dissertacao paulo warschauer

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FACULDADE DE SÃO BENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA MESTRADO ACADÊMICO PAULO WARSCHAUER Heidegger e o Nada A nadificação ou uma abertura para o Ser? SÃO PAULO 2011

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FACULDADE DE SÃO BENTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

PAULO WARSCHAUER

Heidegger e o Nada

A nadificação ou uma abertura para o Ser?

SÃO PAULO

2011

FACULDADE DE SÃO BENTO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM FILOSOFIA

MESTRADO ACADÊMICO

Heidegger e o Nada

A nadificação ou uma abertura para o Ser?

Paulo Warschauer

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Filosofia

da Faculdade de São Bento do Mosteiro de

São Bento de São Paulo, como requisito

parcial para a obtenção do título de

Mestre em Filosofia.

Área de Concentração: História da

Filosofia.

Coordenador: Prof. Dr. Djalma Medeiros.

Orientador: Prof. Dr. José Carlos Bruni.

SÃO PAULO

2011

Paulo Warschauer

Heidegger e o Nada

A nadificação ou uma abertura para o Ser?

Dissertação apresentada na Faculdade de

São Bento, como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Filosofia.

Coordenador: Prof. Dr. Djalma Medeiros.

Orientador: Prof. Dr. José Carlos Bruni.

Data da Aprovação: _____/ _____/ ________

Banca Examinadora:

_______________________________________________ Prof. Dr. José Carlos Bruni Universidade de São Paulo, USP _______________________________________________ Prof. Dr. Franklin Leopoldo e Silva Universidade de São Paulo, USP _______________________________________________ Prof. Dr. Newton Gomes Pereira Universidade de Paulo, USP

SÃO PAULO

2011

Dedico aos meus pais,

Claus e Aurora

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais por tudo e pela formação que me propiciaram.

A todos os professores de quem pude receber ensinamentos. E a todos que me apoiaram.

Agradeço em especial ao meu orientador Professor Doutor José Carlos Bruni, pelos

ensinamentos, incentivo e amizade, e à profundidade de sua meditação filosófica que me

ensina pelo exemplo.

Agradeço ao Professor Doutor Franklin Leopoldo e Silva, pelas excelentes aulas, pelas

orientações na qualificação, e pela postura amiga e valorativa do potencial de seus alunos.

Ao Professor Doutor Newton Gomes Pereira, cujas indicações diretas, na qualificação, a

respeito das lacunas em meu trabalho, deram-me oportunidade de completá-lo e enriquecê-lo.

Em especial agradeço in memoriam à Professora Mestra Maria Elisa de Oliveira, que desde

2007 no curso de graduação soube me incentivar na então apresentação do seminário sobre O

instante poético e o instante metafísico de Gaston Bachelard, e que se manifestou disponível

para me apoiar nos anos seguintes. O referido seminário foi de fato a semente do presente

trabalho. Querida professora, saudoso quero prestar minhas homenagens.

Agradeço aos Diretores da Faculdade de São Bento e ao Professor Doutor Djalma Medeiros,

coordenador do Programa de Pós Graduação Strictu Sensu, sempre disponível no

conhecimento e na amizade. Agradeço a todos os professores da Faculdade de São Bento. De

cada um levo os ensinamentos, a amizade e o exemplo de humanidade.

Agradeço a todos os meus amigos e colegas da Faculdade de São Bento, da graduação e do

mestrado, pela simpatia e estímulos que foram essenciais para que eu chegasse a concluir esse

trabalho.

Ao amigo Luiz G. G. Zanetti por todo estímulo e amizade e à Profa. Dra. Olgária C. F. Matos

que, havendo generosamente lido e comentado o esboço inicial deste trabalho, ajudou-me a

acreditar que eu seria capaz de empreendê-lo.

Em especial quero agradecer minha esposa Ana Célia Rodrigues, companheira de todas as

horas e em tudo participante dessa incrível jornada da vida.

Aos meus filhos Daniel e Beatriz, presentes do Céu, agradeço por todo apoio e incentivo e

pelo interesse que manifestam em relação ao conhecimento e à filosofia. Desejo que esse

trabalho também contribua para suas escolhas na vida, e que sejam felizes!

“O nada, enquanto o outro do ente, é o véu do ser.”

O que é Metafísica? in Heidegger, 1973, p.249

Devemos armar-nos com a disposição única de

experimentarmos no nada a amplidão daquilo que

garante a todo o ente (a possibilidade de) ser.

O que é Metafísica? in Heidegger, 1973, p.246

RESUMO

O tema constante ao longo de todo pensamento de Heidegger é a questão do ser. Ele verifica

que em nossa cultura, o ser foi esquecido, pois tudo é considerado, pelos sujeitos, como

objetos, ou seja, na realidade tudo é considerado como entes. Nesse contexto, quando os

sujeitos, em nossa cultura, se referem ao nada, de fato querem dizer “nada do que seja ente”.

E então nesse nada está escondido o ser: “O nada, enquanto o outro do ente, é o véu do ser.”

(HEIDEGGER, 1987, p.249)

Assim, o nada é constantemente referido por Heidegger. Seguimos essas referências e

encontramos o mundo do habitar humano. Passamos pela reflexão a respeito do problema

crucial de nossa época, a saber, o de superar o niilismo. E seguimos Heidegger na análise

fenomenológica da estrutura do Dasein (ser-aí) humano, inclusive no que tange à sua

situação, enquanto um ser que sabe que irá morrer. A partir de então seguimos o pensamento

e o método fenomenológico de Heidegger na direção que pesquisa o fundamento do ser

humano e o fundamento do próprio ser. A seguir o nada nos levou à abordagem de

Heidegger, relativa à poesia e ao habitar humano.

Por outro lado, inserimos as referências à pouco conhecida e polêmica relação de Heidegger

com o pensamento oriental, a qual perdurou durante cinqüenta anos. Um ponto fundamental

da reflexão de Heidegger, sobre o pensamento e as artes no oriente, é justamente o nada.

O pensamento de Heidegger está sempre nos limites da expressão da linguagem, mesmo

porque pensar o ser já implica em procurar expressar pela linguagem aquilo que a transcende.

A poesia relaciona-se ao fundamento último do ser humano, a saber, a liberdade e uma

abertura para o ser. O poeta, enquanto um homem que exerce plenamente essa liberdade, pode

abrir as novas possibilidades para os demais. A poesia e as artes constituem uma forma de

linguagem que deixa aberto o espaço do ser, que é o espaço do sagrado. Assim, no presente

trabalho, analisamos inclusive as relações do nada e o sagrado, em Heidegger.

Finalmente mostramos que Heidegger identifica o projeto como parte da estrutura ontológica

do homem (Dasein). Ou seja, na sua situação originária o homem não tem acesso imediato a

seu ser-si-mesmo e, necessariamente se projeta para as perspectivas que se lhe abrem. E, no

projeto e no projetar-se, é justamente onde o homem pode vir a conhecer o seu ser que lhe é

mais próprio.

Palavras Chave: Heidegger, Ser, Nada, Ontologia, Meontologia, Niilismo, Poesia,

Pensamento Oriental, Projeto.

ABSTRACT

The constant theme throughout Heidegger's thought is the question about the being. He notes

that in our culture, the being has been forgotten, because everything is considered by subjects

as objects, that is, in reality everything is considered as entities. In this context, in our culture,

when the subjects refer to the nothing, they realy mean "nothing of what are entities." And so,

in this nothing, the being is hidden, "The nothing, while the other in respect of the entities, is

the veil of the being." (Heidegger, 1987, p.249)

Thus, Heidegger will refer constantly to the nothing. We follow these references and we

found the world of human dwell. We passed by the reflection on the crucial issue of our time,

namely, overcome nihilism. And we follow Heidegger's phenomenological analysis of the

structure of human Dasein (being-there), including those related to his situation as a being

who knows that he will die. Since then, we followed Heidegger's phenomenological method

towards the research the fundaments of the human being and the fundaments of being itself.

Then, the nothing led us towards the Heidegger´s approach on poetry and the human dwell.

On the other hand, we inserted the references to the, little-known and controversial,

Heidegger´s relationship with the Eastern thought, which lasted for fifty years. A key point of

Heidegger's reflection, on the thought and the arts, in the East is justly the nothing.

The thought of Heidegger is there always at the limits of the language expression, because, to

think about the being, already implies seek to express, through language, what transcends

language itself. Poetry is related to the ultimate foundation of human beings, namely, the

freedom and an openness towards the being. The poet as a man, who fully exercises this

freedom, can open new possibilities for the others. The poetry and the arts are a form of

language that leaves an open space, that is, the space of the being, namely, the space of the

sacred. Thus, in addition, in the present study, we analyzed the relationship of sacred and

nothing, in Heidegger.

Finally we showed that Heidegger identifies the project as part of the ontological structure of

human (Dasein). That is, in his original condition, the human has no immediate access to his

“being-his-own-himself” and necessarily protrudes himself into the perspectives that he find

opened to him. And, justly, it is in the project and in projecting himself, that the human might

to know better his own being himself.

Keywords: Heidegger, Being, Nothing, Ontology, Meontologia, Nihilism, Poetry, Eastern Thought, Project.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1

1.1. ARTICULAÇÕES .................................................................................... 2

1.2. NOTA DE TRADUÇÃO E EXPLICATIVA DO DASEIN ..................... 12

2. O PROBLEMA DO NADA ................................................................................... 16

2.1. O NADA EM QUE É METAFÍSICA? ................................................... 16

2.2. SUPERAR O NIILISMO EM “O PROBLEMA DO SER” .................... 23

2.3. O NADA E A MORTE ............................................................................ 32

3. O NADA, FUNDAMENTO E VERDADE .......................................................... 38

3.1. ALÉM DA LÓGICA, O NADA ............................................................. 38

3.2. O NADA E FUNDAMENTO ................................................................. 41

3.3. NADA E VERDADE ............................................................................. 48

3.4. O MÉTODO FENOMENOLÓGICO .................................................... 52

4. O NADA, A POESIA E O HABITAR ................................................................. 68

4.1. O NADA E A POESIA ........................................................................... 71

4.2. A POESIA E O HABITAR ................................................................... 74

4.3. O NADA, POESIA E PENSAMENTO .................................................. 80

5. O NADA E O ORIENTE DE HEIDEGGER ....................................................... 82

5.1. O ENCONTRO COM O VAZIO NO TAOISMO .................................. 85

5.2. O ENCONTRO COM O VAZIO NO ZEN BUDISMO .......................... 91

6. O NADA E O SAGRADO ..................................................................................... 103

7. O NADA E O PROJETO ...................................................................................... 110

7.1. O PROJETO ............................................................................................ 110

7.2. O PROJETAR-SE ................................................................................... 116

8. CONCLUSÃO ........................................................................................................ 120

9. ADENDO – SOBRE AS OBRAS DE HEIDEGGER ............................................... 123

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 132

1

1. INTRODUÇÃO

Martin Heidegger (1889-1976) “foi o autor cuja obra teve o maior número de análises e

interpretações publicadas neste século” (SAFRANSKI, 2000, p.507)

Neste trabalho não pudemos nos estender sobre toda a obra do que foi “o maior filósofo do

século” (STEIN, 2000, p.13), mas nos focalizamos na questão do Nada. Contudo a própria

questão do Nada se encontra em boa parte da obra de Heidegger nos diferentes períodos de

sua evolução. Desse modo estaremos focalizando diferentes obras em diferentes períodos sem

a pretensão de completude. O objetivo do presente trabalho limita-se a fornecer ao leitor uma

visão panorâmica da questão do nada na obra de Heidegger. Aprofundamentos tais como com

relações a origens do pensamento e relações com outras obras serão feitas somente para

propiciar ao leitor um mínimo de circunstâncias dos temas tratados. Esperamos que o tema

aqui apresentado desperte no leitor o interesse sobre aspectos da obra de Heidegger além

daqueles tratados aqui. Para maiores aprofundamentos indicamos as obras na bibliografia.

O tema de toda a obra de Heidegger é a pergunta pelo Ser. A princípio Heidegger busca o Ser

a partir da investigação da natureza do próprio homem, designado de Dasein1, pois é o ente

privilegiado que pode saber de seu próprio ser:

O Dasein não é apenas um ente que ocorre entre outros entes. Ao contrário,

do ponto de vista ôntico, ele se distingue pelo privilégio de, em seu ser, isto

é, sendo, estar em jogo seu próprio ser. Mas também pertence a essa

constituição de ser do Dasein a característica de, em seu ser, isto é, sendo,

estabelecer uma relação de ser com seu próprio ser. Isso significa,

explicitamente e de alguma maneira, que o Dasein se compreende em seu

ser, isto é, sendo. É próprio deste ente que seu ser se lhe abra e manifeste

com e por meio de seu próprio ser, isto é, sendo. A compreensão do ser é em

si mesma uma determinação do ser do Dasein. (HEIDEGGER, 1988. p.38)

Nesse contexto Heidegger identifica que o homem afastou-se do Ser na medida em que

passou a considerar as coisas como objetos. O homem passou a considerar apenas os entes e

não tem mais acesso ao Ser dos entes. Nessa situação, simplificadamente falando, o homem se

1 Para designar o homem Heidegger utiliza o termo alemão Dasein, e com isso evita uma leitura de “homem”

no sentido do uso vulgar e aponta para a constituição ontológica desse ente homem que irá investigar.

Seremos fieis às traduções dos textos utilizados a exceção dos termos utilizados para traduzir o termo Dasein,

conforme explicado, nesta dissertação, no item 1.2. – NOTA DE TRADUÇÃO.

2

refere ao Nada quando quer dizer “nada de tudo o que considera”. Contudo justamente por

não considerar os Ser dos entes, o Ser está justamente no nada a que a linguagem se refere.

1.1. ARTICULAÇÕES

A seguir apresentaremos o modo como os diversos itens, relacionados no sumário da presente

dissertação, articulam-se. O objetivo é caracterizar o que Heidegger tem em mente, ao se

referir ao nada, mostrando como a questão do nada se apresenta e repercute em grande parte

do pensamento heideggeriano e nos próprios fundamentos.

Ou seja, questões como: Que é o niilismo? Que é a poesia? E ainda: Que é verdade? Que é o

sagrado? Que é projeto? Estão desenvolvidas nesse trabalho, mostrando como o nada se

apresenta na obra de Heidegger, e indicam também as perspectivas abertas por essa

abordagem.

Tivemos como objetivo tornar acessível ao leitor o entendimento do conceito do nada, a partir

do próprio Heidegger. Dessa forma priorizamos dar voz a Heidegger por meio de citações que

selecionamos e encadeamos, visando facilitar o entendimento e dar uma visão geral, da forma

mais simples que nos foi possível. As citações de comentaristas ou comentários próprios

ficaram, portanto, reduzidos ao mínimo indispensável para o entendimento.

No item 2.1., iniciamos com a obra Que é Metafísica? 2, (HEIDEGGER, 1973, p.231-242),

pois essa obra nos dá acesso imediato ao modo como Heidegger caracteriza a questão do

nada.

Em seguida, no item 2.2., apresentamos a obra Sobre o Problema do Ser (HEIDEGGER,

1969) que aborda a questão do niilismo. Esse texto nos permite mostrar a necessidade e

urgência do pensamento a respeito do nada. Selecionamos esse texto para evidenciar que a

discussão do texto Que é Metafísica?, referido acima, não trata de uma discussão acadêmica

ou como uma necessidade restrita à curiosidade dos filósofos. Assim, o segundo item de nossa

dissertação pretende, desde logo, mostrar ao leitor que o tema do nada se refere, de modo

fulcral, à realidade mesma de nossa vida. O tema representa uma necessidade e uma urgência,

quando considerado o niilismo e suas implicações para o mundo humano. O niilismo refere-se

a todos enquanto um problema do desenvolvimento da cultura humana. Se a origem se deu no

ocidente, agora o problema está globalizado. Por outro lado é um problema que afeta a cada

2 O texto inicial de Que é Metafísica foi resultado da aula inaugural pública em 24 de julho de 1929, quando

Heidegger estava assumindo a cátedra de Filosofia em Freiburg, vaga com a aposentadoria de Edmund Husserl.

3

um, no sentido de que, se há uma impossibilidade de alterar o curso da história, é fundamental

que os indivíduos possam se nortear frente à conjuntura que se impõe.

Assim, na obra Sobre o Problema do Ser, Heidegger retoma a questão do nada, utilizando,

como instrumento de interlocução, o ensaio de Ernest Jünger, Sobre a Linha. Em Sobre a

Linha, Jünger aborda ao niilismo e reflete a respeito dos meios de sua superação. Heidegger

assim se refere à “linha” concebida por Jünger: “A linha zero, enquanto meridiano, possui sua

zona. A zona do niilismo perfeito constitui a fronteira entre duas idades do mundo.”

(HEIDEGGER, 1969, p. 13).

Heidegger considera que, o pensamento atual, focando exclusivamente a parcela do mundo

passível de conceituação (ou seja, os entes), vai se esvaziando da facticidade da vida e

progredindo para a nadificação. De fato, para que se possa compreender melhor os males do

mundo atual, é necessário previamente investigar o “vazio de sentido” que permeia o pensar e

o agir humano.

(...) o movimento do niilismo tornou-se mais manifesto em seu caráter

planetário, incontrolável e multiforme que a tudo corrói. Nenhuma pessoa

que vê claro quererá ainda negar, hoje em dia, o fato de que o niilismo é nas

formas mais diversas e escondidas, o ‘estado normal’ da humanidade (cf.

Nietzsche, Vontade de Poder, número 23). O melhor testemunho disto são as

tentativas que exclusivamente reagem contra o niilismo, as quais, em vez de

se dedicarem a uma discussão de sua essência, procuram a restauração do

que imperara até agora. Buscam a salvação na fuga, o que quer dizer,

esquivam-se a contemplar intimamente a problematicidade da posição

metafísica do homem. (HEIDEGGER, 1969, p. 21)

Complementarmente, o terceiro item 2.3., desta dissertação, refere-se à morte. Ou seja,

complementa o tema do nada na existência humana, mas dessa vez mostrando um Nada

intrínseco à própria vida, ao mesmo tempo em que a ela se opõe. Para isso a presente

dissertação retorna à analítica existencial de “Ser e Tempo”3 mostrando que o tema do Nada já

havia sido previamente analisado na obra citada a qual prepara todo o desenvolvimento do

pensamento conseqüente. Ser e Tempo mostra que a morte evidencia um dos aspectos

constitutivos do homem, a saber, que ele não pode deixar de saber que seu ser está limitado no

3 “Heidegger escreveu apenas um livro: Ser e Tempo. E mesmo este nasceu nas análises em aula e nos

seminários, onde se delinearam sua forma e sentido. Todas as outras obras de Heidegger são resultado direto

de preleções, seminários, conferências e ensaios. (STEIN, 2002, p.41)

4

tempo. Esse estar-limitado, e o conhecimento de que a vida finda, relacionam-se diretamente

com a idéia do Nada, e trazem a cada pessoa um as conseqüentes implicações para seu próprio

projeto de vida.

Cabe comentar que quisemos apresentar os elementos para o entendimento da maneira mais

direta, visando facilitar ao leitor a compreensão dos diferentes sentidos do Nada na obra de

Heidegger. Para isso fizemos como que um “costurar” na cronologia das obras de Heidegger,

o que a nosso ver permite facilitar uma visão de conjunto da significação do Nada.

A obra Que é Metafísica? data de 1929. A obra Sobre o Problema do Ser é de 1955. Ser e

Tempo, publicado em 1927, é a obra preparatória e fundamenta o pensamento subseqüente.4.

Poder-se-ia objetar que a referência a obras distantes no tempo não leva em consideração uma

suposta solução de continuidade no pensamento de Heidegger, designada de “viragem”

(Kehre), a qual se situa a partir da conferência Sobre a Essência da Verdade5, “pensada e

levada a público em 1930, porém apenas impressa em 1943.” (STEIN, 2002, p.77). Contudo,

o próprio Heidegger já esclareceu que tal virada não é uma ruptura, mas sim uma mudança de

rumo do seu pensamento decorrente da própria natureza da investigação (STEIN, 2002, p.

79)6. E Ernildo Stein explica ainda que as diferenças de abordagem não se sucedem na obra

de Heidegger, mas se entrelaçam. Podemos compreender que Heidegger já antes da

publicação de Ser e Tempo tinha uma idéia que dizia respeito à estreita relação entre a

“natureza” do Ser e do Tempo.7. Na obra Ser e Tempo o projeto é partir da investigação da

4 De acordo com a apresentação de Emanuel Carneiro Leão: “Ser e Tempo ultrapassa de muito uma obra de

filosofia. É um marco na caminhada do pensamento pela história do Ocidente. É a questão do sentido do ser.

Não tanto o rigor sistemático como, sobretudo, o caráter provocador do questionamento fizeram a questão de

Ser e Tempo o maior desafio para o pensar do século XX.” (CARNEIRO LEÃO, 1988, p. 11)

5 O texto A Essência da Verdade está analisado no item 3.3. desta dissertação.

6 Stein esclarece que não se trata de ruptura na unidade da obra de Heidegger. “a partir de toda essa discussão

surge a questão da unidade da obra de Heidegger que Gadamer não admite. E da questão da unidade emerge,

também a discussão dos dois ‘Heidegger’ (...) a resposta a essas conjecturas foi dada, em 1962, pelo próprio

Heidegger (...). ‘O pensamento da viravolta é uma mudança de rumo em meu pensamento. Mas essa mudança

de rumo não é consequência fundada na modificação do ponto de vista ou mesmo abandono da

problematização de Ser e Tempo. O pensamento da viravolta resulta do fato de eu ter permanecido junto ao

objeto a ser pensado: Ser e Tempo, isto quer dizer que perguntei no rumo que já foi apontado em Ser e Tempo

(...) sob o título Tempo e Ser.’” (STEIN, 2002, pp. 80-81).

7 Precisamos indicar “natureza” entre aspas pois aqui já faltam os recursos da linguagem para comunicar. Se

dizemos “natureza’ já transmitimos a idéia de uma substância para o Ser ou para o Tempo. Estaríamos

conferindo uma substância ou um que (quid) ao Ser e ao Tempo. Ou seja, não é o ente que está sendo objeto

da investigação, mas o fato de que o ente é. É o é que está sendo investigado por Heidegger e não o ente.

5

natureza do homem (Dasein) para buscar compreender o Ser, o que se baseia na constatação

de que o ente homem tem a capacidade de compreender o Ser e portanto o estudo de sua

natureza deveria conduzir ao próprio Ser. Esse projeto foi empreendido até o limite de mostrar

a impossibilidade de prosseguir por essa via pois a linguagem e o pensamento encontram aí

uma limitação. Proponho a imagem de uma jornada em que a direção continuará sendo a

mesma, mas a trilha terminou e portanto a forma de prosseguir será reformulada. A viragem

diz respeito ao modo de abordagem e não no seu objetivo, tanto é que o pensamento ulterior

sempre retorna a determinadas compreensões obtidas no modo anterior de investigação.8

Sendo assim é que devemos destacar o notório encadeamento no conteúdo das três obras de

referência nos primeiros itens dessa dissertação, embora entre elas já haja a diferença de

abordagem relativa à viragem acima referida. Em O problema do Ser, Heidegger se refere

explicitamente à obra Que é Metafísica9. Em Ser e Tempo já está preparada toda uma análise

do Nada, retomada em Que é Metafísica. O próprio modo do pensamento desenvolvido e

fundamentado em Ser e Tempo tem por base o nada10.

8Ernildo Stein, na Introdução ao Método Fenomenológico Heideggeriano esclarece : “A estrutura circular da

interrogação heideggeriana leva-o ao que chamará de viravolta (Kehre). Na estrutura circular do Dasein se

revela que a análise do Dasein pressupõe uma compreensão do ser; mas uma compreensão do ser supõe,

quando quer ser explícita, uma analítica do Dasein, de início reduzida ao âmbito da analítica, se converte em

movimento – na história de um pensamento – pelo qual este se volta para o ser. Círculo hermenêutico e Kehre

não se sucedem (grifo nosso) na obra do filósofo, mas se entrelaçam, destacando-se um ou outro, conforme se

queira enfatizar o problema do Dasein ou o problema do ser”. Se após o movimento Kehre o filósofo retorna

como que à sua primigênia inspiração, que reside na alétheia, não se pode falar de arbitrariedade. É ainda o

impulso originário da alétheia, como velamento e desvelamento, que comanda a reflexão do último Heidegger.

Assim, alétheia, fenomenologia, círculo hermenêutico, viravolta, podem ser designados: o momento da

eclosão, o método, a estrutura e o movimento da interrogação heideggeriana.” (HEIDEGGER, 1973, p. 292).

9 No prefácio a Sobre o Problema do Ser Heidegger se refere explicitamente à obra Que é Metafísica?: “De

acordo com a tradição, a filosofia entende por problema do ser a pergunta pelo ente enquanto ente. Ela é a

pergunta da metafísica. A resposta a esta pergunta se refere sempre a uma explicitação do ser, que elimina

toda problematicidade e que prepara o fundamento e o chão para a metafísica. A metafísica não retorna a seu

fundamento. Este retorno é elucidado pela “Introdução” a Que é Metafísica?. que precede, desde a quenta

edição(1949), o texto da conferência. (HEIDEGGER, 1969, p.11)

10 O próprio pensamento de Heidegger, inaugurado em Ser e Tempo tem por base o nada, tal como

apresentado por Emanuel Carneiro Leão: “Mas que significa aqui pensar? (...) por e para poder representar, o

que possibilita a representação (...) em todo o pensamento se dá algo que não somente não pode ser pensado

como, sobretudo e em tudo que se pensa, significa pensar, isto é, faz e torna possível o pensamento. Este ‘não

pensado’, que nunca poderá ser pensado, é ,pois, um nada (grifo nosso). Mas não um nada somente negativo,

nem um nada somente positivo e nem uma mistura, com ou sem dialética, de negativo e positivo. Mas então

que nada é este? – Um nada somente criativo (...) (CARNEIRO LEÃO, 1988, pp. 11-12)

6

Retornando à explicação do encadeamento dos itens da presente dissertação, caminhamos no

item 3 em direção aos fundamentos da própria realidade. Acompanhamos Heidegger em três

obras que abordam respectivamente a Lógica, o Fundamento e a Verdade. O trabalho tomou

esse rumo tendo-se em conta que os itens precedentes nos colocam em uma situação de

perplexidade que nos dispõem a uma investigação na direção dos fundamentos do nosso

pensar e existir. Ou seja, os itens precedentes entre outros aspectos nos trazem à consciência

duas situações sem saída: Por um lado a humanidade caminha em um rumo niilista e nada

podemos fazer; por outro lado cada um de nós sabe que tem um prazo de vida limitado. É

certo que esse prazo, mesmo que indeterminado, é limitado e nada podemos fazer.

Constrangidos por esses limitantes das esferas cultural e individual, nos três primeiros itens

pudemos compreender, inclusive, que não estamos tomando a realidade em sua plenitude, a

saber, tomamos a realidade apenas em seus entes e não em seu Ser. E assim, imobilizados nas

direções às quais comumente nos projetamos, tornamo-nos então dispostos a empreender, no

citado item 3., uma jornada rumo ao que esteja em um âmbito mais original. Como sempre,

do espanto e da perplexidade inicia-se a filosofia. Mobilizados pelas perguntas dos porquês e

do como, iniciamos a necessária atividade de análise do que poderíamos chamar de o “galho

em que estamos sentados”.

Como já havíamos nos referido acima, em Que é Metafísica? Heidegger analisa o que é o

Nada com a intenção de ir além do ente na direção do Ser. “Nossa interrogação pelo nada tem

por meta apresentar-nos a própria metafísica. (...) que vai meta – trans ‘além’ do ente

enquanto tal.” (HEIDEGGER, 1973, p.240).

Devido a esse texto inicial de 1929, Que é Metafísica?, Heidegger foi interpretado como

niilista. Em resposta, quatorze anos depois, Heidegger publicou o Posfácio para essa obra em

1943. E três anos mais tarde, publicou, ainda para a mesma obra, a Introdução, em 194911.

Assim, o item 3 da presente dissertação retoma o texto Que é Metafísica? focando agora o

citado Posfácio de 1943. Nesse texto Heidegger defende-se da crítica de que “a preleção toma

posição contra a lógica”. Essa defesa está apresentada no item 3.1. da presente dissertação sob

o título “Além da Lógica, o Nada”.

Nesse sentido, o item 3.1 facilita a compreensão da relação entre o pensamento, apresentado

em Que é Metafísica? (item 2.1. da presente dissertação) e os itens 3.2 e 3.3. relativos à

11

A presente dissertação utilizou a publicação de 1973 da Editora Abril (HEIDEGGER, 1973), na qual os três

trabalhos foram publicados em ordem cronológica.

7

essência do fundamento e da essência da verdade, respectivamente. Ou seja, ressalta a

necessidade da superação da lógica para a investigação da essência do fundamento e,

portanto, prepara a abordagem dos itens subseqüentes. Concomitantemente pudemos

esclarecer, neste item 2.1., a respeito do pensamento originário, para além da lógica e de sua

relação com o nada: “O pensamento originário é o eco do favor do ser pelo qual se ilumina e pode

ser apropriado o único acontecimento: que o ente é.” (HEIDEGGER, 1987, p.248). O qual pensamento

será possível na consideração do nada porquanto: “O nada, enquanto o outro do ente, é o véu do ser.”

(HEIDEGGER, 1987, p.249).

Passando então para os itens 3.2 e 3.3. desta dissertação, a análise dos textos Sobre a essência

do fundamento (HEIDEGGER, 1973, p.291-323) e Sobre a essência da verdade,

(HEIDEGGER, 1973, p.326-343) revela as relações com o mesmo nada focalizado no texto

Que é Metafísica?.

Investigando a essência do fundamento, Heidegger nos mostra que essencialmente o

fundamento está na capacidade humana de transcender-se a si e aos entes, observando-se,

contudo que essa ultrapassagem não se dá no sentido de que um sujeito ultrapassa uma

barreira. A ultrapassagem refere-se ao fato de que o homem, em seu fundamento situa-se

antes da diferenciação sujeito-objeto e antes da diferença entre ser e ente.

(...) não se deixa também a transcendência determinar mais como “relação

sujeito-objeto”. (...) O que é ultrapassado é justamente unicamente o ente

mesmo, (...), também e justamente o ente que é “ele mesmo” enquanto existe.

(HEIDEGGER, 1973, p. 301).

E a referida transcendência está em direta relação com o que está explicado sobre o nada em

Que é Metafísica?:

Se o Dasein, nas raízes de sua essência, não exercesse o ato de transcender, e

isto expressamos agora dizendo: se o Dasein não estivesse suspenso

previamente dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o ente

e, portanto, também não consigo mesmo.

Sem a originária revelação do nada não há ser-si-mesmo, nem liberdade.

(HEIDEGGER, 1973, p. 239).

Na seqüência, no item 3.3., a essência da verdade se mostra sob as mesmas considerações

relacionadas à essência do fundamento analisada no item 2.2. porquanto não considera a

relação sujeito objeto: “A ‘verdade’ não é uma característica de uma proposição conforme,

enunciada por um ‘sujeito’ relativamente a um ‘objeto’ (...) a verdade é o desvelamento do ente”.

8

(HEIDEGGER, 1973, p.337). Assim, a essência da verdade não é a verificação de uma

característica relativa a um ente. A essência da verdade é mais originária: “aquilo que torna

possível a conformidade possui um direito mais original de ser considerado como essência da

verdade” (HEIDEGGER, 1973, p.334).

E o que possibilita o desvelamento do ente como tal? Heidegger identifica como a liberdade.

Mas liberdade entendida não como “o arbítrio humano que dispõe da liberdade”, mas como a

liberdade que “possui o homem, e isso tão originariamente que somente ela permite a uma

humanidade inaugurar a relação com o ente em sua totalidade (...)” (HEIDEGGER, 1973,

p.337). A liberdade a que se refere Heidegger se relaciona com o mesmo “estar suspenso no

nada” acima referido e que permite ao homem a abertura para o ente: “a liberdade é o

abandono ao desvelamento do ente como tal.” (HEIDEGGER, 1973, p.337). “A liberdade em

face do que se revela no seio do aberto deixa que cada ente seja o ente que é” (HEIDEGGER,

1973, p.336). É graças à liberdade que o homem se coloca sem pressupostos diante do ente.

O item 3.4 faz um parêntesis para abordar os aspectos metodológicos. Trata de uma

introdução à metodologia que visa dar uma primeira idéia ao leitor da especificidade do

pensamento heideggeriano e de sua inserção dentro do desenvolvimento da filosofia

ocidental. Não pretendemos ser completos, o que estaria muito além dos objetivos e

possibilidades do presente trabalho.

Retomando a seqüência da exposição, a partir do item 3 fica claro que o pensamento de

Heidegger está nos limites da possibilidade da linguagem. Em sua busca , ele encontra na

liberdade o fundamento da situação do homem.

Portanto o citado item 3.3. prepara a compreensão do item 4. Que se refere ao Nada, à Poesia

e ao Habitar, no qual está dito que o homem que mais plenamente exerce a liberdade é o

poeta. “Quanto mais poético um poeta, mais livre, seja, mais aberto e preparado para acolher

o inesperado é o seu dizer; com maior pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o

escuta”. (HEIDEGGER, 2006, p. 168).

A passagem para o poético em Heidegger relaciona-se então com a verificação de que a

verdade encontra-se no desvelar do ente, graças a uma abertura do homem, capaz de situá-lo

na escuta sem qualquer pré-conceito, pois ele tem como fundamento a liberdade.

E em seguida nos referimos ao habitar no sentido do habitar originário instaurador da

possibilidade de edificar a moradia na terra. Sendo o poeta aquele que inaugura as

9

possibilidades do habitar humano, bem se vê que a idéia de poesia é bem diferente daquela

que se toma no ordinário:

A poesia ou bem é negada como coisa do passado, como suspiro nostálgico,

como vôo irreal e fuga para o idílico, ou então é considerada como parte de

nossa literatura. (...)

Se, de antemão, a poesia apenas possui existência na forma do literário,

como pode o habitar humano fundar-se no poético? (HEIDEGGER, 2006,

p.167)

Bem ao contrário, Heidegger identifica que a verdadeira poesia é a que cumpre sua essência.

Ou seja, a poesia não é um acessório de nossa vida mas, ao contrário, é o que inaugura e

renova a vida mesma.

O homem não habita somente porque instaura e edifica sua morada

sobre esta terra, (...). O homem só é capaz de construir nessa

concepção porque já constrói no sentido de tomar poeticamente uma

medida. (HEIDEGGER, 2006, p. 178)

E também com relação ao mérito, a atividade do poeta se diferencia das atividades que o

homem realiza na terra por esforço próprio a exemplo do construir, cuidar, empreender.

Mostramos que, conforme Heidegger, o poetizar não implica em mérito mas sim em dádiva:

No poema de Hölderlin diz:

“Cheio de méritos, mas poeticamente

o homem habita esta terra (...)”12 (HEIDEGGER, 2006, p.257)

Portanto o habitar poeticamente tem outra natureza cujo mérito não é atribuível ao homem. A

atividade do poeta não advém dele, mas o transcende.

Mas, qual a essência da poesia? Quem a determina? Pode-se deduzir essa

essência dos muitos méritos do homem sobre a terra? (...). Mas segundo a

expressão do poeta (Hölderlin) o poético se opõe a todo mérito e não

constitui parte do mérito do homem. (HEIDEGGER, 1983, p.110)

Desse modo a presente dissertação acompanha Heidegger em um caminho em que ele acaba

por identificar no homem (enquanto poeta) um papel de mediador:

12

Do original alemão: “Voll Verdienst, doch dichterisch wohnet/ Der mensch auf dieser Erde. (…)”(HEIDEGGER,

2006, p.256)

10

No entanto agora entendemos a poesia, como o nomear fundador dos deuses

e da essência das coisas. “Poética” é a existência em seu fundamento – o que

implica ao mesmo tempo: enquanto fundada (fundamentada) não é nenhum

mérito, senão uma dádiva. (HEIDEGGER, 1983, p.62)

Nesse ponto é clara a articulação deste item 4. com o item 6. da presente dissertação, ou seja,

o habitar poeticamente liga-se diretamente a um espaço do sagrado. No item 4.3, a respeito de

poesia e pensamento, explicitamos essa relação com o Sagrado numa referência ao posfácio

de Que é Metafísica: “O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado. (...) o poetar e o

reconhecer e o pensar estão referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados.”

(HEIDEGGER, 1973, p. 249).

Julgamos que esse item 6. (O Nada e o Sagrado) é fundamental, inclusive quando se trata de

situar a perspectiva de Heidegger frente à religião. Por se conduzir em um caminho

estritamente filosófico com base fenomenológica, a adoção de qualquer pressuposto (pré-

conceito) iria contra a própria metodologia da investigação. Heidegger põe em suspenso

qualquer juízo a respeito de crença religiosa. Disso não se pode deduzir que seja ateu. Pelo

contrário, conforme mostra o item 6. o pensamento de Heidegger deixa aberta a possibilidade

da consideração do divino e até mesmo a prepara: “(...) o pensamento a-teu, que se sente

impelido a abandonar o Deus da filosofia, o Deus como causa sui, está talvez mais próximo

de Deus divino.” (HEIDEGGER, 1973, p. 399). Ou seja, Heidegger considera que a

consideração de Deus que se dê a partir do conceito metafísico de uma causa primeira de si

mesma, conduz a limitações ao próprio compreender-Deus. Essas limitações acabam por

prejudicar e impedir a abertura dos homens para com Deus e dessa forma, “Talvez o elemento

mais marcante desta idade do mundo consista no rígido fechamento para a dimensão da graça. Talvez

seja esta a única desgraça.” (HEIDEGGER, 1973, p. 366)

Contudo visando circunstanciar melhor a abordagem do Nada e o Sagrado em Heidegger,

julgamos indispensável introduzir o leitor com respeito às relações de Heidegger com o

Oriente, dadas determinadas semelhanças na idéia de vazio e de sagrado, que chegam a

aproximar o pensamento de Heidegger mais do oriente do que da própria filosofia ocidental.

Essa exposição fizemos no item 5 e verificamos que o tema do Nada é central nessa relação.

Não deixa de ser espantoso que essa parte da biografia de Heidegger é pouco conhecida,

inclusive não está documentada pelo biógrafo Rüdger Zafranski e tampouco por Hugo Ott.

Em parte, isso se explica pelas poucas referências que Heidegger faz sobre o oriente em seu

11

trabalho e pelo modo como apresenta sua obra baseado exclusivamente na interpretação e nos

desdobramentos da própria filosofia ocidental.13

Segundo nossa compreensão o interesse de Heidegger pelo Oriente é um desdobramento

natural de seu interesse pela pergunta pelo Ser. É a partir da natureza humana que ele

empreende a investigação sobre o Ser (HEIDEGGER, 1988, p.40), e o homem oriental possui

a princípio a mesma estrutura humana que o homem ocidental.

Contudo, devido à proximidade dos conceitos há estudos que pretendem mostrar que

Heidegger está em dívida com o pensamento Taoista e Zen Budista (MAY, 1996)14.

Na presente dissertação a intenção não é esse tipo de avaliação, mas simplesmente apresentar

os conceitos Orientais, a que Heidegger teve acesso, e vislumbrar as possibilidades de diálogo

abertas pela obra de Martin Heidegger.

Não obstante, é nossa convicção que, Heidegger desenvolve seu pensamento com total

independência, e mostra através da sua extensa obra que está partindo da herança filosófica

ocidental. Se Heidegger utilizou o pensamento e a compreensão oriental como um tipo de

orientação para o seu próprio pensamento, também nos mostra sua biografia que o próprio

pensamento teológico ocidental orientou suas intuições. O exemplo mais notável seria pensar

na teologia apofática, que nega os atributos de Deus: Não procura Deus pelo que ele é mas

pelo que ele não é, abrindo um caminho para a teologia mística. A biografia nos mostra que

Heidegger se formou dentro das instituições católicas (ZAFRANSK, 2000). Inclusive está

sublinhado o estreito relacionamento de Heidegger com o pensamento místico cristão.15

13

A esse respeito Graham Parkes questionou o Professor Hans-Georg Gadamer: “Se Heidegger estava tão

impressionado e entusiasmado com relação ao Taoismo durante um período de meio século, porque ele

somente menciona isso duas vezes nesses cinqüenta anos de publicações de trabalhos filosóficos?” ao que o

Professor Gadamer respondeu “Você deve entender que a geração de estudiosos a que pertence Heidegger

estaria muito relutante de dizer alguma coisa por escrito sobre uma filosofia se ele mesmo não estivesse apto a

ler e compreender os textos em sua língua original” (PARKES, 2001, p.7).

14 Primeira publicação, 1989 na Alemanha com Ex oriente lux: Heidegggers Werk unter ostasiatischem Einfluβ,

by Rinhard May, Stuttgart: Steiner Verlag Wiesbaden.

15 “O filósofo (Heidegger) era mestre pelo modo como sabia preservar a atmosfera de transcendência na

apresentação dos centrais conteúdos de seu pensamento. Conseguia manter essa magia e caráter numinoso

que o aproximava daquele que nisso era seu mestre: mestre Eckhart que estudava e era evocado em

momentos em que o pensamento se ocupava as dimensões místicas da condição humana” (ZAFRANSKI, 2000,

p.14).

12

Finalmente, após a abordagem no item 6., sobre o “Nada e o Sagrado”, concluímos o trabalho

com o “Nada e o Projeto” no item 7. Nesse item 7. mostramos que o Dasein, estando já de

início jogado, e não conhecedor de seu próprio fundamento, ele necessariamente se projeta na

vista das perspectivas que se lhe abrem. Contudo no projetar-se mais próprio ele precisará

renunciar à adoção de um fundamento que não lhe seja próprio, a saber, deverá “assumir a

situação de desproteção que é intrínseca a todo o Dasein” (CASANOVA, 2009, p.183). Isso

corresponde a, em assumindo o seu nada como fundamento próprio, preservar o espaço para o

sagrado e, ratificar sua renúncia no sentido de “um aquiescimento à impossibilidade de

confundir o ser com um ente entre outros (...)” (CASANOVA, 2009, p.183).

1.2. NOTA DE TRADUÇÃO E EXPLICATIVA DO DASEIN

Neste trabalho procuramos nos manter fieis à tradução dos textos já publicados em língua

portuguesa, à exceção de quando se trata do termo alemão Dasein, conforme explicamos logo

a seguir. Nos textos de língua estrangeira fizemos nossa própria tradução para o português.

Nesses casos também utilizamos o termo Dasein do original alemão.

Conforme já antecipamos em nota de rodapé acima, para designar o homem, Heidegger

utiliza o termo alemão Dasein, e com isso evita uma leitura de “homem” no sentido do uso

simplesmente vulgar e aponta para a constituição ontológica desse ente homem que irá

investigar. O homem a princípio se lhe apresenta como Da-sein, ou seja o ser-ai .”Sein”

significa “ser” e “Da” significa “lá” como também pode significar “aqui” ou seja, no uso

coloquial alemão, traduz a noção de “estar aqui, presente, disponível, existente” (INWOOD,

1999, p. 42).

A palavra Dasein é muitas vezes traduzida para o português por “ser aí”, “existência” e “pre-

sença”. Em Ser e Tempo, traduz-se, em geral, para as línguas neolatinas pela expressão “ser-

aí”, être-à, esser-ci etc..

Como não existe termo em português que corresponda à significação que Dasein tem no uso

coloquial alemão, e por causa da profundidade de interpretação com que Heidegger

enriquece o termo, na presente dissertação, mantivemos o termo Dasein, introduzindo

assim uma modificação aos textos traduzidos para o português, e no mais fomos fiéis aos

tradutores.

Esclarecendo o que dissemos acima, a respeito do modo como Heidegger interpreta e

enriquece o temo alemão Dasein, a seguir passamos a explicar esse termo a partir da obra O

13

Conceito de Tempo16. Nessa obra Heidegger nos apresenta as estruturas fundamentais do

Dasein. Ele nos apresenta oito itens que passamos a explicar, segundo nosso entendimento

baseados nas traduções das obras em referência:

1) “O Dasein é o ente que se caracteriza como ser-no-mundo (In-der-Welt-sein)”

(HEIDEGGER, 1997, p. 17), (HEIDEGGER, 2008, p.35).

Nesse aspecto de ser-no-mundo o Dasein se apresenta no “estar-ocupado”

(HEIDEGGER, 2008, p.37) ou no “cuidar (Besorgen)” (HEIDEGGER, 1997, p.19). Isso

quer dizer que a maneira do Dasein estar no mundo é se ocupando, e não de estar

simplesmente, de modo que pudesse permanecer de modo mágico e independente

de sua atividade. Ou seja, tem que se ocupar , seja efetuando tarefas, seja

observando, contemplando, comparando e questionando. Ou seja, trata-se de um

demorar, num modo de habitar.

2) “O Dasein enquanto este ser-no-mundo coincide assim, com o ser-uns-com-outros,

ser com outrem” (HEIDEGGER, 2008, p.37), ou “numa unidade ser-com-os-outros

(Mit-einander-sein), estar com os outros” (HEIDEGGER, 1997, p.19)

Isso quer dizer compartilhar com os outros o mesmo mundo, encontrando-se com os

outros, onde Heidegger distingue ainda duas modalidades de estar com os outros: (a)

o ser-para-os-outros (Für-einander-sein) (HEIDEGGER, 1997, p.19), ou seja, o ser que

se mobiliza pelos outros ou age considerando os outros, ou ainda que é tido e

considerado pelos outros como Dasein, e; (b) o “estar-perante” (HEIDEGGER, 2008,

p.37), ou “ser disposto (Vorhandensein) para os outros” (HEIDEGGER, 1997, p.19),

literalmente, “estar à mão”, ou ainda, no sentido de, ser tido pelos outros como um

ente entre outros entes, que não tem as características próprias de Dasein. Por

exemplo, “como uma pedra que está aí, que não possuí o mundo e não cuida do

mundo” (HEIDEGGER, 1997, p.19)

3) O ser que tem a estrutura ontológica em comum com os outros Dasein, a saber, falar

(Sprechen)

16

Com relação à obra em referência, cotejamos duas traduções para a língua portuguesa, uma de edição

brasileira e outra portuguesa, respectivamente (HEIDEGGER, 1997) e (HEIDEGGER, 2008).

14

Esse falar, explica Heidegger, é no modo complexo de se expressar, inclusive se

explicando e se compreendendo em sua natureza de Dasein.

“No modo como o Dasein no seu mundo fala sobre o modo de lidar com o seu

mundo está dada uma auto explicação do Dasein (Selbstauslegung des Daseins)” e

“No falar-uns-com-os-outros, no que se diz por aí, está sempre em cada caso a auto-

interpretação da actualidade, que reside neste diálogo” (HEIDEGGER, 2008, p.37)

4) “O Dasein é um ente que se determina como um ‘eu sou’” (HEIDEGGER, 1997, p.19),

(HEIDEGGER, 2008, p.39).

Isso quer dizer que uma característica do Dasein é ser propriamente ele a cada

momento. Essa é uma característica ontológica tão forte quanto o próprio ser-no-

mundo. “é constitutivo o ser a cada vez (Jeweligkeit) do ‘eu sou’” (HEIDEGGER, 1997,

p.19). Não é possível para o Dasein fazer abstração de que os aspectos e caracteres

fundamentais de sua constituição são sempre referidas a um eu e portanto ditas

minhas. “Mea res agitur. Todos os caracteres fundamentais devem, assim, encontrar-

se no ser cada vez enquanto algo que é sempre meu (je meinigen)” (HEIDEGGER,

1997, p.19).

5) O Dasein embora se determinando como um eu-sou, de fato, normalmente, ele não é

ele, mas é os outros.

“Na quotidianeidade, ninguém é ele mesmo” (HEIDEGGER, 2008, p.39). O Dasein

uma vez que é determinado ontologicamente como ser-uns-com-os-outros, por isso

mesmo já é, em parte, os outros mesmo. Os outros enquanto “gente” configura um

“impessoal”, a que nos referimos por exemplo quando dizemos “vende-se esta casa”.

Esse “se” indica um impessoal. Nesse impessoal estão as concepções de todo mundo

que ao mesmo tempo não pertencem a ninguém determinado.

“Esse ninguém, do qual na quotidianidade (Altäglichkeit) todos nós vivemos, é o ‘se’

(Man) Diz-se, ouve-se, e se é a favor, cuida-se de algo. Na tenacidade do império

desse se (Man) residem as possibilidades de meu Dasein e, saindo desta nivelação, o

‘eu-sou’ é possível.” (HEIDEGGER, 1997, pp. 20-21)

Ou seja, o Dasein, uma vez que compartilha sempre, e pelo menos parte, das

concepções do impessoal, ele mesmo não se constitui, normalmente, como um eu

15

plenamente próprio. Contudo, nesse meio impessoal, que não lhe é próprio,

encontra suas possibilidades próprias, a saber, aquelas que têm conformidade como

seu eu próprio. Contudo, o Dasein tem a possibilidade de se elevar saindo do nível do

impessoal ao encontro de seu eu-próprio.

6) Para o Dasein em seu ser-no-mundo cotidiano “importa-lhe o seu ser (auf sein Sein

ankommt)” (HEIDEGGER, 1997, p.21), ou, “é o seu ser que está em jogo”

(HEIDEGGER, 2008, p.41).

Do mesmo modo que ao falar (Sprechen), o Dasein se explica a si mesmo e se

constitui, também ao ocupar-se com o mundo ele atribui sua identidade a cada

ocupação ou atividade. “todo manusear que cuida de (alles besorgende Umgehen) é

um cuidar do ser do Dasein (Besorgen des Seins des Dasein). Com o que lido com o

que me ocupo, a que se prende minha profissão sou de certo modo eu mesmo e

nisso se desenrola o meu Dasein” (HEIDEGGER, 1997, p.21)

7) “Na medianidade (Durschnittlichkeit) do Dasein cotidiano não há uma reflexão sobre

o o eu e sobre o próprio (...)” (HEIDEGGER, 1997, p.21)

Ou seja na normalidade mediana do lidar com o mundo cotidiano, o Dasein se

identifica e toma-se por si mesmo na própria lida com o mundo, mas nisso não tem

uma atitude reflexiva e crítica a respeito de ser aquela atividade de fato

correspondente a seu próprio. O que quer dizer que normalmente nos entregamos

ao nosso agir e lidar com o mundo irrefletidamente, e por isso nós nos identificamos,

sem crítica, com aquilo fazemos.

8) O Dasein se relaciona consigo mesmo não por meio de um contemplar-se, mas pelo

“‘ser algo’ (es sein)” (HEIDEGGER, 1997, p.21)

Isso quer dizer que o Dasein não se mostra e não é acessível a seu próprio olhar.

Normalmente se considera a si mesmo naquilo que faz e sem refletir. Mesmo quando

se volta a considerar a si mesmo, o faz por via de reflexão carregada das concepções

daquele “se” impessoal obtido pelo ser-com-os-outros, pelo falar do cotidiano e pelo

lidar com o mundo. “A ligação primordial ao Dasein não é a observação, mas o sê-lo.

(...) falar acerca de si - a auto interpretação – é apenas uma maneira determinada e

destacada do Dasein se ter em cada caso a si mesmo” (HEIDEGGER, 2008, p.41). Mas,

16

“em média, a explicação do Dasein é dominada pela cotidianidade, (...) vem do

impessoal (Man) e da tradição. (HEIDEGGER, 1997, p. 21).

2. O PROBLEMA DO NADA

2.1. O PROBLEMA DO O NADA EM QUE É METAFÍSICA?

Na preleção “Que é metafísica?”, Heidegger já nos alerta de que não irá falar sobre o que é

metafísica. Pelo contrário, irá sim buscar e desenvolver uma questão metafísica. “Parece que

dessa maneira, nos situaremos imediatamente dentro da metafísica. Somente assim lhe damos

a oportunidade de se apresentar a nós em si mesma.” (HEIDEGGER, 1973, p.233).

E a questão encontrada é: “que é o nada?”.

Heidegger mostra que essa questão “que é o nada?” cumpre as duas condições que

caracterizam as questões metafísicas.

A primeira condição é que uma questão metafísica não pode se limitar a um domínio, mas

antes, abarca a totalidade. Outra condição é que aquele que interrogador seja ele mesmo

problematizado. E Heidegger mostra que na pergunta “que é o nada?” as duas condições estão

satisfeitas. Para entender isso é necessário acompanharmos o modo como Heidegger chega a

eleger essa questão.

Ele parte do fato de que, aquele que interroga é alguém que está inserido na comunidade dos

pesquisadores, ou professores ou estudante, e que, sendo assim, em todos os casos estão

existencialmente dependentes da atitude científica. Heidegger questiona: “O que acontece de

essencial nas raízes de nossa existência na medida em que a ciência se tornou nossa paixão?”

(HEIDEGGER, 1973, p.233).

As ciências são distintas e dispersas, por tratarem de objetos distintos. Contudo, algo lhes é

comum:

A referência ao mundo que impera através de todas as ciências enquanto tais,

faz com que elas procurem o próprio ente para, conforme seu conteúdo

essencial e seu modo de ser, transformá-lo em objeto de investigação e

determinação fundante. Nas ciências se realiza – no plano das idéias – uma

aproximação daquilo que é essencial em todas as coisas. (HEIDEGGER,

1973, p.234)

17

Assim, fica caracterizado que as ciências se dirigem ao ente unicamente. “Pesquisado deve ser

apenas o ente e mais – nada; somente o ente e além dele – nada; unicamente o ente e além

disso – nada.” (HEIDEGGER, 1973, p.234).

Desse modo, Heidegger verifica que, para que as ciências se caracterizarem enquanto tais

definem-se a si mesmas por se dirigirem ao ente. Mas, por outro lado, para se definirem

inadvertidamente usam a palavra “nada”. Heidegger questiona se esse é simplesmente um uso

da palavra ou se há aí uma designação de fato. Afinal, a ciência recorre ao nada para se

definir. E inclusive tem um tipo de concepção a respeito do nada:

O nada – que outra coisa poderá ser para a ciência que horror e

fantasmagoria? Se a ciência tem razão, então uma coisa é indiscutível: a

ciência nada quer saber do nada. Esta é afinal, a rigorosa concepção

científica do nada. Dele sabemos, enquanto dele, do nada, nada queremos

saber.

A ciência nada quer saber do nada. Mas não é menos certo também que,

justamente, ali, onde ela procura expressar sua própria essência, ela recorre

ao nada. Aquilo que ela rejeita ela leva em consideração. Que essência

ambivalente se revela ali? (HEIDEGGER, 1973, p. 234)

Assim, conforme visto acima, Heidegger inicialmente (i) encontrou a pergunta “que acontece

com esse nada?”. Na continuação da preleção irá, conforme a divisão dos itens de sua obra:

(ii) elaborar a questão e (iii) responder á questão.

O “elaborar a questão” considera investigar a real possibilidade da consideração do nada. Para

isso Heidegger investiga qual experiência podemos ter do nada.

“Seja como for nós conhecemos o nada, mesmo que seja apenas aquilo sobre o que

cotidianamente falamos inadvertidamente”. Contudo, sendo o nada “a plena negação da

totalidade do ente (...) a totalidade do ente deve ser previamente dada para que possa ser

submetida enquanto tal simplesmente à negação, na qual então o próprio nada se deverá

manifestar.” (HEIDEGGER, 1973, p.236)

E desenvolvendo o pensamento nessa linha, Heidegger rejeita o artifício de se imaginar a

totalidade do ente e então negá-lo, pensando a negação do que foi figurado. “Por essa via

obteremos o conceito formal do nada figurado mas jamais o próprio nada”. Qualquer

concepção do nada ainda assim teria característica de ente, uma vez que seria intermediada

por um conceito mental do Nada e não seria um conhecimento direto o qual não deve tratar o

18

nada como um objeto frente a um sujeito. O que Heidegger busca é saber do nada que é

justamente nada do que seja ente, e conclui que “nossa busca somente pode ser legitimada por

uma experiência fundamental do nada.” (grifo nosso) (HEIDEGGER, 1973, p.236)

A experiência fundamental ele a encontra na angústia: “(...) a angústia nos suspende porque

ela põe em fuga o ente em sua totalidade” (HEIDEGGER, 1973, p.237). Mas antes somos

alertados de que essa angústia não diz respeito ao sentimento comum e frequente de ansiedade

e temor que sempre se refere a algum ente a que tenha a possibilidade de nos ameaçar. Antes

se refere àquele sentimento, bastante raro, que não apenas tem o caráter de indeterminação

com respeito àquilo que nos angustia. “Não é apenas uma simples falta de determinação, mas

a essencial impossibilidade de determinação”.

Com a experiência fundamental da angústia o nada fica manifesto.

“Que a angústia revela o nada é confirmado imediatamente pelo próprio

homem quando a angústia se afastou. Na posse da claridade do olhar, a

lembrança recente nos leva a dizer: Diante de que e por que nós nos

angustiávamos era ‘propriamente’ – nada. Efetivamente: o nada mesmo –

enquanto tal – estava aí.” (HEIDEGGER, 1973, p.238)

Uma vez verificada a experiência do nada, Heidegger inicia a terceira parte da preleção

intitulada a “Resposta à Questão”. Nessa parte retoma a experiência da angústia e a

constatação de que “a angústia não é uma apreensão do nada”, mas que “o nada se torna

manifesto por ela” e que “não acontece nenhuma destruição de todo o ente”. Heidegger

aprofunda a investigação e contata que: “Na angústia se manifesta um retroceder diante de ...

(...)” e que “esse retroceder diante de ... recebe seu impulso inicial do nada.” Isso o leva a

encontrar a própria essência do nada. Pelo modo como o nada assedia na angústia, verifica

que “não é nem a destruição do ente, nem se origina de uma negação.” Pois na angústia se

manifesta um retroceder que é antes uma “quietude fascinada”. A rejeição, que afasta o ente

na angústia é “um remeter (que faz fugir) ao ente em sua totalidade que desaparece”. Assim, o

modo de o nada assediar na angústia é a própria “essência do nada: a nadificação.”

(HEIDEGGER, 1973, p.238).

Mas por outro lado: “A essência do nada originariamente nadificante consiste em:conduzir

primeiramente o Dasein, diante do ente enquanto tal.” (HEIDEGGER, 1973, p.239)

19

O “Dasein”17 é a expressão que Heidegger utiliza para expressar a realidade mesma do ser

humano, aquele que além de ser compreende o ser. Pois “o ser sempre se manifesta nos entes.

Um ente em sua condição privilegiada de ente, que compreende o ser, será o objeto primeiro

da análise: o homem, o Dasein.” (STEIN, 2002, p.55)

Assim, “Dasein” é, não somente o ser do homem enquanto referência metafísica, ou enquanto

um conceito ou uma idéia. Mas o homem enquanto sendo ser que está aí, ou seja presente e

existente.

Mas qual o papel do nada para o Dasein?

Somente à base da originária revelação do nada pode o Dasein do homem

chegar ao ente e nele entrar. Na medida em que o Dasein se refere, de acordo

com sua essência, ao ente que ele próprio é, procede já sempre, como tal

Dasein, do nada revelado.

Ser aí quer dizer: estar suspenso dentro do nada. (HEIDEGGER, 1973,

p.239)

Assim, o nada, essencialmente nadificante, conduz o Dasein para o vazio, o que se dá por

meio daquele sentimento da angústia. Na angústia o Dasein se vê desligado de toda a relação

com o ente, na medida em que está no nada do que é ente. E por isso, nessa situação, o Dasein

tem a revelação do ente enquanto tal, pois uma vez suspenso no nada não mais está envolvido

no ente. “O nada é a possibilidade da revelação do ente enquanto tal para o Dasein humano.”

(HEIDEGGER, 1973, p.239)

Heidegger termina a preleção destacando que é necessário “permitir que se desenvolva esse

estar suspenso para que constantemente retorne à questão fundamental da metafísica que

domina o a pergunta: “Por que existe afinal o ente e não antes Nada?” (HEIDEGGER, 1973,

p.242)

Sob certo aspecto seria colocar à questão de quem vem primeiro, o ente ou o nada. Ou seja,

primeiro nos desviamos do ente para estar no nada, ou é o próprio nada, já sempre presente,

que determina nossa direção, quer nos dirigindo para o ente, quer nos dirigindo ao contrário,

para o nada do que seja ente?

Heidegger considera que mesmo quando nos dirigimos e nos ocupamos com o ente, de fato, é

nosso conhecimento prévio do nada que nos faz fugir do nada em direção ao ente. Por um

17

Vide item 1.2 desta dissertação

20

lado, “Quanto mais nos voltamos para o ente (...) tanto mais nos afastamos do nada.”. Mas por

outro lado,

(...) é este constante, ainda que ambíguo desvio do nada, em certos limites,

seu mais próprio sentido. Ele, o nada em seu nadificar, nos remete

justamente para o ente. O nada nadifica ininterruptamente sem que nós

propriamente saibamos algo desta nadificação pelo conhecimento no qual

nos movemos cotidianamente. (HEIDEGGER, 1973, p.239)

Mesmo assim, não há entre o ente e o nada uma relação de oposição. “O nada não permanece

o indeterminado oposto do ente, mas se desvela como pertencente ao ser do ente”. Por outro

lado, para que se manifeste o ser é necessária a condição de “transcendência do Dasein

suspenso dentro do nada.” (HEIDEGGER, 1973, p. 241).

Isso se torna necessário devido à própria relação do ser com o ente: “Ser e nada copertencem,

mas não porque ambos – vistos a partir da concepção hegeliana do pensamento – coincidem

em sua determinação e imediaticidade, mas porque o ser mesmo é finito em sua manifestação

no ente (Wesen)” (HEIDEGGER, 1973, p. 241)

Cabe observar que o problema do nada e da angústia são tratados de maneira evolutiva na

obra de Heidegger, conforme mostramos a seguir.

Heidegger desenvolve a idéia de angústia associada ao Nada já desde o pensamento de

Kierkgaard, conforme ilustramos pelo texto: “Em tal estado, existe calma e descanso; (...) não

existe nada contra que lutar. O que existe então? Nada. (...) Este nada dá nascimento à

angústia” (KIERKEGAARD, 1968,p.45).

Os conceitos apresentados em Que é Metafísica?, foram previamente preparados na obra Ser

e Tempo. A seguir ilustramos com algumas passagens que escolhemos:

Aquilo com que a angústia se angustia é o “nada” (grifo nosso) que não se

revela “em parte alguma” (HEIDEGGER, 1988, p. 250).

No Dasein, a angústia revela o ser para o poder- ser mais próprio, ou seja, o

ser-livre para a liberdade de assumir e escolher a si mesmo. A angústia

arrasta o Dasein para o ser-livre para... (propensio in...), para a propriedade

de seu ser enquanto possibilidade de ser aquilo que já sempre é. O Dasein

como ser-no-mundo entrega-se, ao mesmo tempo, à responsabilidade desse

ser. (HEIDEGGER, 1988, p. 250)

21

Mais uma vez, a interpretação e o discurso cotidianos constituem a prova

mais imparcial de que a angústia, enquanto disposição fundamental,

empreende uma abertura. Como dissemos anteriormente, a disposição revela

“como se está”. Na angústia, se está estranho”. Com isso se exprime, antes

de qualquer coisa, a indeterminação característica em que se encontra o

Dasein na angústia: o nada (grifo nosso) e o “em lugar algum”.

(HEIDEGGER, 1988, p. 252)

Doravante, torna-se fenomenalmente visível do que foge a de-cadência como

fuga. Não foge de um ente intra- mundano mas justamente para esse ente, a

fim de que a ocupação perdida no impessoal possa deter-se na familiaridade

tranqüila. A fuga de-cadente para o sentir-se em casa da public-idade foge de

não sentir-se em casa (...) (HEIDEGGER, 1988, p. 253).

E mais tarde, na preleção proferida no verão de 1935 na Universidade de Friburgo, editada

com o mesmo título no livro Introdução à Metafísica, Heidegger volta a esclarecer sobre o

Nada. Heidegger inicia recolocando a questão que foi a última frase da obra Que é

Metafísica?, analisada acima. Trata-se da questão metafísica por excelência. A questão que

todos devem encontrar, e se não encontram é porque não se colocam no “estado da questão”:

Por que há simplesmente o ente e não antes o Nada? Eis a questão.

Certamente não se trata de uma questão qualquer. “Por que há simplesmente

o ente e não antes o Nada?” – essa é evidentemente a primeira de todas as

questões. (...). Muitos nunca a encontram, não no sentido de investigarem a

questão, i. é de a levantarem, de a colocarem, de se porem no estado da

questão.

E não obstante todos são atingidos uma vez ou outra, talvez mesmo de

quando em vez, por sua força secreta, sem saberem ao certo, o que lhes

acontece (...). (HEIDEGGER, 1966, p. 37).

Dentro dessa perspectiva é que deve ser compreendida a própria obra Ser e Tempo, que

aborda a questão necessária, mesmo que para o momento não possa chegar a uma conclusão,

tal como seria esperado em outros tipos de investigação:

(...) “Ser e Tempo” não significa um livro, mas uma tarefa e um empenho

imposto. O que nessa tarefa e incumbência propriamente se impõe, é Aquilo,

que nós não sabemos autenticamente, a saber enquanto tarefa e empenho

imposto, sempre só o sabemos investigando.

22

Saber investigar significa saber esperar, mesmo que seja durante toda uma

vida. Numa época, porém, em que só é real o que vai depressa e se pode

pegar com ambas as mãos, tem-se a investigação por “alheada da realidade”,

por algo que não vale a pena ter-se em conta de numerário. Mas o

Essencializante não é o número e sim o tempo certo, i.é. o momento

azardado, a duração devida. (HEIDEGGER, 1966, p. 295).

Nessa obra Heidegger continua explicando a respeito da perspectiva da investigação a respeito do

nada:

(...) desde o princípio da questão sobre o ente, que a acompanha a questão

sobre o não ente, sobre o Nada. E isso não apenas externamente, como um

fenômeno concomitante e acessório, mas a questão sobre o Nada se

configura de acordo com a extensão, profundidade e originalidade

correspondentes, com que se investiga a questão sobre o ente e viceversa. O

modo de investigar o Nada pode valer como termômetro e indício do modo

de se investigar o ente. (HEIDEGGER, 1966, pp. 63-64).

Contudo ao abordar o nada, Heidegger encontra resistência por parte de um público que tem aversão

ao tema, como se o pensar o nada já fosse em si uma perspectiva niilista. Heidegger tem que esclarecer

que justamente o não pensar o nada é que consolida o curso do niilismo:

O fato de introduzirmos a locução Nada, não é desleixo ou redundância de

estilo, como não é uma invenção nossa, mas apenas o respeito rigoroso pela

tradição originária do sentido da questão fundamental.

Todavia falar do Nada continua a ser, em geral, repugnante ao pensamento e

destruidor, em particular. Como assim, se tanto o cuidado de observar

corretamente a regra fundamental do pensamento, como o medo do niilismo,

que deveriam dissuadir de falar do Nada, se fundassem ambos num

equívoco? E assim é, sem dúvida o equívoco que aqui ocorre não é casual.

Baseia-se numa incompreensão, de há muito reinante, da questão sobre o

ente. E essa incompreensão provém do esquecimento do ser, que mais e mais

se consolida. (HEIDEGGER, 1966, p. 64).

E na conclusão da obra em referência Heidegger explicita a perspectiva de superação do niilismo,

justamente por meio da reflexão a respeito do Nada.

Mas onde é que reside mesmo e opera o Niilismo? Lá, onde se aferra e

agarra ao ente corriqueiro e se pensa que basta, como se tem feito até agora,

tomar o ente assim como tem sido. Desse modo, porém, se repele a questão

23

do Ser e se trata o Ser como um Nihil, um Nada, o que sem dúvida de certo

modo, ele também é, enquanto se essencializa. Ocupar-se e afanar-se tão só

do ente, esquecendo o Ser, eis o Niilismo. É esse Niilismo, que Nietzsche

expôs no primeiro livro da “Vontade de Potência”.

Agora, na questão do Ser chegar expressamente até às raias do Nada e

incluí-lo na investigação do Ser é, ao contrário, o primeiro e único passo

fecundo para uma verdadeira superação do Niilismo. (HEIDEGGER, 1966,

p. 291).

2.2. SUPERAR O NIILISMO EM “O PROBLEMA DO SER”

A importância atual do tema do niilismo pode ser vislumbrada na expressão de Pecoraro:

A superfície antes congelada das verdades e valores tradicionais está

despedaçada (...). É o niilismo – conceito fundamental imprescindível para

compreender o pensamento dos últimos dois séculos” (PECORARO, 2007,

p.7)

Nietzsche já denunciou a origem do niilismo relacionando à inversão dos valores. Contudo

Heidegger interpreta que ainda assim Nietzsche dá continuidade e até mesmo representa o

desfecho do niilismo:

Para Nietzsche, o niilismo repousa sobre a perda de valor e sentido do

mundo oriunda do desaparecimento dos fundamentos mesmos da

compreensão metafísica da realidade. A esse desaparecimento segue-se

imediatamente o despontar do devir em sua plena soberania sobre todo o

ente. (CASANOVA, 2006, p. 137)

De acordo coma interpretação heideggeriana, a filosofia de Nietzsche

apresenta o derradeiro enredamento no niilismo porque leva a termo o

acabamento de uma história na qual o ser mesmo nunca se acha colocado em

questão. Tal como formulado no escrito póstumo A essência do niilismo: “O

ser mesmo permanece essencial e necessariamente impensado na metafísica.

A metafísica é a história, na qual não se tem nada a ver com o ser mesmo. A

metafísica é o próprio niilismo. 18 (CASANOVA, 2006, p. 149)

Ou seja, Heidegger entende que o pensamento de Nietzsche ainda se faz suportado pela

metafísica da linguagem, e com isso ele mesmo não se livra do próprio niilismo que está

18

“Martin Heidegger, OC 67, p. 216” (CASANOVA, 2010, p. 149)

24

diagnosticando. Pelo contrário, propondo a “vontade de poder” como um princípio ligado à

origem das coisas mesmas, Nietzsche teria acabado por cortar com a própria possibilidade de

reencontro com o ser.

Heidegger nos fala de um abandono do ser, de uma ruptura radical com o

ser. Na medida mesmo que instaura a vontade de poder como o novo

princípio de avaliação da totalidade, Nietzsche acaba por cindir, segundo

Heidegger, toda e qualquer ligação com o pensamento do Ser, e o ser mesmo

se transforma, então, em nada. (CASANOVA, 2006, p. 140)

Assim, a partir das diferenças acima apontadas, observa-se que a abordagem heideggeriana

inclui considerar o próprio modo de se pensar o niilismo. Enquanto não se conseguir

ultrapassar o pensar pautado na metafísica estar-se-á ainda sob a égide do niilismo, tanto mais

quanto mais se quiser aprofundar em sua crítica.

Um texto ilustra essa diferença foi elaborado por Heidegger em uma carta a Ernst Jünger no

texto Sobre o Problema do Ser (HEIDEGGER, 1969), escrito em 1955. Esse texto reflete a

questão do nada mostrando a diferença de sua abordagem com relação á compreensão de

Jünger. No texto Heidegger discute a utilização da imagem de uma linha, proposta por Jünger,

como representação da instância de máximo niilismo. Está em discussão se essa linha do

máximo niilismo, poderá ser ultrapassado ou não.

Junger toma a linha ainda baseado em um pensamento que a linha pudesse ser imaginada

como uma coisa a ser ultrapassada. Isso ilustra o pensar metafísico: é como se essa linha fosse

algo com as propriedades de uma linha que pudesse ser ultrapassada.

Heidegger, não obstante, reflete sobre a própria linha e não mais sobre a transposição da linha

do niilismo como havia feito Jünger. O caminho da reflexão de Heidegger se desenvolve de

modo a investigar a própria essência do niilismo, e indo além, investiga a própria essência da

metafísica. Heidegger também reflete sobre a possibilidade de o pensamento e de a poesia nos

reconduzir de volta ao pensamento do próprio ser. E defende que o retorno ao ser não se dá

pelo conteúdo do pensamento, mas sim pelo próprio pensar enquanto atividade que constrói

ao longo do caminho.

2.2.1. A IDÉIA DA LINHA REPRESENTANDO O NIILISMO

Segundo a carta de Heidegger a Jünger, compreende-se que Jünger encontrou na imagem da

linha uma representação do fenômeno do niilismo.

25

O niilismo é entendido no sentido da explicação de Nietzsche, a saber, como o processo no

qual acontece “a desvalorização dos valores supremos (Vontade de Poder, número 2, ano de

1887)” (HEIDEGGER, 1969, p. 13).

Tendo em conta esse entendimento do niilismo, a linha seria a representação do ponto zero,

“onde o niilismo encontra sua perfeição” (HEIDEGGER, 1969, p. 13).

Essa linha também constituiria uma “fronteira entre duas idades do mundo (...) linha crítica.

Nela se decide se o movimento niilista termina no nada nadificador, ou se ele é uma passagem

para a esfera de uma “nova manifestação do ser” (32)” (HEIDEGGER, 1969, p. 38).

Portanto a abordagem de Jünger concentra-se em “saber se cruzamos a linha e em que medida

o fazemos para, desta maneira, sair da zona do niilismo perfeito” (HEIDEGGER, 1969, p.

14).

2.2.2. A BUSCA DA ESSÊNCIA DO NIILISMO

Diversamente da abordagem de Jürgen, a proposta de Heidegger é discutir não a transposição

da linha, mas sim discutir a própria linha. “O senhor olha e caminha para além da linha; eu,

primeiro limito-me apenas a olhar para a linha que o senhor imagina” (HEIDEGGER, 1969,

p. 17).

Heidegger considera que as abordagens são complementares, entretanto, é necessário

conhecer a natureza mesma do niilismo para poder examinar os determinantes de um

desdobramento ou de outro, a saber, se o niilismo caminha para a nadificação simplesmente

ou se abre a possibilidade de uma nova manifestação para o ser.

Heidegger faz um paralelo à conduta médica onde a descoberta do agente da doença é

fundamental para os prognósticos. Nesse sentido o niilismo não seria nem curável nem

incurável. Ou seja, por analogia, a doença pode ser curável, mas não se aplica à causa da

doença o ser ou não ser curável. Assim não se trata de curar o niilismo, mas de conhecer a

essência do niilismo. “Tanto mais urgente torna-se o conhecimento e o reconhecimento do

agente, isto é, da essência do niilismo. Tanto mais necessário torna-se o pensamento”.

(HEIDEGGER, 1969, p. 16).

Mas que tipo de pensamento pode pensar o niilismo? Heidegger considera que na busca da

essência do niilismo é necessário que o modo de pensar seja adequado ao que se pretende da

investigação e constata que “não existe uma descrição em si, capaz de mostrar o real em si”

(HEIDEGGER, 1969, p. 18), pois sempre se estará sujeito a uma determinada perspectiva.

26

Por outro lado “as possibilidades essenciais do niilismo somente podem ser pensadas quando

retrocedemos pensando até a sua essência”. (HEIDEGGER, 1969, p. 23).

Nesse sentido, Heidegger identifica que o pensamento de Jürgen está preso na própria

linguagem, pois para a transposição da linha que representa o niilismo seria preciso “uma

transformação do dizer” e “uma relação diferente da essência da linguagem” (HEIDEGGER,

1969, p. 38).

Ou seja, para Heidegger, Jürgen se submete a uma metafísica limitante, impeditiva da

investigação da essência. “O ente em sua totalidade, porém, mostra-se ao senhor na luz e nas

sombras da metafísica da vontade de poder,...” (HEIDEGGER, 1969, p. 18).

Heidegger critica a obra O Trabalhador de Jünger pois identifica que nela Jünger está

submetido a uma metafísica baseada na figura do trabalhador. Onde “figura” é a tradução do

termo gestalt, que significa forma. Ou seja, Jünger refere-se à “figura do trabalhador” como

um princípio, como uma forma, que “repousa na estrutura essencial da humanidade, a qual

como subjectum, é o fundamento de todo ente” (HEIDEGGER, 1969, p. 26).

E essa figura fica relacionada à vontade de poder: “A presença da figura do trabalhador é o

poder. A representação da presença é seu domínio como uma “nova e especial vontade de

poder” (O Trabalhador, p. 70)” (HEIDEGGER, 1969, p.29).

Heidegger utiliza a obra de Jünger pois, percebe que o mesmo resume em sua obra “aquilo

que até hoje toda a literatura sobre Nietzsche não foi capaz: transmitir uma compreensão do

ente e de seu modo de ser à luz do projeto de Nietzsche do ente como vontade de poder”

(HEIDEGGER, 1969, p.19). Com a ressalva de que, ainda a Metafísica de Nietzsche não foi

compreendida pelo pensamento, e que, pelo contrário, do modo como é entendida “esta

metafísica torna-se óbvia e aparentemente supérflua.” (HEIDEGGER, 1969, p.19)

E o modo como Jünger compreende Nietzsche acaba representando o máximo do niilismo

como uma linha, e representa o destino do homem como o destino daquele que vai ultrapassar

essa linha. A isso Heidegger contesta que: “Em caso nenhum é a linha (...) algo que jaz diante

do homem e que pode ser ultrapassado” (HEIDEGGER, 1969, p.46). “O homem não está

apenas postado na zona crítica da linha. Ele mesmo é, mas não para si, e absolutamente não

por si mesmo unicamente, esta zona” (HEIDEGGER, 1969, p.49) Assim, e após ter ainda

analisado e criticado exaustivamente o argumento de Jünger, Heidegger retorna à questão:

“Em que consiste então a superação do niilismo?” e, distingue que “o lugar da essência do

27

niilismo perfeito deve (...) ser procurada ali, onde a essência da metafísica desenvolve suas

possibilidades extremas e nelas se concentra.” (HEIDEGGER, 1969, p.49).

2.2.3. A NADIFICAÇÃO VERSUS A ABERTURA PARA O SER

Superar o niilismo passa por identificar sua essência, e a essência do niilismo, enquanto

esquecimento do ser deve ser procurada onde, “a essência da metafísica desenvolve suas

possibilidades extremas” (HEIDEGGER, 1969, p.49). De fato, a metafísica se caracteriza por

pensar o ente e não o ser do ente, e quanto mais explicita o ente, tanto mais afasta a questão e

o pensamento a respeito do ser. No limite o máximo de afastamento é o máximo do

desenvolvimento das possibilidades da metafísica, e nesse máximo está o niilismo. Nesse

sentido é próprio do desenvolvimento da metafísica levar à nadificação.

Contudo a pergunta Que é Metafísica?, já não mais se desvia do ser mas busca o próprio ser

da metafísica. É por isso que “a metafísica se vê impossibilitada de experimentar alguma vez,

enquanto metafísica, sua essência; pois, para a ultrapassagem e no seio dela, mostra-se à

representação metafísica o ser do ente.” (HEIDEGGER, 1969, p.59).

Assim, superar o niilismo é pensar no ser e na própria essência do niilismo – no ser do

niilismo. E a pergunta Que é Metafísica pode pensar no nada, na essência do nada.

a pergunta Que é Metafísica? pensa de antemão na ultrapassagem, no

transcendente, no ser do ente, (sendo assim), pode ela pensar o nada do ser,

daquele nada que é co-originariamente o mesmo com o ser. (HEIDEGGER,

1969, p.57).

O nada a que Heidegger se refere não é o nada nadificador, mas o nada que não é ente. É o

que nada tem de ente. O outro que não ente. Esse nada ultrapassa o ente e é o mesmo com o

ser. Conforme já referido no final do item 2.1. acima, isso se torna necessário devido à própria

relação do ser com o ente: “Ser e nada copertencem, mas não porque ambos – vistos a partir

da concepção hegeliana do pensamento – coincidem em sua determinação e imediaticidade,

mas porque o ser mesmo é finito em sua manifestação no ente (Wesen)” (HEIDEGGER,

1973, p. 241)).

Assim, Heidegger se posiciona frente à questão de transpor o niilismo não pela ultrapassagem

da linha imaginária, mas por meio da análise da natureza mesma da linha. A linha,

representando o nada, é o nada nadificador somente numa perspectiva limitadora, que

considere exclusivamente e apenas os entes. Nesse sentido a aproximação do homem em

28

relação à linha representaria a sua própria nadificação. Ou seja, sobre a linha, onde o niilismo

se torna máximo e absoluto, nem o homem (enquanto ente) escapa da nadificação.

A representação de Jünger, de simplesmente cruzar a linha para a superação do niilismo, “é

cativa de uma representação que pertence à esfera de domínio do esquecimento do ser. (E por

isso) surgem dúvidas quanto à possibilidade de tais imagens serem apropriadas para tornar

visível a superação do niilismo, isto é a recuperação do esquecimento do ser”. (HEIDEGGER,

1969, p.58)

Entretanto Heidegger identifica que a investigação do ente não esgota o domínio do

investigável e problemático. E, é nesse ponto, onde o homem enquanto ente se torna nada, que

mais se lhe torna evidente sua essência, ou seja, o ser do ente homem. E o ser do homem, sua

essência, é ser aquele que “mantém livre o lugar para o totalmente outro do ente”

(HEIDEGGER, 1969, p. 54).

Heidegger afirma: “o homem é o lugar-tenente do nada” (HEIDEGGER, 1969, p.54). Mas no

caso não está se referindo ao nada que simplesmente nadifica, mas ao nada de ente que

“mantém livre o lugar para o totalmente outro do ente” (HEIDEGGER, 1969, p.54). A atitude

científica considera que, o que não seja o ente é o nada. Contudo o perguntar a respeito do ser

não está na esfera do ente e, entretanto, não é pensar o nada nadificante.

Por outro lado, “a pergunta Que é Metafísica?, pensa de antemão na ultrapassagem, no

transcendente, no ser do ente, pode ela pensar o nada do ser, daquele nada que é co-

originariamente o mesmo com o ser” (HEIDEGGER, 1969, p.57).

2.2.4. EM BUSCA DE PENSAR O SER

Na trajetória de investigação da essência do niilismo, Heidegger chega a se referir à própria

essência do homem a qual, conforme visto acima, está relacionada a um nada, que implica em

uma abertura para o ser.

Mas Heidegger ao pensar a essência do homem está pensando o próprio ser: Heidegger

observa que “a serviço da questão da verdade do ser torna-se necessária uma reflexão sobre a

essência do homem” (HEIDEGGER, 1973, p. 256).

Uma vez constatado que a metafísica pensa apenas o ente e não o ser, Heidegger verifica a

necessidade de superação da metafísica. Mas em que consiste essa superação? Heidegger

indica que “no desenvolvimento da questão da verdade do ser, de uma superação da

metafísica, isto significa: Pensar no próprio ser” (HEIDEGGER, 1973, p. 254).

29

E pensar no próprio ser passa por pensar no ser do homem. Pensar no ser do homem é

verificar no homem essa abertura ao outro que não é ente:

“Para reunir, ao mesmo tempo, numa palavra, tanto a relação do ser com a

essência do homem, como também a referência fundamental do homem à

abertura (‘aí’) do ser enquanto tal, foi escolhido para o âmbito essencial, em

que se situa o homem enquanto homem, o nome ‘Dasein’”. (HEIDEGGER,

1973, p. 256)

Assim, a superação da metafísica precisa fazer a pergunta a respeito do “outro que não é

ente”, pois “Na medida em que, constantemente, apenas pensa o ente enquanto ente, a

metafísica não pensa o próprio ser.” (HEIDEGGER, 1973, p. 254).

Para a superação da metafísica é fundamental a pergunta: Que é metafísica? E o

desenvolvimento dessa questão desemboca na pergunta: “Por que é afinal ente e não muito

antes Nada” (HEIDEGGER, 1973, p. 260). Pergunta que não pode ser entendida com

referência ao nada que leva à nadificação simplesmente. Essa interpretação deu origem a uma

série de críticas ao texto de Heidegger. Antes a pergunta questiona: “de que depende o fato

de, em toda parte, apenas o ente ter a primazia, de não ser pensado antes o nada do ente, “este

nada”, isto é, o ser sob o ponto de vista de seu ser?” (HEIDEGGER, 1969, p. 56).

Heidegger considera que “o zelo contra a angústia e o nada” que manifestaram os que

discutiram a preleção Que é metafísica?, advém justamente de uma abordagem “ainda no

estilo tradicional de questionar a metafísica (...) conduzida casualmente pelo “porquê”, o

pensamento do ser é totalmente negado em favor do conhecimento representador do ente a

partir do ente” (HEIDEGGER, 1973, p. 261).

2.2.5. A FORÇA ILUMINADORA DA IMAGEM

Visto que para a superação da metafísica faz-se necessário superar a linguagem metafísica,

encontramos a imagem como uma forma de linguagem apropriada para pensar o ser. Mas

Heidegger havia questionado o uso que Jünger havia feito da imagem. Conforme citado

acima: “Em caso nenhum é a linha (...) algo que jaz diante do homem e que pode ser

ultrapassada” (HEIDEGGER, 1969, p.49). Sendo assim, qual o papel da imagem da linha?

Heidegger questiona, se o uso da imagem da linha é apropriado, para tornar visível a

superação do niilismo, mas por outro lado, pondera a respeito do valor dessa mesma imagem:

“(...) provavelmente qualquer imagem comporta tais dúvidas. Contudo elas (as dúvidas) não

30

são capazes de macular a força iluminadora de tais imagens, sua presença originária e

inelutável”.

Em seguida Heidegger observa que o modo como consideramos a essência do próprio pensar

é limitado: “Considerações de tal espécie apenas atestam quão pouco versados estamos no

dizer do pensamento e quão pouco conhecemos sua essência.” (HEIDEGGER, 1969, p. 58)

Já anteriormente Heidegger havia indicado que o pensar deve ir além dos limites da

linguagem metafísica: “a pergunta pelo ser do ser morre se ela não abandona a linguagem da

metafísica, porque a representação metafísica impede que se pense a pergunta pelo ser do ser”

(HEIDEGGER, 1969, p. 38). Segundo Heidegger “o pensamento e a poesia devem retornar lá,

onde, de certo modo, já sempre tinham estado, e, contudo, nada construíram” (HEIDEGGER,

1969, p. 60).

2.2.6. O RETORNO AO SER PELO PRÓPRIO PENSAR

Vimos acima que “Na medida em que, constantemente, apenas pensa o ente enquanto ente, a

metafísica não pensa o próprio ser.” (HEIDEGGER, 1973, p. 254), decorre que, não é

possível para a metafísica, por sua própria natureza, vir a “experimentar sua essência”.

Dito de outra forma, Heidegger verifica que “uma meditação suficiente e persistente chega a

convicção: a metafísica jamais proporciona por sua essência, ao habitar humano a

possibilidade de se estabelecer propriamente na paragem, isto é, na essência do esquecimento

do ser”.

De onde conclui que só resta para a metafísica o construir à margem do caminho. Não pode

ela mesma pretender referir-se ao ser ou a essência dos entes.

Nós contudo, somente podemos preparar o habitar naquela paragem através

do construir. A um tal construir quase não lhe é permitido pensar já na

edificação da casa para Deus e das moradas para os mortais. Ele deve

contentar-se em construir à margem do caminho (...) e que, por isso, permite

que percorramos e exploremos o que é conveniente e está destinado para

uma superação do niilismo. (HEIDEGGER, 1969, p. 60).

A metafísica “expressa necessariamente o ser (...). Mas a metafísica não leva o ser mesmo a

falar, porque não considera o ser em sua verdade e a verdade como desvelamento e este em

sua essência” (HEIDEGGER, 1973, p. 255).

31

Por essa limitação o pensamento não pode dizer diretamente o ser, mas não deixa de expressá-

lo necessariamente. Assim, o dizer o ser será por uma forma de pensamento diferenciado e “o

dizer desta espécie abre custosa e desajeitadamente caminho.” (HEIDEGGER, 1969, p. 60).

Assim, “o pensamento e a poesia devem retornar lá, onde, de certo modo já sempre tinham

estado, e, contudo nada construíram” (HEIDEGGER, 1969, p. 60). E nesse retorno o pensar

não mais se fixará em seus conteúdos mas se movimentará pela

multivocidade da palavra e de suas expressões. (...) de modo nenhum (...)

apenas pela simples acumulação de significados (...). Consiste num jogo, que

tanto mais amplamente se desenvolve, tanto mais rigorosamente se conduz

por oculta regra. (...). É por isso que o dizer permanece ligado à lei suprema

(HEIDEGGER, 1969, p. 60-61)

O dizer não será mais a expressão do pensamento mas será “o próprio pensamento, sua

marcha, seu canto” (HEIDEGGER, 1969, p. 61).

E nesse sentido Heidegger retorna ao pensamento de Jürgen e volta a reconhecer que ambas

as perspectivas estão em dependência recíproca. “Unidos, ambos estão comprometidos a não

abandonar o esforço e a exercitar o pensamento planetário num trecho, ainda muito reduzido

do caminho” (HEIDEGGER, 1969, p. 61).

Assim, conforme visto, Heidegger toma por objeto de reflexão a imagem da linha

representando o ponto máximo do niilismo. Entretanto, Heidegger reflete sobre a própria

linha e não mais sobre a transposição da linha do niilismo como havia feito Jünger. A reflexão

de Heidegger se desenvolve ao ponto de investigar a própria essência do niilismo, e indo além

reflete sobre a própria essência da metafísica. Heidegger também reflete sobre a possibilidade

do pensamento e da poesia nos reconduzirem de volta à essência da metafísica enquanto

retorno ao próprio ser. E defende que o retorno ao ser não se dá pelo conteúdo do pensamento,

mas sim pelo próprio pensar enquanto atividade que constrói ao longo do caminho.

Nesse percurso encontramos a necessidade, expressa por Heidegger, de investigar a própria

essência da metafísica. Nessa investigação, Heidegger questiona se a imagem da linha é

apropriada para tornar suficientemente intuitiva a zona do niilismo perfeito. Em seguida

Heidegger indica que, para a superação do niilismo não é possível construir um pensamento

dirigido unicamente aos seus próprios conteúdos. Não podendo expressar diretamente as

essências, o pensamento “deve contentar-se em construir à margem do caminho que conduz

de volta para a recuperação da metafísica”. Dessa forma “o dizer dessa espécie abre custosa e

32

desajeitadamente caminho” e “a multivocidade do dizer de nenhum modo se constitui pela

simples acumulação de significados”. E ainda, que a essência não é atingida pela expressão do

pensamento (pelos conteúdos pensados) senão pelo processo do pensamento, ou pelo “próprio

pensamento, sua marcha e seu canto”. Esse processo ocorre num jogo conduzido por “oculta

regra” que faz com que o pensamento se mantenha “ligado à lei suprema” (HEIDEGGER,

1969, p. 61).

2.3. O NADA E A MORTE

Comumente já associamos o nada à morte. Contudo a partir da análise de Heidegger passamos

a compreender essa relação à luz da estrutura ontológica do Dasein.

“Na angústia o Dasein se dispõe frente ao nada (grifo nosso) da possível impossibilidade de

sua existência” (HEIDEGGER, 1989, pp. 50).

Sendo que o homem (Dasein) é o único ente capaz de antecipar o fato de que vai morrer, e

sendo a morte “a passagem do Dasein para o não-mais-estar da-sein” (HEIDEGGER, 1989,

pp. 21). Cabe ao Dasein trazer à consciência o fato de que morre. “A morte é uma

possibilidade ontológica que o próprio Dasein tem de assumir” (HEIDEGGER, 1989, pp. 32).

Para compreender a relação do Dasein com a morte, segundo a análise de Heidegger, é

necessário ter em vista a tríplice estrutura do ser-no-mundo: “Estar-jogado é faticidade.

Projeto é existência. Decaída é articulação.” (STEIN, 2002, p. 68). Essa tríplice estrutura

descreve que o Dasein já parte de uma situação dada (estar jogado), a partir do que projeta sua

existência a partir das possibilidades que compreende de seu poder-ser. Por estar previamente

“jogado” o Dasein tem suas possibilidades previamente limitadas. E então, a partir da

compreensão das possibilidades o Dasein se articula com o mundo por meio da significação e

da linguagem e do discurso. Contudo essa articulação por meio da significação e do discurso

já se produz como uma “de-candência” (Verfallen) que é um “ser-junto-dos-entes-

intramundanos”. “Assim, existência, faticidade, articulação, são: ser –adiante –de-si-mesmo;

já-ser-no-mundo; ser-junto-dos-entes-intramundanos.” (STEIN, 2002, p. 68)

A relação cotidiana do Dasein com relação à morte se dá ordinariamente no modo da de-

cadência, em que a tendência é fugir da realidade da morte encobrindo-a:

Escapar da morte encobrindo-a domina, com tamanha teimosia, a

cotidianidade que, na convivência, os “mais próximos” freqüentemente

ainda convencem o “moribundo” que ele haverá de escapar da morte e,

33

assim, retornar à cotidianidade tranqüila de seu mundo de ocupações.

(HEIDEGGER, 1989, p. 36)

Contudo Heidegger identifica que o homem, para realizar sua essência autêntica, precisa estar

consciente da morte em um sentido próprio. De fato a relação do Dasein com a morte pode se

dar de modo próprio ou impróprio. Sendo que ser próprio ou impróprio se refere sempre à

essência do Dasein, ou seja, o que é próprio é próprio ao Dasein, a saber, é verdadeiro na

medida em que se refere à essência do Dasein. O que é impróprio é falso na medida que vela

a essência.

Enquanto ser-lançado no mundo, o Dasein já está entregue à

responsabilidade de sua morte. Sendo para sua morte, ele, de fato, morre

continuamente durante o tempo em que ainda não deixou de viver. O Dasein

morre de fato. Isso diz, ao mesmo tempo, que, em seu ser-para-a-morte ela já

se decidiu desse ou daquele modo, o escape de-cadente e cotidiano da morte

é um ser-para-a-morte impróprio. Impropriedade tem por fundamento uma

possível propriedade. Impropriedade caracteriza um modo de ser, no qual o

Dasein pode se extraviar e, na maior parte das vezes, sempre já se extraviou,

mas que não deve se extraviar continua ou necessariamente. Porque o

Dasein existe, ele se determina como o ente que ele é, a partir de uma

possibilidade que ele mesma é e compreende.

Pode o Dasein compreender também propriamente sua possibilidade mais

própria, irremissível e insuperável, certa e, como tal, indeterminada, ou seja,

pode ele se manter num ser-para-o-seu-fim em sentido próprio?

(HEIDEGGER, 1989, p. 42)

O sentido próprio de considerar a morte é justamente aquele que aproxima o Dasein com o

seu próprio ser. O sentido impróprio afasta o Dasein de si mesmo. Essa é a mesma relação

que já observamos na relação do homem com os entes que esquece o ser. Vimos acima na

análise de Que é Metafísica? que o homem foge para os entes. O homem foge do Nada (nada

do que seja ente) em direção ao que lhe é familiar junto aos entes. A mesma situação se

apresenta na relação com a morte. E, da mesma foram, o modo próprio de considerar a morte

deve passar também pela angústia.

É na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desentranha

para o Dasein de modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte

é a angústia “com” o poder-se mais próprio, irremissível e insuperável. O

próprio ser-no-mundo é aquilo com que ele se angustia. Não se deve

34

confundir a angústia com a morte com o temor de deixar de viver.

(HEIDEGGER, 1989, p. 33)

A disposição autêntica do Dasein deve ser aquela que a leve a considerar sua própria essência

e portanto deve incluir o seu ser-para-a-morte. Isso o Dasein não pode fazer por experiência.

A morte dos outros não é a própria morte e a própria morte não pode ser experimentada senão

no fim. Assim o próprio do Dasein é considerar a morte por antecipação.

Na antecipação da morte certa mas indeterminada, o Dasein se abre para

uma ameaça que sempre emerge de seu próprio pre-sente. O ser-para-o-fim

deve manter-se nessa ameaça e pode tão pouco apagá-la que, ao contrário,

ela é que deve construir a indeterminação da certeza do ponto de vista

existencial como é possível a abertura genuína dessa ameaça permanente?

Toda compreensão se dá numa disposição. O humor lança a pré-sença para o

“estar-lançado do fato de ser pre-sente”. A angústia, porém, é que permite

que se mantenha aberta a ameaça absoluta e contínua de si mesmo, que

emerge do ser mais próprio e singular do Dasein. Na angústia o Dasein se

dispõe frente ao nada (grifo nosso) da possível impossibilidade de sua

existência. (HEIDEGGER, 1989, pp. 49-50)

Contudo também faz parte da estrutura ontológica do Dasein a de-cadência a qual, conforme

visto, é um “ser-junto-dos-entes-intramundanos”. Para compreensão das possibilidades da de-

cadência é necessário ter em vista os aspectos da cotidianidade identificados por Heidegger,

relativos ao falatório, curiosidade e ambigüidade.

O falatório diz respeito à conversa cotidiana e refere-se à “dispensa a tarefa de uma

compreensão autêntica como também elabora uma compreensibilidade indiferente, da qual

nada é excluído” (HEIDEGGER, 1988, p. 229).

A curiosidade “busca apenas o novo a fim de, por ele renovada, pular para uma outra

novidade” (HEIDEGGER, 1988, p. 233).

Por fim a ambigüidade é o que permite que “tudo tenha sido compreendido, captado e

discutido autenticamente, quando, no fundo, não foi.” (HEIDEGGER, 1988, p. 234). Assim,

caracteriza-se a situação da cotidianidade:

O falatório abre para o Dasein, numa compreensão, o ser para o seu mundo,

para os outros e para consigo mesmo, mas de maneira a que esse ser para...

conserve o modo de uma oscilação sem solidez. A curiosidade abre toda e

qualquer coisa de maneira a que o ser-em esteja em toda parte e em parte

35

alguma. A ambigüidade não esconde nada à compreensão do Dasein, mas só

o faz para rebaixar o ser-no-mundo ao desenraizamento do em toda parte e

em parte alguma. (HEIDEGGER, 1988, p. 238)

Nessa situação da cotidianidade o Dasein não encontra as melhores condições para se dispor

de modo autêntico frente à questão da morte, e portanto é levado a afastar-se de seu próprio

ser. A fuga do seu ser-para-a-morte implica no afastamento de seu próprio ser. A maneira

como Heidegger investiga esse afastamento considera o próprio falatório, que se expressa

pelo impessoal.

A exposição do ser-para-a-morte mediano na vida cotidiana orienta-se pelas

estruturas da cotidianidade já explicitadas. No ser-para-a-morte, o Dasein

comporta-se com ele mesmo enquanto um poder-ser privilegiado-

Entretanto, o próprio da cotidianidade é o impessoal, constituído na

interpretação pública expressa no falatório. Este deve, portanto, revelar de

que modo o Dasein cotidiano interpreta para si o seu ser-para-a-morte.

(HEIDEGGER, 1989, p. 34)

Assim, o impessoal, ou interpretação pública do falatório, chega a atuar de maneira a afastar o

Dasein de seu próprio ser.

O impessoal não permite a coragem de se assumir a angústia com a morte. O

predomínio da interpretação pública do impessoal também já decidiu acerca

da disposição que deve determinar a atitude frente à morte. Angustiando-se

com a morte o Dasein é colocado diante da possibilidade insuperável, a cuja

responsabilidade ele está entregue. O impessoal se ocupa em reverter essa

angústia num temor frente a um acontecimento que advém. Ademais,

considera-se a angústia, que no temor se torna ambígua, uma fraqueza que a

segurança do Dasein deve desconhecer. Segundo esse decreto silencioso do

impessoal, o que “cabe” é a tranqüilidade indiferente frente ao “fato” de que

se morre. A elaboração dessa indiferença “superior” aliena o Dasein de seu

poder-ser mais próprio e irremissível. (HEIDEGGER, 1989, pp. 36-37)

Portanto, a fuga do Nada é o mesmo que a fuga do Dasein com relação ao seu ser-para-a-

morte. Em ambos os casos o ser é velado por meio de uma espécie de perder-se em direção ao

mundo.

Se a ambigüidade é o próprio do falatório, isso se dá, sobretudo, nessa fala

sobre a morte. A morte que é sempre minha, de forma essencial e

insubstituível, converte-se num acontecimento público, que vem de encontro

36

no impessoal. O discurso assim caracterizado fala da morte como um “caso”

que permanentemente ocorre. Ele propaga a morte como algo sempre “real”

mas lhe encobre o caráter de possibilidade e os momentos que lhe pertencem

de irremissibilidade e insuperabilidade. Com essa ambigüidade, o Dasein

adquire a capacidade de perder-se no impessoal, no tocante a um poder-ser

privilegiado, que pertence ao seu ser mais próprio. O impessoal dá razão e

incentiva a tentação de encobrir para si o ser-para-a morte mais próprio.

(HEIDEGGER, 1989, p. 35-36)

Contudo é essa fuga que tende a conduzir o Dasein para uma nulidade de fato, enquanto que o

antecipar conscientizando o ser-para-a-morte, aproxima o Dasein de seu próprio ser.

Tentação, tranqüilização e alienação caracterizam, porém, o modo de ser da

de-cadência. De-cadente, o ser-para-a-morte cotidiano é uma permanente

fuga dele mesmo. (...) na cotidianidade mediana, o que está em jogo no

Dasein é este poder ser mais próprio, irremissível e insuperável, conquanto

seja apenas no modo da ocupação de uma indiferença imperturbável frente a

possibilidade extrema de sua existência. (HEIDEGGER, 1989, p. 37).

Portanto podemos identificar dois modos de relação entre o nada e a morte.

Em um primeiro modo a relação entre a morte e o nada se dá em um sentido niilista, ou seja,

caracteriza-se por aquela relação em que o ser humano, ao dispersar-se, perdendo-se no

mundo das ocupações com os entes, e seguindo o falatório do impessoal, perde-se de sua raiz

e se vê conduzido a uma nadificação. Assim, paradoxalmente, fugindo da realidade da morte

o ser humano foge de si mesmo e de certa forma morre antecipadamente.

Em um segundo modo de relação entre a morte e o nada, o ser humano dirige-se à sua

verdade. De fato não se dirige, mas se abre à verdade, pois não depende do ente o desvelar,

mas isso advém do ser.

Contudo faz parte das possibilidades do Dasein o “querer-ter-consciência”, por via do clamor,

que pode resgatar o Dasein da perdição no impessoal.

Nesse contexto Heidegger se refere ao termo de-cisão (Entschlosenheit19). “A decisão

significa deixar-se conclamar a partir da perdição no impessoal” (HEIDEGGER, 1989, p. 89).

19

De acordo com a nota explicativa de Márcia de Sá Cavalcanti: “A palavra alemã é um derivado do verbo

schliessen que significa fechar, trancar. O prefixo ent acrescenta a idéia de um movimento em sentido

contrário e daí O significado de destrancar, abrir, Uma das modalidades de exercicio do Dasein é o destrancar-

se e abrir-se para... que, no tocante à dinâmica de si-mesmo, designa a experiência de determinação,

37

E esse conclamar se relaciona a consideração e compreensão do clamor em que, “A

compreensão do clamor é a escolha — não da consciência que, como tal, não pode ser

escolhida. Escolhido é o ter consciência enquanto ser-livre para o ser e estar em débito mais

próprio. Compreender a aclamação significa: querer-ter-consciência.” (HEIDEGGER, 1989,

p. 76).

Assim, o Dasein pode ter acesso a sua verdade se tomar consciência de seu nada, a saber que

não é fundamento de si próprio:

Sendo-fundamento, ou seja, existindo como lançado, o Dasein permanece

continuamente aquém de suas possibilidades. Ele nunca pode existir antes e

diante de seu fundamento mas sempre e somente a partir dele e enquanto

ele. Ser-fundamento diz, portanto, nunca poder se apoderar do ser mais

próprio em seu fundamento. Esse não pertence ao sentido existencial do

estar-lançado. Sendo fundamento, o próprio Dasein é um nada (grifo nosso)

de si mesmo. Nada (grifo nosso) não significa, em absoluto, não ser

simplesmente dado, não subsistir, mas o não constitutivo desse ser do

Dasein, de seu estar-lançado. O caráter desse não determina-se,

existencialmente, da seguinte maneira: sendo si-mesmo, o Dasein é o ente

que está- lançado enquanto si mesmo. Não por si mesmo, mas em si mesmo

solto desde seu fundamento para ser enquanto esse fundamento. O Dasein

não é o fundamento de seu ser porque este fundamento resultaria do próprio

projeto. Mas enquanto ser si-mesmo, ela é o ser do fundamento. Esse é

sempre e apenas fundamento de um ente cujo ser tem de assumir ser-

fundamento. (HEIDEGGER, 1989, p. 72)

Essa consciência de não ser seu próprio fundamento é um tomar consciência de seu débito.

Nessa tomada de consciência o Dasein está aberto para o seu ser originário.

A abertura do Dasein subsistente no querer-ter- consciência é constituída,

portanto, pela disposição da angústia, pela compreensão enquanto projetar-se

para o ser e estar em débito mais próprio e pelo discurso enquanto

silenciosidade. Chamamos de de-cisão essa abertura privilegiada e própria,

testemunhada pela consciência no próprio Dasein, ou seja, o projetar-se

silencioso e prestes a angustiar-se para o ser e estar em débito mais próprio.

resolução. Para exprimir toda essa envergadura de sentido, a tradução se valeu do processo semelhante

designado pela palavra de-cidir, de-cisão cujo sentido primordial se constrói em torno do movimento de

arrancar, separar (scindere)”. (HEIDEGGER, 1989, p. 259)

38

A de-cisão é um modo privilegiado de abertura do Dasein. A abertura já foi

interpretada, existencialmente, como verdade originária. (HEIDEGGER,

1989, p.86)

É assim que por meio do clamor o Dasein abre-se a possibilidade de que não seja arrastada

indefinidamente pelo falatório. Mas para isso é necessário que permaneça consciente da sua

realidade enquanto ser-para-a-morte. O que é possível pelo menos, naquela atitude já referida

acima de uma “ocupação de uma indiferença imperturbável frente a possibilidade extrema de

sua existência. (HEIDEGGER, 1989, p. 37). Nessa ocupação não faltará a objeção do mundo

cotidiano que não pode escutar o clamor.

O discurso silencioso da consciência aproveita a oportunidade da

interpretação comum da consciência, a que se “atém rigorosamente aos

fatos”, para evidenciar como a consciência não pode ser algo constatável e

nem simplesmente dado. O fato de o impessoal, que apenas escuta e

compreende a algazarra do falatório, não poder “constatar” nenhum clamor é

então atribuído à consciência com a justificativa de que ela é “muda” e

manifestamente não é um simples dado. Com esta interpretação, o impessoal

encobre apenas a sua própria impossibilidade de dar ouvidos ao clamor e a

curta amplitude de sua “escuta”. (HEIDEGGER, 1989, p.86)

3. O NADA, FUNDAMENTO E VERDADE

3.1. ALÉM DA LÓGICA, O NADA

Heidegger observou que para pensar o ser não é possível que o pensamento fique restrito às

leis da lógica, pois a lógica “é apenas uma das explicações da essência do pensamento”

(HEIDEGGER, 1973, p. 247). O pensamento lógico já parte da perspectiva de pensar o ente,

tomando-o por um objeto que será analisado. Sendo assim a lógica não é um pensamento

capaz de pensar o ser, pois o ser não pode ser tido como um objeto. Se assim fosse não se

estaria mais falando do ser mas de um ente. Estaríamos tomando o ser por um ente em

especial, tal como fez a filosofia: “As coisas são interpretadas desde Aristóteles, em sua

estrutura íntima, pelas categorias, e também o homem é abordado com as mesmas estruturas

categoriais” (STEIN, 2002, p. 49). “(..) assumem-se conceitos da filosofia tradicional, dos

gregos até hoje, sem penetrar-lhes o sentido, como simples etiquetas” (STEIN, 2002, p. 65).

Sendo o ser o outro que não o ente, não se faz possível a referência ao ser com o uso das

categorias e, portanto, com o uso da lógica.

39

É comum se pensar que um pensamento exato é o mais rigoroso. Parece ser assim, justamente

pelo domínio do tipo de pensamento que objetiva o ente para dominá-lo “(...) o pensamento

exato se prende unicamente ao cálculo do ente e a este serve exclusivamente. Qualquer

cálculo reduz todo o numerável ao enumerado, para utilizá-lo em sua enumeração”

(HEIDEGGER, 1987, p.247). Ou seja, a lógica se presta ao domínio dos entes e ao fazê-lo,

não considera mais nos entes o seu ser.

O pensamento calculador submete-se a si mesmo à ordem de tudo dominar a

partir da lógica de seu procedimento. Ele não é capaz de suspeitar que todo o

calculável do cálculo já é, antes de suas somas e produtos calculados, num

todo cuja unidade, sem dúvida, pertence ao incalculável que se subtrai a si e

sua estranheza das garras do cálculo. O que, entretanto, em toda parte e

constantemente, se fechou de antemão às exigências do cálculo e que,

contudo, já a todo momento, é em sua misteriosa condição de desconhecido,

mais próximo do homem que todo ente, no qual ele se instala a si e a seus

projetos, pode de tempos em tempos, dispor a essência do homem para um

pensamento cuja verdade nenhuma “lógica é capaz de compreender”.

(HEIDEGGER, 1987, p.248).

Assim, mesmo no cálculo, há o ser do calculável que pertence ao incalculável. O homem

quando objetiva os entes coloca como mediação os conceitos e categorias. Mas o ser do ente

está mais próximo do homem que todo ente, assim como o incalculável está mais próximo do

homem do que o calculável. Se o homem se relaciona de maneira mediada com o calculável

através do cálculo, por outro lado o homem se relaciona diretamente ao incalculável pois é

próprio do homem saber a princípio que o ente é.

Assim Heidegger denomina “pensamento fundamental” os pensamentos que são determinados

pelo “outro do ente”. E como característica desse pensamento está que ele não violenta, tal

como faz o pensamento calculador ao submeter seu objeto. Ao contrário, o pensamento

fundamental irá captar a verdade mesma do ser .

“O pensamento essencial presta atenção aos lentos sinais do que não pode ser calculado e nele

reconhece o advento do inelutável, que não pode ser antecipado pelo pensamento.”

(HEIDEGGER, 1987, p.249).

E é esse mesmo pensamento originário que faz surgir a linguagem.

O pensamento originário é o eco do favor do ser pelo qual se ilumina e pode

ser apropriado o único acontecimento: que o ente é; Este eco é a resposta

40

humana à palavra da voz silenciosa do ser. A resposta do pensamento é a

origem da palavra humana; palavra que primeiramente faz surgir a

linguagem como manifestação da palavra nas palavras. (HEIDEGGER,

1987, p.248).

Desse modo o pensamento originário não usa de violência, ou seja, não submete para dominar

e não reduz o ser ao mero ente. Ao contrário, “(...) dócil à voz do ser, procura encontrar-lhe a

palavra através da qual a verdade do ser chegue à linguagem” (HEIDEGGER, 1987, p.249)

Para ser fiel ao ser, o homem faz um tipo de sacrifício. “O sacrifício é a despedida do ente em

marcha para a defesa do favor do ser.” (HEIDEGGER, 1987, p.248).

Desse modo o homem utilizará uma linguagem para além da lógica na medida em que se

colocar em uma posição além do ente, ou em outras palavras, no nada de ente. Conforme já

referido acima, é o sentimento angústia que propicia ao homem afastar-se dos entes:

Um dos lugares fundamentais em que reina a indigência da linguagem é a

angústia, no sentido do espanto, no qual o abismo do nada dispõe o homem.

O nada, enquanto o outro do ente, é o véu do ser. No ser já todo o destino do

ente chegou originariamente à plenitude (HEIDEGGER, 1987, p.249)

Entre as obras importantes para a compreensão da passagem da linguagem comum para a

linguagem poética, destacam-se Sobre a essência do fundamento e Sobre a essência da

verdade. “O tratado Sobre a Essência do Fundamento surgiu no ano de 1928 simultaneamente

com a preleção Que é Metafísica?. Esta reflete sobre o nada, aquela nomeia a diferença

ontológica”. (HEIDEGGER, 1973, p.293).

A respeito do texto A Essência da Verdade20, diz Ernildo Stein: “Nele apontam os primeiros

sinais da viravolta (Kehre21). Enquanto marco inicial da passagem do primeiro ao segundo

Heidegger, tornou-se o necessário ponto de referência para o desbravador desta enigmática

região do pensador” (HEIDEGGER, 1973, p. 327).

Verificamos que o nada participa tanto da essência do fundamento como da essência da

verdade.

20

“A primeira edição deste trabalho foi impressa em 1943. Encerra o textos, diversas vezes revisto, de uma

conferência pública que, sobre o mesmo título, foi repetidas vezes proferida, desde 1930.” (HEIDEGGER, 1973,

p. 325).

21 Vide nota na introdução desta dissertação.

41

3.2. NADA E FUNDAMENTO

Com relação à Sobre a Essência do Fundamento o prefácio à terceira edição (1949) é bastante

direto com relação ao nada, procurando distinguir o nada enquanto o não do ente, (focalizado

principalmente em Que é Metafísica?), e o nada enquanto o não que está entre o ente e ser,

que é designado por diferença ontológica (focalizada em Sobre a Essência do Fundamento).

Assim, conforme o referido prefácio:

O nada é o não do ente, e, deste modo, o ser experimentado a partir do ente.

A diferença ontológica é o não entre ente e ser. Mas, assim como ser,

enquanto o não com relação ao ente, não é um nada no sentido do nihil

negativum, tampouco é a diferença, enquanto o não entre ente e ser, somente

o produto de uma distinção do entendimento (ens rationis).

Aquele não nadificante do nada e este não nadificante da diferença não são,

certamente da mesma espécie, mas sim o Mesmo no sentido daquele que se

copertencem no essenciante do ser do ente.22 Este Mesmo é o digno de ser

pensado, que ambos os escritos, sustentados por propósitos distintos23,

procuram aproximar de uma determinação, sem lhe estarem à altura.

(HEIDEGGER, 1973, p. 293)

Em Sobre a Essência do Fundamento, Heidegger parte da constatação de que o fundamento é

tradicionalmente relacionado ao princípio da razão. “(...) através de Leibniz o problema do

fundamento é conhecido na forma da questão do principium rationis sufficientis.”

(HEIDEGGER,1973, p.298). Mas, paradoxalmente, esse mesmo princípio, então, parece

desviar o problema que seria focado por uma investigação que se interessasse em saber o que

é essencialmente o fundamento. “O ‘princípio da razão’ parece, como um ‘princípio

supremo’, recusar de antemão algo tal como problema do fundamento. É, porém, então, o

‘princípio da razão’ um enunciado sobre o fundamento como tal? (HEIDEGGER, 1973,

p.297). 22

Na edição utilizada (HEIDEGGER, 1973, p.293), há um erro gráfico na décima linha do prefácio. Na citada

edição, está linha foi substituída por uma repetição da segunda linha do prefácio. Erro ocasionado

provavelmente pelo fato de que o início da linha ser composto pelo sufixo “mente”. Dessa forma nos

socorremos de uma outra edição em espanhol de onde utilizamos e traduzimos o trecho “(...) no son, por

cierto, de la misma espécie, pero sí lo Mismo em el sentido de aquello que se copertence em lo esenciante del

ser del ente. Este Mismo es lo digno de pensarse (...)”(HEIDEGGER, 1968, p.7).

23 Na tradução de Ernildo Stein encontramos “propositalmente mantidos separados” (HEIDEGGER, 1973,

p.293), e na edição espanhola “sostenidos por distinto propósito” (HEIDEGGER, 1968, p.7) que estou

traduzindo como “sustentados por distintos propósitos”.

42

Avançando na investigação, Heidegger verifica que normalmente quando se pretende analisar

o ente, as ciências partem de princípios que têm por fundamento o princípio da razão. Busca

então no ente suas razões. “A proposição enuncia sobre o ente e isto do ponto de vista de algo

como razão (fundamento)” (HEIDEGGER, 1973, p.297). Contudo essa é uma abordagem dita

ôntica, que se diferencia de uma abordagem ontológica, essa última pretendendo investigar o

ser do ente. “Verdade ôntica e verdade ontológica sempre se referem, de maneira diferente, ao

ente em seu ser e ao ser do ente.” (HEIDEGGER, 1973, p.300).

A verdade ôntica, e aparentemente a verdade propriamente dita, é “determinada como verdade

proposicional, isto é, como ‘união da representação’” (HEIDEGGER, 1973, p.299). Essa

união da representação pode se dar por conceitos e por formulações que atribuem ao sujeito

um predicado, e pode também ser efetivada por uma vivência mais direta com o ente mesmo.

No caso da vivencia mais direta a mesma traduz-se em um conhecimento ante-predicativo.

Contudo, tanto o conhecimento ante-predicativo como o conhecimento predicativo não se têm

acesso ao ser do ente.

O conhecimento predicativo reduz o ente a conceitos e seria necessário o prévio

conhecimento do ser do ente para “estimar de que maneira restritiva e, em cada caso,

delimitadora a partir de um ponto de vista, os conceitos fundamentais das ciências atingem o

ser” (HEIDEGGER, 1973, p.300).

No caso do conhecimento ante-predicativo:

A revelação ôntica mesma (...) acontece num sentir-se situado em meio ao

ente, marcado pela disposição de humor, pela impulsividade e em

comportamentos em face do ente, tendências e volitivos que se fundam

naquele sentimento de situação. (HEIDEGGER, 1973, p.299)

Assim, tanto na situação em que o ente é conhecido por meio de representações em que se

indica ao sujeito um predicado, como na situação ante-predicativa, de uma vivência mais

imediata de contato direto com o ente, nessas duas condições ainda assim não se trata de

conhecer o ser do ente. O ser do ente só é dado a conhecer por um prévio desvelamento24 a

nível da verdade, não ôntica mas ontológica25:

24

A condição de verdade como o “desvelar” Heidegger encontra já com os gregos na palavra άλήθεια

(alétheia). Transcrevemos um trecho da preleção Parmênides/Heráclito proferida no inverno de 1942/1943,

visando ilustrar o modo como Heidegger investigou nos gregos o conceito de verdade: “Na nossa tentativa de

uma clarificação preparatória da essência de άλήθεια e, portanto, da experiência grega da essência da verdade,

elucidamos até agora as palavras άληθές, desencoberto, o que descobre ψευδος, o que dissimula, falsum, “o

43

(...), mesmo estes comportamentos não seriam capazes de tornar acessível o

ente em si mesmo, interpretados como antepredicativos ou como

predicativos, se sua ação reveladora não fosse sempre antes iluminada e

conduzida por uma compreensão do ser (constituição do ser: que-ser e como-

ser) do ente. Desvelamento do ser é o que primeiramente possibilita o grau

de revelação do ente. Este desvelamento como verdade sobre o ser é

chamado verdade ontológica.” (HEIDEGGER, 1973, p.299)

E ainda mais, sendo o Dasein capaz de distinguir entre a abordagem ôntica e a abordagem

ontológica, essa mesma capacidade está relacionada ao próprio fundamento do Dasein: “o

elemento característico do Dasein reside no fato de se relacionar com o ente compreendendo

o ser, então o poder distinguir, em que a diferença ontológica se torna fática, deve ter lançado

a raiz de sua própria possibilidade no fundamento da essência do Dasein. A este fundamento

da diferença ontológica designamos, já nos antecipando, transcendência do Dasein.”

(HEIDEGGER, 1973, p.300).

Essa transcendência está relacionada à capacidade do Dasein ultrapassar o ente mesmo, e

abordá-lo já com uma intencionalidade prévia. “Se se caracterizar todo o comportamento para

com o ente como intencional, então a intencionalidade é somente possível sobre o fundamento

da transcendência” (HEIDEGGER, 1973, p. 300).

A partir daí a investigação sobre o fundamento, além de estar necessariamente ligada à

essência da verdade, estará sempre relacionada à essência da transcendência:

Se porém, a essência do fundamento possui uma relação interna com a

essência da verdade, então também o problema do fundamento somente pode

que leva à ruína” e daí, também a própria palavra “falso”. Com isso foram preenchidas as principais condições

para podermos reconhecer o estado de coisas da palavra άληθές, isto é, verum, e como está, antes de tudo

com a palavra alemã para άλήθεια, isto é verdade (...)” (HEIDEGGER, 2008, p. 74)

25 “Não há dúvida, os termos ‘ontologia’ e ‘ontológico’ são multívocos, e de tal maneira que, justamente,

escondem o problema propriamente dito de uma ontologia. Lógos do ón significa: o interpelar (legein) do ente

enquanto ente, significa porém, ao mesmo tempo o horizonte (woraufhin) em direção do qual o ente é

interpelado (legómenon). Interpelar algo enquanto alto não significa ainda necessariamente: compreender o

assim interpelado em sua essência. A compreensão do ser (lógos num sentido bem amplo), que previamente

ilumina e orienta todo o comportamento para com o ente, não é nem um captar o ser como tal, nem um

reduzir ao conceito o assim captado (lógos no sentido mais estrito – conceito ‘ontológico’).A compreensão do

ser, ainda não reduzida ao conceito, designamos, por isso, compreensão pré-ontológica ou também ontológica

no sentido mais amplo. Conceituar o ser pressupõe que a compreensão do ser se tenha elaborado a si mesma e

que tenha transformado propriamente em tema e problema o ser nela compreendido, projetado em geral e de

alguma maneira desvelado. (...) (HEIDEGGER, 1973, p.299).

44

residir lá onde a essência da verdade haure sua possibilidade interna, na

essência da transcendência. A questão da essência do fundamento

transforma-se no problema da essência da transcendência. (HEIDEGGER,

1973, p. 301).

A partir daí a investigação sobre o fundamento, além de estar necessariamente ligada à

essência da verdade, estará sempre relacionada à essência da transcendência.

E analisando a natureza da transcendência, ou ultrapassagem de que é capaz o Dasein,

Heidegger constatará que o Dasein, exerce a transcendência de maneira intrinsecamente

ligada a sua própria natureza ou essência.

O Dasein já sempre exerce a transcendência para com o ente, e para o próprio ente de si

mesmo. Contudo essa transcendência não ser caracteriza por um ultrapassar algo no sentido

que um sujeito ultrapassa um objeto. A diferenciação de sujeito e objeto advém de conceitos

que não permitem a verificação ontológica da essência do fundamento. Na fenomenologia

heideggeriana de fato, a ultrapassagem se refere ao ultrapassar o ente enquanto tal.

(...) não se deixa também a transcendência determinar mais como “relação

sujeito-objeto”. Mas então o Dasein transcendente (expressão tautológica)

não ultrapassa nem uma ‘barreira’ posta diante do sujeito, obrigando-o

primeiro a permanecer dentro de si (imanência), nem um “precipício” que

separa o sujeito do objeto. Os objetos – os entes objetivados – também não

são, porém, aquilo em direção do que (horizonte) se dá a ultrapassagem. O

que é ultrapassado é justamente unicamente o ente mesmo, e, na verdade,

cada ente que pode tornar-se ou já está desvelado para o Dasein, por

conseguinte, também e justamente o ente que é “ele mesmo” enquanto

existe. (HEIDEGGER, 1973, p. 301).

Clarificando a essência da transcendência, Heidegger pôde continuar a busca da essência do

fundamento. Ele havia visto que o fundamento relacionado ao ser não é da natureza de uma

proposição a respeito do ente ou de uma vivência do sujeito com o ente, mas implica em uma

capacidade de passar para além do ente. Já antes de ser abordado por uma qualificação, um

conceito ou uma postura de relacionamento experiencial direto, o Dasein é movido por uma

intencionalidade que já indica um conhecimento prévio do ser do ente. Essa intencionalidade

indica que o Dasein transcende o ente. Heidegger investiga então “Em que medida reside na

transcendência a possibilidade interna para algo tal como fundamento geral?” (HEIDEGGER,

1973, p. 317).

45

O Dasein só pode (...) ser para si como para si mesmo, se “se” ultrapassa no

em-vista-de. A ultrapassagem com caráter de em-vista-de somente acontece

numa “vontade”, que como tal se projeta sobre possibilidades de si mesmo.

(...). Aquilo, entretanto, que, segundo sua essência, antecipa projetando algo

tal em-vista-de em geral e não o produz também como eventual resultado de

um esforço, é o que chamamos liberdade. A ultrapassagem para o mundo é a

própria liberdade. (HEIDEGGER, 1973, p. 317).

A liberdade fica então identificada como o que antecede o próprio fundamento. “A relação

originária da liberdade com o fundamento, nós a denominamos o fundar” para o qual

Heidegger identifica três modos: “1. O fundar como erigir. 2. O fundar como tomar-chão. 3.

O fundar como fundamentar.” (HEIDEGGER, 1973, p. 318).

Mesmo não sendo possível distinguir os modos do fundar como uma sucessão, eles implicam

em três aspectos de um mesmo ato que compõe: 1. “O projeto do em-vista-de”, em que o

Dasein tem por referência a totalidade do ente e das possibilidades; 2. “O tomar chão”, em

que o Dasein se une ao ente e às suas limitações, e; 3. “O fundar como fundamentar”, em que

o Dasein busca as razões.

O terceiro modo do fundar decorre dos dois anteriores, uma vez que no primeiro modo o

projetar-se se dá sem limitações e no segundo modo, o estar ocupado com o ente só pode se

dar de maneira limitada. A não conformação do Dasein com os limites impostos pela relação

com o ente o levam a questionar e buscar o fundamento no sentido do questionamento das

razões. E portanto:

“O fundar que erige antecipa, como projeto de mundo, possibilidades da

existência. Existir significa sempre: situado em meio ao ente, comportar-se

em face dele – do ente que não possui o caráter do Dasein, de si mesmo e de

seu semelhante – de tal maneira que neste comportamento situado sempre

esteja em mira o poder-ser do Dasein. No projeto de mundo é dado um

excesso do possível, em vista do qual e no ser perpassado pelo imperar do

ente (real), que de todos os lados nos cerca no sentimento de situação brota o

porquê.” (HEIDEGGER, 1973, p. 320).

O terceiro modo do fundar é que está ligado à possibilidade da investigação do ente. É o

fundamento da pesquisa sobre o ente: “(...) o fundar como fundamentar. Neste a

transcendência do Dasein assume a possibilitação da revelação do ente em si mesmo, a

possibilidade da verdade ôntica” (HEIDEGGER, 1973, p. 320).

46

Assim Heidegger também consegue identificar o fundamento do “princípio da razão do ente”,

o qual ele havia dito, não se refere ao conhecimento ontológico mas, somente se atém à

verdade ôntica. Contudo, a abordagem tradicional não somente se atém ao ente mas acaba

impedindo a própria investigação ontológica, a saber, a cerca do ser do ente e com respeito à

essência do fundamento.

“Conforme sua forma e papel tradicionais, o princípio da razão ficou

prisioneiro da exteriorização (...). Pois também o proclamar uma proposição

como “princípio” e, porventura, juntá-la com o princípio de identidade e o de

não contradição ou mesmo deduzi-lo não conduz para a origem, mas se

assemelha a um corte de todo o questionamento posterior” (HEIDEGGER,

1973, p.322).

Mas por outro lado, para seja possível a referência ao ente, até mesmo para lhe perguntar

sobre seu princípio é necessário uma atitude prévia que já considera que o ente deveria ser

questionado sobre seu princípio.

“(...) tornou-se claro, no que se refere ao princípio da razão, que o ‘lugar de

origem’ deste princípio não está, nem na essência da enunciação, nem na

verdade da proposição, mas na verdade ontológica, isto, porém, quer dizer,

na própria transcendência. A liberdade é a fonte do princípio do fundamento;

pois nela, na unidade de excesso e privação, se funda o fundamentar que se

configura como verdade ontológica” (HEIDEGGER, 1973, p.322).

E ainda “A liberdade como transcendência não é, contudo, apenas uma “espécie” particular de

fundamento, mas a origem do fundamento em geral. Liberdade é liberdade para o

fundamento” (HEIDEGGER, 1973, p.318)

A liberdade assim referida não diz respeito à idéia do senso comum, de uma arbitrariedade do

sujeito, mas se caracteriza por uma característica inerente do Dasein, que é capaz de

ultrapassar a sí mesmo. Nessa ultrapassagem caracteriza-se a liberdade, o que já estava

referido no texto Que é Metafísica?:

Dasein quer dizer: estar suspenso dentro do nada.

Suspendendo-se dentro do nada o Dasein já sempre está além do ente em sua

totalidade. Este estar além do ente designamos a transcendência. Se o

Dasein, nas raízes de sua essência, não exercesse o ato de transcender, e isto

expressamos agora dizendo: se o Dasein não estivesse suspenso previamente

47

dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o ente e, portanto,

também não consigo mesmo.

Sem a originária revelação do nada não há ser-si-mesmo, nem liberdade.

(HEIDEGGER, 1973, p. 239).

Esse texto pode ser então comparado agora com o trecho de Sobre a Essência do

Fundamento, que sem o dizer está se referindo ao nada do ente:

A liberdade é a razão do fundamento (o fundamento do fundamento). Isto,

sem dúvida, não no sentido de uma “iteração” formal sem fim. O ser-

fundamento da liberdade não possui – isto facilmente se está tentado a

pensar – um caráter de um dos modos de fundar, mas se determina como a

unidade fundante da distribuição transcendental do fundar. Enquanto este

fundamento, porém, a liberdade é o abismo (sem fundamento) do Dasein.

Não que o comportamento individual livre seja sem razão de ser (grundlos);

mas a liberdade situa, em sua essência como transcendência, o Dasein como

poder-ser diante de possibilidade, que se escancaram diante de sua escolha

finita, isto é, que se abrem em seu destino. (HEIDEGGER, 1973, p. 323).

Contudo o Dasein não deixa de se refugiar no seio dos entes, conforme dito em Que é

Metafísica?:

E, contudo, é este constante, ainda que ambíguo desvio do nada, em certos

limites, seu mais próprio sentido. Ele, o nada em seu nadificar, nos remete

justamente ao ente. O nada nadificada ininterruptamente sem que nós

propriamente saibamos algo desta nadificação pelo conhecimento no qual

nos movemos cotidianamente. (HEIDEGGER, 1973, p. 239).

O que é explicado pelo próprio fundar no texto Sobre a Essência do Fundamento:

Pelo fato de brotar da liberdade finita do Dasein, por isso pode o Dasein, em

suas legitimações fáticas e justificações, desembaraçar-se das “razões”,

sufocar o apelo a elas, transtorná-las e encobri-las. Em conseqüência desta

origem da fundamentação e, por conseguinte, também da legitimação, fica,

em cada situação, entregue à liberdade, até que ponto a legitimação é

exercida e se ela consente na fundamentação propriamente dita, isto é, no

desvelamento de sua possibilidade transcendental. (HEIDEGGER, 1973, p.

320-321).

Da mesma forma que Heidegger investigou a essência do fundamento, também investigou a

essência da verdade. Ele já havia apontado o “entrelaçamento de verdade, fundamento,

48

transcendência” (HEIDEGGER, 1973, p.301). Verificamos que a essência do fundamento se

relaciona de forma imediata ao tema do nada tratado nesta dissertação. Da mesma forma,

abaixo pudemos relacionar o nada ao texto sobre a essência da verdade conforme está exposto

a seguir.

3.3. NADA E VERDADE

Iremos adiantar que, tal como vimos no estudo da essência sobre o fundamento, também o

texto Sobre a Essência da Verdade guarda relação com o nada referido pela presente

dissertação. Mesmo que Heidegger não explicite a palavra “nada” no texto, podemos verificar

que se trata ainda e novamente do mesmo nada apresentado no texto Que é Metafísica?. Ou

seja, resumidamente, Heidegger irá verificar que tal como no caso da essência do fundamento,

também a essência da verdade está na liberdade, caracterizada pela possibilidade do Dasein

ultrapassar-se e ir além do ente. Nesse ultrapassar-se e ir além do ente o Dasein se coloca em

um abismo (aquilo que é sem fundamento), o que em outras palavras é estar no nada. É o

nada que se situa além do ente. É o nada do que seja ente. Somente com a possibilidade desse

afastamento fica possibilitada a alétheia, ou desvelamento da verdade do ente. “O entregar-se

ao caráter de ser desvelado não quer dizer perder-e nele, mas se desdobra num recuo diante do

ente a fim de que este se manifeste naquilo que é e como é (...) (HEIDEGGER, 1973, p.336).

Isso se porque, ao contrário da concepção comum, a essência da verdade de fato não pode ser

tida como o “acordo da coisa dada com seu conceito essencial” (HEIDEGGER, 1973, p.332)

ou de modo mais amplo, uma conformidade entre uma enunciação e a coisa. Ou seja, ao

analisar a essência da verdade Heidegger questiona “a atribuição tradicional e exclusiva da

verdade à enunciação, tida como único lugar essencial da verdade” (HEIDEGGER, 1973,

p.334).

Antes de ser uma enunciação, a essência da verdade está na possibilidade de que seja feita a

tal enunciação. Essa possibilidade somente se apresenta pelo fato de que o Dasein ultrapassa o

ente e, desse modo, possibilita a abertura para com o ente. “(...) somente pela abertura que o

comportamento mantém se torna possível a conformidade da enunciação, então aquilo que

torna possível a conformidade possui um direito mais original de ser considerado como

essência da verdade” (HEIDEGGER, 1973, p.334).

A liberdade se revela o fundamento da verdade, pois a liberdade é que é o fundamento

(possibilita) o abandono do Dasein ao ente tal como o mesmo se apresente. Em essência, “a

liberdade é o abandono ao desvelamento do ente como tal.” (HEIDEGGER, 1973, p.337). “A

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liberdade em face do que se revela no seio do aberto deixa que cada ente seja o ente que é”

(HEIDEGGER, 1973, p.336). É graças à liberdade que o homem se coloca sem pressupostos

diante do ente. Liberdade entendida não como “o arbítrio humano que dispõe da liberdade”,

mas como a liberdade que “possui o homem, e isso tão originariamente que somente ela

permite a uma humanidade inaugurar a relação com o ente em sua totalidade (...)”

(HEIDEGGER, 1973, p.337).

A liberdade assim compreendida, como deixar-se do ente, realiza e efetua a

essência da verdade sob a forma do desvelamento do ente. A “verdade” não

é uma característica de uma proposição conforme, enunciada por um

“sujeito” relativamente a um “objeto” e que então “vale” não se sabe em que

âmbito; a verdade é o desvelamento do ente graças ao qual se realiza uma

abertura. (HEIDEGGER, 1973, p.337)

“A essência da verdade se desvelou como liberdade” (HEIDEGGER, 1973, p.338). Contudo,

clarificando ainda mais a essência da verdade, Heidegger constata que “(...) na medida em que

o deixar-ser sempre deixa o ente, a que se refere, ser, em cada comportamento individual, e

com isso o desoculta, dissimula ele o ente em sua totalidade. (HEIDEGGER, 1973, p.337)

Ou seja, o desocultar do ente, individualizado e circunstanciado está, portanto, destacado do

ente considerado em sua totalidade. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a liberdade deixa-

ser o ente tal como o ente se apresenta, e o desvela sob certo aspecto, ao mesmo tempo não o

desvela totalmente, pois o ente em sua totalidade não é focalizado. Por isso diz Heidegger: “O

deixar-ser é, em si mesmo, simultaneamente uma dissimulação. Na liberdade ek-sistente do

Dasein acontece a dissimulação do ente em sua totalidade, é o velamento”.

Conforme Heidegger aprofunda a análise ele nos mostra que de fato, o velamento precede o

desvelamento. Quanto o Dasein deixa-ser o ente tal como se apresenta, e assim desvela o

ente, já antes está implícito que havia antes o velamento. “O velamento do ente em sua

totalidade, a não–verdade original, é mais antiga do que toda a revelação de tal ou tal ente”

(HEIDEGGER, 1973, p.339).

Para Heidegger “a não-verdade pertence à própria essência da verdade” (HEIDEGGER, 1973,

p.339). A não-verdade, não é o que comumente (e a partir de uma abordagem superficial) se

atribui a uma não conformidade entre o enunciado e a coisa referida. Como foi visto acima, o

que está sendo analisado é a essência da verdade, ou seja o fundamento da mesma. Do mesmo

modo que a essência da verdade não pode ser tida como a conformidade de uma enunciação,

do mesmo modo, a essência da não-verdade não se refere à não conformidade. Mas de modo

50

diverso, a essência da não-verdade é o não-desvelamento. E assim entendido velamento é algo

que antecede tanto ao desvelamento como ao não desvelamento. “O velamento é, então,

pensado a partir da verdade como desvelamento, o não-desvelamento e, desta maneira, a mais

própria e mais autêntica não-verdade pertence à essência da verdade.” (HEIDEGGER, 1973,

p.339).

É nesse sentido que “O velamento recusa o desvelamento à alétheia.” (HEIDEGGER, 1973,

p.339). O que ocorre é sempre um desvelamento parcial. Como visto, o Dasein, ao mesmo

tempo em que desvela o ente, simultaneamente está dissimulando o ente. O ente

circunstanciado, tal como se apresenta, é desvelado, e no mesmo ato, esse mesmo

desvelamento é causa do velamento do ente em sua totalidade.

Há, portanto, sempre o domínio do mistério. É intrínseco ao desvelar manter uma parte

velada. Assim, o máximo de verdade deve considerar inclusive esse mistério, que faz parte da

própria natureza do desvelar. “O que preserva o deixar ser nesta relação com a dissimulação?

Nada menos que a dissimulação do ente como tal, velado em sua totalidade, isto é o mistério.”

(HEIDEGGER, 1973, p.339).

Contudo ainda ocorre um fenômeno extra, que se verifica na dissimulação da dissimulação.

Ou seja, o Dasein, ao desvelar o ente e manter velado (dissimular) o ente em sua totalidade,

dissimula ainda o fato de que permanece o mistério referido ao que não está sendo desvelado.

O Dasein deixa de perceber o caráter parcial do desvelar. “(...) esta relação com a

dissimulação se esconde a si mesma nesta relação enquanto dá primazia a um esquecimento

do mistério e nele desaparece.” (HEIDEGGER, 1973, p.339)

Nesse ponto Heidegger toca na origem da errância:

Enquanto o mistério se subtrai retraindo-se no esquecimento e para o

esquecimento, leva o homem historial a permanecer na via corrente e

distraído com suas criações. Assim abandonada, a humanidade completa

“seu mundo” a partir de suas necessidades e de suas intenções mais recentes

e o enche de seus projetos e cálculos. Deles o homem retira então suas

medidas, esquecido do ente em sua totalidade. Nestes projetos e cálculos o

homem se fixa munindo-se constantemente com novas medidas, sem meditar

o fundamento próprio desta tomada de medidas e a essência do que dá estas

medidas. Apesar do progresso em direção a novas medidas e novas metas, o

homem se ilude no que diz respeito à essência autêntica destas medidas. O

homem se engana nas medidas tanto mais quanto exclusivamente toma a sim

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mesmo, enquanto sujeito, como medida para todos os entes. (HEIDEGGER,

1973, p.337)

A origem da errância está justamente quando o homem não reconhece o mistério que

permanece mesmo quando ele desvela o ente. “O desvelamento do ente enquanto tal é, ao

mesmo tempo e em si mesmo, a dissimulação do ente em sua totalidade. É nesta

simultaneidade do desvelamento e da dissimulação que se afirma a errância.” (HEIDEGGER,

1973, p.341)

E contudo, “O homem não sucumbe ao desgarramento se for capaz de provar a errância

enquanto tal e não desconhecer o mistério do Dasein.” (HEIDEGGER, 1973, p.341)

Por outro lado, percebe-se que, o que se associa ao mistério, ou ao necessário velamento, que

antecede o ato de desvelar dissimulando, diz respeito ao ente em sua totalidade, e por

decorrência à questão do ser do ente:

Neste momento a questão da essência da verdade é posta mais

originalmente. Então se revela, afinal, o fundamento da imbricação da

essência da verdade com a verdade da essência. A perspectiva sobre o

mistério, que se descerra a partir da errância, põe o problema da questão que

unicamente importa: que é o ente enquanto tal em sua totalidade? Uma tal

interrogação pensa o problema essencialmente desconcertante e por isso não

dominado ainda em sua ambivalência: a questão do ser do ente. O

pensamento do qual emana originariamente tal interrogação se concebe,

desde Platão, como “filosofia”, e recebeu mais tarde o nome de “metafísica”.

(HEIDEGGER, 1973, p.341)

O fenômeno da errância volta a ser o mesmo problema já abordado no texto Que é

metafísica?, a saber, a ocupação do Dasein exclusivamente com o ente. O homem das

ciências está exclusivamente ocupado com o ente e mais nada. Assim, a questão do nada de

fato se apresenta na essência da verdade. Na errância o homem se entrega ao convívio com o

ente tanto mais quanto foge do nada que pressente. Ou seja, o homem sabe de alguma

maneira que além do entes que se lhe apresentam há o ente na sua totalidade que se vela. Na

errância o homem é movido por aquilo que designa nada, pois de alguma forma ele sabe que

dissimula que há uma dissimulação ao se lhe desvelar o ente.

É o que de outra forma, já está dito no texto Que é metafísica?:

Entretanto, o que quer dizer: esta angústia originária somente acontece

em raros momentos? Não outra coisa que: o nada nos é primeiramente

52

e o mais das vezes dissimulado em sua originariedade. E por quê?

Pelo fato de nos perdemos, de determinada maneira, absolutamente

junto ao ente. Quanto mais nos voltamos para o ente em nossas

ocupações, tanto menos nós o deixamos enquanto tal, e tanto mais nos

afastamos do nada. E tanto mais seguramente nos jogamos na pública

superfície do Dasein. (HEIDEGGER, 1973, p.239)

3.4. O MÉTODO FENOMENOLÓGICO

3.4.1. O MÉTODO FENOMENOLÓGICO REFERIDO AO NADA

Que metodologia pode permitir a investigação do nada?

“A escada para penetrar nas estruturas existenciais do Dasein é manejada pelo próprio Dasein

e não pode ser preparada fora para depois se penetrar no objeto.” (STEIN, 1973, p. 290). A

escada que representa o método é uma metáfora utilizada por Ernildo Stein, em sua

Introdução ao Método Heideggeriano, para esclarecer a respeito da diferença da

fenomenologia analítica em relação a outros métodos filosóficos e científicos

Heidegger conclui a preleção Que é Metafísica? com a seguinte pergunta: Por que existe

afinal ente e não antes Nada? (HEIDEGGER, 1973, p. 242). A pergunta colocada ao final,

onde se esperaria não uma pergunta mas sim a resposta, como a pergunta se insere no método

fenomenológico de Heidegger?

O método mesmo não está descrito enquanto tal ao longo de toda a obra de Heidegger.

Conforme Ernildo Stein “o filósofo lhe dá uma importância muito grande, mas uma

verdadeira exposição nunca apresentou” (STEIN, 1973, p. 286).

De fato a metodologia mesma se compreende apenas seguindo o próprio desenvolvimento do

pensamento de Heidegger. Como afirma Stein: “resta, como único recurso a prometer um

resultado apreciável, destacar certos momentos de sua análise da coisa mesma, em que, de um

outro modo, se surpreendem modos de proceder que assinalam o método fenomenológico. (...)

observações metalingüísticas (ou metateoréticas) de Heidegger vão, de maneira tão íntima,

fundidas com a análise da coisa, que ao tentar separar implica perder uma dimensão

importante sobre ambas. (STEIN, 1973, p. 286).

De fato o próprio Heidegger afirma a respeito da do método que utiliza:

Não se pretende, de forma alguma, cumprir a tarefa de uma dada disciplina,

previamente dada. Ao contrário, é a partir da necessidade real de

53

determinadas questões e do modo de tratar imposto pelas “coisas em si

mesmas” que, em todo caso, uma disciplina deve ser elaborada.

(HEIDEGGER, 1988, p. 56)

Heidegger esclarece que “a palavra ‘fenomenologia’ exprime a máxima que se pode formular

na expressão: ‘às coisas em si mesmas!’ – por oposição às construções soltas no ar, (...) De

fato é uma evidência que desejamos assumir de mais perto (...)” (HEIDEGGER, 1988, p. 57)

Uma vez que o objeto em análise é o ser dos entes, a tarefa diz respeito à ontologia, entretanto

Heidegger adverte, que, dada a natureza mesma do objeto, o método não poderá ser referido

ao das ontologias conhecidas: “Apreender o ser dos entes e explicar o próprio ser é tarefa da

ontologia. O método fenomenológico, no entanto, permanecerá altamente questionável caso

se queira recorrer ás ontologias historicamente dadas ou a tentativas congêneres.”

(HEIDEGGER, 1988, p. 56).

Após conceituar fenomenologia composta, a partir da etimologia, pelas palavras fenômeno e

logos, Heidegger nos mostra que, a ontologia e a fenomenologia são intrínsecas à própria

filosofia.

Dado que “Enquanto tema fundamental da filosofia, o ser não é o gênero dos entes e, não

obstante, diz respeito a todos e qualquer ente” (HEIDEGGER, 1988, p. 69). E considerando

que necessário buscar mais acima: “O ser e a estrutura ontológica se acham acima de qualquer

ente e de toda determinação ôntica possível de um ente.” (HEIDEGGER, 1988, p. 69). Ele

define que o método está intrinsecamente ligado à filosofia mesma: “Ontologia e

fenomenologia não são duas disciplinas diferentes da filosofia ao lado de outras. Ambas

caracterizam a própria filosofia em seu objeto e em seu modo de tratar. A filosofia é uma

ontologia fenomenológica e universal (...)”(HEIDEGGER, 1988, p. 69).

Podemos então relacionar as características do método fenomenológico ao que Heidegger se

refere no parágrafo final de Que é metafísica?. Nesse parágrafo, o “pôr em marcha a filosofia”

é ao mesmo tempo estar investigando o ser, e também é, no mesmo ato, estar operando o

método fenomenológico:

Filosofia – o que nós assim designamos – é apenas o pôr em marcha a

metafísica, na qual a filosofia toma consciência de si e conquista seus temas

expressos. A filosofia somente se põe em movimento por um peculiar salto

da própria existência nas possibilidades fundamentais do Dasein, em sua

totalidade. Para esse salto são decisivos: primeiro, o dar espaço para o ente

em sua totalidade; segundo, o abandonar-se para dentro do nada, quer dizer,

54

o libertar-se dos ídolos que cada qual possui e para onde costuma refugiar-se

sub-repcticiamente; e, por último, permitir que se desenvolva este estar

suspenso para que constantemente retorne à questão fundamental da

metafísica que domina o próprio nada: Por que existe afinal ente e não antes

Nada?” (HEIDEGGER, 1973, p. 242).

Stein observa: “O que penso ser o fator determinante e individualizador do método

fenomenológico é a descoberta que Heidegger fez de que existe um primado da tendência

para o encobrimento.” (STEIN, 1973, p. 286).

Nesse sentido também podemos observar em Ser e Tempo: “...ambos os significados de

fenômeno (fenômeno como o que se mostra, e fenômeno como aparecer, parecer, aparência)

se inter-relacionam ...” (HEIDEGGER, 1988, p. 58).

Assim, o fenômeno é o que se mostra, mas também é o que ao se mostrar não se está

apresentando diretamente e portanto é uma aparência, e além de ser aparência pode mostrar-se

como algo que não é: “ Somente na medida em que algo pretende mostrar-se em seu sentido,

isto é, algo pretende ser fenômeno, é que pode mostrar-se como algo que ele mesmo não é,

‘apenas se fazer ver assim como...’. (HEIDEGGER, 1988, p. 69).

Ao final de Que é Metafísica?, a pergunta “Por que existe afinal ente e não antes Nada?”

Deve significar que, o ente nós o percebemos, contudo, percebemos somente o que o

fenômeno apresenta. E em correspondência com o que o fenômeno apresenta está o que ele

não apresenta. Na atitude normal tomamos o fenômeno pelo que ele nos apresenta, e não

consideremos o que ele não nos apresenta. Ao contrário chamamos de nada o que não está

sendo apresentado. O Nada na pergunta “Por que existe afinal ente e não antes Nada?” se

refere, portanto, ao que o fenômeno não está mostrando.

Então, perguntar por que “não antes o Nada”, é o mesmo que questionar, porque não

considerar que o ente vela uma parte de si (a qual tomamos por nada), ou seja, porque não

considerar que existe um “primado da tendência para o encobrimento” que é como afirma

Stein, “o fator determinante e individualizador do método fenomenológico”.

Ao invés de pensar, como Husserl e outros filósofos, que diante de nós a

realidade se estende à espera da rede de nossos recursos metodológicos que a

aprisionem, Heidegger afirma que o homem e o essencial nas coisas tendem

para o disfarce ou estão efetivamente encobertos. (STEIN, 1973, p.287)

55

Sendo assim, a pergunta “Por que existe afinal ente e não antes Nada?” ao mesmo tempo

afirma a questão fundamental da metafísica e indica o método a tratá-la, confirmando a

afirmação de Stein, já citada acima: “(...) observações metalinguiticas (ou metateoréticas) de

Heidegger vão, de maneira tão íntima, fundidas com a análise da coisa, que ao tentar separar

implica perder uma dimensão importante sobre ambas. (STEIN, 1973, p. 286).

Por outro lado o “abandonar-se dentro no nada” ao final de Que é Metafísica?, além de,

referir-se ao conceito do nada, desenvolvido na preleção, é, também e simultaneamente uma

referência claramente metodológica, quando confrontamos com observação de Stein de que “a

análise do Dasein está suspensa no ar” no texto que se refere à escada em analogia ao método:

“Não há propriamente escada (...) a escada já está implicada naquilo para onde deveria

conduzir. O objeto, o Dasein, traz consigo a escada. Há uma relação circular. Somente

subimos para dentro das estruturas do Dasein, porque já nos movemos nelas. É apenas uma

questão de explicitação. A análise do Dasein, está suspensa no ar. O Dasein levanta-se pelos

cabelos(A analogia com o Barão de Münchhausen não é ironia; quer apenas lembrar que a

circularidade – absurdo e tautologia aparentes – faz parte da condição humana.)”

(HEIDEGGER, 1973, p. 290).

3.4.2 A FENOMENOLOGIA DA FENOMENOLOGIA

A metodologia de Heidegger deve causar estranheza uma vez que comumente estamos

acostumados a tratar com a metodologia científica. Sendo assim, é compreensível que a

abordagem heideggeriana possa parecer pouco rigorosa e até mística.

Contudo para compreender a justificativa da abordagem heideggeriana é necessário

compreender de onde a mesma se origina e constatar sua posição no contexto da evolução do

conhecimento humano.

Não cabe no presente trabalho uma análise exaustiva desse assunto, mas faz-se necessário

situar o leitor em um contexto geral, para o que devemos apresentar dois pontos. Em um

primeiro momento cabe entender qual a necessidade da fenomenologia desenvolvida por

Edmund Husserl, do qual Heidegger foi aluno. Em seguida cabe esclarecer qual a diferença

entre a fenomenologia de Heidegger e a de Husserl, e por que Heidegger desenvolveu seu

próprio entendimento a respeito da fenomenologia.

A fenomenologia de Husserl

Para responder a primeira etapa, cabe determinar qual a questão que se encontra no centro do

projeto fenomenológico. A frase que celebrizou como que resumindo a fenomenologia é “de

56

volta às coisas mesmas” (zu den Sachen selbst). Ou seja, a fenomenologia vem a responder à

exigência de

uma filosofia que não se guie pela análise das interpretações (...) significa

abandonar a discussão dos “pontos de vista” e afirmar que “os princípios da

fenomenologia não são tributários de uma posição filosófica prévia, mas

exprimem aquilo que é dado diretamente na intuição” (IdI, 40). (MOURA,

1989, p. 19)

A fenomenologia pretende portanto voltar á intuição direta sem depender de teorias prévias.

Essa postura tem muita semelhança com a de Descartes (1596-1650) que cujo método de

duvidar de tudo até atingir uma certeza inicial (“penso, logo existo”), queria se livrar das

crenças que se misturavam com o conhecimento racional.

Husserl se inspirou em Descartes mas o criticará pois o mesmo “confunde discurso

matemático e discurso filosófico (...) transforma a filosofia em teoria”. (MOURA, 1989, p.

28-29). Ou seja, Descartes pretende deduzir o conhecimento a partir de alguns axiomas ao

modo das matemáticas. De maneira diversa “a fenomenologia deverá seguir o estilo

descritivo”. (MOURA, 1989, p. 28).

O modo matemático de conhecer tomou grande impulso a partir de Galileu mas com

limitações no sentido de que não possibilita um conhecimento direto das coisas, mas necessita

de esquemas de ideias que façam a mediação, conforme observado por Husserl:

Galileu possibilitou o conhecimento do mundo objetivo, empregando um

método que se tornou o modelo de racionalidade nos tempos modernos. Mas,

segundo Husserl, a objetivação da natureza obtida por Galileu, não conduz

ao ser das coisas, e sim a objetividades ideais. (ZILLES, 2002, p. 28)

Por outro lado Husserl entende que o papel da filosofia é dar acesso ao conhecimento certo, e

portanto, a filosofia deve ser a ciência do rigor. Nesse sentido o conhecimento do tipo

matemático já havia sido problematizado por Hume (1711-1776). Ele mostrou que não há

como inferir uma lei a partir de casos particulares. Uma relação de causa e efeito seria sempre

um conhecimento provável na medida em que não há nada no conhecimento empírico que

possa garantir a certeza da relação de causa e efeito.

Kant (1724-1804) se espantou com as análises de Hume e afirmou que despertava de um

“sono dogmático”. Passou a pesquisar como seriam possíveis as ciências que descreviam o

mundo a partir de leis matemáticas. Para resolver a questão concebeu que o homem já tivesse

57

conhecimento a priori (antes da experiência). Esse conhecimento estaria em uma instância

abstrata das categorias de tempo e espaço. O conhecimento dos objetos se daria a partir do

casamento das formas a priori da sensibilidade com as categorias do entendimento, unidas na

ocasião da experiência. Isso possibilitaria a generalização de uma relação de causa e efeito, e

assim a experiência não seria exclusivamente o dado empírico. Por outro lado, uma só

experiência já seria percebida como um caso particular de uma situação mais geral, e isso

graças ao conhecimento abstrato a priori que conteria as relações reconhecidas então naquela

experiência com o dado sensível. Assim Kant procurou explicar porque eram possíveis as

ciências.

Husserl censura Kant por partir do fato das ciências positivas para depois iniciar a pergunta

pela possibilidade do conhecimento (MOURA, 1989, p. 26). Por outro lado, Husserl aponta

que Kant “deixa de colocar questões transcendentais em relação à lógica, atribuindo a ela “um

a priori extraordinário” (MOURA, 1989, p. 70). Além disso Husserl observa que Kant não

observa uma hierarquia necessária onde se deveria primeiro analisar a simples percepção para

depois passar à investigação da lógica e enfim à da natureza científica. (MOURA, 1989, p.

71)

O que Husserl pretende é um conhecimento que não dependa de conhecimentos prévios e para

isso desenvolve um “método de mostração das estruturas implícitas da experiência” (ZILLES,

2002, p. 29). Nesse método o conhecimento não é entendido como uma relação entre duas

coisas, a saber, uma idéia na consciência e a coisa que está fora. Essa forma de encarar o

conhecimento vigora desde Descartes. De maneira diversa, Husserl irá desenvolver a

fenomenologia recuperando o conceito da teoria clássica da intencionalidade da escolástica

medieval (tanto árabe como latina) que se baseia em Aristóteles (livro da Metafísica). Ou seja,

o conhecimento na fenomenologia de Husserl considera na consciência duas instâncias, a

saber: (a) o ato que conhece (noese), e; (b) a coisa conhecida (noema). O noema é o “objeto”

e é intencional pois está presente na consciência sem ser parte dela. A fenomenologia irá

considerar esse objeto (noema), pois dele tem uma intuição direta e, portanto, dele pode ter

certeza. O fenômeno é o objeto intencional. A consciência não é uma substância, mas somente

tem realidade enquanto consciência do objeto. Toda consciência é consciência de algo. 26

26

A respeito da estrutura da consciência, Zilles esclarece: “a consciência, ao ser estudada em sua estrutura

imanente, mostra-se como algo que ultrapassa o plano empírico e emerge como condição a priori de

possibilidade do próprio conhecimento, ou seja, como consciência transcendental. Cabe, então, à

fenomenologia descrever a estrutura do fenômeno como fluxo imanente de vivências que constituem a

58

Nesse ponto cabe esclarecer a diferença em relação ao fenomenismo:

Fenômeno é tudo aquilo de que podemos ter consciência. (...).

Segundo Husserl, fenomenologia não é sinônimo de fenomenismo no

sentido de que tudo que existe seja apenas fenômeno da consciência. A

reflexão sobre os fenômenos da consciência é, entretanto, o ponto de partida

par examinar os diferentes sentidos ou significados do ser e do existente à

luz das funções da consciência. (ZILLES, 2002, p. 18)

E para se ater às realidades da consciência, a realidade exterior é colocada entre parêntesis. O

objetivo é encontrar os objetos que forneçam a certeza. E os objetos que garantem a certeza

não estão no mundo exterior, mas se dão no mundo das vivências da consciência.

Resulta perfeitamente claro que tudo quanto no mundo das coisas está aí

para mim, é por princípio uma realidade presumida; que, pelo contrário, eu

mesmo, para quem esse mundo está aí (...), ou que a esfera de atualidade de

minhas vivências é uma realidade absoluta (...) (HUSSERL, 1949, p. 106)

Ao mundo interior Husserl chamou de transcendental e o mundo exterior de transcendente.

Os noemas são os objetos interiores que resultam do contato com aos objetos exteriores e com

eles guardam correspondência. Com respeito aos objetos interiores podemos ter certeza.

Distinguem-se assim duas atitudes: a atitude natural, que considera o mundo exterior como

referência, e a atitude fenomenológica.

Na atitude fenomenológica deve ser realizada a chamada “redução” ou “epoqué”, que trata da

colocação do mundo entre parêntesis e buscar as certezas junto às vivências da consciência.

Isso significa que não se estará verificando a realidade do mundo exterior, se bem que esta

realidade não seja negada. O que se pretende é encontrar as essências no ato da consciência.

“As essências são as maneiras características do aparecer dos fenômenos. Não são resultados

de uma abstração ou comparação de vários fatos” (ZILLES, 2002, p. 20). A epoqué se define

como o procedimento de redução das vivências àquilo que a consciência não pode negar e

visa a encarar o mundo apenas sob o aspecto do fenômeno (ZILLES, 2002, p. 36).

consciência (estrutura constituinte). Enquanto a consciência transcendental constitui as significações é a priori

de possibilidades de conhecimento. Nesta perspectiva, a lógica tem caráter normativo a priori e não deve ser

confundida com o psicologismo, pois a empiria é incapaz de fornecer as condições da apodicidade, condições

que se encontram numa região a priori da pura idealidade de caráter universal, necessário e normativo que

fundamenta todo o verdadeiro conhecimento. Assim a fenomenologia torna-se ela mesma o a priori das

ciências (Zilles, 2002, pp. 22-23).

59

As essências a que Husserl se refere continuam trazendo todos os matizes dos objetos

exteriores, não são abstrações que desconsideram as qualidades sensíveis dos objetos. Para

Husserl o mundo das essências deve ser tratado como o próprio mundo pois de fato é a esse

mundo que temos acesso direto. E em princípio não se perderia nada pois o que sabemos do

mundo exterior é de fato a partir do que se apresenta à consciência. Nesse sentido

O objeto intencional “árvore” e a árvore natural, realidade efetiva da árvore

natural, são um e o mesmo objeto. Existe portanto uma identidade entre o

objeto “modificado” da fenomenologia e o objeto não-modificado da atitude

natural (MOURA, 1989, p. 250)

Contudo os próprios discípulos não concordam: “Não é verdade que não perdemos nada; sob

um certo ângulo, pode-se dizer que perdeu-se tudo. Está aqui um ponto crucial, diz Edith

Stein: Husserl não retorna mais à realidade que a redução suspende” (MOURA, 1989, p. 249).

Isso porque de fato se existe a identidade entre o objeto “modificado” e o objeto natural, por

outro lado, o próprio Husserl concorda, que de fato não são o mesmo: “de uma árvore pura e

simples pode-se dizer que queima, mas de uma árvore percebida ‘enquanto tal’ não pode

queimar” (MOURA, 1989, p. 252).

Mesmo que ao final da vida, na fase caracterizada pela crise (1930-38), Husserl tenha

ampliado a investigação fenomenológica por meio do conceito Lebenswelt (mundo da vida),

ainda assim, permanece a distinção entre o mundo caracterizada a partir da redução

fenomenológica e o mundo natural. Nessa fase Husserl buscou restabelecer a conexão entre

ciência, ética e vida. Contudo, mesmo tendo aberto o campo da fenomenologia, o mundo da

vida continua distinto do mundo natural. Mantendo a metodologia fenomenológica Husserl se

refere agora ao mundo tal como experimentado pela subjetividade transcendental, ou seja,

mantém a epoqué, e pretende por esse modo chegar à fonte do sentido dos conceitos

científicos. Ou seja, o mundo da vida é:

o mundo histórico-cultural concreto, sedimentado intersubjetivamente em

usos e costumes, saberes e valores, entre os quais se encontra a imagem do

mundo elaborada pelas ciências. O Lebenswelt é o âmbito de nossas

originarias "formações de sentido", do qual nascem as ciências. Para

Husserl, o mundo da vida é um a priori dado com a subjetividade

transcendental. (ZILLES, 2002 , p. 49)

Ou seja, ainda continua a questão de que a fenomenologia não considera o mundo natural

propriamente dito. Isso só poderia deixar de ser se não fosse preservada a diferença entre as

60

coisas do mundo natural e objeto intencional, ou, se houvesse um retorno à realidade que foi

suspensa. Contudo “Husserl preserva a diferença entre aquilo que remete à atitude natural e

aquilo que remete à atitude transcendental. Coube à história da fenomenologia desfazê-la.”

(MOURA, 1989, p. 255).

O caráter próprio da fenomenologia de Heidegger

Cabe então mostrar o modo como Heidegger diverge de Husserl. A questão está justamente

no fato de que a fenomenologia de Husserl ao promover a redução se atém exclusivamente

nos objetos intencionais e não retorna mais ao mundo dos objetos do “mundo natural”. “O

correlato do ‘mundo da vida’ husserliano é, contudo, ainda, o eu transcendental da redução

fenomenológica”. (BORGES-DUARTE, 2003, p. 87).

Heidegger não segue o caminho de Husserl referente à justificativa da validade do

conhecimento, mas coloca uma questão ainda anterior à essa abordagem, a saber, Heidegger

não vai ater-se à questão da certeza obtida no objeto intencional, pois, mesmo com essa

certeza o ente mesmo fica excluído e há um desvio a respeito da questão do ser do ente.

Assim, Heidegger coloca uma questão anterior: ‘“como é possível que o ser-objeto

intencional tenha relação com o ente mesmo?’ (GA 20, 63)” (BORGES-DUARTE, 2003, p.

89).

Heidegger compreende que a questão da verdade buscada na redução fenomenológica não iria

conduzir para a “‘a coisa em si’, ao ente na sua verdade incólume e independente da relação

intencional”. (BORGES-DUARTE, 2003, p. 89). Assim, Heidegger desvia de Husserl e,

mesmo colocando em xeque a o próprio conceito de fenomenologia, mantém o termo

fenomenologia em um sentido mais amplo. Uma vez que Heidegger não considera o

fenômeno como uma categoria, passa a considerar a fenomenologia exclusivamente como

processo, ou o modo da investigação.

Fenômeno não é, por isso, primariamente, uma categoria, antes dizendo

respeito, de modo imediato, ao ‘como’ do acesso, da captação e da custódia.

A Fenomenologia não é, pois, senão um modo de investigação; mais

precisamente, abordar algo tal como se mostra e só na medida em que se

mostra27” (BORGES-DUARTE, 2003, p. 89).

27

GA 63, 71: “Phänomen ist deshalb primär keine Kategorie, sondern betrifft zunächst das Wie des Zugangs,

der Erfassung und Verwahrung. Phänomenoiogie ist also nichts anderes als eine Weise der Forschung, nämlich:

etwas Ansprechen, wie es sich.zeigt und nur soweit es sich zeigt”.

61

Contudo Heidegger apóia-se na descoberta da “intuição categorial”, e revela inclusive ser essa

a “pedra de toque” e a contribuição decisiva do pensamento husserliano para o

desenvolvimento da questão do ser (BORGES-DUARTE, 2003, p. 97).

A intuição categorial dá a resposta que Kant não pode dar a contento. Kant não fora capaz de

explicar como as categorias podiam se aplicar a uma multiplicidade de entes. Para isso

considerou a instância de uma imaginação transcendental, contudo a explicação complexa não

foi tida como satisfatória.

Fazendo um parêntesis, cabe comentar que Hegel havia questionado o fato de Kant separar a

origem do conhecimento do ato de abstração, quando caracteriza a lógica transcendental. Ou

seja, aponta que Kant considera que o conhecimento não é obtido a partir do objeto, mas

depende de que o sujeito já tenha conhecimento das regras do pensamento puro, previamente

à experiência do objeto:

Kant a distingue (a lógica transcendental) da lógica geral assinalando a função de: (a) considerar que os conceitos se referem a priori com relação aos objetos, e por conseguinte de não fazer abstração de todo conteúdo do conhecimento objetivo, ou seja, de conter as regras do pensamento puro do objeto; e (b) ao mesmo tempo de remontar à origem de nosso conhecimento, enquanto que este não possa ser atribuído aos objetos. (HEGEL, 1956, p. 81).

Hegel resolve isso na medida em que em sua filosofia considera que o real é o pensado, e,

portanto todo o conhecimento é obtido a partir do objeto, mas somente se torna de fato real

enquanto conhecido pela mente humana no processo de criação das leis. Esse processo (a)

iniciaria pela percepção empírica dos objetos que os reúne em grupos, (b) passaria pela

intuição das relações entre os grupos, próprio da auto-consciência, (c) evoluiria para as

concepções racionais onde se buscam as explicações do objeto (instância da razão) e; (d)

terminaria pela criação das leis (instância do espírito), onde, se as leis de início foram

hipotéticas (a posteriori no processo de abstração), passam a ser necessárias e, a partir de aí,

passam a ser a priori no ato de conhecer. (MONDOLFO, 1969, pp. 11-12).

Hegel aponta que Kant deixa uma parte do conhecimento fora do alcance do conhecimento.

Ou seja, sendo que as leis e categorias são dadas a priori, elas mesmas estão além do alcance

do conhecimento:

Seu pensamento fundamental (de Kant) consiste em reivindicar as categorias para a autoconsciência, entendida como o eu subjetivo. Por meio dessa determinação, sua concepção permanece dentro da consciência e sua oposição, (...) deixa subsistir algo mais que não está fundado e determinado

62

pela auto-consciência pensante, senão que é uma coisa em si, algo estranho e extrínseco ao pensamento. (HEGEL, 1956, p. 81)

Assim, quando Hegel procura resolver esse problema ele rechaça o dualismo Kantiano

conforme indica Mondolfo:

A nova lógica com que Hegel (...) quer substituir a tradicional, se funda, como diz na Introdução, no problema procedente da gnoseologia kantiana, cujo dualismo, de pensamento e ser, fechava o trânsito de nossa consciência ao ser em si (noúmeno). Hegel rechaça esse dualismo e o fantasma do incognoscível; o pensamento é o ser (grifo nosso) ou noúmeno verdadeiro. (MONDOLFO, 1956, p. 13)

É dentro desse contexto, que inclui as considerações de Hegel, que Husserl estará buscando

fundamentar o conhecimento certo. Contudo ele não irá atribuir ao próprio pensamento a

capacidade de criar a realidade mesma, como faz Hegel.

Husserl resolve esse problema quando considera que na intuição o sujeito além de intuir os

dados sensíveis também pode intuir a forma categorial. Por exemplo, uma folha de papel

quando percebida, contém algo mais do que os dados sensorialmente percebidos. Ou seja, “o

objeto “folha de papel” não é ele mesmo percepcionado (...) mediante a mera intuição

sensível” (BORGES-DUARTE, 2003, p. 97).

Seriam portanto dois atos simultâneos, um captando sensorialmente os dados da matéria

(hyléticos), e outro captando as formas categoriais.

Para Heidegger esta clivagem entre os dois atos simultâneos, unidos na

constituição da percepção é, justamente, o que, “pela primeira vez, consegue

(abrir) um caminho concreto para uma investigação demonstrativa e

autêntica das categorias” (GA 20, 98) (BORGES-DUARTE, 2003, p. 97).

Além de resolver o problema Kantiano, a intuição categorial abre, para Heidegger o que ele

considera “o novum: o segundo e determinante momento na história fenomenológica da

Fenomenologia” (BORGES-DUARTE, 2003, p. 99).

Na história da fenomenologia Heidegger considera três nomes associados a três problemas, a

saber: Bretano se associa ao problema da intencionalidade; Husserl à intuição categorial; e ele

mesmo, Heidegger (sem mencionar) ligado ao “sentido originário do a priori”. (BORGES-

DUARTE, 2003, p. 95).

A intuição categorial possibilitou os desenvolvimentos próprios da fenomenologia

heideggeriana:

63

“A consequência desta descoberta (da intuição categorial) reside, pois, em

que a investigação filosófica passou a estar em condições de compreender

com maior acuidade o a priori e de preparar uma caracterização do sentido

de seu ser” (GA 20, 98) (BORGES-DUARTE, 2003, p. 101)

Ao se referir ao que é categorial, Heidegger não se refere a uma essência referente ao que

(quid) do ente. Isso seria a interpretação no sentido tradicional do termo categoria. Quando

Heidegger se refere às categorias tem em vista a facticidade, ou seja, contemplando que esse

ente “é”, e as modalidades, a saber, o “como é” esse ente.

Assim, Husserl já mostrava que a percepção, além de captar os atributos sensíveis, tem a

capacidade de um “olhar para o não-sensível – para aquilo que o próprio Husserl (à margem

de qualquer consideração da temporalidade) chama o ‘ser’. É isto que para Heidegger,

constitui o novum”. (BORGES-DUARTE, 2003, p. 99) ”

Portanto, a partir da intuição sensível a intuição pode captar um plus de significação:

(...) a intuição do “ser-papel branco”: “Posso ver a cor mas não o ser da

cor”28. Esse plus, o “excedente” (Überschuβ) na percepção, é a forma

categorial, o “ser-branco” do papel em branco. Enquanto excedente na

percepção do real, o “ser” é aquilo que não é propriamente nada (grifo

nosso) no ente que se dá e mostra, sem que por isso possa reduzir-se a algo

imanente à consciência. Não tem caráter de fantasma psíquico nem de

constructo subjetivo, sendo, simplesmente, “transcendente”. (BORGES-

DUARTE, 2003, pp. 99-100)

Assim, a partir da intuição categorial, Heidegger passa a investigar não o ente mas o ser de

todo ente. E identifica como vimos desde o início dessa dissertação que não é pensado a partir

do ente tomado como um objeto, mas que o ser será pensado a partir de um plus, que é um

nada do que está no ente. Contudo, é justamente nesse nada, que é o que está além de todos os

atributos do ente, que está o ser do ente.

Por outro lado, o ser do ente tem o caráter originário do ente. Um determinado ente pode ter

uma série de propriedades, mas, antes de mais nada, ele “é”. Junto aos atributos nós captamos

o “é”, e sabemos que se trata de uma instância originária pois “não sendo” também não teria

atributos.

28

“LU, VI, § 43, 43,137. Veja-se o seu comentário em GA 20, 73-81, que retoma, muito significativamente, em

GA 15, 376-377” (BORGES-DUARTE, 2003, p. 100)

64

“A priori, em sentido fenomenológico, não é uma designação de um

comportamento, mas uma designação do ser”: é o caráter originário e de

desenvolvimento que tem o dar-se e consumar-se do ser de todo ente, é o

“caráter de edificação progressiva no ser do ente, na estrutura de seu ser”

(GA 20,102). Por essa razão a descoberta inicial do a priori na Grécia está

em conexão com a descoberta do conceito de ser (em Parmênides e em

Platão) ou, para ser mais preciso, “é idêntico ao mesmo” (ibid.). (BORGES-

DUARTE, 2003, p. 102)

A partir de então passa ser possível a resposta à pergunta de Heidegger, citada acima, que

procura resolver a questão da separação entre o objeto captado pela mente (objeto-intencional,

do qual se tem a certeza), do objeto natural, anterior à redução fenomenológica (o qual para

Husserl é necessário colocar entre parêntesis na epoqué), a saber: “como é possível que o ser-

objeto intencional tenha relação com o ente mesmo?” (GA, 20, 63).

Ou conforme Irene Borges-Duarte: “como é ontologicamente possível a própria

intencionalidade? (BORGES-DUARTE, 2003, p. 89)

O que permite entender isso é primeiramente entender a inversão de perspectiva da

abordagem heideggeriana com relação a abordagem husserliana. Para Heidegger a questão

não mais é investigar o como a mente acede ao objeto, mas como esse se mostra no seu ser-

objeto. Como dito acima, não se trata mais de investigar a validade do conhecimento mas a

“questão da origem e possibilidade do sentido, enquanto esse se mostra a partir de sua

origem” (BORGES-DUARTE, 2003, p. 94)29

Heidegger identifica no ser o a priori. O a priori é o horizonte do dar-se e mostrar-se do ente.

É origem no sentido do que antecede o dar-se e mostrar-se. E esse dar-se e mostrar-se do ser

já em si tem o caráter relacional. O “é” do ser relaciona o ente ao estar sendo: acontecendo. O

ser acontece. E no homem o ser acontece de dois modos. Por um lado o homem sendo um

ente, ele “é” um ente, e está a cada momento sendo. Por outro lado o homem é o ente que tem

a capacidade de saber que “é”. Ou seja, dito na perspectiva da inversão heideggeriana, o

29

Para Heidegger o sentido do ser é referente à própria questão do ser, conforme Heidegger nos apresenta nos

primeiros capítulos de Ser e Tempo. Na apresentação dessa obra (Heidegger, 1998), Carneiro Leão explica: “De

um lado, nunca se obtém uma definição do ser. Mas, em compensação, ganha-se sempre uma experiência

essencial de seu sentido: a experiência de que o ser sempre se esquiva e desvia em todos os desempenhos de

apreendê-lo, em qualquer esforço por representá-lo e defini-lo. Pois tudo o que fazemos ou deixamos de fazer

serve para nos distanciar. E nunca terminamos de nos afastar. Pois não temos escolha. Somos colhidos pela

tração e retraimento. E, na força desta tração, significamos o sentido do ser.” (CARNEIRO LEÃO, 1988, p.14).

65

homem tem a capacidade de apreender o mostrar-se do ser. E a apreensão do ser se faz

concomitante ao próprio mostrar-se do ente (como visto na intuição categorial).

Assim, a intencionalidade é possível porque:

A estrutura intencional no seu a priori não é (...) uma mera estrutura noética

subjetiva, mas a própria estrutura ontológica, pela qual o ser de tudo o que

há se mostra aí: por um lado o ser do Dasein, enquanto “ser para o mundo” e

“residente no mundo” (sein zur Welt e sein bei der Welt) 30, na medida em

que o exercício fático do cuidado constitui a possibilidade de “deixar vir ao

encontro” o mundo mesmo; e, por outro lado, o ser dos entes intramundanos

enquanto ser “o que vem ao encontro” na prática do cotidiano cuidar de fazer

pela vida. O a priori da intencionalidade é o “deixar ser”, o “deixar-se ser”,

pelos quais o olhar e o olhado se unem numa pertença recíproca,

constituindo-se em presença mútua. (BORGES-DUARTE, 2003, p. 89)

Compreende-se assim a diferença das perspectivas de Heidegger e de Husserl no comentário

de Irene Borges-Duarte, em referência a uma metáfora de Otto Pöggeler31:

para Husserl, a via aberta é a que pode desenhar-se por “redução”, pela qual

se suspende a crença espontânea no mundo e se acede aos seus correlatos

intencionais, convergentes na “margem salvadora” da unidade egológica da

consciência; já para o jovem Heidegger, em contrapartida, é a indissolúvel

união fáctica de mundo e vida que, colocando o existir (Dasein), como ser-

já-de-antemão-aí, no centro da investigação fenomenológica, não só

prescinde da consideração, certamente “redutora”, de uma “margem” (quer

subjectiva quer objectiva), como exige, sobretudo, em nome de uma maior

fidelidade fenomenológica, um “salto para o bote em movimento”

constituído por essa vida cairologicamente já sempre em-vias de realização

no mundo. (BORGES-DUARTE, 2003, p. 87)

30

“Veja-se M. HEIDEGGER, Logik. Die Frage nach der Wahrheit. GA 21, 1976, 403e 404.” (BORGES-DUARTE,

2003, p. 103)

31 No seu estudo clássico sobre O caminho do pensar de Martin Heidegger, Otto Pöggeler refere-se

metaforicamente à posição de Heidegger: “a filosofia ...não é salto para a margem salvadora, mas antes o salto

para o bote em movimento” . “Philosophie... es ist nicht der Sprung an die rettende Küste, sondem der Sprung in das

treibende Boot.” O. POGGELER, Der Denkweg Martín Heideggers, Pfullingen, Neske, 1963, p. 70 . (BORGES-DUARTE,

2003, p. 87).

66

Neste ponto, cabe observar que Heidegger não está somente dando nova abordagem à

fenomenologia de Husserl, mas também repensando as idéias de Hegel.

Em Hegel a razão encontra o absoluto, uma vez ela estabelece as leis. E assim, “o absoluto

convertido em real é para Hegel o espírito; e a fenomenologia vai mostrar o conhecimento que

o espírito logra progressivamente de si mesmo”. (MONDOLFO, 1956, p.10).

Assim, não havendo o dualismo kantiano acima referido, em Hegel “o pensamento é o ser”.

Contudo o ser é uma completa abstração que no limite não tem nenhum conteúdo em

particular, ou seja, não tem nada em particular. Nesse limite o ser é o mesmo que o nada. Ou

seja o “Nada, o puro nada; é a simples igualdade consigo mesmo, o vazio perfeito, a ausência

de determinação e conteúdo.” (HEGEL, 1956, p. 107). Da relação antitética entre o ser e o

nada Hegel atribui o devir como sendo a síntese:

O puro ser e o puro nada são portanto a mesma coisa. O que constitui a verdade não é nem o ser nem o nada, senão aquilo que não transpassa, senão já tem transpassado, vale dizer o ser (transpassado) no nada e o nada (transpassado) no ser. Contudo, a verdade não é sua indistinção, porém que eles não são o mesmo, senão que são absolutamente diferentes, contudo, ao mesmo tempo não separados e inseparáveis e imediatamente cada um desaparece no seu oposto. Sua verdade, pois consiste nesse movimento do imediato desaparecer de um no outro: o devir (grifo nosso); um movimento onde os dois são diferentes, mas por via de uma diferença que ao mesmo tempo se soluciona imediatamente. (HEGEL, 1956, p. 108)

Isso posto, verifica-se que Heidegger reformula a relação do ser com o nada de Hegel. Em

Hegel o nada aparece ainda como algo que é tido como um conceito objeto de intuição e

coincide com o ser:

“o nada está (existe) em nosso intuir ou pensar; ou melhor, é o intuir ou pensar vazios mesmo, é o mesmo vazio do intuir ou pensar o puro ser. O nada é, portanto, a mesma determinação, ou melhor, ausência de determinação, e com isso é no geral a mesma coisa que o puro ser.” (HEGEL, 1956, pp. 107-108)

Heidegger considera que a metafísica de Hegel não é metafísica no sentido em que é tido na

preleção Que é Metafísica? (apresentada no item 2.1. acima). No texto A Questão

Fundamental da Filosofia, Heidegger mostra que Hegel refere sua lógica a um “sistema da

razão pura”, cujo conteúdo é a “exposição de Deus como ele é em sua essência eterna”32, e

32

“Hegel, Ciência da Lógica (Lasson), p.31” (HEIDEGGER, 2007,p.90)

67

portanto, Heidegger conclui que Hegel está no âmbito da teo-lógica. (HEIDEGGER, 2007, p.

90).

Assim, Heidegger reformula a abordagem hegeliana, pois para ele, Hegel ainda está na esfera

limitante da metafísica e atribui uma quididade, a saber, um “o que”, ao nada e ao ser.

Portanto, embora Heidegger possa afirmar por vezes, que o ser coincide com o nada, na

verdade isso se refere somente à perspectiva do homem que, restrito ao âmbito do conceito e

limitado pela metafísica da linguagem, está por isso afastado do ser dos entes. Esse homem

que não tem acesso ao ser, este sim ao se referir ao nada, está nesse ato, fazendo coincidir o

ser com o nada. Conforme o item 2.1., desta dissertação, quando o homem considera somente

os entes é o mesmo que considerar o ser como nada.

Para Heidegger, divergindo de Hegel, o homem não intui diretamente o nada. Ele toma

consciência do nada por meio da angústia, que é um tipo de temor que não tem um objeto. É

um ter-medo do vazio.

Hegel considera que o pensamento pode chegar ao ser, ou melhor, que o pensamento é o

próprio ser. De modo totalmente diverso, para Heidegger o ser se vela e a investigação a

respeito do ser deve se iniciar por meio do ente que é capaz de saber de seu próprio ser. E o

homem é o único ente capaz de saber que ele é. Heidegger se refere ao homem na sua

constituição ontológica como Dasein (conforme detalhamos no item 1.2 desta dissertação) e o

colocará como “centro da investigação fenomenológica” conforme citamos acima.

E também compreende-se que Heidegger inicia a investigação pela analítica do Dasein em

Ser e Tempo, pois considera que poderá investigar fenomenologicamente a respeito do próprio

ser, a partir do ente homem (Dasein), privilegiado com a capacidade de ser e de saber que é.

(...) ele analisa os existenciais do Dasein para encontrar através dos

existenciais uma via de acesso ao sentido do ser que transpassa todo e

qualquer mundo fático, para libertar ao mesmo tempo o mundo da

homogeneização ontológica produzida pela tradição metafísica e para

evidenciar o papel do Dasein na gênese de novos sentidos de ser.

(CASANOVA, 2009, p. 149)

Contudo a viragem (Kehre) aparece como uma alteração de perspectiva em que a investigação

do ser encontra na própria estrutura ontológica do Dasein a impossibilidade de continuidade

da investigação por aquela linha.

68

“Há algo de inconsistente no projeto mesmo da hermenêutica da facticidade, ou seja, da

reinterpretação histórica da vida por meio das crises do Dasein humano enquanto ente dotado

de um primado ôntico-ontológico.” (CASANOVA, 2009, p. 148)

E conforme explica Benedito Nunes:

A abertura, o aí da existência fática, vai tanto do homem para o ser quanto

do ser para o homem. Seria cabível, então, diante disso, continuar um

caminho que, apenas sustentado pela segunda redução, mantinha o foco da

subjetividade do qual partira? Não se precisaria inverter o passo da

investigação, e, em vez de perseguir o ser em geral, tomando a

temporalidade por base, redimensionar a busca sob o foco do ser já

desvelado, e que possibilitaria o projeto de uma Ontologia fundamental?

(NUNES, 1986, p. 191)

E assim, Heidegger passará a pensar o próprio ser sem passar necessariamente pela estrutura

do Dasein:

Agora, no período posterior à viragem, ele não toma mais por base a

dinâmica ek-stática do Dasein humano para pensar o acontecimento do

mundo, mas insere diretamente o olhar no acontecimento do mundo. Em

outras palavras ele não parte mais do Dasein humano para chegar ao aí, mas

se atém muito mais ao próprio dar-se do aí. (CASANOVA, 2009, p. 149)

4. O NADA, A POESIA E O HABITAR

Antes de relacionarmos o nada à poesia e ao habitar, cabe esclarecer: Por que Heidegger passa

a abordar a poesia em sua investigação pelo ser? De fato após a viragem (Kehre), Heidegger

depara com a necessidade de outra abordagem para sua investigação fenomenológica

referente ao ser.

Antes da viragem (Kehre), Heidegger realiza a hermenêutica do Dasein, a partir do próprio

discurso cotidiano (linguagem ordinária) para chegar, por vias da análise fenomenológica, às

estruturas ontológicas do Dasein. Por exemplo, no texto já acima citado no item 2.3., ele

identifica que o Dasein tem em sua essência a possibilidade de perder-se no impessoal: “(...) a

ambigüidade é o próprio do falatório, (...) nessa fala sobre a morte. (...). Ele (o falatório)

propaga a morte como algo sempre “real” mas lhe encobre o caráter de possibilidade e os

momentos que lhe pertencem de irremissibilidade e insuperabilidade. Com essa ambigüidade,

o Dasein adquire a capacidade de perder-se no impessoal (...). (HEIDEGGER, 1989, p. 35-36)

69

Contudo a partir da viragem iniciada no ensaio Da essência da verdade, há uma mudança de

foco já referida acima, e Heidegger passa a focalizar diretamente o ser: “À perspectiva do ser,

através da Hermenêutica do Dasein, sucederia a Hermenêutica do ser – a questão do

pensamento, antecipada na linguagem e realizando-se como história – enquanto perspectiva

do Dasein.” (NUNES, 1986, p. 192)

Por outro lado, a investigação de Heidegger havia tomado a consciência como ponto de

partida, enquanto um resíduo da abordagem de Husserl (vide item 3.4. desta dissertação), e

agora encontra na linguagem do cotidiano uma limitação:

o campo da Hermenêutica, em Ser e tempo confunde-se com o da linguagem

ordinária. A linguagem ordinária impossibilita a total redução

fenomenológica e responde pelo caráter residual do ser da consciência na

Fenomenologia transcendental de Husserl em Ser e Tempo. (NUNES, 1986,

p. 193)

Assim, Heidegger irá buscar, não mais na linguagem ordinária, os elementos de investigação

fenomenológica, mas investigará a própria linguagem:

(...) na segunda fase, Heidegger volta-se para a essência da linguagem, sua

intenção é surpreender, alijando a concepção instrumental em que incorreria

a Lingüística, o que as palavras dizem por si mesmas – seu poder de apelo e

de silêncio, o significar latente que elas guardam e o significado atual que

dispensam. (NUNES, 1986, p. 193)

O que está suposto é que Heidegger considera que existe uma aliança entre pensamento e

linguagem na medida em que “a linguagem existe no conjunto de signos que formam o

‘sistema virtual’33 de um idioma e em cada ato do discurso. Diante disso, a concepção

heideggeriana tenderá a absorver o lógos nas línguas e a linguagem na fala das palavras que

nomeiam.” (NUNES, 1986, p. 194).

É necessário ter em vista que Heidegger diagnosticou que, a partir de Platão e Aristóteles, a

linguagem passou a ser entendida com o pressuposto da “possibilidade de se submeter a

linguagem a uma purificação radical de seus elementos empíricos e a uma conseqüente

compatibilização de si com a natureza da presença propriamente dita dos entes em seu ser.”

(CASANOVA, 2009, p.205). O que quer dizer que se perdeu de vista a função da linguagem

33

“O sistema é ‘simplesmente virtual’ (e atemporal), ao contrário do discurso, que tem, ‘por modo de presente

um ato...’, possuindo natureza de um acontecimento.” (NUNES, 1986, p. 194)

70

de expressar a verdade no sentido de estar desvelando constantemente o ente de seu

velamento. E isso decorre do próprio embate do entendimento a respeito da verdade:

(...) nos vieram ao encontro duas correntes fundamentais sobre a essência da

verdade: a verdade como desencobrimento e a verdade como correção, tal

como os gregos experimentaram e conceitualmente apreenderam. (...) Em

Platão as correntes básicas ainda se chocaram (...). Não é um acaso que se

caracterize a filosofia platônica como a doutrina das idéias. Não é causal,

nem também necessário, que se tenha compreendido esta doutrina apenas

por esse lado. (HEIDEGGER, 2007, p.174)

Quando analisamos o texto Sobre a Essência da Verdade (no item 3.3. acima), já

apresentamos, que a concepção de verdade em Heidegger não se refere à busca de

conformidade de uma enunciação que compara algo com a sua idéia. O que está de acordo

com o que resume a passagem já citada no referido item 3.3.:

A liberdade assim compreendida, como deixar-se do ente, realiza e efetua a

essência da verdade sob a forma do desvelamento do ente. A “verdade” não

é uma característica de uma proposição conforme, enunciada por um

“sujeito” relativamente a um “objeto” e que então “vale” não se sabe em que

âmbito; a verdade é o desvelamento do ente graças ao qual se realiza uma

abertura. (HEIDEGGER, 1973, p.337)

É nesse contexto que se torna claro o papel da linguagem poética. A liberdade acima referida

refere-se à possibilidade ontológica do Dasein de se abrir para a verdade. E essa liberdade é

plenamente realizada pelo poeta. Heidegger já havia antecipado incidentalmente o papel do

discurso poético, uma só vez (NUNES, 1986, p. 197), em Ser e Tempo: “A comunicação das

possibilidades existenciais da disposição, ou seja, da abertura da existência, pode-se tornar a

meta explícita do discurso ‘poético’.” (HEIDEGGER, 1988, p.221).

Portanto, a forma de superação das limitações da análise da linguagem ordinária é encontrada

na linguagem poética, pois o poeta não utiliza a linguagem como instrumento para se haver

com a lida cotidiana. O poeta nem mesmo utiliza a linguagem, mas, como veremos adiante,

ele a escuta. Desse modo o discurso poético transcende as limitações pragmáticas do Dasein

ocupado e comprometido com o mundo, e alcança as possibilidades mais próprias do Dasein.

Enquanto a linguagem ordinária, à deriva do poder anônimo que a

instrumenta, tende a encobrir essas possibilidades, a linguagem poética,

como forma de uso não-instrumental das palavras, que suspende a função

71

comunicativa corrente do falar na lida cotidiana, revela, antes de tudo,

através de um mood, de um sentimento, de uma tonalidade afetiva, o ser-no-

mundo. (NUNES, 1986, p. 197)

O poeta, por dispor plenamente de sua liberdade pode exercer o papel de abrir as novas

possibilidades e as transmitir para o homem comum.

O espírito poetizador funda, mediante o animador, o habitar poético dos

filhos da terra. Assim o espírito mesmo deve habitar previamente no fundo

de todo fundamento. O habitar poetizante dos poetas vai à frente do habitar

poético dos homens34. (HEIDEGGER, 1983, p. 111)

O poeta, vazio de todo interesse de posse e utilização da linguagem, fica aberto à verdade, no

sentido do desvelar do ente, conforme foi acima referido. É assim que, em Heidegger:

O interesse da Hermenêutica transfere-se à correlação entre arte e

pensamento filosófico. (...) (e) tornar-se-á, na segunda fase, um

empreendimento de auscultação da linguagem, que se pretende liberar como

linguagem, em sua pura essência dizente. Por essa auscultação, a Filosofia se

avizinhará da poesia tanto quanto a poesia da Filosofia. (NUNES, 1986, pp.

198-199)

4.1. O NADA E A POESIA

O nada se relaciona à poesia uma vez que a poesia se relaciona ao fundamento e à verdade.

Conforme visto nos textos Sobre a essência do fundamento e Sobre a essência da verdade,

tanto a essência do fundamento como à essência da verdade se relacionam ao nada. A saber,

ao nada do que seja ente, tal como referido em na preleção Que é Metafísica?. Assim,

também a poesia se relacionará ao nada, na medida em que é a poesia é uma linguagem que

admite seu fundamento no nada e se remete à verdade na ausculta do desvelar-se do ser.

Por um lado a poesia é fundamentação “(...) a essência da poesia parece vacilar na própria

aparência, e contudo, permanece firme. Pois ela mesma, no entanto, é por essência fundação:

isto é: firme fundamentação”. (HEIDEGGER, 1983, p.65).

Como visto na análise acima a essência do fundamento é a liberdade. A saber, liberdade no

sentido do que está relacionado à capacidade de transcendência, que é própria do ser humano.

Liberdade não no sentido de livre arbítrio, mas daquilo que possibilita o projetar-se sobre as

34

O texto utiliza termos poéticos, pois se trata de uma passagem em que Heidegger comenta o hino

“Recordar” (Andenken) de Hölderlin.

72

possibilidades de si mesmo. Liberdade é o que antecipa a transcendência, por ter projetado

previamente algo relativo ao “em-vista-de”, conforme já citado acima: “Aquilo, entretanto,

que, segundo sua essência, antecipa projetando algo tal em-vista-de em geral (...), é o que

chamamos liberdade. A ultrapassagem para o mundo é a própria liberdade. (HEIDEGGER,

1973, p. 317).

Coerentemente também a poesia, sendo firme fundamentação está relacionada com a

liberdade: “Certo de que toda fundamentação é um dom livre, e Hölderlin ouve dizer: ‘livres

sejam, como andorinhas, os poetas’ (IV168). Mas essa liberdade não é arbitrária sem limites

nem desejo caprichoso, senão é suprema necessidade. (HEIDEGGER, 1983, p.65).

Ainda mais explícita é essa afirmação de Heidegger:

Poesia é, pois, fundação do ser por meio da palavra da boca. Jamais se

obtém, segundo isso, do passageiro o que há de permanecer, nem se pode

extrair sem mais do complicado o simples, nem do desmesurado a medida.

Jamais haverá fundo no Profundo, pois que nunca jamais o Ser é um ente.

Mas porque o ser e a essência das coisas não se pode calcular nem deduzir

do que esteja aí de corpo presente, Ser e Essência haverão de ser livremente

criados, dispostos e doados. E fundamentação não é senão essa ação de

libérrima doação. (HEIDEGGER, 1944, p.34)

Mas nessa liberdade está implícito um extremo perigo: “Como se poderia realizar esse

trabalho, o mais perigoso, se o poeta não for ‘arremessado ao exterior’ (Empédocles, III, 191),

desde o habitual do dia, e protegido contra isso por uma aparência de inocuidade de sua

ocupação?” (HEIDEGGER, 1983, p.64)

De fato, o poeta deverá, tal como Heidegger já referiu ao Dasein, estar suspenso no nada:

“Necessitado é o tempo, e por isso extremamente rico seu poeta – tão rico, que muitas vezes,

ao rememorar o que tenha sido e ao pressentir o porvir, quereria paralisar-se e só dormir nesse

aparente vazio. Mas se mantém de pé no nada dessa noite. Em quanto que o poeta fica em

supremo isolamento em sua condição em si mesmo, realiza a verdade, representativamente, e

portando, verdadeiramente, para seu povo.” (HEIDEGGER, 1983, p.67)

Essa descrição a respeito do poeta tem clara relação com a referência à liberdade, relacionada

ao fundamento no texto Sobre a essência do fundamento. Foi visto que a essência do

fundamento não pôde ser encontrada em nenhuma enunciação a respeito do ente, a saber,

nenhuma enunciação referida à razão de ser do ente. Mas antes a busca da essência do

fundamento encontrou a liberdade e o abismo (sem fundamento) como instâncias primordiais

73

que possibilitam o próprio fundamento. “A liberdade é a razão do fundamento (fundamento

do fundamento). (...) unidade fundante da distribuição transcendental do fundar. Enquanto

este fundamento, porém, a liberdade é o abismo (sem fundamento) do ser aí.” (HEIDEGGER,

1973, p. 323)

Relacionando com o texto Que é Metafísica?, verificamos a relação do nada com o

sentimento de angústia. Tal sentimento nadifica e leva o Dasein a uma situação de

afastamento de todo e qualquer ente, inclusive da totalidade do ente. Leva o Dasein ao

abismo, o fundamento primeiro de cada ente. No posfácio ao Que é Metafísica? encontramos:

A disposição para a angústia é o sim à insistência para realizar o supremo

apelo, o único que atinge a essência do homem. Somente o homem, em meio

a todos os entes, experimenta, chamado pela voz do ser, a maravilha de todas

as maravilhas: que o ente é. (...).

(...). Que seria toda coragem se não tivesse, na experiência da angústia

fundamental, seu constante elemento de confronto? Na medida em que

diminuímos a angústia fundamental e a referência do ser ao homem, nela

iluminada, aviltamos a essência da coragem. Mas esta é capaz de suportar o

nada. A coragem reconhece, no abismo do espanto, o espaço do ser apenas

entrevisto, a partir da iluminação cada ente primeiramente retorna àquilo que

é e é capaz de ser. (HEIDEGGER, 1973, p. 247)

Fica clara a relação entre o nada, enquanto abismo em que situa o Dasein e a liberdade. Como

visto, liberdade está relacionada diretamente ao poeta. E a liberdade que está relacionada

diretamente à essência do fundamento, ou seja, relacionada à condição prévia de todo fundar,

de todo inaugurar, que passa a ser a possibilidade de toda a existência.

Por outro lado, no texto Sobre a essência da verdade, conforme visto, a verdade está

relacionada ao desvelamento. E o desvelamento depende da capacidade do Dasein ultrapassar

o ente, estar além do ente para então poder estar aberto ao vir-a-ser do ente. A não verdade

opõe-se à verdade na medida em que se refere ao não desvelamento. Tanto o desvelamento

como o não desvelamento dependem do primordial velamento. O primordial velamento é

possibilidade tanto para o desvelamento como para o não desvelamento. E o desvelamento

ocorre sempre com um simultâneo velamento, pois o desvelamento ao desvelar o ente

enquanto tal, por isso mesmo, não desvela, mantém velada, a totalidade do ente.

Em Que é Metafísica?, conforme visto, o nada está referido ao nada do que seja ente. O

homem sempre tem o nada como um motivador (mesmo que não admita), pois se ocupa

74

compulsivamente do ente, reagindo ao pressentimento do nada. Assim é o nada que o impele

a dirigir-se ao ente e somente ao ente e mais nada.

E assim, entendendo a essência do fundamento e a essência da verdade, é facilitado entender

como a disposição do poeta compartilha da liberdade e como a linguagem poética é

apropriada para o Dasein pensar o ser do ente:

É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de

uma coisa. Isso, porém, não quer absolutamente dizer que, em cada

significação tomada ao acaso de uma palavra, a linguagem já nos tenha sido

entregue a essência transparente das coisas, de forma imediata e absoluta.

Como se fosse um objeto pronto para o uso. O co-responder, em que o

homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no

elemento da poesia. Quanto mais poético um poeta, mais livre, seja, mais

aberto e preparado para acolher o inesperado é o seu dizer; com maior

pureza ele entrega o que diz ao parecer daquele que o escuta com dedicação,

e maior a distância que separa o seu dizer da simples proposição, esta sobre a

qual tanto se debate, seja no tocante à sua adequação ou à sua inadequação.

(HEIDEGGER, 2006, p. 168)

4.2. A POESIA E O HABITAR

O habitar a que Heidegger se refere não é o habitar comumente referido na atualidade.

Quando falamos em habitar imediatamente poderemos pensar em construir coisas,

edificações, e de modo mais geral em efetivar projetos.

Mas, é a outro habitar que Heidegger se refere:

O habitar, contudo, só acontece se a poesia acontece (...) como tomada de

uma medida para todo o medir. (...) é a medição em sentido próprio e não

mera contagem com medidas previamente determinadas no intuito de

efetivar projetos. A poesia não é, portanto um construir no sentido de

instauração e edificação de coisas construídas. Todavia, enquanto medição

propriamente dita da dimensão do habitar, a poesia é um construir em

sentido inaugural. É a poesia que permite ao homem habitar a sua essência.

A poesia deixa habitar no sentido originário. (HEIDEGGER, 2006, p. 178)

Assim, se por um lado, esse outro habitar (o habitar originário) e o construir no sentido

originário que Heidegger ressaltou, se distinguem do que cotidianamente entendemos, por

75

outro lado esse habitar originário é a possibilidade mesma do construir e habitar. Ou seja,

Heidegger refere-se ao habitar originário instaurador da possibilidade de edificar a moradia na

terra:

A frase: o homem habita à medida que constrói, adquire agora uma acepção

própria. O homem não habita somente porque instaura e edifica sua

morada sobre esta terra, sob o céu, ou porque, enquanto agricultor,

tanto cuida do crescimento como edifica construções. O homem só é

capaz de construir nessa concepção porque já constrói no sentido de

tomar poeticamente uma medida. Construir em sentido próprio

acontece enquanto os poetas forem aqueles que tomam a medida para

o arquitetônico, para a harmonia construtiva do habitar. (HEIDEGGER,

2006, p. 178)

Também o “tomar medida” se distingue do que cotidianamente entendemos. De imediato

tomar medida entendemos como a ação de, a partir de uma unidade de medida, verificar a

relação dessa unidade com alguma dimensão de algum ente. Ou seja, estabelecemos essa

relação em termos de uma quantidade de unidades de medida verificada no ente.

Mas Heidegger investiga o que Hölderlin quer dizer no poema com “... o homem pode medir-

se sem infelicidade ao divino (...). É a medida dos homens. (...) Existe sobre a terra alguma

medida? Não há nenhuma.” (HEIDEGGER, 2006, p. 171).

Assim, o tomar medida é na verdade instaurar a própria unidade de medida. “Esse

levantamento de medida possui seu próprio µέτρον (metron) e assim sua própria métrica.”

(HEIDEGGER, 2006, p. 172). “Medir consiste, sobretudo, em se conquistar a medida com a

qual se há de medir” (HEIDEGGER, 2006, p. 173).

E nesse sentido Heidegger interpreta que o tomar medida é intrínseco ao homem. “De acordo

com as palavras de Hölderlin, o homem mede a dimensão em se medindo com o celestial. O

homem não realiza essa medição de maneira ocasional, mas é somente nesse medir-se que o

homem é homem.” (HEIDEGGER, 2006, p. 172).

Indo além Heidegger entende que o medir, além de ser intrínseco ao homem, é intrínseco do

dizer poético:

O que é a medida para o medir constitutivo do homem? (...). Uma medida

estranha para o modo de representação comum (...), de qualquer maneira,

(...) mais simples de se manejar, ao menos quando nossas mãos não querem

76

manipular, mas apenas se deixar guiar (...) num tomar que nunca extrai de si

a medida, mas que a toma num levar em conta integrador, esse que

permanece uma escuta.

(...) essa medida mede com inteireza a essência do homem.

(...) Para o poeta, vislumbrar essa medida, medi-la como medida e tomá-la

como medida, tudo isso tem um nome: ditar poeticamente. A medida é essa

tomada de medida e, na verdade, em favor do habitar humano.

(HEIDEGGER, 2006, p.174-175)

Portanto, no sentido originário que Heidegger aborda o habitar, o construir e o medir são

intrínsecos do dizer poético e têm o caráter instaurador das possibilidades. Habitar se

relaciona com o estar sobre a terra de modo amplo e com todas as referências que possam

estar implícitas. O habitar se faz por um construir que instaura as próprias condições prévias,

as possibilidades mesmas do habitar. E o medir não faz uso de uma métrica, mas se refere à

própria essência do homem na medida em que ele se instaura por um medir-se a si mesmo. E

ao medir-se ele instaura a própria métrica.

Assim o “ditar poeticamente” instaura inclusive dos respectivos habitar, construir e medir, no

sentido cotidiano desses termos. Ou seja, a partir do habitar originário é que o homem pode

também habitar, no sentido de viver em determinada moradia. É a partir do construir

originário que o homem pode também construir, no sentido de produzir edificações, moradias

e todo tipo de construções. E é a partir do medir originário que o homem instaura a métrica e

passa a medir os entes e a fazer ciência.

Porém o ditar poeticamente não é mérito do homem tal como entendemos serem meritórias as

atividades humanas de construção e cuidados que o homem executa mediante seu próprio

esforço. O poema de Hölderlin diz:

“Cheio de méritos, mas poeticamente

o homem habita esta terra (...)”35 (HEIDEGGER, 2006, p.257)

Portanto o habitar poeticamente tem outra natureza cujo mérito não é atribuível ao homem.

Heidegger interpreta esses versos da seguinte forma:

35

Do original alemão: “Voll Verdienst, doch dichterisch wohnet/ Der mensch auf dieser Erde. (…)”(HEIDEGGER,

2006, p.256)

D

77

O que realiza e procura o homem, consegue e merece por sua própria fadiga.

Mas diz Hölderlin, em dura contraposição a isso – tudo isso não toca a

essência de seu residir nessa terra; tudo isso não alcança o fundamento da

existência humana. Essa em seu fundamento é “poética”. No entanto agora

entendemos a poesia, como o nomear fundador dos deuses e da essência das

coisas. “Poética” é a existência em seu fundamento – o que implica ao

mesmo tempo: enquanto fundada (fundamentada) não é nenhum mérito,

senão uma dádiva. (HEIDEGGER, 1983, p.62)

O que é reforçado por esse outro texto onde Heidegger explicita que é próprio do poético se

opor ao mérito:

Como e de onde chega o poético? É um produto dos poetas? Ou os poetas e

o poético estão em cada caso determinados pela poesia? Mas, qual a essência

da poesia? Quem a determina? Pode-se deduzir essa essência dos muitos

méritos do homem sobre a terra? Isso assim se parece porque a opinião

moderna considera os poetas entre aqueles que atuam criativamente e

considera os poemas como realizações da cultura. Mas segundo a expressão

do poeta (Hölderlin) o poético se opõe a todo mérito e não constitui parte do

mérito do homem. (HEIDEGGER, 1983, p.110)

Ou seja, o poeta não exerce propriamente uma atividade que possa atribuir a si, mas no

poetizar ele exerce recebe o que transcende sua própria possibilidade de esforço e mérito

pessoal.

Observamos também que a poética enquanto fundamento da existência humana implica que a

mesma existência liga-se à linguagem a partir do “nomear fundador dos deuses e da essência

das coisas”, citado acima. Nesse sentido, também para estabelecer o sentido original do

habitar, construir e medir foi necessário que Heidegger fizesse previamente o estudo da

essência da linguagem, verificando que há uma soberania da linguagem em relação ao dizer

simplesmente humano:

Mas onde nós os humanos, podemos nos informar sobre a essência do

habitar e da poesia? Aonde o homem assume a exigência de adentrar a

essência de alguma coisa? O homem só pode assumir essa exigência a partir

de onde ele a recebe. Ele a recebe no apelo da linguagem. Mas isso,

certamente, apenas e enquanto o homem estiver atento à essência da

linguagem. Todavia, circula no planeta, de maneira desenfreada e hábil, um

falatório, um escrever e uma transmissão de coisas ditas. O homem se

78

comporta como se fosse o criador e o soberano da linguagem. A linguagem,

no entanto, permanece a soberana do homem. Quando essa relação de

soberania se inverte, o homem decai numa estranha mania de produção.

(HEIDEGGER, 2006, p.167)

E em consequência, também o dizer poético terá uma possibilidade que fica aquém de sua

realidade originária:

(...) hoje o que se entende por habitar está açulado pelo trabalho, resolvido

pela caça de vantagens e sucesso, enfeitiçado pelo lazer e descanso

organizados. O espaço e o pouco de tempo que, no modo atual de habitar,

ainda nos resta para o poético, acontece, no melhor dos casos, quando nos

ocupamos das letras, do belo espiritual, veiculado em publicações ou por

outros meios comunicacionais. A poesia ou bem é negada como coisa do

passado, como suspiro nostálgico, como vôo irreal e fuga para o idílico, ou

então é considerada como parte de nossa literatura. Julga-se a validade

desses posicionamentos segundo a medida-padrão da atualidade de cada

momento. O atual, por sua vez, é produzido e dirigido pelos órgãos

dedicados a formar a opinião pública civilizada. Um de seus funcionários,

isto é, um dos promotores e promovidos da atualidade é a promoção da

literatura. Desse maneira, a poesia só pode aparecer como literatura. Torna-

se objeto da história da literatura quando considerada cientificamente e com

fins educacionais. (...)

Se, de antemão, a poesia apenas possui existência na forma do literário,

como pode o habitar humano fundar-se no poético? (HEIDEGGER, 2006,

p.167)

Assim, foi a partir do verso de Hölderlin “poeticamente o homem habita” que Heidegger pôde

empreender o estudo em direção àquele significado de habitar diferenciado do nosso uso

comum.

“Poeticamente o homem habita”. E nós habitamos poeticamente? Parece

que habitamos sem a menor poesia. Se é assim, será mentirosa e não

verdadeira a palavra do poeta? Não. A verdade de suas palavras se confirma

da maneira mais inacreditável. Pois um habitar só pode ser sem poesia

porque, em sua essência, o habitar é poético.” (HEIDEGGER, 2006, p.167)

Ou, seja, constatada a possibilidade do habitar poeticamente, o fato de não habitarmos na

plenitude dessa expressão não nega a sua verdade (realidade), mas antes a reafirma pela

79

negação. “Um homem só pode ser cego porque, em sua essência, permanece um ser capaz de

visão. Um pedaço de madeira nunca pode ficar cego” (HEIDEGGER, 2006, p. 179).

A presente dissertação focaliza o nada, mas tem em vista o poético. O nada é o nada do ente,

o ente considerado sem seu ser. O nada é a compreensão que temos do ser do ente, quando

não prestamos atenção ao ser, mas nos focalizamos estritamente no ente. Por pressentirmos

esse nada nos refugiamos ainda mais no próprio ente. Nesse caso habitamos sem poesia. Não

procuramos mais o acesso ao que é originário, instaurador e relacionado com a liberdade.

Em todo caso, só podemos fazer a experiência de que habitamos sem poesia

e em que medida isso acontece, se conhecemos o poético. Se e quando uma

virada nesse habitar sem poesia há de acontecer, isso só devemos esperar

prestando atenção ao poético. Com e em que extensão nosso fazer e nosso

deixar fazer são partes ativas dessa virada, isso só podemos garantir levando

a sério o poético. (HEIDEGGER, 2006, p. 179)

Ao nada da nadificação se contrapõem o nada que faculta o acesso ao ser do ente. E a abertura

para o ser se dá pela linguagem poética e no pensar poeticamente. A solidão do poeta traduz

seu afastamento do ente e sua disposição na escuta do Ser.

O tempo é de indigência e por isso extremamente rico seu poeta, tão rico

que, com freqüência, ao pensar o passado e esperar o vindouro, quereria

paralisar e apenas dormir nesse aparente vazio. Mas se mantém de pé, no

nada (grifo nosso) desta noite. Quando o poeta fica assim em si mesmo, na

suprema solidão de seu destino, então realiza a verdade representativamente

e portanto verdadeiramente, para seu povo. Isso anuncia a sétima estrofe da

elegia Pão e vinho (IV), 123). Nela se diz poeticamente o que aqui somente

se pôde analisar teoricamente. (HEIDEGGER, 1983, p. 67) e

(HEIDEGGER, 2006, p. 109)

O habitar sem poesia é o habitar circunscrito, fechado no já conhecido. O habitar

poeticamente é a abertura para o novo.

O poeta, quando é poeta, não descreve o mero aparecer do céu e da terra. Na

fisionomia do céu, o poeta faz apelo àquilo que no desocultamento se deixa

mostrar precisamente como o que se encobre e, na verdade, como o que se

encobre. Em tudo o que aparece familiar, o poeta faz apelo ao estranho

enquanto aquilo a que se destina o que é desconhecido de maneira a

continuar sendo o que é – desconhecido (HEIDEGGER, 2006, p. 179)

80

4.3. O NADA, POESIA E PENSAMENTO

Visto a necessidade da poesia para o habitar humano, surge a pergunta, a respeito do próprio

pensamento, tendo-se em consideração que Heidegger, pensa o nada, pensa o ser e pensa o

poema.

Heidegger identifica a diferença entre o dizer poético e o pensamento:

Hölderlin nomeia o habitar do homem, os seus méritos, mas não estabelece,

como estamos fazendo, uma conexão entre habitar e construir. Ele não fala

de construir, nem no sentido de cultivar, cuidar e edificar e nem menciona

que a poesia se representa como uma espécie de construção. Hölderlin não

diz sobre o habitar poético o mesmo que dizemos em nosso pensamento.

Todavia, pensamos o mesmo que Hölderlin dita poeticamente.

(HEIDEGGER, 2006, p. 170)

Mas sendo diferente ainda assim os dois modos não dizem necessariamente o que possa se

opor, muito ao contrário, o pensar pode pensar ao seu modo o mesmo que o poeta disse.

É importante observar aqui algo essencial. Justifica-se uma breve

consideração. Poesia e pensamento encontram-se somente e enquanto

permanecerem na diferença de seus modos de ser. O mesmo não se confunde

com o igual e nem tampouco com a unidade vazia do que é meramente

idêntico. Com freqüência, o igual se transfere para o indiferenciado a fim de

que tudo nele convenha. O mesmo é, ao contrário, o mútuo pertencer do

diverso que se dá pela diferença, desde uma reunião integradora. O mesmo

apenas se deixa dizer quando se pensa a diferença. No ajuste dos diferentes

vem à luz a essência integradora do mesmo. O mesmo deixa para trás toda

sofreguidão por igualar o diverso ao igual. O mesmo reúne integrando o

diferente numa unicidade originária. O igual ao contrário, dispersa na

unidade pálida do um, somente o uni-forme. Hölderlin conhecia, a seu modo,

essas relações. Ele diz o seguinte, numa epigrafe intitulada ‘Raiz de todo

mal’: ‘Ser reunido é divino, é bom; de onde vem então esse vício dentre os

homens de só admitir o um, o uno?’ (HEIDEGGER, 2006, p. 170)

Segundo Heidegger o pensamento e o dizer poético são “dois troncos” da mesma “floresta da

linguagem, referindo-se nesse caso àquele pensamento que se dirige com admiração ao ser do

ente, conforme nos indica Benedito Nunes:

Nessa admiração, o ser do ente, aberto pra os filósofos gregos, foi guardado

nas palavras fundamentais, cujo nomear, quando filosofamos

81

verdadeiramente, entrando em relação dialogal com eles, ouvimos o apelo do

ser do ente que nos fala. A Filosofia seria também um modo privilegiado do

dizer. O primeiros pensadores, como Heráclito e Parmênides36, ainda eram

poetas. Enquanto vislumbraram o ser como lógos e alétheia, em sua união

coligente com o tempo, o seu pensamento foi um dichtende Denken, um

pensamento poético, que a Filosofia absorveu. (NUNES, 1986, p. 277)

Mas esse pensamento originado com os gregos não segue necessariamente o caminho que

admira o ser do ente. Esse pensamento pode, de fato seguir um caminho “ameaçador”, o da

produção filosófica (das Philosophieren) (ED, P.15). Por outro lado o pensamento que ao

mesmo tempo recua da filosofia, se avizinha do “poeta que canta” e busca a possibilidade de

uma nova origem é dito poema: “o pensamento que se arrisca a superar a Filosofia, que recua

da Filosofia à possibilidade de uma nova origem é poema (Gedichte), obra de poeta. Cantar e

pensar são dois troncos vizinhos do ato poético (ED, p.25)”. (NUNES, 1986, 278).

Permanece portanto a diferença do pensamento ao ato poético conforme o próprio Heidegger

indica nos seguintes termos:

De igual origem é o nomear do poeta. Mas, pelo fato de o igual somente ser

igual enquanto é distinto, e o poetar e o pensar terem a mais pura igualdade

no cuidado da palavra, estão ambos, ao mesmo tempo, maximamente

separados em sua essência. O pensador diz o ser. O poeta nomeia o sagrado.

Não podemos analisar aqui, sem dúvida como, (...) o poetar e o reconhecer e

o pensar estão referidos um ao outro e ao mesmo tempo separados.

Provavelmente o reconhecer e o poetar se originam, ainda que de maneira

diversa, do pensamento originário que utilizam, sem contudo, poderem ser,

para si mesmos, um pensamento.

Conhecemos é claro, muita coisa sobre a relação entre filosofia e poesia.

Não sabemos, porém, do diálogo dos poetas e dos pensadores que “moram

próximos nas montanhas mais separadas” (HEIDEGGER, 1973, p.249).

Contudo nem a poesia nem o pensamento são um fim em si mesmos, e é justamente onde se

avizinham que se apresenta o caminho a ser percorrido:

Para isso não basta permanecer no caminho entreaberto no seio da

vizinhança de poesia e pensamento. (...) A respeito do caminho que nos deve

36

Vide nota de rodapé no item 5.1 acima que faz relação da análise da essência da verdade com os estudos de

Heidegger a respeito do conceito de alétheia (άλήθεια) em Parmênides.

82

colocar diante dessa possibilitação, dissemos que ele nos conduz somente

para onde já estamos. O “somente” não significa aqui nenhuma limitação,

mas acena para a simplicidade pura desse caminho. (...) o caminho permite

alcançar o lugar em que já estamos (...) (HEIDEGGER, 2008, 156)

5. O NADA E O ORIENTE DE HEIDEGGER

Se Heidegger desenvolve seu pensamento a partir da filosofia ocidental, não é menos verdade

que se interessou, estudou e, deve ter se inspirado em determinados aspectos do pensamento

oriental, principalmente no que tange à questão do nada.

Os contatos de Heidegger com a filosofia oriental já existem desde os anos vinte, originando-

se do diálogo com pensadores da “Escola de Kioto”37 que assistiam aos cursos de Heidegger

(SAVIANI, 2004, p.29). Disso decorre inclusive que a obra Que é Metafísica? (analisada no

item 2 desta dissertação) foi traduzida imediatamente para o Japonês.

Já referimos na introdução deste trabalho que Heidegger foi acusado de niilismo. A esse

respeito, nas notas que antecedem à sua tradução do texto, Ernildo Stein assim se refere à aula

inaugural de 24 de julho de 192938 que trazia o título Que é Metafísica?:

Publicado no mesmo ano, o texto integral da preleção obteve profunda

repercussão. Provocou também muitos mal-entendidos. Parecia vir reforçar

suspeitas despertadas já por Ser e Tempo. Heidegger era promotor do

niilismo, da filosofia do sentimento da angústia e da covardia, do

irracionalismo que combatia a validez da lógica. (HEIDEGGER, 1973,

p.226)

37

A Escola de Kioto aparece nos anos vinte com Kitaro Nishida (1870-1945). “Desenvolvida até nossos dias

passando quatro gerações de pensadores, a escola de pensamento florescida na Universidade Imperial de

Kioto, representa uma das iniciativas mais interessantes por estabelecer um diálogo e uma síntese entre o

pensamento ocidental e oriental. (...) os pensadores da Escola de Kioto, todos vinculados mais ou menos

diretamente a tradição budista zen, têm se dedicado à rapidíssima assimilação da conceituação filosófica e, em

uma acirrada confrontação com ela, em uma acirrada confrontação com Ella, têm tentado expressar uma nova

síntese, capaz de afrontar o desafio niilista do domínio planetário da técnica, de matriz ocidental-européia.”

(SAVIANI, 2004, p.31). Tradução nossa.

38 A aula inaugural se refere à primeira aula pronunciada por Heidegger ao assumir a cátedra de Filosofia em

Freiburg, vaga com a aposentadoria de Edmundo Husserl. Como é de praxe essa aula foi pronunciada diante de

todo o corpo discente e docente da Universidade. O texto foi analisado neste trabalho no item 2 acima.

83

E o próprio Heidegger:

No fundo, já em minha aula inaugural de 1929 procurei, em meio às

ciências, aplicar-lhes um impulso para o totalmente outro, para dentro do

qual elas já sempre se estendem e que, visto desde o ente, é o não-ente, dito

extremadamente mas pensado autenticamente o nada enquanto o ser. Até

hoje ainda não se compreendeu a intenção fundamental dessa conferência.

Em lugar disso só se apanhou o fato de que na minha problematização e no

que na conferência se diz sobre a “angústia” e tagarelou sobre “o nada”

como um objeto que subsiste por si e o desfez na conversa. Do movimento e

caminho do pensamento não se encontra nada.39

Bem outra foi a compreensão no Oriente atestada por uma carta aberta de Martin Heidegger

datada de 18/08/1963:

Um dos primeiros escritos (“Was ist Metaphysik?”, 1929) caracteriza a

situação pela qual o homem corresponde à chamada do Ser, preparando

assim um lugar de custódia para sua manifestação (Offengarkeit), com a

expressão: o homem é o “lugar tenente do Nada”. A dissertação traduzida

para o japonês já em 1930, foi compreendida imediatamente em seu país,

diferentemente da má interpretação da expressão mencionada como niilista,

que ainda hoje segue vigente na Europa. (SAVIANI, 2004, p.75)40

Isso se dá porque como desenvolveremos a seguir, no oriente a concepção de vazio e nada é

comumente referida à origem.

39

In Stein, Ernildo “’O incontornável como o inacessível’– uma carta inédita de Martin Heidegger” In Natureza

Humana 1(2):231-250, 1999. “Resumo: Após os eventos dos anos 30 e da Segunda Guerra Mundial, Heidegger

procura recuperar seu lugar no espaço público do debate filosófico e revelar, cuidadosamente, em que

consistiu seu trabalho nos anos de chumbo. O ensaio quer situar, nesse contexto, uma carta inédita do filósofo

ao Prof. Herman Zeltner, de Erlangen, na qual fala de uma resenha sobre seu primeiro livro publicado depois de

15 anos de silêncio – Holzwege. Nesta carta, Heidegger escreve sobre a relação das ciências com a filosofia

diante da diferença ontológica, da questão da técnica e da viravolta, necessária tarefa do pensamento.

Disponível em <http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/nh/v1n2/v1n2a01.pdf>. Acesso em 09/01/2011.

40 Tradução Nossa. Trata-se de uma carta aberta de Heidegger a Takehiko Kojima. Em rodapé consta: Martin

Heidegger – Takehiko Kojima, “Ein Briefwechsel”, em Japan und Heidegger, cit., p.225. Takehiko Kojima é

“formado na Universidade Imperial de Tokio (…) e na Universidade Imperial de Kioto (...) foi desde 1952 diretor

da International Philosophical Researche Association do Japão de Tokio, desde 1964 a 1984, ensinou na

Universidade Meisei de Tokio, em 1965, se encarregou da edição em Japonês da tradução do Die Technik und

die Kehre (1962) de Heidegger.” (SAVIANI, 2008, p. 94). Tradução nossa.

84

Se no Ocidente no tempo em que Heidegger está desenvolvendo seu pensamento, há uma pré

disposição contra a investigação sobre o Nada, por outro lado, verifica-se uma familiaridade

da cultura oriental com o pensamento de Heidegger. Isso é dito explicitamente em um trecho

de uma publicação de um ensaio de Heidegger, a respeito de uma conversa sobre a linguagem

entre um japonês e um pensador, em que o japonês diz ao pensador:

“No Japão, compreendemos de pronto a conferência Que é Metafísica?,

quando em 1930 nos chegou uma tradução que se arriscou a fazer um

estudante japonês que havia assistido a seus cursos. Ainda hoje nos

surpreende e nos perguntamos por que os europeus puderam tomar em conta

o Nada em um sentido niilista. Para nós, o vazio é o nome eminente para o

que vocês querem dizer com a palavra “ser”... (SAVIANI, 2004, p.75)41

Conforme já dissemos na introdução em razão das semelhanças há estudos que pretendem

mostrar que o pensamento de Heidegger está em dívida com o pensamento Taoista e Zen

Budista (MAY, 1996)42. Por outro lado há estudos que mostram diferenças fundamentais de

perspectivas43.

De todo modo os estudos comparativos são recomendados pelo próprio Hans-Georg

Gadamer, confome relata Graham Parkes44

41

Tradução nossa. Trata-se de um trecho extraído de “Aus einem Gespräch Von der Sprache”, em GA, xii:

Uterwegs zur Sprache, cit., p. 103 (trad. Cast., “De un diálogo acerca Del habla, en De camino al habla, cit.).

Também publicada pela editora Vozes/ Editora Universitária São Francisco com o título De uma conversa sobre

a linguagem entre um japonês e um pensador (HEIDEGGER, 2008, pp. 71-120). Tradução de Emmanuel

Carneiro Leão. O trecho acima citado está assim traduzido por Carneiro Leão: “ (...) no Japão logo entendemos

a conferência O que é metafísica? que nos chegou em 1930, numa tradução feita por um estudante japonês,

sue ouvinte. Ainda hoje, estanhamos que os europeus pudessem ter caído na armadilha de interpretar

niilisticamente o nada discutido na conferência. Para nós, o vazio é o nome mais elevado para se designar o

que o senhor quer dizer com a palavra ser ...” (HEIDEGGER, 2008, pp. 87-88)

42 Primeira publicação, 1989 na Alemanha com Ex oriente lux: Heidegggers Werk unter ostasiatischem Einfluβ,

by Rinhard May, Stuttgart: Steiner Verlag Wiesbaden.

43 Por exemplo, o nada de Heidegger não necessáriamente leva-o à “dimensão cosmológica (do Zen Budismo)

em que a impermanência de todos os seres é universal e plenamente realizada” (ABBE, 1985, p.67)

44 Relata Parkes de uma conversa particular que “Hans-Georg Gadamer, o principal pensador vivo entre os

muitos eminentes estudiosos de Heidegger, disse que seria bom que os estudos sobre Heidegger seguissem

seriamente uma comparação de seus trabalhos com as filosofias da Ásia.” (PARKES, 2001, p. 5) (tradução

nossa)

85

5.1. O ENCONTRO COM O VAZIO NO TAOISMO

O conhecimento de Heidegger a respeito do taoísmo pode ser constatado pelo seu interesse

por Lao Tsu45 e Chuang Tsu46. Conforme mostra Saviani, a primeira confrontação

documentada de Heidegger com o taoísmo é referida por H.W. Petzet, “crítico de arte, unido a

Heidegger por estreita amizade”, que em sua biografia do pensador47 , relata que em um

encontro na casa de Kellner. Esse encontro, em outubro de 1930, se deu logo após a

conferência Vom Wesen der Wahrheit, 48. Nessa ocasião para ilustrar o que se conversava

Heidegger pediu ao anfitrião que lhe trouxesse o Chuang Tzu e leu o conto “A alegria dos

peixes”. Saviani, mostra ainda duas referências de Heidegger a Chuang-tzu, em 1949 e outra

em 1962. Nesta última “cita por inteiro o relato ‘A árvore inútil’ contida precisamente em

Chang-tzu (trad. R. Wilhem).49” (SAVIANI, 2004, p.55).

Outro testemunho se refere à conversação com Chung-yuan Chang50. Nesse testemunho

entitulado “Reflections” contido na Erinnerung na Martin Heidegger51 consta um resumo da

conversação que manteve com Heidegger em 18 de agosto de 1972 em que “Chang formula

importantes considerações sobre a afinidade entre o pensamento de Heidegger e o taoísmo

45

Lao-tsu, ou Lao tze, ou Lao zi, é o autor do Livro Tao-Te-Ching que viveu cerca do ano de 600 a.C. O livro tal

como o conhecemos deve ter sido constituído cerca de 300 A.C., segundo Kaltenmark. Contudo “o suposto

autor de Tao Te Ching talvez não seja mais que uma figura lendária; seja como for, é uma personalidade da

qual praticamente nada sabemos de certo”. (KALTENMARK, 1972, p.35)

46 “Chuang Tzu, considerado o maior escritor taoísta de que se tem notícia (não podemos ter certeza a repeito

de Lao Tzu), floresceu no final deste período (período clássico da filosofia chinesa de 550 a 250 a.C.)”

(MERTON, 1984, p.19).

47 H.W.Petzet, Auf einen Stern zugehen. Begegnungen mit Martin Heidegger 1929-1976, cit., p.24

48 A conferência Vom Wesen der Wahrheit se deu em Bremen em 08 de outrubro de 1930 e foi publicada

depois em 1943. Foi publicada como a”A essência da verdade” em HEIDEGGER, M. Sobre a essência da

verdade. In Conferências e escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Col. Os pensadores; XLV). p.

325-344.. Nesta dissertação fizemos a análise com relação ao nada no item 5.2. acima.

49 M.Heidegger, Überliefert Sprache und techinsche Sprache, St. Gallen, 1989, pp.7-8. En cuanto al relato, cf.

Shuang-zi (Chuang-tzu), cit., pp. 18-19

50 Chung-yuan Chang: “Emérito perito contemporâneo do taoísmo, este estudioso chinês havia estudado

Filosofia na Columbia University de Nova York, assumindo em seguida a tarefa de docente na Universidade do

Hawaii. Autor de textos fundamentais sobre o taoísmo e sobre o budismo Ch’na, Chung-yuan Chang tem

comparado repetidas vezes em seus estudos a milenar tradição taoísta e o pensamento do último Heidegger”.

(SAVIANI, 2004, p.68). Esteve presente no importante congresso internacional de julho de 1949 sobre

Heidegger and Eastern Thought na Universidade do Hawai.

51 Chang Chung-yuan, ‘Reflections’, in G. Neske, ed., Erinnerung an Martin Heidegger (Pfullingen 1977), 65-70

86

com respeito à poesia e à questão do Nada (p. 66)” (SAVIANI, 2004, p.65). e um detalhe de

sua entrevista não constante na publicação da Erinnerung an Martin Heidegger, Chang conta

em Philosophy of Chuang-tzu que “Heidegger lhe mostrou uma tradução alemã do Chuang-

Tzu, e a discutiou com uma competência inequívoca.52 (SAVIANI, 2004, p.68).

Contudo, segundo Saviani, o testemunho de interesse mais profundo será o de Paul Shih-yi

Hsiao53 que no verão de 1946 colaborou com Heidegger para a tradução dos primeiros

capítulos do Tao Te Ching para o alemão.54 “Por causa da natureza extremamente meticulosa

do pensamento de Heidegger, ao final do verão havíamos trabalhado somente oito dos oitenta

capítulos do total (...) queríamos continuar nosso trabalho no verão seguinte (...) Depois do

verão de 1946 nunca retomamos nossa colaboração (pp.97-98). (SAVIANI, 2004, p. 59)

Portanto está documentado que Heidegger, conheceu a noção de vazio do Taoísmo, a qual

tem muita aproximação com a idéia de Nada na obra de Heidegger. No taoísmo a noção de

vazio está estreitamente relacionado ao princípio supremo, Tao.

Hsiao comenta que: “‘a concepção de Lao-tzu de wu’, do Nada (Nichts), e sua aversão frente

a qualquer tipo de racionalismo se correspondiam com as idéias de Hieddeger”55 (SAVIANI,

2004, p. 26)

O conceito de vazio é fundamental para a cultura taoísta conforme podemos constatar pela

explicação de Wu Jy Cherng:

Para fins didáticos, os mestres taoístas classificaram o Tao como Absoluto

em duas categorias, embora na realidade, ele seja indivisível: Tao em estado

latente e Tao manifestado.

52

Ch.-y. Chang, “Philosophy of Chuang Tzu”, em Zeitschirft für Aesthetik und Allgemeine Kunstwissenchaft,

Bonn, 22, 1977, p.190.

53 Paul Shih-yi Hsiao, “Estudioso chinês da filosofia e psicologia, desde 1938 havia se estabelecido na Europa,

onde assistiu a cursos de filosofia em Milão e Friburgo, publicou em 1941 para o editorial Laerza uma tradução

italiana do Tao Te Ching e ensinou desde 1955 a 1969 lingua e filosofias chinesas na Universidade de Friburgo.

Desde 1974 a 1986, ano de sua morte, ensinou Filosofia na Universidade de Taipei.”(SAVIANI, 2004, p. 56)

54 P. Shi-yi Hisao, “Wir trafen uns am Holzmarktplatz”, en Erinerung an Martin Heidegger (ed., G. Neske),

Pfullingen, 1977, pp. 119-129;Id., “Heidegger and Our Translation of de Tao Te Ching”, en Heidegger in Asian

Tought (ed., G. Parkes), Honolulu, 1987, pp. 93 -101.

55 G. Neske (ed.), Erinnerung an Martin Heidegger, cit., p. 127.

87

O estado latente seria como um vazio, um espaço, um silêncio. É a ausência

que permite a presença de todas as coisas, um vazio que abrange todas as

formas. (CHERNG, 2000, p. 13)

Em A Filosofia Chinesa, Max Kaltenmark assim expressa a respeito de “wu”:

Para Lao-tsú, o Tao é uma entidade primordial e eterna (Tcha’ang). É

anterior a todas as coisas visíveis e mesmo anterior aos Ti, isto é, às

divindades superiores. É inacessível aos sentidos, pois não é algo de

perceptível (Wu). Mas deste nada nasce o mundo visível (Yeú), no seio do

qual nascem enfim os seres particulares. As noções de Wu (sem propriedades

perceptíveis) e de Yeú (com tais propriedades) são essenciais no pensamento

metafísico de Lao-tsu.

(...)

As concepções de Chuang Tzu sobre o Tao são as mesmas de Lao-tsu; como

para este último, trata-se de um absoluto inefável: ‘o Tao é superior às coisas

visíveis e não pode ser apreendido nem pelas palavras nem pelo silêncio.’

Embora, por vezes se diga que o Tao é imanente, presente em todas as

coisas, mesmo as mais vis, a sua transcendência, assim como o seu caráter

primordial, são mais acentuados: ‘Antes que existissem Céu e Terra, ele

existiu por toda a eternidade.’ Este princípio da vida universal e das

potências sagradas. Sendo inefável, só é exprimível negativamente: não

possui qualidades sensíveis (wu), não tem atividade, ainda que seja de

suprema eficácia; não tem forma nem nome. As palavras de que somos

obrigados a servir-nos só podem, quando muito, representar os seres finitos e

as suas qualidades – o Tao está fora do seu alcance.” (KALTENMARK,

1972, p.35-36)

De modo a ilustrar o entendimento de wu na cultura chinesa cabe dizer que sistema das artes

marciais chinesas é todo ele relacionado aos conceitos taoístas e referido ao vazio (wu). Os

chineses entendem que toda a manifestação deriva da polaridade Yin e Yan, e é composta por

esses dois pólos que não se opõem, mas que se complementam, harmonizam e mesmo se

alternam. Contudo, Yin e Yan derivam de Wu chi, também referido como vazio, ou “sem

cume”.

Todos os movimentos das artes marciais chinesas são concebidos e descritos como resultantes

de combinatórias que derivam e são executados segundo a polaridade original Yin e Yan.

88

Contudo, se por um lado Yin e Yan derivam de Wu chi, por outro lado o Tai Chi Chuan56 tem

como objetivo possibilitar que o praticante atinja o estado de Wu chi (vazio). “Transmutando

o Espírito para que possa reverter ao vazio; reversão e retorno ao sem cume” (LIU, 2004,

p.41).

O mestre em artes marciais Jwing-Ming57 ao comentar os textos originais chineses, guardados

pelos representantes de diferentes estilos do Tai Chi Chuan, identifica que Tai Chi é o mesmo

que o Tao, na medida em que de Tai Chi faz com que de Wu chi se origine a multiplicidade

das coisas. “A partir disso, podemos ver que Tai Chi é o mesmo que Tao” (YANG, 2003, p.

02)

A origem da concepção do Tai Chi é controversa. Há fontes58 que referem a Zhou Wen

Wang59 (Rei Wen- 1.099-1.050 a.C.) comentarista do I Ching (Livro das Mutações) e autor de

uma parte do referido livro I Ching.

Segundo citado por Jwing-Ming, foi escrito claramente pelo Rei Wen, na interpretação do

Livro das Mutações, que:

(...) por causa da existência do Tai Chi (isto é, o Grande Princípio), há mudanças no universo. Tai Chi é uma força ou poder invisível que faz com que Wu chi (isto é, o Não Limitado) se divida em polaridades (isto é Yin e

56

“Taijiquan ou Tai Chi Chuan. Taijiquan é a escrita fonética romanizada utilizada de acordo com o sistema

Pinyin, e Tai Chi Chuan é a escrita com uma aproximação fonética para a língua portuguesa. (...) pronuncia-se

Tai Chi Chuan. (DE LAZZARI, 2009, p.23). “O Tai Chi Chuan é uma arte marcial chinesa que foi criada a partir dos

princípios de TAI CHI que, literalmente, significa último supremo, ou seja, o que está acima de tudo. Chuan

quer dizer punho. Assim, Tai Chi Chuan significa “Boxe do último supremo” (LAZZARI, 2009, P. 35).

57 Yang, Jwing-Ming, nasceu em Taiwan na China em 1946. Iniciou seus estudos de arte marcial aos 15 anos e

aos 18 anos já dominava diversos estilos. Em 1971 forma-se em física pela Universidade Nacional de Taiwan.

Em 1974 vai aos Estados Unidos para estudar engenharia mecânica na Purdue University. Nunca deixou de

praticar e ensinar artes marciais e é autor de dezenas de livros sobre arte marcial. Depois de 1984 abandona a

atividades de engenharia e passa a se dedicar exclusivamente às artes marciais. Em 1986 funda o YMAA que se

torna uma organização internacional com mais de 54 escolas em diversos países.

58 Richard Wilhelm, na introdução de sua tradução do I Ching (Wilhelm, 2000, p. 9) observa que os termos Yin e Yang

somente aparecem no I Ching pela primeira vez no Grande Tratado, portanto não anterior a Confúcio (551 a.C. - 479 a.C.).

Inicialmente os termos usados para os opostos eram o “firme” e o “maleável”, e portanto não registravam muitas das

conotações mais atuais do Yin e do Yang. Mas conforme Wilhelm, “não importa que nome seja aplicado a essas forças, o

certo é que a existência surge de sua mutação e interação. Assim, a mutação é concebida como sendo em parte a contínua

mudança de uma força em outra e, em parte, como um ciclo fechado de acontecimentos complexos, conectados entre si,

como o dia e a noite, o verão e o inverno. A mutação não é desprovida de sentido mas está sujeita a lei universal, o Tao”

(ibid., p. 9).

59 A origem do I Ching remonta a Bao-Xi (Fuxi, ou Fu Hsi), referido a 2.800 a.C. Inventou os oito trigramas (Ba Gua), em que

mais tarde se considerou já estava implícito o princípio de Tai Chi.

89

Yang), assim como também faz com que as Duas Polaridades retornem novamente ao estado de Wu chi. (YANG, 2003, p. 02)

Essa descrição está conforme o que indica D. Charles no ensaio L’Ereignis dans le Tao60

citado por Saviani, a saber, wu é um aspecto do Tao:

D. Charles explica que em chinês “ser” e “não ser” são vertidos como shih e fei, enquanto cópula de juízo de adequação, como ts’um e wang, com significado de presença persistente e como yu e wu, quando referidos à posse do ser, de identidade, de substancialidade. Agora bem, se shih não se diz nunca a respeito do Tao e tsún se refere a ele somente metaforicamente, “Tao é yu e wu ao mesmo tempo: possuindo ser enquanto yu, não o perde de modo algum ao converter-se em wu. Wu decididamente não é um nada absoluto, senão a indeterminação que engloba todas as identidades (...)”. (SAVIANI, 2004, p. 27)

De modo semelhante Hsiao também se refere a wu como um aspecto do Tao o vazio que ,

referido por Saviani:

“Em uma nota de sua tradução italiana (tradução do Tao Te Ching para o Italiano), Hsiao explica: que no Tao Te Ching, o termo ‘não-ser’ (wu) pode indicar tanto ‘um estado que existe antes do universo’, como o próprio Tao ou, inclusive o ‘vazio’, quando é comparado com o não ser.” (SAVIANI, 2004, p. 27)

No próprio Tao Te Ching, a referência ao vazio enquanto prévio ao ser está explicitada:

na tradução italiana de Hsiao do Tao Te Ching lemos que, em geral, “o ser (yu) nasce do não-ser (wu)” (XL) e que, por exemplo, “em seu não ser reside o uso da vasilha (...) do não-ser (wu) vem o essencial” (XI). A vasilha, como exemplo da capacidade de wu, está constituída como tal por seu “não ser”, por sua vacuidade (SAVIANI, 2004, p.28)

Contudo Saviani conclui que “no taoísmo, o Nada e o Vazio, aparecem mais como uma

prática, antes do que como um objeto teórico” (SAVIANI, 2004, p. 29) o que ele depreende

do próprio Tao Te Ching em várias passagens interpretadas por Hsiao a exemplo de:

(...) o Tao não pode ser conhecido de modo analítico e objetivo; somente é possível aderir e corresponder ao Tao na prática de wu wei: “quem se dedica ao conhecimento aumenta dia a dia/ quem se dedica ao Tao diminui dia a dia/ e diminui repetidamente até que alcança a inação (wu wei) / não atua e logra tudo fazer.” (XLVIII). Somente praticando o não-atuar, o mesmo sentido de não forçar, de fazer-se vazio, o ser humano participa da harmonia dos Quatro: “O Tao é grande e o céu é grande/ a terra é grande e o homem é

60

D. Charles, “L’Ereignis dans le Tao”, em L’Herne: Martin Heidegger (ed., Michel Haar), París, 1983, p.p. 449-

451

90

grande / no universo há quatro grandezas” (XXV) (SAVIANI, 2004, p.28-29).

A ênfase, dada no oriente, no sentido de que a compreensão é adquirida pela prática, pode ser

ilustrada pelo seguinte relato do professor Roque Severino61 em seu artigo “Compreendendo a

Vacuidade”:

Uma vez perguntamos ao mestre Yang Jun62 sobre o mais alto objetivo da prática do Tai Chi Chuan. Ele nos deu a seguinte resposta: “Você deve atingir e compreender a ‘vacuidade’ e ajudar a todos os seres humanos, especialmente os fracos e oprimidos”. (SEVERINO, 2004, p.10)

Ou seja, o atingir é referido juntamente com o compreender. O modo de compreender é o de

adquirir a habilidade e vivenciar aquilo de que se trata. No caso da vacuidade, essa capacidade

é o mais alto objetivo do treinamento.

“Vacuidade significa simplesmente nada (grifo nosso) para nós. (...) Na filosofia do Tai Chi

Chuan, entretanto, o conceito de ‘vacuidade’ adquire uma dimensão profunda e elevada que

faz os alunos questionarem suas próprias vidas.” (SEVERINO, 2004, p. 11)

No oriente há diferentes técnicas para se treinar a vacuidade, que passam por desenvolver o

Qi63, a exemplo da meditação sentada e técnicas de exercícios respiratórios. No Tai Chi

61

O professor Roque Severino iniciou precocemente o aprendizado de Tai Chi Chuan, e em 1978 fundou a

Sociedade Brasileira de Tai Chi Chuan, a qual desde 1999 representa o Estilo Tradicional da Família Yang por

meio do Centro Yang Chengfu do Brasil, dirigido por Severino e sua esposa Maria Ângela Soci.

62 Mestre Yang Jun: “Nascido em 1968 em Taiyuan - Capital da Província de Shanxi na República Popular da

China, Mestre Yang Jun é a sexta geração descendente do criador do Estilo Yang de Tai Chi Chuan. Filho de Yang

Dao Fang e neto do Mestre Yang Zhenduo, (...). Mestre Yang Jun iniciou seus treinamentos quando tinha

apenas 5 anos de idade. Ele adquiriu a maestria nas técnicas do Tai Chi Chuan de mãos vazias, Espada Tai Chi,

Sabre Tai Chi, Tue Shou (Empurrando com as mãos) (...). Mestre Yang Jun é graduado em Educação Física pela

Universidade de Shanxi desde 1989. Em 1995 a Academia Chinesa de WuShu, o reconheceu como Grande

Mestre na Província de Shanxi e serviu como Vice Presidente de Operações e Treinamento na Associação do

Estilo Yang na província de Shanxi com mais de 30.000 membros em sua cidade natal. Em 1996 foi certificado

como Juiz de alto nível Nacional e serviu como Juiz principal na Competição Nacional na China no ano de 1998.

63 Qi é a grafia na escrita fonética romanizada (veja também nota acima sobre o Tajiquan). O Qi Pronuncia-se

Chi (similar mas não coincidente com o Chi de Tai Chi Chuan, ou ‘Tajiquan’ na fonética romanizada) e significa a

“energia que existe em tudo no universo, incluindo a energia vital que circula no corpo humano. Um dos três

tesouros. O termo Qi, é também conhecido como Ki em japonês e Prana em sânscrito.” (DE LAZZARI, 2009,

p.280)

91

Chuan o treino está no próprio movimento que produz resultados paradoxais, se procuramos

compreender conceitualmente, conforme ilustra o ensinamento de Yang Zhenduo64:

Esta é uma abordagem muito diferente da meditação ou do “Qi gong” 65, para regular a mente. “Em alguns métodos do “Qi gong” eles usam a meditação para atingir um estado de grande tranqüilidade. Não é bem assim a quietude no Tai Chi Chuan. No Tai Chi, você quer manter a calma e a compostura de forma a concentrar a atenção no que o oponente quer fazer com você. Dentro da sua quietude você está pronto para se defender, está pronto para se mover. Então, tranqüilidade e movimento caminham lado a lado. O paradoxo da ação sem esforço fascina o praticante.” (BARRETT, 2001, p. 12)

Assim, pode-se constatar que se por um lado, wu no oriente guarda uma proximidade com o

nada de Heidegger, por outro lado, a abordagem é bastante distinta, pois em Heidegger não se

trata de adquirir uma habilidade, mas sim de se obter uma compreensão do nada, cuja prática

se fará por meio uma ausculta da linguagem nas proximidades da arte e da filosofia, conforme

visto no item 4. acima.

5.2. O ENCONTRO COM O VAZIO NO ZEN BUDISMO

Conforme mencionado acima o contato de Heidegger com pensadores japoneses acontece já

desde os anos 20, e nesse relacionamento o tema do Nada é fulcral, como também o foi no

confronto com o taoísmo, visto acima. Conforme indica Saviani:

Se é a questão do nada que constitui o núcleo central da confrontação entre os caminhos do pensamento de Heidegger e as tradições orientais consideradas aqui, se demonstra completamente significativo a insistência com que o próprio Heidegger (...) relembra a plena compreensão que seu “Was ist Metaphysik?” tenha obtido no Japão desde 1930 frente as acusações de niilismo que recebeu na Europa. (SAVIANI, 2004, p. 50)

64

Yang Zhen Duo, nascido em 1926, começou a estudar a arte do Tai Chi Chuan aos 6 anos com seu pai e

irmãos mais velhos. Zhen Duo realizou as aspirações de seus ancestrais, dedicando-se à divulgação e

propagação do Estilo Yang de Tai Chi Chuan. Desde o início dos anos 1960 em diante, ele viveu em Taiyuan,

província de Shanxi, e ensinou o Tai Chi Chuan. Em 1982 fundou, na província de Shanxi, a Yang Style Tai Chi

Chuan Association. Disseminou o Tai Chi Chuan da Família Yang por diferentes países entre eles, Estados

Unidos, França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Suécia, Canadá, Brasil, Cingapura. É avô de Mestre Yang Jun, citado

em nota acima.

65 Pronuncia-se Chi Kun. É um termo genérico para designar diferentes práticas de treino intensivo visando

aumentar a produção da energia Chi. “Qualquer treinamento ou estudo relativo ao Chi que requeira um longo

tempo e muito esforço para ser desenvolvido. (O Qi-gong é a) arte e ciência de cultivar o Chi no indivíduo, que

existe na China há 4.000 anos.” (DE LAZZARI, 2009, p.280).

92

O relacionamento com o Zen está muito mais documentado do que no caso do taoísmo, o que

se deve também à característica das iniciativas dos próprios japoneses para assimilação da

filosofia ocidental. Um marco na formulação de terminologia filosófica japonesa foi já desde

1874 quando o “o próprio conceito de ‘filosofia’ havia sido traduzido para tetsugaku, ‘amor à

sabedoria’, por Nishi Amane (1829-1897), considerado o fundador da filosofia japonesa.”

(SAVIANI, 2004, p. 31). O desenvolvimento posterior a partir da Universidade de Tókio faz

com que no tempo de Heidegger a ocasião estivesse bem amadurecida para o intercâmbio.

Passando por alto outros aspectos e desenvolvimento da incipiente filosofia japonesa e voltando para a Escola de Kioto66, recordemos que Nishida havia estudado em profundidade o pensamento grego e moderno (Liebniz, Kant, Hegel, Nietzsche e Bergson) e, inclusive, em haver estado nunca na Europa, havia animado a muitos de seus alunos a assistir em Friburgo aos cursos de Husserl e do jovem Heidegger67 (SAVIANI, 2004, p.32)

A escola de Kioto desenvolveu uma verdadeira “meontologia”68 a partir de um movimento de

meditação em torno da noção polivalente de vacuidade ou insubstancialidade (jap. kū).

Conforme Saviani, o termo é central na especulação budista de Madhyamika e remonta ao

pensador indiano Nāgārjuna (s. II d.C.) (sáns.’sūyatā) e à tradição taoista e budista ch’an

chinesa (ch. wu).

Na meontologia desenvolvida pela escola de Kioto:

O “Nada” (jap. mu), (o Nada absoluto de Nishida, a “Mediação absoluta” de Tanabe, o “Si mesmo sem forma” de Hisamatsu, a “Vacuidade” de Nishitani), não é representada de forma substancialista como Nada negativo, nihilum, em oposição com o Ser, senão praticada cotidianamente em zazen como o si mesmo verdadeiro e articulado conceitualmente segundo a lógica budista da interdependência infinita (sás. Pratītyasamūtpāda; jap. engi) (SAVIANI, 2004, p.33)

Como dice o padre G. Povesana: “A vacuidade (voideness) não é o Nada (Nothingness) negativo da filosofia ocidental, que é traduzido em japonês

66

Ver nota acima. Conforme mencionado a Escola de Kioto aparece nos anos vinte com Kitaro Nishida (1870-

1945)

67 “ Heidegger não só é o filósofo ocidental mais traduzido no Japão, senão que além disso as traduções de suas

obras em ocasiões têm se adiantado em muitos anos às européias; (...)” (SAVIANI, 2004, P. 32)

68 Ciência que estuda o não-ser, ou o que está fora da ontologia. “A palavra “meontologia” vem do grego

clássico μή – me ‘não’ e ὄν – on ‘ser’”. Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/Meontology>. Acesso em

03/01/2011.

93

por kyomu. É mais o que o japonês chama de mu, quer dizer, o presente absoluto com todos seus processos e suas contradições” e “Nishida vê na despersonalização da civilização ocidental um elemento de nulidade (nothingness) que pouco tem a ver com o Nada (Nothingness) budista”. (SAVIANI, 2004, pp.33-34)

Como Explica Sh. Ueda

O budismo (seja o budismo de origem de “anatta” como o busimo mahaiana com a doutrina de “suniata”) recusa radicalmente conceber o Ser segundo a categoria de “substancialidade”, como alguma coisa existente que é idêntica a si mesma e tem em si mesma o fundamento de seu ser. A diferença de conceito de ser substancial contempla somente categoria de “relação”. Segundo o pensamento budista não há nada que seja em si mesmo e a partir de si mesmo. Tudo o que é, é em relação com o outro e precisamente em relação de condicionamento recíproco. (...) Em tal dinâmica relacional, cada coisa é um nada em si mesmo e justo por isso se encontra ilimitadamente aberta às relações universais que, por sua parte, se centram no nada de cada coisa, (...)69. (SAVIANI, 2004, p.35)

5.2.1. O NADA COMO EXPERIÊNCIA PURA

O budismo, a compreensão do Nada não é faz por meio do pensamento simplesmente, mas

está relacionada à experiência. A expressão verbal é mais uma referência à experiência do

indivíduo do que a tentativa de mostrar seu significado ou realidade. A experiência do

indivíduo também não é uma experiência ordinária, mas podemos dizer que se refere à

experiência originária, ou seja, vinculada ao início e ao fim de todo saber. Nishida se refere a

essa experiência com “experiência pura”, conforme esclarece R. Ōhashi:

Para Nishida a experiência é pura se não é reflexiva, objetivada e subjetivada por uma consciência (Bewuβtsein), isto é, contida na separação sujeito-objeto. Quem tenha algumas noções da tradição de pensamento do extremo-oriente e do significado que nela a prática ostenta, pensará imediatamente no exercício de aprofundamento no sem-eu, que vem realizado de modo mais puro no “zazen” (exercício de meditação zen em postura sedente). (...) A “Experiência pura” como prova de ausência do eu e a ausência do objeto na “única realidade” (é) uma experiência do Nada”70 (SAVIANI, 2004, p.35)

(...), o budismo zen é reconhecido e vivido filosoficamente como uma continua prática meditativa na qual se tende a solucionar toda e qualquer

69

Sh. Ueda, “Leere und Fülle. Shūnyatā im mahāyāna Buddhismus”, en Eranos, 45, 1976, pp. 147-148 e p. 139.

70 R. Ōhashi, “Introducción” a Die Philosofhe der Kyōtp-Schule/Texte ud Einfüreung (ed., R. Ōhashi), Friburgo Br.

Múnich, 1990, pp.26-27. (SAVIANI, 2004, p.35)

94

distinção entre a teoria dos princípio e a praxis que depende deles (...). Como reza o Sutra do coração (sáns. Prajñā-pāramitā Hridaya Sūtra, jap. Hannyaa Shingyō) (...) um dos textos fundamentais do budismo zen “A vacuidade é a coisa e a coisa é a vacuidade” (...); esvaziando-se originariamente a si mesma, a Vacuidade é (deixa ser) a forma vazia da substância; e isto não pode ser compreendido desde uma indagação objetivante, senão que se realiza na prática cotidiana da vacuidade da consciência (SAVIANI, 2004, pp.36-37)

A propósito da filosofia do nada, ensaiada pela escola de Kioto(..) R. Ohashi explica:

Se é verdade que a Filosofia, por sua essência, é aspiração ao saber, na tradição de pensamento asiático, o Budismo, em Confúcio, em Lao-tzu, o saber último se caracteriza pelo fato de que está totalmente livre da forma de saber e se realiza como ação. O saber oriental se dissolve em um “não-saber”. A “Experiência pura” em Nishida” ou “Ação” em Tanabe significaram a assunção dessa linha de não-saber como início e fim do saber”71 (SAVIANI, 2004, p.38)

O pensamento de Heidegger tem afinidade com a abordagem budista, mas certamente segue

um caminho diferenciado.

Mesmo a experiência é referida por Heidegger de maneira distinta da experiência budista

mencionada acima. A experiência para Heidegger está relacionada ao conhecimento do

“comum-pertencer de homem e ser” conforme o trecho de Identidade e Diferença:

O comum-pertencer de homem e ser ao modo da recíproca provocação nos faz ver, de uma proximidade desconcertante, o fato e a maneira como o homem está entregue como propriedade ao ser e como o ser é apropriado ao homem. Trata-se de simplesmente experimentar (grifo nosso) este ser próprio de, no qual homem e ser estão em reciprocamente a-propriados, experimentar (grifo nosso) que quer dizer penetrar naquilo que designamos acontecimento-apropriação. “Er-eignen” (acontecer) significa originariamente “er-äugnen”, quer dizer, descobrir com o olhar, apropriar. A palavra acontecimento-apropriação deve, agora, pensada a partir da coisa apontada, falar como palavra-guia a serviço do pensamento. Como palavra-guia assim pensada, ela se deixa traduzir tão pouco como a palavra-guia grega lógos ou a chinesa Tao. (HEIDEGGER, 1973, p. 383).

Por outro lado, para Heidegger a experiência (ou como citado acima, esse “penetrar no

comum-pertencer de homem e ser”) está relacionada à linguagem. Heidegger procura o ser no

caminho da linguagem, conforme ilustra o seguinte texto de Uma conversa sobre a linguagem

entre um japonês e um pensador: “P: Como se pode dar um nome específico ao que ainda se

71

R. Ohaschi, “Introdução” a Die Philosophie der Kyoto-Schule. Texte und Einführung, cit., 1990, p.39. (SAVIANI,

2004, p.38)

95

procura? Todo achar e encontrar repousa no apelo da linguagem nomeadora” (HEIDEGGER,

2008, p.88). Nessa abordagem, em Heidegger a experiência é referida a um “caminhar do

pensamento em torno da linguagem”, e a experiência tem relação com a experiência poética.

Na experiência poética com a palavra, Heidegger depara-se novamente com o Nada e

encontra que “a palavra dá: o ser”.

A palavra para dizer a palavra não se deixa encontrar em nenhum lugar (...)

A experiência poética com a palavra nos dá um aceno importante e significativo. A palavra – nenhuma coisa, nenhum ente; em contrapartida, as coisas se tornam compreensivas quando para Ela existe uma palavra disponível. Então a coisa “é”. Mas o que se passa com esse “é”? A coisa é. Será que o “é” é ele mesmo coisa, sobreposta a outra, colocada sobre outra como um capuz? Nunca encontramos o “é” como uma coisa numa coisa. Com o “é” acontece o mesmo que com a palavra. Como a palavra o “é” não pertence às coisas existentes. (...)

No que a experiência poética com a linguagem diz da palavra está em jogo a relação entre o “é” que nada é e a palavra que se acha no mesmo caso, ou seja, que não é um ente. (...)

(...). Pensando de maneira mais precisa, nunca se deve dizer da palavra que ela é. Deve se dizer que ela se dá – não no sentido de que as palavras estão dadas, mas de que a palavra ela mesma dá e concede. A palavra: a doadora. Ma o que dá a palavra? Segundo a experiência poética e de acordo com a tradição mais antiga do pensamento, a palavra dá: o ser. Assim pensando esse “se” do dá-se, temos de buscar a palavra como a doadora e nunca como um dado. (HEIDEGGER, 2008, pp.150-151).

Outro exemplo de experiência referida por Heidegger se refere à experiência da própria

essência (Wesen)72 da linguagem:

Se chegássemos por algum momento a alcançar a direção para onde acenam essas palavras guias (a saber: “a essência da linguagem”; “a linguagem da essência”), haveríamos de alcançar o que nos possibilita fazer uma experiência com a linguagem, a linguagem que nos é bem conhecida. (...) as palavras guia acenam, fazendo-nos passar das representações corriqueiras da linguagem para a experiência da linguagem como saga do dizer. (HEIDEGGER, 2008, p.88).

72

“A palavra “essência” não significa mais o que uma coisa é. Escutamos a palavra alemã Wesen, essência,

como um verbo, wesend, ou seja, como vigorar, no sentido de vigorar na presença e na ausência. Wesen,

vigorar. (...) a essência designa vigor, o que persiste e perdura, o que nos concerne em tudo nos toca, porque é

o que tudo em-caminha e movimenta.” (HEIDEGGER, 2008, p. 158)

96

E essa experiência da essência da linguagem se refere ao Nada que está para além da

expressão verbal:

J- Onde quer que a essência da linguagem, a saga, interpele os homens, a fala se transforma numa conversa propriamente dita. P-que nada diria “sobre” a linguagem mas a partir da linguagem, por ser uma necessidade da própria essência da linguagem. J- seria, portanto, de importância secundária, se a conversa fosse escrita ou soasse apenas em algum tempo ou lugar. P- De certo, porque tudo depende de a conversa propriamente dita, escrita ou falada, permanecer resguardada no por vir. J- O caminhar de uma tal conversa apresentaria um caráter todo particular, haveria mais silêncio do que fala. P- Haveria silêncio acima de tudo sobre o silêncio... (HEIDEGGER, 2008, 118)

Assim o Nada também pode ser referido por meio da linguagem do silêncio ou a

“consonância do quieto”: “Podemos chamar de consonância do quieto a reunião que convoca

sem fazer nenhum som, tal como a saga do dizer en-caminha a relação de mundo.

Consonância do quieto: essa é a linguagem da essência.” (HEIDEGGER, 2008, 170).

As referências acima ilustram a afinidade do pensamento de Heidegger com o budismo zen.

Contudo, definir no que consiste essa afinidade não é imediato. Kōichi Tsujimura73,

“estudioso que mais se aprofundou no tema da afinidade do pensamento de Heidegger e o

budismo zen” (SAVIANI, 2004, p. 107) assim se expressa:

“(...) Há então uma afinidade entre o pensamento de Heidegger e o budismo zen? Sim. Se

bem que ainda não suficientemente aclarada, há uma afinidade muito íntima; na qual,

entretanto, se abre um profundo sulco.” (SAVIANI, 2004, p. 109).

Tsujimura menciona que tanto Heidegger como o zen alcançam “a zona cheia de perigos da

não-verdade”. Por outro lado:

Heidegger fala às vezes de aquele, a dizer, aquele que deve permanecer impronunciado. No zen, muitas vezes dizemos: isto, a dizer, esta palavra única anterior a todo dizer. Desde esta palavra anterior a todo o dizer, uma

73

Kōichi Tsujimura: Expoente de terceira geração da Escola de Kioto. “Aluno de filosofia de H.Tanabe e K.

Nishitani, e na prática do zen, de H. Sh. Hisamatsu e D.R. Ōtsu, K. Tsujimura (nascido em 1922) estudou desde

1956 a 1958 com Heidegger em Friburgo.” (SAVIANI, 2004, p. 107)

97

via poderia conduzir a aquele que deve permanecer impronunciado.”74 (SAVIANI, 2004, p. 109)

5.2.2. O NADA COMO KOAN75

Segundo Saviani, o modo de pensar de Heidegger tem semelhança ao Kōan do Budismo Zen,

na medida em que segue um caminho de aporias que obriga superar as limitações da

linguagem.

Neste sentido, resulta compreensível o recíproco interesse no contato direto entre esses pensadores e Heidegger. Nesse último, evocado por uma espécie de Kōan, o caminho aporético da questão do Ser abriu caminho, em cada um de seus “recantos” junto ao igualmente aporético caminho na questão do Nada (SAVIANI, 2004, p.38)

Significativo é o seguinte fragmento da entrevista de Heidegger com D.T. Suzuki76 em 8 de julho de 1953. A conversa mostra por um lado a disposição de Heidegger em buscar na linguagem modos de expressar o ser. Por outro lado, a resposta de Suzuki enfatiza a perspectiva Zen Budista, a qual evita o uso de qualquer palavra ou signo gráfico.

Falamos durante uma longa hora. O tema principal de nossa conversação foi o pensamento e sua relação com o ser. Quando disse que o ser está ali onde o homem que medita sobre o ser se atenta a si mesmo, sem por isso separar-se do ser, o professor Heidegger me perguntou de que forma isso poderia ser expressado linguisticamente. E quando com relação a essa questão lhe falei de Tokusan77, o professor, sem fazer nenhum comentário, aprovou em silêncio. (...) Antes ou depois do relato, tinha adicionado que no budismo zen

74

Sobre a diferença inevitável em toda proximidade, entre o pensamento de Heidegger e o budismo zen, se

pronuncia K.Tsujimura em “Die Warheit des Seins und das absolute Nichts”, em Die Philosophe der Kyōto-

Schule (ed., R. Ōhashi), cit., pp. 441-454.

75 “No budismo Chan-Zen, o Kōan (ch. Kung-an) é uma questão paradoxal que o mestre propõe ao discípulo,

implicando toda a existência em sua condição aporética e fazendo saltar em pedaços toda a construção

representativa e objetivante do pensamento.” (SAVIANI, 2004, p. 38)

76 “Daisetz Teitaro Suzuki (1870-1966) figura entre os estudiosos e divulgadores do budismo zen mais

qualificados. Companheiro de estudiosos e amigo de Kitarō Nishida, professor desde 1909 a 1920 na

Universidade de Tokio e desde 1921 a 1940 na Universidade Budista de Otani de Kioto, Suzuki difundiu as

doutrinas Zen pelo Ocidente, assim como pelo próprio Japão, através de dezenas de obras e freqüentes cursos

e conferências realizados na Europa e nos Estados Unidos. Estabelecido em Nova York em 1953, levou a cabo

até 1957 uma série de célebres seminários na Columbia University.” (SAVIANI, 2004, p. 38)

77 Jap. Tokusan, ch Teh-shan Hsuan-chien (780-865), um dos grandes mestres chineses na época de T’ang.

Suzuki explica aqui: ‘Uma vez. Tokusan pronunciou esse sermão desde o púlpito: ‘Se se pergunta, se comete

um erro; si não se pergunta, se dá as costas ao problema’. Então , um monge adiantou-se e se inclinou ante a

Tokusan. Nesse momento, Tokusan o golpeou, sem mediar com palavras. O monge se foi sumamente

contrariado e disse: “Tão somente me inclinei. Por que me golpeias?’ Tokusan respondeu sem rodeios: ‘Esperar

que houvesse aberto a boca não teria servido de nada’ ” (p. 169)

98

o lugar do ser é mostrado evitando as palavras e os signos gráficos, posto que todo intento de falar dele conduz inevitavelmente a uma contradição (p.169)78 (SAVIANI, 2004, p. 78)

Portanto apesar das semelhanças o caminho de Heidegger tem características próprias. Apesar

de negar a possibilidade de expressar o ser por meio de conceitos e palavras, Heidegger

considera que o desvelamento do ser (mesmo que sempre parcial, no seu desvelar velando79),

se dá na expressão da linguagem. Esse é o motivo da pergunta que busca saber de D.T.

Suzuki, como o mesmo expressaria o ser. Já para Suzuki, a tentativa de utilizar palavras

deveria ser evitada, fazendo referência ao ensinamento do Mestre Tokusan. O ensinamento

desse mestre é eloqüente pois antes de fazer uso das palavras, castiga o perguntante.

A passagem a seguir é bem ilustrativa do modo heideggeriano de abordar o aporético caminho

na questão do Nada, e da semelhança que esse modo guarda com a pergunta de um Kōan.

Ambos visam um tipo de saída que só é encontrada quando se está na posição em que fica

claro que não há saída:

E se a falta de toda saída fosse o signo de que já não nos está permitido pensar em saída alguma; quer dizer, que devemos nos estabelecer justo no lugar que aparentemente carece de saídas e adaptarmo-nos a ele, em vez de buscar as “saídas habituais?”80 (SAVIANI, 2004, p. 39)

5.2.3. O NADA E O NIILISMO

O Nada referido no Oriente é semelhante ao Nada pensado por Heidegger, mas, por outro

lado, o Nada concebido como nulidade pela civilização ocidental motivou a reação ocidental

de enquadrar Heidegger como niilista.

Desse nada que leva à efetiva nulidade é que se lamenta Takehiko Kojima81:

78

“O fragmento aqui incluído está extraído das anotações que fez Suzuki durante sua viagem pela Europa,

publicadas em 1953 na revista japonesa Kokoro, agora no Japan und Heidegger, cit., pp169-172, sob o título

“Erinnerung na einen Besuch bei Martin Heidegger, na tradução alemã de E. Weinmayr.” (SAVIANI, 2004, p. 78)

79 Vide acima o item desta dissertação a respeito da essência da verdade.

80 M. Heidegger, GA, LI: Grundebergriffe, Fráncfort M., 1991, p.83 (trad. cast., Conceptos fundamentales,

Madrid, 1989) (SAVIANI, 2004, p. 39)

81 Takehiko Kojima: “Formado na Universidade Imperial de Tokio com Kuwak Genyoku e na Universidade

Imperial de Kioto com Nishida e Tanabe, Takehiko Kojima foi, desde 1952, diretor da International

Philosophical Reserch Association of Japan de Tokio e, desde 1964 a 1984, ensinou na Universidade Meisei de

Tokio; em 1965, se encarregou da edição em japonês da tradução de Die Techinik und die Khere (1962) de

Heidegger.

99

Se na Europa (...) já Kierkegaard e Nietzsche haviam advertido a incumbência desta noite, o Japão considerou a “restauração Meiji” de 1868 e a europeização que se seguiu como um alvorecer, acolhendo tudo o que era europeu ou melhor dizendo, adaptando-se a conviver “ombro a ombro”. Mas hoje, lamenta Kojima, depois de haver recebido até a bomba atômica, o Japão “afunda totalmente na mediocridade desse “ombro a ombro” (SAVIANI, 2004, p.95)

De fato, em relação ao niilismo, provocado pela concepção metafísica que, conforme visto na

análise acima do Que é metafísica? (v. capítulo 2), esquece o ser para se voltar somente para

os entes. Com respeito a esse problema do niilismo a cultura japonesa não tem expressado

reação a altura de uma solução.

P- (...) a vontade aparentemente revolucionária tenta, sobretudo, recuperar de maneira ainda mais originária o passado vigente e, com isso, limita a tentativa de separar-se da tradição.(...) J- Nossos professores e meus amigos no Japão entenderam assim seus esforços. O professor Tanabe retornava muitas vezes à pergunta que o senhor certa vez lhe dirigiu: por que nós japoneses não refletimos sobre os princípios de nosso próprio pensamento, ao invés de, sempre com sofreguidão, correr atrás da última novidade da filosofia européia. É o que ainda hoje acontece. (HEIDEGGER, 2008, 103)

Já apresentamos no Capítulo 3 acima a concepção de Heidegger a respeito de como superar o

niilismo. A isso podemos acrescentar, o comentário de Saviani:

A meditação heideggeriana em torno da técnica e do niilismo se realiza através de uma desconstrução da metafísica ego-onto-teo-lógica82 que nos tem manifestado e que ainda assim não logra compreender com suas próprias categorias. E nos textos decisivos da dita meditação, forçosamente, a questão do Nada é central. (SAVIANI, 2004, p.40)

Apesar das semelhanças a abordagem de Heidegger não é a mesma que a abordagem Oriental.

Ambas se referem ao Nada, o qual está acima da possibilidade de representação. Contudo,

Heidegger mobiliza o pensamento a pensar o Nada. Isso está expresso diretamente no

seguinte parágrafo de Der europäische Nihilismus dedicado a Nihilismus, nihil und Nichts:

Surge a pergunta de se a essência mais íntima do niilismo e o poder de seu domínio não consistem precisamente em sustentar que o Nada seja algo nulo (...) Quiçá a essência do niilismo consiste em não tomar a sério a pergunta

82

Sobre a perspective onto-teo-lógica, Vide, adiante, o item 9 “O Nada e o Sagrado”.

100

pelo Nada. (...) Niilismo quer então dizer: o não pensar, essencialmente, na essência do Nada83 (SAVIANI, 2004, p. 41)

E agora é Heidegger que esclarece a respeito do perigo a que se expõe a cultura japonesa. Os

japoneses correram para assimilar os conceitos filosóficos europeus. Avaliam que sua

linguagem é insuficiente para lidar com o progresso e agora buscam as saídas dentro das

novas concepções:

P- Vocês precisam de conceitos? J- Provavelmente sim. O encontro com o pensamento europeu revelou uma incapacidade de nossa língua P- Como assim? J- Falta força das definições para representar objetos num encadeamento preciso de uns com os outros, dentro de um sistema recíproco de subordinação. P- O senhor considera mesmo essa incapacidade uma deficiência de sua língua? J- No encontro inevitável do mundo oriental com o mundo europeu, essa pergunta exige, certamente, uma reflexão profunda. P- O senhor toca numa questão controvertida que discuti, muitas vezes com o conde Kuki: será necessário e legítimo que os orientais procurem os sistemas de conceitos dos europeus? J- Diante da tecnização e industrialização modernas de todos os recantos da terra, parece que não há outra saída. Mas Heidegger alerta que há um perigo insuspeito. Aparentemente parece que o perigo seja o de “a riqueza dos conceitos proporcionada pelo espírito das línguas européias” reduzir a cultura japonesa a “algo indeterminado e escorregadio”. Contudo Heidegger alerta que esse não é o verdadeiro perigo. P- O perigo que nos ameaça provém de uma região em que não se pode presumir onde haverá de se fazer a experiência do perigo. (...) já o pressenti nas conversas com o conde Kuki. (...) O perigo das conversas se escondia na própria língua. (...) E a conversa tentava dizer o essencial da arte e poesia oriental. J- Agora entendo melhor onde o senhor fareja o perigo. A língua da conversa destruía continuamente a possibilidade de se dizer o que se discutia. (HEIDEGGER, 2008, 75)

5.2.4. O NADA E A ARTE

Na concepção zen budista, a arte está relacionada ao Nada, pois se relaciona ao ser livre, e

esse livre também é denominado como Nada, como veremos adiante.

Em um seminário84 conduzido por Heidegger e Hōseki Shin’ichi Hisamatsu85, em maio de

1968, a discussão se inicia com a noção japonesa de arte.

83

“M. Heidegger, GA, VI/II: Nietzsche, Francfort M., 1977, pp. 43-44 (trad.cast. Nietzsche II, Barcelona, 2000).”

(SAVIANI, 2004, p.41).

101

Após esclarecer que “arte” no sentido moderno (ocidental-estético) existe no Japão há apenas

70 anos, como tradução, e que a palavra para arte acabou sendo Gei-jitsu em razão de que

toda palavra referida a traduções de conceitos ocidentais são criadas como nomes compostos.

No caso Gei significa originariamente “arte” enquanto “capacidade”, “habilidade”. Assim,

Gei-jitsu passa a significar o conceito ocidental-estético de “arte”.

Com relação ao termo antigo para “arte” Hisamatsu assim responde à indagação de

Heidegger:

Existe outro termo mais antigo japonês que tem sentido mais profundo, não influenciado pelo europeu. É Gei-dō: a via da arte. Dō é em chinês Tao, que não significa somente “caminho” como também método; guarda uma relação profunda e intrínseca com a vida, com nosso modo de ser. Portanto, a arte tem um significado decisivo para a vida mesma. (SAVIANI, 2004, p. 87)

Podemos identificar que a arte zen está em relação com o a experiência pura da prática do

zen, acima referida, na medida em que essa experiência se relaciona com o Nada:

Na arte zen, a capacidade tem um duplo significado: em primeiro lugar, o homem é conduzido da realidade para a origem da realidade: a arte é uma via com a qual o homem é introduzido na origem; em segundo lugar, a arte encontra sentido no fato de que o homem, uma vez introduzido na origem, volta à realidade. A essência autêntica da arte zen consiste nesse retorno. Esse retorno não é outra coisa que o obrar, o colocar-se-na-obra da verdade zen mesma. A origem da realidade é a verdadeira vida originária, o Si mesmo, e é, ao mesmo tempo, o abandono divino de todo vínculo, o ser livre de todo o vínculo formal. Esse ser livre é denominado também Nada (Nichts). (SAVIANI, 2004, p. 87)

Não podemos deixar de notar a semelhança de concepção com a de Heidegger, em que,

conforme apresentamos no item 5.1 acima (A essência do fundamento), a investigação de

Heidegger conclui que na essência do fundamento está a liberdade.

84

Em 18 de maio de 1978 na Universidade de Friburgo, Hiedegger e Hōseki Shin’ichi Hisamatsu conduziram um

breve seminário em que participaram, entre outros, K. Tsujimura, Max Müller e Egon Vietta. (SAVIANI, 2004,

p.85)

85 Hōseki Shin’ichi Hisamatsu (1889-1980) “foi aluno de Nishida e desde 1915 monge zen da tradição Rinzai.

Ensinou filosofia e budismo em universidades japonesas de prestígio e em 1957-58 ditou cursos e conferências

na Europa e nos Estados Unidos, e teve oportunidade de conhecer filósofos e teólogos ocidentais. Célebre

professos de Shodō, a arte da caligrafia, é autor de importantes textos sobre as noções budistas do “Nada”, da

arte e do “ateísmo” (SAVIANI, 2004, p.85)

102

A seguir no seminário, a explanação a respeito da dificuldade da arte se dar como

apresentação (o fazer-se visível da imagem) incluiu as seguintes observações de Hisamatsu:

Até que o homem se encontre na via da origem, a arte como apresentação da imagem constitui um obstáculo. No entanto, uma vez instalado na origem, o fazer visível o eidético já não constitui um impedimento, senão o aparecer da verdade originária mesma. (...) (...) a obra de arte não é um objeto por trás do qual haja um significado ou um sentido; mas é um obrar imediato, movimento. No entanto, enquanto se fale do perdurar o movimento da origem mesma, já não se está mais o não se está ainda na origem. Se se está na origem então o movimento se move a si mesmo. (SAVIANI, 2004, p. 89).

A partir daí, a referência ao Nada fica explícita, bem como a natureza livre da origem.

Conforme Hisamatsu:

No Ocidente, a origem é de algum modo um ente, eidético. No zen a origem é informe, o não-ente (nicht-Seiende). Não obstante, este “não” não é uma mera negação. Este Nada (grifo nosso) carece de toda forma, com a qual, contanto que totalmente informe, pode mover-se totalmente livre, sempre e por todas as partes. Nesse movimento livre consiste o movimento pelo qual a obra de arte é produzida. (SAVIANI, 2004, p. 89)

E essa liberdade de expressão do originário é que faz a beleza da arte: A beleza das obras de

arte zen, seu ser, consiste no livre movimento referido a uma instância originária.

Por outro lado, tudo que manifesta essa natureza originaria livre é tida como obra de arte:

Quando esse movimento aparece em alguma coisa formal, essa é uma obra de arte. A Beleza originária aparece inclusive onde não aparece nenhuma forma ou estrutura. Mas o movimento pode aparecer por todas as partes (...) em sentidos múltiplos. Alí onde vive o zen, há a obra há arte. (SAVIANI, 2004, p. 89)

Dada essa concepção da arte na perspectiva zen budista, vale fazer uma rápida referência à

concepção heideggeriana. Em A Origem da Obra de Arte lemos:

(...) o belo pertence ao acontecer-se apropriante da verdade. Não é somente relativo ao gosto e pura e simplesmente como objeto dele. O belo reside na forma, mas apenas pelo fato de que a forma um dia se iluminou a partir do ser como a entidade do sendo. (HEIDEGGER, 2010, p. 207)

Tanto em Heidegger como no oriente, a concepção de beleza não concebe uma essência do

belo como conceito metafísico que supõe, já desde Platão, o belo como uma essência a priori.

Nesse sentido a beleza para Heidegger, não é conflitante com a noção de beleza no oriente.

Como visto acima, para o oriente o belo está intrinsecamente ligado à liberdade. Sendo assim,

103

o belo está ligado à criação que não se restringe a nenhum a priori, mas contudo revela o

originário. No oriente a arte é um movimento, e um movimento que não é a expressão de um

indivíduo, ou seja, do subjetivo do indivíduo. Antes a arte é a expressão pelo indivíduo de um

originário que é livre, conforme já citado acima “Se se está na origem então o movimento se

move a si mesmo. (SAVIANI, 2004, p. 89).

Sendo assim, a concepção oriental da beleza, enquanto expressão livre, guarda semelhanças

com a concepção de Heidegger. Em ambas subjaz a referência ao fundamento no nada, onde

não há os paradigmas de nossa existência habitual, que funcionariam como obstáculos para a

liberdade de criar. Contudo a arte não é arbitrariedade pois acontece por ocasião do desvelar.

(...) A arte é: o criativo desvelo da verdade na obra. Então a arte é tornar-se e o acontecer da verdade na obra. Então a arte é o tornar-se e o acontecer da

verdade. E a verdade surge do nada (grifo nosso)? De fato, se pensado o nada do mero não sendo e se nisso o sendo é representado como aquele existente habitual, que, depois, através do entre-permanecer da obras, vem à luz como o que apenas pretensamente é o verdadeiro sendo e assim fica abalado. A verdade nunca é colhida do existente e do habitual. (HEIDEGGER, 2010, pp. 181-183)

A arte é, como o pôr-em-obra da verdade, poiesis86. Não somente o criar da obra é poietizante, mas também, do mesmo modo, o desvelar da obra é poietizante, apenas a seu próprio modo; pois uma obra somente é como uma obra real se nós próprios nos livramos de nosso hábitos e nos abrimos ao que se inaugura pela obra, para assim trazer nossa própria essência par ao permanecer na verdade do sendo. (HEIDEGGER, 2010, p. 191)

6. O NADA E O SAGRADO

Conforme Heidegger o sagrado é “o espaço essencial para a deidade” (HEIDEGGER, 1973, p. 360),

e, pensar na essência do sagrado depende primeiro do pensar a verdade do ser:

Somente a partir da verdade do ser deixa-se pensar a essência do sagrado. E somente a partir da essência do sagrado deve ser pensada a essência da divindade. E, finalmente, somente na luz da essência da divindade pode ser pensado e dito o que deve nomear a palavra “Deus”. (HEIDEGGER, 1973, p. 366)

Sendo assim identificamos a relação do Nada com o sagrado: o homem tem acesso à verdade

do ser na medida que encontra primeiro com o Nada. Encontrando-se com o Nada o homem

86

“A poiesis é a fala inaugurante do desvelamento do sendo. (...) A poiesis é aqui pensada em um sentido tão

amplo e, ao mesmo tempo, numa unidade essencial tão íntima com a linguagem e a palavra, que precisa ser

deixada em aberto a questão se a arte, em verdade, em todos os modos, - da arquitetura à poesia -, esgota a

essência de poiesis.” (HEIDEGGER, 2010, p. 189)

104

se abre à verdade do ser que é Nada do que seja ente. O sagrado enquanto “espaço essencial

para a deidade” (HEIDEGGER, 1973, p. 360), corresponde à perspectiva do Nada, como

abertura para o ser.

Em O Divino como o não-dito, Penzo assim resume a concepção de Heidegger sobre o

discurso filosófico-teológico:

“(filosófico e teológico) São dois pensamentos de fundo que se entrelaçam. Com o primeiro, constata-se que o Dasein não é compreendido através do ente, mas do não-ente, do nada que é o autêntico ser. Com o segundo, ressalta-se que não depende do homem o fato de estar aberto ao ser, mas do próprio ser (...)” (PENZO, 2002, p. 303)

Heidegger considera que o ocidente ao se referir a Deus perde a perspectiva do sagrado. Ou

seja, a tradição ocidental ao nomear Deus segundo sua concepção onto-teo-lógica, na verdade

esvaziou Deus da divindade mesma. Heidegger verifica que Deus aparece na filosofia como

uma exigência lógica, ou seja, a partir de um pensamento que “explora e funda o ente

enquanto tal e no todo” (HEIDEGGER, 1973, P. 394). Ou seja, o modo de abordagem

racionalista, culminando em Hegel, procura um fundamento que seja um princípio primeiro

que, por outro lado, unifique em si toda a multiplicidade. “(...) a plenificação do movimento

dialético que se pensa a si mesmo. A plenificação deste movimento, a idéia absoluta, é o todo

fechado e desenvolvido, a plenitude do ser.” (HEIDEGGER, 1973, P. 392). Pois em Hegel o

objeto do pensamento é o próprio pensamento. Mas então, “Como pode o ‘ser’ em geral

decair ao ponto de se apresentar como ‘pensamento’?” (HEIDEGGER, 1973, P. 393).

Para Heidegger, o pensar que se circunscreve nos limites da metafísica (a partir de conceitos)

não pode deixar de se referir ao ente, e acaba buscando seu fundamento em círculo fechado

“... toda metafísica é, basicamente, desde o fundamento, o fundar que presta contas do

fundamento; que lhe presta contas e finalmente lhe exige contas.” (HEIDEGGER, 1973, p.

393). Mas dessa forma, “Hegel pensa o ser em sua vacuidade mais vazia, porquanto em sua

máxima generalidade” (HEIDEGGER, 1973, P. 393).

Assim, Deus “entra para a filosofia” para assumir esse princípio primeiro.

(...) o primeiro fundamento, próte arkheé. O objeto originário do pensamento mostra-se como a causa originária como a causa prima, que corresponde à volta fundamentante à ultima ratio, ao último prestar contas. O ser do ente somente é representado radicalmente, no sentido do fundamento, como

causa sui. Com isso designamos o conceito metafísico de Deus. (HEIDEGGER, 1973, P. 394)

105

Então, pode-se perceber que Deus, assim referido como o abstrato, está bastante distante do

ser humano: “A este Deus não pode o homem nem rezar, nem sacrificar. Diante da causa sui,

não pode o homem nem cair de joelhos por temor, nem pode, diante deste Deus, tocar música

e dançar.” (HEIDEGGER, 1973, p. 399)

A metafísica desde o começo é simultaneamente ontologia e teologia, uma vez que a

Metafísica se determina pela questão do ente enquanto tal e no todo. (HEIDEGGER, 1973, p.

392). Assim Heidegger define a metafísica como onto-teo-logia.

Onto-teo-logia significa a ciência do ente (onto), referida ao ente supremo (teo) que busca

fundamento (-logia), conforme definiu Pöggeler, citado por Stein:

Ela (a metafísica) pensa o ente na sua totalidade conforme seu ser, pensa este ser platonicamente como ‘idéia’, modernamente como representação de objetos e, finalmente, como a vontade de poder. Assim a metafísica é a doutrina do ser do ente, ontologia. Essa ontologia aceita como evidente, para o fundamento do ser, a presença constante. O ente pode ser fundado no ser como presença constante e, por isso, também disponível. Mas o ser mesmo precisa de fundamento, para que possa ser o ser constantemente presente. Assim, a metafísica procura aquele ente que, de modo especial, preenche a exigência de presença constante. Ela encontra esse ente no divino subsistente em si, no ‘theion’. Com isso, a metafísica não é só fundamentação do ser no ente supremo, no ‘theion’, portanto, teologia. Justamente porque fundamenta, ela é ‘-logia’. Assim, ela é onto-teo-logia.87 (STEIN, 2003, p. 159)

Uma vez identificado que a metafísica é onto-teo-logia, a própria teologia fica restrita a

limites antes não percebidos:

A metafísica é onto-teo-logia. Quem experimentou a teologia, tanto da fé cristã como a da filosofia, em suas origens históricas, prefere hoje em dia silenciar na esfera do pensamento que trata de Deus. Pois o caráter onto-teo-lógico da metafísica tornou-se questionável para o pensamento, não em razão de algum ateísmo, mas pela experiência de um pensamento para o qual mostrou-se, na onto-teo-logia, a unidade ainda impensada da essência da metafísica. Esta essência da metafísica permanece, entretanto, para o pensamento ainda sempre o mais digno de ser pensado, enquanto ele não corta arbitrariamente, e por isso de maneira anti-historial, o diálogo com sua tradição, que nos é dada como destino. (HEIDEGGER, 1973, p. 392)

Assim, Heidegger está em busca de um pensamento que conduza ao divino, recuperando a

perda ocasionada pela perspectiva onto-teo-lógica, e identifica que o obstáculo ocasionado

87

PÖGGELER – “Metaphysik und Seinstopik bei Heidegger”, Philosophisches Jahrbuch (1962) 125.

106

pela metafísica faz com que até mesmo o pensamento ateu esteja mais próximo do divino. No

texto Identidade e Diferença88 lemos:

Deus entra na filosofia pela de-cisão, que nós primeiro pensamos como o átrio em que se manifesta a diferença entre ser e ente. A diferença constitui o traçado básico do edifício da essência da metafísica . A de-cisão dá como resultado e oferece o ser enquanto fundamento a-dutor e pro-dutor, fundamento que necessita, ele próprio, a partir do que ele fundamenta, a fundamentação que lhe é adequada, quer dizer, a causação pela coisa (causa) mais originária (Ur-sache).89 Esta é a causa como causa sui. Assim, soa o nome adequado para o Deus na filosofia. (...) Tendo isto em conta, o pensamento a-teu, que se sente impelido a abandonar o Deus da filosofia, o Deus como causa sui, está talvez mais próximo de Deus divino. Aqui isto somente quer dizer: este pensamento está mais livre para ele do que a onto-teo-logia quereria reconhecer90. (HEIDEGGER, 1973, p. 399)

A sujeição da perspectiva do sagrado à visão onto-teo-lógica conduziu o homem a um estado

de perda que se traduz por um sentimento de estar sem pátria.

A apatricidade que assim deve ser pensada reside no abandono ontológico do ente. Ela é o sinal do esquecimento do ser. Em conseqüência dele a verdade do ser permanece impensada. O esquecimento do ser manifesta-se indiretamente no fato de o homem sempre considerar e trabalhar só com o ente. E como nisto não pode evitar de ter o ser na representação, também o ser é explicado apenas como o “mais geral” e, por conseguinte, o que engloba o ente ou como criação do ente infinito ou ainda como produção de um sujeito finito. Ao mesmo tempo, “o ser”, desde a Antiguidade, situa-se

88

Conforme consta em nota ao título “O texto Identidade e Diferença (título da compilação original publicada

pela editora Günther Neske, Pfullingen) aparece aqui (Pensadores, 1973), desdobrado em duas partes: O

Princípio de Identidade, que contém o texto original de uma conferência publicada por ocasião do

qüingentésimo jubileu da Universidade de Freiburg, no Dia das Faculdades, 27 de junho de 1957, e Constituição

Onto-teo-lógica da Metafísica, que reproduz a análise reelaborada em alguns pontos, que encerrou um

exercício de seminário do semestre de inverno de 1956/57, sobre a Ciência da Lógica de Hegel. A exposição

teve lugar no dia 24 de fevereiro de 1957, em Todtnauberg. (HEIDEGGER, 1973, p. 374)

89 “Heidegger faz aqui uma transposição semântica com base na etimologia irrepetível do vernáculo. A coisa

originária (Ur-sache) é, enquanto tal, causa (Ursache).” (HEIDEGGER, 1973, p. 339)

90 No texto da edição Pensamentos 1973 (tradução de Ernildo Stein) há um erro, pois consta “onto-teo-lógica”

ao invés de “onto-teo-logia”, que utilizamos. A título de comparação, na referência contida no livro O deus dos

filósofos contemporâneos, também traduzido por Stein consta “Nesta medida, o pensamento ateu, que se

força a abandonar o Deus como ‘causa sui’, está talvez muito mais perto do Deus divino. Isso aqui diz somente:

o pensamento está muito mais livre para ele do que a ontoteologia quereria constatar.” (OLIVEIRA, O.;

ALMEIDA, C. (org.), 2003, p. 167). Traduzido por Ernildo Stein, conforme referência do mesmo de:

“Demgemaess ist das gottlose Denken, das den Gott der Philosophie denGott als ‘causa sui’ preisgeben muss,

dem goettlich Gott vielleicht naeber, Dies sagt hier nur: Es ist freier fuer ihn, als die Onto-Theo-Logie

wahrhaben moechte)”. (HEIDEGGER, 1957, p. 71)

107

em lugar “do ente”, e vice-versa, este em lugar daquele; ambos acossados numa estranha e não pensada confusão. (HEIDEGGER, 1973, p. 360)

E como Heidegger propõe o acesso ao sagrado evitando que se fique preso nos contornos

metafísicos?

Trata-se da superação da de-cisão a partir da qual se estabelece o pensamento metafísico e em

que, conforme já citado acima, se “manifesta a diferença entre ser e ente. A diferença

constitui o traçado básico do edifício da essência da metafísica”.

Essa superação é buscada na própria linguagem “a linguagem é particularmente a casa do ser

e a habitação do ser humano” (HEIDEGGER, 1973, p. 371), e aquele que está capaz de

intermediar é o poeta. “O poeta é o mortal cuja posição é a de encontrar os imortais a serviço

de ambos, deuses e homens”91 (PEROTTI, 1974, p.102).

O poeta, como o pensador, é reclamado pelo Ser; poesia é a resposta ao Ser. O poeta pode ser dito como requisitado pelos deuses, os arautos de deus. O poeta é um poeta somente porque ele foi requisitado a nomear. “Mas os deuses podem receber um nome apenas por uma referência e, esta tal como estavam, solicitando. A palavra que nomina os deuses é sempre a resposta a essa solicitação.”92 (PEROTTI, 1974, p.103)

E assim é que o poeta, no espaço do sagrado, faz a intermediação do mundo humano com o

divino. O mesmo não pode ser feito pelo pensamento racional. Esse busca a universalidade na

generalidade mas não atinge a universalidade em sentido originário.

O ser enquanto destino que destina verdade permanece oculto. Mas o destino do mundo se anuncia na poesia, sem que ainda se torne manifesto como a história do ser. O pensamento universal de Hölderlin, que se expressa no poema “Lembrança”, é por isso mais essencialmente radical e, por isso, mais antecipador que o puro cosmopolitismo de Goethe. (HEIDEGGER, 1973, p. 360)

E à pergunta de como fazer para não cair na pura arbitrariedade Heidegger responde:

(...) o pensar não é apenas une aventure, enquanto procurar perguntar para além, para o desconhecido. O pensar é, em sua essência, enquanto o pensar do ser, por este requisitado. O pensar está referido ao ser como o que está em advento (l’avenant). O pensar enquanto pensar no advento do ser está ligado ao ser como advento. O ser já se destinou ao pensamento. O ser é como o destino do pensar. O destino, porém, é em si historial. Sua história já chegou à linguagem, no dizer dos pensadores. (...)

91

Original em inglês. Tradução nossa.

92 HEIDEGGER, Martin. Erläuterungen zu Hölderlins Dichtung. Frankfurt: Klostermann, 1951. p.37

108

A boa disposição do dizer do ser enquanto destino da verdade é a primeira lei do pensar, e não as regras da Lógica que apenas se tornam regras a partir da lei do ser.(...)

O pensar está na descida para a pobreza de sua essência precursora. O pensar recolhe a linguagem para junto do simples dizer. (...) com seu dizer o pensar abre sulcos invisíveis na linguagem. (HEIDEGGER, 1973, p. 373)

Assim, por meio da linguagem, mas em conformidade com o ser, o homem pode recuperar o

acesso à dimensão do sagrado e pode passar repensar e experienciar a relação de Deus para

com o homem.

Ou será que não deveremos ser capazes de, primeiro, entender e escutar com cuidado estas palavras, se nós homens, isto é, como seres ec-sistentes, quisermos ter acesso a uma experiência de uma relação de Deus para com o homem? Pois, como poderia o homem da atual história mundial mesmo apenas questionar, com seriedade e rigor, se o Deus se aproxima ou se subtrai, se o homem deixa de lado pensar primeiro para dentro da dimensão, na qual aquela questão unicamente pode ser desencadeada? Esta dimensão, porém, é a dimensão do sagrado, que mesmo como dimensão já permanece fechada, caso não se clarear o aberto do ser para, em sua clareira, estar próximo do homem. Talvez o elemento mais marcante desta idade do mundo consista no rígido fechamento para a dimensão da graça. Talvez seja esta a única desgraça. (HEIDEGGER, 1973, p. 366)

É assim que Stein indica que “Heidegger se põe em busca de deus tomando como

companheiros de jornada os poetas, principalmente Hoelderlin”:

(...) apesar de “o pensamento dizer o ser, o poeta nomear o sagrado”93 Heidegger constata, ao fim de uma longa peregrinação pelos textos dos poetas Rilke, Trakl e Hoelderlin: “o sagrado certamente ali aparece. Mas deus fica longe dele”94

Contudo, o sagrado será a atmosfera que possibilita a união dos mortais e dos Deuses. Ele será o espaço que condiciona o encontro do homem com Deus. Só a descoberta do sagrado trará de volta para a humanidade o “tempo dos deuses presentes”. Foi a ausência destes deuses que aproximou a noite cósmica que envolveu o mundo. (...)

A procura de Deus se apresenta como numa dimensão pré-racional e é de certo modo uma expectativa da ontofania originária. O pensamento,

93

“Der Denker sagt das Sein. Der Dichter nennt das Heilige” (WM, p. 51). HEIDEGGER, Martin. Was ist

Metaphysik – Franckfurt am Main: Vitorio Klostermann, 1955, p.51

94 “das Heilige zwar erscheint. Der Gott aber bleibt fern” (HD, p. 27) . HEIDEGGER, Martin. Erlaeuterungen zu

Hoelderlins Dichtung. Franckfurt am Main: Vitorio Klostermann, 1951. p. 27. Ou na edição espanhola: “Cierto

que aparece lo sagrado. Pero el dios permanece lejano” (HIEDEGGER, 1983, p. 48).

109

enquanto não reencontrar o espaço em que possa colocar o problema de Deus, fora dos domínios da metafísica tradicional, nada pode dizer sobre Deus. (STEIN, 2002, pp. 165-166)

Deve se notar que Heidegger usa a expressão deuses para se referir ao âmbito dos imortais. Esses seriam os mensageiros de deus que Heidegger não pode nomear sob pena de recair no problema da metafísica. 95

Heidegger verifica que linguagem da teologia tem as características da positividade das ciências, na medida em que pretende partir de um ente, primariamente revelado pelas fé, (ex. Cristo crucificado), e desenvolvê-lo como tema de objetivação e questionamentos teoréticos (HEIDEGGER, 2008, pp. 60 e ss.). Porém a filosofia que, não utilize a linguagem objetivante e que fenomenológicamente pensa o ser, irá orientar o relacionamento com Deus de maneira apropriada. A relação com Deus deve ser muito mais de “prontidão” que na espera não pretende definir a priori o que deseja ou concebe:

O dizer poetante é um presentar-se junto a ... e para Deus. Presença significa: uma simples prontidão que nada quer, que não calcula nem conta com resultados. Presentar-se junto a... puro deixar-se dizer o presente de Deus. (HEIDEGGER, 2008, p. 88)

Ou seja, a filosofia deve preparar o sagrado como um espaço de proximidade: Um Nada que possibilita o encontro com o divino.

É nessa proximidade que se realiza – caso isto um dia aconteça – a decisão se e como o Deus e os deuses se recusam e a noite permanece, se e como amanhece o dia do sagrado, se e como, no surgimento do sagrado, pode recomeçar uma manifestação do Deus e dos deuses. O sagrado, porém, que é apenas o espaço essencial para a deidade – o qual, por sua vez, novamente apenas garante uma dimensão para os deuses para a deidade –, manifesta-se somente, então, em seu brilho, quando, antes e após longa preparação, o próprio ser se iluminou e foi experimentado em sua verdade. Só assim, a partir do ser, a superação da apatricidade, na qual erram perdidos não apenas os homens, mas também a essência do homem. (HEIDEGGER, 1973, p. 360)

Santos compara a perspectiva de Heidegger com a de Kant e conclui: que tanto Kant quanto

Heidegger mostram que caminho teórico para Deus não é possível. Contudo ambos também

abrem uma outra possibilidade para esse caminho. Contudo a forma de ambos é bem distinta:

“A diferença ontológica determina a problematização diferente em ambos os filósofos. Por

isso em Kant Deus ainda carrega os resquícios da antiga metafísica enquanto em Heidegger

Deus escapa desse problema” (SANTOS, 2010, p. 24)

95

Conforme Perotti: “Os deuses não são senão mensageiros de deus, não se deve confundir com a deidade que

está acima de tudo.” (PEROTTI, 1974, p. 102). Original em inglês. Tradução nossa.

110

7. O NADA E O PROJETO

Neste item 7., concluímos a presente dissertação focalizando a maneira como se dá a

ocupação do homem no mundo, por meio do projeto. Para isso, no item 7.1 apresentamos, em

resumo, a análise que Heidegger faz do “projeto” enquanto estrutura ontológica do Dasein.

Esse item prepara o item 7.2 que irá considerar a abordagem posterior à viragem (Kehre),

onde Heidegger considera a perspectiva histórica, na qual o projeto do Dasein já encontra as

possibilidades de seu projetar-se.

7.1 O PROJETO

Enquanto projeto, ele é em si mesmo essencialmente um nada. Todavia, essa determinação não significa, de modo algum, a qualidade ôntica do que não tem “sucesso” ou “valor”, mas um constitutivo existencial da estrutura ontológica do projetar-se. (HEIDEGGER, 1989, pp. 72-73)

Para compreender o Projeto do Dasein devemos recordar o que foi dito acima no item 2.3.

Havíamos nos referido à tríplice estrutura do ser-no-mundo: “Estar-jogado é faticidade.

Projeto é existência. Decaída é articulação.” (STEIN, 2002, p. 68). E diretamente na obra Ser

e Tempo:

O ser do Dasein é a cura96. Ele compreende em si facticidade (estar-lançado), existência (projeto) e decadência. Sendo, o Dasein é lançado, mas

96

Cura é a tradução do termo alemão SORGE e corresponde à essência do Dasein. Conforme expõe Márcia de

Sá Cavalcanti em suas Notas Explicativas: “Quando se pretende remeter para o nível de estruturação do Dasein

em qualquer relação, usa-se sempre o termo latino cura, pois indica a constituição ontológica. Quando porém

se quer acentuar as realizações concretas do exercício do Dasein, utiliza-se a palavra cuidado e seus derivados.”

(HEIDEGGER, 1988, p. 311). Cura diz respeito à estrutura essencial do Dasein, a saber, indica a estrutura

ontológica. Heidegger não parte da idéia metafísica de uma substância, o que seria buscar a essência com a

indicação de um conteúdo quididativo (a exemplo dos escolásticos: “essência ou natureza real de algo” (Dic.

Houaiss, 2001)). Ao contrário a essência é buscada, conforme o método fenomenológico, nas próprias relações

existenciais do Dasein. Verifica-se como essencial no Dasein o ocupar-se com o mundo de diversos modos (ex.

produzir alguma coisa, tratar, cuidar, entre outros). Cura designa a estrutura ontológica que responde pela

possibilidade e necessidade do Dasein ocupar-se e preocupar-se com o mundo. “(...) a presente investigação

usa a expressão “ocupar-se” para designar o ser de um possível ser-no-mundo. Essa escolha não é feita porque

o Dasein é, em primeiro lugar ‘prático’ e econômico, mas porque o ser do Dasein se deve tornar visível em si

mesmo na cura” (HEIDEGGER, 1988, p. 95). No alemão fica mais clara a compreensão, já que os termos SORGE

(cura), BESORGEN (ocupar-se) e FÜRSORGE (preocupar-se) têm o mesmo radical, conforme explica Márcia de

Sá Cavalcanti: “Não sendo uma substância, o Dasein sempre se dá num exercício. Exercício indica e cumpre um

centro irradiador de relações. (...). Ser e Tempo decidiu-se pelo étimo “Sorge” = lat. “cura” (cf. J. Grimm, Deu

tsches Wõrterbuclz, Dtv, vol. 16, p. 1755) para acompanhar o movimento e as relações do Dasein. Os dois

planos exprimem-se com derivados de “Sorge” (cura): Besorgen (ocupar-se) e Fürsorge (preocupar-se). A

tradução decidiu utilizar o radical latino cura para Sorge, ocupação para Besorgen e preocupação para

Fürsorge. Os motivos dessa decisão atêm-se ao fato de o próprio Ser e Tempo ter remetido à fábula latina de

111

não foi levado por si mesmo para o seu Da. Ele é em se determinando como poder-ser que pertence a si mesmo, mas não no sentido de ter dado a si mesmo o que tem de próprio. (HEIDEGGER, 1989, p. 71)

Essa tríplice estrutura descreve que o Dasein já parte de uma situação dada (estar jogado), a

partir do que projeta sua existência. E esse projeto se dá a partir das possibilidades que

compreende de seu poder-ser. Por estar previamente “jogado” o Dasein tem suas

possibilidades previamente limitadas. E então, a partir da compreensão das possibilidades o

Dasein se articula com o mundo por meio da significação e da linguagem e do discurso.

Contudo essa articulação por meio da significação e do discurso já se produz como uma “de-

candência” (Verfallen) que é um “ser-junto-dos-entes-intramundanos”. “Assim, existência,

faticidade, articulação, são: ser –adiante –de-si-mesmo; já-ser-no-mundo; ser-junto-dos-entes-

intramundanos.” (STEIN, 2002, p. 68)

O projeto decorre do estar-lançado pois, de fato, o Dasein sabe de si mas não sabe de onde

vem. “Ser-fundamento diz, portanto, nunca poder se apoderar do ser mais próprio em seu

fundamento. Esse não pertence ao sentido existencial do estar-lançado. Sendo fundamento, o

próprio Dasein é um nada de si mesmo” (HEIDEGGER, 1989, p.72).

Se o Dasein não tem como ter conhecimento de seu fundamento, precisa partir de si mesmo

como já sendo.

Existindo, o Dasein é o fundamento de seu poder-ser porque só pode existir como o ente que está entregue à responsabilidade de ser o ente que ele é. (HEIDEGGER, 1989, p. 72)

Desconhecendo seu próprio fundamento o Dasein precisa partir de si e, a partir de si, instaura

o projeto.

Existindo, ele (Dasein) nunca retoma aquém de seu estar-lançado de tal modo que sempre só pudesse desenvolver esse “fato de ser e ter de ser” propriamente a partir de seu ser si mesmo e conduzi-lo ao seu Da. (...)

E, como é esse fundamento lançado? Ele só é projetando-se em possibilidades nas quais está lançado (...) (HEIDEGGER, 1989, pp. 71-72)

E no projetar-se o Dasein está completamente livre. Como vimos anteriormente, o Dasein se

caracteriza pela liberdade justamente por não ter um fundamento a priori que o determine

Higino sobre a Cura e à inexistência em português de derivados de cura na acepção de um relacionamento

especifico do Dasein (...) (HEIDEGGER, 1988, p. 313).

112

previamente.97. O Dasein em seu estar-jogado, se por um lado não tem conhecimento de sua

origem, por outro lado é plenamente livre. Somente que na realização de suas possibilidades

haverá que se restringir a uma escolha sendo necessário abrir mão de outras possibilidades.

O nada mencionado pertence ao Dasein enquanto o ser-livre para suas possibilidades existenciárias. A liberdade, porém, apenas se dá na escolha de uma possibilidade, ou seja, implica suportar não ter escolhido e não poder escolher outras. (HEIDEGGER, 1989, p. 73)

Sendo plenamente livre implica em que o Dasein instaura o projeto a partir do nada. Pois o

fundamento do Dasein, conforme já referido acima é nada do que seja ente, e o Dasein tem

que se assumir a partir de si mesmo e mais nada.

Existindo, o Dasein é seu fundamento, ou seja, é de tal modo que ele se compreende a partir de possibilidades e, assim se compreendendo, é o ente lançado, Isso implica, no entanto, que: podendo-ser, ele está sempre numa ou noutra possibilidade, ele continuamente não é uma ou outra e, no projeto existenciário, recusa uma ou outra. (HEIDEGGER, 1989, p. 72)

Assim como na estrutura do projeto, o nada está essencialmente inserido na estrutura do estar-lançado. E este é o fundamento da possibilidade do nada do Dasein impróprio na de-cadência que, como tal, ele de fato já sempre se dá. Em sua essência, a cura está totalmente impregnada de nada. A cura — o ser do Dasein — enquanto pro-jeto lançado diz, por conseguinte: o ser-fundamento (nulo) de um nada. (HEIDEGGER, 1989, p. 73)

Contudo, o projeto não está se referindo ao nada como privação de possibilidades mas

justamente ao contrário. Como visto o nada é ausência de restrições e portanto liberdade no

projetar-se.

O nada existencial não possui, de forma alguma, o caráter de privação ou falta diante de um ideal imposto e não alcançável no Dasein. Antes de tudo aquilo que ele pode projetar e, na maior parte das vezes, alcançar, enquanto

pro-jeto, o ser desse ente já é um nada. (HEIDEGGER, 1989, p. 73)

Contudo, no projetar-se, distingue-se o projetar-se no sentido próprio do projetar-se no

sentido impróprio. E, assim, “aberto em seu ‘Da’, ele (o Dasein) se mantêm, de modo

igualmente originário, na verdade e na não-verdade.” (HEIDEGGER, 1989, p. 73).

Os termos “sentido próprio” e “sentido impróprio” indicam se o projeto se dirige ao próprio

Dasein ou dele se afasta, conforme já referido acima no item 2.3:

97

Posteriormente Heidegger retoma o tema sobre outra perspectiva conforme apresentamos acima no item A

essência do Fundamento. A mudança de perspectiva relaciona-se à “viragem” referida nessa dissertação na

introdução e no item referente à metodologia.

113

Impropriedade tem por fundamento uma possível propriedade.

Impropriedade caracteriza um modo de ser, no qual o Dasein pode se

extraviar e, na maior parte das vezes, sempre já se extraviou, mas que não

deve se extraviar continua ou necessariamente. (HEIDEGGER, 1989, p. 42)

Também já abordamos no item 2.3 a parte da estrutura ontológica do Dasein caracterizada

como de-cadência, a qual, conforme visto, é um “ser-junto-dos-entes-intramundanos”. A esse

respeito foram apresentados os aspectos da cotidianidade identificados por Heidegger,

relativos ao falatório, curiosidade e ambigüidade. Nesse sentido de projetar-se o Dasein

afasta-se de si mesmo e se perde junto aos entes. Isso se reflete em um abandono no

impessoal e caracteriza o projetar-se impróprio.

Ele (Dasein) se apropria propriamente da não-verdade. O Dasein já está e,

talvez sempre esteja, na in-de-cisão. Esse termo designa apenas o fenômeno

já interpretado como abandono à interpretação predominante do impessoal.

O Dasein é “vivido” como o próprio impessoal pela ambigüidade do senso

comum, característica da public-idade em que ninguém se decide e que, no

entanto, já sempre incide. A decisão significa deixar-se conclamar a partir da

perdição no impessoal. (...). Enquanto conceito inverso à de-cisão em sua

compreensão existencial, a in-de-cisão não significa uma qualidade ôntica e

psíquica, no sentido de sobrecarga de repressões. O decisivo também

continua referido ao impessoal e a seu mundo. A possibilidade disto ser

compreendido depende do que se abre na de-cisão, na medida em que só a

de-cisão propicia ao Dasein a transparência própria. Na de-cisão está em

jogo o poder-ser mais próprio do Dasein que, lançado, só pode projetar-se

(grifo nosso) para possibilidades de fato determinadas. (HEIDEGGER,

1989, p. 89).

O resgate do impessoal é possibilitado pelo processo em que o clamor possibilita a de-cisão:

Ao clamor da consciência corresponde a possibilidade de uma escuta. A

compreensão do aclamar desentranha-se como um querer.ter-consciência.

Nesse fenômeno, porém, dá-se a escolha existenciária que escolhe um ser-si-

mesmo denominado, em correspondência à sua estrutura existencial, de de-

cisão (HEIDEGGER, 1989, p. 55).

E, conforme já vimos no item 2.3 acima, na escuta e num querer-ter-consciência, de-cisão é:

(...) essa abertura privilegiada e própria, testemunhada pela consciência no

próprio Dasein, ou seja, o projetar-se (grifo nosso) silencioso e prestes a

114

angustiar-se para o ser e estar em débito mais próprio. (HEIDEGGER, 1989,

p.86)

Importa destacar que o conteúdo que se apresenta à de-cisão é projeto no sentido da própria

abertura de possibilidades. E nessa abertura estão considerados os fatos das circunstâncias do

Dasein.

De acordo com sua essência ontológica, a de-cisão é sempre decisão de um

determinado Dasein em seus fatos. A essência desse ente é sua existência.

De-cisão “existe” enquanto o decisivo que se projeta numa compreensão.

Mas em função de que o Dasein se de-cide na de-cisão? Para que ele deve se

de-cidir? Somente o decisivo pode dar a resposta. Seria uma total

incompreensão do fenômeno da de-cisão pretender que seja meramente um

apoderar-se das possibilidades apresentadas e recomendadas. O decisivo é

justamente o projeto e a determinação que, cada vez, abrem as

possibilidades de fato. (...). (HEIDEGGER, 1989, p. 88)

Ou seja, o projetar-se próprio não se dá em uma concepção abstrata ausente da existência.

Pelo contrário, é na própria existência com todas as circunstâncias que o Dasein é aclamado a

encontrar-se consigo mesmo em sua “situação”:

O decisivo não se retira da “realidade” mas descobre o possível em seu fato,

a tal ponto que o apreende como o poder-ser mais próprio, possível no

impessoal. A determinação existencial do Dasein decidido a cada

possibilidade abrange os momentos constitutivos do fenômeno existencial,

até agora desconsiderado, que chamamos de situação. (HEIDEGGER, 1989,

p. 89)

Mas a situação não se apresenta independente da própria de-cisão do Dasein. Pelo contrário,

depende daquele projetar-se silencioso e prestes a angustiar-se que caracteriza a de-cisão.

Diversamente do estar-perdido-no-impessoal, junto ao ente, somente na atitude de

afastamento e de conscientização do seu ser é que o Dasein pode no mesmo ato estar

consciente da sua situação:

Cada vez a situação é o Da, o aberto na de-cisão, que o ente que existe é. A

situação não é a moldura simplesmente dada em que o Dasein ocorre ou

apenas se coloca. Longe de um amálgama simplesmente dado de

circunstâncias e acasos, a situação é somente pela e na de-cisão. Somente

decidido para o Da em que ele mesmo tem de ser em existindo é que se lhe

115

abre, cada vez, o caráter conjuntural dos fatos de uma circunstância.

(HEIDEGGER, 1989, p. 90)

Assim, o clamor que clama o Dasein, no sentido do resgate do estar-perdido-junto-aos-entes,

não é um clamor que chame para uma realidade estranha à situação, mas justamente ao

contrário, conclama a própria situação:

A de-cisão conduz o ser do Da à existência de sua situação. A de-cisão,

porém, delimita a estrutura existencial do poder-ser próprio, testemunhado

na consciência, isto é, do querer-ter-consciência. Nele reconhecemos a

compreensão adequada do aclamar. Com isso, torna-se inteiramente claro

que o clamor da consciência, do conclamar o poder-ser, não propõe nenhum

ideal vazio de existência, mas proclama a situação. (...). A interpretação

existencial que compreende o aclamar enquanto de-cisão desentranha a

consciência como o modo de ser que se acha no fundo do Dasein. É neste

modo de ser que a consciência, testemunhando o poder-ser mais próprio,

possibilita para si mesma o fato de sua existência. (HEIDEGGER, 1989, p.

90)

Por outro lado, na situação de estar-perdido-junto-aos-entes o Dasein não tem acesso a sua

própria situação. Está alienado de si e por isso mesmo também está alienado das suas

circunstâncias e possibilidades mais próprias da sua situação. O impessoal desconhece sua

situação específica e própria, pois tem como referência o genérico da conversa cotidiana:

Em contrapartida, a situação permanece essencialmente fechada para o

impessoal. Ele conhece apenas os “casos gerais” que se perdem nas

“ocasiões” mais imediatas e contesta o Dasein, calculando os “acasos” os

quais, por desconhecê-los, sustenta e professa como sua realização.

(HEIDEGGER, 1989, p. 90)

Assim podemos dizer que o projetar-se impróprio ao implicar na perda do Dasein de sua

situação mais própria é um projetar-se para o Nada de si mesmo. Na contrapartida o projetar-

se próprio depende de que o Dasein antes aceite “o nada do que seja ente” para que no

“projetar-se (grifo nosso) silencioso e prestes a angustiar-se” (HEIDEGGER, 1989, p. 86) encontre

seu poder ser mais próprio.

Assim, o Dasein só pode ser propriamente ele mesmo quando ele mesmo dá

a si essa possibilidade. A falha da ocupação e da preocupação não significa,

contudo, de forma alguma, que esses modos do Dasein se descartem de seu

ser próprio em sua propriedade. Enquanto estruturas essenciais da

116

constituição do Dasein, esses modos também pertencem à condição de

possibilidade da existência. O Dasein é propriamente ele mesmo, apenas na

medida em que, enquanto ser-junto a ... na ocupação e ser-com na

preocupação, ele se projeta primariamente para o seu poder- ser mais próprio

e não para a possibilidade do próprio-impessoal. A antecipação da

possibilidade irremissível obriga o ente que assim antecipa à possibilidade

de assumir seu próprio ser a partir de si mesmo e para si mesmo.

(HEIDEGGER, 1989, p. 47)

E contudo é a partir do que se ocupa que o Dasein vem a se encontrar.

De inicio e na maior parte das vezes, o ser-no-mundo compreende-se a partir

daquilo de que se ocupa. A compreensão imprópria se projeta para o que é

passível de ocupação e feitura, para o que é urgente e inevitável nos

negócios dos afazeres cotidianos. Todavia, aquilo de que se ocupa é o que é,

em função do poder-ser da cura. Este permite que o Dasein, em seu ser de

ocupações, venha-a-si ao se ocupar do que se ocupa. Primordialmente, o

Dasein não vem-a-si em seu poder-ser mais próprio e irremissível. Mas é nas

ocupações que o Dasein atende a si mesmo, a partir do que lhe proporciona

ou recusa aquilo de que se ocupa, É a partir daquilo de que se ocupa que o

Dasein vem-a-Si. (HEIDEGGER, 1989, p. 134)

7.2 O PROJETAR-SE

O item anterior se referiu ao projeto segundo uma perspectiva de Ser e Tempo em que

Heidegger efetua a analítica do Dasein a partir das vivências do próprio Dasein. No presente

item abordaremos, de maneira introdutória, as implicações do projeto a partir da abordagem

posterior à viragem (Kehre).

Fazendo uma recapitulação, verificamos, no item anterior, que o projeto tem como

fundamento o nada, pois o Dasein é a princípio simplesmente lançado. Também verificamos

que necessariamente o Dasein se projeta, pois a facticidade, ou o ser-diante-de-si-mesmo

(estar-lançado), acontece de forma que ele não tem acesso à sua própria origem. Seu

fundamento é o nada e a ausência de qualquer determinação prévia. Assim seu fundamento é

a própria liberdade. Não sabendo de onde vem, o Dasein irá assumir-se a si mesmo enquanto

projeto. O projeto é o já-ser-no-mundo também referido como “articulação”. Contudo, e

imediatamente a articulação se dá com o ser-junto-dos-entes-intramundanos, possibilidade

que é necessariamente realizada por meio de um afastamento do Dasein em relação ao seu ser

117

mais próprio. Por outro lado, é a partir desse afastamento que o Dasein acaba podendo, por

meio de uma decisão, encontrar-se a si mesmo. Conforme o texto já citado acima:

O Dasein é propriamente ele mesmo, apenas na medida em que, enquanto

ser-junto a ... na ocupação e ser-com na preocupação, ele se projeta

primariamente para o seu poder- ser mais próprio e não para a possibilidade

do próprio-impessoal. (HEIDEGGER, 1989, p. 47)

Contudo, Heidegger verifica que a continuidade da Hermenêutica, com base exclusiva nas

vivências do Dasein, se torna impraticável, haja vista a que o Dasein deve encontrar as

possibilidades de ser-junto-dos-entes-intramundanos, em uma situação que ele já encontra

dada. Nessa situação, conforme visto acima, o ser-mais-próprio do Dasein, a saber, o não se

perder no impessoal, é justamente o colocar-se na situação que lhe é própria. Esse colocar-se

na situação que lhe é própria normalmente não acontece, e isso em função de uma

instabilidade ontológica do Dasein. Normalmente o Dasein se perde no impessoal. Disso

decorre que a Hermenêutica dessa situação não mais poderá ser feita por via exclusiva do

Dasein, e na viragem Heidegger irá buscar, então, a continuidade da análise fenomenológica

junto ao que se mostra diretamente no mundo enquanto historicidade. Contudo ainda o Dasein

continua em foco, mas agora é por meio dele que se encontra a possibilidade da escuta do

acontecimento histórico.

(...) o ser não pode prescindir do Dasein, pois sem o Dasein não há como

pensar a escuta (e) as rearticulações históricas da verdade do ser. (...) o

Dasein humano precisa se deixar apropriar pela história do ser em meio ao

acontecimento apropriativo, para que a verdade do ser possa acontecer, para

que o ser possa desdobrar a sua essência. (CASANOVA, 2009, p.177)

Em consequência dessa inversão, a investigação em relação ao fundamento também se

desloca para a questão do fundamento da própria história e, de novo, nos deparamos com o

nada, pois Heidegger verifica que todo projeto de mundo está assentado sobre um

fundamento histórico e que esse fundamento não possui ele mesmo fundamento algum.

(...) os textos posteriores à década de 1930 trazem a diferença ontológica

para o próprio cerne do acontecimento aí e colocam agora todo o problema

no âmbito do fundamento. Todo o problema está aqui na impossibilidade de

fundamentações últimas e no fato de todo e qualquer projeto de mundo estar

assentado sobre um fundamento histórico que não possui ele mesmo

118

fundamento algum, mas emerge da abissalidade mesma do ser.

(CASANOVA, 2009, p.177)

Podemos então dar nova compreensão, ao que já foi assunto do item 4.2. acima referido, à

respeito de poesia e ao habitar, a exemplo da seguinte citação:

O que realiza e procura o homem, consegue e merece por sua própria fadiga.

Mas diz Hölderlin, em dura contraposição a isso – tudo isso não toca a

essência de seu residir nessa terra; tudo isso não alcança o fundamento da

existência humana. Essa em seu fundamento é “poética”. (HEIDEGGER,

1983, p.62)

Na medida em que o acontecimento histórico decisivo, não está pré-determinado, mas se fará

por um desvelar do ser, há a necessidade de que o Dasein seja apropriado pelo acontecimento,

do contrário o mesmo não se dá, e isso, justamente por ser histórico.

O acontecimento apropriativo não é nenhum universal a priori, ao qual

poderíamos aceder por via abstrativa e o qual se mostraria em sua trans-

historicidade essencial. Não há, em verdade, o acontecimento apropriativo,

mas sempre um acontecimento apropriativo particular. (CASANOVA, 2009,

p.183)

É necessário, portanto, que o Dasein se coloque na posição de escuta, tal como os poetas para

que seja inaugurado algo novo.

Da mesma natureza é a Obra de Arte. Em A Origem da Obra de Arte, Heidegger assim se

refere ao “projeto poietizante”98:

O projeto poietizante provém do Nada (grifo nosso), do ponto de vista de que ele nunca toma sua doação do corriqueiro e do existente até então. Porém, ele nunca provém do nada na medida em que o projetado através dele é apenas a determinação retida do próprio Ente-ser histórico (HEIDEGGER, 2010, pp193-195)

O poeta e o artista se colocam, portanto, em uma posição de escuta, em que de imediato

renunciam à ocupação com o mundo cotidiano, e se elevam em uma abertura para o desvelar

do ser. Contudo, e nesse mesmo ato, encontram a si mesmos, no que lhes é mais próprio.

Nesse ponto é necessário introduzir o significado do termo acontecimento apropriativo

(Ereignis)99, que “procura pensar o acontecimento a cada vez histórico do surgimento das

98

Veja, a respeito de “poiesis”, nota ao final do item 5.

119

ontologias”. (CASANOVA, 2009, p.177). Com esse termo Heidegger procura expressar

justamente uma dupla apropriação, onde por um lado o Dasein precisa deixar-se apropriar

pelo acontecimento histórico e por outro lado nesse “deixar-se apropriar”, ele mesmo não

perde sua singularidade de Dasein. Esse ponto é extremamente delicado, pois se entendermos

que o Dasein, ao ser apropriado pelo acontecimento histórico, passa a ser como que “uma

espécie de veículo do absoluto” (CASANOVA, 2009, p.178), então se estaria recaindo sob

uma perspectiva hegeliana onde o Dasein perderia sua singularidade se identificando e

colocando-se simplesmente a serviço de um movimento histórico.

O que Heidegger tem em vista se articula muito mais a uma perspectiva já encontrada no

plano religioso:

Heidegger articula-se aqui antes com a concepção do plano religioso no pensamento de Kierkegaard, um plano no qual eu entrego minha existência singular a Deus e ele me devolve em seguida essa existência mesma, mas agora transformada. A diferença fica por conta da supressão da figura de Deus no acontecimento apropriativo (CASANOVA, 2009, p.178)

A história não existe a priori, ou seja, em última instância encontra seu fundamento no

próprio desvelar do ser que é um nada do que seja ente. Por outro lado o Dasein não possui

determinações a priori. O deixar-se apropriar do Dasein se faz por meio de uma renúncia, e

essa renúncia é justamente o renunciar a buscar um fundamento a priori. Se o Dasein insiste

em partir de uma pré-concepção, então justamente por isso ele não será autêntico consigo e

com o acontecimento. Assim, “O acontecimento apropriativo envolve, portanto, uma renúncia

por parte do Dasein a toda a tentativa de suprimir a ausência última de apoio e à situação de

desproteção que é intrínseca a todo Dasein.” (CASANOVA, 2009, p.177)

Portanto evidencia-se a articulação do projeto com a perspectiva do sagrado (abordada no

item 6. acima), a saber, o projetar-se do Dasein se dá da maneira mais própria quando ele, ao

se projetar, não deixa de considerar o espaço do ser velado, a saber, mesmo quando se

apropriando da verdade que se lhe revela, ainda assim sabe que não é tudo o que se revela, e

que o que se parece com um nada, sendo nada de ente ainda assim não é nulo.

Na menção do termo renúncia encontra-se uma indicação do que cabe agora efetivamente ao ser-aí. Deixar-se apropriar pela história do ser significa ao mesmo tempo abdicar de toda e qualquer pretensão de determinar por si mesmo o que o ser é e de estabelecer afinal, a medida para o ser. Em meio ao

99

“Acontecimento apropriativo é uma expressão que procura pensar o acontecimento a cada vez histórico do

surgimento das ontologias ,

120

acontecimento apropriativo, o Dasein se conquista enquanto Dasein, uma vez que renuncia a toda e qualquer tentativa de perguntar diretamente o que é o ser e responder por si mesmo a tal pergunta. (CASANOVA, 2009, p.181)

E caberá ao Dasein, cônscio do fundamento no nada, assumir a parte que se lhe é revelada

passando a guardar e acolher o que se lhe chegou. Afinal não poderia ser acontecimento se

não fosse pelo acolher do Dasein mesmo, o qual “precisa se deixar apropriar pela história (...)

para que a verdade do ser possa acontecer” (CASANOVA, 2009, p.177).

“Deixar-se apropriar pelo lógos histórico é, a partir da escuta ao que foi e continua sendo, dar

voz à medida ontológica de todos os comportamentos presentes e preparar ao mesmo tempo o

solo do que está por vir” (CASANOVA, 2009, p.180).

8. CONCLUSÃO

Nesta dissertação partimos do nada e fizemos uma jornada. Nessa jornada seguindo as pistas

do Nada, descobrimos a perspectiva heideggeriana, que cria novas possibilidades para o

caminhar do pensamento com vistas para o desenvolvimento da humanidade e auto-

conhecimento do ser humano.

Essa perspectiva heideggeriana vem de encontro com a alternativa do niilismo que parece

predominar inexoravelmente. Heidegger apresenta saídas para a situação ocidental frente ao

niilismo. Contudo foi mal compreendido e chegou a ser ele o acusado de niilismo.

Mas de fato, verificamos que o que Heidegger nos apresenta é a perspectiva da abertura.

Por um lado, o pensamento de Heidegger nos mostra como rever nossa atitude frente ao Nada,

e aponta para a possibilidade de um auto-conhecimento com o potencial de conduzir o homem

ao originário de si mesmo.

Por outro lado, Heidegger nos mostra um caminho para o verdadeiro universalismo, talvez a

única maneira para o relacionamento de diferentes culturas no mundo globalizado.

(...) qualquer meditação sobre o sentido do que hoje é está sendo só poderá surgir e prosperar num diálogo de pensamento com os pensadores gregos e sua linguagem, capaz de lançar suas raízes no solo de nosso Dasein histórico. È um diálogo que ainda está esperando para começar. Trata-se de um diálogo que mal se acha preparado mas que, para nós, se torna uma condição prévia do diálogo inevitável com o mundo do Extremo Oriente (HEIDEGGER, 2006, p. 41)

É também nessa perspectiva universalista que Heidegger entende a vocação do povo alemão,

cuja compreensão teria ficado prejudicada pela limitação do pensamento metafísico.

121

O alemão não é proclamado ao mundo para que este se restabeleça no modo de ser alemão, mas é dito para os alemães, para que eles, em virtude do destino que os liga aos outros povos, com eles atinjam o verdadeiro universalismo (Sobre a Poesia de Hölderlin “Lembrança, Tübinger Gedenkschrift, 1943, 332). A pátria deste morar historial é a proximidade do ser. (HEIDEGGER, 1973, p. 360)

Essa perspectiva heideggeriana aponta para um caminho além da situação de afastamento do

ser que se caracteriza pela de-cadência. Conforme visto, o falatório, a curiosidade e a

ambiguidade tendem a encontrar soluções simples mas inconseqüentes.

O ser-no-mundo da de-cadência é, em si mesmo, tanto tentador como tranqüilizante.

Essa tranqüilidade no ser impróprio, porém, não leva à inércia e à inatividade. Ao contrário, promove “agitações” desenfreadas. O de-cair no “mundo” já não tem mais repouso. A tranqüilidade tentadora aumenta a de-cadência. No tocante à interpretação do Dasein, pode nascer a convicção de que a compreensão das culturas mais estranhas e a sua “síntese” com a própria cultura levaria a um esclarecimento verdadeiro e total do Dasein a seu próprio respeito. A curiosidade multidirecionada e a inquietação de tudo saber dá a ilusão de uma compreensão universal do Dasein. Mas o que propriamente se deve compreender permanece, no fundo, indeterminado e inquestionado; não se compreende que compreender é um poder-ser que só pode ser liberado no Dasein mais próprio. Nessa comparação de si mesmo com tudo, tranqüilo e que tudo “compreende”, o Dasein conduz a uma alienação na qual se lhe encobre o seu poder-ser mais próprio. O ser-no-mundo da de-cadência, tentador e tranqüilizante é também alienante. (HEIDEGGER, 1988, p. 239)

Iniciamos o trabalho com o Nada, partindo do texto Que é Metafísica?, o qual motivou a

reação no ocidente, que enquadrou Heidegger como niilista.

Seguimos a reflexão Heideggeriana a respeito do Niilismo e a perspectiva para a sua

superação.

Verificamos os fundamentos filosóficos implicados na referência de Heidegger ao Nada, para

o que utilizamos os textos Sobre a Essência do Fundamento e Sobre a Essência da Verdade.

Investigamos as relações entre o Nada e a morte em Ser e Tempo.

Constatamos as perspectivas abertas para o habitar humano e verificamos relações entre o

Nada e a poesia.

O Nada foi o centro da conversa de Heidegger com o pensamento Oriental, conforme

apresentamos no item O Nada e o Oriente de Heidegger. Apesar da “exigüidade de

122

referências explícitas que aparecem nas obras de Heidegger publicadas até o momento”

(SAVIANI, 2004, P. 18), materiais e testemunhos mostram como o pensamento de Heidegger

foi bem compreendido no Oriente, em flagrante contraste com a reação ocidental. E por outro

lado os relatos mostram o quanto devem ter sido importantes os ganhos recíprocos de

Heidegger e de seus interlocutores. Nessa pesquisa constatamos que a conversa gravita em

torno do Nada. Contudo, vimos que o caminho de Heidegger em referência ao Nada, guarda

diferenças em relação ao caminho no Oriente.

Finalizamos com as implicações entre o Nada e o Sagrado, onde se abrem as perspectivas de

um caminho para Deus. O caminho que parecia fechado, e que levou a muitos interpretarem

Heidegger como ateu100, mostra-se então como a abertura de uma via de autenticidade para o

divino. O pensamento de Heidegger que parece excluir qualquer referência a Deus mostrou-se

como o caminho que não faz a referência justamente para não diminuir Deus.

O esdrúxulo empenho em demonstrar a objetividade dos valores não sabe o que faz. Quando proclama “Deus” como “o valor supremo”, isto significa uma degradação de Deus. O pensar através de valores é, aqui, e em qualquer outra situação, a maior blasfêmia que se pode pensar em face do ser. Pensar contra os valores não significa, portanto, propagar que o ente é destituído de valor e que é sem importância; mas isto significa: levar para diante do pensar a clareira da verdade do ser contra a subjetivação do ente em simples objeto. (HEIDEGGER, 1973, p. 365)

Deus não é nomeável e o ser não é nomeável. A linguagem se mostrou limitada no caminho

para o ser, enquanto dependente de conceitos, conforme a metafísica.

Contudo é na linguagem e pela linguagem que o ser se dá, conforme já citado acima:

É a linguagem que, primeiro e em última instância, nos acena a essência de

uma coisa. Isso, porém, não quer absolutamente dizer que, em cada

significação tomada ao acaso de uma palavra, a linguagem já nos tenha

entregue a essência transparente das coisas, de forma imediata e absoluta.

Como se fosse um objeto pronto para o uso. O co-responder, em que o

homem escuta propriamente o apelo da linguagem, é a saga que fala no

elemento da poesia. (...) (HEIDEGGER, 2006, p. 168)

E no que se assemelham a poesia e o pensamento existe enorme distância. E no nada dessa

diferença está a abertura para o encontro com o ser, conforme já citado acima:

100

“Sartre compreendeu a posição de Heidegger como ateísmo, mas Heidegger não estava nem afirmando

nem negando a existência do divino” (...) (PEROTTI,1974 , p. 19)

123

Para isso não basta permanecer no caminho entreaberto no seio da

vizinhança de poesia e pensamento. (...) A respeito do caminho que nos deve

colocar diante dessa possibilitação, dissemos que ele nos conduz somente

para onde já estamos. O “somente” não significa aqui nenhuma limitação,

mas acena para a simplicidade pura desse caminho. (...) o caminho permite

alcançar o lugar em que já estamos (...) (HEIDEGGER, 2008, 156)

No conjunto das considerações acima, na articulação dos temas apresentados, mostra-se o

Dasein como fundado no nada e ontologicamente determinado a projetar-se. E o projetar-se se

fará a partir da consciência de sua própria situação resgatada do âmbito do impessoal.

Situação que já sempre “se movimenta no interior de um acontecimento apropriativo”

(CASANOVA, 2009, p.183), e, portanto, situação que já está inserida no contexto histórico e

no momento próprio do Dasein. Inserida mas não determinada, pois, o “acontecimento

apropriativo não é nenhum universal a priori”, e de fato corresponde a algo novo

verdadeiramente criativo, e viabilizado, enquanto acontecer, pela participação do Dasein na

abertura, guarda e proteção.

9. ADENDO – SOBRE AS OBRAS DE HEIDEGGER

Para que o leitor possa situar as referências bibliográficas (apresentadas no final deste

trabalho), e, pensando em estudiosos que buscam aprofundar os conhecimentos nessa matéria,

incluímos este adendo relativo às obras de Heidegger fornecendo uma visão de conjunto.

A obra completa de Heidegger (Gesamtausgabe) inclui um total de 102 volumes, e

atualmente são acrescentados cerca de dois volumes por ano. Quando os comentadores se

referem diretamente à obra completa indicam por (GA, vol., p.).

A Gesamtausgabe, planejada pelo próprio autor, começou a ser editada na

década de setenta, pela editora Vittorio Klostermann, de Frankfurt,

envolvendo especialistas de vários países e que, até o momento, ainda não

está totalmente concluída. A edição integral está dividida em quatro seções:

I. Escritos publicados de 1910-1976 (vol. 1-16); II. Preleções de 1919-1944

(vol. 17-63), sendo: A) Preleções de Marburgo de 1923-1928 (vol. 17-26),

B) Preleções de Friburgo de 1928-1944 (vol. 27-55) e C) Primeira preleções

de Friburgo de 1919-1923 (vol. 56-63); III. Tratados inéditos (vol. 64-81);

IV. Apontamento e notas (vol. 82-102). (KIRCHNER, acesso em 03/04/11)

A relação da obra completa está disponível na internet, por exemplo no link

<http://de.wikipedia.org/wiki/Gesamtausgabe_(Heidegger)>.

124

A seguir, apresentamos a bibliografia geral de Heidegger em português, incluindo a relação

das obras impressas, no Brasil e em Portugal, e ainda as obras de comentadores:

Bibliografia Geral - Heidegger em português101

Conforme consta no site referido na nota de rodapé acima: “esta é uma lista de traduções de livros e artigos de Heidegger para o português. Muitos desses textos contam com mais de uma tradução. Nesses casos foi escolhida a de mais fácil acesso ao leitor brasileiro. Também optou-se por relacionar apenas a edição mais recente.”

Segue abaixo a lista das traduções publicadas no Brasil, em Portugal e a relação de obras dos comentadores:

Traduções publicadas no Brasil

• Fenomenologia da Vida Religiosa (Phanomenologie des religiosen Lebens) [1921-22] Trad. Enio Paulo Giachini, Jairo Ferrandin e Renato Kirchner. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010.

• O conceito de tempo (Der Begriff der Zeit) [1924] Trad. Werle, M. In: Cadernos de Tradução, n.2, 1997. São Paulo: Departamento de Filosofia da USP.

• História da Filosofia – De Tomás de Aquino a Kant. (Geschichte der Philosophie von Thomas v. Aquin bis Kant.) [1926] Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2009.

• Ser e Tempo. (Sein und Zeit) [1927] Trad. Márcia de Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes / Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2009.

• Os Conceitos Fundamentais da Metafísica: Mundo, Finitude, Solidão. (Die Grundbegriffe der Metaphysik. Welt–Endlichkeit–Einsamkeit.) [1929/30] Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

• Metafísica de Aristóteles - Sobre a essência e a realidade da força. (Aristoteles, Metaphysik 1 1-3.Vom Wesen und Wirklichkei der Kraft.) [1931] Trad. Enio Paulo Giachini. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2007.

• A auto-afirmação da universidade alemã. (Die Selbstbehauptung der deutschen Universität.) [1933] Trad. Fausto Castilho, Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura.

• Ser e Verdade. (Sein und Wahrheit) Trad. Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. A questão fundamental da filosofia (Die Grundfrage der Philosophie) [1933] Da essência da verdade (Vom Wesen der Wahrheit) [1933/34].

• A Época das Imagens do Mundo (Die Zeit des Weltbildes) [1938] Trad. Claudia Drucker.

• Meditação (Besinnung) [1938-9] Trad. Marco Antonio Casanova. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2010.

• Nietzsche. Vol. I (Nietzsche. Bd. I ) Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 2007. A vontade de poder como arte (Der Wille zur Macht als Kunst) [1936-37]

101

Compilado em 01/12/2009 por Paulo Evangelista com colaboração de Luis Jardim. Disponível em

<http://www.fenoegrupos.com/artigos-biblio-heidi.php.> Acesso em 08/01/2011

125

O eterno retorno do mesmo (Die ewige Wiederkehr des Gleichen) A vontade de poder como conhecimento (Der Wille zur Macht als Erkenntnis) [1939]

• Nietzsche. Vol. II (Nietzsche. Bd. II ) Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 2008. O niilismo europeu (Der europäische Nihilismus) [1940] A metafísica de Nietzsche (Nietzsches Metaphysik) [1940] A determinação histórico-ontológica do niilismo (Die seinsgeschichtliche Bestimmung des Nihilismus) [1944-1946] Esboços para a história do ser enquanto metafísica (Entwürfe zur Geschichte des Seins als Metaphysik) [1941] A lembrança da metafísica (Die Erinnerung an die Metaphysik) [1941]

• Nietzsche – metafísica e niilismo. (Nietzsches Metaphysik) [1941-2] Trad. Marco António Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000.

• Parmênides. (Parmenides) [1942] Trad. Sérgio Mario Wrublevski. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2008.

• Heráclito. (Heraklit) Trad. Márcia de Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998. A Origem do Pensamento Ocidental (Der Anfang des abendländischen Denkens (Heraklit).) [1943] Lógica: A doutrina heraclítica do logos (Logik. Heraklits Lehre vom Logos.) [1944].

• Marcas no Caminho. (Wegmarken) Trad. Enio Paulo Giachini e Ernildo Stein. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. Notas sobre a “Psicologia das concepções de mundo” de Karl Jaspers (Anmerkungen zu Karl Jaspers "Psychologie der Weltanschauungen") [1919-1921] Fenomenologia e teologia (Phänomenologie und Theologie) [1927] Sobre a última preleção de Marburg (Aus den letzten Marburger Vorlesung) [1928] O que é metafísica? (Was ist Metaphysik?) [1927] A essência do fundamento (Vom Wesen des Grundes) [1929] A essência da verdade (Vom Wesen der Wahrheit) [1930] A teoria platônica da verdade (Platons Lehre von der Wahrheit) [1931-1932] A essência e o conceito da physis em Aristóteles - Física B, 1 (Vom Wesen und Begriff der PHYSIS. Aristoteles, Physik B, 1) [1939] Posfácio a "O que é metafísica?" (Nachwort zu "Was ist Metaphysik") [1943] Carta sobre o humanismo (Brief über den "Humanismus") [1946] Introdução a "O que é Metafísica?" (Einleitung zu "Was ist Metaphysik?") [1949] Sobre a questão do ser (Zur Seinsfrage) [1955] Hegel e os Gregos (Hegel und die Griechen) [1958] A tese de Kant sobre o ser (Kants These über das sein) [1961]

• Conferências e escritos filosóficos. (Coleção Os Pensadores) Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Abril Cultural, 1973. O que é isto – a filosofia? (1956). Que é metafísica? (Was ist Metaphysik?) [1929] O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens) [1966] Sobre a essência do fundamento. (Vom Wesen des Grundes) (1929) Sobre a essência da verdade (Vom Wesen der Wahrheit) (1930) Carta sobre o “Humanismo” (Über den Humanismus. Brief an Jean Beaufret.) [1947] Identidade e diferença. (Identität und Differenz) [1957]. O princípio de identidade. A constituição onto-teo-lógica da Metafísica Hegel e os gregos (Hegel und die Griechen) [1958]

126

A determiação do ser do ente segundo Leibniz A tese de Kant sobre o ser (Kants These über das sein) [1961] Protocolo do Seminário Sobre a Conferência “Tempo e Ser” (Protokoll zu einem Seminar über den Vortrag "Zeit und Sein") [1962] Meu Caminho para a Fenomenologia (Mein Weg in die Phanomenologie ) [1963].

• Ensaios e Conferências. (Vorträge und Aufsätze) [1936] Trad. Emmanuel C. Leão, Fogel, G., Márcia de Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. A questão da técnica (Die Frage nach der Technik) [1949] Ciência e pensamento do sentido (Wissenschaft und Besinnung) [1954] A superação da metafísica (Überwindung der Metaphysik) [1936-1946] Quem é o Zaratustra de Nietzsche? (Wer ist Nietzsches Zarathustra?) [1953} O que quer dizer pensar? (Was heisst Denken?) [1952] Construir, habitar, pensar (Bauen Wohnen Denken) [1951] A Coisa (Das Ding) [1951] “Poeticamente o homem habita...” ("...dichterisch wohnet der Mensch...") [1951] Logos (Heráclito, fragmento 50) Logos (Heraklit, Fragment 50) [1951] Moira (Parmênides, fragmento VIII, 34-41) Moira (Parmenides, Fragment 8) [1951-1952] Aletheia (Heráclito, fragmento 16) Alétheia (Heraklit, Fragment 6) [1954]

• A caminho da linguagem. (Unterwegs zur Sprache ) Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis, RJ: Vozes / Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2003. A linguagem (Die Sprache) [1950] A linguagem na poesia. Uma colocação a partir da poesia de Georg Trakl (Die Sprache im Gedicht. Eine Erörterung von Georg Trakls Gedicht) [1953] De uma conversa sobre a linguagem entre um japonês e um pensador (Aus einem Gesprach von der Sprache. Zwischen einem Japaner und einem Fragenden) [1953-1954] A essência da linguagem (Das Wesen der Sprache) [1957] A palavra (Das Wort) [1958] O caminho para a linguagem (Der Weg zur Sprache) [1959]

• Sobre a Questão do Pensamento. (Zur Sache des Denkens ) Trad. Ernildo Stein. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. Tempo e Ser (Zeit und sein) [1962] Protocolo do Seminário Sobre a Conferência “Tempo e Ser” (Protokoll zu einem Seminar über den Vortrag "Zeit und Sein") [1962]. O fim da filosofia e a tarefa do pensamento (Das Ende der Philosophie und die Aufgabe des Denkens) [1966] Meu caminho para a fenomenologia (Mein Weg in die Phänomenologie) [1963]

• Os Seminários de Zollikon: Protocolos, Diálogos, Cartas. (Zollikoner Seminare) [1959-1969] Org. Medard Boss. 2ª ed. Trad. Gabriela Arnhold e Maria de Fátima de Almeida Prado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

• Introdução à metafísica (Einführung in die Metaphysik) [1953]. Trad. Emmanuel C. Leão. 4ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999.

• Hannah Arendt – Martin Heidegger: Correspondência 1925 – 1975. (Hannah Arendt – Martin Heidegger – Briefe 1925 bis 1975 und andere zeugnisse) Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.

• Sobre o problema do ser (Zur Seinsfrage) [1955] e O Caminho do campo. (Der Feldweg) [1949] Trad. Ernildo Stein. São Paulo: Duas Cidades, 1969.

127

• Esboços tirados do Ateliê [1959] Trad. Antonio Abranches. O Nó Górdio: Jornal de Metafísica, Literatura e Artes. Ano 1, no. 1, 2001.

• Entrevista ao Der Spiegel [1976] • CANCELLO, L. A. O fio das palavras: um estudo de psicoterapia existencial. São

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Traduções publicadas em Portugal

• A origem da obra de arte (Der Ursprung der Kunstwerkes) [1935-36]. Trad. Maria da Conceição Costa. Lisboa: Edições 70, 2007.

• Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais [1962]. Trad. Carlos Morujão, Lisboa: Edições 70, 1992.

• Língua de tradição e língua técnica [1962]. Trad. Mário Botas, Lisboa: Vega, 1999. • Serenidade (Zur Erörterung der Gelassenheit. Aus einem Feldweggespräch über das

Denken) [1959]. Trad. Maria Madalena Andrade, Olga Santos, Lisboa: Instituto Piaget, D.L. 2000.

• Escritos políticos 1933-1966. Trad. José Pedro Cabrera. Lisboa: Instituto Piaget. Discurso do Reitorado Alocuções e Artigos (1933-1934) Por que é que continuamos na província? (Schöpferische Landschaft: Warum bleiben wir in der Provinz?) [1933] Para nos conseguirmos explicar em conjunto sobre o fundamental A ameaça que pesa sobre a ciência Carta ao reitorado acadêmico da Universidade de Albert-Ludwig de Freiburg-am-Brisgrau Extracto de uma carta ao Presidente da Comissão Política de Saneamento Extracto de uma carta a Constantin Von Dietze O reitorado de 1933-1934, factos e reflexões Martin Heidegger entrevistado pelo Der Spiegel

• Caminhos de Floresta (Holzwege) [1950] Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002. A origem da obra de arte (Der Ursprung der Kunstwerkes ) [1935-36] O tempo da imagem do mundo (Die Zeit des Weltbildes) [1938] O conceito e a experiência em Hegel (Hegels Begriff der Erfahrung) [1942] A palavra de Nietzsche “Deus morreu” (Nietzsches Wort 'Gott ist tot') [1943] Para quê poetas? (Wozu Dichter?) [1946] O dito de Anaximandro (Der Spruch der Anaximander ) [1946]

• A origem da obra de arte (Der Ursprung der Kunstwerkes) [1935-36] Trad. Maria da Conceição Costa. Lisboa: Edições 70, 2007.

• Que é uma coisa? Doutrina de Kant dos princípios transcendentais (Die Frage nach dem Ding. Zu Kants Lehre von den transzendentalen Grundsätzen ) [1935] Trad. Carlos Morujão, Lisboa: Edições 70, 1992.

• Língua de tradição e língua técnica (Überlieferte Sprache und technische Sprache) [1962]. Trad. Mário Botas, Lisboa: Vega, 1999.

• Serenidade (Zur Erörterung der Gelassenheit. Aus einem Feldweggespräch über das Denken) [1959]. Trad. Maria Madalena Andrade, Olga Santos, Lisboa: Instituto Piaget, 2000.

• Lógica – A Pergunta pela Essência da Linguagem (Logik als die Frage nach dem Wesen der Sprache) [1934].Trad. Maria A. Pacheco e Helga Homem Quadrado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.

128

• Hinos de Hölderlin (Hölderlyns Hymnen “Germanien” und “Der Rheyn”) [1934/35] Trad. Lumir Nahodil. Lisboa: Instituto Piaget.

• O Princípio do Fundamento (Der Satz vom Grund) [1955/56] Trad. Jorge Telles Menezes. Lisboa: Instituto Piaget.

• O Conceito de Tempo (Der Begriff der Zeit) [1924] Lisboa: Fim de Século.

Comentários

• BARASH, Jeffrey Andrew (1995) Heidegger e o seu Século: Tempo do Ser, Tempo de História. Trad. André do Nascimento. Lisboa: Instituto Piaget.

• BEAINI, Thais Curi (1981) Escuta do silêncio: um estudo sobre a linguagem no pensamento de Heidegger. São Paulo: Cortez.

• BEAINI, Thais Curi (1986) Heidegger: arte como cultivo do inaparente. São Paulo: Nova Stella.

• BEAUFRET, Jean (1976) Introdução às filosofias da existência.De Kierkegaard a Heidegger. Trad. de S.T.Muchail. São Paulo: Duas Cidades.

• BLANC, Mafalda de Faria (1998) O fundamento em Heidegger. Lisboa: Editora Piaget.

• CABRAL, Alexandre Marques (2009) Heidegger e a Destruição da Ética. Rio de Janerio: MAUAD.

• CAPUTO, John (1998) Desmistificando Heidegger. Lisboa: Editora Piaget. • CASANOVA, Marco Antonio (2009) Compreender Heidegger. Rio de Janeiro:

Vozes. • CASANOVA, Marco Antonio (2006) Nada a caminho: Impessoalidade, niilismo e

técnica na obra de Martin Heidegger. Rio de Janeiro: Forense Universitária. • CRITELLI, Dulce Mara (1980) Educação e Dominação Cultural: Tentativa de

reflexão ontológica. São Paulo: Cortez Editora. • CRITELLI, Dulce Mara (1996) Analítica do sentido: uma aproximação e

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Pontes. Rio de Janeiro: DIFEL. • DUBOIS, Christian (2004) Heidegger: introdução a uma leitura. Trad. de

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• HEBECHE, Luiz (2003) “Desmitologizando Heidegger”. Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, v. 59, n. 4, p. 1301-1307, 2003.

• HEBECHE, Luiz (2001) “Heidegger e os indícios formais.” Veritas (Porto Alegre), PUC- Porto Alegre, v. 46, n. 184, p. 571-592, 2001.

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