dissertação gabriel e. vitullo - ufrgs - 1999

164
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA POLÍTICA Teorias alternativas da democracia: uma análise comparada Gabriel Eduardo Vitullo Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Aprovada com conceito “A”. Orientadora: Professora Céli Regina Jardim Pinto Banca: Dr. Atilio Boron, Dr. Hélgio Trindade e Dr. Carlos Arturi Porto Alegre, julho de 1999

Upload: gabriel-eduardo-vitullo

Post on 30-Sep-2015

32 views

Category:

Documents


15 download

DESCRIPTION

Vitullo.Dissertação mestrado.Teorias da democracia.Democracia.

TRANSCRIPT

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA POLTICA

    Teorias alternativas da democracia: uma anlise comparada

    Gabriel Eduardo Vitullo

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obteno do

    ttulo de Mestre. Aprovada com conceito A.

    Orientadora: Professora Cli Regina Jardim Pinto

    Banca: Dr. Atilio Boron, Dr. Hlgio Trindade e Dr. Carlos Arturi

    Porto Alegre, julho de 1999

  • Catalogao na fonte:

    V854t Vitullo, Gabriel Eduardo Teorias alternativas da democracia: uma anlise comparada/ Gabriel Eduardo Vitullo. -- Porto Alegre: UFRGS, 1999. 159 p. Dissertao (Mestrado) -- Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Filosofia e

    Cincias Humanas. Programa de Ps-Graduao em Cincia Poltica. Cli Regina Jardim Pinto, Orientadora.

    1.Teorias da democracia. 2. Democracia participativa. 3. Democracia deliberativa. 4. Democracia cvico-republicana. I. Pinto, Cli Regina Jardim, Orient. II. Ttulo.

    CDD 321.4

    CDU 321.7 Elaborada por Nadia Vanti CRB: 10/892

  • RESUMO

    A presente dissertao procura analisar e comparar as tendncias ou correntes

    democrticas alternativas ao paradigma pluralista ou elitista-competitivo

    predominante nos crculos acadmicos. Apesar de menos difundidas, estas correntes

    so fundamentais quando se procura enriquecer o significado da democracia e

    entender como a questo vem sendo tratada dentro da teoria poltica

    contempornea. Pretende-se demonstrar que existem divergncias importantes

    dentro do prprio campo das concepes democrticas alternativas. Com tal

    propsito, sero examinadas obras e textos de diversos autores que tm abordado

    este tema, e extrados os conceitos e argumentos mais relevantes. A pesquisa

    abordar e mostrar os pontos centrais e aspectos mais importantes da democracia

    participacionista, da democracia deliberativa e da democracia cvico-republicana.

    Desta forma, poder ser traado um mapa do tema em questo, avaliadas as

    possibilidades de construo de um novo modelo democrtico emergente e

    oferecida uma contribuio para o estudo da teoria democrtica.

  • ABSTRACT

    This dissertation aims at comparing and analysing the different democratic streams

    that offer an alternative to the "pluralistic" or "elitist-competitive" paradigm

    predominating in academic circles. In spite of being less widely known, these

    streams are essential when trying to enrich the meaning of democracy or understand

    how this issue is approached within contemporary political theory. We intend to

    demonstrate that there are major divergencies within the very own field of

    alternative democratic conceptions. For that reason, the works and texts of different

    authors who have entertained this subject will be examined and the most relevant

    notions and issues will be taken up. This analysis will look into the central points

    and most significant aspects of participatory democracy, deliberative democracy

    and civic-republican democracy. In this fashion, a map of the issue under discussion

    may be drawn, the likelihood of building a new emergent democratic model

    assessed, and a contribution to the study of democratic theory offered.

  • SUMRIO

    INTRODUO .................................................................................. 1 1 - DEMOCRACIA PARTICIPATIVA .............................................. 8 2 - DEMOCRACIA DELIBERATIVA ............................................... 54 3 - DEMOCRACIA CVICO-REPUBLICANA ................................. 97 4 - CONCLUSES ............................................................................. 145 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................... 153

  • INTRODUO

    A democracia tem originado importantes debates em torno de sua definio.

    Mltiplas tentativas tm se ensaiado, diversas conceitualizaes tm sido propostas,

    na medida em que a democracia traz atrelada a si a ausncia de um consenso quanto

    a sua caracterizao. Nas ltimas dcadas vem ganhando espao predominante uma

    forte corrente de pensamento que enfatiza seu aspecto procedimental. Esta corrente,

    denominada por alguns de corrente pluralista, por outros de escola elitista-

    competitiva, tem sido fonte de inspirao de inmeras pesquisas e estudos

    acadmicos. Entretanto, h outras formas de pensar a democracia que, mesmo sendo

    menos difundidas, constituem-se em idias fundamentais quando se procura estudar

    as possveis maneiras de enriquecer seu significado. Nesta dissertao se procurar

    realizar uma anlise de tais correntes alternativas, com o propsito de alcanar um

    maior entendimento de como vem sendo tratada a questo democrtica dentro da

    teoria poltica contempornea.

    Nos estudos existentes sobre as correntes alternativas, em geral, estas so

    analisadas em contraposio s teorias pluralistas ou elitistas-competitivas da

    democracia, destacando os contrastes e enfrentamentos entre ambos os campos.

    Mas poucos so os que consideram e analisam as divergncias dentro do prprio

    campo das concepes democrticas alternativas. Nesta dissertao, portanto,

    pretende-se abordar essas teorizaes da democracia sob uma perspectiva

    comparada e crtica que permita resgatar os pontos mais relevantes. O material

    bibliogrfico e objeto de estudo estar constitudo de textos e obras dos principais

    autores que tm se dedicado elaborao e anlise destas formas alternativas de

    conceber a democracia e que tm contribudo para redesenhar os termos de

    referncia a partir dos quais se pensa a teoria democrtica.

    O objetivo central ser revisar, analisar e comparar as principais obras que

    tenham articulado uma posio alternativa ao paradigma democrtico predominante.

    Procurar-se- confrontar diversas idias e argumentaes a partir da leitura das

    1

  • obras mais destacadas daqueles pensadores, filsofos e cientistas sociais que tm

    proposto formas de conceitualizao alternativas ao paradigma da democracia

    baseado na teoria das elites.

    O estudo ser dividido em trs captulos: no primeiro analisaremos a corrente

    da democracia participativa, no segundo a corrente deliberativa e no terceiro

    captulo a democracia cvico-republicana. A ltima parte ser dedicada a algumas

    concluses gerais que se derivam da anlise e comparao do exposto naqueles trs

    captulos. Nessa sesso sero esboadas algumas formulaes surgidas do estudo

    destas trs vertentes em que temos dividido o campo das teorias alternativas da

    democracia - vertentes que, indubitavelmente, tm revitalizado a discusso dentro

    da filosofia e da teoria poltica contempornea. Assim mesmo, tentar-se- expor,

    sucintamente, as perspectivas e possibilidades que se perfilam para o debate futuro.

    A ordem em que sero apresentadas as trs correntes no indica uma

    cronologia, uma vez que estas tm avanado, em muitos casos, de forma paralela ou

    simultnea ao longo destas dcadas. Tais correntes, apesar de coincidir na sua firme

    oposio ao paradigma predominante, contam com um bom nmero de elementos

    que as fazem bastante diferentes umas das outras: seja pelo ponto de vista do qual

    partem, seja pela nfase que colocam sobre determinadas questes ou pela direta

    divergncia em relao a certos temas especficos. Ao longo dos captulos que

    seguem, trataremos de explorar e mostrar os aspectos mais importantes de cada uma

    destas trs vertentes do pensamento democrtico, as bases desde as quais avaliar

    possveis coincidncias, superposies e desacordos entre os distintos textos e

    autores, aqueles pontos que expliquem o por qu de hav-los includo em grupos ou

    correntes diferentes.

    As diferenas existentes entre os exponentes destas correntes alternativas da

    democracia nos mostram como, mesmo coincidindo em sua veemente crtica ao

    paradigma predominante, nem sempre concordam em quais seriam os pilares sobre

    os quais construir uma concepo distinta ou um novo modelo democrtico

    2

  • emergente. H uma variedade de linhas divisrias, reas de conflito e enfoques

    diferentes entre os pensadores que argumentam em favor de outro tipo de

    democracia. E , precisamente, a partir da constatao da heterogeneidade existente

    no campo das argumentaes alternativas, que poderemos traar um mapa dos

    diferentes grupos e vertentes. Esta classificao partir daqueles elementos que nos

    permitam agrupar diversos textos dos autores mais renomados em funo de certas

    semelhanas, certos pontos de contato, compromissos e coincidncias, para poder,

    desta forma, realizar uma anlise crtica mais ordenada dos argumentos que se

    oferecem como alternativa maneira de entender e definir a democracia que hoje

    predominaria nos crculos acadmicos. No a nica classificao possvel, nem

    todos os autores que sero mencionados neste estudo concordariam em se

    identificar com algum dos trs rtulos ou denominaes escolhidas. Buscar-se-,

    apenas, confrontar melhor os distintos argumentos oferecidos e agrup-los a partir

    de enfoques e pontos de vista semelhantes e de preocupaes e temticas comuns.

    As trs vertentes tm sua origem no descontentamento face teoria poltica

    imperante. Os impulsores destas concepes negam-se a aceitar que a democracia

    seja to s um mtodo de seleo de lderes por parte de um conjunto de cidados

    desinformados, desinteressados, alienados e apticos. No concordam com o

    modelo de democracia baseado na teoria das elites nem com a perspectiva

    atemorizada do mundo poltico. Para os autores includos nestas correntes, a

    democracia deveria ir alm do simples voto individual e da escolha no refletida.

    Aqueles que lutam por construir um paradigma diferente no concebem a

    possibilidade de que a democracia seja um mero procedimento, carente de todo

    sustento histrico e embasamento social. Procuram dotar de novos contedos as

    instituies existentes e gerar outras novas, que realcem o pleno envolvimento do

    homem comum nos assuntos pblicos, habilitem maiores possibilidades de

    expresso e revalorizem sua cidadania.

    O participacionismo prope o alargamento do comumente definido como

    poltico. uma corrente que pretende democratizar todos os espaos em que

    3

  • interagem os indivduos. Procura levar a democracia vida quotidiana das pessoas

    nos mais diversos mbitos, tornando estas politicamente mais responsveis, ativas e

    comprometidas, estimulando-as a adquirir um maior grau de conscincia em relao

    aos interesses dos outros. O deliberacionismo, por sua vez, reala a necessidade do

    dilogo entre iguais e do contnuo intercmbio de argumentos e razes. Para esta

    vertente, por meio do debate que poderiam ser geradas novas opes e maiores

    possibilidades de expresso e reconhecimento recproco entre os diferentes grupos e

    indivduos. E a terceira corrente, a cvico-republicana, ambiciona revalorizar e

    restabelecer a superioridade da poltica. Considera essencial reafirmar a distino

    pblico/privado e procurar uma resignificao do compromisso cvico cidado,

    atravs de um maior destaque s atividades e decises relativas aos assuntos

    comuns mais relevantes. Todas elas insistem no efeito psicolgico positivo que se

    derivaria de uma participao mais ampla na discusso dos assuntos pblicos,

    expandindo as metas e o olhar das pessoas.

    Cada uma das correntes do pensamento democrtico alternativo trata com

    maior nfase alguns temas e desenvolve menos outros. As crticas que podem

    sofrer, e que sero analisadas ao longo deste estudo, encontram em geral sua origem

    mais na omisso de certas problemticas do que em discordncias profundas sobre

    pontos centrais. No caso do participacionismo, muitos tm apontado para o risco de

    paroquializao dos assuntos a discutir nos processos de tomada de decises e o

    esquecimento das grandes questes nacionais que este tipo de propostas poderia

    implicar. No que diz respeito ao deliberacionismo, h quem tenha assinalado, como

    sua principal debilidade, a falta de aprofundamento no estudo das condies

    concretas que poderiam facilitar um debate genuinamente democrtico. E no que se

    refere ao republicanismo-cvico, diversos autores tm destacado, entre outras coisas,

    o perigo de cair em tendncias perfeccionistas, que possam levar imposio da

    participao poltica como ideal supremo e universal de felicidade.

    Os autores que sero analisados nesta dissertao nem sempre consideram o

    papel fundamental que deveriam desempenhar os partidos polticos em um formato

    4

  • democrtico alternativo. Tampouco so muitos os pensadores que realizam um

    exame pormenorizado das novas funes que haveriam de ter os meios de

    comunicao em uma democracia distinta. E nem todos fazem explcita a relao

    entre mudanas poltico-institucionais e a transformao da estrutura social.

    Precisamente, com este estudo, procurar-se-, alm de analisar e comparar as

    diversas vertentes do pensamento democrtico alternativo, ressaltar, quando for o

    caso, a omisso destes temas e questes.

    Para cada uma das trs correntes sero selecionados alguns de seus autores

    mais relevantes, que por seu peso intelectual bem podem refletir os pressupostos e

    valores fundamentais de cada uma delas. No caso da democracia participativa,

    incluiremos escritos de alguns pensadores que esto entre seus exponentes mais

    conhecidos e so, talvez, quem melhor a representem. Entre eles, a professora

    britnica Carole Pateman, autora que tem desempenhado um papel destacado entre

    os crculos feministas e tem desenvolvido interessantes anlises onde confluem as

    preocupaes pelos direitos da mulher com os desejos de fundar as bases para uma

    nova teoria poltica e um novo modelo de democracia; o politlogo Peter Bachrach,

    autor do renomado estudo Crtica de la teora elitista de la democracia; Crawford

    B. Macpherson, prestigioso professor da Universidade de Toronto, autor de uma

    vasta obra dedicada anlise da democracia. Tambm sero considerados textos de

    Carol Gould, que tem procurado atualizar as teses dos autores anteriores e

    aprofundar, desde uma tica crtica, suas propostas. Alm dos j apontados, sero

    citadas as opinies de Samuel Bowles e Herbert Gintis, professores de economia na

    University of Massachusetts, os quais tm realizado um grande aporte para a

    elaborao de modelos democrticos alternativos fundados na nfase que tm dado

    ao estudo das possibilidades de democratizao da esfera econmica.

    Sob o rtulo de democracia deliberativa, sero abordadas propostas como as

    de James Bohman, professor da Saint Louis University, autor de Public

    Deliberation: Pluralism, Complexity, and Democracy e de New Philosophy of

    Social Science: Problems of Indeterminancy; John Dryzek, e seus Discursive

    5

  • Democracy e Democracy in Capitalist Times; James Fishkin, professor da

    University of Texas, autor entre seus livros mais recentes de Democracy and

    Deliberation, The Voice of the People: Public Opinion and Democracy e The

    Dialogue of Justice. Tambm sero analisadas, neste captulo, as posies em

    relao a estes temas de Cass Sunstein, professor da University of Chicago Law

    School, assim como as opinies de David Miller do Nuffield Collge de Oxford.

    Revisaremos, tambm, as propostas do filsofo argentino Carlos Nino, as idias da

    destacada pensadora feminista Iris Marion Young, textos de Bernard Manin,

    professor do Centre National de la Rcherche Scientifique de Pars e de Joshua

    Cohen, professor de filosofia no Massachusetts Institute of Technology (MIT) e

    autor de Association and Democracy in the Modern World.

    Dentro da democracia cvico-republicana haveremos de trabalhar,

    fundamentalmente, com textos de autores tais como a filsofa alem Hannah

    Arendt, entre cujas obras mais famosas encontramos: The Origins of Totalitarism,

    The Human Condition e On Revolution. O professor estadunidense Benjamin

    Barber, que alcanou notoriedade a partir de seu livro Strong Democracy e Sheldon

    Wolin, professor de filosofia poltica na Princeton University e da University of

    California, em Berkeley, pensador que conta com uma prolfica produo em

    relao ao tema sob estudo. Tambm sero abordados textos de outros autores,

    como o caso de Jane Mansbridge, quem com seu volumoso estudo Beyond

    Adversarial Democracy, sobre dois exemplos de democracia em pequena escala,

    tem aportado uma srie de sugestivas formulaes em relao a muitos dos assuntos

    a serem desenvolvidos nesta pesquisa.

    Trabalharemos, por outro lado, ao longo destes captulos, com textos de

    estudiosos que tm se proposto a buscar respostas, a oferecer sugestes e a formular

    crticas aos argumentos das distintas vertentes em que temos dividido o campo das

    teorias alternativas da democracia. Assim o caso de David Held, professor da Open

    University, que conta entre suas publicaes com Models of Democracy e Political

    Theory Today; Chantal Mouffe, professora no Collge International de Philosophie

    6

  • em Pars; Seyla Benhabib, professora da New School for Social Research, autora

    entre outras obras de Critique, Norm, and Utopia e Situating the Self; Robert Dahl,

    autor de citao obrigatria quando se estudam as teorias da democracia; Michael

    Walzer e seu interessante ensaio Un da en la vida de un ciudadano socialista; e o

    politlogo italiano Danilo Zolo, autor que prope um projeto de refundao da viso

    realista da democracia sobre novas bases, e cujos livros incluem Scienza e poltica

    in Otto Neurath, La democrazia difficile e Democracy and Complexity.

    Sero considerados, da mesma maneira, textos de autores talvez algo menos

    conhecidos, que tambm tm escrito e realizado importantes comentrios sobre as

    distintas correntes alternativas da democracia, como Mark Warren, professor na

    Georgetown University; a professora Anne Phillips, do City of London Polytechnic,

    autora que tem se destacado no estudo das relaes entre o feminismo e a teoria da

    democracia; William Rehg, professor da Saint Louis University, co-editor, junto a

    James Bohman de Deliberative Democracy; John Keane, diretor do Centre for the

    Study of Democracy e professor da University of Westminster, autor de livros tais

    como Public Life and Late Capitalism e Democracy and Civil Society; Terrence

    Cook e Patrick Morgan, editores da compilao Participatory Democracy; Ronald

    Pennock e seu livro Democratic Theory Today, onde tem se proposto a historizao

    e anlise de diversas teorias e correntes da democracia; David Trend, professor da

    San Francisco State University e editor da Socialist Review; Ian Budge, professor

    da University of Essex e autor de numerosos livros e artigos sobre eleies, partidos

    e teoria democrtica, entre outros.

    7

  • 1 - DEMOCRACIA PARTICIPATIVA

    - I -

    Pretende-se, neste primeiro captulo, fazer uma reviso daquelas obras que

    tm fundamentado as bases para construir uma das teorias ou formas alternativas de

    pensar e conceber a democracia: o modelo da democracia participativa. Apesar de

    no se tratar de um tema novo, pode-se considerar primordial analisar, partindo de

    uma viso crtica desta corrente, quais so os alicerces que do sustento a estas

    idias, avaliar quais so as fortalezas destas teorizaes e quais os pontos dbeis ou

    aspectos nos quais apresentam maiores fragilidades. Tentar determinar que novos

    caminhos tm sido abertos e quais as possibilidades de seguir progredindo no seu

    desenvolvimento.

    Tomarei algumas obras de pensadores que, como dissera, j tm se tornado

    clssicos no estudo destes temas, como o caso de Peter Bachrach, Carole Pateman

    e Crawford B. Macpherson, os quais bem podem ser considerados como

    representativos da vertente participacionista. Analisarei, igualmente, textos de

    outros autores que tambm tm abordado e desenvolvido estas questes ao longo

    das ltimas dcadas. Autores tais como Norberto Bobbio, David Held, Robert Dahl,

    Carol Gould, Herbert Gintis e Samuel Bowles. Por sua vez, revisarei sumariamente

    a literatura crtica, atravs de escritos de estudiosos que tm se dedicado a comentar

    ou a resenhar este tipo de propostas.

    As idias que configuram a proposta democrtica participativa comearam a

    ser esboadas nos anos sessenta, respondendo a esse clima de poca que se vivia

    nos campus universitrios, nas escolas, nas fbricas, nos lares, nas ruas das grandes

    urbes. Os participacionistas buscavam dar sustento e consistncia terica s

    propostas alternativas dos novos atores que apareciam em cena, e dar algum grau de

    sistematicidade a suas demandas e reivindicaes. Procuravam construir um modelo

    8

  • de democracia que, resgatando a participao como um valor fundamental, pudesse

    se opor ao modelo centrado na teoria das elites, j ento predominante. Anne

    Phillips, ao recuperar as razes deste movimento, o resenha do seguinte modo:

    entre los radicales europeos y estadounidenses, el principal brote de entusiasmo

    por una democracia ms amplia ocurri en los aos sesenta, cuando el fascismo se

    haba retirado en las sombras y la democracia liberal pareca estar en su lugar con

    toda firmeza. Las complacencias de esta ltima se desecharon y, reclamando la

    tradicin de la democracia directa que tuvo su principal exponente en Rousseau, el

    movimiento estudiantil y la Nueva Izquierda pusieron la participacin una vez ms

    sobre el mapa (Phillips, 1996, p.22).

    Para os participacionistas, a democracia no se restringe a um regime

    poltico: sim um tipo de regime, mas remete tambm a muitas outras coisas. A

    democracia apreciada enquanto forma de sociedade, projeto de sociedade futura e

    ideal de emancipao. considerada um estilo de vida, algo que deveria permear

    todas as relaes sociais das quais participa qualquer ser humano ao longo de sua

    vida. Sendo assim, a participao torna-se um componente chave ou essencial,

    implica o traspasse do poder poltico comunidade. Os indivduos devem poder

    participar plenamente, em p de igualdade, na adoo daquelas decises coletivas

    que os comprometem ou os afetam de forma direta (cf. Dahl, 1993, p.211). Sem

    participao, para os autores que se inscrevem nesta corrente, no seria possvel

    pensar em uma sociedade mais humana e eqitativa. Os impulsores das teorias

    participacionistas buscam redefinir a poltica e alcanar o controle popular da vida

    quotidiana (cf. Phillips, 1996, p.22). Tentam repensar a teoria da democracia e

    estender os processos de tomada de decises democrticos s esferas econmica,

    social e cultural. Procuram desenvolver e aprofundar as formas tradicionais de

    democracia poltica e lev-las a novos contextos (cf. Gould, 1988, p.1,2,84).

    Referindo-se aos movimentos radicais dos anos sessenta, Jane Mansbridge aponta:

    the goals for the emerging radical movement, urged that we make politics more

    participatory by subjecting both public and private burocraties to critical public

    scrutinity, by making representatives more accountable, and by giving people more

    9

  • voice in decisions that affected their lives. These measures, it predicted, would

    reduce apathy and improve not only the outcomes of decisions but the quality of

    citizens lives (Mansbridge, 1983, p.299).

    A participao apresentada como um fim em si mesma. Deixa de ser

    considerada como um mero instrumento sem nenhum valor intrnseco. A

    participao no seria um custo a pagar que o cidado procuraria evitar por

    consider-lo maior do que os benefcios que dela obteria - como argumentam os

    defensores da democracia elitista-competitiva. Os autores aludidos nestas pginas

    coincidem em afirmar que a participao fundamental para contribuir ao

    autodesenvolvimento individual, ao auto-aprendizado, auto-explorao e

    construo de um cidado livre e ativo que lute por compartir o poder com os

    demais. Ela possibilitaria o surgimento de melhores homens e mulheres, de

    melhores cidados e cidads. Transformaria profundamente a psicologia dos e das

    participantes, suas crenas, valores, atitudes e sensibilidades. Como afirma Peter

    Bachrach, la participacin es un medio esencial para el pleno desarrollo de las

    aptitudes humanas, vendo este autodesenvolvimento como o caminho face vida

    boa (Bachrach, 1973, p.23-24), tal como a imaginavam os filsofos clssicos.

    Seguindo Bowles e Gintis, dois autores que tm se dedicado com determinao ao

    estudo das possibilidades de uma democratizao da esfera econmica, a meta

    principal da democracia participativa deveria ser a de tornar as pessoas fazedoras

    das suas prprias histrias, making people more nearly the authors of their

    personal and collective histories, projeto que apontaria para a conformao de uma

    nova ordem social e uma nova forma de vida, ... the construction of a social order

    and a way of life that is at best prefigured only in the interstices of liberal

    democratic capitalist societies today (Bowles & Gintis, 1986, p.26).

    Para os autores que se enquadram nesta corrente, a participao entendida

    como uma maneira que os indivduos tm de moldar melhor seus interesses e de

    tomar conscincia mais clara de suas necessidades, assim como de se aproximar das

    preocupaes e problemas que afligem aos seus semelhantes. O procedimento

    10

  • democrtico no considerado como algo exclusivamente formal, mas algo que

    implica, tambm, uma forma de justia ou eqidade na distribuio dos recursos de

    poder. Nas palavras de Robert Dahl - que nos seus ltimos escritos vem aderir com

    maior fora a esta linha de pensamento -, el derecho a autogobernarse no es

    meramente un proceso, porque es tambin una clase importante de procedimiento

    de justicia distributiva, ya que contribuye a determinar la distribucin de recursos -

    decisivos - del poder y la autoridad, influyendo as en la de todos los dems

    recursos (Dahl, 1993, p.211-212).

    Os participacionistas no se contentam com o simples fato do

    comparecimento s urnas cada dois, trs ou quatro anos, como a nica e quase

    exclusiva atividade que cabe ao cidado comum em uma democracia. Ambicionam

    atividades mais comprometidas, aspiram a estabelecer a democracia direta em

    diversas esferas e atividades. Procuram maximizar as oportunidades de todos os

    cidados em intervir, por eles mesmos, na adoo das decises que afetam suas

    vidas, e em todas as discusses e deliberaes que levem formulao e

    implementao de tais decises. Enfatizam a necessidade de que as mulheres e

    homens que vivem em uma democracia participativa possam alcanar um forte

    sentido de compromisso, que adquiram a noo de fazer parte de um projeto

    comum, que sintam que tm contribudo sua elaborao, que compartilhem

    objetivos e metas, que alcancem um esprito de identificao com seus pares, que

    sejam mais tolerantes e abertos aos desejos de seus semelhantes. Nas palavras de

    um comentarista: those who talk about participatory democracy wish to

    maximize the opportunities for all citizens to take part themselves, to share in

    making the decisions that will affect their lives, and of course in the deliberations

    and group activities of all kinds that lead to these decisions ... meaningful

    participation may be defined as occurring when a person has a sense of where his

    efforts fit into an overall plan, when he identifies with respect to the

    accomplishment of the goals, and has a stake in the results of the total enterprise

    (Pennock, 1979, p.440).

    11

  • O tomar parte, de forma pessoal, no processo de decises que tm relao

    direta com suas vidas, faria com que as pessoas se vissem estimuladas a estar mais

    atentas aos assuntos pblicos, mais e melhor informadas, motivadas a alcanar um

    maior grau de responsabilidade por suas aes polticas e pelas conseqncias que

    se derivassem destas, if people become actively involved in the processes of

    government, so the arguments run, they will be motivated to obtain more, better,

    and more coherent information on public affairs. Also feeling more responsible for

    their political actions and the consequences thereof, their self-interested desires will

    tend increasingly to be tempered by moral concern for the well-being of others, not

    to mention a heightened awareness of their own true interests (Pennock, 1979,

    p.442). Citando a Mark Warren, outro autor que tem se dedicado a comentar, a

    partir de um apoio crtico, este tipo de projetos, if individuals were more broadly

    empowered, especially in the institutions that most directly affect their everyday

    lives, their experiences would have transformative effects. Individuals would

    become more public spirited, more tolerant, more knowledgeable, more attentive to

    the interests of others, and more probing of their own interests ... institutions that

    make collective decisions in radically democratic ways will tend to generate new

    forms of solidarity, cooperation, and civic attachment (Warren, 1996, p.241). A

    democracia, em um formato participativo, teria um efeito transformador do prprio

    ser, do indivduo comprometido nos assuntos comuns (veja-se tambm Warren,

    1992).

    Em geral, todos os pensadores que se enquadram nesta corrente de idias

    ressaltam os efeitos benficos da participao sobre o participante, que contribuiria

    para o desenvolvimento moral e intelectual individual, como j dissera John Stuart

    Mill - tomado por muitos, e apesar de suas facetas contraditrias, como uma

    referncia obrigatria quando se discute sobre temas relacionados com a

    democracia participativa. O cidado sentiria que sua opinio conta, que sua

    participao vale, e conseguiria apreci-la e v-la traduzida em frutos concretos. O

    cidado ao participar incrementaria o prprio sentido de dignidade e de valor moral

    que tem por si mesmo. A participao popular nas decises coletivas permitiria um

    12

  • maior controle sobre as circunstncias da prpria vida e as decises que afetam a

    todos (cf. Beetham, 1993, p.62). Um indivduo que no participa do poder, que no

    toma parte no processo de elaborao das decises que tero conseqncias sobre

    sua vida, em contrapartida, se tornaria um ser aptico, insensvel s necessidades de

    seus congneres, se fecharia sobre si mesmo e incorreria em atitudes de ndole

    individualista ou egosta. Como diz Warren, a democracia precria demais quando

    depende apenas dos juzos e decises de indivduos isolados, democracy works

    poorly when individuals hold preferences and make judgements in isolation from

    one another, as they too often do in todays liberal democracies (Warren, 1996,

    p.242).

    David Held, citando ao prprio Mill, resume do seguinte modo os aspectos

    bsicos da proposta participacionista: sin la oportunidad de participar en la

    regulacin de los asuntos que le interesan a uno, es difcil descubrir las propias

    necesidades y deseos, llegar a juicios probados y contrastados y desarrollar las

    excelencias mentales de tipo intelectual, prctico y moral. La participacin activa

    para determinar las condiciones de la propia existencia es el mecanismo

    fundamental para el cultivo de la razn humana y para el desarrollo de la moral.

    Se violara la justicia social, porque las personas son mejores defensoras de sus

    propios derechos e intereses de lo que cualquier representante no elegido pueda

    nunca llegar a ser. La mejor salvaguardia contra la desatencin de los derechos de

    un individuo es que pueda participar de forma rutinaria en su articulacin.

    Finalmente, cuando los individuos estn comprometidos en la resolucin de los

    problemas que los afectan o afectan a la colectividad en su conjunto, se desatan

    energas que aumentan las posibilidades de crear soluciones imaginativas y

    estrategias exitosas. En resumen, la participacin en la vida social y pblica reduce

    la pasividad y aumenta la prosperidad general en proporcin a la cantidad y

    variedad de las energas personales juntadas para promoverla (Held, 1992,

    p.113-114). Nesta mesma linha, Held tambm sustenta que la participacin en la

    vida poltica es necesaria no slo para la proteccin de los intereses individuales,

    sino tambin para la creacin de una ciudadana informada, comprometida y en

    13

  • desarrollo. La participacin poltica es esencial para la expansin ms alta y

    armoniosa de las capacidades individuales (Ibid., p.129).

    Os participacionistas estimam que a definio do que se entende por poltica

    deveria alongar-se, deveria superar as fronteiras convencionais e gerar, desta

    maneira, legitimidade para a luta por relaes mais justas, humanas e igualitrias

    em outras esferas tradicionalmente consideradas no polticas, tais como a famlia, o

    matrimnio, o escritrio, a fbrica, a escola, a administrao, as foras armadas ou a

    comunidade. A prpria definio do que poltico deveria ser submetida a debate,

    tornar-se objeto central da discusso poltica. E assim estes autores chegam, em

    alguns casos, at limites antes insuspeitados, como quando assumem como prpria a

    postura sustentada pelos movimentos de mulheres, os quais, na sua tentativa de

    sacudir os padres sexistas milenares existentes em nossas sociedades, postulam a

    consigna o pessoal poltico, buscando estender a democracia a mbitos at ento

    vistos como privados. Ao redesenhar o que era considerado poltico, como

    assinala Anne Phillips, do um novo tratamento s esferas econmica e social,

    levam a democracia a novas arenas de poder. Incluem, na busca do controle sobre

    cada aspecto da vida quotidiana, a eliminao da desigualdade domstica, questes

    de identidade, o controle sobre a sexualidade por parte das mulheres, mudanas na

    representao cultural, o controle comunitrio sobre as instituies do Estado

    Providncia e uma maior eqidade no acesso aos recursos pblicos (cf. Phillips,

    1993, p.79-80).

    A nfase dada necessidade de outorgar oportunidades aos indivduos de

    decidir sobre questes nas quais realmente estejam interessados, sobre assuntos

    concretos que os afetem de maneira direta em sua vida quotidiana, fica claramente

    manifestada nas palavras de Carole Pateman, quando sustenta: a indstria e outras

    esferas fornecem reas alternativas, onde o indivduo pode participar na tomada de

    decises sobre assuntos dos quais ele tem experincia direta, quotidiana, de modo

    que quando nos referimos a uma democracia participativa estamos indicando

    algo muito mais amplo do que uma srie de arranjos institucionais a nvel

    14

  • nacional (Pateman, 1992, p.52). Para a professora britnica, a industria a mais

    poltica de todas as reas nas quais os indivduos se inter-relacionam, e pode

    permitir, por suas dimenses, a participao direta dos interessados (cf. ibid.,

    p.113). A participao seria mais alta quanto mais relacionada estivesse com os

    assuntos que afetam diretamente a vida das pessoas (cf. Held, 1992, p.18).

    Todos estes autores, cabe insistir, consideram que a participao, nos lugares

    onde os indivduos passam a maior parte do seu tempo, permitiria-lhes adquirir um

    novo sentido de eficcia poltica e de potencial das suas capacidades. Estimularia os

    poderes de pensar, sentir e atuar dos indivduos e aguaria o sentido de dignidade,

    independncia e respeito pelos outros. Ao tomar conscincia dos efeitos

    transformadores que derivam da sua participao, os indivduos passariam por um

    processo educativo e de socializao que os prepararia para se envolver e

    comprometer, posteriormente, tambm em outros espaos. O desejo de

    participao, baseado na prpria experincia dela, pode muito bem transferir-se do

    local de trabalho para reas polticas mais amplas. Os que demonstraram sua

    competncia num dos tipos de participao, e obtiveram confiana de que podem

    ser eficazes, sero menos deslocados pelas foras que os tm mantido apticos,

    mais capazes de raciocinar a maior distncia poltica dos resultados, e mais aptos

    a perceber a importncia das decises a distncias maiores de seus interesses mais

    imediatos (Macpherson, 1978, p.107). Em suma, as pessoas se capacitariam para

    julgar melhor, por exemplo, a conduta de seus representantes nos rgos

    legislativos, se tornariam mais preparadas para exigir-lhes uma atuao e rendio

    de contas mais responsveis.

    Iris Marion Young - autora fundamental da corrente do pensamento

    feminista e sobre a qual voltaremos no prximo captulo - considera, referindo-se

    realidade que vivenciam as sociedades contemporneas, que most people in these

    societies do not regularly participate in making decisions that affect the conditions

    of their lives and actions, and in this sense most people lack significant power (cf.

    Young, 1990, p.56). A impotncia poltica, a falta de autoridade e de status,

    15

  • refletiriam em uma perda de auto-estima, em uma inibio do desenvolvimento das

    prprias capacidades (cf. ibid., p.57-58). O que explica que, para ela, a democracia

    no lugar de trabalho seja um requisito iniludvel para conseguir avanar na

    democratizao de outras esferas, includa a governamental: governos democrticos

    e lugares de trabalho democrticos se reforariam mutuamente. Participation in

    decision-making in the workplace contributes to the development of an interest in

    and capacity for participation in decision-making in the city and the state (Young,

    1990, p.223). Peter Bachrach, continuando nesta mesma linha argumentativa,

    pergunta se o desinteresse e a indiferena pelos assuntos polticos no diminuiria

    sensivelmente caso los sectores polticos que ganaren reconocimiento como tales

    fueran la fbrica, la oficina, la empresa, destacando que es all donde se revela

    plenamente ... en todo su horror, la dominacin del hombre por el hombre, y es all,

    en consecuencia, donde debe establecerse y llevarse a la prctica la democracia.

    Agregando, igualmente, que la educacin poltica resulta ms eficaz en el plano

    en que desafa al individuo a cooperar en la solucin de los problemas concretos

    que lo afectan a l y a su comunidad inmediata. En el pasado, la asamblea popular

    de Nueva Inglaterra cumpli, idealmente, esta tarea; en los Estados Unidos del

    siglo XX puede cumplirla eficazmente la comunidad fabril (Bachrach, 1973, p.160-

    161).

    A meta principal dos defensores da democracia participativa encontrar um

    conceito novo e mais amplo de cidadania, um conceito que permita impulsionar a

    desconcentrao do poder poltico e que faa ingressar o homem comum no

    processo de tomada de decises, participatory democracy connotes

    decentralization of power for direct involvement of amateurs in authoritative

    decision-making (Cook & Morgan, 1971, p.4). Os participacionistas querem

    romper com o exclusivo monoplio dos representantes escolhidos e dos

    especialistas designados por estes ltimos, descentralizando ou dispersando o locus

    de tomada de decises relevantes para a vida dos indivduos em uma variedade de

    novos espaos e esferas. Aspiram levar a autoridade a um plano mais prximo dos

    diretamente afetados, a mbitos onde os indivduos possam participar de forma

    16

  • direta, e com pleno conhecimento de causa, sobre os assuntos que tm imediata

    relao com suas vidas quotidianas. Procuram generalizar o direito da sociedade de

    decidir sobre seu prprio destino, por meio de seu efetivo autogoverno. O objetivo

    dos participacionistas seria multiplicar as prticas democrticas,

    institucionalizando-as dentro de uma maior diversidade de relaes sociais, dentro

    de novos mbitos e contextos: instituies educativas, instituies culturais,

    servios de sade, agncias de bem-estar e servios sociais, centros de pesquisa

    cientfica, meios de comunicao, entidades esportivas, organizaes religiosas,

    instituies de caridade, em definitivo, na ampla gama de associaes voluntrias

    existentes nas sociedades atuais. Tambm aludem necessidade de democratizar a

    famlia, o cuidado e educao dos filhos e as regras de convivncia no lar, para

    criar, deste modo, as condies para um pleno autodesenvolvimento individual (cf.

    Mouffe, 1993, p.18; Gould, 1988, p.255).

    A democracia participativa motivaria os participantes a adquirir uma

    informao mais abundante, completa e coerente sobre os assuntos pblicos. Os

    participantes se inteirariam, desta forma, da existncia de novas solues, de

    possveis respostas alternativas para os problemas que os afligem, estariam melhor

    equipados para fazer eleies mais racionais quando tivessem de optar entre

    distintas polticas pblicas (cf. Cook & Morgan, 1971, p.9). A mudana benfica na

    psique dos indivduos poderia ajudar, tambm, para desterrar definitivamente os

    males polticos prprios de nossas sociedades, beyond improvement of the

    participant in the matter of knowledge direct participation may also effect benefical

    changes in attitudes and values. To the extent that it overcomes the syndrome of

    helplessness and ignorance, it may also overcome the political malaise of modern

    man: his political cynism, alienation, and anomie (Ibid., p.9). Robert Dahl, em La

    democracia y sus crticos, afirma que a participao poderia facilitar o

    desenvolvimento pessoal, moral e social dos cidados e permitir-lhes proteger e

    promover melhor seus principais direitos, interesses e inquietudes (cf. Dahl, 1993,

    p.113).

    17

  • E alm destas mudanas e transformaes nos indivduos, na forma de

    pensar destas mulheres e homens comuns que passam a tomar nas suas mos as

    decises que construiro seus destinos, a participao direta das pessoas, para

    muitos destes tericos, poderia contribuir tambm para gerar melhores decises. As

    polticas adotadas atravs da participao de todos os interessados seriam

    intrinsecamente mais valiosas, pois se haveria contemplado maior quantidade de

    interesses em jogo - operando mais e melhores controles -, surgiriam depois de ter-

    se escutado mais vozes e opinies e maior quantidade de posies, seriam resultado

    de um debate social mais amplo, rico e profundo - ponto fundamental, como

    veremos posteriormente, para os defensores da democracia deliberativa.

    Nos anos sessenta, dos que nos separam j quase quatro dcadas,

    predominava um slido convencimento de que existiria um crculo virtuoso que

    levaria a que a prpria participao, uma vez posta em ao, geraria ainda maiores

    graus de interesse e compromisso pelos assuntos comuns, negando explicitamente

    argumentaes como as apresentadas por Schumpeter (1961) ou Sartori (1989), os

    quais postulavam o carter irremedivel e inevitvel da apatia cidad nas sociedades

    contemporneas. A um maior interesse do cidado e da cidad pelos temas

    compartidos sucederia uma participao mais intensa, contnua e comprometida, e a

    esta seguiria um novo aumento na informao e conhecimento, um renovado

    interesse e uma melhor predisposio e um mais profundo sentimento de

    solidariedade para se fazer cargo da adoo de decises que possam afetar os

    cidados em suas vidas comuns.

    Crawford Macpherson, referindo-se s democracias liberais ocidentais,

    passada j a euforia inicial e rondando os finais da dcada de setenta, continuava

    ostentando esta postura otimista. Via com boas perspectivas o processo de

    profundizao da conscincia de classe entre os setores trabalhadores e o

    fortalecimento dos novos e velhos movimentos sociais, fatores que redundariam,

    ineludivelmente, em um considervel aumento e melhoria na qualidade da

    participao. Ao lograr esse salto, tanto quantitativo como na substncia do

    18

  • contedo da participao cidad, entrar-se-ia, segundo Macpherson, nesse crculo

    virtuoso auto-reprodutivo to esperado. Haveria uma conscincia cada vez maior

    dos nus do crescimento econmico; dvidas crescentes quanto capacidade do

    capitalismo financeiro de satisfazer as expectativas do consumidor enquanto

    reproduzindo a desigualdade; crescente conscincia dos custos da apatia poltica

    ... cada um desses pontos est contribuindo para possivelmente atingir as condies

    indispensveis para a democracia de participao: juntos, eles conduzem a um

    declnio da conscincia do consumidor, a uma diminuio da desigualdade de

    classes, e ao aumento na participao poltica atual. As perspectivas para uma

    sociedade mais democrtica no so, portanto, inteiramente infundadas. O

    movimento nesse sentido exigir e estimular um grau crescente de participao. E

    isso agora parece pertencer ao reino do possvel (Macpherson, 1978, p.109).

    Os pensadores participacionistas, baseando-se nessa slida confiana no

    futuro, procuram reverter a verso que tm produzido os defensores do elitismo-

    democrtico, para os quais, segundo Peter Bachrach, son las masas, no las elites,

    las que se han convertido en amenazas potenciales para el sistema, y las elites, no

    las masas, las que han pasado a ser sus defensoras (Bachrach, 1973, p.29). Os

    impulsionadores da democracia participativa buscam advertir que as maiores

    ameaas contra o sistema derivariam de sua elitizao, como j assinalaram os

    tericos clssicos da democracia. a concentrao de poder, e no sua

    redistribuio a estratos mais amplos e de forma mais igualitria, o que poderia

    levar ao esvaziamento ou extino da democracia. Outra vez citando a Bachrach,

    hay pocos motivos para suponer que las elites estn ms dispuestas a defender

    derechos de procedimiento a riesgo de poner en peligro su propio status, prestigio

    y poder personal ... pensar que existe armona entre los intereses creados de las

    elites y el buen funcionamiento de la democracia es privar a esta ltima de la

    audacia y capacidad imaginativa que la caracteriz en el pasado ... significara

    limitar la expansin de la democracia a un mbito en que no constituya una

    amenaza para los intereses fundamentales de las elites dominantes (Ibid., p.164-

    165).

    19

  • A fim de ilustrar o que foi dito at aqui, podemos nos remeter a algumas

    passagens da pensadora estadunidense Carol Gould, no seu livro Rethinking

    Democracy. Gould, em sua tentativa de assentar as bases normativas e oferecer os

    argumentos filosficos para uma nova concepo da democracia, analisa as vises

    alternativas que tm fundado os pilares para o desenvolvimento de suas prprias

    teses e idias, reconhecendo assim a influncia, entre outras, da obra de Macpherson

    em seus textos. O professor canadense prope, segundo Gould, o poder de

    desenvolvimento ou habilidade para exercer e expandir as capacidades individuais

    como o objetivo central de uma sociedade democrtica, o qual implicaria um igual

    direito efetivo para todos os indivduos a viver to plenamente e humanamente

    como eles desejassem. Critrio que seria semelhante concepo de

    autodesenvolvimento que ela defende: a liberdade individual plena em sentido

    positivo. De acordo com sua prpria definio: self-development connotes the

    process of concretely becoming the person one chooses to be through carrying out

    those actions that express ones own purposes and needs. This is not to say,

    however, that in such activity people realize some fixed, innate, or pre-given nature,

    or tentialities, but rather that they create or develop their natures through their

    activity ... this process of self-development thus consists in the formation of new

    capacities and in the elaboration or enrichment of existing ones ... In this

    development of capacities, individuals may be said to achieve a greater freedom of

    action, in the wider range of choices that are opened for their action and in the

    power to realize their purposes which their increased competence affords (Gould,

    1988, p.47).

    Para Gould, o pleno desenvolvimento da pessoa inclui o compartilhar

    atividades e aes com os outros, j que os projetos de cada um no poderiam

    conceber-se em termos estritamente individuais. Tais projetos, em geral, tero

    tambm sua dimenso social, podem implicar no apenas mudanas internas no

    indivduo, mas tambm no seu entorno social, no ambiente externo. Assim se

    conseguiria o desenvolvimento da pessoa como um todo, integrando uma variedade

    20

  • de intenes e de aes, e a formao de seu carter e personalidade (cf. Gould,

    1988, p.48). Ela resume seus postulados no seguinte princpio democrtico: every

    person who engages in a common activity with others has an equal right to

    participate in making decisions concerning such activity. This right to participate

    applies not only to the domain of politics but to social and economic activities as

    well. The scope of such decision-making includes both the determination of the ends

    of the common activity and the ways in which it is to be carried out ... For if and

    individual were to take part in common activity without having any role in making

    decisions about it and under the direction of another, then this would not be an

    activity of self-development, since such self-development requires determining the

    course of ones activity (Ibid., p.84-85). Postulado semelhante ao que David Held

    denomina como princpio de autonomia democrtica, segundo o qual, los

    individuos deberan disfrutar de los mismos derechos (y, por consiguiente, de las

    mismas obligaciones) en el marco que genera y limita las oportunidades a su

    disposicin; es decir, deberan ser libres e iguales en la determinacin de las

    condiciones de sus propias vidas, siempre y cuando no dispongan de este marco

    para negar los derechos de otros (Held, 1992, p.399).

    Indubitavelmente, para pr em funcionamento uma democracia

    substancialmente participativa, novas instituies deveriam ser criadas. Os autores

    ensaiam algumas propostas, com distinto grau de detalhe e elaborao. Muitos deles

    pem praticamente toda a nfase na proposta de novas formas de relacionamento

    laboral, no desenho de novos espaos para os trabalhadores tomarem decises sobre

    suas condies de trabalho. Mencionam-se ferramentas tais como a co-

    determinao, onde os leigos passariam a compartilhar o poder no processo de

    tomada de decises com os especialistas, para o qual novos espaos e mecanismos

    institucionais deveriam ser pensados. Tambm propem-se vias que levem

    autodeterminao para certas questes, deixando aos cidados comuns maior

    liberdade e espao para tomar decises por si mesmos, e de forma exclusiva, em

    assuntos que lhes digam respeito de maneira direta ou que os afetem em suas vidas

    quotidianas. Mecanismos semelhantes so sugeridos para serem aplicados nas

    21

  • escolas e universidades por alunos e professores, para que, por meio destes, possam

    tomar parte na adoo de decises sobre os mtodos de ensino, contedos,

    programas e outros aspectos da vida acadmica. Assim mesmo formulam-se opes

    deste tipo para os grupos tnicos discriminados, para as mulheres e, em geral, para

    todas as minorias oprimidas.

    Entretanto, so poucos os tericos que se arriscam a esboar uma proposta de

    reelaborao geral das instituies polticas estatais. Uma destas excees a de

    Macpherson: ele imagina um sistema de conselhos piramidal, com instncias de

    democracia direta na base, e processos e mecanismos de delegao para os nveis

    superiores. Sistema que deveria contar, segundo ele mesmo esclarece, com mtodos

    fortes de responsabilizao e a possibilidade de revocabilidade de mandatos para

    aqueles que se afastassem das instrues dadas pelas bases. O critrio que prope o

    professor canadense para tal estruturao governamental seria territorial,

    comeando pelas unidades de bairros e ascendendo gradativamente at chegar a um

    grande rgo nacional (cf. Macpherson, 1978, p.100). Segundo Chantal Mouffe, as

    opinies de Macpherson sobre esta matria, seriam bastante ambguas: o modelo

    institucional que imagina, segundo ela, implicaria em uma noo altamente perigosa

    de democracia participativa, a qual no tomaria em conta a crucial importncia para

    a moderna democracia das instituies polticas liberais. Mouffe diz que Norberto

    Bobbio estabeleceria os corretivos necessrios proposta de Macpherson, ao

    advertir que no se pode esperar a emergncia de uma forma completamente nova

    de democracia, e que as instituies liberais devero, inevitavelmente, fazer parte de

    qualquer modelo alternativo (cf. Mouffe, 1993, p.104).

    David Held tambm sugere algumas linhas a partir das quais pensar as

    possibilidades institucionais para um novo modelo de democracia. Assim ele

    promove: participacin directa de los ciudadanos en la regulacin de las

    instituciones clave de la sociedad, incluyendo el lugar de trabajo y la comunidad

    local; reorganizacin del sistema de partidos, haciendo a los cargos del partido

    directamente responsables ante sus afiliados; funcionamiento de los partidos

    22

  • participativos en la estructura parlamentaria o del congreso; mantenimiento de un

    sistema institucional abierto, que garantice la posibilidad de experimentar con

    formas polticas (Held, 1992, p.315-316). Entretanto, Held mesmo reconhece que

    falta desenvolver mais e melhor as idias, admite que se precisa uma concepo

    mais detalhada dos arranjos institucionais necessrios para proteger um novo

    modelo de democracia e que esta no tem sido ainda alcanada, e agrega tambm

    que la participacin directa y el control sobre los escenarios inmediatos, junto con

    la competencia entre partidos y grupos de inters en las cuestiones

    gubernamentales, es la forma ms realista de avanzar los principios de la

    democracia participativa (Held, 1992, p.328,313). Como aponta um comentarista

    da obra do professor Macpherson: there is a lack of detailed attention to

    practicalities ... Macpherson also fails to explain the process of change from a

    liberal capitalist society to a more satisfactory one (Morrice, 1994, p.660), crtica

    que bem podemos estender, de um modo geral, tambm ao restante dos autores

    participacionistas.

    Carol Gould tambm enumera os caminhos que deveriam abrir-se em prol de

    alcanar uma participao poltica mais ampla: organizaes locais no partidrias

    no mbito da vizinhana ou comunidade que tomem decises por si mesmas sobre

    um amplo espectro de assuntos, democratizao da eleio de candidatos,

    democratizao dos partidos polticos, etc. Assim mesmo Gould apela para o uso da

    tecnologia eletrnica, a fim de tornar possveis mecanismos de consulta permanente

    cidadania e uma melhor e maior difuso da informao. Esta autora pe muita

    nfase na necessidade de que os representantes sejam responsveis perante seu

    eleitorado, atravs de eleies freqentes, de procedimentos de revogatria, de

    consultas populares e referenduns sobre as decises mais importantes. Embora ela

    reconhea, ao mesmo tempo, que se deve deixar certa margem de liberdade aos

    representantes para que possam negociar e tomar decises (cf. Gould, 1988,

    p.225,260).

    23

  • Para Ian Budge, o nvel de educao, a sofisticao e a civilidade dos

    indivduos tm aumentado bastante, pelo que se pergunta, por que no podemos

    renovar e reformar as instituies polticas, adaptando-as s condies modernas e

    deixando para trs as premissas do sculo XIX sobre as que ainda repousam.

    Segundo Budge, as instituies centrais da democracia j no seriam mais os

    parlamentos, mas os partidos polticos, os quais estariam alm do seu papel de

    intermedirios entre a populao e o governo. Para ele, a partir de um enfoque mais

    pragmtico da democracia direta, os partidos poderiam funcionar como iniciadores

    de polticas e corpos que clarificam, como na verdade j o vm fazendo. A mudana

    fundamental estaria dada pelo fato de que os partidos viriam a guiar e organizar

    diretamente o voto popular, e no mais o voto dos seus representantes no

    parlamento. O governo de partidos submeteria os atos legislativos e outras decises

    sobre assuntos polticos ao voto popular, tal como se faz nas democracias

    contemporneas com o voto das cmaras legislativas (cf. Budge, 1993, p.139-141;

    veja-se tambm Budge, 1996).

    Outros autores tambm outorgam grande importncia ao fortalecimento dos

    partidos polticos no contexto de um modelo democrtico alternativo. Chantal

    Mouffe considera que os partidos poderiam desempenhar um papel relevante, dando

    expresso diviso social e ao conflito de interesses (cf. Mouffe, 1993, p.5). Held,

    resenhando a proposta de Macpherson, escreve: Macpherson argumenta a favor de

    una transformacin basada en un sistema que combine unos partidos competitivos

    y organizaciones de democracia directa ... el sistema de partidos mismo debe

    reorganizarse, sin embargo, de acuerdo con principios menos jerrquicos, que

    hagan a administradores y dirigentes polticos ms responsables ante el personal

    de las organizaciones que representan. Se creara una base sustancial para la

    democracia participativa si los partidos se democratizaran con arreglo a principios

    y procedimientos de democracia directa, y si estos partidos genuinamente

    participativos operaran dentro de la estructura parlamentaria o del congreso,

    complementada y controlada por organizaciones de pleno autogobierno, en el

    lugar de trabajo y en las comunidades locales (Held, 1992, p.310-311).

    24

  • Assunto fundamental, assim mesmo, o das instituies que ajudariam no

    processo de educao dos futuros cidados. Em favor da construo de um modelo

    democrtico participativo, dever-se-ia diagramar certo tipo de educao que

    estimulasse nos indivduos, j desde seus primeiros anos de vida, o desejo de

    participar nos assuntos pblicos, assim como fizesse nascer neles o respeito pelas

    preferncias e necessidades de seus congneres e um forte sentido de tolerncia face

    s diferenas. Para Amy Gutmann, civic education should educate all children to

    appreciate the public value of toleration, j que, em sentido contrrio, citizens

    who are educated to assume that their political position is unique reasonable erode

    legitimate support for liberal democratic government, teaching toleration, mutual

    respect, and deliberation does not homogeneize children or deny the value of

    genuine differences that are associated with diverse ways of individual and

    communal life. Quite the contrary, teaching these civic virtues supports the widest

    range of social diversity that is consistent with the ongoing pursuit of liberal

    democratic justice (Gutmann, 1995, p.559,579).

    O processo educativo seria fundamental, dado que, como afirma Carol

    Gould, determinados tipos de carter ou personalidade levariam a uma maior

    participao dos indivduos e a uma maior assuno de responsabilidades na adoo

    das decises coletivas. Segundo ela, haveria certas caratersticas relevantes que

    definiriam uma personalidade democrtica, como por exemplo: a auto-atividade, o

    fato de ter a capacidade racional de iniciativa, o fato de contar com uma forte

    disposio reciprocidade (disposio a entender o outro, a respeit-lo e esperar

    que o outro atue de forma equivalente), sentido de reconhecimento, esprito de

    tolerncia, flexibilidade e mente aberta, compromisso e responsabilidade,

    comunicatividade, ter um sentido de comunidade, possibilidade de levar uma vida

    compartida e disposio a brindar assistncia e cooperao (cf. Gould, 1988, p.284-

    294). Todos estes aspectos e atitudes, ao serem estimulados na vida dos indivduos

    desde cedo, facilitariam em alto grau o desenvolvimento de uma slida democracia

    25

  • participativa e dariam contedo a suas instituies, as quais, por sua vez,

    garantiriam a continuao e o crescimento de tais sentimentos nos participantes.

    - II -

    Ao submeter estas propostas a um exame rigoroso, muitos so os pontos

    obscuros ou flancos dbeis que encontraramos. Entretanto, nos limitaremos a fazer

    uma rpida referncia dos assuntos mais destacados na literatura sobre o tema, para

    depois, sim, determo-nos mais detalhadamente sobre alguns deles.

    Alguns crticos tm mostrado como uma participao mais ampla poderia

    ajudar a legitimar o sistema poltico atual, fechando a possibilidade para mudanas

    mais profundas, ou complicando, ao menos, a realizao de mudanas estruturais no

    plano poltico e social. Ditos comentaristas ressaltam ademais que, desta maneira,

    poder-se-ia incorrer em uma forte contradio com as motivaes radicais que

    inspiram as vertentes participacionistas da democracia, com as aspiraes de

    transformaes sociais revolucionrias e os resultados que se costumam postular e

    se esperam alcanar. Neste sentido, Ronald Pennock, por exemplo, destaca que o

    produto ou resultados governamentais se tornariam mais aceitveis e legitimados,

    sendo que algo que os participacionistas, em geral, no destacam o suficiente (cf.

    Pennock, 1979, p.442). Cook e Morgan tambm assinalam que para muitos que

    pretendem seguir a linha de pensamento de John Stuart Mill, a participao ajudaria

    a formar atitudes individuais mais orientadas sociedade, contribuindo para

    aumentar a legitimidade do sistema poltico. Entretanto, estes autores observam que,

    para outros, que se opem a este tipo de raciocnio, a participao deveria servir

    como saudvel escola de subverso da ordem existente, como ferramenta para

    modificar a forma de pensar das pessoas ou como instrumento que ajudasse a

    superar o sistema vigente e no a legitim-lo (cf. Cook & Morgan, 1971, p.10-11).

    No so muitos os participacionistas que tornam explcito o risco de que suas

    26

  • teorizaes possam dar lugar a derivaes ambguas, ou at diretamente antagnicas

    com as intenes originais.

    Outro problema que mencionado com bastante freqncia pelos que tm-se

    dedicado ao estudo destes temas, o perigo de cair em uma trivializao dos

    assuntos tratados, em uma prejudicial paroquializao das questes. Pennock

    argumenta que se reduzssemos em demasia a escala, os assuntos poderiam tornar-

    se to banais que a maioria perderia interesse neles (cf. Pennock, 1979, p.460).

    Cook e Morgan alegam que a democracia participativa poderia fazer proliferar

    unidades de tomada de decises com interesses extremamente paroquiais,

    absorvendo toda a ateno no trivial a expensas daquilo que realmente importante.

    Correramos o risco, insistem estes comentaristas, de ter unidades democrtico-

    participativas que transformassem em pico o trivial, ou que estivessem

    preocupadas com assuntos de menores conseqncias, ao custo de uma ateno

    inadequada para os grandes temas. A democracia participativa poderia produzir uma

    ineficincia poltica considervel; para preveni-la dever-se-ia definir com preciso a

    esfera de competncias de cada unidade e de cada nvel (cf. Cook & Morgan, 1971,

    p.29,34,38). Como sustentam alguns crticos da poltica fomentada por certos

    crculos feministas, este tipo de atitudes, em relao escala dos temas a considerar,

    podem servir para legitimar a retirada das instncias de discusso dos grandes

    assuntos polticos (cf. Phillips, 1996, p.116). Mal formuladas, estas propostas

    poderiam chegar a dar aval ao encerramento no pequeno mundo e a gerar um

    considervel desinteresse pelo que se passa alm da porta do lar, da fbrica ou dos

    limites da aldeia.

    Muitas vezes tem-se apontado tambm o perigo de cair, ainda que

    indiretamente, em um processo no desejado de elitizao dentro das novas esferas

    de deciso a serem criadas. Por uma questo aritmtica elementar poderiam acabar

    auto-selecionando-se uns poucos. A trivializao dos temas poderia levar a que a

    maioria perdesse interesse e as minorias manejassem tudo em nome dos demais,

    arrogando-se uma representao que no tm (cf. Pennock, 1979, p.456-457,462). A

    27

  • forma em que as decises seriam tomadas nas novas instncias no tem sido muito

    estudada, no tem merecido a suficiente ateno por parte dos promotores de uma

    democracia com direta participao popular. H quem tenha alegado que os espaos

    onde operaria a democracia participativa poderiam chegar a resultar, em certas

    circunstncias, extremamente antidemocrticos, alm de ineficientes, demorados e

    incompetentes na adoo das decises (cf. Cook & Morgan, 1971, p.30;

    Mansbridge, 1983, p.166-169).

    Existiria o risco de incorrer em uma tirania em pequena escala. Os tericos

    participacionistas, com freqncia, tm menosprezado o valor dos procedimentos

    formais de tomada de decises, dando uma nfase exagerada espontaneidade e ao

    carter no estruturado do processo de formulao das polticas pblicas,

    ressaltando a importncia da vontade aberta, livre e amorfa dos participantes. Como

    bem destacam Cook e Morgan, no se encontram com demasiada freqncia regras

    explcitas de ingresso, regulaes eleitorais e procedimentos do tipo parlamentrio

    nesta classe de argumentaes. Em geral prevalece a idia de que as discusses no

    estruturadas, as resolues e as votaes geraro a verdadeira expresso da vontade

    das pessoas (cf. ibid., p.30). James Bohman - autor sob o qual voltaremos no

    prximo captulo - indica que muitas teorias participacionistas deveriam revisar seu

    antiinstitucionalismo e sua crena excessiva no hiper-racionalismo da tomada de

    decises polticas (cf. Bohman, 1996, p.246). No poderia outorgar-se legitimidade,

    pela via da participao, a uma realidade profundamente antidemocrtica?

    Problemas como este ltimo, oferecem sustentao s crticas que os

    defensores do modelo democrtico elitista-competitivo fazem s perspectivas

    alternativas. Giovanni Sartori, por exemplo, apoiando-se em concluses como as

    analisadas, afirma que la prueba democrtica es la prueba electoral; pues slo las

    elecciones expresan un consenso general, es decir, las opiniones de todo el pueblo

    (que se preocupa de expresar su opinin). Por el contrario, las voces que se dejan

    sentir por encima y ms all de las elecciones son voces minoritarias o de lites;

    son las voces de una fraccin normalmente reducida del pueblo. E incluso, millones

    28

  • de manifestantes no son el pueblo (mientras se deje sin voz a muchos ms millones

    de ciudadanos) (Sartori, 1989, p.120). O politlogo italiano agrega tambm: si la

    democracia concede - como lo hace - el derecho de decidir su destino a todo el

    pueblo, las opiniones que indican un consenso general o, a la inversa, un disenso

    general respecto al gobierno son las expresadas por los votantes en general en las

    elecciones, y solamente va elecciones (Ibid., p.120-121). A democracia, segundo

    este autor, entendida sob uma forma mais radical, poderia negar sua voz maioria,

    degeneraria em um elitismo ainda mais acentuado daquele que se procurava

    neutralizar, por meio da substituio das elites existentes por contra-elites. O

    participacionista acabaria convertendo-se, ele tambm, em elitista, dado que a

    participao intensa apenas seria possvel em grupos pequenos. Para Sartori, a

    democracia representativa, pelo contrrio, garantiria que os moderados e passivos

    tivessem, ao menos, a oportunidade de opinar (cf. ibid. 154,157; Sartori 1997; veja-

    se tambm em relao a este ponto os comentrios de Phillips, 1996, p.50).

    Outras questes que tm sido objeto de insistentes comentrios: como

    estabelecer qual seria a unidade adequada ou o contexto para cada tipo de decises?

    Como determinar em que mbitos a democracia participativa seria desejvel ou

    relevante? Seria operativo um critrio exclusivamente territorial para a criao de

    novas esferas de participao e adoo de decises? Cook e Morgan sustentam que

    uma definio territorial poderia ter sentido para aqueles que vivem e trabalham em

    pequenas localidades ou em reas rurais, mas pode no t-lo para a grande maioria

    dos cidados de qualquer pas industrializado: enormes contingentes cruzam

    diariamente os limites de seu espao de residncia para trabalhar, para ir fazer suas

    compras, para ocupar seu tempo de cio e vrios milhes de pessoas mudam de

    domiclio a cada ano (cf. Cook & Morgan, 1971, p.22-25). Outro ponto relacionado:

    caso se realizasse uma descentralizao territorial profunda demais se poderia

    chegar a omitir a considerao de assuntos e fatores interlocais, inter-regionais e

    nacionais, fatores que no possam ser compreendidos e tratados mediante a

    implementao de unidades exageradamente reduzidas (cf. Pennock, 1979, p.459).

    29

  • Este tema da relao entre o tamanho da unidade de tomada de decises, as

    oportunidades para que as pessoas realmente participem de forma direta e as

    possibilidades de adoo e implementao de polticas coerentes e compatveis em

    espaos maiores, seria fundamental no momento de pensar na viabilidade dos

    modelos de democracia participativa que se propem. Como j apontavam Cook e

    Morgan, a incios dos setenta, as presses para manejar os assuntos sociais e

    polticos mais relevantes em unidades maiores esto em crescimento, em geral os

    grandes problemas que enfrenta a humanidade levam a subir a escala das unidades

    governamentais, mais do que a diminu-la (cf. Cook & Morgan, 1971, p.27-29).

    Economia, meio ambiente, segurana nacional, sobrevivncia, dependeriam em

    grau crescente de foras e atores externos, que estariam alm das fronteiras dos

    estados nacionais. A transnacionalizao dos assuntos limitaria severamente a

    capacidade de ao dos cidados e de seus governos (cf. Dahl, 1993, p.382-383).

    Nas pginas que se seguem tentaremos deter-nos sobre alguns pontos que

    deveriam considerar-se de primordial importncia para o desenvolvimento de uma

    teoria ou modelo mais acabado que pugnasse por uma democracia genuinamente

    participativa. Basicamente poderiam ser agrupados ao redor de quatro questes: a) a

    anlise das classes sociais, o conflito de classes e da propriedade dos meios de

    produo; b) a objetvel relao que os tericos participacionistas estabelecem entre

    a poltica local e a poltica nacional; c) a forma em que analisada a questo da

    complexidade dos assuntos de governo; e, por ltimo, um tema fundamental: d) a

    maneira em que os autores participacionistas encaram o fenmeno da apatia cidad.

    a) No que se refere s classes sociais, o conflito de classes e a propriedade

    dos meios de produo, nem todos os participacionistas analisam estes temas com a

    profundidade suficiente. Assim, por exemplo, Carole Pateman afirma que pouco se

    disse a respeito da propriedade da indstria em um sistema participativo, uma vez

    que isso nos afastaria muito de nosso tema principal (Pateman, 1992, p.143, n.1).

    Como pensar em uma democracia qualitativamente distinta e no tratar a questo

    central de quem ser o detentor dos meios de produo? No haver, talvez,

    30

  • veladamente, uma definitiva resignao manuteno do sistema capitalista?

    Seguindo Atilio Born, na sua crtica a posturas como as de Ernesto Laclau e

    Chantal Mouffe - em certo sentido continuadores da corrente participacionista -,

    poderia afirmar-se que postular uma democracia radical no nos deveria levar a

    renunciar superao do capitalismo (cf. Born, 1996, p.38). Caberia coincidir,

    tambm, com a comentarista Brbara Epstein, que espera que o fato de pugnar pela

    disperso da democracia em mais campos, esferas e espaos, no implique

    abandonar a luta pela democratizao do prprio Estado. Muitos autores estariam

    procurando substituir o socialismo como ideal pela democracia radical, conceito,

    segundo Epstein, perigosamente mais fcil de ser apropriado e deformado por parte

    dos setores conservadores (cf. Epstein, 1996). David Trend aponta que a busca de

    uma democracia radical e plural no deve levar a minimizar a importncia dos

    assuntos econmicos, a no se ocupar mais da redistribuio e da estrutura

    econmica e a dedicar-se to somente ao sujeito e suas definies (cf. Trend, 1996b,

    p.16).

    Assim como a discusso da propriedade nem sempre aparece, tampouco est

    o suficientemente destacado por todos os participacionistas o estudo das classes

    sociais, o estudo do conflito de classes. Ser que os autores supem que por meio de

    simples arranjos institucionais e sem levar em conta a densidade das foras sociais

    em pugna, vo poder transformar a democracia? O professor Macpherson reconhece

    que os expoentes da democracia desenvolvimentista no sculo XX foram ainda

    menos realistas que Mill quanto a isso: de modo geral, eles escreveram como se os

    problemas de classes se houvessem dissipado, ou estivessem desaparecendo,

    cedendo lugar a diferenas pluralistas que eram no apenas mais controlveis

    como tambm positivamente benficas (Macpherson, 1978, p.54). Macpherson

    aponta como pr-requisitos de uma democracia participativa, a mudana da

    conscincia do povo (ou da sua inconscincia) [e] uma grande diminuio da atual

    desigualdade social e econmica (Macpherson, 1978, p.102-103). Mas, apesar de

    sua clara conscincia no sentido de que a democracia requer mudanas econmicas

    profundas, como indica um comentarista da sua obra, Macpherson rarely refers to

    31

  • class and is concerned largely with the problem of securing maximum individual

    development (Morrice, 1994, p.659). Ainda quando faa numerosas aluses sobre

    o tema em outras de suas obras (cf. por exemplo La realidad democrtica [1966],

    1968), C.B. Macpherson no alcanaria em sua anlise um grau de desenvolvimento

    mais extenso e profundo sobre este ponto.

    Peter Bachrach, em contrapartida, d uma importncia maior ao tema, ainda

    que em um livro bastante posterior ao seu j conhecido Crtica de la teora elitista

    de la democracia (1973), onde nem considerou a questo. apenas ento com

    Power and Empowerment: A Radical Theory of Participatory Democracy (1992),

    escrito junto com Aryeh Botwinick, que Bachrach postula como essencial entender

    que a luta de classes positiva para a democracia. Nas suas palavras: Working-

    class struggle should thus be encouraged as a way of revitalizing our failing

    democratic polity by realigning political parties along class lines and expanding

    citizen participation and public awareness of issues of national concern (Bachrach

    & Botwinick, 1992, p.x). Destacando tambm, neste novo livro, que fundamental

    limitar o poder das grandes corporaes e politizar os trabalhadores, como formas

    de revitalizar e expandir a democracia poltica; e imperioso, outrossim, propiciar

    coalizes entre estes ltimos e outros grupos mobilizados, tais como as feministas,

    os ecologistas, os vizinhos e os lutadores pelos direitos civis. Em resposta s crticas

    sofridas por aqueles que se limitavam a estudos que no transcendiam as portas das

    fbricas, Bachrach e Botwinick alegam que seus objetivos so muito mais amplos

    do que a simples democratizao da indstria. Seus objetivos implicariam uma

    redistribuio do poder na sociedade em termos de classe, a substituio de regras

    oligrquicas por regras democrticas em todas as esferas e a mudana das normas

    sociais que tm um vis classista e favorecem a certos grupos privilegiados. Estes

    autores reafirmam, ademais, em numerosas oportunidades ao longo desta obra, que

    a luta de classes uma forma democrtica de mudana social. A luta de classes

    poderia facilitar a expanso e o fortalecimento da democracia, ao contrrio do que,

    em geral, argumentam aqueles que aderem verso competitiva-elitista, para os

    32

  • quais qualquer conflito que se gerasse entre as classes colocaria em srio risco a

    sobrevivncia do sistema democrtico (cf. ibid., passim).

    Evidentemente, para no mnimo pensar em uma democracia mais viva, mais

    forte, mais audaz, radical, profunda e participativa, dever-se-ia considerar o conflito

    de classes, pois a democracia sob um sistema capitalista encontra limitaes de

    classe que impedem sua expanso. Daria a impresso de que, s vezes, certos

    autores insinuam uma democracia harmoniosa demais, como se os conflitos no

    fossem subsistir, ainda incluso em uma hipottica, e por eles nem sempre

    imaginada, sociedade sem classes. Imaginar uma sociedade sem conflitos implicaria

    a eliminao de toda diferena, e sem pluralismo ficariam suprimidas,

    indubitavelmente tambm, a poltica e a prpria democracia. Como diz o pensador

    mexicano Carlos Pereyra, una teora de la democracia que apuesta a situaciones

    de armona universal se mueve en el vaco (Pereyra, 1988, p.101). A democracia

    nunca poderia pressupor a ausncia de disputas, de projetos ou vises discordantes;

    mas ao que sim pode e deveria aspirar, a encontrar formas e mecanismos

    pacficos, justos e igualitrios de resolver tais conflitos. O antagonismo tem um

    carter irredutvel. Em poltica sempre o interesse pblico assunto de debate, e um

    acordo final nunca pode ser alcanado. Imaginar tal situao seria sonhar com uma

    sociedade sem poltica. Poder-se-ia ambicionar no a eliminao do desacordo, mas

    tratar de cont-lo dentro de formas que respeitassem a existncia das instituies

    democrticas.

    Quem sim d um lugar mais destacado a estes temas so autores como Carol

    Gould ou Samuel Bowles e Herbert Gintis. Concentrando-nos nas argumentaes de

    Gould, podemos ver como ela prope um modelo onde a democratizao da esfera

    econmica um dos elementos fundamentais. Tal modelo seria baseado na

    autogesto dos trabalhadores, na combinao de mecanismos de mercado e de

    funes de planificao e regulao e em formas de redistribuio do ingresso. Para

    esta autora, a autogesto implicaria a propriedade do capital, o controle e a gesto

    de cada firma, por aqueles que trabalham nela (cf. Gould, 1988, p.250). Para Gould

    33

  • deveria se dar uma maior nfase ao estudo da esfera produtiva, e no apenas ao

    espao da distribuio. A justia, na organizao da produo, seria conseqncia

    da autogesto dos trabalhadores na tomada direta de decises econmicas no

    processo produtivo, assunto que nem todos os autores encarariam desta forma:

    although other theorists have argued for such workersself-management, they have

    not seen it as required by justice, but rather by such other values as meaningful

    work, property rights, or productive efficiency, or most generally, by the value of

    democracy itself (Ibid., p.133).

    Os trabalhadores, na autogesto da empresa, se ocupariam de questes de

    planificao e organizao da produo ou da proviso de servios, taxas de

    produtividade, distribuio de tarefas, horas de trabalho, disciplina, poltica de

    distribuio de ingressos e dividendos. Sem que isto implique, necessariamente, que

    todos os trabalhadores devam tomar parte em todas e cada uma das decises que

    tm relao com a produo e venda dos produtos, pois poder-se-iam delegar

    funes a diretores e gerentes que os prprios trabalhadores escolheriam: It is

    clear, then, that workers self-management as it is described here involves more

    than worker participation in the management decisions of privately owned

    corporations. Rather, it is understood as worker control, that is, as involving

    property rights of ownership, as well as management rights. In this way, this view

    entails a conception of social or cooperative ownership of the means of production

    by the participating workers in a firm (Gould, 1988, p.145, cf. tambm p.250).

    Cabem alguns esclarecimentos: face a eventuais crticas, de destacar que no

    modelo de Carol Gould no h espao para a existncia de um mercado de trabalho,

    o trabalho como mercadoria ficaria suprimido. Tambm cabe ressaltar a previso

    que a autora realiza em relao s questes sociais e econmicas mais amplas, que

    transcendem os limites da empresa, para as quais deveriam criar-se mecanismos de

    planificao local, regional ou nacional - investimentos, tributao e Estado

    Providncia, por exemplo - nos quais poderiam participar todos os atingidos, e no

    to somente os trabalhadores. Tais assuntos fariam parte, deste modo, do processo

    34

  • poltico de tomada de decises em um governo democrtico. Atravs da regulao

    dos mercados e da criao de comisses de planificao e de investimento -

    democraticamente representativas -, se poderiam assegurar os interesses sociais

    mais gerais, prevenir abusos no sistema mercantil e atender certas necessidades

    sociais e polticas de pesquisa cientfica e inovao tecnolgica (cf. Gould, 1988,

    p.146,252-254).

    No que se refere especificamente atuao dos trabalhadores dentro das

    empresas, Gould distingue os seguintes pares de opes contrastantes: Do workers

    simply have a right to some input into managerial decisions that are ultimately

    made by others (that is, to what has been called worker participation); or do they

    have a more extensive right to make managerial decisions themselves, either

    directly or through a right to appoint and recall managers (what has been called

    worker control)? What is the locus of such decision-making? Is it at the level of

    the immediate or smallest work unit or shop committee, or is it at the level of the

    firm? Or again, is such decision-making properly located at the level of workers

    representation in industrywide or national economic policy-making and planing?

    (Gould, 1988, p.2-3). A autora, evidentemente, defende uma viso ampla da

    participao operria nas indstrias, com quotas importantes de poder de deciso

    tanto nas empresas, quanto em relao capacidade real de opinio e resoluo

    sobre os grandes assuntos econmicos nacionais.

    Gould busca diferenciar sua proposta e anlise daquele efetuado por

    Macpherson. Segundo ela, Macpherson analisaria a participao democrtica nos

    processos de tomada de decises sob uma forma quase que exclusivamente poltica.

    Ainda quando mencionasse tambm a participao nos assuntos econmicos, ele

    apontaria principalmente para a participao nas decises polticas sobre a vida

    econmica, advogaria por incrementar o controle poltico democrtico estatal sobre

    as esferas econmica e social. Macpherson no contemplaria a idia da participao

    dos trabalhadores na tomada de decises relativas a seus prprios lugares de

    trabalho. Macpherson does not elaborate the idea of direct participation by

    35

  • workers in decision-making concerning their workplaces or firms. That is, there is

    little consideration of questions of workersself-management or worker control,

    issues that are central to my own argument for the extension of democracy to the

    sphere of economic life (Gould, 1988, p.20,186).

    Iris Young, em Justice and the Politics of Difference aponta em igual

    sentido: basic decisions about enterprise should be made by a democratically

    elected and representative legislature accountable to those who elected them. Such

    basic decisions might include what will be produced, or what services will be

    provided; the basic plan and organization of the production of service provision

    processes, including the basic structure of the division of labor; the basic wage and

    profit-sharing structure; the capital investment strategy; the establishment of

    bylaws and basic rights of workers within the enterprise, as well as procedures for

    protecting those rights and adjudicating disputes; and the basic rules for hiring and

    promotion, as well as procedures for choosing elected officials. E deixa claro que

    os trabalhadores devem participar, indubitavelmente, nas questes relacionadas com

    seu trabalho imediato e no meio em que o realizam, tornando suas vidas mais

    interessantes e brindando oportunidades para um melhor desenvolvimento de suas

    habilidades e capacidades. Young resgata, tambm, que a comunidade deveria ter

    seus representantes em todos aqueles assuntos que afetassem a vida social fora da

    empresa (Young, 1990, p.223-224).

    Voltando objeo central que fizramos a alguns dos autores

    participacionistas, cabe ressaltar, como o faz David Held, que a transformao das

    relaes capitalistas de produo e a eliminao da rgida diviso social do trabalho

    seriam requisitos fundamentais para o florescimento da democracia, de modo tal

    que as pessoas pudessem participar plenamente na regulao da vida poltica,

    econmica e social (cf. Held, 1992, p.330). Bowles e Gintis, em igual sentido,

    procuram a progressiva extenso da capacidade das pessoas de governar suas vidas

    pessoais e histrias sociais, para o qual haveria de se eliminar as instituies da

    economia capitalista, making good this commitment, we will argue, requires

    36

  • establishing a democratic social order and eliminating the central institutions of the

    capitalist economy (Bowles & Gintis, 1986, p.3). Concordando com Dahl, pode-se

    afirmar, tambm, que la transformacin de una economa de propiedad privada a

    otra de propiedad social o pblica eliminara, o reducira enormemente, los

    conflict