopapeldapoltica ambiental Responsabilidadecomos problemasglobaisecomas futurasgeraes

Visoholsticaconjuntodosaspectoseconmicos,polticos, culturais,sociais,ecolgicoseoutros Abordagemsistmicacomoasvriasdimenses Ambientalismo,aidiaforaodesenvolvimentoinseparvel dagestoderecursosnaturais Planoeplanejamentolocal,tendorefernciaglobal

Convergncias

Fonteprincipal:MONTIBELLER(2004);elaboraodaautora

No Relatrio Brundtland (1987, p. 54) desenvolvimento sustentvel aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a capacidade das geraes futuras de atenderem as suas prprias necessidades. Contm dois conceitos-chave: o de necessidades, sobretudo as essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a mxima prioridade; e a noo de limites limitaes impostas pelo estgio da tecnologia e da organizao social. Ainda de acordo com o relatrio, o desenvolvimento sustentvel requer o atendimento s necessidades bsicas de todos, dando a todos a oportunidade de realizar suas aspiraes a uma vida melhor.

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Examinando os detalhes desta definio, observa-se o seguinte (MONTIBELLER, 2004, p, 50):

desenvolvimento porque no se reduz a um simples crescimento quantitativo, pelo contrrio, faz intervir a qualidade das relaes humanas com o ambiente natural, e a necessidade de conciliar a evoluo dos valores socioculturais com a rejeio de todo processo que leva deculturao. sustentvel porque deve responder eqidade intrageracional e intergeracional.

Esse relatrio parte de uma viso crtica ao modelo de desenvolvimento adotado pelos pases industrializados e reproduzido pelas naes em desenvolvimento, ressaltando que um progresso econmico e social cada vez maior no poder basear-se na explorao indiscriminada e devastadora da natureza (IBIDEM). Ou seja, uma das premissas fundamentais da noo de desenvolvimento sustentvel o reconhecimento da insustentabilidade ou inadequao econmica, social e ambiental do padro de desenvolvimento das sociedades contemporneas (BECKER et al., 2002). O documento aborda as preocupaes comuns (ameaas, o papel da economia internacional); os desafios comuns (populao e recursos humanos, segurana alimentar, espcies e ecossistemas, energia, indstria e o urbanismo); e os esforos comuns (administrao das reas comuns, paz, segurana, desenvolvimento e o meio ambiente e propostas de mudana institucional). Os principais objetivos das polticas ambientais e desenvolvimentistas derivadas desse conceito de desenvolvimento sustentvel so: retomar o crescimento como condio necessria para erradicar a pobreza; alterar a qualidade do crescimento para torn-lo mais justo, eqitativo e menos intensivo em matrias-primas e energia; atender s necessidades humanas essenciais de emprego, alimentao, energia, gua e saneamento; manter um nvel populacional sustentvel; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar a tecnologia e administrar o risco; e incluir o meio ambiente e a economia no processo decisrio. Uma leitura mais aprofundada do Relatrio Brundtland (1987) conduz ao entendimento de que o desenvolvimento sustentvel um modelo de desenvolvimento socioeconmico, com justia social e em harmonia com o ecossistema. Ou seja, o desenvolvimento econmico, social, cientfico e cultural das sociedades garantindo mais sade, conforto e conhecimento, sem exaurir os recursos naturais do planeta. Isso porque se

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observa neste relatrio no somente a preocupao com o atendimento s necessidades bsicas de todos, com a extenso para todos das oportunidades para satisfazer suas aspiraes para uma vida melhor, como tambm a preocupao com o atendimento s necessidades humanas essenciais de emprego. Trata-se de um relatrio denso, consistente e coerente. Ao longo das 374 pginas no original em ingls; aborda as preocupaes, os desafios e os esforos comuns de todas as naes, nas vrias dimenses da realidade humana, como a econmica, social, ambiental, poltica, de sade, educao. Por isso, permite muitas interpretaes quanto sua abrangncia, sendo, portanto, passvel de crticas. Crticas como as de Haavelmo e Hansen (1991) que, segundo os quais, h contradies nesta tese do desenvolvimento sustentvel defendida pelo Relatrio Brundtland (1987). Para eles, a proposio bsica de produzir mais com menos deste relatrio e em autores que lhe deram seqncia, implica aceitar: i) que o padro de consumo vigente no mundo industrializado pode ser mantido, expandido e difundido globalmente; ii) que prevalece o status do consumidor; iii) que a tecnologia ser capaz de produzir cada vez mais utilizando menos recursos (otimismo tecnolgico). J Becker et al. (2002) questionam a quem caberia definir os parmetros valorativos e polticos capazes de nortear a integrao sistmica entre diferentes nveis da vida social entre a explorao dos recursos naturais, o desenvolvimento tecnolgico e a mudana social , derivada da noo de desenvolvimento sustentvel. Eles perguntam: trata-se de sustentar o qu? Futuro comum de quem e para quem? Tambm para esses autores, os esforos dos organismos oficiais para alcanar uma conceituao de desenvolvimento sustentvel capaz de ser aceita pela maioria dos atores e agentes econmicos no tm sido promissores. Da mesma forma, no h consenso acerca das vias de crescimento econmico que devem ser seguidas na perspectiva do desenvolvimento econmico. Essas vias deveriam levar em conta aquelas traadas pelos pases mais avanados industrialmente ou as dos pases pobres ou em desenvolvimento, questionam Becker et al. (2002). Tambm o desenvolvimento sustentvel proposto enfrenta posicionamentos

divergentes como o de algumas vertentes do ramo da economia ambiental a qual se dedica ao estudo da inter-relao entre desenvolvimento socioeconmico e meio ambiente. Para a primeira vertente, os problemas sociais e ambientais derivados de falhas do mercado tendem a ser resolvidos pelo prprio sistema, de forma espontnea ou induzida. Para uma segunda

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vertente, o mercado absorve somente uma parte dos custos sociais e ambientais, quando acuado por presso social e poltica. Neste caso, portanto, a sustentabilidade seria atingvel mediante a subjugao da racionalidade econmica racionalidade ambiental. Uma terceira vertente defende que os custos sociais e ambientais so inerentes ao funcionamento do sistema capitalista, que, por sua vez, no poder deixar de ger-los, sob pena de aprofundar a tendncia da taxa de lucro queda, com conseqncias negativas para a acumulao do capital (MONTIBELLER, 2004). Crticas parte, e apesar da difcil operacionalizao, o desenvolvimento sustentvel prope-se enquanto modelo para todo o planeta, para atender a todos, sem exceo. No Relatrio Brundtland (1987), no h diferenas. Os termos usados so universais: o planeta Terra, os homens (no se trata de gnero), a humanidade. Seus atributos principais podem ser assim expressos: transforma em utopia positiva o que visto de modo negativo, como a poluio, a degradao; manifesta um contedo tico preocupao com todas as geraes humanas; apazigua as preocupaes com relao ao futuro; abriga as apropriaes diversificadas, dada sua flexibilidade; e abre a possibilidade de reviso dos contedos econmicos e sociais na problemtica do desenvolvimento (GODARD, 1991 apud MONTIBELLER, 2004).

1.2.

O surgimento do conceito de sustentabilidade

A palavra e o conceito de sustentabilidade foram cunhados pelo socilogo ingls John Elkington ao fundar a consultoria SustainAbility em 1987, pouco antes da divulgao do Relatrio Brundtland. Mais tarde, em 1994, esse conceito foi ampliado para um modelo de mudana social que ficou conhecido como o "Triple Bottom Line" ou Trip da Sustentabilidade integrao entre as dimenses econmica, humana e ambiental , seguido dos termos People, Planet, Profit ou Pessoas, Planeta e Lucro. Formulados em 1995, ficaram conhecidos como a estratgia dos 3Ps. Este modelo de mudana social parte da idia de que as organizaes devem medir o valor que geram, ou o que destroem, nas dimenses econmica, social e

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ambiental (SUSTAINABILITY, 2008; ELKINGTON, 1999). A figura 2 mostra o conceito de sustentabilidade, segundo o Trip da Sustentabilidade, em suas trs dimenses propostas por Elkington (1999).

SUSTENTABILIDADE ECONMICA

Crescimento econmico

SUSTENTABILIDADE CORPORATIVA

Proteo ambientalSUSTENTABILIDADE AMBIENTAL

Comunidade eeqidadeSUSTENTABILIDADE SOCIAL

Figura2:SustentabilidadecorporativasegundoaabordagemTripleBottomLine Fonte:ELKINGTON(1999apudALMEIDA,2006)

Assim, sustentabilidade , na realidade, um modelo de gesto de negcios que visa o retorno (lucro) para os acionistas, envolvendo, a um s tempo, o desenvolvimento econmico, a promoo social e a proteo dos recursos naturais do planeta. Os negcios precisam ser gerenciados no apenas do ponto de vista financeiro, mas tambm considerando aspectos sociais e ambientais (ELKINGTON, 1999, p. 397). Para esse socilogo, no se trata de apenas limpar uma fbrica em particular ou fazer um trabalho filantrpico. Trata-se de uma agenda global. Uma agenda que no voltada apenas para proteger ou salvar coisas. sobre mudanas econmicas, sobre mudanas polticas (JORNAL VALOR ONLINE, 2008).

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As trs dimenses do modelo de Elkington (1999) so reconhecidas por Montibeller (2004), segundo o qual, este novo paradigma do desenvolvimento sustentvel pressupe um conjunto de sustentabilidades sintetizadas no trinmio: eficincia econmica, eficcia social e ambiental. Tambm so reconhecidas pelo Instituto Ethos (2006), fundado em 1998 e referncia no mercado brasileiro em responsabilidade social empresarial, que afirma que o adjetivo sustentvel traz ao conceito de desenvolvimento um enorme desafio: conciliar eficincia econmica, eqidade social e equilbrio ecolgico. Por isso, para Veiga (2005, p. 11), desenvolvimento sustentvel uma forte expresso utpica que veio para ficar. J Sachs (1993) grande divulgador do termo ecodesenvolvimento e que tambm passou a utilizar esta nova expresso mesmo apoiando as crticas de muitos autores quanto forma como o desenvolvimento sustentvel tratado no Relatrio Brundtland) acrescenta mais duas dimenses: a espacial e a cultural. O Quadro 2 mostra as cinco dimenses desse paradigma, no entendimento de Sachs (1993). Barbieri e Lage (2001) acrescentam uma sexta dimenso a este modelo: a poltica, entendida como o fortalecimento das instituies democrticas e a promoo da cidadania. Para isso, na avaliao dos pesquisadores, necessrio promover os direitos e as garantias fundamentais do ser humano, dentre elas, a liberdade de expresso, de associao, de locomoo, de acesso s informaes e outras indispensveis ao desenvolvimento pessoal e coletivo. Vale ressaltar que um projeto de desenvolvimento sustentvel no deve ser um projeto do governo, mas da sociedade como um todo, da a necessidade de assegurar a participao efetiva de todos os seus segmentos. Contudo, o Relatrio Brundtland (1987) aponta que, caso uma via de desenvolvimento se sustente em sentido fsico, teoricamente, ela pode ser experimentada mesmo num contexto social e poltico rgido. Portanto, ao se definirem os objetivos do desenvolvimento econmico e social, preciso levar em conta sua sustentabilidade em todos os pases desenvolvidos ou em desenvolvimento, com economia de mercado ou de planejamento central. Assim, o desafio da sustentabilidade, segundo o economista e filsofo Eduardo Giannetti (REVISTA BRASIL SUSTENTVEL, 2007, p. 26), do ponto de vista empresarial, mais do que vivel, indispensvel. Porque uma estratgia de negcio no-sustentvel pode ser autodestrutiva, principalmente porque sustentabilidade tem tudo a ver com escolhas no tempo, pois a busca do equilbrio entre os valores do passado, do presente e do futuro.

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Para a conquista da sustentabilidade, necessrio que se combinem trs requisitos, que se aplicam tanto aos indivduos, como s organizaes: capacidade de anteviso, estratgia e implementao (IBIDEM).Quadro2:Ascincodimensesdodesenvolvimentosustentvel Dimenses1.

ComponentesCriaodepostosdetrabalhoquepermitamaobteno derendaindividual Produodebensdirigidaprioritariamentes necessidadesbsicassociais Fluxopermanentedeinvestimentospblicoseprivados, comdestaqueparaocooperativismo Manejoeficientedosrecursos Absoro,pelaempresa,doscustosambientais Endogeneizao:contarcomsuasprpriasforas Produocomrespeitoaosciclosecolgicosdos ecossistesmas Prudncianousoderecursosnaturaisnorenovveis Prioridadeproduodebiomassaeindustrializao deinsumosnaturaisrenovveis conservaodaenergia11. Tecnologiaseprocessosprodutivosdebaixondicede

Objetivos

Sustentabilidade Social

2.

Reduziras desigualdadessociais

3.

Sustentabilidade Econmica

4. 5. 6. 7. 8. 9.

Aumentaraproduoe ariquezasocialsem dependnciaexterna

Sustentabilidade Ecolgica

10. Reduodaintensidadeenergticaeaumentoda

Melhoraraqualidade domeioambientee preservarasfontese recursosenergticose naturaisparaas prximasgeraes

resduos12. Cuidadosambientais 13. Descentralizaoespacial(deatividadesedepopulao

Sustentabilidade Espacial/Geogrfica

14. Descentralizao/democratizaodopoderlocale

regional15. Relaocidade/campoequilibrada

Evitaroaumentode aglomeraes

Sustentabilidade Cultural

16. Soluesadaptadasacadaecossistema 17. Respeitoformaoculturalcomunitria

Evitarconflitosculturais compotencial regressivo

Fonte:SACHS(1993apudMONTIBELLER,2004,p.51)

Para Giannetti, o que limita a adoo da sustentabilidade como norteador para as organizaes o que ele chama de miopia intertemporal. quando, segundo ele, as organizaes no se do por conta, por desconhecimento ou por no resistirem tentao, das conseqncias de certas escolhas. Trata-se do conceito de trocas intertemporais, em que se distinguem a posio credora paga-se agora para ter depois e a posio devedora vive-se agora para pagar depois. Em ambas, esto em jogo as conseqncias da escolha: o custo, a

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satisfao e o sacrifcio. Na posio de credora, o prmio de espera apresenta-se como uma recompensa da pacincia. J na devedora, ao contrrio, o termo de troca o preo a se pagar pela impacincia. O mesmo acontece quando se pratica a sustentabilidade que, afinal, significa agir no presente tendo em vista o futuro. Hoje, a humanidade est, ainda, na posio devedora: para viver o presente, est consumindo todo o patrimnio do planeta. Assim, Gianetti (BANCO ABN AMRO REAL, 2008), acredita que h duas formas de operacionalizar essa situao para revert-la: agir de maneira coerciva, com mecanismos de controle (proibir, fiscalizar e punir) e/ou criar sistemas de incentivo que motivem as pessoas a agir na direo desejada. Para John Elkington (JORNAL VALOR ONLINE, 2008), a maioria das organizaes ainda est apenas usando a linguagem da sustentabilidade, sem incorporar suas prticas. Segundo ele, quando o conceito foi criado, a maioria das organizaes lderes no campo da cidadania corporativa estava focada principalmente em meio ambiente. Na sua avaliao, algumas s preocupavam-se em quanto poderiam economizar com reduo de consumo de energia. Faziam uso do termo ecoeficincia9 obtida pela entrega de bens e servios com preos competitivos que satisfazem as necessidades humanas e trazem qualidade de vida, progressivamente reduzindo impactos ambientais dos bens e servios atravs de todo o ciclo de vida para um nvel, no mnimo, em linha com a capacidade estimada da Terra em suportar adotado pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentvel, em 1992. Alm disso, ainda segundo Elkington (IBIDEM), muitas companhias, particularmente nos EUA, consideram a dimenso social do desenvolvimento sustentvel ou do "triple bottom line" muito difcil. Para ilustrar, ele cita o exemplo de uma das maiores varejistas do mundo, a Wal-Mart, que adotou recentemente uma srie de medidas ambientais (vide exemplo mostrado na introduo desta pesquisa), com pouca atuao no aspecto social. Contudo, em termos de pontos fracos, a definio deste constructo sustentabilidade considerada restrita demais, falhando ao tratar, de forma adequada e explcita, os componentes ticos dos negcios, no indo alm de considerar os impactos societais e o ambiente natural. Tambm no aparenta tratar as responsabilidades legais dos negcios. Outra crtica ao conceito do triple botton line, proposto por Elkington (1999), a falta de validade prtica e conceitual (SCHWARTZ; CARROLL, 2008). Em termos de pontos fortes, esse constructo enfatiza a natureza de longo prazo do benefcio esperado para a sociedade. Tambm muda a perspectiva da organizao para o

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ambiente natural e as geraes futuras, alm de proporcionar uma perspectiva mais global (IBIDEM).

1.3.

A operacionalizao dos princpios do desenvolvimento sustentvel

Para Becker et al. (2002), a dinmica do processo de desenvolvimento contemporneo, que ser mais ou menos sustentvel, conforme combine as diferentes dimenses da vida humana: econmica, sociolgica, poltica, cultural, tecnolgica, ambiental etc., fundamentada por trs campos distintos e separados, porm complementares. So eles: competitividade, sustentabilidade e flexibilidade. Competitividade uma imposio do processo geral de transformaes configurado pelo processo de globalizao econmica, liderado pelos grandes conglomerados, que acaba se transformando em objetivo de naes, regies, organizaes e instituies. Sustentabilidade o outro lado da competitividade e o que lhe d organicidade. o reconhecimento das diversidades ambientais e culturais, segundo Becker et al. (2002). compreendida como as mltiplas alternativas que cada localidade, regio ou nao tem, pelas suas diferenas culturais e ambientais, de inserir-se no processo geral potencializando seus recursos (IBIDEM, p. 40). A flexibilidade desdobra-se em:

Participao, parcerias, redes, cadeias, consrcios, alianas, integrao, mercados comuns, entre outros. Flexibilidade que passou a aproximar grupos, classes, organizaes, instituies, regies, e naes para tratar de determinados fins de interesse comum, e que se tornou sinnimo de parceria entre diferentes e at, quem imaginaria, parceria entre firmas concorrentes e naes. (BECKER et al., 2002, p.40)

Em resumo, para esses autores, no h como pensar o processo de desenvolvimento sem considerar as condies sociais, polticas, econmicas, de estruturao e organizao da sociedade. E isso se torna possvel graas ao avano tecnolgico, que potencializou a

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capacidade analtica da humanidade para trabalhar com um crescente nmero de informaes, e organizao da sociedade moderna (IBIDEM). Almeida (2007, p. 54) relembra uma das concluses da Cpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentvel realizada em 2002:

No h formulao de polticas ou soluo possvel sem o envolvimento dos trs atores fundamentais na sociedade empresas, governos e sociedade civil , tendo o conhecimento produzido pela cincia como orientao.

Sachs (1981), por sua vez, diz que a sociedade civil precisa comear a ter voz prpria para ajudar a reequilibrar a seu favor a relao de foras perante o Estado e as instituies pblicas e privadas. Porque o desenvolvimento s se pode manifestar l onde vivem as pessoas, isto , localmente (IBIDEM, p.115). Assim, para tanto, cada lugar, cada local, cada comunidade, cada microrregio, cada regio, cada estado, cada nao, cada continente ter que produzir seus mecanismos e instrumentos institucionais de participao (BECKER et al., 2002, p. 87). Algumas organizaes, tanto pblicas quanto privadas, esto de fato se mobilizando e apoiando a sociedade civil nesse esforo. Mas, de que forma as organizaes esto assimilando esses conceitos e idias? Como esto produzindo respostas? Entre as iniciativas que objetivam operacionalizar o desenvolvimento sustentvel est o exerccio da responsabilidade social empresarial (INSTITUTO ETHOS, 2006) ou corporativa10.

1.3.1.

A responsabilidade social corporativa

A definio do conceito de responsabilidade social corporativa vem, h dcadas, evoluindo bastante por diferentes caminhos, abrangendo uma ampla variao de atividades voluntrias, legais e econmicas (CARROLL, 1999). A Figura 3 mostra a evoluo desse conceito a partir dos anos 50.

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Proliferao das definies de responsabilidade social corporativa Incio da era moderna da responsabilidade social Preocupao com a doutrina da responsabilidade social Publicao do livro de Howard R. Bowen intitulado Responsabilidades Sociais do Homem de Negcios, 1953 Outras publicaes inlcluem as de Eells (1956), Heald (1957) e Selekman(1959)4 Principais contribuies: Heald (1970), Johnson (1971) , Steiner (1971), Davis (1973), Eilbert e Parket (1973), Votaw (1973), Eells e Walton (1974), Backman (1975), Sethi (1975), Preston e Post (1975), Holmes (1976), Fitch (1976), Abbot e Monsen, (1979), Zenisek (1979) e Carroll (1979) Contribuio , considerada um marco, do Comit de Desenvolvimento Econmico, 19716 nfase no desempenho social corporativo e na responsiveness social corporativa

Poucas contribuies para a conceituao de responsabilidade social corporativa Principais temas discutidos: desempenho social corporativo, teoria dos stakeholders, teoria de tica nos negcios e cidado corporativo Principais contribuies: Wood (1991), Carroll (1991)8 Publicao do conceito de RSC pelo Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentvel realizado, 1998

1950s

1960sTentativas de formalizao do conceito de responsabilidade social corporativa Principais contribuies: Davis (1960), Frederick (1960), McGuire (1963), Davis e Blomstrom (1966; 1967), Walton (1967)5

1970s

1980sPoucas definies, mais pesquisa e surgimento de temas alternativos Principais contribuies: Jones (1980), Tuzzolino e Armandi (1981), Dalton e Cosier (1982), Strand (1983), Cochran e Wood (1984), Aupperle, Carroll e Harfield (1985), Wartich e Cochran (1985), Epstein (1987)7

1990s

2000sNecessidade de pesquisas empricas para desenvolvimento e reconhecimento do tema

Figura3:Evoluodoconceito/constructoderesponsabilidadesocialcorporativa Fonteprincipal:CARROLL(1999);elaboraodaautora

Em particular, Carroll (1979), ao propor o Modelo Conceitual Tri-Dimensional de Desempenho Corporativo, busca uma definio de responsabilidade social que possa, ao mesmo tempo, tratar e chamar a ateno para o conjunto de variedade de obrigaes das organizaes para com a sociedade e que tambm incorpore as categorias de responsabilidades discricionrias, ticas, legais e econmicas de desempenho do negcio. Tais categorias, segundo o autor, refletem a viso da responsabilidade social de uma maneira mais exaustiva (p. 499), que est relacionada com algumas definies mostradas no Quadro 3 at o ano de 1977. A categoria de responsabilidades econmicas mostra que a natureza de qualquer negcio produzir bens e servios para serem vendidos com lucro sociedade, enquanto que a categoria de responsabilidades legais indica que qualquer negcio, ao ser operacionalizado, tem que se submeter s regras e regulamentao referentes ao seu campo organizacional11. Quanto categoria de responsabilidades ticas, o autor limita-se a dizer que vo alm das normas ticas citadas nas duas categorias acima, englobando tambm comportamentos e atividades adicionais que no fazem parte do cdigo da lei.

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Quadro3:Definiesderesponsabilidadesocial Autores EellseWalton(1961) Friedman(1962) Davis(1960)eBackman(1975) McGuire(1963) DaviseBlomstrom(1966)eCommittee forEconomicDevelopment(1971) Manne(1972) Steiner(1972) AckermaneBauer(1976)eSethi(1975) Hay,GrayeGates(1976) Fonte:CARROLL(1979);elaboraodaautora Significado

Preocupaocomosistemasocialmaisamplo Gerao(making)delucros Iralmdageraodelucros Iralmdasexignciaslegaiseeconmicas Crculosconcntricos(quetendeparaum pontocomum) Atividadesvoluntrias Atividadesvoluntriaslegaiseeconmicas Cederolugarsensibilidade(reponsiveness) social Responsabilidadecomproblemassociaisem diversasreas

As responsabilidades discricionrias ou volitivas so aquelas deixadas para o julgamento e escolha individuais. Segundo o autor, a sociedade ainda no tem uma mensagem clara e direta para as organizaes sobre tais responsabilidades. Por isso, talvez no seja muito correto cham-las de responsabilidades, porque elas esto no juzo do negcio da organizao. Contudo, h expectativas societais para que qualquer negcio assuma seus papeis sociais. Tais papis so puramente voluntrios e a deciso de assumi-los guiada somente pelo desejo das organizaes de se engajarem em papis sociais. Isto , a deciso no guiada por fora de lei ou pelo que se espera do negcio no sentido tico. Alguns exemplos de atividades voluntrias incluem as contribuies filantrpicas, conduo de programas internos para colaboradores com problemas com drogas, treinamentos para os desempregados ou disponibilizao de creches para as mes funcionrias. Caso a organizao no tome essas iniciativas, no significa que no est sendo tica. Esta, alis, a essncia das atividades voluntrias, afirma Carroll (1979). Posto isso, para esse autor (IBIDEM, p. 500), responsabilidade social da organizao abarca as expectativas econmicas, legais, ticas e discricionrias que a sociedade tem perante as organizaes em determinado momento. Esse modelo, mais tarde, em 1991, foi revisitado, refinado e consolidado na Pirmide de Responsabilidade Social Corporativa, conforme

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mostrado na Figura 4. As categorias de responsabilidades j estavam mais claras para o autor conforme mostrado no Quadro 4.

RESPONS. HUMANITRIAS

Terumaboacidadania corporativa

RESPONSABILIDADESTICAS Sertico Fazeroquecertoejusto

RESPONSABILIDADESLEGAIS Obedeceralei Operardeacordocomasregrasdojogo

RESPONSABILIDADESECONMICAS Serumnegciolucrativo BaseemqueasdemaisresponsabilidadesseapiamFigura4:PirmidedaResponsabilidadeSocialCorporativa Fonte:CARROLL(1991);adaptaodaautora

As categorias de responsabilidades j estavam mais claras para o autor conforme mostrado no Quadro 4. A categoria de responsabilidades discricionrias ou volitivas, por exemplo, foi renomeada como categoria de responsabilidades humanitrias. Segundo Carroll (1991; 1999), essa pirmide que se refere mais a uma tipologia do que uma tentativa de adicionar um novo conceito ao tema responsabilidade social corporativa no significa uma justaposio das responsabilidades econmicas com as outras responsabilidades. Tambm no significa que elas so mutuamente exclusivas. Mas claro que as responsabilidades econmicas formam a base para as demais responsabilidades. Esta tipologia, ao contrrio, significa que todas as responsabilidades devem ser cumpridas sempre, e no de forma seqencial.

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Quadro4:Categoriasdaresponsabilidadesocialcorporativa Responsabilidades importante...1. 2.

Desempenhardeumaformaconsistentecomamaximizaodosresultadosporao Estarcomprometidaemsertolucrativaquantopossvel Manterumaposiocompetitivaforte Manterumaltonveldeeficinciaoperacional Serdefinidacomoumaorganizaobemsucedida,queaquelaconsistentemente lucrativa DesempenhardeumaformaconsistentecomasexpectativasdoGovernoeda legislao Cumprircomaregulamentaofederal,estadualemunicipal Serumcidadocorporativoobedientelei Serdefinidacomoumaorganizaobemsucedida,queaquelaquecumpreassuas obrigaeslegais

Econmicas

3. 4. 5.

6. 7.

Legais

8. 9.

10. Fornecerprodutoseserviosqueatendempelomenossexignciaslegaismnimas 11. Desempenhardeumaformaconsistentecomasexpectativasdoscostumes,

convenesedasnormasticassocietais12. Reconhecererespeitarasnormasmoraiseticas,novasouemdesenvolvimento,

adotadaspelasociedade

ticas

13. Prevenirqueasnormasticassejamcomprometidasafimdeatingirosobjetivos

corporativos14. Serdefinidacomoumaorganizaoquetemumaboacidadaniacorporativa

realizandoaquiloquemoraloueticamenteesperado15. Reconhecerqueintegridadecorporativaecomportamentoticovoalmdomero

cumprimentodaleiedasregulamentaes16. Desempenhardeumaformaconsistentecomasexpectativasdebeneficnciae

humanitriasdasociedade

Humanitrias

17. Apoiarumcampodosaberoudasartes 18. Participarnasatividadesvoluntriasebeneficentescomascomunidadeslocais 19. Apoiarasinstituiesdeeducao,pblicaseprivadas 20. Apoiarvoluntariamenteprojetosquemelhoramaqualidadedevidadacomunidade

Fonte:CARROLL(1991);elaboraodaautora

Em resumo, para esse autor, a responsabilidade social corporativa vincula o cumprimento simultneo das responsabilidades econmicas, legais, ticas e filantrpicas. Em termos mais pragmticos, uma organizao cuja gesto socialmente responsvel deveria se esforar para gerar lucros, cumprir com as obrigaes legais, agir com tica e ter uma boa cidadania corporativa. Apesar de no explicitar a preocupao com os recursos naturais e ambientais, esta est subjacente nas responsabilidades ticas ter uma boa cidadania corporativa realizando aquilo que moral ou eticamente esperado e nas responsabilidades

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filantrpicas apoiar voluntariamente projetos que melhoram a qualidade de vida da comunidade. Inclusive, Carroll (2000) reitera essa viso abrangente ao afirmar que o seu modelo no se restringe apenas uma questo social ou a um nico grupo de interesse da organizao. Ao contrrio, ele entende que a responsabilidade social corporativa deve se referir a pelo menos quatro ou cinco grupos, como o de funcionrios, da comunidade, de proprietrios, de consumidores ou mesmo do meio ambiente, caso no tenha sido considerado no grupo de comunidade. Alm da proposta por Carrol (1991), que mais acadmica, uma definio de responsabilidade social corporativa, no meio empresarial internacional, que possui a maioria desses elementos citados por Carroll (1991) e que bem aceita a do Conselho Mundial para o Desenvolvimento Sustentvel12, realizado em 1998, na Holanda. Responsabilidade social corporativa foi assim definida como o:

O compromisso permanente dos empresrios de adotar um comportamento tico e de contribuir para o desenvolvimento econmico, melhorando, simultaneamente, a qualidade de vida de seus empregados e de suas famlias, bem como da comunidade local e da sociedade como um todo. (WBCSD, 2000)

J no mercado empresarial brasileiro, h a definio do Instituto Ethos (2006, p.5)13, para quem responsabilidade social corporativa :

A forma de gesto que se define pela relao tica, transparente e solidria da empresa com todos os pblicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatveis com o desenvolvimento sustentvel da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para geraes futuras, respeitando a diversidade e promovendo a reduo das desigualdades sociais.

Ambas as definies possuem os elementos das responsabilidades econmicas contribuio para o desenvolvimento econmico e metas empresariais; responsabilidades ticas comportamento tico e relao tica e transparente; responsabilidades filantrpicas melhoria da qualidade de vida dos empregados e de suas famlias, bem como da comunidade local e da sociedade como um todo, relao solidria e preservao dos recursos ambientais e culturais para geraes futuras, respeitando a diversidade e promovendo a reduo das desigualdades sociais. Apenas as responsabilidades legais no so citadas ou

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referenciadas explicitamente nestas duas ltimas definies, o que no quer dizer que no devam ser seguidas ou respeitadas. Contudo, a responsabilidade social corporativa, quando expressa como um constructo normativo, no trata explicitamente as respostas e os produtos das aes das organizaes. Outro ponto fraco refere-se ao uso do termo corporativo em oposio ao termo negcios, que no captura explicitamente as entidades no-corporativas que operam no mundo dos negcios. A responsabilidade social corporativa tambm no captura as responsabilidades ticas dos gestores e dos empregados, individualmente, em relao s suas organizaes ou a outras (SCHWARTZ; CARROLL, 2008). Ainda segundo estes autores, o que faz este conceito resistir o uso do termo social, refletindo preocupao com os melhores interesses da sociedade, e tambm do termo responsabilidade, que adiciona um componente normativo importante. Apesar desses pontos fracos, segundo Carroll (1999, p. 292), o conceito de responsabilidade social ir permanecer porque captura as preocupaes mais importantes do pblico, com respeito s relaes societais e de negcios. Mas, quem so os stakeholders ou o pblico de interesse merecedores das aes socialmente responsveis das organizaes? Quem realmente interessa s organizaes em cada lugar, em cada local, em cada comunidade, em cada microrregio, em cada regio, em cada estado, em cada nao, em cada continente, conforme Becker et al. (2002)?

1.3.2.

Definindo e priorizando os stakeholders das organizaes

So poucas as organizaes que vo alm de suas fronteiras, envolvendo em suas aes o conjunto de seus stakeholders (pblicos de interesse). O que se percebe so organizaes que procuram aprimorar suas prticas de responsabilidade social corporativa, por meio do oferecimento de condies exemplares aos seus empregados ou por meio da adoo de processos produtivos ambientalmente corretos (ZADEK, 2005).

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Segundo Freeman (1984, p. 46), stakeholder qualquer grupo ou indivduo que pode afetar ou ser afetado pelo cumprimento dos objetivos da organizao. considerada uma das definies mais amplas da literatura (MICHEL; AGLE; WOOD, 1997). Estes stakeholders variam de acordo com o negcio da organizao, podendo fazer parte desta definio os funcionrios, os clientes, o governo, a comunidade, os sindicatos, a mdia, os fornecedores etc. Por isso, uma das principais discusses nos meios acadmico e empresarial como definir quem um stakeholder e quem no . Para tanto, diversos modelos e teorias foram elaborados para identificar quem so os stakeholders das organizaes, ou, no caso dessa pesquisa, quem so os grupos merecedores da ateno das aes socialmente responsveis das organizaes, dentre eles: Preston e Post (1981), Freeman e Gilbert (1987), Clarkson (1995), Donaldson e Preston (1995), Turban e Greening (1997). Outro desses modelos o de Michel, Agle e Wood (1997), cujo foco est na definio e na priorizao (salience) dos stakeholders das organizaes. Para tanto, esses autores propem oito tipos de stakeholders classificados em categorias de acordo com a presena de trs atributos de relaes: o poder dos stakeholders para influenciar a organizao; a legitimidade da relao entre os stakeholders; e a organizao e a urgncia da reivindicao dos stakeholders na organizao. O atributo poder empregado em consonncia com a definio de Etzione (1964) que prope trs tipos: i) poder coercitivo baseado nos recursos da fora, da violncia e da represso; ii) poder utilitrio sustentado nos recursos materiais (produtos e servios) e financeiros; iii) poder social baseado nos recursos simblicos como prestgio, fama, influncia, aceitao. Assim, um participante de um grupo tem poder at o ponto de ter ou ganhar acesso por meios normativos, utilitrios ou coercivos para impor a sua vontade na relao. O atributo legitimidade empregado conforme a definio de Suchman (1995, p. 866), segundo a qual legitimidade a percepo generalizada ou a convico de que as aes de uma entidade so desejveis, corretas ou apropriadas dentro de algum sistema socialmente construdo de normas, valores, crenas e definies. Os autores aceitam tal definio, porque, segundo Wood (1991), o sistema social no qual a legitimidade alcanada composto de mltiplos nveis de anlise, sendo os mais comuns o individual, o organizacional e o societal.

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O atributo urgncia est baseado em outros dois: a) sensibilidade ao tempo como o prazo de atendimento reivindicao ou relao avaliado pelo stakeholder; b) criticidade importncia da reivindicao ou da relao para o stakeholder. Desse modo, os autores definem urgncia como o grau em que o stakeholder reivindica ateno imediata. Assim, o modelo proposto por Michel, Agle e Wood (1997), na verdade, uma contribuio teoria de identificao e de prioridade de stakeholders, apresenta uma tipologia com vrias combinaes dos atributos poder, legitimidade e urgncia, conforme mostrado na Figura 5.

Figura5:Tipologiadosstakeholders Fonte:MICHEL;AGLE;WOOD(1997,p.874)

Nessa proposio, a organizao tem que dar ateno aos stakeholders definitivos, porque estes possuem os trs atributos. Contudo, qualquer um da categoria de stakeholders expectadores os perigosos, os dependentes e os dominantes que possuem dois atributos, pode ser tornar stakeholder definitivo ao adquirir o atributo faltante. Tambm h os

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stakeholders latentes, pois possuem apenas um atributo, que so os dormentes, os discricionrios e os exigentes. Finalmente, h os indivduos ou entidades que no possuem atributo algum, considerados no-stakeholders ou potenciais stakeholders. Esse modelo proposto por Michel, Agle e Wood (1997) vai de encontro com a tendncia histrica (Figura 6) apresentada por Ashley et al. (2006, p. 47). Os autores afirmam que:A ordem de mudana organizacional, em um continum que se inicia com mudanas conservadoras e finaliza com mudanas radicais, est diretamente relacionada ao grau de amplitude de incluso e de considerao pela empresa quanto a suas relaes com seus pblicos.

Viso clssica Os stakeholders so os acionistas viso econmica do Milton Friedman de que a empresa socialmente responsvel aquela que responde s expectativas de seus acionistas

Viso mais divulgada Stakeholders: comunidade e empregados

1970sVises menos divulgadas Natureza Governo Rede de fornecedores Consumidores ou compradores

2000sAmplitude de viso e mudana Todos os atuais e futuros stakeholders da sociedade sustentvel

Figura6:Movimentodastendnciashistricasdeticaeresponsabilidadesocialcorporativa Fonteprincipal:ASHLEYetal.(2006);elaboraodaautora

Ou seja, partindo da idia bsica da responsabilidade social corporativa de que negcios e sociedade so entidades entrelaadas e no separadas, a sociedade tem expectativas indeterminadas para atribuir os produtos e comportamentos dos negcios (WOOD, 1991). Portanto, todos os stakeholders devem ser considerados, mesmo porque a

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prioridade em atend-los pode variar, conforme o modelo proposto por Michel, Agle e Wood (1997). Contudo, este constructo gesto dos stakeholders em sua viso mais restrita, isto , aquela baseada na realidade prtica dos recursos, do tempo e da ateno limitados e da pacincia limitada dos gestores para lidarem com as restries externas (MICHEL; AGLE; WOOD, 1997) , pode no capturar suficientemente a extenso total das relaes societais e de negcios. Vrios constituintes ou grupos societais importantes como a mdia, competidores, ativistas ou o ambiente natural no so capturados explicitamente como stakeholders legtimos, embora no completamente descartados (SCHWARTZ; CARROLL, 2008). Por outro lado, a viso mais ampla desse constructo baseada na realidade emprica de que as organizaes podem, de fato e de forma vital, ser afetadas ou afetar quase todo mundo, mas que desconcertantemente complexa para ser aplicada pelos gestores (MICHEL; AGLE; WOOD, 1997) , pode capturar grupos constituintes demais, incluindo a mdia, ativistas, o ambiente natural e at mesmo Deus, diminuindo o significado e a relevncia conceitual do conceito stakeholder (SCHWARTZ; CARROLL, 2008, p. 161). Apesar dessas deficincias, a gesto dos stakeholders ganhou um ponto de apoio no campo da gesto estratgica e proporciona aos gestores uma ferramenta poderosa para estabelecer a estratgia corporativa das organizaes (IBIDEM).

1.3.3.

Integrando os constructos sustentabilidade, responsabilidade social corporativa e gesto dos stakeholders

Schwartz e Carroll (2008) propem um modelo, denominado modelo VBA (sigla em ingls para Value, Balance e Accountability), ancorado em trs conceitos valor, equilbrio e accountability para integrar os constructos citados acima. Tanto os de forma mais explcita sustentabilidade, responsabilidade social corporativa e gesto dos stakeholders , como tambm os referidos de forma mais implcita tica dos negcios e cidadania corporativa.

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Valor criado principalmente quando os negcios atendem s necessidades da sociedade por meio da produo de produtos e servios de uma maneira eficiente, o elemento fundamental subjacente a todo o campo de negcios e da sociedade (IBIDEM, p. 168). Em oposio maximizao de valor das organizaes, a noo proposta sugere que todas as organizaes tm uma obrigao de trabalhar para gerar valor societal lquido. Em outras palavras, esperado pela sociedade que organizaes melhorem o seu bem-estar ou que ajudem a construir um mundo melhor. Equilbrio o componente de processo do modelo VBA, por meio do qual as organizaes, gestores e empregados seriam necessrios para assumir procedimentos para cumprir o equilbrio apropriado entre os interesses dos stakeholders e/ou padres de moral concorrentes. (IBIDEM, p. 170). Accountability, para esses autores, significa agir de maneira responsvel, que possa ser explicada. Ou seja, os negcios e seus agentes, enquanto tentam atender as responsabilidades ticas, legais e econmicas, devem reconhecer a responsabilidade por suas aes e decises e seguir procedimentos para retificar falhas e preveni-las de acontecer novamente no futuro. Este conceito tambm sugere que os gestores devem agir de um modo transparente. Para tanto, devem se engajar em um processo de divulgao verificvel, oportuno, preciso e suficiente de todas as suas atividades. A soma desses trs conceitos totaliza o exato papel dos negcios na sociedade, conforme a declarao (SCHWARTZ; CARROLL, 2008):Todas as organizaes e indivduos que operam em um contexto de negcios tm a responsabilidade (responsabilidade social corporativa) como bons cidados (cidadania corporativa) de contribuir para o valor societal sustentvel (sustentabilidade) e para o equilibro adequado dos interesses dos stakeholders (gesto dos stakeholders), incluindo acionistas ou proprietrios e/ou padres morais (tica dos negcios), enquanto demonstram accountability suficiente.

Em resumo, para esses autores o modelo VBA apresentado na Figura 7: a) leva em considerao os chamados no-stakeholders; b) integra a importncia das consideraes ticas para as tomadas de decises ou aes das organizaes; c) mantm a relevncia dos gestores; e d) assegura a perspectiva global de longo prazo.

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Outro objetivo desse modelo potencialmente proporcionar a base para discusses adicionais e desenvolvimento terico no campo dos negcios e da sociedade, tendo em vista as dificuldades para entender o que cada constructo significa (ou deveria significar) e como relacion-los entre si.

Figura7:ModeloVBAvalor,equilbrioeaccountability Fonte:SCHWARTZ;CARROLL(2008,p.175) Nota:RSC=Responsabilidadesocialcorporativa;EN=ticadosnegcios;GS=Gestodosstakeholders;SUS =Sustentabilidade;CC=Cidadaniacorporativa

A seguir, so mostrados exemplos de prticas de gesto socialmente responsvel no mbito brasileiro.

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1.3.4.

Prticas de gesto socialmente responsvel no mbito brasileiro

Levantamento realizado em materiais miditicos mostra que, desde os anos 80, algumas iniciativas vm acontecendo no Brasil para estimular a gesto socialmente responsvel. Sem entrar no mrito da metodologia de anlise e seleo de cada uma delas, so reconhecidas pelo mercado corporativo como iniciativas para reconhecer o esforo das organizaes de incorporar a sustentabilidade e o comportamento socialmente responsvel em seus negcios, processos e viso. Esse levantamento mostra que essas iniciativas esto a cargo principalmente das organizaes no-governamentais como a Cmara Americana de Comrcio (Amcham), que nasceu em 1919, o Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (Ibase), criado em 1981, e o Instituto Ethos, fundado em 1998. Dentre as iniciativas, destacam-se o Balano Social do Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas (Ibase), lanado em 1997; o Prmio Inovao em Sustentabilidade do Instituto Ethos; o Guia Exame de Sustentabilidade, cuja primeira edio foi em 2000; o Prmio ECO, fuso das palavras empresa e comunidade, lanado pela Cmara Americana de Comrcio (Amcham) em 1982; e o ndice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros (BM&FBOVESPA), lanado em dezembro de 2005. Em comum, esses reconhecimentos abrangem todas as dimenses da sustentabilidade (econmica, ambiental e social) e tm evoludo desde seus lanamentos, acompanhando os principais movimentos e mudanas, dados a complexidade e o dinamismo do tema gesto socialmente responsvel. O Balano Social modelo Ibase de uma pgina apenas constitui-se de uma planilha composta prioritariamente por indicadores quantitativos referentes s informaes e aos dados sobre investimentos financeiros, sociais e ambientais. O modelo atual composto por 43 indicadores quantitativos e oito qualitativos. Ainda h outros trs modelos de Balano Social: para micro e pequenas empresas, para cooperativas e para instituies de ensino, fundaes e organizaes sociais (IBASE, 2008). Trata-se de um instrumento de prestao de contas e transparncia para apresentar periodicamente sociedade as aes das organizaes e sua evoluo no tratamento de temas

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relevantes ao contexto socioambiental brasileiro, a saber: educao, sade, preservao do meio ambiente, contribuies para a melhoria da qualidade de vida e de trabalho de funcionrios e funcionrias, valorizao da diversidade, desenvolvimento de projetos comunitrios, combate fome e criao de postos de trabalho. Esses temas esto organizados em sete categorias ou partes: base de clculo, indicadores sociais internos e externos, ambientais, do corpo funcional e informaes relevantes quanto ao exerccio da cidadania empresarial (IBIDEM). Importante ilustrar que o primeiro documento brasileiro que usou o nome de Balano Social foi elaborado em 1984, pela Nitrofrtil, empresa estatal situada na Bahia. Fazem parte deste grupo precursor o Sistema Telebrs e o Banespa, cujos Balanos Sociais foram publicados pela primeira vez em meados dos anos 80 e em 1992, respectivamente (IBIDEM). O Prmio Inovao em Sustentabilidade do Instituto Ethos tem por objetivo apoiar iniciativas inovadoras de associaes comunitrias, empreendedores sociais, institutos de pesquisa, micro e pequenas empresas, ONGs e universidades que j tenham apresentado sucesso e que tenham potencial de serem aperfeioadas e/ou ganharem escala (reaplicao, expanso ou transferncia). So premiadas as iniciativas inovadoras em sustentabilidade entendidas como novas metodologias, tcnicas, sistemas, equipamentos ou processos, ou uma nova aplicao para metodologias, tcnicas, sistemas, equipamentos ou processos j existentes (INSTITUTO ETHOS, 2008). Alm do prmio anual, para dar escala s boas prticas, o Instituto Ethos (2006) publicou um guia bem detalhado intitulado Critrios Essenciais de Responsabilidade Social Empresarial e seus Mecanismos de Induo. Na realidade, trata-se de uma agenda permanente, um instrumento vivo, a ser atualizado a cada instante, de incentivo ao desenvolvimento de prticas de responsabilidade social corporativa. Nesse guia, esto relacionadas 33 fontes de referncia e 29 critrios essenciais de responsabilidade social empresarial, bem como as melhores prticas em cada um desses critrios. Para tanto, foram analisadas 809 prticas de responsabilidade social corporativa e agrupadas em sete grandes reas: i) direitos humanos; ii) direitos das relaes de trabalho; iii) proteo das relaes de consumo; iv) meio ambiente; v) tica e transparncia; vi) dilogo/engajamento com stakeholders; e vii) governana corporativa. As fontes de referncias selecionadas obedecem aos seguintes critrios: i) so resultantes do debate e da busca de consenso entre diferentes atores da sociedade; ii) tm

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credibilidade, evidenciada pela adoo, entre os pblicos-alvo; iii) so utilizadas no mbito nacional e internacional; iv) representam diferentes tipologias, no que se refere sua natureza (padres, normas, referncias ou diretrizes); e v) quando vistas em conjunto, so consideradas uma variedade de temas relacionados responsabilidade social. Alm disso, abrangem as iniciativas globais como a Agenda 21 e a Carta da Terra; os direitos humanos, como a Declarao Universal dos Direitos Humanos; os direitos das relaes de trabalho, como a norma SA 8000 Social Accountabiliy 8000; a proteo das relaes de consumo, como as Diretrizes da ONU para a Proteo do Consumidor; o meio ambiente, como a Srie ISO 14000 e os Princpios do Forest Stewardship Council (FSC); a governana corporativa, como o Cdigo das Melhores Prticas de Governana Corporativa; a iniciativa setorial internacional, como os princpios do Equador; a iniciativa setorial nacional, como o ndice de sustentabilidade Bovespa; a implementao de responsabilidade social corporativa, como o balano social IBase e AA1000. O Quadro 5 mostra algumas destas prticas bem sucedidas de responsabilidade social corporativa avaliadas pelo Instituto Ethos. O Guia Exame de Sustentabilidade (2008) seleciona anualmente 20 exemplos de organizaes brasileiras que esto conseguindo adaptar seus negcios aos novos tempos. Para a escolha da empresas-modelo, o levantamento segue, atualmente, a metodologia elaborada pelo Centro em Estudos em Sustentabilidade (GVces) da Fundao Getulio Vargas de So Paulo. No ano de 2008, participaram da pesquisa 177 organizaes de grande e mdio porte de todo o pas. A organizao escolhida para receber esse prmio Empresa Sustentvel do Ano foi a Natura. considerada a organizao que tem apresentado mais consistncia na busca pela sustentabilidade, j que tem sido apontada como modelo nas nove edies do prmio. Alis, a Natura considerada a pioneira entre as organizaes que adotaram o conceito de responsabilidade social no Brasil. Segundo o Guia Exame, algumas de suas prticas de gesto bem-sucedidas incluem a adoo de refis, ainda na dcada de 80. Estas embalagens consomem, em mdia, 30% menos matria-prima que as regulares. Tambm h o programa social Ver para Crer que visa contribuir para a melhoria do ensino pblico no Brasil. J o Prmio ECO foi pioneiro no reconhecimento de organizaes que adotam prticas socialmente responsveis. Na edio de 2007, foram selecionadas as organizaes por porte grande, mdio e pequeno (CMARA AMERICANA DE COMRCIO, 2008).

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Quadro5:Exemplosdemelhoresprticasderesponsabilidadesocialcorporativa

Critrio

Empresas

PrticasdeGesto Combateprostituioinfantojuvenil:

Cessodeinfraestruturaparaainiciativa:umimvel(por comodato)etrscarros PromoodecampanhasemparceriacomaOrganizao InternacionaldoTrabalho(OIT)earedehoteleiradaregio Realizaodeoficinasdetrabalhoecapacitaodos integrantesdaredehoteleira ElaboraodoseloNoaoabusoeexploraosexual comercialinfantojuvenil

RESPEITOAOS DIREITOSHUMANOS

Itaipu Binacional

InstituiodoProgramadeAtendimentoeRecuperaodo

SEGURANA,SADE ECONDIESDE TRABALHO

Empregado(PARE):

EMPRESADE SANEAMENTO BSICO

Incentivoaofuncionrioaefetuartratamentocontraa dependnciaqumica Desenvolvimentodeaesdecarte