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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Instituto de Psicologia Programa de Ps-Graduao em Psicologia

ANA CAROLINA DE AGUIAR RODRIGUES

DO COMPROMETIMENTO DE CONTINUAO AO ENTRINCHEIRAMENTO ORGANIZACIONAL: o percurso de validao da escala e anlise da sobreposio entre os construtos

Salvador 2009

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ANA CAROLINA DE AGUIAR RODRIGUES

DO COMPROMETIMENTO DE CONTINUAO AO ENTRINCHEIRAMENTO ORGANIZACIONAL: o percurso de validao da escala e anlise da sobreposio entre os construtos

Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, como parte dos requisitos para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia. rea de concentrao: Psicologia Social e do Trabalho Orientador: Prof. Dr. Antonio Virgilio Bittencourt Bastos

Dissertao defendida e aprovada em: 27/03/2009

R696

Rodrigues, Ana Carolina de Aguiar Do comprometimento de continuao ao entrincheiramento organizacional: o percurso de validao da escala e anlise da sobreposio entre os construtos . Salvador, 2009. 212 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Antonio Virglio Bittencourt Bastos. Dissertao (mestrado) Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, 2009. 1. Psicologia do trabalho. 2. Psicologia social. 3. Organizaes. 4.Psicometria. I. Bastos, Antnio Virglio Bittencourt. II.Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas. III.Ttulo. CDD 158.7

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A meu pai, que me ensinou o gosto pela pesquisa, e a minha me, que me ensinou o gosto pelo trabalho; Aos meus irmos, que ainda me ensinam a relaxar; A meu amor, com quem aprendi, finalmente, o simples e belo significado de comprometimento.

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AGRADECIMENTOS

Esta dissertao representa no somente a finalizao de um projeto de pesquisa, mas tambm o cumprimento de um projeto pessoal e de carreira, o alcance de certo estgio de maturidade acadmica e profissional e, principalmente, a perspectiva da efetivao de novos planos. Em todo esse processo, desde a escolha pelo mestrado at a concluso da dissertao, pessoas e instituies tiveram papis singulares, que merecem destaque e agradecimentos. A Antonio Virgilio Bittencourt Bastos, agradeo por toda a extenso do ser orientador: pelo marco em minha vida, sem o qual no teria enxergado o rumo que segui; por ter conduzido o meu desenvolvimento desde a graduao; por me acolher e me orientar durante o mestrado; por ser a bssola que aponta o percurso necessrio, mas que me faz caminhar com minhas prprias pernas e chegar a um ponto muito alm do que eu imagino ser capaz; por ser guia e conselheiro para as minhas escolhas futuras; por no determinar a melhor direo, mas me preparar para que eu mesma consiga, algum dia, identific-la. A minha famlia, agradeo por tudo que imensurvel: A meus pais, Ana Ceclia e Frederico, pelo amor, zelo, extrema e indescritvel dedicao, por terem feito de mim seu objetivo de vida, por serem minha origem, meu alicerce e meu motivo, por serem os mais sinceros torcedores do meu sucesso; A meus irmos Guto e Lvia, pelo amor, histria, carinho, presena, bem-querer e pelo longevo ponto de apoio que representam. Aos meus cunhados, especialmente minha cunhada-irm Fernanda, pela sempre disposio e ateno; Ao meu querido Iuri, pelo amor, amparo, incentivo, pacincia, pelo ouvir, por me fazer sentir paz em momentos de angstia, e pelos longos dias e horas que passou ao meu lado, prestativo e silencioso, enquanto eu escrevia esta dissertao; A Francisca, pelo cuidado e preocupao com a minha sade, e a Victor, por me fazer querer parar de estudar para brincar. Aos amigos e colegas, agradeo pelo apoio e companhia: Aos amigos queridos, especialmente a Ivna, Liana, Nigra e Pilar, ao Cytrus e a Carol Pitanga, por protestarem diante de minha ausncia, por se fazerem presentes mesmo distncia e por me acompanharem, desde a coleta de dados at os ltimos momentos de recluso enquanto finalizava a dissertao; Aos amigos e colegas da Deloitte, que acompanharam a minha deciso pelo mestrado, torceram e vibraram comigo a cada etapa. Em especial, agradeo a Crislida Costa pelo bemquerer, cumplicidade e apoio; Aos amigos que encontrei ou que se fizeram ainda mais amigos durante o mestrado: Daniela Moscon, Eliana Edington, Magno Macambira, Paula Bacellar e Renata Moura. Especialmente, agradeo a Dani, amiga e scia, pelo bom-humor, pela companhia diria, por me ensinar o valor da praticidade, por dividir comigo projetos outros e pelo compartilhar da falta e procura de tempo para escrever a dissertao; e a Paulinha, pela presena constante e sem igual nas emoes e agruras do caminho escolhido. Universidade Federal da Bahia, agradeo por tudo o que me proporcionou: Ao Grupo de Pesquisa Indivduo, Organizaes e Trabalho, pela base para o meu desenvolvimento acadmico, desde minha insero como bolsista de iniciao cientfica. queles, principalmente, que participaram do grupo no perodo do meu mestrado: Alba, Alex, Ana Clara, Ana Paula, Beth, Bruno, Camila Lisboa, Camila Oliveira, Carolina, Daniela, Diva,

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Eliana, Fabola, Frailan, Igor, Ingrid, Janice, Juliana, Julianin, Laila, Liana, Magno, Maiara, Marissa, Nilo, Rafael, Roberval, Vnia e Virgilio; Ao ISP, por ser estrutura, ponto de encontro e referncia, e aos ispianos. Em especial, a Zez, por fazer e acontecer; Ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia: aos professores, pela dedicao e busca de excelncia; aos funcionrios, pela disponibilidade; e aos colegas, por dividir experincias e compartilhar ansiedades. Em especial, a Aline, Daniela, Eliana, Gilberto, Luciana, Magno, Patrcia, Paula, Paulo, Renata e Vvian, pelas contribuies nos ensaios de qualificao e defesa. Aos alunos do estgio docente e da minha vivncia como professora substituta, agradeo por confirmarem o meu gosto e interesse pelo ensino e pesquisa. A todos aqueles que contriburam diretamente para a realizao deste trabalho: A meu orientador, Antonio Virgilio, pela escolha do tema, pelo projeto que norteou esta pesquisa, pelas orientaes, pelo intangvel e inatingvel conhecimento de tudo o que necessrio para o desenvolvimento deste estudo; Ao Grupo de Pesquisa Indivduo, Organizaes e Trabalho, sem o qual no conseguiria coletar em tempo hbil os dados necessrios para as anlises. Em especial, a Camila Lisboa, pela leitura cuidadosa da reviso terica, e a Fabola Costa, pela referncia e presena nos momentos cruciais; A todos aqueles que ajudaram na coleta dos dados; Aos trabalhadores que dedicaram seu tempo para responder o longo questionrio de pesquisa; Aos juzes, que avaliaram atentamente os itens propostos para a escala de entrincheiramento organizacional; A Carlos Alberto Medeiros, pela iniciao na Modelagem de Equaes Estruturais, e a Igor Gomes Menezes, pelo auxlio na anlise dos dados, por todas as indicaes bibliogrficas e pela disponibilidade constante para explicar e tirar dvidas; A Jairo Eduardo Borges-Andrade e a Mauro Magalhes, pelas sugestes durante os seminrios de qualificao, que me fizeram ver alm e apesar de; A Jairo Eduardo Borges-Andrade e a Ricardo Primi, pelos preciosos comentrios e contribuies na defesa desta dissertao; CAPES, nos primeiros meses, e FAPESB, pelo perodo restante, agradeo pelo apoio financeiro.

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RESUMO

Na agenda de pesquisa sobre comprometimento organizacional, predomina o modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991), que tem sido foco das discusses sobre os principais problemas que cercam o construto: esticamento indevido do conceito, escalas com propriedades psicomtricas inadequadas e inconsistncias empricas, em parte decorrentes da incluso da base de continuao, que apresenta controvrsias em sua estrutura fatorial, comportamento diferenciado dos demais fatores e correlaes baixas ou negativas com variveis desejveis. Apresenta tambm o significado de permanncia por necessidade, atributo questionvel no conceito de comprometimento e caracterstica de um vnculo j estudado no campo das carreiras: o entrincheiramento. O presente trabalho busca contribuir para a reduo dos problemas conceituais e empricos do comprometimento com a organizao e tem como objetivo propor o conceito e a escala de entrincheiramento organizacional, avaliar suas propriedades psicomtricas e sua possvel sobreposio com a base de continuao. A proposio do conceito de entrincheiramento organizacional foi pautada na reviso terica do entrincheiramento na carreira, no trabalho de Mowday et al. (1982) e na teoria dos side bets de Becker (1960). Trs dimenses foram propostas, e o entrincheiramento organizacional foi definido como a tendncia do indivduo a permanecer devido a possveis perdas associadas sua sada ajustamentos posio social (APS), que incluem investimentos e adaptaes do indivduo para o alcance de certa posio na organizao, e arranjos burocrticos impessoais (ABI), ou retornos materiais e devido limitao de alternativas (LA) percebidas no mercado de trabalho. Para a construo da escala, foram utilizados itens elaborados pelo grupo de pesquisa e itens provenientes de escalas j validadas. A anlise dos juzes apontou como satisfatrios vinte e seis itens dos trinta e um iniciais. A amostra do estudo contemplou 721 trabalhadores de diferentes organizaes e estados do Brasil, tendendo a uma composio de indivduos jovens, de alta escolaridade, empregados em empresas privadas e com pouco tempo de servio. Foram empregadas anlises exploratrias e confirmatrias para a avaliao psicomtrica da escala, e modelagem de equaes estruturais para a investigao da possvel sobreposio entre os construtos. Devido a um debate anterior sobre a pertinncia da dimenso LA, modelos concorrentes foram avaliados, para determinar a estrutura mais adequada. Os resultados indicam estabilidade, generalizabilidade e alta consistncia interna dos trs possveis fatores, formados pelos vinte e dois itens restantes aps as anlises, mas no fornecem informaes suficientes para a deciso por uma estrutura tridimensional ou bidimensional. Os testes dos modelos de covarincia entre o comprometimento de continuao e o entrincheiramento organizacional, considerando as duas estruturas possveis, fornecem fortes evidncias de sobreposio entre os construtos. Conclui-se que ambos referem-se a um mesmo fenmeno psicossocial, o que justifica a proposta de reestruturao do comprometimento organizacional, com a retirada da base de continuao. O presente trabalho apresenta uma possvel soluo para um dos problemas apresentados pelo modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991) e inicia uma agenda de pesquisa que busca maior refinamento conceitual e emprico do entrincheiramento organizacional, maior delimitao entre esse construto e o comprometimento organizacional de continuao e, assim, maior entendimento dos vnculos estabelecidos entre o indivduo e a organizao. Palavras-chave: Comprometimento Organizacional, Entrincheiramento Organizacional, Comprometimento de Continuao, Construo e Avaliao Psicomtrica de Escala, Modelagem de Equaes Estruturais.

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ABSTRACT In organizational commitment research, prevail the Meyer and Allens (1991) threecomponent model, that is the center of interest in discussions about the main identified constructs problems: concept stretching, measures with inappropriate psicometric properties and empirical inconsistencies, that are partially caused by continuance commitment, that presents unstable factor structure, different behaviors from other dimensions and poor or negative correlations with desired variables. It also presents the meaning of necessary continuance, that is a questionable attribute from commitment concept, but also a trait of another kind of attachment studied in career field: the entrenchment. The present study intends to contribute for reducing the conceptual and empirical problems of organizational commitment. The objectives are to propose the concept and measure of organizational entrenchment, and to evaluate its psicometric properties and its possible overlay with continuance commitment. The propose of organizational entrenchment concept was based in theoretical revision of career entrenchment, in Mowday et al.s (1982) work and in Beckers (1960) side bets theory. Three dimensions were proposed, and organizational entrenchment was defined as the individual tendency to continue due to possible losing associated to his exit individual adjustment to social positions (ASP), that include investments and individual adaptations to attain certain position in organization, and impersonal bureaucratic arrangements (IBA), or material return and due to limitedness alternatives (LA) perceived in work market. Items employed to scale elaboration were derived from research group redaction and from others validated measures. The judges evaluation showed twenty six satisfactory items, from the beginnings thirty one. The study sample is formed by 721 workers from different organizations and brazilian states, and its mainly constituted by young and highly educated people, from private organizations, with low service period. Exploratory and confirmatory analysis were conducted for scale psicometric evaluation and structural equation modeling was used to investigate the possible overlay between the constructs. Because there is a prior debate about the LA dimension pertinence, alternative models were compared for determine the most adequate structure. The results point to factors stability, generalizability and strong internal consistency, formed by twenty two remaining items, but dont provide sufficient information for three-component or bi-component structure resolution. The examinations of continuance commitment and organizational entrenchment covariance models, considering the two possible structures of organizational entrenchment, provide powerful evidences to draw the overlay between the constructs. The conclusion is that both regard to the same psychosocial phenomenon, justifying the propose of organizational commitment restructuration, by removing the continuance dimension. This works presents a possible solution for one of the problems underlying the Meyer and Allens (1991) threecomponent model and begins a research agenda that attempt to major conceptual and empirical organizational entrenchment refinement, major organizational commitment and organizational entrenchment boundaries and, therefore, major comprehension of the possible attachments between individual and organizations. Key-words: Organizational Commitment, Organizational Entrenchment, Continuance Commitment, Measure Construction and Psicometric Evaluation, Structural Equation Modeling.

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SUMRIO

LISTA DE FIGURAS ............................................................................................................... xi LISTA DE QUADROS ............................................................................................................xii LISTA DE TABELAS ............................................................................................................xiii INTRODUO ........................................................................................................................ 15 PARTE I - MARCO TERICOCONCEITUAL ................................................................. 20CAPTULO 1: COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL: PROBLEMAS CONCEITUAIS E DE MENSURAO................................................................................................................................... 21A. A construo do campo de origem e a emergncia do modelo tridimensional do comprometimento organizacional .............................................................................................................................................. 22 B. O esticamento do conceito de comprometimento organizacional ...................................................... 27 1. A questo da permanncia: dimenso constitutiva do comprometimento ou um possvel conseqente? .......................................................................................................................................... 28 2. Dimenses atitudinais x comportamentais do comprometimento organizacional ................. 36 C. A mensurao do comprometimento organizacional: a qualidade psicomtrica das escalas ............. 41 1. Estruturas fatoriais das escalas .................................................................................................. 45 2. Consistncia Interna .................................................................................................................... 48 3. Revises das escalas de comprometimento ................................................................................ 52 D. Inconsistncias empricas: o padro de associao entre o comprometimento organizacional e outros fenmenos .................................................................................................................................................... 53

CAPTULO 2: O CONSTRUTO DE ENTRINCHEIRAMENTO .......................................................... 60A. B. Problematizando a relao comprometimento/entrincheiramento: as pesquisas sobre carreira ......... 60 Entrincheiramento na organizao ..................................................................................................... 67 1. A origem do conceito entrincheiramento nos estudos de comprometimento ..................... 67 2. Proposio do construto de entrincheiramento organizacional ........................................... 72

PARTE II - ASPECTOS TERICO-METODOLGICOS.................................................. 79CAPTULO 3: DELIMITAO DO OBJETO DE ESTUDO ............................................................... 80A. B. A. 1. B. 1. 2. 3. 4. Objetivos ............................................................................................................................................ 83 Hiptese do Estudo ............................................................................................................................. 84 Etapa terica ....................................................................................................................................... 85 Procedimentos tericos de construo da medida .................................................................... 86 Etapa emprica .................................................................................................................................... 90 Instrumento de mensurao ....................................................................................................... 90 Procedimentos de coleta dos dados ............................................................................................ 90 Amostra ........................................................................................................................................ 91 Anlise dos dados ......................................................................................................................... 94 4.1. Etapa exploratria: anlise fatorial .................................................................................... 96 4.2. Etapa confirmatria: modelagem de equaes estruturais ................................................ 102

CAPTULO 4: DELINEAMENTO METODOLGICO ....................................................................... 85

PARTE III - RESULTADOS ............................................................................................... 119CAPTULO 5: RESULTADOS E DISCUSSO ................................................................................ 120A. B. Resultados das avaliaes dos juzes ................................................................................................ 120 Avaliao das propriedades psicomtricas da escala ........................................................................ 123 1. Anlise fatorial exploratria ..................................................................................................... 123 2. Anlise fatorial confirmatria .................................................................................................. 140 2.1 Teste do modelo tridimensional .............................................................................................. 143 2.2 Teste do modelo bidimensional ............................................................................................... 153

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2.3 Comparao dos modelos concorrentes: trifatorial x bifatorial ............................................ 158 C. Evidncias de sobreposio entre o entrincheiramento organizacional e o comprometimento de continuao ................................................................................................................................................ 163

FONTE: Dados da pesquisa.................................................................................................. 172 PARTE IV - CONCLUSES E RECOMENDAES....................................................... 175CAPTULO 6: CONCLUSES E RECOMENDAES ................................................................... 176 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................................ 183 ANEXOS ........................................................................................................................................ 194

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Mapeamento das definies de comprometimento organizacional ........................ 31 Figura 2 Integrao do modelo atitude-comportamento ao modelo tridimensional do comprometimento ..................................................................................................................... 39 Figura 3 Modelo de entrincheiramento na organizao ........................................................ 76 Figura 4 Lgica do estudo proposto ...................................................................................... 78 Figura 5 Mapa do campo pesquisado .................................................................................... 81 Figura 6 Esquema de construo da medida de entrincheiramento organizacional .............. 86 Figura 7 Exemplo de representao grfica de um modelo de equaes estruturais .......... 106 Figura 8 Grfico scree plot para anlise fatorial exploratria ............................................. 125 Figura 9 Modelo hipottico do entrincheiramento organizacional (3 fatores) .................... 144 Figura 10 Modelo re-especificado do entrincheiramento organizacional (3 fatores) .......... 152 Figura 11 Modelo hipottico do entrincheiramento organizacional (2 fatores) .................. 153 Figura 12 Modelo re-especificado do entrincheiramento organizacional (2 fatores) .......... 157 Figura 13 Modelo re-especificado do comprometimento de continuao .......................... 165 Figura 14 Modelo estrutural do comprometimento de continuao e entrincheiramento organizacional (3 fatores) ....................................................................................................... 168 Figura 15 Modelo estrutural do comprometimento de continuao e entrincheiramento organizacional (2 fatores) ....................................................................................................... 171

xii

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Dimenses propostas para o comprometimento organizacional ........................... 26 Quadro 2 Significado do comprometimento para atores organizacionais ............................. 34 Quadro 3 Correlaes entre dimenses do comprometimento e alguns antecedentes .......... 55 Quadro 4 Correlaes entre dimenses do comprometimento e alguns correlatos ............... 57 Quadro 5 Correlaes entre dimenses do comprometimento e alguns conseqentes ......... 57 Quadro 6 Itens propostos para a escala de entrincheiramento organizacional ...................... 89 Quadro 7 Anlise dos dados por objetivo proposto ............................................................... 94 Quadro 8 ndices de ajuste empregados no presente trabalho ............................................. 115 Quadro 9 Argumentos a favor dos modelos bidimensional e tridimensional do entrincheiramento na organizao .......................................................................................... 162

xiii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 ndices de confiabilidade por subdimenses da escala de comprometimento na Amrica do Norte ..................................................................................................................... 49 Tabela 2 ndices de confiabilidade por subdimenses da escala de comprometimento fora da Amrica do Norte ..................................................................................................................... 50 Tabela 3 Caracterizao da amostra por variveis pessoais .................................................. 92 Tabela 4 Caracterizao da amostra por variveis ocupacionais .......................................... 93 Tabela 5 Orientaes para identificao de cargas significantes com base no tamanho da amostra ..................................................................................................................................... 98 Tabela 6 Resultados das anlises dos juzes ........................................................................ 121 Tabela 7 Fatores encontrados na anlise de fatores comuns (PAF) com 27 itens ............... 124 Tabela 8 Soluo fatorial com cinco componentes ............................................................. 126 Tabela 9 Soluo fatorial com quatro componentes ............................................................ 126 Tabela 10 Fatores encontrados na anlise de fatores comuns (PAF) com 22 itens ............. 129 Tabela 11 Itens de entrincheiramento organizacional e suas cargas fatoriais ..................... 129 Tabela 12 Anlise da consistncia interna dos itens do fator APS .................................. 130 Tabela 13 Anlise da consistncia interna dos itens do fator LA .................................... 131 Tabela 14 Anlise da consistncia interna dos itens do fator ABI................................... 132 Tabela 15 Coeficientes de correlao entre os fatores ........................................................ 133 Tabela 16 Eigenvalues, varincia explicada e ndices de consistncia interna de cada fator nas duas sub-amostras aleatrias ............................................................................................ 135 Tabela 17 Cargas fatoriais dos itens de entrincheiramento nas duas sub-amostras aleatrias ................................................................................................................................................ 135 Tabela 18 Coeficientes de correlao entre os fatores nas duas sub-amostras aleatrias ... 136 Tabela 19 Eigenvalues, varincia explicada e ndices de consistncia interna de cada fator nas duas sub-amostras separadas por tempo de servio ......................................................... 138 Tabela 20 Cargas fatoriais dos itens de entrincheiramento nas duas sub-amostras separadas por tempo de servio............................................................................................................... 139 Tabela 21 Coeficientes de correlao entre os fatores nas sub-amostras separadas por tempo de servio ................................................................................................................................ 140 Tabela 22 ndices de modificao para o modelo inicial do entrincheiramento (3 fatores) 145 Tabela 23 ndices de ajuste do modelo tridimensional do entrincheiramento para as duas amostras .................................................................................................................................. 146 Tabela 24 Coeficientes de regresso e varincias dos modelos de mensurao do entrincheiramento organizacional testados nas duas amostras aleatrias (3 fatores) ............. 148 Tabela 25 ndices de ajuste do modelo estrutural do entrincheiramento (3 fatores) ........... 150 Tabela 26 ndices de modificao para o modelo inicial do entrincheiramento (2 fatores) 154

xiv

Tabela 27 ndices de ajuste do modelo de mensurao bidimensional do entrincheiramento para as duas amostras ............................................................................................................. 155 Tabela 28 Coeficientes de regresso e varincias dos modelos de mensurao do entrincheiramento organizacional testados nas duas amostras aleatrias (2 fatores) ............. 155 Tabela 29 ndices de ajuste do modelo estrutural do entrincheiramento (2 fatores) ........... 156 Tabela 30 Comparao dos ndices de ajuste dos modelos trifatorial e bifatorial de entrincheiramento organizacional........................................................................................... 158 Tabela 31 ndices de ajuste do modelo de mensurao do comprometimento de continuao para as duas amostras ............................................................................................................. 164 Tabela 32 ndices de ajuste para o modelo estrutural de covarincia entre o comprometimento de continuao e o entrincheiramento organizacional (3 fatores) ............ 167 Tabela 33 ndices de ajuste para o modelo estrutural de covarincia entre o comprometimento de continuao e o entrincheiramento organizacional (2 fatores) ............ 170 Tabela 34 - Comparao dos ndices de ajuste dos modelos estruturais de covarincia entre o comprometimento de continuao e o entrincheiramento organizacional trifatorial e bifatorial ................................................................................................................................................ 172

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INTRODUO

Os estudos sobre comprometimento no trabalho tiveram origem h aproximadamente cinqenta anos, com o objetivo inicial de mapear e explicar o vnculo estabelecido entre o indivduo e a organizao. A partir da dcada de 80, as pesquisas nesse tema ganharam impulso, e o comprometimento passou a ser um tpico de grande interesse para as teorias organizacionais, no Brasil e no exterior. No obstante o desenvolvimento conceitual e emprico proporcionado pelos inmeros estudos conduzidos, tambm lacunas foram formadas, sobretudo na definio do construto (Bastos, 1998; Morrow, 1993; Mowday, 1998). Uma das primeiras constataes advindas da pesquisa na rea foi a existncia de diferentes naturezas do comprometimento (Etzioni, 1961/1974; Kanter, 1968; Meyer & Allen, 1991; OReilly & Chatman, 1986), pautadas em fatores como identificao com a organizao, compartilhamento de crenas e valores, sentimento de obrigao, desejo de permanecer e obter recompensas. As diversas formas com que o trabalhador poderia vincularse foram denominadas bases do comprometimento. O avano das pesquisas e descobertas na rea indicaram que o comprometimento organizacional era afetado tambm pelo vnculo estabelecido pelo indivduo com outras instncias, dentro e fora da prpria organizao, a exemplo de equipe, trabalho, sindicato, carreira, entre outros. Tal percepo deu origem investigao dos focos do comprometimento (Bastos, 1994; Fink, 1992; Morrow, 1983; Reichers, 1985, 1986) e dos padres ou perfis formados pela combinao de diferentes nveis de comprometimento do trabalhador com cada um desses focos (Bastos, 1994; Costa, 2005; Fink, 1992). Os estudos sobre comprometimento tm sido motivados, principalmente, pela identificao de antecedentes, ou seja, variveis que podem impactar na formao do vnculo, e conseqentes ou resultados alcanados quando o indivduo est comprometido. Para a

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realizao dessas investigaes, tm sido utilizadas, principalmente, estratgias metodolgicas quantitativas (Bastos, 1994). O objetivo de abarcar todos esses nveis de anlise e possibilitar uma maior generalizao do construto acelerou a produo na rea, a formulao de diferentes medidas e diferentes conceitos, gerando um grande nmero de estudos cientficos, conduzidos algumas vezes sem os cuidados necessrios (Bastos, 1994; Morrow, 1983). Essa ampliao excessiva e sem cautela ocasionou um esticamento do construto de comprometimento, com a incluso de medidas e dimenses possivelmente inapropriadas, o que causa dificuldades em sua aplicao prtica e em sua abstrao para diferentes contextos organizacionais (Osigweh, 1989). As confuses conceituais e empricas que cercam os estudos sobre comprometimento so um tpico atual de discusso, embora j sejam objeto de preocupao de muitos estudiosos h bastante tempo. H mais de vinte anos, Reichers (1985) apontava como um problema potencial a falta de cuidado dos pesquisadores em entender as percepes e expectativas dos atores organizacionais sobre o comprometimento, uma vez que as conceituaes divulgadas eram, normalmente, derivaes e acrscimos de definies prvias. A tradio de pesquisa quantitativa na rea contribuiu para que tal situao fosse mantida (Bastos, 1998). Assim, observa-se que a maioria dos estudos, ainda hoje, est pautada nas primeiras conceituaes do comprometimento organizacional, desconsiderando as mudanas ocorridas na poltica, economia e relaes de trabalho em quase meio sculo. Tal distanciamento ocasionou no apenas lacunas conceituais, como tambm uma possvel defasagem em relao a certos aspectos tradicionalmente estudados como parte do comprometimento, a exemplo na noo de permanncia e instrumentalidade. Osigweh (1989) trouxe tambm um alerta sobre os riscos de propor construtos e medidas muito vastos, pois a incluso de conceitos em demasia poderia, em lugar de ampliar o alcance dos construtos, ameaar a preciso das pesquisas conduzidas e, conseqentemente,

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sua

validade

cientfica.

Ainda

assim,

muitos

modelos

multidimensionais

do

comprometimento foram e tm sido divulgados na literatura, dentre os quais se destaca o modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991), proposto com o objetivo de expandir o conceito por meio da incorporao de facetas provenientes de estudos distintos sobre comprometimento organizacional. Depois de Reichers (1985) e Osigweh (1989), outros tericos apontaram os problemas do construto, discutindo especificamente as inconsistncias conceituais e a validade do modelo tridimensional (Bastos, 1998; Brown, 1996; Dunham, Grube & Castaneda, 1994; Ko, Price & Mueller, 1997; Solinger, Olffen e Roe, 2008; Swailes, 2002). Ainda assim, mais de 150 estudos baseados nesse modelo foram reunidos na meta-anlise conduzida por Meyer, Stanley, Herscovitch e Topolnytsky (2002), excludos aqueles que no reportavam os dados necessrios para a investigao. Diante de tal quadro, ainda so desafios para as pesquisas da rea a delimitao terico-emprica do conceito de comprometimento e a adoo de novas metodologias de pesquisa. necessrio que seja feito o movimento inverso, a fim de retirar do construto os conceitos indevidamente includos. O presente estudo no pretende, nem conseguiria, esgotar todos os problemas conceituais diretamente associados mensurao do comprometimento. Por isso, toma como foco de anlise os problemas relacionados ao modelo tridimensional do comprometimento organizacional proposto por Meyer e Allen (1991) e posiciona-se em consonncia com os autores que defendem uma maior delimitao conceitual para o construto que, atualmente, incorpora em sua definio e operacionalizao dimenses possivelmente antagnicas, com antecedentes e conseqentes bastante distintos (Klein, Molloy & Cooper, no prelo; Solinger et al., 2008). Nesse processo, uma ateno especfica dirigida base instrumental do comprometimento, aqui tratada como base de continuao, em congruncia com a nomenclatura sugerida por Meyer e Allen (1984) e utilizada largamente na literatura

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internacional. A opo por essa denominao foi feita aps a observao de que, fora do Brasil, a designao comprometimento instrumental no entendida como sinnimo do comprometimento de continuao (Cooper-Hakim & Viswesvaran, 2005). Muitos estudos vm se detendo na anlise do componente de continuao pelo fato de ser esse o portador e provocador do maior nmero de inconsistncias empricas na pesquisa sobre o comprometimento organizacional. Conceitualmente, a base de continuao, ou base de permanncia, outra possvel traduo para o continuance commitment, abarca a idia de continuidade na organizao por ser necessrio, devido limitao de alternativas ou aos sacrifcios pessoais percebidos pelo indivduo. Nesta dissertao, so apresentados argumentos que defendem a retirada da noo de permanncia da definio do comprometimento. Entende-se, ainda, que h um vnculo mais apropriado para predizer a permanncia por necessidade. Trata-se do entrincheiramento, definido pela primeira vez no campo das carreiras por Carson, Carson e Bedeian (1995) e estendido, neste trabalho, para o foco organizacional. O presente estudo, portanto, rene um conjunto de aes que buscam solucionar um dos problemas da pesquisa sobre comprometimento: o mapeamento das principais questes do modelo tridimensional; a construo de um quadro terico e definio do conceito de entrincheiramento com foco na organizao; a construo, avaliao psicomtrica e disponibilizao da primeira escala de entrincheiramento organizacional para o Brasil e pases do exterior; e, por fim, a confrontao emprica do entrincheiramento com o comprometimento de continuao, com o objetivo de apresentar as primeiras evidncias de que ambos se referem ao mesmo fenmeno psicossocial. Espera-se, tambm, que este trabalho seja o incio de uma agenda de pesquisa que possibilitar o desenvolvimento do construto de entrincheiramento na organizao e as investigaes de sua delimitao com o

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comprometimento organizacional, a fim de diferenciar esses dois possveis vnculos, seus antecedentes e conseqentes. A pesquisa aqui conduzida parte de um projeto maior, denominado Comprometimento, consentimento ou entrincheiramento? Analisando questes conceituais e a dinmica do vnculo entre trabalhador e organizao (Bastos, 2006), que vem sendo realizado pelo grupo de pesquisa Indivduo, Organizaes e Trabalho: aspectos psicossociais. Quatro partes estruturam esta dissertao. A Parte I apresenta o marco tericoconceitual do estudo e composta por dois captulos. No Captulo 1, esto estruturados os pontos mais crticos das questes conceituais e empricas do comprometimento organizacional, com foco no modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991) e, mais especificamente, na base de continuao. No Captulo 2, apresentado o conceito de entrincheiramento organizacional, aps uma reviso das pesquisas sobre o construto com foco na carreira e de suas bases conceituais nos estudos com foco na organizao. A Parte II contm os aspectos terico-metodolgicos, divididos tambm em dois captulos. O Captulo 3 apresenta a delimitao do objeto de estudo, os objetivos e hipteses da pesquisa, e o Captulo 4 discorre sobre os procedimentos metodolgicos adotados para o desenvolvimento do trabalho. A Parte III apresenta e discute os resultados referentes avaliao conceitual e psicomtrica da escala de entrincheiramento organizacional e descreve as principais evidncias de sobreposio entre esse construto e o comprometimento de continuao. Por fim, na Parte IV, so apresentadas as concluses do estudo, sintetizando os principais achados, contribuies, limites e implicaes para pesquisas futuras.

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PARTE I MARCO TERICOCONCEITUAL

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CAPTULO 1:COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL:PROBLEMAS CONCEITUAIS E DE MENSURAO

Conceituar o comprometimento organizacional ainda uma tarefa difcil, mesmo aps dcadas de investigao. A falta de consenso em relao ao seu significado notria desde os primeiros trabalhos apresentados, fato verificado tambm nas medidas elaboradas para a sua verificao emprica (Bastos, 1994; Morrow, 1983, 1993; Mowday, Porter & Steers, 1982). Confuso conceitual, redundncia, impreciso e inconsistncia tm marcado as pesquisas sobre comprometimento, especialmente aquelas que saem de um enfoque unidimensional, como proposto no clssico trabalho de Mowday et al. (1982). Neste captulo, a discusso apresentada segue uma via tripartite: (1) inconsistncias conceituais provenientes do esticamento do construto de comprometimento; (2) inadequao das propriedades psicomtricas das escalas utilizadas; (3) inconsistncias empricas envolvendo as bases propostas. Preliminarmente, feita uma breve contextualizao acerca da evoluo de perspectivas unidimensionais do comprometimento para as abordagens multidimensionais. Nesta dissertao, o foco principal dado ao modelo tridimensional que, h mais de quinze anos, foi proposto por Meyer e Allen (1991), na tentativa de reunir conceitos elaborados anteriormente e expandir o construto de comprometimento, com o objetivo de aumentar a sua generalizao. Busca-se detalhar, neste primeiro captulo, os pontos mais crticos desse modelo e os fatores que ameaam a relevncia cientfica da pesquisa sobre comprometimento com foco na organizao.

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A. A construo do campo de origem e a emergncia do modelo tridimensional do comprometimento organizacional

Uma reviso abrangente da literatura sobre comprometimento mostra a emergncia de diferentes perspectivas: vises unidimensionais (Becker, 1960; Mowday et al., 1982) e multidimensionais (Etzioni, 1961/1974; Kanter, 1968; Medeiros, Enders, Sales, Oliveira & Monteiro, 1999; Meyer & Allen, 1991; OReilly & Chatman, 1986; Rego, 2003); atitudinais (Mowday et al., 1982) e comportamentais (Staw, 1974); sob naturezas distintas (Becker, 1960; Porter, Steers & Mowday, 1974; Wiener, 1982); com foco em diferentes instncias, como organizao, trabalho, equipe, carreira e sindicato (Bastos, 1994; Fink, 1992; Reichers, 1986). No h entre os tericos da rea um consenso em relao origem dos estudos sobre o comprometimento com a organizao, assim como no h um acordo para os diferentes enfoques que tm sido atribudos ao construto. Tais aspectos foram destacados por Bastos (1994), aps uma intensa investigao sobre a trajetria de construo e desenvolvimento das abordagens mais presentes na pesquisa sobre o comprometimento organizacional. No total, o autor identificou cinco principais enfoques, provenientes da Sociologia, da Psicologia Social e das Teorias Organizacionais: autoridade no contexto de trabalho; side bets, instrumental ou calculativo; atitudinal/afetivo; normativo e comportamental. Bastos (1994) sinaliza a importncia do trabalho realizado por Etzioni (1961/1974), inserido no panorama das Teorias Organizacionais. Ao discriminar as bases moral, alienativa e calculativa para o comprometimento organizacional, Etzioni (1961/1974) contribuiu para o desenvolvimento de trs das cinco vertentes identificadas por Bastos (1994). O envolvimento moral estaria ligado internalizao de valores e normas organizacionais, o envolvimento calculativo seria resultado de uma consciente relao de troca entre o indivduo e a

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organizao e, por fim, a base alienativa adviria de um poder coercitivo, caracterizado por uma relao de submisso autoridade. interessante notar, entretanto, que a busca de uma anlise mais formal do conceito de comprometimento teve origem na Sociologia, sendo marcada pelo trabalho de Becker (1960). O autor explica o comprometimento como a adoo de linhas de ao consistentes ao longo do tempo, causada principalmente pela percepo de custos associados a um comportamento contrrio. Ao ser aplicado ao contexto organizacional, o comprometimento tratado como o resultado da busca e manuteno de ganhos financeiros, conforto/comodidade no trabalho, posio privilegiada na organizao, entre outros. Etzioni (1961/1974), ao tratar da dimenso calculativa, trouxe tambm a perspectiva da instrumentalidade e relao de troca para o conceito de comprometimento organizacional. Da Psicologia Social, uma das razes mapeadas por Bastos (1994), procederam duas vises que nortearam os desenvolvimentos futuros dos estudos na rea: a noo de comprometimento enquanto uma atitude, e a noo do comprometimento enquanto um comportamento. Esses dois caminhos de anlise do comprometimento sero a base para uma discusso posterior ainda nesse captulo. Depois dos primeiros anos de estudos desenvolvidos sobre o comprometimento, Mowday et al. (1982) compilaram diferentes definies do construto, com o objetivo de propor um modelo que abarcasse os desenvolvimentos tericos j realizados. A partir dessa reviso, definiram o comprometimento como uma fora relativa identificao e envolvimento do indivduo com a organizao, caracterizada pela aceitao dos objetivos e valores organizacionais, desejo de manter-se como membro e de exercer esforo em benefcio da organizao. Por muitos anos, esse significado e a escala construda pelos autores foram amplamente utilizados, em uma perspectiva atitudinal-afetiva do comprometimento.

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Tratar dessa amplitude de abordagens presentes nos estudos sobre comprometimento com a organizao, ainda que superficialmente, fundamental para contextualizar o momento em que Meyer e Allen (1991) conceberam o modelo tridimensional. Inicialmente, Meyer e Allen (1984) observaram as diferenas entre a teoria de Becker (1960) e a viso de comprometimento apresentada por Mowday et al. (1982). A primeira traz a idia de continuar em determinado curso de ao aps o clculo dos custos envolvidos no afastamento dessa linha, tendo sido denominada comprometimento de continuao (Kanter, 1968; Meyer & Allen, 1984), calculativo (Etzioni, 1961/1974), e traduzida como comprometimento instrumental (Bastos, 1993; Medeiros, 1997). A segunda vertente, por sua vez, traz a noo de afeto para com a organizao, que estimula o indivduo a permanecer porque gosta, compartilha valores e envolve-se com os papis organizacionais, tendo sido denominada por Meyer e Allen (1984) comprometimento afetivo. Mais tarde, Meyer e Allen (1991) incluram uma terceira forma de comprometimento, com base no estudo de Wiener (1982), sugerindo que, em alguns casos, o indivduo permanece na organizao por se sentir obrigado, aps internalizao das normas organizacionais. Sua denominao passou a ser comprometimento normativo. Os autores buscaram, portanto, sintetizar os estudos existentes e reunir em um mesmo modelo os trs principais enfoques da agenda de pesquisa sobre comprometimento organizacional. Definiram-no como um estado psicolgico que caracteriza a relao do indivduo com a organizao e que tem implicaes em sua deciso de deix-la ou no. Meyer e Allen (1991) sugeriram, ainda, que os comprometimentos afetivo, normativo e de continuao fossem tratados como componentes, e no tipos de comprometimento. Dessa forma, em lugar de haver trs formas mutuamente exclusivas, os autores consideram mais pertinente entender cada uma dessas formas como componentes ou bases, que podem ser experimentadas simultaneamente pelo trabalhador, em diferentes nveis.

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Apesar das incoerncias apontadas para esse modelo, importante enfatizar sua contribuio para a agenda de pesquisa do comprometimento, sobretudo o impulso para a produo cientfica aps a validao da medida por J. P. Meyer e equipe. A comparao de duas meta-anlises conduzidas em pocas distintas exemplifica claramente o impacto causado na literatura sobre o comprometimento. Mathieu e Zajac (1990) reuniram 124 estudos publicados em um perodo de quase vinte anos (1967 a 1986), que tinham em comum a referncia aos trabalhos de Mowday et al. (1982) ou de Hrebiniak e Alutto (1972). Pouco mais de uma dcada depois, Meyer et al. (2002) reuniram 155 estudos que utilizaram as medidas validadas por seu grupo e que foram publicados ao longo de quinze anos (1985 a 2000). Percebe-se, assim, como a produo cientfica da rea passou a ser guiada pelo modelo de trs dimenses. Bastos (1998) afirma que, no obstante o predomnio desse modelo, falta ainda uma melhor investigao da dimensionalidade do comprometimento. Nem todas as aplicaes das escalas de comprometimento afetivo, normativo e de continuao apresentaram padres de convergncia e validade discriminante (Mowday, 1998). Em diferentes pesquisas, observouse sobreposio das bases afetiva e normativa, e comportamento diferenciado da base de continuao (Cooper-Hakim & Viewesvaran, 2005). Alm disso, ao longo dos inmeros estudos sobre comprometimento no cenrio internacional e nacional, foram desenvolvidas investigaes acerca de seus componentes, na tentativa de ampliar o alcance do conceito. No Quadro 1, esto compilados os modelos multidimensionais desenvolvidos por diferentes autores para o comprometimento organizacional. possvel que, em meio a esses inmeros estudos e tentativas de ampliao dos limites conceituais do construto, novas dimenses tenham sido propostas sem o devido cuidado, especialmente por decorrerem de processos de operacionalizao e validao de novos instrumentos de mensurao (Bastos, 1994; Morrow, 1983). Tais aspectos fornecem

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indcios de que a ampliao excessiva do escopo do comprometimento organizacional tem provocado confuso conceitual, envolvendo no somente suas bases, como tambm seus antecedentes e conseqentes (Mowday, 1998).Bases Moral, Calculativo, Alienativo Continuao, Coeso e Controle Identificao, Envolvimento, Lealdade Consentimento, Identificao, Internalizao Afetivo, Normativo, Continuao Afetivo, Continuao, Moral Adeso, Oportunidade Afiliativa, Afetiva, Normativa, Instrumental Afetiva, Futuro comum, Normativa, de Sacrifcios avultados, Escassez de alternativas, Ausncia psicolgica. Internalizao de valores e objetivos organizacionais, Sentimento de obrigao em permanecer na organizao, Sentimento de fazer parte, Sentimento de falta de recompensas e oportunidades, Linha consistente de atividade, Escassez de alternativas Referncias Etzioni (1961/1974) Kanter (1968) Buchanan (1974) OReilly e Chatman (1986) Meyer e Allen (1991); Siqueira (2001) Jaros, Jermier, Koehler e Sincich (1993) Thvenet (1992), citado por S e Lemoine (1999) Medeiros et al. (1999) Rego (2003) Medeiros, Albuquerque, Marques e Siqueira (2003)

Quadro 1 Dimenses propostas para o comprometimento organizacional FONTE: Elaborado pela autora

pertinente, portanto, afirmar que a ampliao da multidimensionalidade do comprometimento tem causado o que Osigweh (1989) denominou esticamento do conceito: o que inicialmente parece um ganho em termos de extenso, causa construes confusas, resultando em conceitos menos precisos ou pseudo-universais. No caso do

comprometimento, interpreta-se que as dimenses includas, a partir de inmeros estudos em contextos especficos, tenham contribudo para o crescimento amorfo do conceito, ameaando sua generalizao. Osigweh (1989) discute especificamente a incluso de dimenses atitudinais e de intenes comportamentais na operacionalizao do comprometimento organizacional, aspecto que ser pormenorizado mais adiante neste captulo. Defende, ainda, que um conceito pode ter a versatilidade necessria para percorrer diferentes contextos e situaes sem necessariamente apresentar ambigidade e impreciso. O autor se atm a formas de minimizar o esticamento do conceito e maximizar seu potencial de percurso e

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prope que, inicialmente, sejam feitas definies acerca do que o construto no , buscandose, dessa forma, chegar a uma definio de seus limites, a uma essncia central, que tenha um maior nvel de abstrao e uma maior variedade de aplicaes. Para tanto, necessrio, inicialmente, estruturar os problemas mais proeminentes e as incongruncias observadas na literatura da rea, de modo a selecionar os pontos que esto interferindo na qualidade e na generalizao dos estudos e, assim, propor alteraes. Nas sees a seguir, esto sistematizadas as principais questes conceituais e empricas presentes nas discusses sobre o comprometimento organizacional.

B. O esticamento do conceito de comprometimento organizacional

Klein et al. (no prelo), ao discutir os fundamentos conceituais do comprometimento, atribuem a variedade de enfoques a um importante estgio de desenvolvimento do construto, mas admitem que os estudos chegaram a um estado de maturao em que essa amplitude causa mais danos do que benefcios. Pautados nessa reflexo, sugerem que os estudiosos da rea, em lugar de estimular tal variabilidade, voltem-se para a seleo das abordagens mais adequadas ao construto. O debate terico promovido nesta seo est restrito pertinncia de aspectos ligados diretamente base de continuao do comprometimento organizacional: o caso da perspectiva de permanncia, que compe atualmente o conceito de comprometimento, e das dimenses atitudinais e comportamentais, que vm sendo includas simultaneamente em sua definio e operacionalizao. A anlise desses tpicos tem como objetivo compor um conjunto de argumentos em defesa da reestruturao e da maior delimitao do conceito de comprometimento, com a retirada do componente de continuao.

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1. A questo da permanncia: dimenso constitutiva do comprometimento ou um possvel conseqente? Como primeiro passo para questionar a pertinncia da base de continuao, importante analisar as mudanas no conceito de comprometimento ao longo do tempo, especialmente no que concerne noo de permanncia, exemplo de grande relevncia para o presente estudo. Fica claro desde o trabalho de Becker (1960) que o comprometimento est relacionado principalmente permanncia dos trabalhadores nas organizaes. Porter et al. (1974) iniciam o artigo com a afirmativa de que um dos principais problemas enfrentados pelas organizaes a rotatividade, apontando o comprometimento organizacional como o elemento que diferencia os trabalhadores que saem dos trabalhadores que permanecem. Mais de trinta anos depois, seria possvel dizer que a diminuio das taxas de rotatividade continua sendo um problema para as organizaes? No seria um problema maior, considerando a intensa oferta de trabalhadores na conjuntura atual, encontrar profissionais que no estejam na organizao somente por necessidade, mas por quererem agregar valor s tarefas e equipe? Brown (1996) questiona se, nas organizaes atuais, os aspectos avaliados nas medidas de comprometimento so mesmo os mais apropriados, j que a permanncia como membro, especialmente nas empresas privadas, algo do passado. Questiona, ainda, se no h organizaes em que a permanncia no seja uma expectativa. Barros (2007) faz uma reviso das principais caractersticas de quatro momentos histricos desde a Revoluo Industrial, buscando entender de que forma as alteraes no contexto poltico e econmico influenciam o comportamento organizacional. Um resumo de suas principais constataes indica que, a partir da dcada de 50, aps um longo perodo de inexistncia da gesto de pessoas, as organizaes comearam a adotar estratgias ligadas reteno de profissionais capacitados, motivadas principalmente pela tentativa de reduzir os custos de substituio de pessoal. Essa poca marcada pelo surgimento do conceito de

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comprometimento, seguido de inmeros estudos visando operacionalizao e mensurao do construto. Entretanto, a partir da dcada de 90, com o estabelecimento das novas relaes de trabalho, enxugamento das organizaes e difuso do conceito de competncias, o interesse na permanncia do empregado d lugar necessidade de bons desempenhos, qualidade do trabalho e busca de resultados em benefcio da organizao. Analisar as transformaes nas demandas organizacionais importante para elucidar o caminho percorrido na elaborao do conceito de comprometimento. Por muito tempo, o interesse em investigar a rotatividade e a permanncia fez com que o desenvolvimento do construto fosse guiado pela pergunta o que faz o indivduo continuar na organizao?, de sorte que seu contedo foi ampliado na tentativa de encontrar a resposta mais completa possvel. Seria prudente especular, todavia, que com as mudanas do contexto, tambm o conceito de comprometimento tenha sofrido alteraes. O ser comprometido que, at a dcada de 90, estava associado idia de permanncia, passa a incorporar a noo de contribuio ativa para o alcance dos resultados organizacionais. Se a mesma lgica fosse seguida, novas dimenses deveriam ser incorporadas ao conceito de comprometimento na tentativa de explicar, por exemplo, o desempenho individual, uma vez que esse um dos conseqentes mais pleiteados pelos estudos organizacionais na atualidade (Medeiros, 2003). Observa-se ento que, no obstante as expectativas em relao ao trabalhador comprometido tenham mudado, o conceito de comprometimento ainda possui dimenses constitutivas que explicam to somente a sua permanncia na organizao. Bar-Hayim e Berman (1992) j apontavam algumas distines entre o comprometimento passivo (permanncia por no vislumbrar melhores oportunidades) e ativo (identificao com a organizao e disponibilidade para exercer esforos extras em seu benefcio). Mesmo antes das transformaes vivenciadas no mundo do trabalho, Mowday et al. (1982) afirmavam que o comprometimento organizacional representa algo alm da mera lealdade passiva para com

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a organizao. Envolve uma relao ativa, de modo que os indivduos desejam dar algo de si mesmos a fim de contribuir para o bem estar da organizao (p. 27). Solinger et al. (2008) complementam essa distino com a idia do contnuo construtivo e destrutivo. O cruzamento dessas formas de expresso gera comportamentos desejveis, no campo construtivo-ativo (empenho extra, diplomacia, cooperao) ou construtivo-passivo (pacincia, tolerncia s normas), e comportamentos indesejveis, no campo destrutivo-ativo (agresso, sabotagem, reteno de informaes importantes) e destrutivo-passivo (negligncia, esquiva das tarefas). No presente trabalho, a noo de ativo est ligada a comportamentos que beneficiariam intencionalmente a organizao, enquanto que a noo de passivo relaciona-se inrcia ou indiferena frente aos objetivos organizacionais. Questiona-se, ento o que atualmente esperado de um trabalhador comprometido: uma lealdade passiva, representada por sua manuteno como empregado, ou um envolvimento real, por meio de esforos em prol de bons desempenhos, interesse pelas atividades executadas e desejo de desenvolvimento da organizao? Reichers (1985) aponta como uma das lacunas dos estudos de comprometimento a distncia entre a definio cientfica e a percepo dos trabalhadores. Segundo o autor, muitas das conceituaes e operacionalizaes do construto partem de revises da literatura e hibridizaes de definies prvias, sem o cuidado de questionar qual o significado do comprometimento para os sujeitos a partir de suas prprias percepes. Tal limitao tem origem na tradio de estudos quantitativos e escassez de pesquisas qualitativas sobre comprometimento (Bastos, 1993, 1998). A Figura 1 apresenta uma sntese de 24 diferentes definies de comprometimento feitas por diversos tericos. Observa-se que h uma grande amplitude de facetas incorporadas ao conceito de comprometimento. H, ainda, uma clara separao entre dimenses que representam um

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vnculo ativo, expresso pelo engajamento, inteno de empenho extra, afeto e identificao com a organizao, e as dimenses que manifestam uma relao passiva, que se resume permanncia e relao de troca com a organizao, onde se enquadra o vnculo instrumental de continuao.CONCEITO DE COMPROMETIMENTO

Vnculo AtivoEngajamento / Empenho Extra exercer esforo em benefcio da organizao; contribuir para o bem estar da organizao; fazer sacrifcios; suportar situaes de trabalho exigentes; patriota da organizao; direcionar a ateno para interesses da organizao; livre escolha do sujeito em participar; sentimento de auto responsabilidade com determinado ato; engajamento; disposio plena e espontnea para trabalhar; sentimento de responsabilidade pelo resultado Identificao / Afeto Kanter (1968); Porter et al. (1974); Salancik (1977); Mowday et al (1982); OReilly e Chatman(1986); Reichers (1985); Meyer e Allen (1991); Morrow (1993); Medeiros et al. (1999) ligao afetiva; crena e aceitao dos valores organizacionais; identificao com os objetivos; aderir aos valores da organizao; ligao do indivduo a aes e crenas; grau em que o indivduo internaliza ou adota caractersticas ou perspectivas da organizao; sentimento; identificao; afiliao

Vnculo PassivoPermanncia Kanter (1968); Grusky (1966, citado por Wahn, 1998); Porter et al (1974); Farrell e Rusbult (1981, citado por Meyer & Allen, 2001); Mowday et al (1982); Meyer et al. (1990); Meyer e Allen (1991); Morrow (1993); Allen e Meyer (1996); Brown (1996); Bozeman e Perrew (2001)

Porter et al (1974); Mowday et al (1982); Kiesler e Sakamura (1996); Goleman (1998, citado por Rego, 2003); Senge (1998, citado por Barbosa & Faria, 2000); Barbosa e Faria (2000); Allen e Grisaffe (2001)

desejo de permanecer na organizao; ficar com a organizao; diminuio da probabilidade de deixar a organizao; fora do vnculo de uma pessoa com a organizao; lealdade ou ligao do indivduo com sua organizao; probabilidade de deixar o emprego; permanncia; estado em que uma pessoa j passou do ponto de retorno

Instrumentalidade / Relao de Troca

percepo de custos associados a deix-la; liga interesses alheios a uma linha consistente de atividade; resultado das transaes indivduoorganizao; resultado dos benefcios e investimentos ao longo do tempo; necessidade

Becker (1960); Hrebiniak e Alluto (1972); Etzioni (1974); Meyer, Allen e Gellatly (1990); Meyer e Allen (1991)

Obrigao estado de uma pessoa que fez uma promessa ou garantia; fora que requer que a pessoa honre o comprometimento; totalidade das presses normativas internalizadas; obrigao de permanecer Kanter (1968); Wiener (1982); Meyer e Allen (1991); Brown (1996)

Figura 1 Mapeamento das definies de comprometimento organizacional FONTE: Elaborado pela autora

Algumas definies de comprometimento formaram a categoria obrigao, posicionada no mapa de forma central, uma vez que o indivduo pode sentir-se em obrigao para com a organizao em funo de um vnculo afetivo (ativo), ou sentir-se obrigado a

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cumprir certos procedimentos e regras de trabalho como forma de manter o emprego ou status alcanado (passivo). Dentro da perspectiva de que o comprometimento garante a permanncia do trabalhador na organizao, alguns autores argumentam que o comprometimento de continuao no , por si s, sinnimo de permanncia, uma vez que o empregado pode ter a inteno de permanecer na organizao devido a um forte comprometimento afetivo ou normativo (Meyer et al., 2002; Powell & Meyer, 2004). A partir desse raciocnio, entende-se tambm que, embora tais vnculos possam estimular a inteno de permanecer, o comprometimento organizacional, mesmo forte, pode no ser um determinante da permanncia do empregado. Tal noo encontra respaldo na afirmao de Solinger et al. (2008), de que empregados comprometidos podem deixar a organizao por vrias razes (melhores oportunidades de carreira, circunstncias familiares), enquanto que empregados no comprometidos podem permanecer por motivos financeiros ou por falta de oportunidades no mercado de trabalho. Barbosa e Faria (2000), ao criticarem as idias de permuta ou barganha de vantagens por permanncia, presentes em definies do comprometimento organizacional (Figura 1), afirmam que permanecer na organizao no significa necessariamente comprometer-se, pois o indivduo pode perceber no ambiente organizacional fatores que o interessam ou beneficiam, permanecendo por estar comprometido consigo mesmo. possvel, por outro lado, que os indivduos sintam-se comprometidos mesmo aps sairem da organizao, nos casos em que a sada seja motivada por fatores externos a variveis pessoais ou organizacionais (exemplo: aprovao em concurso pblico e garantia de estabilidade, tendo em vista a crise do mercado de trabalho). Cude e Jablin (1992) discutem essa questo ao abordar como o comprometimento permanece em alguns casos aps aposentadoria, sugerindo

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que as organizaes adotem estratgias para minimizar esse vnculo, a fim de evitar obstculos ao ajustamento do trabalhador a sua nova realidade. Com base nessas reflexes, possvel conjecturar que a permanncia ou no do trabalhador na organizao pode ser explicada por muitas variveis alm do

comprometimento e que, por isso, no deve ser tratada como uma dimenso constitutiva do construto, mas como uma de suas possveis conseqncias. Klein et al. (no prelo) fazem uma observao similar ao dizer que o conceito de comprometimento enquanto continuao ou permanncia confunde-se com um dos seus prprios conseqentes, da mesma forma que o comprometimento enquanto investimentos ou troca confunde-se com um de seus antecedentes. Portanto, em oposio assertiva de Porter et al. (1974), entende-se que o comprometimento no deve ser tratado como um elemento que diferencia os trabalhadores que saem dos trabalhadores que permanecem. Ainda, deve ser feita uma distino entre a permanncia por vontade e a permanncia por necessidade, sendo a primeira considerada aqui um das possveis conseqncias do comprometimento, e a segunda, melhor explicada por outros vnculos a exemplo do entrincheiramento do que pelo comprometimento organizacional. A partir da anlise de alguns estudos brasileiros qualitativos sobre o

comprometimento, possvel confrontar as definies cientficas do construto com a percepo de diversos atores organizacionais acerca do que ser comprometido. O Quadro 2 resume cinco estudos e indica que os trabalhadores apresentam como aspectos centrais do conceito de comprometimento o engajamento, a dedicao organizao e o zelo pelo setor em que trabalham, entre outras categorias que integram a noo de vnculo ativo. Com menor peso, mas ainda representativa, observa-se uma associao feita entre ser comprometido e obedecer a regras e procedimentos, cumprir acordos e contratos de trabalho, pontos ligados noo de obrigao. Por fim, de forma reduzida, aparecem as idias de permanncia e troca,

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que representam a noo de vnculo passivo. Dada a natureza mais perifrica desse ltimo grupo, possvel sugerir que a permanncia no uma condio essencial para que um empregado seja considerado comprometido, sob a tica dos atores organizacionais.

Referncias Bastos, Brando e Pinho (1997)*

Amostra Pesquisada 240 servidores de quatro universidades federais, de diferentes unidades e cargos.

Resultados Respeitar a hierarquia, normas e procedimentos institucionais/chefias (52); Visar o progresso da instituio/preocupao com o seu crescimento (47); Zelar pelo patrimnio da instituio (37); Buscar crescer pessoal e profissionalmente junto instituio (35); Zelar pela imagem da instituio (29); Demonstrar amor e gosto pela instituio (22); Conhecer e preocupar-se com os direitos e deveres (19); Participar da vida institucional (15); Buscar melhorias para a instituio (12); vestir a camisa da instituio (11); Estar disponvel, ser til instituio (10); Ter um contrato de trabalho (8); Participar da poltica universitria (8); Zelar pelo seu setor de trabalho (6); Permanecer na instituio apesar de outras oportunidades (5) Cumprir contrato de trabalho (6); Realizao pessoal vinculada ao atendimento das necessidades da empresa (5); Gosto pelo trabalho (5); Cumprir obrigaes (4); Preocupao com o crescimento da empresa (4); Empenho no trabalho (3); Dedicao extra (3); Traos pessoais (2); Participao (2); Eficcia (2); Responsabilidade (2); Relaes interpessoais (2); Comportamento pr-ativo (2); Via de mo dupla (1); Conscincia dos impactos do trabalho para a equipe e o social (1) Dedicar-se organizao (11); Relao de troca (8); Desempenho eficiente (3); Comportamento extra-papel (2); Dedicar-se ao trabalho (2); Alcanar os objetivos da organizao (1); Conciliar objetivos (1); Desejo de ficar na organizao (1); Interesse pela empresa (1); Mltiplos focos: organizao, colegas e pessoal (1); Reconhecimento (1); Relaes afetivas com colegas (1); Respeito mtuo (1); Responsabilidade (1); Sentir-se parte da organizao (1) Docentes de Instituies de Ensino Superior (IESs) privadas:

Brito e Bastos (2001)*

17 gestores de uma indstria qumica

Melo (2006)*

212 trabalhadores, sendo 99 de empresa pblica e 113 de banco estatal. Desses, 34 sujeitos falaram sobre o significado do comprometimento Docentes de cursos de graduao, sendo 10 de IESs privadas e 10 de uma universidade federal

Rowe e Bastos (2007)***

Comprometimento com a misso da instituio; Cumprir acordos e prazos; Ser assduo; Respeitar os regulamentos institucionais; Ser reconhecido e valorizado pela instituio; Docentes de IES pblica: Respeitar os contratos formais no que tange carga horria; Qualidade do trabalho; Trabalhar para a instituio; Compromisso com a Universidade Contribuir para o crescimento (32%); Vestir a camisa (16%); Responsabilidade (16%); Disponibilidade/participao (11%); Ser bom profissional (11%); Reciprocidade (8%); Fidelidade (5%); Atender s expectativas (3%)

Scheible e Bastos (no publicado)**

27 estudantes de uma faculdade particular, em sua maioria empregados de alguma organizao

Quadro 2 Significado do comprometimento para atores organizacionais FONTE: Elaborado pela autora NOTA: Grifo em negrito para as categorias que representam a noo de comprometimento passivo * entre parntesis, nmero de evocaes; ** entre parntesis, percentual de evocaes; *** freqncias no divulgadas.

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Brito e Bastos (2001) analisaram de forma mais aprofundada trs esquemas de gestores de uma indstria petroqumica acerca do comprometimento organizacional, encontrando como ncleos centrais: a) esforo em prol do crescimento da empresa; b) esforo em prol do crescimento e melhoria da organizao; valoriza a atividade que realiza; c) identificao com os objetivos da empresa e obedincia; otimizao dos recursos e custos da empresa. Rowe e Bastos (2007), que estudaram docentes de instituies de ensino superior (IES) particulares e uma IES pblica, afirmam que, nos dois segmentos investigados, no foi identificado como ncleo importante nas definies dos docentes o comprometimento de continuao. Internacionalmente, em um dos raros estudos qualitativos sobre

comprometimento organizacional, Brown (1990, citado por Brown, 1996) questionou o significado do comprometimento no trabalho para diferentes sujeitos, obtendo como respostas: o desejo de fazer algo mais pelo departamento, fazer o que for necessrio para terminar o trabalho e fazer o que mandam fazer, no importa o qu. Ao confrontar tais resultados com as definies cientficas do comprometimento organizacional, possvel afirmar que h uma nfase, para os atores organizacionais, nas idias de engajamento, identificao e obrigao, enquanto que, tomando por base as conceituaes feitas por cientistas, h, alm desses aspectos, evidncia nos processos de troca e permanncia na organizao. Conclui-se que no h um alinhamento entre o que vem sendo pesquisado e o que esperado pelos trabalhadores e gestores. indicado, portanto, reavaliar a pertinncia de alguns pontos tradicionalmente presentes nos estudos desse construto. No caso do modelo tridimensional do comprometimento, alguns autores tm-no caracterizado como mais um preditor de permanncia (Solinger et al., 2008), sendo este sobretudo um papel da base de continuao. A base afetiva, em contrapartida, considerada mais adequada ao construto por estar relacionada a outras possveis conseqncias alm da permanncia. As reflexes que levam a tais concluses esto detalhadas na seo a seguir.

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2. Dimenses atitudinais x comportamentais do comprometimento organizacional Mowday et al. (1982) consideram que a heterogeneidade conceitual do comprometimento advm principalmente da dicotomia entre atitude e comportamento e citam Staw (1977) e Salancik (1977) como proponentes do comprometimento comportamental. Para esses autores, partindo da teoria da dissonncia cognitiva, os indivduos ajustam suas atitudes s situaes com as quais esto comprometidos. Em outras palavras, medida que se comportam, os empregados criam ligaes com seus atos, acreditam que sejam vlidos, convenientes e desejveis. Com o passar do tempo, adaptam suas atitudes de modo a sustentar a continuidade de suas aes. Em contrapartida, medida que o indivduo pensa em sua relao com a organizao, cria um cenrio mental em que avalia o quanto seus valores e objetivos so congruentes com os da organizao. A atitude resultante dessa anlise guiar seus comportamentos no ambiente organizacional. Mowday et al. (1982) defendem que essas abordagens sejam consideradas no estudo do comprometimento como complementares entre si, j que uma enfatiza a influncia do comprometimento atitudinal no comportamento, e a outra, a influncia do comprometimento comportamental nas atitudes. Embora tenham origens tericas distintas, ambas so necessrias para o entendimento do processo do comprometimento. Os autores sugerem, portanto, que em vez de buscar explicar as relaes causais entre atitudes e comportamentos, seja importante considerar sua relao recproca ao longo do tempo. Ao sistematizar tais abordagens, afirmam que o comprometimento atitudinal, por ter como objeto a organizao, ou o grau de identificao do indivduo com a organizao, deve ser tratado como sinnimo de comprometimento organizacional. O comprometimento comportamental, por sua vez, ser assim denominado por ter como objeto o comportamento.

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Meyer e Allen (1991), por sua vez, definem o comprometimento como um estado psicolgico que reflete um desejo, uma necessidade ou uma obrigao do indivduo em manter-se como membro da organizao. Nesse modelo, os autores buscam unir ambas as abordagens (atitudinal e comportamental), na tentativa de expandir o conceito de comprometimento e contemplar diferentes conceituaes feitas previamente. A diferenciao entre os objetos dos comprometimentos atitudinal e comportamental o ponto de partida para a crtica que Solinger et al. (2008) traam para o modelo de comprometimento desenvolvido por Meyer e Allen (1991). Os autores identificam uma incorreo lgica nessa concepo: em um mesmo construto, esto sendo reunidas atitude frente a um objeto (organizao), que o comprometimento afetivo, e atitudes frente a um comportamento (permanecer na organizao), que so os comprometimentos normativo e de continuao. Afirmam que essa inconsistncia conceitual responsvel pelas diferenas encontradas nos estudos empricos com as trs bases, sendo que a base afetiva normalmente apresenta fortes associaes com diversas variveis investigadas, e a base de continuao, relaes mais fracas ou negativas. Embora os autores citem a base normativa como tendo tambm relaes mais fracas, possvel que tal resultado esteja sujeito limitao de estudos envolvendo esse componente (Meyer et al., 2002). Como exemplo, Solinger et al. (2008) citam o insucesso de alguns estudos em encontrar relaes entre o comportamento de cidadania organizacional e o comprometimento de continuao (Cunha, Rego, Cunha & Cabral-Cardoso, 2004; Meyer et al., 2002). A explicao que, nesse caso, busca-se relacionar um comportamento A (agir como um cidado) no-necessidade ou no utilidade do comportamento B (deixar a organizao). Em outras palavras, busca-se relacionar 1) o fato de um indivduo no considerar vantajoso sair do emprego, devido aos benefcios que perderia e outros custos associados a 2) um comportamento de cidadania organizacional. Para os autores, seria mais congruente esperar

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relao entre o comportamento de cidadania organizacional e a utilidade relativa a agir como um cidado. Com base no trabalho de Eagly e Chaiken (1993), Solinger et al. (2008) constroem a argumentao que alicera a proposta de retomar a conceitualizao do comprometimento organizacional para um modelo unidimensional. Eagly e Chaiken (1993) definem cinco preditores para a atitude frente a um comportamento: hbitos, atitude frente a um objeto, e trs classes de efeitos antecipados do comportamento (instrumentais, normativos e de identidade). Com relao aos resultados, o indivduo pode perceber potenciais desvantagens advindas de determinado comportamento, sejam perdas de benefcios (instrumental), sentimento de culpa (normativo) ou impactos no auto-conceito (identidade). Na Figura 2, apresentada a ligao feita por Solinger et al. (2008) entre o modelo de atitude-comportamento de Eagly e Chaiken (1993) e o modelo tridimensional do comprometimento (Meyer & Allen, 1991). Para Solinger et al. (2008), o modelo tridimensional do comprometimento se ajusta a essa proposta, sendo que o comprometimento afetivo a atitude, a base de continuao representa os resultados instrumentais, tambm refletidos pela noo de side bets, e a base normativa retrata os resultados normativos e o auto-conceito, que tambm podem gerar desaprovaes e sentimentos de culpa. Essas instncias, juntamente aos hbitos, influenciamse mutuamente, assim como influenciam a atitude frente a um comportamento. No modelo, a atitude frente ao comportamento e os efeitos de identidade geraro uma inteno que, como o hbito, poder levar ao.

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HbitoEx.: ir para o trabalho

Comprometimento Afetivo

Atitude frente a um objetoEx.: vnculo afetivo com a organizao

Comprometimento de Continuao

Resultados InstrumentaisEx.: custos percebidos de deixar a organizao

Atitude frente a um comportamentoEx.: avaliao de deixar a organizao

Inteno ComportamentalEx.: plano consciente de deixar a organizao

ComportamentoEx.: deixar a organizao

Resultados NormativosEx.: sentimento de obrigao em permanecer (norma da reciprocidade)

Comprometimento Normativo

Resultados de IdentidadeEx.: formao familiar, senso de dever e lealdade

Figura 2 Integrao do modelo atitude-comportamento ao modelo tridimensional do comprometimento FONTE: Solinger et al. (2008)

Os autores ressaltam que a atitude frente a um objeto (no caso, a organizao), pode levar a diferentes comportamentos, como permanncia, desempenho, comportamento de cidadania organizacional, entre outros j verificados em trabalhos empricos (Meyer et al., 2002). Alm disso, a manuteno da atitude ao longo do tempo no significa que o repertrio de comportamentos ser sempre o mesmo. Os comportamentos advindos do

comprometimento atitudinal mudaro medida que o indivduo amadurece ou progride em sua carreira. Por exemplo, enquanto o comportamento comprometido de um profissional recm contratado consiste em agradar o supervisor, ou apresentar boas entregas, o comprometimento de um gerente pronto para se aposentar ser expresso pelo comportamento de preparar o empregado que o substituir. Por outro lado, uma atitude frente a um comportamento mais restrita, uma vez que j est especificado o comportamento resultante (no caso, permanecer na organizao). Sob esse argumento, os resultados encontrados nas pesquisas com o comprometimento de continuao tornam-se mais compreensveis, uma vez

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que h uma restrio das variveis com as quais apresenta relaes significativas, enquanto que a base afetiva, que representa uma atitude frente organizao, tende a correlacionar positiva e significativamente com muitos comportamentos desejveis. A partir dessa discusso, Solinger et al. (2008) sugerem que as bases normativa e de continuao no sejam consideradas comprometimento, mas sim antecedentes de atitudes frente a um comportamento ou, mais precisamente, diferentes classes de conseqncias imaginadas pelo indivduo caso no permanea empregado. Ressalta-se que, embora seja visvel a possibilidade de integrao do modelo tridimensional proposio de Eagly e Chaiken (1993), o novo modelo no explica porque a base normativa, embora seja uma atitude frente a um comportamento, apresenta relaes, ainda que mais fracas, com outras variveis alm de permanncia. Para uma afirmao mais precisa e para o aprofundamento dessa discusso, necessria uma ampliao de investigaes sobre a base normativa, que , ainda hoje, a dimenso menos estudada (Meyer et al., 2002), lembrando que aspectos ligados ao sentimento de obrigao e obedincia integram o conceito de comprometimento trazido pelos atores organizacionais (Brito & Bastos, 2001; Rowe & Bastos, 2007). Em contrapartida, a proposta de Solinger et al. (2008) , realmente, uma alternativa plausvel para o entendimento das divergncias causadas pela base de continuao nos estudos empricos do comprometimento, tpico que ser discutido mais detidamente ainda neste captulo. Sobre a incluso de bases atitudinais e comportamentais no mesmo construto, um aspecto digno de nota que toda a reviso de literatura de Mowday et al. (1982) perpassa sobre a questo do comprometimento atitudinal versus comportamental, tendo como resultado a incluso de ambas as dimenses na medida de comprometimento (OCQ - Organizational Commitment Questionnaire). Mais tarde, esse modelo refutado, e as variveis de inteno comportamental so retiradas da escala (Bastos, 1992; Osigweh, 1989; Reichers, 1985), com

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o objetivo de aumentar sua preciso. No modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991), o mesmo ocorre: a escala da base de continuao traz em si itens que tm como objeto o comportamento, contudo permanece medida que inclui variveis atitudinais (base afetiva). No seria pertinente, assim como feito com o OCQ, retirar as variveis que expressam uma atitude frente a um comportamento? As discusses sobre o comprometimento trazidas at aqui fazem crer que a sua ambigidade reside, grande parte, no fato de ser um conceito antigo, gerador de muitas pesquisas e desenvolvimento metodolgico e, ao mesmo tempo, um construto em formao, denso em confuso conceitual e limites no estabelecidos. Retomando Osigweh (1989), cabe definir o que o comprometimento no , como forma de chegar sua essncia, j diluda em meio a tantas produes. Nesse caso, seria possvel afirmar que o comprometimento no inclui a dimenso de permanncia passiva? Seria possvel reconstruir o conceito, retirando a base de continuao? Os tpicos a seguir do continuidade a essa linha argumentativa, que busca uma maior delimitao e preciso das dimenses definidoras do construto, ao mesmo tempo que pretende ampliar a sua capacidade de predizer um nmero mais amplo de resultados pessoais e organizacionais alm da permanncia.

C. A mensurao do comprometimento organizacional: a qualidade psicomtrica das escalas

Assim

como

diversos

conceitos

foram

incorporados

ao

construto

de

comprometimento, tambm sua operacionalizao ocorreu muitas vezes sem a cautela devida, ocasionando problemas de validade e preciso. Medidas foram propostas e poucos pesquisadores se preocuparam em avaliar suas propriedades psicomtricas antes de investigar sua relao com variveis preditoras e conseqentes (Mowday et al., 1982). Em especial, a medida de comprometimento tridimensional proposta por Meyer, Allen e Smith (1993), uma

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das mais utilizadas, tem sido alvo de discusses ligadas a sua consistncia interna e estrutura fatorial (Culpepper, 2000; Dunham et al., 1994; Ko et al., 1997; McGee & Ford, 1987; Solinger et al., 2008). As questes relativas s propriedades psicomtricas das escalas, contudo, esto presentes desde as primeiras medidas propostas. O OCQ, Organizational Commitment Questionaire, proposto por Mowday e colaboradores, era composto inicialmente por quinze itens que mensuravam o

comprometimento atitudinal, mais tarde denominado comprometimento afetivo. Embora apresentasse freqentemente bons ndices de confiabilidade, alguns autores apontaram limitaes e controvrsias na escala (Bar-Hayim & Berman, 1992; Bastos, 1992; Bozeman & Perrew, 2001; Osigweh, 1989; Tetrick & Farkas, 1988), especialmente ligadas a sua estrutura fatorial. Assim, a medida teria duas dimenses: comprometimento com os valores da organizao e intenes comportamentais de permanncia (Bastos, 1992; Tetrick & Farkas, 1988) ou comprometimento ativo e comprometimento passivo (Bar-Hayim & Berman, 1992). Em todo caso, identificou-se a sobreposio entre o fator de inteno de permanncia e itens relativos rotatividade de pessoal (Bozeman & Perrew, 2001). Para Reichers (1985), o fator inteno de permanncia no deveria fazer parte do construto, devido aos vieses que estaria causando nos resultados, principalmente pelo fato de ter em si itens que se sobrepunham a um dos conseqentes investigados (rotatividade). Considerando que a utilizao de uma escala reduzida, unifatorial, aumentaria a estabilidade e no acarretaria perdas nos resultados (Tetrick & Farkas, 1988), os estudos de comprometimento passaram a utilizar uma medida composta por apenas nove itens dos quinze iniciais, aps terem sido retirados aqueles de inteno comportamental (Bastos, 1994). Outra medida seminal nos estudos de comprometimento foi a criada por Ritzer e Trice (1969), os primeiros a buscarem uma verificao emprica da teoria dos side bets. Os participantes deveriam responder se mudariam de empresa ou ocupao em uma escala de trs

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pontos (definitivamente sim, indeciso, definitivamente no), para os seguintes motivos: nenhum, pequeno ou grande aumento de salrio, liberdade, status, responsabilidade e oportunidade de crescimento. No estudo conduzido pelos autores, no foram encontradas relaes fortes e significativas entre o comprometimento e as variveis estudadas (salrio, idade, qualificao, estado civil, nmero de filhos), o que os levou a questionar os side bets enquanto determinantes do comprometimento. A partir do pressuposto de que as concluses de Ritzer e Trice (1969) foram, em parte, efeito da medida utilizada, Alutto, Hrebiniak e Alonso (1973) revisaram a escala e replicaram o estudo. Mantiveram os itens empregados anteriormente, com exceo de responsabilidade e oportunidade de crescimento, e incluram o item amizade dos colegas. A anlise dos itens foi realizada com maior cautela, buscando averiguar a confiabilidade por meio da correlao de cada item com a soma dos onze restantes. Os resultados indicaram que os itens de maior confiabilidade estavam relacionados a pequeno aumento, e os autores concluram, a partir da anlise dos dados baseada nos itens de pequeno aumento, que a teoria de Becker (1960) pode ser verificada empiricamente. As escalas apresentadas por Alutto et al. (1973) e Hrebiniak e Alutto (1972), junto com o OCQ, estiveram entre as mais utilizadas nas dcadas de 70 e 80 (Mathieu & Zajac, 1990). Entretanto, Meyer e Allen (1984) argumentam que ambas as escalas desenvolvidas por Ritzer e Trice (1969) e por Alutto et al. (1973) estariam medindo tambm o comprometimento afetivo, e no somente o comprometimento de continuao ou calculativo. Destacam que a estratgia para obter a verificao dos side bets estava centrada na demonstrao de que o comprometimento aumenta conforme o nmero ou tamanho de side bets aumenta. Contudo, ao questionar se os respondentes deixariam a organizao por diferentes aspectos de persuaso (pagamento maior, status, liberdade e amizade), no possvel apreender o que poderia mant-los em suas condies atuais e inibi-los a aceitar uma oferta maior de salrio

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ou status. Nesse caso, a hiptese de Meyer e Allen (1984) a de que esses trabalhadores estariam comprometidos afetivamente. Para avaliar essa suposio, os autores realizaram dois estudos, aplicando as escalas de Ritzer e Trice (1969) e Alutto et al. (1973), juntamente com o OCQ (Porter et al., 1974) e dezesseis itens construdos para mensurar o comprometimento afetivo (ACS) e o comprometimento de continuao (CCS). No primeiro estudo, as escalas de Ritzer e Trice (1969) e Aluto et al. (1973) apresentaram maiores correlaes com o comprometimento afetivo (0.72 e 0.73) do que com o comprometimento de continuao (0.29 e 0.33). No segundo estudo, ambas apresentaram correlaes positivas com o ACS e o OCQ, mas no foi verificada correlao significativa com o CCS, o que atestou a hiptese de Meyer e Allen (1984) de que estariam medindo o comprometimento afetivo. Alm disso, as escalas desenvolvidas (CCS e ACS), no apresentaram correlaes significativas entre si, evidenciando a validade discriminante dos dois componentes. A medida de comprometimento desenvolvida para o modelo de Meyer e Allen (1984), portanto, surge como uma alternativa s medidas anteriores, na busca de maiores validade e confiabilidade. Inicialmente, foram elaboradas as escalas das bases afetiva e de continuao e, mais tarde, a escala da base normativa. Foram sugeridos vinte e quatro itens, sendo oito para cada dimenso. Em uma reviso feita posteriormente, os autores reduziram para dezoito o nmero de itens, a fim de aprimorar as caractersticas da medida (Meyer et al., 1993): eliminaram dois itens da escala de comprometimento afetivo, elaboraram um item para a escala de comprometimento de continuao, aps terem retirado trs e, no caso do comprometimento normativo, a escala foi completamente substituda, para possibilitar uma maior apreenso do significado do conceito (Ko et al., 1997). Embora muitos estudos tenham reportado caractersticas psicomtricas adequadas para essas escalas (Hackett, Bycio & Hausdorf, 1994; McGee & Ford, 1987; Meyer & Allen,

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1984), alguns pontos permanecem em aberto. Atualmente, dois principais eixos permeiam os questionamentos sobre suas propriedades: sua estrutura fatorial e sua consistncia interna.

1. Estruturas fatoriais das escalas Duas linhas de discusso devem ser mencionadas ao tratar da estrutura fatorial das escalas propostas por Meyer et al. (1993): 1) a dimensionalidade da medida do comprometimento de continuao; 2) a sobreposio entre os fatores afetivo e o normativo. McGee e Ford (1987) foram os primeiros a questionar a dimensionalidade da escala de comprometimento de continuao, iniciando um debate que perdura nos trabalhos mais recentes (Culpepper, 2000; Powell & Meyer, 2004). Os autores realizaram uma anlise fatorial exploratria, que indicou a retirada de dois itens da escala. Feita tal modificao, uma nova anlise sugeriu que o comprometimento de continuao fosse composto por duas su